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gL. LA KOU AWM MVD AWes Tien VOLUME II-A MESOI pL ITA MUS) ie aly dha edi BEE Seat “| wy" hs mS | set Vi Poe HISTORIA edicoes 70 NOTA DO EDITOR PORTUGUES A obra Les Premieres Civilisations, Tome I: Des Despotismes Orientaux a la Cité Grecque onde, sob a direccao de Pierre Lévé- que, colaboraram André Caquot, André Leroi-Gourhan e Jean Vercoutter, membros do Jnstitut e Jenny Danmanville, Jean- ~Jacques Glassner, Jean-Pierre Grélois e Bernard Sergent foi divi- dido em trés volumes na sua edigéo portuguesa, reunidos sob 0 titulo genérico As Primeiras Civilizagées: 0 primeiro volume, com 0 subtitulo Os Impérios do Bronze, jé publicado (n.° 41 na coleccao Lugar da Histéria), o presente volume, que ora damos a estampa, com 0 subtitulo A Mesopotamia /Os Hititas e um ter- ceiro volume, j4 no prelo, com o subtftulo Os Indo-Europeus e os Semitas. LIVRO PRIMEIRO CAPITULO SEGUNDO _ .4 MESOPOTAMIA ATE AS INVASOES ARAMAICAS DO FIM DO II MILENIO INTRODUCAO A terra. — Na sequéncia dos historiadores gregos, considerou- -se durante muito tempo a Mesopotamia, a bacia do Tigre e do Eufrates, como uma unidade geogréfica e hist6rica. Tal concep- cao, hoje caduca, no resiste 4 andlise dos factos. A Mesopota- mia divide-se em quatro regides de caracteristicas muito diferentes, constituidas por odsis mais ou menos extensos, sepa- rados por estepes secas e pedregosas ou por pantanos. A Norte, estende-se a Alta Mesopotamia, suficientemente htimida para que a agricultura possa depender das chuvas de Inverno. Compreende a Assiria, rosario de odsis que se desfia ao longo do Tigre e dos seus afluentes, e a Djeziré, estepe deso- lada que serve de pastagem apés os perfodos de chuvas. Vém, em seguida, o vale do Eufrates e a planicie aluvial, sujei- tos as cheias caprichosas dos rios, as do Eufrates em Abril e as do Tigre em Maio. A paisagem é, pois, modulada pelas aluvides. E uma terra fértil; a raridade das chuvas torna, no entanto, neces- sdrio um sistema de irrigacdo complexo e altamente aperfeicoado. Esta irrigagao intensiva acabard entretanto por arruinar os solos fazendo que aparecam & superficie os elementos de sais que se encontram a alguma profundidade. Mais a Sul, a regiao dos.grandes pantanos é um auténtico mar de canicos rico em caga e em peixe. E 0 reftigio dos fugitivos e dos proscritos. Julgou-se durante muito tempo que, na Anti- guidade, as costas do golfo Pérsico deviam encontrar-se mais a Norte do que se encontram nos nossos dias e que, consequen- temente, as grandes cidades sumérias se situavam & beira do mar. Mas 0s trabalhos dos gedlogos ingleses G. M. Lees e N. R. Fal- con tendem a fazer admitir uma formagao muito mais antiga da regido baixa. As cidades ter-se-iam entdo erguido nas margens de uma laguna de 4gua doce. Por fim, a Sudeste, no prolongamento da planicie, estende-se a Susiana, franja do Elao, banhada pelos cursos do Karum e do Kerkha cujos altos vales abrigam as rotas comerciais que con- duzem ao planalto iraniano. As varias partes da Mesopotamia apenas tém em comum a auséncia quase geral de minérios, de pedra e de madeira de cons- trugiio. E a argila do solo que a Mesopotamia vai buscar 0 tijolo, © seu tinico material de construgao juntamente com a cana. Importante encruzilhada de estradas, a planicie nao deixa de lembrar uma grande avenida comercial. Para além do golfo Pér- sico, 0 trafico maritimo estende-se até ao Indo. Na prépria pla- nicie, as rotas fluviais sao acompanhadas pelas rotas das caravanas que chegam até a Siria do Norte, as regides de Katna, de Alepo ou de Karkemish. De 14 partem as principais vias de comunica- cao para a Asia Menor, Palestina e Egipto, e, ao longo das cos- tas do Lfbano, para Chipre, Creta e ilhas do mar Egeu. Compreende-se entdo como o desejo de possuir um porto seguro no golfo Pérsico péde suscitar conflitos. E 6bvio que a vontade de controlar 0 conjunto das rotas comerciais da planicie esta na origem da formagao dos grandes impérios. Os habitantes. — A unidade de habitagéo, quadro habitual da vida na Mesopotamia antiga, é a cidade. O florescimento urbano é marcado pelas fundagoes de cidades de que os‘textos se fazem eco: Uruk, Acad, Shubat-enlil, Kala sao exemplos ilustres entre tantos outros. Cada soberano faz questéo em dar 0 seu nome a uma cidade: Dar-Kurigalzu, Kar-Tukulti-minurta, Dor-Sharrukin. O Estado mesopotamico é, primeiro que tudo, uma cidade, & qual 0 principe estd ligado por estreitos lagos; é igualmente uma dinas- tia, legitimacao do seu poder. Ao longo dos séculos, desenha-se um esforgo de urbanismo, cujo alcance nos escapa ainda dada 10 —_ a insuficiéncia das escavagdes arqueoldégicas. S6 se conhecem relativamente bem as cidade de Assur e de Dir-Sharrukin. Em Emar, na Siria do Norte, foi assinalado o plano em tabuleiro de xadrez da cidade do II milénio. As cidades esto divididas em bairros separados por grandes artérias: bairro dos templos, bairro dos paldcios, bairro dos negociantes. Um grande espago desabi- tado é reservado aos jardins e aos pomares. Se é verdade que a vida politica, administrativa e religiosa tende a concentrar-se no centro da cidade, nos paldcios e nos templos, as portas cons- tituem 0 p6lo de atracgao da actividade comercial. O espaco camponés esté igualmente estruturado. Podem assinalar-se trés zonas por assim dizer concéntricas: pomares e hortas, terras cerealiferas, terrenos de pastagem. Sente-se nesta reparticao o abrandamento do esforgo humano, & medida que nos afastamos do centro urbano. Esta disposicéo das pastagens nas zonas marginais é significativa: com efeito, ao lado do citadino e do aldedo, 0 segundo elemento do povoamento da Mesopota- mia é o némada criador de rebanhos. Entre as duas comunidades as relagGes so constantes, quer de ordem econémica quer militar. Os némadas constituem, para os sedentdrios, recrutas de segunda ordem. A Mesopotamia antiga nao conhece os grandes némadas cameleiros: estes s6 aparecem no Ultimo milénio antes da nossa era. Sao «pré-bedufnos», que vivem na 6rbita do mundo sedentério, por vezes absorvidos por ele. Sao igualmente povos serranos que, passando o Verao nas montanhas da Arménia e do Curdistao, sao de 14 escorragados pelo frio e pela neve; refugiam-se entio na Alta Mesopotémia, de clima mais clemente. A penetracéo dos némadas no meio sedentdrio segue um movimento lento, pacifico no seu conjunto. Entretanto, crises periédicas cujas razGes, provavelmente de ordem demografica, sao dificeis de captar, provocam catdstro- fes. So as invasdes. A Mesopotamia conhece essencialmente duas: Amorreus e Arameus. Mas a dinastia n6mada novamente instalada no trono urbaniza-se rapidamente e acaba por adquirir a mentalidade do citadino sedentarizado de longa data. As descobertas. — Até ao séc. XVIII ignorava-se tudo ou quase das civilizagdes que tinham florescido na Mesopotamia, durante a Antiguidade. As ruinas dos paldcios, dos tempos e das capi- tais dormiam pacificamente debaixo dos tells, monticulos for- mados pela acumulagao de diversos niveis de ocupagio e areias il que estio hoje disseminados pela bacia dos dois rios. S6 a Biblia conservara a lembrang¢a de alguns lugares célebres: Ur na Cal- deia, pétria de Abraiio; Ninive, a orgulhosa capital dos sobera- nos assirios; a torre de Babel, que os Judeus deportados para Babilénia haviam contemplado. Também os autores classicos, Herédoto, Beroso, Estrabaio, Eusébio, para sé citar estes, tra- ziam alguns pormenores muitas vezes pitorescos, sempre isola- dos, sobre esse mundo desaparecido. E os numerosos viajantes que, desde Benjamim de Tudela no séc. XI, haviam percorrido a Mesopotmia, nao tinham sabido despertar 0 interesse dos sabios e dos letrados. 86 no inicio do séc. XIX foram empreendidos trabalhos de envergadura. G. F. Grotefend, na sequéncia de uma aposta, inter- preta com éxito um epitéfio real aqueménida cuja cépia, trazida por um viajante holandés um século antes, possui. Foi assim dado 0 primeiro passo para a decifrago das escrituras cuneiformes. Em 1802, publica um alfabeto persa antigo ao qual E. Burnouf e Chr. Lassen acrescentarao as tltimas rectificagdes em 1836. Entretanto, em 1843, H. C. Rawlinson, cénsul geral briténico em Bagdade, recomega tudo a partir do zero, decifrando a ver- sao persa da inscric&éo aqueménida de Behistun. Oito anos mais tarde, depois de té-la identificado, publica a sua versio babildé- nica. Na mesma altura, E. Hincks descobre 0 caracter ao mesmo tempo sildbico e ideogrdfico da escrita babilénica. Rawlinson por seu turno, em 1851, mostra o seu cardcter polifénico. Em 1853,E. Norris publica a versao elamita da inscric&o de Behistun. Em 1857, finalmente, H. Fox Talbot propde a Rawlinson, Hincks e J. Oppert a tradugio simulténea de um texto cuja aquisicao acaba de fazer. Os resultados sao probatérios: as quatro tradugdes con- cordam nos pontos essenciais. A escrita cuneiforme esta decifrada. Entrementes, as escavagdes comegaram. Infelizmente, a ausén- cia de técnicas, a preocupacao de descobrir monumentos impor- tantes e, sobretudo, tabuinhas inscritas prevalecem sobre toda a decapagem metédica. Sendo entao a Assiria a tinica regiéo a fornecer relevos monumentais, acabou por ser saqueada, pilhada, por campanhas sucessivas. A partir de 1842 sucedem-se as mis- sdes: escavagdes em Ninive, comecadas por P. E. Botta e conti- nuadas por A.H. Layard, H. Rassam e W. K. Loftus; escavag6es de Dfr-Sharrukin (Khorsabad), conduzidas por P. E. Bottae V. Place. A zona baixa, onde as escavacées de Larsa, Ur e Eridu 12 _— s6 forneciam rufnas de argila, foi poupada um pouco. Por falta de descobertas memoraveis a missdo de F. Fresnel marca passo. Todavia, em 1877, E. de Sarzec descobre em Tello, a antiga Girzu, novos monumentos que J. Oppert atribui fundamentada- mente aos Sumérios, Seré preciso esperar por 1887 para ver o alemao R. Koldewey referenciar pela primeira vez niveis arqueo- légicos. Estavam dados os primeiros passos. O historiador dispde, actualmente, de uma massa considera- vel de documentos para assentar os seus conhecimentos. Apés um século de pesquisas, os resultados adquiridos parecem notd- veis, mas estdo longe de ser completos. Em muitos pontos a nossa ignordncia continua a ser total. A prdpria cronologia sé esta esta- belecida com seguranga a partir do séc. XIV da nossa era. Nenhuma nomenclatura, nenhuma periodizagao proposta é ainda satisfatéria. E 0 que é mais importante, ignoramos tudo, ou quase, acerca dos principais actores da histéria mesopotamica, os Sumé- rios. Eles sao os artffices da civilizagdo urbana. A sua origem € obscura, a sua lingua nao se liga a nenhum agrupamento lin- gufstico conhecido. Quanto as estruturas sociais, ao modo de vida, ao pensamento religioso, os estudos nao fizeram mais que aborda- -los até este momento. Depara-se aqui com uma dupla dificul- dade devida & natureza das nossas fontes: estas, obra da classe dos escribas e dos letrados, reflectem uma imagem parcial e j4 subjectiva da realidade; e, por outro lado, estao impregnadas de uma mentalidade muito afastada da nossa. O obstdculo é de impor- tancia. Ultrapassd-lo exige um método rigoroso, uma anilise longa e paciente. A hora das grandes sinteses ainda nao esta proéxima. BIBLIOGRAFIA Indicar-se-Go aqui apenas as obras de referéncia, que incluem, na sua maio- ria, abundantes bibliografias. 1, Arquelogia: G. Contenau, Manuel d’archéologie orientale, t. 1-4, Paris, 1927-1947. R. W. Ehrich (ed.), Chronologies in old world archaeplogy, Chicago, 1965. R. S. Ellis, A bibliography of Mesopotamian archaeological sites, Wiesba- den, 1972. H. Frankfort, The art and architecture of Ancient Orient, Harmondsworth, Penguin Books, 1958. B. Hrouda, Vorderasien I. Mesopotamien, Babylonien, Iran und Anatolien, Munique, 1971. J.-Cl. Margueron, Mésopotamie, Genebra, 1965. A. Moortgat, Die Kunst des alten Mesopotamien, Col6nia, 1967. A. Parrot, Archéologie mésopotamienne, 2 vol., Paris, 1946-1963. A. Parrot, Sumer, Paris, 1960. A. Parrot, Assur, Paris, 1961. J. B, Pritchard, The Ancient Near East in Pictures, Princeton, 1954. E, Strommenger e R. Hirmer, Cing millénaires d’art mésopotamien, Paris, 1964, 2. Epigrafia. Colecgdes de textos: A. Finet, Le code de Hammurapi, Paris, 1973. R. Labat er al., Les religions du Proche-Orient, Paris, 1970. J. B. 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S. N. Kramer, L’histoire commence @ Sumer, Paris, 1975. A. L. Oppenheim, Ancient Mesopotamia, Chicago, 1964. 14 ~~ 4, Histéria das religides. Historia das mentalidades: J, Bottéro, La religion babylonienne, Paris, 1952. E. Cassin, La splender divine, Paris, 1968. E, Dhorme, Les religions de Babylonie et d’Assyrie, col. «Mana», Paris, 1949. D. O. Edzard, em Worterbuch der Mythologie, Estugarda, 1965. H. Frankfort, J. A. Wilson, T. Jacobsen, The Intellectual Adventure of Ancient Man, Chicago, 1946. s. N. Kramer, Sumerian Mythology, Nova lorque, 1961. J, Nougayrol e J.-M. Aynard, La Mésopotamie, Religions du Monde, Paris, 1965. J, Nougayrol, La religion babylonienne Histoire des Religions (Encyclopédie de la Pléiade), t. I, Paris, 1970. J. Van Dijk, La sagesse suméro-akkadienne, Leyde, 1953. I. — A PROTO-HISTORIA MESOPOTAMICA 1, As comunidades camponesas A revolugao neolftica esté na origem de uma transformagao radical das condigGes de vida do homem pré-hist6rico. A desco- berta, fundamental, da agricultura e da criagao de gado tem como corolario imediato uma libertagio: o homem deixa de estar sujeito as vicissitudes da recolecgéo e da caga. O habitat estabiliza-se no meio de uma paisagem ja transformada. Comunidades aldeds fazem, entio, o seu aparecimento. Na Mesopotamia, a histéria destas comunidades é ainda dema- siado pouco conhecida para que seja possfvel tragar um quadro de conjunto. Os nossos conhecimentos neste dominio totalmente dependentes das escavacées arqueolégicas que estdo ainda nos seus infcios, no que se refere a estas épocas altas. Demasiado raras, reduzidas com frequéncia a simples sondagens, carecendo de meios, elas ainda s6 clarificam alguns momentos, importan- tes sem dtivida, da proto-histéria. A cronologia é imprecisa, a datacao com carbono 14 dé resultados demasiado vagos; 0 método estratigrafico é mais satisfatério: parte do princfpio segundo o qual as sucessivas camadas de ocupagao do solo revelam uma ordem cronoldégica que vai do mais recente para o mais antigo, isto €, para o mais profundo. A comparag&o dos resultados obti- dos em varios locais e o ponto de referéncia dos nfveis contem- 15 _— poraneos permitem estabelecer uma cronologia relativa. A par- tir daf, podem distinguir-se varios perfodos. Mas a auséncia de terminologia precisa constitui um obstéculo suplementar. Com efeito, concordou-se em designar as grandes épocas de acordo com o nome do local onde foram identificadas pela primeira vez, o que pode dar origem a uma certa confusiio. As primeiras fundagées. — Em Maio de 1948 descobriram- -se, a leste de Kirkuk, os vestigios do mais antigo estabeleci- mento sedentario conhecido. Trata-se da aldeia de Kalaat Jarmo que remontaria a meados do VII milénio (cerca de 6750 segundo a datagéo com carbono 14). As escavagdes puseram a luz do dia umas vinte casas de paredes de lama — calcula-se em cerca de 150 pessoas a populagao da aldeia —, algumas sepulturas, vasos de pedra, fragmentos de obsidiana, figurinhas de animais e de «deusas-maes» em argila. A utensilagem desenterrada é exclusi- vamente Iftica. Verifica-se a auséncia total de ceramica. Nume- rosas ossadas de cabras, de carneiros, de bois, de porcos e de ces demonstram a domesticacgdo destes animais. A presenca de gros de trigo e de cevada documenta o desenvolvimento da agri- Bazar (rensier cultura. No VI milénio, a civilizago de Hassuna — do nome de uma oO aldeia do vale do Tigre, a sul de Mossul — conhece a cerAmica. MT ou Esta é feita 4 mao, raramente polida; é pintada ou incisa, por Kigh ee ee vezes ambas as coisas. A pintura é baga, de cor vermelha-escura ou preta. Os temas decorativos sao simples, sempre de inspira- go néo figurativa. As construgées sao feitas de taipa. A utensi- lagem, que ilustra a importfncia crescente da agricultura e da criacao de gado (foices, machados, raspadeiras, buris) é essen- cialmente de pedra e de osso. Também do VI milénio, a civilizagao de Samarra, denomi- nada de acordo com 0 local de Samarra a norte de Bagdade, foi conhecida desde 1912. Encontramo-la em Ninive, em Baghuz, no Eufrates médio, e até na planicie de Antioquia. As constru- g6es sfo de tijolo cru em formato grande. A cerAmica é monocro- matica, variando o tom do vermelho ao violdceo. Os motivos, de inspiracao figurativa, mostram um gosto manifesto pela esque- Mapa | — A MESOPOTAMIA DE MEADOS DO 7.° MILENIO A MEADOS matizacao e pela abstraccaio; vé-se, por exemplo, uma danga de D0 3.° MILENIO cabritos-monteses que se transforma em cruz de Malta. A cruz gamada, outro motivo frequentemente utilizado, tem talvez uma origem semelhante numa danga de quatro mulheres esguedelhadas. Hadj Mohamined, Rio Uruk ~Batt-Yibitg El Obeid 17 Tell Halaf. — A civilizagao de Tell Halaf, no V milénio, mostra-se j4 muito mais complexa. Desde os vales do Tigre (Arpatchiya, Ninive) e de Habur (Tell Brak, Chagar Bazar, Tell Halaf), estende-se ao longo do Eufrates (Karkemish) e exerce a sua influéncia até ao Mediterraneo (Ras Shamra) e Cilicia no Oeste, ao Sul do Iraque a Leste e a regiao do lago de Van no Norte. B bem conhecida desde as escavacées do local de Arpat- chiya, perto de Mossul. Fica-se impressionado pela frequéncia de edificios circulares, alguns dos quais sio precedidos de um vestibulo rectangular. Desconhece-se ainda qual seria o destino destes tholoi. Foram jd considerados fortalezas, celeiros, for- nos, timulos, santudrios... E natural que nao sejam simples casas ’ de habitagao. Constituem pelo menos uma componente caracte- ritica da civilizacao de Tell Halaf. A ceramica é de altissima qua- lidade, ricamente decorada de temas naturalistas ou abstractos. Motivos novos, como os bucranicos e os duplos machados gozam de grande favor, ao passo que a cruz gamada desaparece total- mente. O tema da «deusa mae» esté igualmente bem represen- tado. Marcas de camp4nulas de argila e sinetes de pedras diversas testemunham o aprecimento da gliptica. A variedade das pedras utilizadas d4 uma ideia da extensao das relacées comerciais. A pedra, o osso e a argila continuam a ser os materiais preferidos para a utensilagem. Uma baixela de pedra foi encontrada em Arpatchiya. A grande novidade da época é a invengao de um processo para a fundi¢ao de certos metais, muito particularmente 0 cobre e o chumbo. E sem diivida na época de Tell Halaf que o sul do Iraque comeca a ser habitado. Tal facto pode mesmo ter-se dado antes, se tivermos como ponto de referéncia alguns fragmentos de louga encontrados em Kish, Ur e Girsu, aparentados com a cerimica de Hassuna. Os principais locais conhecidos nesta regiéo sao Kalaa Hadj Mohammed e Eridu. Kalaa Hadj Mohammed é um pequeno estabelecimento aldedo préximo de Uruk. Foi 14 descoberta uma cerfmica feita 4 mao, de pintura geralmente brilhante, sempre monocromitica (castanho-escuro, arroxeado, verde ou vermelho). Os temas decorativos sao geo- métricos. Eridu, nas margens de uma laguna do Eufrates, é um local muito mais importante. Encontram-se af nada menos que dezoito niveis de ocupagao. No nivel XVI péde salientar-se o plano completo de um edificio, Trata-se de uma construgao quadrangular dividida em duas por meio de pedras salientes. 18 — Um nicho contendo um pequeno pédio esté implantado na parede do fundo. Um segundo pédio ergue-se no meio do compartimento. A presenca deste nicho, a orientacao dos angu- Jos para os pontos cardeais e o facto de a edicula se encon- trar sob o zigurate mais recente de Ur-nammu fazem pensar que se esta na presenga de um templo. Quanto 4 ceramica, ela é monocroméatica e decorada com motivos geométricos simples. El Obeid. — Com a segunda metade do V milénio abre-se 0 perfodo de El Obeid, que tira o seu nome de um sitio proximo da cidade de Ur. A nova civilizago seria origindria do Sul. Alguns arquedlogos consideram, de facto, que os niveis antigos de Eridu sao a sua primeira manifestacéo. Seja como for, esta civilizag&o estende-se pouco a pouco, e nao sem violéncia, a toda a Mesopotamia (El Obeid, Eridu, Gasur, Tepe Gawra, Ninive, Chagar Bazar, Ukair) e as regides vizinhas (planicie de Antio- quia, Turquia, Irao). A aldeia de Arpatchiya apresenta as mar- cas das destruiges e das pilhagens que acompanharam a sua progressao. Dois estabelecimentos sao particularmente represen- tativos desta época: Eridu, no Sul (niveis VI e VII), e Tepe Gawra, no Norte (niveis XIX a XID). O templo do nivel VI de Eridu, construgéo de 23 m por 12 m, apresenta paredes regularmente aparelhadas de tijolo cru, o que supde 0 uso de molde para fabrico de tijolos. Construido sobre uma grande plataforma, tem um plano complexo que prefigura o do templo sumério: grande sala central rodeada por um rosé- rio de pequenos compartimentos anexos e provida de um altar numa das suas extremidades. No nivel XIII de Tepe Gawra descobriu-se um conjunto de trés templos construidos sobre uma esplanada de 30 m9. Um dos templos, de dimensées ligeiramente mais reduzidas que o de Eridu, 20 m por 9 m, apresenta um plano quase semelhante. Um queima-perfumes fornece indica- gdes preciosas sobre a construcéo destes edificios: nas suas paredes est figurado um edificio que comporta sete portas sobrepujadas de janelas triangulares e separadas por caneluras verticais. A ceramica utiliza, doravante, uma argila bem depurada. Introduz-se 0 uso da roda de oleiro. A decoragaéo é monocromd- tica, predominam os temas geométricos. Comegam a aparecer timidamente figuras animais. Em Tepe Gawra pode mesmo 19 observar-se uma representacéo humana, muito esquematizada é certo. Por outro lado, chegaram até nés figurinhas em terracota. Algumas dentre elas apresentam um facies qualificado tradicio- nalmente de «ofidiano». A utensilagem continua a ser simples, a pedra e a argila sao os materiais mais usados. A gliptica é abun- dante, sobretudo no Norte. E no dominio da metalurgia que se verifica a principal descoberta da época: assiste-se 4 implanta- cao de um processo mais econdmico de fundigao do metal; dai uma maior difusao de objectos manufacturados em metal, o que sup6e além disso a possibilidade de fundir este tiltimo em mol- des. O povo de Obeid controlou igualmente e tirou partido da forga do vento, como o testemunha um modelo de barca em ter- racota proveniente de um ttimulo de Eridu e que traz a indica- ¢ao do sitio do mastro. Em resumo, verifica-se que as comunidades camponesas, ori- ginalmente estabelecidas no sopé das montanhas, deixaram no VI milénio a zona do sopé e espalharam-se pelos vales dos rios para finalmente desembocarem na planicie propriamente dita. As sondagens efectuadas no local de Bukras, no vale do Eufra- tes, nas imediagdes da foz do Habur, ilustram as dificuldades desta progressao. Dos trés niveis sucessivos de ocupagao, sé 0 primeiro e o terceiro forneceram um mobilidrio de cardcter agri- cola; o segundo reflecte um abandono momentaneo da activi- dade sedentéria, sendo a utensilagem de tipo Paleolitico Superior. Nao se conhecem as razGes deste recuo, também verificado noutros lugares. Seja como for, a progressado dos estabeleci- mentos sedentdrios para regides secas, onde a irrigagao é neces- sdria dada a insuficiéncia das chuvas, nao péde fazer-se sem a invengao de técnicas agricolas novas e cada vez mais aperfei- coadas. A terra é a tinica fonte de riqueza, fornece o alimento assim como o material de construgao. Para obter as matérias-primas que lhe faltam, a aldeia deve mostrar-se capaz de produzir um excedente alimentar. Este tiltimo serve de moeda de troca para as transacgGes comerciais. Nada se sabe acerca da organizagao politica e social. Quanto as crencas religiosas, estamos reduzi- dos a simples conjecturas. E possivel que, na época de Obeid, um deus-lua tenha sido venerado em Ur e que um culto do deus das Aguas tenha sido praticado em Eridu. Unico elemento posi- tivo fornecido pela arqueologia, 0 culto das «deusas-maes» é uni- versalmente atestado. 20 _ 2. As cidades A revolucao urbana. — Euma segunda revolugao que marca os verdadeiros inicios da histéria mesopotémica: a revolugao urbana. As perturbag6es que dai decorrem verificam-se na char- neira dos IV e III milénios. Terao os seus prolongamentos até cerca de 2100 antes da nossa era. Este longo periodo é tradicio- nalmente subdividido pelos arquedlogos e pelos historiadores em varias fases: épocas de Uruk e de Djemdet Nasr, dindstica arcaica, império de Acad. Uma tal divisaio pode parecer cémoda para 0 estabelecimento de pontos de referéncia cronolégicos relativa- mente precisos, mas s6 debilmente reflecte a natureza dos acon- tecimentos que se desenrolam. Na realidade, estamos em presenga de um perfodo particularmente homogéneo, precisamente 0 da revolucao urbana, que comega aquando da construgao dos pri- meiros templos de Uruk e termina com a urbanizacgio da Meso- potamia do Norte sob os reis de Acad. Os primérdios. — As incoeréncias no material arqueolégico traduzem toda a confusao que presidiu aos primeiros passos da urbanizagao, nas épocas de Uruk e de Djemdet Nasr, uma e outra caracterizadas pela sua ceramica. A de Uruk s6 progressivamente vai suplantando a de Obeid, sempre presente nas camadas arqueo- légicas. Vermelha ou cinzenta, conforme o grau de cozedura, nao traz qualquer decoragaio. Ao mesmo tempo, aparecem for- mas novas. Reconhece-se nela a influéncia das artes do metal. Quanto a cerémica de Djemdet Nasr, ela é inteiramente diferente. O uso da policromia é nela introduzido, a decoracao geométrica e os temas naturalistas conhecem um novo desenvolvimento. E igualmente estranho ver os templos da época de Uruk, cons- truidos com tanto cuidado, abandonados muito pouco tempo depois. O conjunto arquitecténico descoberto no bairro de E.ana em Uruk é datado do nivel IV. Trata-se de uma vasta esplanada delimitada por dois templos, uma sala de colunas e uma instala- cao de banhos. Um terceiro templo de dimens6es impressionan- tes, 80 m por 30, erguia-se a nordeste desta esplanada; foram encontradas as suas fundagGes em calcério. Todos estes templos apresentam 0 mesmo plano: uma grande sala cruciforme flan- queada por multipos compartimentos anexos. Algumas constru- ges estio decoradas com mosaicos compostos de cones vermelhos, brancos e pretos, variadamente dispostos e figurando 21 diagonais, gregas, tridngulos e losangos. Um tal trabalho exigi- ria a presenca de equipas coerentes, construtores € decoradores, de uma mao-de-obra numerosa que obedecia a instrugdes preci- sas e utilizando planos e esbogos preparados antecipadamente e até aos mfinimos pormenores. Tais realizagdes nao podem conceber-se no quadro de uma economia camponesa. Ora, a passagem da época de Uruk para a de Djemdet Nasr é marcada por uma mudanga completa das praticas culturais, mudanga cujo sentido e alcance nos escapam. Os templos do bairro de E.ana sao destrufdos, 0 seu mobilidrio é reunido num ediffcio especialmente arranjado para esse efeito e um novo templo é construfdo num outro pairro, o de Kulaba. Presentemente, 0 templo levanta-se no cimo de uma alta plataforma, antepassado provavel do zigurate. Mas 0 aparecimento da cidade é, antes de tudo, um desfraldar de novidades. A invengéo da roda revoluciona a arte do oleiro que, de ocupagao doméstica passa a ser trabalho de especialista. O cilindro-sinete substitui o selo; 0 gravador encontra af uma superficie grafica muito maior, pode a partir de entao ornar com motivos gravados todo 0 revestimento cilfndrico do sinete que se aplica sobre a argila. Esta nova superficie grafica suscita com- posigGes novas, nas quais as cenas rituais detém um lugar consi- deravel. As artes do metal conhecem um grande florescimento, como o atesta a oficina de ferreiro descoberta em Uruk. O papel que os ferreiros devem ter desempenhado no processo de urba- nizagio foi muitas veses avangado pelos historiadores e pelos arquedlogos; alguns especialistas consideram-no absolutamente essencial, mas é dificil aceitar tais opinides. E verdade que 0s nomes de Sippar e de Bad-tibira, cidades reputadas aos olhos dos antigos pela sua altissima Antiguidade, evocam, aparente- mente, o metal ea arte do ferreiro, mas trata-se muito provavel- mente de etimologias populares ou segundas. A grande inovagao do tempo é, sem dtivida, a da escrita. As primeiras tabuinhas inscritas datam do nivel IV.* de Uruk. Sendo a pedra rara, utiliza-se sobretudo a argila como suporte do texto. A escrita é ainda um sistema muito imperfeito que ira melho- rando de descoberta em descoberta. Procura condensar-se numa pequena superficie um ntimero importante de signos que expri- mem um pensamento. As tabuinhas desta época est&o cobertas de pictogramas que representam a silhueta dos objectos desig- nados ou, mais geralmente, obedecem a uma simbdlica que se 22 encontra também na arte pictérica. A escrita, nos seus inicios. nao procura reproduzir a flexdo gramatical de uma frase ou de uma proposi¢ao, contentando-se com fixar na argila as palavras. os pontos essenciais da mensagem que se quer transmitir. Aj 6s alguns séculos de pesquisas, a descoberta do valor fonktice ao signo permitir4 transcrever de modo mais perfeito a lingua falada, Ao mesmo tempo, como nao é facil desenhar, sem rebarba: : linhas curvas em argila, os escribas optarao por quebrar os i tornos dos desenhos e representar 0 signo pretendido por um as junto de curtas incisGes em forma de cunhas. O sistema torn: ‘ cada vez mais abstracto. Assim nasceu a escrita eunsiforite, A vida na cidade. — As cidades continuam a estar profund. mente ligadas aos campos: os quintais e pomares penetram-n: is camponeses e trabalhadores agricolas vivem nelas, os celei ro eas tulhas erguem-se no seu interior. O ritmo de vida alana a ser 0 dos trabalhos dos campos. 1 phe Ignoramos o grau de organizagao atingido pela cidade nov: Algumas representagées figuradas provenientes de Uruk fie: tram um homem barbudo, vestido com uma ttinica e com a turbante na cabeca. Armado com 0 arco ou a langa, webebta submissao dos vencidos, assiste 4 execugéo dos prisioneiros a caca 0 leo. Tratar-se-d do chefe da comunidade ou este é eae nado por essoutra personagem bem reconhecivel nos docume: a pela em emalhada com que esté vestido e que rate ene : lar REED importante nas ceriménias ligadas ao culto cs sue nanna? No estado actual das fontes é impossivel dizé- ae certo nimero de documentos, todos eles origindrios de Me e ‘cepto um tinico encontrado em Tell Billa, traz um dese- me Pe aoe sinal grafico en. Este signo designaré mais tarde Saal hen ae precisamente em Uruk, en sera poderemos afirmé-lo Lean eee a ene do principe, sede do poder executivo, no é conhe- : a He 0 templo, que domina o conjunto da cidade com ae ponente € desempenha um papel essencial na vida en ica em virtude das suas propriedades fundidrias. Textos picos mais recentes descrevem a recepcao oferecida pelo rei ue a uma embaixada estrangeira: a cena desenrola-se fi ee lo templo. Mas o que talvez seja verdade em Uruk nao ecessariamente noutro lado. As escavagdes de Djemdet Nasr 23 revelaram os vestigios de uma construcdo imponente que nao é necessariamente um templo. Geralmente qualificado de «paldcio- -templo» pelos arquedlogos, a sua funcao precisa continua a ser um enigma. De resto, ainda est4 incompletamente escavado. No dominio das artes figurativas, os temas da guerra e da caga fazem o seu aparecimento. Uma estela de Uruk representa uma caca ao leao. A execucao dos prisioneiros nus, acocorados, com os bracos ligados atrds das costas, é bem atestada pela gliptica. Encontradas em Uruk, estatuetas de personagens nus, igualmente acocoradas, bracos e pernas atados, evocam @ mesma cena. As ideias religiosas do tempo ainda nao nos sao claramente perceptiveis. Os arquedlogos alemaes pensam que em Uruk ape- nas tera havido dois templos simultaneamente a0 servico na cidade: estar-se-ia, portanto, em presenca do culto de uma diade divina. As tabuinhas inscritas € os relevos permitem-nos identi- ficar um certo ntimero de divindades. As principais dentre elas sao Inanna, deusa da fecundidade, An, deus do céu, e Enlil, deus da atmosfera. A Mesopotamia do Norte. — No norte da Mesopotémia, foi em Tepe Gwara que foram as descobertas mais espectaculares. Estamos em presenga de uma cidade fortificada. A muralha é fendida por duas grandes portas flanqueadas de torres € ligadas entre si por uma grande artéria que divide a cidade em duas. No centro da aglomeragao encontra-se uma cidadela de plano cir- cular & qual se tem acesso por uma rampa Unica. E de notar 0 facto de a construgao principal que domina a cidade nao ser o templo, mas a cidadela. O templo é de dimens6es modestas. E concebido segundo um plano inteiramente diferente dos do Sul: 6, segundo a expressao de Andrae, do tipo do Herdhaustempel com uma grande sala tinica. O fim do perfodo é marcado pela construgio de uma acrépole que apresenta um grupo de quatro templos, como se 0 elemento religioso ganhasse uma importancia crescente na economia da cidade & medida que esta se desenvolvia. Ao lado das descobertas feitas em Tepe Gwara, as escavagoes das outras cidades da Mesopotamia do Norte parecem secunda- rias. Foi descoberta uma muralha em Gray Resh. Quanto ao tem- plo de Tell Brak, designado sob 0 nome de Eye-temple pelos arquedlogos por causa das curiosas figurinhas de olhos proemi- nentes que 14 foram. encontradas, est4 decorado com mosaicos, reflecte talvez uma influéncia meridional. 24 agi Pere da Mesopotamia. — Os primeiros habitantes q Mor ae nao eram seguramente Sumérios. E tudo o que eo i ua a com base nos nossos conhecimentos lingufs: f efeito, a etimologia suméria na i : feito, ‘ia nao explica numerosos nore emeratieos ns sem falar dos do Tigre e do Eufrates lermos técnicos referentes a i vas ' t a agricultura (charrua. feers ests palmeira, etc.) ou ao artesanato (ferreiro, carpin. pia tereaos oleiro, etc.). A arqueologia mantém-se muda q anna Ps Begpiina & nee ido 2 lu que a tradigaio fi: sabia ate nen xa a morada dos Sete mitiram o seu saber a t i o ioda a humanidad seguida vem Uruk, para pent eg ; onde a deusa In, eee anna trouxe os poderes gulam a ordem do mundo, depoi i ne ee lo, depois de os ter reti- f urso de um banquete ofereci Pat quete oferecido em sua honra. depp pipe by eepnderante que estas duas cidades es alta Antiguidade mesopotami a ! Amica, a - gia parece confirmar os dados da tradigae. mens: Susiana (Elao). — Separada do sul da Mesopot4mia por pan- tanos e la; ate penne em contacto como planalto iraniano através dos tios, a planicie susiana sofre a influéncia dos seus 25 dois vizinhos. O seu local mais SE ean me ee ivilizagai i tada a de Obeid. Deix civilizacdo conhecida é aparente ) mica de altissima qualidade cujos temas decorativos eg i da Mesopotamia. Esta alta civilizacao Sos uma Lee cir Susa sofre, de facto, a rey tal em pleno desabrochar. Sahat a ir daf, abre-se uma nova fase da revolugiio urbana. A partir dat, abr® ae toria da cidade, dominada pelo aparecimento de uma Sa Pic” togréfica totalmente independente do sistema aa si a i -( i onjunto, os textos en n escrita proto-elamita. No seu c Se eae eae émi bora a escrita ainda nao este); um claro caracter econdmico, emo mkt i imilhanga, trata-se de 1m decifrada. Segundo toda a verosi rios ou actas de vendas. No meio de entalhes que ae i : imais, vasos e utensilios er V a cifras reconhecem-se animals, ‘ E preciso concluir daf que, perante as mesmas shevessidades, # escolas de escribas elamitas e mesopotémicas SE ial ene yortanto, a sua indivi i de modo auténomo. Susa afirma, po i a ia fpti mica, também muito afastadas das da Mesop agliptica e a ceramica, também ml as das da M craicad sfio outras expressdes dessa mesma individualidade. Mesopotamia Metopotamia Elao do Sul do Norte 7000 Jarmo 6500 on Hassuna 5500 Fragmentos de louca em Kish, Girsu e Ur. Samarra 5000 Hadj Mohammed Tell Halaf Eridu XV ses El Obeid Tepe Gawra XIX-XIL Susa A 4000 24 3000 Uruk V-IV Tepe Gawra XI-VIT Cc 2800 Djemdet Nasr Uruk TIL Fig, | — Quadro cronolégico da proto-historia mesopotdmica 26 II, — O DINASTICO ARCAICO O perfodo que se convencionou chamar «dindstico arcaico» é caracterizado pelo desenvolvimento da urbanizagiio no sul da Mesopotémia, mais precisamente nas margens da laguna, do Eufrates e ao longo de um canal que liga este rio ao Tigre. As cidades, continuamente aumentadas e restauradas, ou mesmo reconstruidas, acabam por se levantar sobre monticulos artifi- ciais que as punham ao abrigo das inundagées. Habitat privile- giado por isso mesmo, elas acabam por tornar-se centros de pequenos Estados ciosamente agarrados a sua independéncia. A cronologia do perfodo deve muito a conjectura e a hipétese. Se as fontes escritas comegam a tornar-se numerosas, a verdade é que a sua distribuicdo e o seu valor histérico sio muito desi- guais; deixam ainda muitos pontos na sombra; as inscrigGes reais do apenas uma visdo parcial da situagao; os dados da historio- grafia mesopotamica estao sujeitos a caugao: Lista real sumé- ria, inscrigo do Tummal ou Crénica do Esangil sao textos tardios escritos numa perspectiva que nao é a do dindstico arcaico. Este inicia-se por volta de 2800. Esta data pode ser avangada com a ajuda da cronologia egfpcia, mais bem firmada: semelhan- cas no material arqueoldgico estabelecem, de facto, um sincro- nismo entre o perfodo tinita e o de Djemdet Nasr. Chega ao fim com a fundagao de Acad por Sargao, por volta de 2340. Os arquedlogos dividem-no em trés subperfodos. Esta divisao pode parecer arbitrdria, embora constitua uma cémoda hipétese de trabalho. 1. Os factos O dindstico arcaico I (2800-2700 aprox.). — E muito mal conhecido. E a época do diltivio. A tradigao conta que, cansa- dos do barulho feito pela humanidade, os deuses resolvem destru{- -la. Um texto mitico acédico, recentemente descoberto nas reservas do British Museum, relata as diferentes fases da inter- vengao divina. Os deuses provocam, primeiro, uma terrivel epi- demia com o objectivo de dizimar a humanidade. Mas o estratagema falha e é também em vao que deixam que a seca devaste o mundo. Por fim, decidem provocar 0 diltivio. Desta vez um tinico homem, fiel ao seu Deus, consegue sobreviver e 27 assegura a perpetuacao do género humano: € Ziusudra ou Shu- rupak da tradicaéo suméria, Atrahasis ou Uta-napishtim da tradi- cao acddica. Durante muito tempo, os arquedlogos procuram 0s vestigios deste diltivio. Leonard Woolley julgou té-los encon- trado em Ur, mas os trabalhos posteriores nao confirmaram a sua hipdtese. A falta de marca visivel na estratigrafia dos esta- leiros de escavagoes , muitas opinides foram emitidas, negando © acontecimento ou entdo reduzindo-o a uma catéstrofe natural que teria marcado o fim da tiltima glaciagao. A possibilidade de uma inundagao particularmente devastadora, mas localizada num local preciso, foi igualmente encarada. No entanto, nenhuma des- tas hipsteses é convincente pelo que 0 problema se mantém sem solucao. A Lista real suméria diz-nos que, a seguir ao diltivio, a rea- leza, dom do céu, coube a Kish. Esta Lista real é 0 documento de referéncia para o estudo do dindstico arcaico. Apresenta a his- téria mesopotamica como uma sucessao de dinastias que, insta- ladas em cidades diferentes, estendem alternadamente a sua hegemonia sobre toda a Suméria. A sua interpretagao dos factos é fortemente contestavel: exprime as tendéncias imperialistas dos reis que a estabeleceram em fins do III milénio. Mas, se 0 caracter politico do texto nao oferece diividas, 0 seu valor histérico € de dificil apreciagao. Tera de acreditar-se na existéncia do senti- mento mais ou menos afirmado de pertencer a um mesmo con- junto, nao obstante a existéncia de uma poderosa forca centrifuga? ‘A existéncia de uma anfictionia das cidades suméricas ¢ admi- tida por alguns historiadores. O seu centro seria Nippur que bene- ficia de um prestigio considerdvel. O prdprio nome da Suméria, Kenger, designava originariamente a regido de Nippur. A cidade nunca é capital de um Estado ou sede de realeza, 6 um. centro religioso situado a meio caminho entre a Suméria e Acad, O seu deus, Enlil, é 0 chefe do panteao, é ele que confere ‘a sua autoridade aos reis e aos principes. Um certo ntimero de textos mais recentes aludem & eleigao de um chefe comum as cidades suméricas, realizando-se essa eleig&o em Nippur, possi- velmente. Outros historiadores julgam perfeitamente possivel que, no ini- cio do dindstico arcaico, a Suméria tenha sido unificada sob a autoridade dos reis de Kish. A Lista real faz desta cidade a pri- meira capital, ap6s 0 diltivio. Quanto & lenda, considera um dos seus principes, Etana, «aquele que subiu ao céu», como o pri- 28 r meiro rei da humanidade. O titulo de «rei de Kish» implicara. mais tarde, a soberania sobre a Suméria e Acad. r E um problema inteiramente diferente 0 que é levantado por T. Jacobsen. Este sdbio julgou encontrar em algumas fontes a lembranga de um sistema politico no qual pretende reconhecer uma forma de «democracia primitiva». Varios mitos e narrati- vas épicas suméricas e acddicas apresentam, de facto, os deuses reunidos em assembleia a volta de um chefe. Nas cidades da €poca, a assembleia, reunindo conforme o caso os Antigos ou os homems em armas, teria sido soberana. O chefe, eleito, ter- -se-ia contentado com dirigir o debate. Em caso de guerra, a assembleia teria designado para o decorrer do conflito um. lugal, «grande homem», geralmente rico proprietdrio capaz de trazer tropas para a sua clientela. O primeiro tergo do dindstico arcaico continua, pois, a ser um perfodo obscuro para nés. Hé sem dtivida que ver detras das nar- rages miticas e lendarias um fundo histérico. Tera de facto exis- tido um reino de Kish, fundado por Etana? oO dindstico arcaico II (2700-2550 aprox.). — Ao lado dos tex- tos épicos e mitolégicos, os documentos contempordneos tornam- -se mais numerosos e com eles ha mais e maiores certezas. No plano arqueoldgico, 0 uso do tijolo plano-convexo € atestado por todo o lado. As cidades rodeiam-se de sélidas muralhas; a de Uruk, por exemplo, atribuida a Gilgamesh, nao tem menos de 9 Km. O regime politico caracteristico do dindstico arcaico, 0 das cidades-Estados rivais e ciosas da sua independéncia, esta no apogeu. As narrativas épicas que glorificam as proezas mili- tares dos reis fazem-se eco desta situacio. Uma vez mais, é a histéria de Uruk que conhecemos melhor. Os reis usam 14 0 titulo de en e detém, ao que parece, as funcdes de grande sacerdote da deusa Inanna. Residem no templo. Os dois primeiros sao designados pela Lista real como descenden- tes do Sol; o segundo Enmerkar, passa por ser o fundador da cidade: € preciso entender, provavelmente, que ele retine os dois bairros de E.ana e de Kulaba num mesmo aglomerado. Enmer- kar € 0 heréi de um ciclo de quatro epopeias que ilustram as rela- goes — entre Uruk e a Cidade-Estado de Aratta, cidade verosimilmente iraniana. Com a ajuda desta tiltima, o rei de Uruk consegue libertar-se da opressao de um invasor vindo do Oeste. Os reis das duas cidades decidem, entio, estabelecer relagdes 29 comerciais, mas surgem Os desentendimentos e estala a guerra; Uruk acaba por levar a melhor. Duas epopeias associam Enmer- kar e Lugal-banda, seu sucessor no trono de Uruk. O rei mais ilustre da cidade é, sem dtivida, Gilgamesh, herdi de numerosas composi¢gées literdrias e da mais célebre epopeia da literatura mesopotémica. Contestada durante muito tempo, a historicidade de Gilgamesh j4 nao pode, actualmente, continuar a ser posta em diivida. Sabe-se que ele restaura um templo em Nippur e se torna senhor de Kish pela sua vitéria sobre Aka. Na época de Gilgamesh, ou pouco tempo antes, duas outras cidades entram na histéria: Kish e Ur. Em Kish, Mebaragesi é 0 mais antigo rei mesopotamico de que se possuem inscrigées; foram, descobertas em Hafadje, a antiga Tubub, no vale de Diyala. E 0 pai de Aka, 0 adversdrio infeliz de Gilgamesh. A Lista real atribui-lhe a gloria de uma campanha contra 0 Elo. As disputas de Kish com o Elio sao conhecidas pela inscrig&o de um outro principe, Uhub, filho de Puzuzu, que se vangloria de uma vitoria sobre Hamazi, um Estado elamita. Estas guerras tem, sem dtivida, como teatro o vale de Diyala: é de facto por ele que passam as estradas comerciais que Jevam da Mesopotamia ao Irao. Uma populagao iraniana encontra- -se af misturada com um povoamento semitico. Em Mes-ane-pada, Ur sai da penumbra. O seu sinete foi encon- trado aquando das escavagées. Ele arroga-se 0 titulo de «rei de Kish», exprimindo assim as suas pretensOes a soberania sobre a Babilénia do Norte. Outros reis usam 0 titulo de «rei de Kish». O mais conhecido é Mesalim, O seu nome nao figura na Lista real, mas deixou inscrigdes em Abad e em Girsu. Sabe-se, pelo cone de Entemena, que arbitra um conflito entre Lagash e Umma. Ha, pois, alguma possibilidade de ter reinado sobre um Estado que englobasse pelo menos as trés cidades mencionadas. Nada se sabe sobre as suas origens; o seu deus pessoal é Ishtaran, o que parece aproxima- -Jo de Der, de cidade préxima da fronteira elamita. O dindstico arcaico III (2550-2300 aprox.). — Presentemente, as inscrigdes reais e, de uma maneira geral, o conjunto das fon- tes contemporaneas compensam largamente as insuficiéncias da Lista real. As inscrigGes oficiais, feitas muitas vezes sobre pedra ou metal, juntam-se pela primeira vez os documentos de arqui- vos em argila, como os de Tello, a antiga Girsu, ou de Bismaya, 30 _— a antiga Adab. Por fim, colecg6es literaérias e textos lexico- graficos foram encontrados em Fara, a antiga Shuruppak. e em Abu Salabih, cujo nome antigo ignoramos. Nestes textos, os reis da primeira dinastia de Uruk jd sio divini- zados. As guerras contra 0 Elao séo uma das constantes deste perfodo conturbado. Todo o rei de Lagash, & procura de gléria militar, se gaba de uma vitéria sobre o Elao. Dois outros conflitos mar- cam a hist6ria destes tiltimos séculos do dindstico arcaico: um opde Uruk a Ur, outro Lagash a Umma. Estes conflitos reduzem- -se a incidentes fronteiricos. A histéria de Ur no dindstico arcaico III abre-se com o enigma dos célebres ttimulos reais: reis e rainhas encontram-se acom- panhados na morte por um grande ntimero de homens e de mulhe- res. Um dos ttimulos tem nada mais nada menos que setenta e quatro corpos. Tais hecatombes, atestadas numa menor escala também em Kish e talvez em Mari — mas 0 facto é muito con- testvel para esta viltima — sao tinicas na histéria da Mesopota- mia. A perfeita arrumacio das sepulturas parece indicar que as vitimas sao consencientes. Todos os textos que podem esclarecer- -nos so mais recentes e nenhum faz directamente alusao a assas- sinios rituais ou suicfdios colectivos. Pensa-se muito naturalmente na narrativa da «Morte de Gilgamesh» em que o heréi faz ofe- renda aos deuses por si proprio e pelos que repousam com ele: mulher, concubina, filho e servos. Podem também relacionar- ~se com isto os ritos que acompanham a morte do rei da Assfria e cuja lembranga é conservada por uma passagem biblica: ao som da harpa e da lira, o soberano assirio parte para o Além com seu cortejo de carpidores e carpideiras. Os ttimulos de Ur evo- cariam o tempo em que, por morte do rei, os actores do rito fune- rrio eram, no fim, efectivamente mortos? A hip6tese é tentadora. Conservaram-se os nomes dos reis e das rainhas que 14 estao sepultados: Mes-Kalam-du, seu filho A-Kalam-du e suas espo- sas, Pu-abi e A-Shusikil-dingira. A Lista real nao lhes fez qual- quer mencao. Algumas geragées mais tarde, um rei de Ur, En-Shakush-ana. apodera-se de Uruk e pée fim ao velho conflito entre as duas cidades. Inaugura a dupla realeza de Ur e de Uruk que duraré até Sargiio de Acad. Kish, Akshak e muito provavelmente Nip- pur estao-lhe submetidas. O seu sucessor, Lugal-Jinishe-dudu, 31

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