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1ª SÉRIE

FILOSOFIA

LUCAS GONÇALVES

005
Filosofia cristã
Capítulo 4
Santo Agostinho e Santo Tomás de Aquino (p. 115-116)

• No capítulo anterior, acompanhamos o desenrolar das articulações


entre razão e fé na formação da cultura medieval, com o
desenvolvimento da patrística, resumidamente entendida como a
primeira tentativa de conciliação do cristianismo com a filosofia grega.
• Aurélio Agostinho (354-430) — transformado em Santo Agostinho pela
Igreja católica — é personagem importante nesse esforço de
conjugação da sabedoria revelada com o conhecimento racional.
• Nascido na Numídia, província do Império Romano situada no norte da
África, sua obra consolida o início do que chamamos de filosofia cristã,
exercendo notável influência sobre a cultura medieval e ocupando
importante posição no pensamento filosófico ocidental.
• Apropriando-se de elementos teóricos de Platão — para sermos mais
exatos, do neoplatonismo de Plotino (205-270), com o qual teve intenso
contato —, Agostinho empreende profunda investigação sobre as
relações entre o ser supremo (Deus criador) e os seres imperfeitos (as
criaturas), recobrindo, assim, ampla variedade temática que inclui,
entre outras questões, a origem do mal, a memória, a vontade, a
felicidade e a natureza do tempo.
Fecisti nos ad Te et
inquietum est cor
nostrum donec
requiescat in Te.
Todas essas indagações são feitas com base em um
movimento introspectivo que define o reconhecimento da
imensidão interior do ser humano como condição da própria
atividade filosófica.
Santo Agostinho e Santo Tomás de Aquino (p. 115-116)

• Essa introspecção, aliás, é em grande


medida decorrente do itinerário
pessoal de Agostinho, narrado por ele
mesmo em um de seus principais
escritos, intitulado Confissões, livro no
qual se combinam a descrição de seus
dramas internos com a exposição de
muitas de suas considerações
filosóficas.
• Podemos dizer que a elaboração de seu
pensamento filosófico é uma extensão
conceitual de seus conflitos
existenciais, sendo sua conversão ao
cristianismo católico o momento
igualmente decisivo na passagem do
ser humano permanentemente
angustiado ao filósofo cristão.
Santo Agostinho e Santo Tomás de Aquino (p. 115-116)

• A conversão daquele que depois seria bispo em Hipona (atual


Annaba, na Argélia) foi antecedida por uma trajetória um tanto
tumultuada de um jovem professor, que lecionou em Cartago, Roma
e Milão e que passou as três primeiras décadas de sua vida dividindo-
se entre os estudos, os prazeres mundanos, a busca de prestígio
social e a procura por respostas às suas mais genuínas aflições.
• Quanto a estas últimas, inicialmente acreditou encontrá-las no
maniqueísmo, doutrina criada pelo persa Mani, também conhecido
por Maniqueu, no século III, que combinava princípios do
cristianismo com o zoroastrismo — antiga religião dos persas.
• Decepcionado com o que identificava como insuficiências e
antagonismos da religião maniqueísta, Agostinho aproximou-se do
catolicismo, sobretudo por intermédio de seus contatos com o bispo
de Milão, Santo Ambrósio (340-397), que exerceu profundo fascínio
sobre seu espírito. A crescente intimidade com os textos sagrados
removeu-lhe pouco a pouco a resistência que durante muito tempo
apresentou com relação ao evangelho.
Em um dia de agosto de 386, a angústia atingiu o seu limite. Agostinho estava em
prantos no jardim de sua casa, quando uma voz infantil teria soprado em seus
ouvidos a necessidade de ler imediatamente as Sagradas Escrituras. Tomou-a
então nas mãos e abriu-a em uma página qualquer, deparando-se com um trecho
que ordenava o abandono da concupiscência e a atenção para as coisas da alma.
A vontade, desse modo, fazia-se total: Agostinho — contemplado com a graça
divina, segundo sua explicação — havia se convertido definitivamente ao
cristianismo.
Graça que, nos termos da teoria
agostiniana, é imprescindível ao
livre-arbítrio do ser humano
pelo seu retorno ao Deus
criador, que o fez à sua imagem
e semelhança, dotando-o de
inteligência, memória e
vontade, e do qual ele se
afastou na perversão de sua
natureza pelo pecado original.
Não seriam todos os eleitos
pela graça divina para a
salvação, apenas os
predestinados escolheriam o
bem eterno em detrimento dos
bens mundanos,
transportando-se assim para a
Cidade de Deus.
A questão da origem do mal (p. 117-118)
• Aquilo que se afasta da cidade de Deus, a cidade dos homens, está sob a
supremacia do mal ou, para utilizarmos uma expressão mais adequada
ao pensamento de Agostinho, é marcada pela ausência do bem.
• Sobre esse aspecto, por sinal, o pensador cristão formula um problema
filosófico que preenche muitas das páginas de suas Confissões: qual é a
causa do mal? A essa questão sobrepõe-se outra, condição prévia de seu
esclarecimento: quem é Deus?
• Agostinho observa que Deus não é a Terra, como não é qualquer das
múltiplas coisas que nela habitam. As montanhas, os desertos, as
florestas, as planícies, mares e continentes não são Deus. Não são Deus
os insetos, os répteis e nenhum de todos os outros animais que vivem.
Deus não é o céu. Os astros celestiais, o Sol e a Lua não são Deus.
• Como, por fim, do mesmo modo, não o são os seres humanos. Todos os
seres, animados e inanimados, são, isto sim, criação de Deus. Deus é,
então, o criador de tudo o que existe.
Ego sum qui sum — “eu sou
aquele que é por si” — teria
sido uma das frases
pronunciadas pelo Deus
criador a Moisés, no monte
Sinai, revelando-se assim
como ser supremo, eterno e
imutável em sua perfeição,
pleno de bondade e autor de
todos os seres. Deus é o ser
absoluto e, como tal,
incorruptível. As obras de sua
criação, as inumeráveis
criaturas produzidas por sua
vontade, existem porque
provêm de Deus e, da mesma
maneira, não existem porque
não são Deus.
Do mesmo modo são boas
todas as criaturas, porque
qualidade diferente não
poderiam ter aqueles que
foram gerados pelo ser
repleto de bondade, ou
seja, em idêntica proporção
à posse relativa de um ser,
os seres criados são
naturalmente bons, em que
pese não seja perfeito o
bem neles contido — pois
está em Deus o bem
absoluto. Não seria
racional, argumenta Santo
Agostinho, conjecturar que
da vontade divina,
necessariamente boa,
surgissem seres maléficos.
A questão da origem do mal (p. 117-118)
• Avança-se assim, consideravelmente, na questão inicial, sobre a causa do mal,
pois fica nítido, por essa explanação, que não se pode atribuir sua criação a
Deus.
• Com suas reflexões, então, Agostinho conclui que o mal não existe.
Evidentemente, a conclusão pode parecer absurda.
• Ao contrário, é consequência das proposições anteriores, porque, ao afirmar
que todos os seres são criações divinas e, nessa condição, apenas podem ser
bons, torna-se inadmissível a concepção do mal como um ser.
• Em um vocabulário rigorosamente filosófico, diríamos que o mal é negado
ontologicamente, quer dizer, não existe enquanto ser, com substância própria.
• Por que, então, constatamos tão facilmente a presença do mal no mundo? A
resposta é simples: o que identificamos regularmente entre nós e que
denominamos de mal é, do ponto de vista filosófico de Agostinho, tão somente
a ausência do bem.
• O mal não tem um ser próprio; em vez disso, é o não ser e, por essa
negatividade, encerra o que há de mais oposto ao ser supremo, Deus, bondade
total.
Até então procedemos por exclusão, demonstrando as razões pelas
quais o mal não teria existência substancial e não seria criação de
Deus. A primeira questão, sobre a causa do mal, continua sem solução.
Entretanto, estamos nos aproximando da resposta, porque se não é
produto da vontade de Deus, o mal seguramente descende de outra
vontade, inversa à do criador.
Livre-arbítrio (p. 118)
• Em vez de apresentarmos imediatamente a resposta, selecionamos um
episódio narrado por Agostinho em Confissões que nos parece muito útil
na melhor compreensão de sua argumentação sobre a origem do mal.
• É um acontecimento da sua adolescência, quando, junto com alguns
companheiros, se apropriou dos frutos de uma pereira de um pomar
vizinho.
• Não tinham fome nem comeram as frutas. Roubaram por roubar, ou
melhor, pecaram pela alegria do pecado.
• E a alegria do pecado consiste na perversa imitação de Deus pelo ser
humano, que o copia às avessas na pretensão da onipotência de sua
vontade.
• A prática do crime é a afirmação da vontade humana, desviada, é claro,
da vontade de Deus. Assim é o mal na sua origem: consequência do
livre-arbítrio humano. O ser humano é a mais elevada das criaturas na
Terra, concebida por Deus à sua imagem e semelhança.
Livre-arbítrio (p. 118)
• Sua alma não é a essência da verdade, mas participa da verdade por iluminação
de Deus e porque tem faculdades que o aproximam do criador, a saber, a
memória, a inteligência e o livre-arbítrio ou vontade.
• Por sua vontade, que o assemelha ao ser supremo, o ser humano escolheu o não
ser — o mal —, amando especialmente a si próprio e esquecendo-se de amar a
Deus sobre todas as coisas.
• Ao usarem o livre-arbítrio para cometer o pecado original, Adão e Eva afastavam-
se de Deus e pervertiam a natureza da humanidade, inscrevendo o mal (ausência
do bem) e a culpa nas gerações posteriores.
• É o livre-arbítrio do ser humano, portanto, a causa do mal. E dele também
procede a salvação, o retorno da humanidade ao Deus criador, muito embora a
vontade humana por si só já não seja suficiente para tanto.
• A redenção dos seres humanos apenas se consuma na concessão da graça divina
que, conforme Agostinho, corrige o livre-arbítrio redirecionando-o ao caminho
do bem, contemplação esta, porém, que não se estende ao conjunto da
humanidade, aplicando-se apenas aos predestinados por Deus.
• Aos predestinados tocados pela graça divina proporciona-se o retorno à
felicidade.
AGENDA

Atividades:
Página 125-127;
Questões 1, 2, 4 e 5.

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