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O papel da família e das redes primárias


na reestruturação das políticas sociais

The role of family and primary net work


in the reform of social policies

Ma u ro Serapioni 1

Ab s tract The crisis of Welfare State has been Re su m o A crise do Estado de Bem - Estar Social
contri bu ting to rediscover the family, primary tem co n tri buído pa ra a red e scoberta da família,
netwo rks and co m munities as fundamental ac- das redes primárias e da co munidade como ato re s
to rs to perfo rm so cial pol i cies. The family, pa rtic- fundamentais na efetivação das pol í ticas so ciais.
ularly, has attra cted more and more atten tion of A família é cada vez mais objeto de atenção das
governmental insti tu tions and so cial sci en tists fo r instituições governamentais e dos ci en tistas so ci a i s
its role of protection, help and care. Actually, there pela grande quantidade de atividades de proteção,
a re many proposals of so cial pol i cies ba sed on the ajuda e cuidado que ela desenvolve . Atu a l m en te ,
conception of “co m munity care”, wh i ch aim to há várias propostas de políticas so ciais ba se a d a s
h old the co m mu n i ty co - re s po n s i ble for so cial and na co n cepção de “cuidado co munitário”, que obje-
health problems. The Brazilian Fa m i ly He a l t h tivam co - re s po n s a bilizar a co munidade em rel a-
Program is one of these strategies, whose the main ção aos probl emas so ciais e de saúde. Uma das es-
objective is to provide basic health care to families tra t é gias é o Pro grama de Saúde da Família, que
and co m munities. However, constant ch a n ges at visa ofere cer serviços de atenção básica às famílias
the organization of the family, basically in its e às comunidades. Observa - se, po r é m , uma pro-
co m po s i tion, structu re and function, m a ke diffi- funda tra n sformação na organização da família,
cult devel opm ent of effective policies fo c u sed on na sua co m posição e estru tu ra e sua função. O de-
the family pa rticipation. In the light of this co n- senvolvi m en to de uma pol í tica mais efetiva nessa
text , it is impo rtant to design adequate stra tegies á rea deve promover um pro ce s so de educação co n-
to promote a co n tinuing education pro cess for ti nuada dos profissionais, a profundando sua fo r-
health professionals, which could complement mação quanto à abord a gem familiar e co mu n i t á-
their knowl edge in familiar and co m munity ap- ria. Os pl a n eja d o res de pol í ticas so ciais dispõem
proaches. Thus, social policy makers have oppo r- de várias po s s i bilidades pa ra introduzir novas e
tunity to introdu ce innova tive and cre a tive ideas criativas inici a tivas em nível de co mu n i d a d e , que
at commu n i ty level , wh i ch could va l o ri ze the rol e ofere cem a opo rtunidade de va l o rizar o pa pel do
1 Un ivers i d ade Estadual
of i n fo rmal care , s pe cially, that del ivered by rel a- cuidado informal, em particular o cuidado su b-
do Ce a r á , Me s trado tives, in ord er to integra te these activi ties to them ministrado pelo pa ren tesco, e pa ra integrá-lo às
em Sa ú de Pública. carried out by the institutional care providers. a tividades realizadas pelos serviços insti tu ci o n a i s .
Av. Pa ra n jana 1.700, Key word s Fa m i ly, Fa m i ly health pro gra m , In- Pa l avras-ch ave Família, Saúde da família, Cui-
Serrinha, 60740-020,
Fortaleza CE. formal care, Community care, Social policies dado info rmal, Cuidado co mu n i t á ri o, Políticas
mauro_serapion i @ ya h oo. e s sociais
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In trodução men te mais elevadas entre as pessoas com es-


cassas relações sociais (Glenn, 1975; Cobb,
A família desem penha um papel import a n te na 1976; Berkam & Syme, 1979; F i n ch , 1989; An-
provisão de cuidado informal para seus mem- drade & Vaitsman, 2002). Portanto, h oje em
bros. Há um geral recon h ec i m en to, hoje em dia, todos recon h ecem que a família con tri bu i ,
dia, de que ela está no centro das funções de de maneira fundamental, para o bem-estar da
c u i d ado. Uma gra n de parte do cuidado acon te- população e recom endam que as políticas so-
ce no lar. A vida qu o tidiana dom é s tica é carac- ciais, os governos e as or ganizações não-gover-
teri z ada pelo aten d i m en to às nece s s i d ades físi- n a m entais apóiem as famílias no de s envolvi-
cas e psico l ó gicas dos diferen tes membros da men to dessa import a n tetaref a .
família. É no seu con texto social que se salva- Entret a n to, a crise do Estado de Bem - e s t a r
guarda a saúde e se lida com as doenças. A fa- Social vem prom oven do, nos países industria-
mília repre s en t a , na verd ade, a unidade básica l i z ados, uma série de qu e s ti on a m en tos sobre o
de atenção à saúde; é o pri m ei ro nível de aten- papel do Estado e da sociedade na resolução
ção à saúde. Nesse sen ti do, o cuidado familiar dos probl emas sociais (Smith & In gra m , 1993).
con s ti tui o fundamen to do cuidado comu n i t á- É como se a teia de solidariedade social qu e
ri o. Uma pe s quisa re a l i z ada em 1996 pela B ri- embasou a criação do pr ó prio Estado de Bem-
tish Medical As sociation evidenciou que 80% Estar Social se tivesse esga r ç ado, à medida qu e
das doenças men ores são diagnosticadas e tra- a sociedade transferiu ao Estado toda e qu a l-
t adas em casa, s em a intervenção dos prof i s s i o- qu er re s ponsabilidade sobre as demandas so-
nais de saúde (Siza, 2000). Há quase vinte e cin- ciais. Nos últimos anos, há uma cl a ra ten d ê n c i a
co anos, Levin (1979) tinha ch egado às mesmas de rede s coberta dos setores informais, das fa-
con clu s õ e s , regi s tra n do que 75% de todo o cui- mílias e da comunidade como atores impor-
d ado com a saúde acon teciam no con tex to in- tantes na efetivação dessas po l í ticas. Em outra s
formal da família ex ten s a . Ainda no Reino Un i- palavras, começa-se a recuperar aqu eles su j ei-
do, estima-se que cerca de 5,7 milhões de pes- tos (famílias, comu n i d ades de vizinhos, vo lun-
soas estão reg u l a rm en te envo lvidas na provisão tariado, grupos de auto-ajuda, or ganizações
de cuidados na comu n i d ade (Cl a rke, 2001). Ca l- não-govern a m entais) que, de diferen tes formas
culando o número de horas dedicadas ao cui- e com diferen tes níveis de envolvimen to, de-
d ado de familiare s , alguns investigadores che- senvo lvem funções assistenciais e de cuidado.
garam a estimar os gastos financei ros equ iva- O atual deb a te sobre o re s su r gi m en to da fa-
len tes ao total do or ç a m en to dos serviços so- mília no cen á rio das políticas sociais é caracte-
ciais e de saúde (Finch, 1989). rizado por controv é rsias e polêmicas entre as
No gera l , as pesquisas dos últimos 25 anos d i feren tes forças políticas. Trad i c i onalmente, as
têm de s t ac ado o papel fundamental da família forças políticas que su s ten t a ram a modern i z a-
e das redes sociais na atenção e na promoção ção haviam identificado a família como um
da saúde, nas três seguintes direções (Siza, obstáculo à modernização da soc i ed ade. Su ce s-
2000): 1) no fortalec i m en tode relações que pro- s ivamente, os liberais de s cobri ram as poten c i a-
du zem saúde ou increm entam a capac i d ade de l i d ades da família em su b s ti tuir algumas inter-
en f rentar even tos críticos e mobilizar rec u rs o s venções do Estado, que eram con s i deradas bu-
adequados; 2) no desenvo lvimento da capaci- roc r á ticas e mu i to custosas. A partir dos anos
dade de manutenção e promoção de relações 70, também as forças de esqu erda começaram a
de su porte social no âmbi to do paren te s co ex- recon h ecer a importância social das famílias.
ten s o, da vizinhança e do associac i onismo de An tes de analisar as políticas de saúde ba-
ajuda mútua; 3) no melhoramento do ace s s o s e adas no cuidado familiar e comu n i t á rio e an-
aos serviços de saúde, graças a sua função de tes de poder apreciar o efei to dessas políticas, é
mediação e de con h ec i m en to das oportunida- necessário com preender a natu reza das mu-
des e dos cri t é rios de ace s s o. danças acon tecidas na estrutu ra e na or ga n i z a-
As pesquisas ep i demiológicas e psicosso- ção da vida familiar na soc i ed ade modern a . Pre-
ciais têm dem on s trado os efei tos positivos das cisamen te , temos de saber como as recen tes mu-
relações sociais na evo lução de inúmeras pato- danças nos modelos familiares têm afetado as
l ogias. Coesão e solidez dos laços familiares po- h a bi l i d ades das famílias para de s em penhar as
dem reduzir a percepção da gravidade dos funções de cuidado informal. Os re s pon s á vei s
eventos mórbidos. Segundo vários autore s , a pelas políticas de saúde devem estar con s c i en-
mortalidade e a morbidade são significativa- tes das mudanças ocorridas nas últimas déca-
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das na vida familiar, a n tes de introduzir qual- f a m i l i a res e as implicações que cada uma tem
qu er tipo de po l í tica pública que pretenda in- no seu rel ac i on a m en to com as po l í ticas soc i a i s .
cen tivar o cuidado inform a l , s eja da família, s e- In depen den tem en te da discussão term i n o-
ja das redes de suporte soc i a l . lógica e con ceitual, a família tem de ser com-
An tes de discutir, no en t a n to, o impacto das preendida com o : a) interc â m bio simbólico en-
mudanças nos modelos or ga n i z ac i onais da fa- tre gêneros e gerações; b) mediação en tre cul-
mília, é preciso definir com mais cl a reza o qu e tu ra e natu re z a ; c) mediação en tre esfera priva-
nós en ten demos pelo termo “família”. da e esfera públ i c a . Nesse sen ti do, a família de-
ve ser en tendida seja como relação intersubj e-
tiva do mundo da vida, seja como instituição
Definição do con cei to de família ( Don a ti & Di Ni co l a , 1996).

A família forma a unidade básica da or ganiza-


ção social na nossa soc i ed ade. Para alguém ela Mudança da família
repre s enta o pré-requ i s i tode um sistema soc i a l
e s t á vel. Muitos cien tistas sociais, en tret a n to, Nas últimas décad a s , h o uve significativas mu-
percebem um declínio da família como institui- danças seja na estrutura e funções da família,
ção social e su s tentam que a família tem perd i- seja na dinâmica interna da vida familiar. Essas
do sua autoridade moral e seu sentido de re s- mudanças, porém, têm implicações, também,
pon s a bi l i d ade e, s om en te vo l t a n doaos valore s na provisão de cuidado inform a l .
da família trad i c i on a l , é possível deter o decl í- Do ponto de vista das funções, a família
nio mora l . Esse ti po de análise contém uma ima- perde a sua estrutura mu l ti f u n c i onal (unidade
gem idealizada da família: um casal hetero s s e- de produção e con su m o, deten tora de mec a n i s-
xual casado, incluindo os parentes biológicos da mos de transmissão cultu ral de valores e nor-
criança, form ado por um único domicílio mo- mas, de integração social de seus mem bro s , de
nofamiliar. Essa ti po l ogia con s ti tui o que mu i- socialização primária e secundária das novas
tos def i n em como núcleo familiar normal ou gerações, de con trole da propri ed ade) qu e , tra-
família tradicional. (Clarke, 2001) dicionalmen te , a s sumia e qu e , a gora, é assumi-
An a l i s a n do, con tu do, dados referen tes à ti- da por outras agências, como a esco l a , a fábri-
po l ogia e estrutura da família de qu a l qu er país ca, o mercado, os meios de comu n i c a ç ã o, a
oc i dental, industrializado ou em desenvo lvi- igreja, etc. (Don a ti & De Ni co l a , 1996). Na so-
men to, pode-se observar que a família não é ciedade moderna, a família tende a se reduzir
uma entidade fixa, mas uma pluralidade de for- sempre mais à família nu clear, manten do um
mas. Então, diante da existência dos diferen tes número limitado de funções, en tre as qu a i s : a
ti pos de família, o uso do termo “família” pode estabilização do equilíbrio da personalidade
confundir. Vários estudiosos, por exemplo, para adulta e a socialização pri m á ria dos novos nas-
evitar essa con trov é rsia con cei tu a l , têm preferi- cidos (Pa rs ons & Ba l e s , 1974). Trata-se, por é m ,
do adotar uma abord a gem mais pragmática e de duas funções, que, embora re s i duais, são
preferem falar de “f a m í l i a s”(Clarke , 2001), de muito importantes, já que somente a família
“vida familiar” (Don a ti & Di Ni co l a , 1996) ou, pode desempen h a r. Por isso, ainda se con s i dera
ainda, de “formas em p í ricas de família” (Vaits- importante o papel da família na sociedade
man, 1999). moderna e con temporânea. De fato, afirmam
Q u eremos manter o termo “f a m í l i a” para Don a ti & De Ni cola (1996) que nuclearização
en ten der um modelo ideal de família (no sen ti- não é sinônimo de perda de cen tra l i d ade da fa-
do jurídico-legal), ou é mel h or adotar uma di- mília.
ferenciação social e cultu ral do termo? Em ou- Do pon to de vista da estrutu ra , ela se tra n s-
tras palavras, o concei to de família serve para forma de ex tensa para nuclear. Geralmen te ,
designar somen te as famílias baseadas no ma- atri bui-se ao processo de indu s trialização e ur-
tri m ô n i o, ou tem de inclu i r, também, todas as banização a respon s a bi l i d ade pelo declínio da
o utras formas de família empiricamente exis- família ex tensa e o surgi m en to da unidade fa-
tentes? miliar nuclear. Essa hipótese, entretanto, tem
Não cabe ao cien tista social re s pon der a es- sido qu e s ti on ada por vários estudiosos por vá-
se dilema de natu reza ética, política e jurídica. rias razões:
Ao cientista social cabe analisar as várias for- 1) con s i dera n do o índice de ex pect a tiva de vi-
mas em que se verificam as diversas condições da prevalecente nos séculos 18 e 19, não era
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muito comum a coexistência de três gerações men te aqu eles inter gerac i on a i s , têm se refor ç a-
no mesmo lar, e não era comum que os av ó s do, con trad i zen do o modelo pars oniano da fa-
p u de s s em cuidar das crianças; mília nu clear.
2) evidências demonstram que a industriali- Nas últimas décad a s , a família tem passado
zação não tem levado à redução do tamanho da por várias crises nas sociedades industrializadas
família, mas tem incen tivado a formação de fa- ou naqu elas em de s envo lvi m en to. As diferen te s
mílias ex ten s a s , uma vez que a ocupação de ho- crises que têm afetado a família propiciam o
m ens e mulheres na indústria tornou nece s s á- surgimento de novo tipo de família (e não a sua
ria a pre s ença de outros paren tes nodom i c í l i o ; ex tinção, como teorizaram as corren tes evo lu-
3) outros estudiosos têm qu e s ti onado a posi- c i onistas) e novas ref l exões sobre a família. Por
ção da família nuclear con temporânea como isso, o interesse de cien tistas sociais, de profis-
isolada do paren tesco. É qu e s ti onado, em par- s i onais e de políti cos tem sido sempre maior.
ticular, o fato de a nu cl e a rização ser interpret a- Nesse sen ti do, Ferra ri & Ka l o u s tian (1998) afir-
da como isolamen to e qu ebra das relações com mam que a família bra s i l ei ra , em meio a disc u s-
o paren te s co. Litwak (1960), por exem p l o, con- sões sobre a sua desagregação ou en f raquecimen-
trapõe o con cei to de família nu clear de Parsons to, está presente e perm a n e ce en q u a n to espa ç o
(1974) ao con cei to de “família ex tensa mod i f i- privilegiado de socialização, de pr á tica de tole-
cada”. Pa ra Litwak (1960), a família isolad a rância... e de lugar inicial pa ra o ex erc í cio da ci-
mantém import a n tes relações com a família de dadania.
origem, embora não haja coa bi t a ç ã o. Em ou-
tras palavras, a família nu clear é indepen den te
como dom i c í l i o, mas conti nua sen do parte do Novos padrões de família
grupo mais amplo do paren te s co. Nesse sen ti-
do, Ro s en m ayr e Kockeis (1963, apud Finch, Entre os fatores que têm re sultado no surgi-
1989) falam de “intimidade a distância” para m en to de novas formas familiares cabe desta-
ex pressar essa nova con f i g u ração familiar. A re- car as mudanças na legislação que regula as re-
lação extensa do parente s co e o suporte recí- lações con jugais e de filiação; a ruptura da di-
proco repre s entam aspectos import a n tes da vi- co tomia entre papéis públ i cos e privados, se-
da da família con temporânea (Clarke, 2001). g u n do o gênero ; o cre s cen te processo de indi-
Ex i s te uma rede de paren te s co não-re s i dencial vi dualização econ ô m i co e cultu ral dos su j ei to s ;
que provê ajuda e suporte em caso de nece s s i- a pluralização dos estilos de vida; a igualdade
dade. Os avós e outros paren te s , como de- en tre os sexos e a con s eq ü en te ru ptu ra de casa-
m on s tram muitas pesquisas, con ti nuam sen do mentos sentidos como insatisfatórios (Vaits-
provedores de cuidado den tro da família ex ten- man, 1999; Don a ti & Di Ni co l a , 1996).
sa. Por isso, os soc i ó l ogos preferem falar de “f a- A mudança dos modelos familiare s , um da-
mília ex tensa mod i f i c ad a”, ao invés de “família do ineg á vel, é objeto de análise e debate nos
nu clear isolad a” (Mor gan, 1975). principais fóruns internac i on a i s . Realmen te , a
No gera l , ex i s tem ainda diversas interpret a- redução do número de filhos, o ret a rdo do ma-
ções das conseqüências dessa nova dinâmica tri m ô n i o, o atraso da maternidade , o aumen to
familiar: alguns autores su s tentam que o re su l- da porcentagem de div ó rcios e o incremen to
t ado dos novos modelos familiares é a progre s- das uniões de fato repre s entam alguns dos in-
siva desmembração e dissolução dos laços de d i c adores familiares que caracterizam os países
p a ren te s co e de rec i proc i d ade familiar, até ch e- i n du s trializado s , como também mu i tos países
gar ao “final da família”. Outros autore s , ao em de s envo lvimen to. Esses fen ô m enos têm ti-
con tr á rio, a n a l i s a n doos estu dos em p í ri cos re a- do um impacto rel eva n te na estrutura dos nú-
lizados sobre a família, afirmam que os signos cl eos familiare s , produ z i n dosign i f i c a tivas mu-
que revelam a vitalidade das redes familiare s danças e novas formas de or ganização familiar
são diversos e abu n d a n tes (Finch , 1989; Com a s ( De Ussel, 1996). Ju n to com o padrão de famí-
D’Argemir, 1997; Donati & Di Ni co l a , 1996). lia nu clear que ainda representa o arranjo re s i-
De fato, a diversificação e a mudança das for- dencial predom i n a n te, ob s erva-se o su r gi m en-
mas de convivência não significam a perda da to das seg u i n tes tendências de organização da
i m portância da família na soc i ed ade modern a . família: 1) pluralização das formas familiare s ;
Seg u n do Comas D’Argemir (1997), a pesar das 2) aumen to das famílias mon op a ren t a i s ; 3) au-
formas de convivência terem mu d ado prof u n- men to das famílias com um único el emen to ; 4)
damen te , os vínculos de paren te s co, especial- su r gi m ento das famílias recon s ti tuídas.
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Também no Brasil, segundo Vaitsman (1999), com menos recursos humanos para lidar com
ob s erva-se esse mesmo processo de diferen c i a- todos os probl emas rel acionados à reprodução
ção da estrutura familiar: O Brasil jamais foi pri m á ria – precisa de uma rede de serviços qu e
uma sociedade homogênea quanto às suas for- a libertem do fardo de desempenhar inúmeras
mas de família... Atualmente as formas em p í ri- t a refas e fac i l i tem a sua dedicação pri ori t á ria às
cas de famílias co rrespondem cada vez menos à funções afetivas (Donati & Di Ni co l a , 1996).
família conjugal moderna estável e nu clear. Es te Embora su s ten t adas por corren tes ideo l ó gi c a s
m od elo en trou em cri se. Uma pe s quisa realizada opostas, ambas as interpretações dessa correl a-
em Florianópolis em 1993 (Rech et al., apud ção apontam para uma mudança nas relações
Takashima, 1998), con s t a tou que 73,3% das fa- entre família e instituições de welf are state e
mílias en trevistadas eram de ti po nu cl e a r; de s- uma revalorização do sistema de cuidado infor-
sas, 40% se autodenom i n avam “desestrutura- mal. De fato, é import a n te superar a lógica
d a s”, ou seja, “com problemas na dinâmica de atualmen te prevalecen te de satisfação das ne-
i n tera ç ã o”. As famílias matrifocais repre s en t a- ce s s i d ades, fortem en te baseada na polarização
vam 23,3% da amostra . O dado surpreen den te entre serviços ofertados pelas instituições pú-
dessa pesquisa – na opinião de Takashima blicas e serviços adqu i r í veis no merc ado. Essa
(1998) – foi o fato de que 64% dos “pais físi- polarização se su s tenta na aceitação do pre s su-
co s” eram considerados ausentes pelas mães po s to de qu e , na soc i ed ade con temporânea, a
en trevistadas. Os mais recen tes dados do censo família é isolada do paren te s co e de sua comu-
dem ogr á f i co sobre População e Domicílios do nidade. Entret a n to, muitas pesquisas têm de-
IBGE (IBGE, 2000) con f i rmam essa tendência. monstrado com o, a pesar das mudanças ocorri-
A proporção de mulheres re s pon s á veis pelo das na estrutura da família e nas relações comu-
domicílio passou de 18,1%, no ano 1991 para nitárias, o campo das redes sociais e da solida-
24,9% no ano 2000. ri ed ade primária (relações de paren te s co, de
amizades e de vizinhos) persiste e continua ten-
do uma sign i f i c a tiva rel evância para os su j ei to s ,
Fa m í l i a , funções assistenciais também nas soc i ed ades urb a n i z adas (Don a ti &
e po l í ticas sociais De Nicola, 1996). Realmente, a dinâmica demo-
gráfica (com redução da natalidade e o envelhe-
Há um con s enso en tre os cientistas sociais em cimen to da população) e as novas ten d ê n c i a s
reconhecer uma correlação inversa en tre fun- econômicas (com efei tos no trabalho e nos ín-
ções exercidas pelas famílias e de s envo lvi m en to dices de emprego dos jovens), junto a outros fa-
de po l í ticas soc i a i s . Hi s toricamente, o aumen to tores soc i oecon ô m i cos e culturais, têm con tri-
de serviços ofert ados pelo Estado de Bem - E s t a r buído para increm entar os interc â m bios mate-
corre s ponde a uma contração das funções fa- rial, social e afetivo entre diferen tes gerações
miliares, ou seja, qu a n to mais funções são con- (Comas D’ Ar gemir, 1997). Da mesma forma,
cen tradas nas famílias, t a n tomenos rel evante é têm aumentado, também, as trad i c i onais fun-
o papel das agências de serviços ex tra f a m i l i a re s ções assistenciais exercidas pela família, entre
e vice - versa (Don a ti & Di Ni co l a , 1996). Essa elas, as de pro teção, de ajuda e de cuidado das
correl a ç ã o, con tu do, tem duas diferen tes inter- pe s s oas depen den tes por motivos de saúde ou
pretações: a) uma interpretação negativa por de idade. Essas atividades são po u co vi s í veis
parte de quem enfatiza os efeitos de erosão e de- porque não se fazem no marco das relações tra-
bilitação cultu ral e social da família, como con- balhistas e são caracteri z adas por sua dimen s ã o
seqüência da contínua intrusão dos mecanis- moral e afetiva (Comas D’Argemir, 1997). Cabe
mos de políticas sociais e de outras agências de destacar, de acordo com a ex periência de mu i-
m erc ado, efei tos que Ha bermas (1997) ch a m a tos países ocidentais, que a maior parte das fun-
de co l onização do mu n do da vida e que redu- ções assistenciais re a l i z adas no âmbi to da famí-
zem a família a uma simples esfera privada e de- lia ou em nível de comunidade é re a l i z ada por
pendente das instituições do Estado de Bem-Es- mulhere s . Finch (1989) afirma qu e , no Reino
tar. A con s eqüência mais marc a n te é o fato de a Un i do, seg u n do as fon tes estatísticas, a gra n de
família ser sempre mais regulada por códigos maioria de pe s s oas recebe cuidados por parte
a l h eios que qu ebram a solidaried ade familiar; do paren te s co e que as mu l h eres subministra m
b) uma interpretação positiva no sentido de entre 75 e 85% desses cuidados.
que a família nuclear – sempre mais reduzida In i c i a tivas de solidari ed ade e de ações co l e-
no número de seus com ponen tes e, port a n to, tivas de apoio repre s entam, segundo Takashi-
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ma (1998), “formas de or ganização co tidianas bi t a ç ã o, ren d a , etc.) – para de s envo lver progra-
das famílias e ex periências vi t a i s” dos setore s mas sociais efetivos para enfrentar a pobreza
mais necessitados da população da América ( D ra i be , 1998).
Latina. Em relação ao Brasil, as pe s quisas têm
revelado várias atividades e redes de solidarie-
dade no nível dom é s ti co ou no nível comuni- Família e políticas de saúde
tári o. Takashima (1998), por exem p l o, tem
i den ti f i c ado três áreas de or ganização solidári a : A nece s s i d ade de uma mudança na relação fa-
a) redes espontâneas de sol i d a ri edade en tre vizi- mília-políticas sociais tem marcado o debate
nhos – casos de morte, de incêndio, doença etc.; i n tern ac i onal e nac i onal nos últimos 15 anos.
b) pr á ticas info rmais organizadas – a pr ó pria co- Rel a tiva m en te ao Brasil, vários estudiosos vêm
munidade assume a criança abandonada, de- criticando o trabalho até hoje desenvolvido
nu n cia casos de vi ol ê ncia etc.; c) práticas fo rm a l- com as famílias. Ca rvalho (1998) afirma que a
m en te organizadas, com agen te externo motiva- família tem sido uma ilustre desco n h e cida nas
dor. Ex em plos: sacolão; fábrica de sabão; projeto diretri zes e pro gramas propo s tos pela pol í tica so-
de geração de ren d a . . . cial bra s i l ei ra e recom enda retomar a família e
A va l orização das redes sociais e da família é a comu n i d ade como po n tos de pa rtida de pr á ti-
quase con temporânea ao surgi m en to da crise cas sociais alterativas e não simpl e s m ente alter-
econômica e fiscal dos Estados de Bem-Estar. n a tiva s. Isso significa que é urgente implem en-
Nesse con tex to, su blinha Ca rvalho (1998), re s- tar intervenções e ativi d ades de apoio que po s-
su r ge também a família e a comunidade. Essa sam alterar a qu a l i d ade da vida e a exclusão so-
convergência tem , de fato, l evado a recon h ecer o cial das famílias brasileiras. Para Vascon celos
p a pel das redes sociais e, no gera l , do ch a m ado (2000), as atenções prestadas à família são con-
tercei ro setor como import a n tes atores para sa- sideradas práticas conservadoras e po u co efi-
ti s f a zer as nece s s i d ades soc i a i s . Obviamente, es- c i en te s , “porque estão presas a uma cultura tu-
sa posição pode assumir diferen tes significado s : telar de relação com as classes pop u l a re s”, que
1) Pode ser en tendida como uma re s posta à não aceita a “a uton omia da família por não
crise econômica e fiscal do Estado de Bem - E s- confiar em sua capac i d ade”. Um exemplo des-
tar valorizando o trabalho da família e das re- tas práticas, segundo Carvalho (1998), é “a
des sociais primárias, o que significa, como afir- enorme resistência a programas de comple-
mam Donati & Di Nicola (1996), “uma repriva- mentação da renda familiar já ex i s ten te s . . . há
tização de serviços e mod a l i d ades de sati s f a ç ã o de zenas de anos em vários países do mundo”.
das nece s s i d ade s” e, p a ra l el a m en te , um parcial Essa postura re sulta – ressalta Vascon celos
redimensionamento do empenho do Estado em (2000) – em aumen tos de custos dos pro gra m a s ,
relação às necessidades das comunidades. em expansão exa gerada da buro cracia ge s to ra e
2) Pode ser en tendida como uma re s posta às em perda de qualidade.
novas nece s s i d ades e demandas relacionadas Outra crítica se refere à persistente frag-
mais à qu a l i d ade de vida, que à segurança ma- mentação e individualização das políticas so-
terial. Nesse sen tido, a valorização de cuidado ciais diri gidas às famílias, qu e , s eg u n do Takas-
i n formal e de redes sociais poderia repre s en t a r hima (1998), provocam “duplicidade ou des-
uma maior preocupação do Estado com os as- continuidade no atendimento às famílias” e
pectos rel acionais, de humanização e de pers o- não integram os diferen tes proj eto s , resultando
nalização das intervenções soc i a i s . Se isso acon- em uma série de ações atomizadas. Recomen-
tecesse, estaríamos diante de um processo de da-se, port a n to, o surgi m en to de propostas de
transição que nos leva ria em direção a uma so- integração das diferen tes intervenções no cam-
c i ed ade de serviços, ou seja, estaríamos diante po soc i a l , com vistas a su perar a atual fra gmen-
de uma en orme mudança soc i oeconômica e cul- tação, s eja das políticas públicas (direi to à saú-
tu ral: a passagem de um Estado de Bem-Estar a de , à educação, à habi t a ç ã o, ao tra n s porte, à se-
uma Sociedade de Bem-Estar (Donati & De Ni- g u rança etc . ) , s eja das do indiv í duo (direi tos da
cola, 1996). mulher, da gestante, da criança, do idoso, do
No con tex to do Bra s i l , a retom ada da famí- tra b a l h ador etc.). A gra n de maioria das po l í ti-
lia e das redes sociais como referência das po l í- cas soc i a i s , de fato, se diri ge – seg u n do Va s con-
ticas públicas é ju s tificada, também, como a es- celos (2000) – para o “atendimento indivi du a-
tra t é gia mais adequ ada – ao lado das interven- l i z ado das pessoas, descon s i dera ndo o univers o
ções sociais trad i c i onais (saúde, educação, ha- familiar e comu n i t á rio em que vivem”. A a ten-
249

ção à família – ac re s centa Carvalho (1998) – Uma nova proposta de política social:
to rn ou - se periférica. Quando exi s ten te, não era o o cuidado comu n i t á rio
a lvo, mas sim a mu l h er, o tra balhador, a cri a n ç a.
Ig u a l m en tequ e s ti on adas são as po l í ticas de Atu a l m en te , há um gra n de número de propos-
saúde vo l t adas para a família, con s i deradas ain- tas de políticas sociais baseadas na con cepção
da centradas em práticas trad i c i on a i s . E m bora de “cuidado comunitári o” (Community Care) ,
se reconheça a importância do Programa de que aproximam a assistência institucional e a
Sa ú de da Família (PSF) como pri m ei ra estra t é- não-institucional, a formal e a informal, in-
gia de reorientação do modelo de atenção à cluindo as redes de solidariedade primárias
s a ú de , vários estudiosos evidenciam sua abor- (paren te s co, a m i go s , vizinhos) e o vo luntari a-
d a gem ainda fundamen t ada no individualismo do. A proposta de Co mmunity Care surge nos
a s s i s tencial. Pa ra Neto (2000), é preciso de s en- anos 70, na área de saúde men t a l , como crítica
vo lver, no âmbi to dos serviços de atenção pri- às modalidades de provisão dos serviços insti-
mária, uma abord a gem familiar que con s i dere tucionais: Havia o co nven cimen to que qualquer
a família, não som ente como geradora de cri- forma de cuidado co munitário era preferível ao
ses, mas também de solu ç õ e s . tra t a m en toden tro das insti tu i ç õ e s (Clarke, 2001).
Na experiência co tidiana, observa-se que No Reino Un i do, a Co mmun i ty Care foi ampla-
qualqu er ti po de intervenção da equ i pe do PSF men te discutida entre cien tistas sociais e atu-
é con s i derado familiar: Nas visitas às famílias, a a n tes no campo dos serviços sociais e de saúde .
atenção fica muito dirigida aos aspe ctos que os O mesmo Relatório Griffiths (1988) recom en-
d iversos programas priorizam, como a amamen- dou aos serviços públ i cos de s em pen h a rem um
t a ç ã o, o uso de re - h i d ra t a n te oral, o controle da forte papel de suporte a favor dos recursos de
h i perten s ã o, etc . (Vascon cel o s , 2000). Nesse sen- cuidado informal: famílias, amigos, vizinhos e
ti do, é a unidade familiar, e não os indiv í du o s , outras pessoas locais. Su ce s s iva m en te, no ano
que deve ser tomada como base de refer ê n c i a 1990, o governo con s ervador desse país lançou
para desenhar os programas dirigi dos à saúde uma reforma do setor saúde (National He a l t h
da família (Draibe, 1998). Para Feu erwerker & Servi ce and Commun i ty Act), b a s e ada em al-
Al m eida (2000), o probl ema maior que a estra- guns princípios do cuidado comu n i t á ri o, com
tégia do PSF en f renta para sua consolidação e o prop ó s i to de reequ i l i brar a relação en tre cui-
ampliação en con tra-se na área de rec u rsos hu- dado formal e informal, e de estabel ecer parce-
manos. Não há ainda prof i s s i onais com perfil, ria en tre estado, indivíduos, famílias e grupos
competências e habi l i d ades nece s s á rias para de voluntariado (Cl a rke, 2001). Vale re s s a l t a r
com por uma equ i pe apta a desenvo lver uma que o governo con s ervador não qu eria som en-
a bord a gem familiar. O utro probl ema prem ente te envo lver famílias e grupos de voluntariado
é a dificuldade de en con trar soluções def i n i ti- na provisão do cuidado, em con cordância com
vas para as relações trabalhistas com os prof i s- as filosofias prof i s s i onais e os va l ores de de s i n s-
sionais do PSF, que permitam resolver o proble- titucionalização e de s centralização desse mo-
ma da rotatividade (Bessa & Penaforte, 2002). men to, mas pretendia também reduzir o papel
De qu a l qu er forma, a valorização da famí- de pre s t adores das autoridades locais de saúde
lia e das redes sociais, no con texto da crise do e, em con s eqüência, con ter a despesa sanitári a .
Welf are St a te, ref l ete certa consciência do esgo- De fato, como aponta Ba rnes (1997), o incen ti-
tamen to da opção pelo indivíduo como ei xo vo à prestação de cuidado informal é, s em dú-
das po l í ticas e dos programas soc i a i s . Hoje em vida, uma política custo - efetiva, mas, ao mes-
dia, em níveis intern acional e nac i on a l , há um mo tem po, representa uma estra t é gia de priva-
con s enso sobre a importância de 1) retomar a tização da Com munity Ca re.
família como unidade de atenção das políticas Na perspectiva sociológica da política so-
públicas; 2) desenvo lver redes de apoio e de en- cial baseada no cuidado comu n i t á rio (e não so-
vo lvi m en to das famílias e comu n i d ade s ; 3) re a- m en te na pers pectiva econômica), as famílias e
lizar uma mel h or integração en tre famílias, s er- as redes informais da comunidade devem ser
viços públ i cos e iniciativa do setor inform a l . con s i deradas não apenas desti n a t á rias da aten-
ção à saúde, mas também sujeitos ativos qu e
podem con tri bu i r, com rec u rsos pr ó prios, para
o processo de produção da saúde . A idéia bási-
ca do "cuidado comunitário" é a co - respon s a-
bilização e a participação da comu n i d ade local
250

em relação aos probl emas sociais e de saúde. reforçar as relações sociais e os laços comu n i t á-
Entret a n to, isso não significa, na opinião de rios em nível de paren te s co, de vizinhança ou
Folghera i ter (1991), que as insti tuições form a i s de gru pos primários.
su bm i n i s tram cuidados den tro da comu n i d ade
(c are into the community). Essa era a idéia es-
s encial da de s cen tralização dos serviços na co- Algumas estratégias de cuidado
mu n i d ade que tem caracteri z ado a pri m ei ra fa- comu n i t á rio
se do Estado de Bem-Estar Social, que incluía a
assistência domiciliar e os serviços descen tra l i- Os planejadores de po l í ticas sociais dispõem de
zados em nível local. Essa po l í tica de de s i n s ti- m ú l tiplas po s s i bi l i d ades para introduzir novas
tucionalização dos serviços de saúde, embora e cri a tivas iniciativas em nível de comunidade ,
tenha ofert ado serviços essenciais às famílias e que oferecem a oportunidade de valorizar o
comu n i d ades, não pode ser ainda con s i derad a papel do cuidado informal, em particular o
uma po l í tica de co mmun i ty care, na medida em c u i d ado subministrado pelo paren te s co, e para
que não se preocupa em fort a l ecer a auton om i a i n tegrá-lo às atividades re a l i z adas pelos servi-
das famílias, da comu n i d ade e, no gera l , das re- ços insti tu c i on a i s . Nesse sen ti do, o cuidado co-
des pri m á rias. A premissa do cuidado comu n i- munitário pode oferecer uma ampla gama de
tário é que a comu n i d ade se torne um sujeito re s postas den tro de um co ntinuum formal-in-
a ut ô n omo de produção de cuidado, den tro de- formal de divisão do trabalho assistencial. De
la mesma (care by community), cujo papel é f a to, as ativi d ades de cuidado não-prof i s s i on a l
não somente iden tificar probl em a s , mas tam- – re a l i z adas por diferen tes atore s , tais como a
bém gerar solu ç õ e s . família, as redes primárias (parente s co, vizi-
É import a n te , também, salientar que a co m- nhos e amigos) e as redes mais organizadas
munity care supõe que ainda ex i s tem sólidas re- ( gru po de auto-ajuda, vo lu n t a ri ado etc.) – po-
lações comunitárias. Analisando, con tu do, as dem de s envo lver um papel sign i f i c a tivo em re-
atividades de cuidado informal que se desen- lação às novas pato l ogias crônico - degen erati-
volvem na comunidade, observa-se que a vas e psico s s ociais, que gera l m en te requ erem
m a i oria delas é re a l i z ada pelas famílias e pelo uma assistência de lon go pra zo.
p a rente s co e, quase sem pre , por parte da pop u- O grande desafio, porém, é conseguir for-
lação fem i n i n a . Famílias e parentesco não são a mas de entrelaçamen to, em nível local, entre
mesma coisa que comunidade. Comunidade assistência formal e informal, para ga ra n ti r, s e-
implica rel a ç ã o, participação e solidariedade ja um mínimo de coordenação nece s s á ria, seja
en tre as diversas células de um âmbi to geográ- o respei to e o recon h ecimen to da lógica divers a
fico. Para evitar a “n a tureza problemática” e a e das diferentes peculiaridades de cada uma
escassa definição do con cei to de “comu n i d ade”, (Giarelli, 2003). Trata-se de planejar a aten ç ã o
alguns autores têm propo s to termos alternati- de maneira que a subministração dos serviços
vo s . Abrams e co l a boradores (1989) e Ba l dwin dos prof i s s i onais de saúde e a assistência infor-
(1993), por exem p l o, preferem falar de “cuida- mal re a l i z ada pelas famílias, vizinhos e amigos
do vicinal” (neighb ourhood care) para iden tifi- possam refor ç a r-se reciprocamen te . Esse tipo
car aquela parte da comunidade que está en- de integração é de s ej á vel em te s e , mas difícil de
vo lvida em ativi d ades de ajuda e su porte em fa- s er realizado, sobretudo pela tendência de as
vor de pessoas que moram nas redondezas de or ganizações de saúde formais bu rocra ti z a rem
um lu gar. Bu l m er (1987) tem su geri do o term o e colon i z a rem o setor informal (Habermas,
“grupo primário” (primary group), com posto 1997). Nesse sentido, Ba l dwin (1993) assinala
de vizinhos, amigos e paren te s co. Para Bu l m er qu e , trad i c i on a l m ente, os serviços de co mmu-
(1987), essa definição con s i dera a prox i m i d ade n i ty care foram de s en h ados a partir de abord a-
geográfica, os interesses comparti l h ados e os gens hier á rquicas e verticais, baseadas em es-
laços afetivos a base da relação social e do cui- tratégias de rac i onalização econômicas dos ser-
d ado informal. O con cei to de “gru po primário” viços, ao invés de serem ori en t adas pela filoso-
el a borado por Bu l m er (1987) torna ex p l í c i to o fia dos usuários.
f a to de que a família e o paren te s co represen- Apesar das dificuldades apon t ad a s , Bu l m er
tam a maior fon te de cuidado comunitário. (1991) apre s enta algumas estra t é gias para fort a-
De qu a l qu er forma, é preciso que as inter- lecer o papel do cuidado informal em nível loc a l :
venções sociais que visam a desenvo lver ativi- a) e stimular a sociabilidade entre vizinhos de
dades de cuidado informal se preocupem em casa, para increm entar as relações interpessoais
251

de vizinhança. Um estudo re a l i z ado na In gla- tura progressista e de esquerd a , a community


terra tem dem on s trado que as estrutu ras de re- care tem recebi do, pelo menos no passado, uma
lação entre vizinhos poderiam oferecer uma avaliação crítica, ten do sido considerada um
quantidade rel evante de apoio soc i a l ; con ju n to de atividades assistenciais delegad a s
b) prom over gru pos de auto-ajuda em nível co- aos su j ei tos (gera l m en te às mu l h eres) qu e , tra-
mu n i t á ri o. Ex i s tem ex periências nesse setor (pais dicionalmen te , eram respon s á veis pelo cuida-
de crianças com distúrbios mentais, familiares do informal (Waerness, 1989). Mais recen te-
de pac i en tes que receberam alta do hospital men te , como destaca também Draibe (1998),
etc.) que demonstram que o apoio recíproco de “pode-se constatar uma saudável redução das
pessoas que vivem a mesma experiência pode polarizações das ideologias, e a família pode
con s ti tuir uma forma vital de cuidado comu n i- passar a ser vista sem tantos ranços e vieses
tário; anacrônicos...”, de forma que a mesma co mmu-
c) mobil izar as redes de su po rte so ci a l para iden- nity care pode ser valorizada ou criticada por
tificar as pessoas que têm nece s s i d ade de cui- sua flex i bi l i d ade, sua po ten c i a l i d ade de redu z i r
d ado e que ainda não são con h ecidas pelos ser- a lógica bu roc r á tica da or ganização do aten d i-
viços soc i a i s ; men to e para aprimorar a relação en tre cuida-
d) d e scentral izar a subministração de assistên- do formal e cuidado inform a l . E não pelo sim-
cia fo rm a l, em nível de bairro e dom i c í l i o, para ples fato de ser con s i derada uma po l í tica soc i a l
que os prof i s s i onais dos serviços fiqu em mais de cunho neo l i beral.
perto das pessoas assistidas. A experiência já A co mmunity care pode ser considerada
re a l i z ada tem demonstrado que essa tarefa é uma resposta adequ ada à crise do Estado de
fact í vel, embora seja preciso trabalhar a coor- Bem-Estar e da organização bu rocrática dos
denação dos diferen tes serviços; s erviços sociais e de saúde , de s de qu e :
e) refo rçar a assistência formal em nível domi- a) não sejam de s m a n tel adas as po l í ticas públ i-
ciliar para as pessoas idosas e não-auto-sufi- cas trad i c i on a i s : a co mmun i ty care não deve le-
c i en te s . Trata-se de uma import a n te atividade , gitimar o desmantelamen to dos serviços de
s obretu do para as pessoas que vivem longe de s a ú de ex i s ten te s . De fato, a co mmun i ty care não
seus familiares; preten de renunciar à cultura de organização e
f) dar maior suporte a quem assiste. Recon h e- planeja m en to adotada pelos modelos de or ga-
ce-se que o peso da assistência que recai nos nização bu rocráticos. Em outras palavras,
cônjuges e, sobretudo, nas mulheres, é tão gran- quem critica radicalmen te o Estado de Bem-
de que se faz nece s s á rio dar su porte às pessoas Estar Social e de s eja uma sua total “de s reg u l a-
que assistem a outro s . Por isso, é necessário or- mentação” não tem a capac i d ade de imaginar
ganizar “serviços de trégua” ou de internação as de s a s trosas con s eqüências de uma soc i ed ade
momentânea do assistido numa instituição privada dos serviços socioa s s i s tenciais básicos.
apropriada. O informal, por si mesmo, não poderia re s o l-
ver os grandes problemas de nossa época
( Fo l gh era i ter, 1991);
Algumas con s i derações con clu s iva s b) haja uma pluralização dos atores do siste-
ma assistencial e de cuidado, passando de um
Ao final de s te trabalho, parece-nos import a n te, ator único (o estado) a múltiplos atores insti-
para evitar mal-entendidos e interpretações tucionais e não insti tu c i onais de po l í tica social
não adequ adas, sublinhar algumas premissas (famílias, parente s co, redes de vizinhos e de
que têm ori en t ado essas ref l ex õ e s . amigos, vo lu n t a ri ado etc.);
1. A ênfase à importância da família na reor- c) haja uma requalificação das intervenções
ganização das po l í ticas sociais não significa de- assistenciais baseadas em novas modalidades
vo lver à família o “f a rdo” da crise do Estado de de or ganização e de trabalho, que iden ti f i qu em
Bem-Estar Soc i a l , ch a m a n do os su j ei tos a reto- as famílias e as redes informais das comu n i d a-
mar velhas e novas respon s a bi l i d ades assisten- des, não som en te como destinatárias das pre s-
ciais. Essa premissa é importante para evitar tações, mas também como su j ei tos que possam
que as considerações aqui elaboradas sejam con tribuir com rec u rsos próprios (às ve zes in-
confundidas com as políticas de “privatização su b s ti tu í veis) no processo de atenção à saúde .
forçad a s” desejadas e/ou implementadas para 2. A co mmun i ty care não é som en te uma nova
as corren tes po l í ticas con s ervadoras e neo l i be- m a n ei rade su bm i n i s trar o cuidado – de acordo
ra i s . Vale ressaltar qu e , também den tro da cul- com a filosofia que a resposta deve ser a mais
252

próxima possível do nível em que su r ge a nece s- mílias de bu s c a rem altern a tivas assistenciais.
s i d ade. Ela repre s en t a , também, uma legi ti m a- Nesse sentido, com p a rtilhamos com Litwak
ção social do setor informal, das redes sociais (1960) a introdução do con cei to de “ Fu n ç õ e s
primárias, que se tornam su j ei tos com tarefas e com p a rtilhad a s”, para ex pressar a idéia de um
re s ponsabilidades de cuidado. Nesse sen ti do, a p a pel com p l em entar en tre sistema formal e in-
co mmun i ty care recon h ece que a) a maior parte formal de cuidado. O autor, em outras palavra s ,
das demandas de atenção já en con tram uma a ponta para a nece s s i d ade de articular o setor
re s posta no nível informal, sem envo lver servi- formal com o setor inform a l , con s i derados doi s
ços públ i cos e prof i s s i onais de saúde (Comas subsistemas distintos, porém integrados siner gi-
D’ Ar gemir, 1997); b) muitas nece s s i d ades, qu e camen te , p a raque funcion em den tro de uma es-
têm ori gem na qu eda das relações pri m á rias (se- trutu ra de rede , com rec í proco refor ç o.
tor informal) ou no seu mau funcion a m ento, 3. Finalmente, é importante desenvolver novas
não podem sempre ser satisfeitas através dos políticas sociais que reconheçam o valor do tra-
s erviços or ga n i z ados (setor form a l ) . Há que re- balho assistencial das mulheres e que, em vez de
con h ecer que ex i s tem nece s s i d ades que podem reduzir as intervenções públ i c a s , re a l i zem uma
s er sati s feitas som en te por en ti d ades parti c u l a r- m el h or integração en tre a rede de serviços pú-
m en te flex í veis e den tro de um con tex to rel ac i o- bl i cos e as iniciativas de serviços informais (fa-
nal (Don a ti e Di Ni cola, 1996); c) há sem pre mílias, gru po de apoio etc.), para fins de envo l-
uma exigência maior de assistência pers on a l i z a- ver outros membros da família, em particular
da, rel acionada a diferen tes e novos estilos de vi- os hom ens no papel de cuidadores (Fad i ga Za-
da, mas atentas aos aspectos rel acionais, a fetivos natta, 1993). De fato, como reforça também Co-
e psico l ó gi cos das pe s s oa s . Como aponta Dra i be mas D’ Ar gemir e Roca (1996), as novas situa-
(1998): “É pri n c i p a l m en te no campo dos ch a- ções de dependência física e psicológica deman-
mados serviços sociais pessoais... i n evi t avel m en- dam uma dedicação maior no âmbi to privado,
te atrave s s ados por laços afetivo s” que se há de que mostra ser nece s s á ria uma maior red i s tri-
recon h ecer a liberd ade dos indiv í duos e das fa- buição do trabalho entre homens e mulheres.

Agra decimen to s

O autor agradece à Fundação Ce a rense de Apoio ao De-


s envo lvimen to Ci en t í f i co e Tecnológi co (Funcap) pela
bolsa con cedida no per í odo de maio/2004 a dezem bro
2005. O autor também agradece ao profe s s or Itamar Fil-
gueiras e ao jornalista Zach a rias Be zerr a de Ol ivei ra, pel a
revisão do tex to em portu g u ê s , e a Hel ena Carvalhedo e
João Sa n tiago Ma rtins, do Cen tro de Documentação da
E s cola de Sa ú de Pública do Ceará, pelo apoio e dispo-
nibilidade.
253

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Arti go apre s en t ado em 6/10/2004


Aprovado em 9/08/2005
Versão final apre s en t ada em 12/09/2005

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