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CAPÍTULO 4

O resultado da dúvida:
O Cogito

Aires Almeida | Desidério Murcho


O Cogito: penso, logo existo

Enquanto penso que tudo pode ser falso, dou-me conta que tem de ser verdade que
sou alguma coisa: sou aquela coisa que está nesse preciso momento a duvidar (a
pensar que tudo pode ser falso).
Sou um ser que duvida, isto é, um ser pensante (duvidar é pensar).
Penso, logo existo (cogito, ergo sum) = Sou um ser pensante
Mesmo que haja um génio maligno que me queira enganar sistematicamente, ele
não me conseguirá enganar quanto à minha própria existência. Isto porque, para
me poder enganar, eu tenho de existir: sou aquele que o génio maldoso está nesse
momento a enganar.

O Espanto 11 | Filosofia 11.º ano


Qual a importância do Cogito?
O Cogito tem uma importância central para a teoria do conhecimento de
Descartes.
Por três razões principais:

1. É apresentado como uma refutação dos céticos: a prova de que os céticos


estavam errados quando diziam que o conhecimento não é possível;
2. É o princípio do conhecimento: proporciona o fundamento sólido que
Descartes procurava para o edifício do conhecimento;
3. Fornece um critério de verdade: constitui um modelo de clareza e distinção, o
qual poderá servir para distinguir as crenças verdadeiras das falsas.
O Espanto 11 | Filosofia 11.º ano
1. Refutação do ceticismo (primeira parte):
o Cogito é uma crença indubitável
Os céticos radicais consideram que não podemos saber seja o que for, isto é, que o
conhecimento não é possível.
Porém, Descartes diz que o Cogito é um conhecimento inabalável, que os próprios
céticos são incapazes de rejeitar, pois é imune até às mais radicais dúvidas céticas
(é uma crença indubitável).
Experimente duvidar que está a pensar: consegue duvidar que está a pensar
sem estar a pensar?
A própria dúvida reforça a certeza de que pensa (que é um ser pensante).
Não há como rejeitar isso, defende Descartes.

O Espanto 11 | Filosofia 11.º ano


1. Refutação do ceticismo (segunda parte):
o Cogito é uma crença autojustificada
Como justificar o Cogito, isto é, a crença de que sou um ser pensante?
A crença de que «eu estou a pensar» e, por exemplo, a crença de que «eu estou a correr»
são justificadas do mesmo modo?
Não, o tipo de justificação é diferente: ao passo que é impossível duvidar que estou a
pensar sem estar realmente a pensar (tem de ser verdade que estou a pensar), posso pensar
que estou a correr sem estar realmente a correr (pode ser falso que estou a correr):
• pode ser que esteja simplesmente a sonhar que corro;
• pode ser que a crença de que estou a correr seja uma alucinação;
• posso estar sob o efeito de uma substância química que produz essa impressão na minha
mente.
Por sua vez, o Cogito é uma crença que se justifica a si própria: é uma crença
autojustificada.
Logo, ao contrário do que dizem os céticos, nem todas as crenças se 11apoiam
O Espanto noutras
| Filosofia 11.º ano
2. O Cogito é o princípio (fundamento) do
conhecimento
• Sendo indubitável, o Cogito é uma crença absolutamente segura. É, então, o
princípio ou fundamento sólido que Descartes procura para o conhecimento.
Descartes defende, por isso, uma perspetiva fundacionalista do conhecimento.
• Sendo autojustificado, o Cogito não se apoia noutras crenças. E, sendo o
Cogito o princípio em que o conhecimento se apoia, não há regressão infinita
no processo de justificação. Trata-se de um princípio ou fundamento a priori,
pois encontra-se no pensamento (ou razão) apenas, sem depender dos
sentidos. Visto que tal fundamento é racional, considera-se Descartes um
racionalista.

O Espanto 11 | Filosofia 11.º ano


3. O Cogito proporciona um critério de
verdade
O Cogito é uma verdade inabalável. Mas o que há de especial no Cogito para explicar a certeza
proporcionada por ele?

Nada, diz Descartes, a não ser que percebe com toda a clareza e distinção que tem de existir enquanto
pensa.

Se a clareza e distinção é aquilo que o leva a ter a certeza na verdade do Cogito, então poderá usar a
clareza e distinção como critério de verdade, isto é, como critério para reconhecer outras crenças
verdadeiras, distinguindo-as das crenças falsas.

Percebe-se algo de forma clara quando isso é imediatamente percebido por uma mente atenta: não é
preciso refletir nem fazer deduções para lá chegar: é uma intuição do pensamento.

Percebe-se algo de forma distinta quando a perceção em causa está totalmente separada de todas as
outras perceções, isto é, quando não se confunde com outras perceções e contém apenas aquilo que é
claro.

As perceções são conteúdos mentais ou pensamentos, pelo que o critério da clareza e distinção é um
critério racional: diz respeito ao que é claro e distinto para a mente ou pensamento e |não
O Espanto 11 para11.ºosanosentidos.
Filosofia
a seguir...
Mas como saber outras coisas além do Cogito?
Basta aplicar o critério da clareza e distinção?
Mas como confiar nesse critério?
Solução: Existe um Deus benévolo que me garante que o critério é de
confiança.

O Espanto 11 | Filosofia 11.º ano

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