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Giselda Maria Fernandes Novaes

Hironaka

Professora Titular de Direito Civil da Faculdade


de Direito da USP
INVALIDADE DO CASAMENTO:
CASAMENTO INEXISTENTE,
CASAMENTO NULO E CASAMENTO
ANULÁVEL. HÁ CASAMENTO INEFICAZ?
Giselda Maria Fernandes Novaes Hironaka
Professora Titular de Direito Civil da Faculdade de Direito da USP
Coordenadora Titular da área de Direito Civil da EPD – lato sensu
Coordenadora Titular do Programa de Mestrado e Doutorado da FADISP
Para reflexão inicial

“Os sentimentos que aproximam e vinculam homem e mulher por vezes se transformam
e até mesmo acabam, nem sempre havendo um justo motivo para explicar seu fim. A dor
da ruptura das relações pessoais, a mágoa, a sensação de perda e abandono, entre outros
sentimentos, são custos da seara do humano. Fazendo parte da existência pessoal não
constituem suporte fático a autorizar a incidência de normas que dispõem sobre a
reparação pecuniária. Possibilidade de indenização somente surgiria se restasse
caracterizado um ato ilícito de extrema gravidade, cuja indenizabilidade seria cabível
independentemente do contexto da relação afetiva entretida pelas partes. A simples dor
moral resultante da ruptura, entretanto, não é indenizável”. Desembargador Luiz Felipe
Brasil Santos (Apelação Cível nº 70008220634, 7º Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, j.
A tricotomia ponteana dos
negócios jurídicos em geral.
• Os 3 planos de perfeição do negócio jurídico em geral,
segundo a doutrina de Pontes de Miranda:
• planos da existência - pressupostos
• da validade - requisitos
• da eficácia – fatores
• O casamento é negócio jurídico especial de Direito de
Família. Desencaixa-se do modelo standard dos
negócios jurídicos em geral.
Fatores de
Eficácia
NJp
Art. 104 CC Produção de efeitos

Requisitos de
Validade
(in)

Nulo Anulável
Pressupostos de
Existência
Agente (s) capacidade
Consentimento liberdade
licitude
Objeto
possibilidade
Forma adequabilidade
Suporte fático suficiente
Os três planos da escada ponteana
• Pressupostos de existência: sem eles o negócio sequer existe.
• Neste plano pode-se observar os elementos essenciais do negócio
jurídico que são: (i) Agente (s), conforme o negócio seja unilateral ou
bilateral; (ii)Declaração de vontade ou consentimento; (ii) Objeto; e
(iii) Forma. A noção de essencialidade deve-se ao fato de que, caso
esses elementos não se encontrem presentes, o negócio jurídico nem
mesmo chegará a existir. 
• Ao conjunto desses elementos essenciais dá-se o nome de suporte
fático.
Os três planos da escada ponteana
• Requisitos de validade: a ausência de idoneidade dos pressupostos de existência
(ou suporte fático) conduz à invalidade do negócio.
• São os verdadeiros qualificadores, tais quais adjetivos, dos elementos essenciais
do negócio jurídico. Não são numerus clausus, estritamente delimitados, visto
que a lei pode estatuir novos requisitos. São os requisitos gerais, insertos no art.
104 CC: (i) capacidade do agente (s); (ii) liberdade do consentimento; (iii)
possibilidade e licitude do objeto; e (iv) adequabilidade da forma.
• O negócio jurídico que padece de vícios no tocante aos seus requisitos de
validade pode ser reputado como nulo ou anulável.
Os três planos da escada ponteana
• Fatores de eficácia: A eficácia pode estar condicionada a fatores que nem sempre são
próprios do mundo jurídico. Por exemplo:
• (i) A subordinação de um pagamento à ocorrência de uma determinada condição
suspensiva, como a vitória de uma equipe esportiva numa determinada competição.
O negócio existe, é válido, mas sua eficácia está condicionada à vitória de uma das
equipes. Caso essa não ocorra, o negócio será permanentemente ineficaz;
• (ii) A dotação testamentária de certos bens opera a transmissão causa mortis apenas
após o advento da morte do testador. A morte é uma certeza, embora indeterminada
a época em que irá se processar. O negócio, apesar de existente e válido, permanece
na dependência do implemento desse termo (morte) para que produza efeitos.
• (iii) A doação de um imóvel, negócio jurídico existente e validamente constituído,
mas que não se processa em virtude de um deslizamento de terra (força maior) que
soterrou e destruiu o imóvel (perecimento do bem jurídico, sem culpa do devedor).
O Casamento como negócio jurídico
especial de Direito de Família.
• As regras do art. 104 CC são regras gerais que devem ser aplicadas, sim, ao casamento,
mas com temperamento, como recomenda Paulo Lôbo, dado que as relações
casamentárias são relações de natureza familiar e que têm perfil muito diferenciado dos
demais negócios jurídicos.
• “É imprudente, senão incorreto, estender ao campo do direito matrimonial os princípios e
critérios da teoria geral das nulidades. [...] O casamento é negócio jurídico que interessa
aos nubentes e à sociedade tão intimamente, que sua imperfeição não pode ser tratada
segundo as regras e princípios a que se subordinam as relações jurídicas obrigacionais,
patrimoniais e transitórias”. Orlando Gomes
• As nulidades matrimoniais são regidas por princípios próprios e peculiares a este instituto.
Casamento inexistente, nulo, anulável e
ineficaz.

• As mesmas distinções a respeito da tríplice possibilidade de


comprometimento dos negócios jurídicos em geral, afetando cada um
de seus planos de concreção, também dizem respeito ao casamento,
ainda que guardadas as especificidades próprias deste último
instituto.
• Assim, é diverso o casamento inexistente do casamento nulo ou
anulável, e estes do casamento simplesmente ineficaz.
Casamento inexistente

• Assim, se o plano comprometido for o da existência, o negócio


jurídico em questão será inexistente (e não nulo, por exemplo), mas
se o comprometimento atingir o plano da validade, o negócio será
inválido – nulo ou anulável (e não ineficaz, por exemplo), e por fim, se
o plano atingido for o da eficácia, o negócio será ineficaz (e não nulo,
por exemplo).
• Para cada nível de comprometimento, um resultado distinto.
Casamento inexistente

• Casamento inexistente, portanto, é aquele que não chega a se formar,


sequer, por lhe faltar algum dos pressupostos mínimos de formação de seu
suporte fático que, insuficiente, não permitirá o ingresso deste
“casamento” no mundo do direito.
• Na verdade, este fato ocorrido, sequer produziu nenhum efeito porque é
um fato puro (não jurídico), sem qualquer conotação legal. É um nada
jurídico.
Casamento inexistente
• Classicamente – e até 2013, entre nós – eram três as hipóteses de inexistência do
casamento, a saber: (i) cuja celebração não se deu perante autoridade legalmente investida
de poderes; (ii) se o consentimento não foi manifestado na forma da lei, pelos nubentes;
(iii) se não houvesse diversidade de sexo entre os nubentes (homem e mulher).
• Este terceiro pressuposto deixou de ter esta qualidade de condutor à inexistência do
casamento após a publicação da Resolução 175/2013 do CNJ, que instituiu ser vedado aos
cartórios de registro civil recusarem-se a habilitar ou celebrar casamento civil ou converter
união estável em casamento se os nubentes forem pessoas do mesmo sexo. Desta maneira,
é certo dizer, hoje, que a inexistência do casamento se dará apenas em duas hipóteses,
quer dizer, se foi celebrado por autoridade incompetente ou se não houve consentimento
manifestado na forma da lei.
Casamento ineficaz
• Quanto à eficácia do casamento, portanto, é preciso antes testar a perfeição de
seu suporte fático a lhe garantir a existência negocial, bem como os requisitos de
sua validade (consideradas as excepcionais possiblidades de eficácia mesmo à
face de casamento nulo). De todos esses pressupostos e pré-requisitos, então,
dependerá a perfeita consolidação do casamento, o que admitirá a plena
produção de todos os seus efeitos, na concretização do plano da eficácia.
• Depende, portanto, da observância destes fatores a perfeita execução dos
efeitos do casamento.
• Casamento inexistente não tem eficácia.
• Casamento nulo e anulável – observadas todas as idiossincrasias próprias do
regime das invalidades matrimoniais – não tem eficácia.
Curioso caso de ineficácia do casamento,
ainda que existente e válido.

• Mas há um curiosíssimo caso de casamento acerca do qual não se


perquiriu da sua inexistência, sequer de sua invalidade, mas que se se
arguiu diretamente acerca de sua ineficácia. Vale a pena conhecer o
caso: trata-se de um casamento que teria sido realizado exclusivamente
para fins previdenciários, a respeito do qual a Advocacia Geral da União
teria requerido a sua ineficácia (Processo nº. 0000510-
26.2010.4.05.8200 - 3ª Vara - Seção Judiciária da Paraíba).
Disponível em: https://agu.jusbrasil.com.br/noticias/100292902/advogados-
comprovam-ineficacia-decasamento-para-fins-exclusivamente-previdenciário
Plano da validade – impedimentos conducentes à
nulidade do casamento: as hipóteses taxativas do art.
1.548 do Código Civil

• 1) por pessoa mentalmente enferma, que não tivesse o necessário


discernimento para os atos da vida civil (incapacidade descrita no art.
3º , II CC), - este impedimento deixou de ser considerado
perante o novo Estatuto da Pessoa com Deficiência (Lei
13.146, de 06/07/2015).
Impedimentos conducentes à nulidade do casamento: as
hipóteses taxativas do art. 1.548 do Código Civil
• 2) por infringência de impedimento matrimonial (art. 1.521 CC)
Não podem se casar, sob pena de nulificação, as seguintes pessoas:
• (I) Os ascendentes com os descendentes, seja o parentesco natural ou civil;
• (II) Os afins em linha reta;
• (III) e (V) O adotante com quem foi cônjuge do adotado e o adotado com
quem o foi do adotante; [e] O adotado com o filho do adotante;
• (IV) Os irmãos, unilaterais ou bilaterais, e demais colaterais, até o terceiro
grau inclusive;
• (VI) As pessoas casadas;
• (VII) O cônjuge sobrevivente com o condenado por homicídio ou tentativa
de homicídio contra o seu consorte.
Efeitos decorrentes da nulidade do casamento e
eficácia remanescente de casamento declarado nulo.
Casamento putativo.

• A declaração de nulidade do casamento torna-o sem validade e, por


isso, sem qualquer eficácia no que respeita aos cônjuges – mas
ressalvados os direitos do(s) nubente(s) de boa-fé (art. 1.561 do
Código Civil) – desde a sua celebração, produzindo assim, efeito ex
tunc.
• Contudo, o art. 1.563 do Código Civil dispõe que, apesar da
declaração de nulidade ter efeito ex tunc, não se prejudicará "a
aquisição de direitos, a título oneroso, por terceiros de boa-fé, nem a
resultante de sentença transitada em julgado".
Efeitos decorrentes da nulidade do casamento e
eficácia remanescente de casamento declarado nulo.
Casamento putativo.
“Tirante a hipótese excepcional [casamento putativo – art. 1561], nos
demais casos o casamento nulo ou anulável não produz efeito algum
em favor dos cônjuges, por força do princípio quod nullum est nullum
producit effectum. Daí considerar-se imprópria – prossegue o autor – a
estipulação do art. 1.571, II do Código Civil, de que a sociedade
conjugal termina ‘pela nulidade ou anulação do casamento’. Na
verdade não se trata de causa de dissolução do vínculo conjugal e sim
de reconhecimento, por sentença, de que o vínculo nunca chegou a
existir.” Euclides B de Oliveira. A dissolução do vínculo conjugal, in Casamento:
uma escuta além do Judiciário (organização de Ivone M.C. Coelho de Souza),
Florianópolis, Ed. VoxLegem: 2006, p s. 247-279, especialmente p. 262.
Anulabilidade do casamento: hipóteses do art. 1.550
do Código Civil e erro essencial sobre a pessoa do
outro cônjuge.
• São estas as causas de anulabilidade do casamento (art. 1.550 CC):
(i) de quem não completou a idade mínima para casar;
(ii) do menor em idade núbil, quando não autorizado por seu
representante legal;
(iii) por vício da vontade, nos termos dos arts. 1.556 a 1.558);
(iv) do incapaz de consentir ou manifestar, de modo inequívoco, o
consentimento; – neste caso também se deve considerar o que dispõe,
hoje, o Estatuto da Pessoa com Deficiência (Lei 13.146, de 06/07/2015).
Ver TJDF, Apelação Cível 2014.01.1.052311-4, Acórdão 953.151 , 5ª Turma,
Rel. Des. Josafá Francisco dos Santos.
(cont.)
Anulabilidade do casamento: hipóteses do art. 1.550
do Código Civil
(v) realizado pelo mandatário, sem que ele ou o outro contraente
soubesse da revogação do mandato, e não sobrevindo coabitação
entre os cônjuges;
(vi) por incompetência da autoridade celebrante.
• Equipara-se à revogação a invalidade do mandato judicialmente
decretada. (Redação dada pela Lei nº 13.146, de 2015)
• A pessoa com deficiência mental ou intelectual em idade núbia poderá
contrair matrimônio, expressando sua vontade diretamente ou por
meio de seu responsável ou curador. (Incluído pela Lei nº 13.146, de
2015)
Anulação por erro essencial quanto a pessoa do
outro cônjuge.
Art. 1.556. O casamento pode ser anulado por vício da vontade, se
houve por parte de um dos nubentes, ao consentir, erro essencial
quanto à pessoa do outro.
• Ao que demonstra a jurisprudência, parece que a causa mais comum
que é levada aos tribunais refere-se à hipótese de erro essencial
quanto a pessoa do outro cônjuge, sendo que este erro supõe que o
cônjuge enganado ignorasse, no momento da celebração do
casamento, aquela causa determinante da anulabilidade.
• Ver TJGO, Apelação Cível 100469-69.2007.8.09.0006, Anápolis, Rel. Des.
Gilberto Marques Filho.
Anulação por
erro essencial quanto a pessoa do outro cônjuge
Art. 1.557. Considera-se erro essencial sobre a pessoa do outro cônjuge:
I - o que diz respeito à sua identidade, sua honra e boa fama, sendo esse erro tal
que o seu conhecimento ulterior torne insuportável a vida em comum ao
cônjuge enganado;
II - a ignorância de crime, anterior ao casamento, que, por sua natureza, torne
insuportável a vida conjugal;
III - a ignorância, anterior ao casamento, de defeito físico irremediável que não
caracterize deficiência ou de moléstia grave e transmissível, por contágio ou por
herança, capaz de pôr em risco a saúde do outro cônjuge ou de sua
descendência; (Redação dada pela Lei nº 13.146, de 2015) (Vigência)
IV - (Revogado) 
Projeto de Lei 3875/2012 – previa nova hipótese de
anulação do casamento: transgenitalização. Arquivado.
• Visava acrescentar o inciso V ao art. 1557 do CC:
(v) a ignorância, anterior ao casamento, da condição de transgenitalização que, por sua
natureza, torne insuportável a vida do cônjuge enganado com a impossibilidade de
constituição de prole.

• Transgenitalização: trata-se da cirurgia a que se submetem pessoas que se sentem


pertencentes a uma identidade de gênero oposta ao seu sexo biológico.
• A cirurgia de transgenitalização constitui um grande passo na temática da transexualidade,
possibilitando à mulher transgenitalizada a aquisição de uma identidade integral compatível
com o seu psiquismo.
• O temor da revelação está presente e representado pelo medo da não aceitação social e a
ocorrência de agressões psicológicas ou físicas decorrentes do seu estigma.
• Projeto de Lei encontra-se arquivado.

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