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TEORIA GERAL DO

DIREITO CIVIL
Teoria Geral do Ordenamento Jurídico Civil
Em relação as formas de aparecimento das normas jurídico civis podemos dizer que elas
aparecem indicados nos primeiros artigos do Código Civil. Estas disposições iniciais da
principal lei civil regulam, pois, a matéria das fontes de direito — e fazem-no com um
alcance que transcende o âmbito do direito civil para abarcar o modo de surgimento das
normas jurídicas em geral.
Esta inclusão no Código Civil de matérias gerais, não privativas da matéria civilística,
evidencia com clareza como, na evolução histórica e no momento actual, o direito civil tem
uma localização nuclear ou central no ordenamento jurídico. Essa sua situação no ponto
central do direito objectivo advém-lhe da matéria por ele regulamentada: a personalidade
no seu desenvolvimento e realização através das relações com outras pessoas.

FONTES DO DIREITO CIVIL CABO-VERDIANO


Não são, aliás, apenas as fontes de direito a única matéria de
âmbito geral cuja sede formal é imputada ao Código Civil, por força
da tradição histórica e do reconhecimento do seu lugar central.
Idêntico fenómeno sucede com as matérias do começo e da
cessação da vigência das leis (arts. 5.° e 7.°), com a da relevância
do desconhecimento da lei (art. 6.°),
com a dos deveres do julgador perante a lei (art. 8.°), com a da interpretação
da lei (art. 9.º) e integração das suas lacunas (ates. 10.°e 11.°), com a da
aplicação das leis no tempo (arts. 12.° e 13.º). As causas de tal opção
sistemática são as mesmas: o direito civil foi originariamente o centro do
ordenamento jurídico e continua a sê-lo, tendo os outros ramos do direito, cada
um com uma específica missão fundamental para a sociedade, uma posição que,
bem vistas as coisas, podemos considerar periférica e instrumental da
convivência entre as pessoas humanas sobre a qual o direito civil estende o seu
manto.
Está matéria faz parte da cadeira de introdução ao Direito por isso não o vamos
abordar aqui.
A lei é a fonte mais importante — quase exclusiva — do direito civil cabo-verdiano, assim
como o é do português, do francês, do italiano etc.
Entre os diplomas que constituem o repositório do direito civil temos a Constituição da
República enquanto vértice de todo o ordenamento jurídico-legal. Assim, encontramos,
seguramente, na Constituição da República Cabo-verdiana princípios determinantes do
conteúdo do direito civil Cabo-verdiano.
Contudo o repositório fundamental do nosso direito civil é o Código Civil.

1. DIPLOMAS FUNDAMENTAIS DO DIREITO CIVIL CABO-VERDIANO.


A constituição Cabo-Verdiana em vigor é a constituição de 1992, aprovada pela Lei
Constitucional nº 1/IV/92, de 25 de Setembro, na sequência da abertura política e das
eleições livres e democráticas de 1991, alterada pelas Leis Constitucionais 1/IV/95, de
13 de Novembro, 1/V/99, de 23 de Novembro e 1/VII/2010, de 3 de Maio.
Entre os princípios constitucionais susceptíveis de condicionar o conteúdo das normas
de direito civil temos os direitos, liberdades e garantias enunciados nos artigos 28. e ss.:
direito à vida e à integridade pessoal (física e moral), direito à liberdade e à segurança,
direito ao bom nome, à identidade pessoal, direito à capacidade civil, direito à
intimidade, direito à protecção legal contra quaisquer formas de discriminação,
inviolabilidade do domicílio e da correspondência, liberdade de expressão, liberdade de
imprensa, liberdade de consciência, religião e culto, liberdade de criação cultural,
liberdade de associação, direito de reunião, etc.
É, igualmente, de importante significado para o direito civil o artigo 47.°,
contendo princípios fundamentais sobre a família, casamento e filiação,
nomeadamente a igualdade dos cônjuges e a não discriminação dos filhos
nascidos fora do casamento.
Importa, ainda, reter o reconhecimento do direito à iniciativa privada (art. 68), a
garantia da propriedade privada e da sua transmissão em vida ou por morte (art.
69.°), bem como os artigos 91.° e segs., sobre a organização económica,
nomeadamente a consagração dos três sectores de propriedade (sector público,
sector privado e sector cooperativo e social), o reconhecimento da iniciativa
privada, o plano e o redimensionamento das unidades de exploração agrícola.
Quanto ao CC atual ele foi aprovado pelo decreto-lei nº 47 344 de 25 de Novembro de 1966 e
tornado extensivo às então Províncias Ultramarinas pela Portaria nº 22.869, de 4 de Setembro
de 1967, com a sistemática e a numeração dele constante.
Entretanto, o Decreto-Legislativo nº 12-C/97, de 30 de Junho, revogou o Código de Família
aprovado em 1981 e procedeu a alterações significativas no Código Civil e na legislação de
família.
O mesmo Decreto-Legislativo que, também, reintroduziu no Código Civil o Livro IV, contendo
todas as alterações operadas na legislação de família, autorizou ao membro do Governo
responsável pela área da justiça a proceder, através de Portaria, a publicação integral do Código
Civil com nova numeração dos seus artigos, após a sua reconstituição global, que respeite a sua
sistemática inicial não modificada e que tenha em conta as modificações por ele introduzidos e
por alguns diplomas publicados anteriormente
As normas de direito civil estão fundamentalmente contidas no Código Civil de 1966.
Alguns diplomas avulsos regulam, porém, igualmente, matérias do direito privado comum.
São, p. ex., de direito civil algumas normas dos Códigos do Notariado, do Registo Predial e do
Registo Civil, v.g., as que enumeram os actos sujeitos a escritura pública ou os actos ou factos
sujeitos a registo e estabelecem o respectivo regime.
Vigoram também, no domínio juscivílistico, outros diplomas, como por exemplo: A disciplina
jurídica dos direitos de autor que consta do designado Código do Autor, aprovado pelo
Decreto-Legislativo n° 1/2009 de 27 de Abril; A disciplina da tutela de menores constam do
Decreto-Legislativo nº 2/2006 de 27 de Novembro (medidas tutelares de menores) e do
Decreto nº 17/83 de 23 de Abril (processo de tutela cíveis); o Novo Regime Jurídico Geral do
Arrendamento Urbano aprovado pela lei nº 101/VIII/2016 de 6 de Janeiro; etc etc
.S
2. AS NORMAS APLICÁVE IS ÀS RE L AÇÕE S DE DIRE IT O CIVIL . DIRE IT O CIVIL E DIRE IT O CONST IT UCIONAL . APL ICAÇÃO DE NORMAS CONST IT UCIONAIS ÀS RE L AÇÕES E NTRE PART ICUL ARE

Não está, porém, esgotada, com o acervo das normas do Código Civil e de alguma legislação
ordinária avulsa, a totalidade das normas aplicáveis às relações jurídico-privadas.
Problemas de direito civil podem encontrar a sua solução numa norma que não é de direito
civil, mas de direito constitucional. A Constituição contém, na verdade, uma «força geradora»
de direito privado. As suas normas não são meras directivas programáticas de carácter
indicativo, mas normas vinculativas que devem ser acatadas pelo legislador, pelo juiz e demais
órgãos estaduais. O legislador ordinário deve emitir normas de direito civil não contrárias à
Constituição; o juiz e os órgãos administrativos não devem aplicar normas inconstitucionais.
Sem embargo do sistema de fiscalização preventiva da constitucionalidade das leis, a
Constituição confere aos tribunais o poder e o dever de não aplicar disposições legais
ordinárias (p. ex., normas de direito civil) que infrinjam o disposto na Constituição ou os
princípios nela consignados. A não-aplicação de normas inconstitucionais pelos tribunais tanto
se pode fundamentar numa inconstitucionalidade material como em inconstitucionalidade
formal ou orgânica.
Por outro lado, as normas constitucionais, designadamente as que reconhecem direitos
fundamentais, têm, também, eficácia no domínio das relações entre particulares (relações
jurídico-privadas), impondo-se, p. ex., à vontade dos sujeitos jurídico-privados nas suas
convenções.
Por exemplo, são protegidos nas relações entre particulares, impondo-se à sua vontade, os
seguintes princípios, enunciados exemplificativamente: respeito pelos direitos fundamentais,
v.g. liberdade de consciência, religião e culto (art. 49º), liberdade de expressão e informação
(art. 48º), direito de escolha de profissão e de acesso à Função Pública (art. 42.°), direito à vida,
à integridade moral e física, à identidade pessoal, direito à liberdade e à segurança (arts. 28º,
41.°, 30º), direito a uma correcta utilização de meios informáticos e de proteção de dados (art.
45º), princípio da igualdade dos cidadãos perante a lei, com proibição de privilégio, benefício
ou prejuízo em razão de ascendência, sexo, raça, língua, território de origem, religião,
convicções políticas ou ideológicas, instrução, situação económica ou condição social, direito de
constituir família e contrair casamento e o reconhecimento da constituição e garantia da
protecção da família.
O reconhecimento e proteção destes direitos fundamentais e princípios constitucionais no
domínio das relações de direito privado processa-se mediante os meios de protecção próprios
deste ramo de direito, v g.., nulidade, por ser contra a ordem pública (art. 280.° do Cód. Civil),
da convenção ou cláusula que viola um desses direitos e direito de indemnização por violação
de um direito de personalidade.
A aplicação das normas constitucionais à actividade privada faz-se:
a) através de normas de direito privado que reproduzem, em termos mais ou menos exatos, o
seu conteúdo (p. ex.: direito ao nome — art. 70.° do Cód. Civil e art. 41.°da Constituição;
direito à reserva sobre a intimidade da vida privada — arts. 78.° do Cód. Civil e 41.° da
Constituição);
b) através de cláusulas gerais e conceitos indeterminados, cujo conteúdo é
preenchido com os valores constitucionalmente consagrados (p. ex.: ordem
pública do art. 280.° do Cód. Civil; tutela geral da personalidade do art. 68.° do
Cód. Civil, onde se consagra um verdadeiro direito geral de personalidade);
c) em casos absolutamente excepcionais, por não existir cláusula geral ou
conceito indeterminado adequado, uma norma constitucional reconhecedora de
um direito fundamental aplica-se independentemente da mediação de uma regra
de direito privado.
Parece conveniente e susceptível de conduzir a resultados mais razoáveis que a aplicação das
normas constitucionais a actividades privadas se faça em primeira linha com referência a
instrumentos e regras próprias do direito civil. Assim se chama a atenção para a necessidade de
atenuações à plena afirmação de um ou outro princípio constitucional, isoladamente
considerado, por força de princípios fundamentais de direito privado, também eles consagrados
na Constituição (ou, pelo menos, obviamente, conformes a ela): por exemplo, o princípio da
igualdade dos cidadãos não pode prevalecer, antes tem de ceder, sobre a liberdade contratual
(art. 405.° do Cód. Civil); o direito de liberdade de expressão não pode prevalecer sobre o
dever de segredo ou fidelidade que, em certos contratos, resulta para as partes — ou uma delas
— de cooperação, segundo a boa fé, para se atingir o interesse na prestação ou no contrato (art.
762.º n.° 2, do Cód. Civil).
Haverá então a necessidade de conciliar o alcance dos preceitos constitucionais com o de
certos princípios fundamentais do direito privado (eles próprios consoante a constituição).
Determinar o alcance ou a extensão com que os referidos princípios vigoram na esfera jurídica
privada é tarefa que levaremos a cabo mais a frente. Sem esta atenuação a vida jurídico-
privada conheceria uma extrema rigidez, inautenticidade e irrealismo, de todo o ponto
indesejáveis (pense-se na pretensão inadmissível de um dever geral de igualdade de tratamento
por um particular relativamente a todos os concidadãos a quem propusesse relações
contratuais — pretensão inadmissível, salvos os limites impostos pela exigência do respeito
pela dignidade humana).
Vamos então concretizar essas ideias expostas sobre a aplicabilidade directa de preceitos
constitucionais às relações jurídico-privadas e sobre os termos dessa aplicação.
Assim. p. ex., será nulo um contrato, ou uma cláusula contratual, pela qual alguém se obrigue
a professar ou a abandonar certa religião ou certa prática religiosa. Tal estipulação contraria o
citado preceito constitucional sobre liberdade religiosa cuja doutrina não pode deixar de entrar
no preenchimento do conteúdo da cláusula geral da «ordem pública» do artigo 280.º n.° 2, e
desencadear assim a consequência jurídica que esta disposição faz corresponder à falta de
idoneidade do objecto negocial.
É nula a cláusula de um contrato de seguro de responsabilidade, segundo a qual o segurado,
sob pena de perder os seus direitos, se obriga a abster-se de quaisquer declarações ou atos que
tendam a reconhecer a responsabilidade do segurador. Tal cláusula é também contrária à ordem
pública (art. 280.°), pois nesta tem de se compreender a liberdade de expressão e do
pensamento garantido constitucionalmente.
É nulo o contrato pelo qual alguém se obrigue a nunca contrair casamento, desde logo por
força das disposições constitucionais que estabelecem a garantia da constituição e defesa da
família (art. 47.° da Constituição), disposições que não podem também deixar de integrar a
ordem pública do referido artigo 280.° do Código Civil.
Adquire direito à indemnização dos prejuízos sofridos a pessoa a quem o dono dum restaurante
se recusar a servir uma refeição ou a quem o proprietário ou o motorista de um automóvel de
aluguer se recusar a transportar, em virtude da raça da contraparte. Esta recusa de contratar é
ofensiva da integridade moral de outrem, logo, de um direito de personalidade, na medida em
que a Constituição estabelece ser princípio fundamental da nossa sociedade a igualdade dos
cidadãos perante a lei e envolver esta igualdade a negação de qualquer privilégio de
nascimento, raça, sexo, religião ou condição social (art. 24.° da Constituição).
Em relação ao alcance da aplicação dos preceitos constitucionais, para a determinar é preciso
considerar os princípios constitucionais à luz da função e do sentido de certos princípios e
meios de atuação do direito privado (princípio da liberdade contratual e da boa fé) que
entrariam em conflito com aqueles princípios constitucionais, se eles se quisessem impor
irrestritamente no tráfico entre particulares, como se impõem nas relações Estado-cidadão.
Por exemplo ninguém pode invocar o principio da igualdade para impugnar um testamento em
que o testador beneficie um ou alguns filhos relativamente a outros. Não pode pedir-se uma
indemnização a uma pessoa que vende um prédio a outrem pelo mesmo preço que lhe tenha
sido oferecido anteriormente por um terceiro, ou até por preço inferior, pois o vendedor exerce a
sua liberdade contratual, que comporta a liberdade de escolha do outro contraente.
Pode estabelecer-se num contrato, nomeadamente constitutivo de uma duradoura relação de
confiança de uma parte na outra, a existência de deveres de segredo e de fidelidade, limitadores
da expressão do pensamento.
Quer dizer, o princípio da igualdade que caracteriza, em termos gerais, a posição dos
particulares em face do Estado, não pode, no domínio das convenções entre particulares,
sobrepor-se à liberdade contratual, salvo se o tratamento desigual ( v.g., recusa de contratar)
implica violação de um direito de personalidade de outrem, como acontece se assenta em
discriminações raciais, religiosas, etc.; a liberdade de expressão do pensamento pode ser
limitada por força da confiança de cada parte contratual na cooperação da outra para realização
do fim visado com o contrato.

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