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Gilberto Azanha 6 mestre ‘em Antropologia Social pela Universidade de Séo Paulo (USP) e membro fundador do Centro de Trabalho Indigenis- ta (CT), onde trabalha desde 1979. Virginia Marcos Valadéo fez pos-graduagao em Antro- pologia Social na Universida- de Estadual de Campinas (Unicamp)e 6 membro funda- dora do Centro de Trabalho In- digenista(CT)), onde trabaiha desde 1979. © Centro de Trabalho Indi genista é uma entidade civil sem fins lucrativos que se prop6e, basicamente, a criar altermativas concretas que permitam as populag6es indi- genas fazer frente & situagaio de dominago que caracteri- za historicamente suas rela- ‘96es com a sociedade nacio- nal. Essa proposta implica a manutengao ou recuperagéo de seus territérios e a preser- vagao de suas condigdes tra- dicionais de existéncia, para que possam se reproduzir en- quanto sociedades distintas da sociedade nacional. Sa s8o.% HisIons ew. Sees SENHIORES DESTAS TERRAS Os fpoves indigenas no Brasil : da colénia aos nossos dias Gilberto Azanha Virginia Marcos Valadéo Coordenagao Maria Helena Simées Paes ‘Marly Rodrigues 7, EDIGAO © Gilberto Azanha ¢ Virginia Marcos Valadio, 1991. Copyright desta edipao: ATUAL EDITORA LTDA 1997. ‘Av. Gon. Valdomiro de Lina, 833 ‘Parque Jabaquara -04344-070 - Sto Paulo- SP Fone: (O11) 3071-2288 - Fax: (011) 5071-3099 “Todos 08 direitos reservados. Dados Internacionais de Catalogagio na Publicagio (CIP) (Camara Brasileira do Livro, SP, Brasil) Valadio, Virginia Marcos. Senhoresdestas terras: os povosindigenasno Bra- sil:dacoléniaaos nossosdias/ Virginia Marcos Valadio, Gilberto Azanha ; coordena¢do Maria Helena Simées Paes, Marly Rodrigues. — Sao Paulo : Atual, 1991. — (Histéria em documentos) ISBN 85-7056-385.X 1. Aculturacio~ Brasil. indiosda Américado Sul ~ Brasil I. Azanha, Gilberto. II. Titulo, III. Série. 91-2457 CDD-980.41 fndices para catélogo sistemétic 1 Indios: Brasil: Aculturagio 980.41 2 fndios ; Brasil : Histéria 980.41 3. Povos indigenas : Brasil 980.41 Série Hist6ria em Documentos Editora: Samira Youssef Campedelli Coordenador editorial: Henrique Félix Assistente editorial: Jacqueline Mendes Fontes Preparagio de texto: Renato Nicolai Revisao: Noé G. Ribeiro/Alice Kobayashi Coordenagéo de are: Tania Ferreira de Abreu Diagramagéo: Alexandre Figueira de Almeida Arte: Zacarias Goncalves de Brito/Cléudia Ferreira Produgéo erdfica: Antonio Cabello Q, Filho/Silvia Regina E. Almeida/ ‘José Rogerio L. Simone Consultoria para o desenvolvimento do projto: Edgard Luiz de Barros Projeto gréfico: Ethel Santaclla Itustrgéo de capa: Avelino Guedes Fotos: IRA/SPI - Museu do {ndio, Carlos A. Ricardo/CEDI ‘Mapas: Alexandre Figueira de Almeida Composizao: Linoart Graficos & Editores Fotolia: Binhos/Cromoset Le. 12.97 NOS PEDIDOS TELEGRAFIGOS BASTA CITAR O CODIGO: AZSH 9067 “Mas 0 medo, que gera a violéncia ¢ a agressdo, jé estava em Caminha, ao dizer que 0s indios andavam jé mais man- 50s € seguros entre nés, do que nés andavamos entre eles. E assim foi durante longo tempo. Uma desafeicao geral con- tra.a terra € a indiada dominava a gente portuguesa; um édio incontido contra o gentio levava-a a praticar as maiores ini- qiiidades, como os que praticaram Mem de Sé ¢ Jerénimo de Albuquerque, a0 mandarem colocar & boca de bombar- das, feito em pedacos, os indios que mataram cristaos. [..] Tirar 0 medo aos cristaos, senhorear 0 gentio pela guer ra, amedronté-lo com grandes ameacas, domi-lo € meté-Io no jugo € sujei¢ao, tomar suas terras.¢ rocas € reparti-las pelos colonos. Af est4 um quadro sumério dos contatos luso-indigenas no primeiro século, que ensopou nossa terra de sangue indi gena, apesar dos esforgos da catequese jesuitica, sempre mais, Jembrada ¢ louvada porque é a histéria triunfante ¢ oficial.”” (José Honério Rodrigues, Conciliagao ¢ reforma no Brasil, p. 30.) SUMARIO Parte I Introdugio Parte II Documentos 1. O colonizador e 0 indio 2. A guerra ao barbaro: 1808-31 3. O Império: catequizar e civilizar 4. A Reptiblica: amansar e produzir 5. A visao dos indios Apéndice Vocabulério Cronologia Para saber mais Bibliografia 30 34 2.63 70 73 79 80 Nota do Editor: A qualidade da reproduci0, fotografica de alguns documentos ficou comprometida pela antighidade das fontes. Primeiros habitantes esde sempre aprendemos que os indios sao os pri- meiros habitantes da nossa terra. O pouco de to- lerdncia ¢ respeito que ainda lhes concedemos pa- rece advir desse fato. Para muitos de nés, descendentes de europeus ¢ africanos, os indios so ‘‘coisas do passado”’, al- go j4 vencido: aparecem na nossa histéria apenas como ob: tdculos facilmente removiveis para que possamos estabele- cer nosso ‘*modo de vida’’. O fndio se transforma entdo em. uma recordagio do que nos ensina a maioria dos livros es- colares: um ser ex6tico, livre e natural. Em nossa imaginacao, o indio sempre esteve ligado aos confins de nossa hist6ria ou de nossa geografia, mas, de qual- quer modo, bem distante de nés. Ainda hoje, a maioria das pessoas se espantam ao saber da existéncia de {ndios no lito- ral do estado de So Paulo, porque acreditam que os indios que sobraram no Brasil sé podem estar no Xingu ou na Ama- z6nia. Para esses, por exemplo, os Guarant de Sao Paulo no Ho “‘indios de verdade’’, mas ‘‘caboclos"’, indios ‘‘acultu- rados”’. Porém a antropologia* tem demonstrado que ‘grupos in- digenas aculturados’” nao existem. O que existe sao indivi- duos que perderam sua identidade étnica* e, como indivi- duos, se integram as populagies locais. Além disso, as sociedades indigenas nio estdo ‘‘paradas no tempo’. Elas passam por transformagées porque tam- bém tém a sua histéria. Uma histéria marcada por contatos violentos com os “brancos"’, que invadiram seus territ6rios tradicionais, apropriaram-se de suas terras ¢ recursos natu- * As palavras com asterisco sio definidas no Vocabulario, no final do livro, 2 rais, que pressionaram para que eles deixassem de ser eles mesmos e incorporassem modos de vida e de pensar dife- rentes dos seus prOprios. Foram também levados a adquirir bens materiais para eles desnecessdrios, como vestimentas € outros bens industriais, tornando-se materialmente depen- dentes dos brancos apesar de manterem seus valores cultu- rais tradicionais. Assim, as pessoas tendem a dizer que cles “‘ndo sao mais fndios’’ A maioria da populacao brasileira desconhece as condi- des de existéncia desses indios, os problemas com que se defrontam ou 0 porqué de insistirem em continuar existin- do como etnia*. Somos levados a acreditar que os indios suas culturas, como ‘‘coisas do passado”’, fatalmente desa- parecer, incapazes de resistirem ao avanco irreversivel do proceso civilizatério. E 0s dados surgidos ao longo do violento processo histéri- co de conquista e colonizagao do territério nacional pare- cem apontar para este destino: de 6 milhdes que cram na época do Descobrimento, os indios no passam hoje de 220 mil; das 600 linguas indigenas faladas no século XVI, ape- nas umas 170 continuam vivas. Esses dados nos revelam que, em pouco mais de dois séculos, 0 avanco do nosso processo civilizat6rio foi o responsavel pelo desaparecimento de mais ‘ou menos 450 grupos humanos diferentes. Como chegamos a uma tal depopulagéo? Nossa sociedade foi responsavel, durante séculos, pelo ex- terminio sistematico da populacao indigena. Mas, curiosa- mente, essa mesma sociedade sempre elaborou leis especffi- cas de protecao aos indios. E isso desde os tempos do Brasil Colénia. Foram varios os decretos da Coroa portuguesa que proibiam a escravizagao dos indios. Esse espfrito de prote- 0 se prolongou no Império e culminou na Repiblica com a criago do Servigo de Protecao ao Indio (SPI) e da Funda- 40 Nacional do Indio (FUNAD. No entanto, essas leis de protecdo devem ser interpreta- das como um recurso retérico, sem valor pratico, porém in- 3 dispensAvel para se inserir o indio dentro da ‘‘Nagao” bra- sileira © Estado do Brasil, como todo Estado moderno, se defi ne como Estado-Nacao, no qual o dominio sobre um terri t6rio pressupée a existéncia de uma ‘comunidad nacional”, isto é, de uma populacao unida pela cultura € pela tradicao. Sendo assim, o Estado brasileiro entende que nao pode in- corporar os indios como ‘‘cidadaos”” porque eles tém uma outra cultura e uma outra organizacio social e politica. E nem como nacées, porque no tipo de Estado brasileiro cabe apenas uma Nacao. E 0 que fez o Estado brasileiro para resolver esse problema? O Império definiu os indios como *‘6rfaios”” ¢, assim, c beria ao Estado, através dos juizes de 6rfaios, definir seus de: tinos e regular suas relagdes com os brasileiros. Dessa for- ma, os indios foram encarados como individuos e nao como poves. Através desse recurso, os juristas do Império pude- ram manter a integridade do ‘*Estado-Nacao”’ brasileiro. Na Repiblica, a promulgacao do Estatuto do Indio em 1973, e a colocacao dos indios sob a tutela* do Estado, nao fez mais do que ajustar A modernidade 0 estatuto de 6rfaos que o Império havia lhes conferido. Procurou também re- solver algumas contradicdes que a classificagao de ‘*érfaos”” implicava, atribuindo-Ihes a figura juridica de “‘relativamente capazes””, que da espaco para que o Estado possa esperar que, algum dia, os indios se tornem “‘plenamente capazes””, isto é, que possam, perante a lei, tornar-se cidadaos* brasi- leiros como quaisquer outros. A diferencga maior entre as duas legislagdes € que no Im- pério se permitia ao indio continuar existindo como tal in- definidamente; enquanto na de hoje o “ser cidadao”’ impli- ca imediatamente “deixar de ser indio””. Sendo o indio ‘‘me- nor de idade’’, cabe ao Estado, através da FUNAI, ‘‘pro- mover a integragéo do indio* & comunhio nacional”’ € trans- formé-lo portanto em um nio-fndio. Veremos entao, ao longo deste livro, que o chamado pro- blema indigena, tal como o Estado brasileiro 0 tem definido através da nossa histéria, resumiu-se em como inserir o ft dio dentro da ‘‘Nacao”’ brasileira: no Império foram defi 4 dos como ‘‘6rfaos", isto é, “‘despossuidos”’; hoje so def dos como ‘‘menores’’, ou seja, pessoas com direitos restri- tos. Tanto no Império quanto na Repiiblica, nunca foram reconhecidos como povos. Mas as populacées indigenas brasileiras constituem, do ponto de vista social e cultural, verdadeiras nacées, organi- zadas em pequenas unidades economicamente auténomas ¢ politicamente independentes. A maioria delas mantém ha séculos relacdes de troca imediata com a sociedade regional envolvente*. Mas 0 fato de manterem ha tao longo tempo contato com a nossa sociedade no significa que seus padrdes econdmicos sejam iguais aos nossos, ¢ nem 0 fato de j4 no mais andarem nus os torna semelhantes a nés. Ja indicamos que o Estado brasileiro nao pode permitir que os povos indigenas se manifestem perante ele como na- es. Por outro lado, cabe a cle proteger as populagées indi- genas da destruico que advém de seu contato com a nossa sociedade, funco que nao cumpre (as noticias esto af) que na prdtica acaba se transformando na negacio da autodeterminacao* ¢ da liberdade dessas populagées. E. por essa via, entre outras, que a funco de protecdo se transfor- ma em dominagao. A relacao do Estado brasileiro para com as sociedades indigenas tem se pautado pelo ‘“‘processo de pacificacao*"”, isto é, pela transformacio do indio de obsté- culo ao avango civilizatério em um ser manso e pacifico con- finado em reservas, sempre menores do que seu territ6rio original. A invasao das terras, a desvalorizago de suas culturas, a destruicao de sua autonomia econémica e politica, estabe- lecendo uma dependéncia direta e quase total A assisténcia do Estado, tém caracterizado a histéria das relacdes entre in- dios € brancos no Brasil. Ao longo de cinco séculos de resisténcia e luta, os indios passaram a exigir direitos pelo fato de serem o que sao: uma minoria etnicamente diferenciada, que deve ser respeitada na sua diferenca e que € capaz de analisar a realidade em que vive € definir de forma auténoma seu préprio projeto politico ¢ a condugao de seu futuro. E € justamente esse pro- jjeto de autonomia que a Constituicao de 1988 reconheceu: 5 Art. 231 - Sao reconhecidos aos indios sua organizagao s0- cial, costumes, linguas, crengas ¢ tradigoes, e os direitos ori- gindrios sobre as terras que tradicionalmente ocupam, com- petindo & Unido demarcd-las, proteger e fazer respeitar to- dos 0s seus bens. (Titulo VIL, capitulo VIIL) Esse capitulo da Constituicao representa um avango sem precedentes na legislaco, pois nao se fala mais em assimilar ou integrar os indios ¢ sim que o Estado e a Nagao brasilei- ra devem reconhecé-los como tais, indios. CAP{TULO 1 O colonizador e o indio O primeiro contato © século XV a Europa se expandia para o comér- cio, sob as ordens absolutas dos reis e da Igreja O poder precisava ser sustentado por riquezas. Por isso os reis se associaram aos comerciantes, desenvolvendo um sistema de gerar riquezas através de trocas. Os produtos mais visados por esse comércio eram as chamadas ‘‘especia- ias”” vindas do Oriente. E os italianos das reptiblicas de Ve- neza e Génova dominavam, com suas embarcagies, esse co- meércio. As outras nagdes da Europa ainda nao estavam organiza- das em Estados nacionais para fazer frente as repablicas ita- lianas, que tinham 0 monopélio (exclusivo) do comércio com © Oriente. Em meados do século XV uma outra nagio européia jé havia conseguido constituir-se como Estado nacional: Por- tugal — que com isso péde, através do poder absoluto do rei, dedicar-se ao comércio. A partir daf tém inicio as gran- des navegacées portuguesas, cujo objetivo era buscar uma rota exclusiva para o Oriente e, assim, quebrar 0 monopélio das repiiblicas italianas no comérco de especiarias. E. nesse contexto que os portugueses chegaram a uma terra desco- nhecida, que chamaram de Brasil Quando os portugueses chegaram ao Brasil, encontraram povos com costumes ¢ cren¢as totalmente diferentes dos seus, aos quais denominaram genericamente de indios. ‘Quem eram esses indias? Diferentes povos de diferentes culturas que ocupavam vas- tos territérios com fronteiras ecolégico-culturais e geografi- camente estabelecidas. Esses povos indfgenas possufam co- 8 nhecimentos da natureza, experiéncias de vida e concepg&es do mundo diferentes entre si e muito diversas das idéias dos portugueses sobre 0 que é a vida e o papel do homem no mundo. As primeiras impresses dos portugueses que aqui chega- ram sobre os habitantes da costa brasileira encontram-se re- gistradas na carta que 0 escrivao Pero Vaz de Caminha en- viou ao rei de Portugal: [..] A feito deles é serem pardos, um tanto avermelha- dos, de bons rostos e bons narizes, bem feitos. Andam nus, sem cobertura nenhuma. Nem fazem mais caso de encobrir suas vergonhas ¢ de mostrar a cara. Acerca disso so gente de grande inocéncia [...] Ambos traziam o beico debaixo fu- rado ¢ metido nele um osso verdadeire, de comprimento de uma méo travessa e da grossura de um fuso de algodao. Me- tem-nos pela parte de dentro do beico j...] E trazem-nos ali encaixado de sorte que néio os magoa nem lhes trazem estor- 20 no falar, nem no comer e beber [...] E andavam ld outros quartejados de cores, a saber, meta- de de sua pripria cor e metade de tintura preta, um tanto azulada [...] ali andavam entre eles trés a quatro mocas, bem novinhas ¢ gentis, com cabelos muito pretos e compri- dos pelas costas; e suas vergonhas, tao altas e tao cerradi- has ¢ tio limpas das cabeleiras que, de as nds muito bem otharmos néo se envergonhavam [...] (Apud Vogt & Lemos, Cronistas ¢via- Jante, p. 13.) A admiragao de Caminha pela aparéncia ¢ scu espanto pe- Jos corpos sadios ¢ limpos dos Tupinambé/Tupinikin apontam ‘© contraste com a falta de asseio corporal (e das habitagdes) reinante na Europa do século XVI, onde animais e pessoas compartilhavam a mesma residéncia ¢ a peste grassava nos niicleos urbanos. Tal contraste o leva A seguinte consideracao: [..] E naquilo ainda mais me convengo que séo como ‘aves, ow alimdrias montesinhas, as quais o ar faz melhores 9 penas e melhor cabelo que ds mansas, porque os seus corpos ‘so tdo limpos e tao gordos e tao formosos que ndo pode ser mais! E isto me faz presumir que nao tém casas nem mora dias em que se recolham; € 0 ar em que se criam os faz tais. Led (Apud Vogt & Lemos, Con janis, p. 19 Familia da grande nacéo Tupinambé, do século XVI 10 Contrastando com esses comentarios de admiragao, 0 es- crivao nao deixa de, a todo momento, reafirmar 0 caréter de conquista da expedicao. Dado esse carater, os indios ti nham que ser tomados como inimigos a serem conquis- tados. [..] Bastard que até aqui, como que se lhes em alguna parte amansassem, logo de uma méo para outra se esquiva- vam, como pardais do cevadoure. Ninguém ndo thes ousa falar de rijo para néo se esquivarem mais. E tudo se passa como eles querem — para os bem amansarmos! Ao velho com quem 0 Capito havia falado, deu-the uma carapuca vermelha. E com toda a conversa que com ele hou- ue, ¢ com a carapuca que the deu tanto que se despediu € comecou a passar 0 rio, foi-se logo recatanda, E nao quis mais tornar do rio para aguém. Os outros dois 0 Capitéo leve nas naus, aos quais deu o que jd ficou dito, nunca mais aqui apareceram, fatos de que deduzo que é gente bestial ¢ de pouco saber, ¢ por isso tao esquiva [...] (Apud Vogt & Lemos, Cronitas via yan, p19.) E espantava-se, ao longo do relato, pelo fato de esses “‘ini- migos”’ lhes prestarem auxilio e estarem tao A vontade entre eles: [-.] Acarretavam dessa linha quanta podia, com mil boas vontades, ¢ levavam-na aos batéis. E estavam jd mais mansos ¢ seguros entre nds do que nds estdvamos entre eles Nesse dia, engquanto ali andavam, dancaram, ¢ baila- ram sempre com os nossos, ao som de um tamboril nossa, como se fossem mais amigos nossos do que nds seus [...]. (Apud Vogt & Lemos, Gronistas ¢ via yantes, p. 21.) E por que sera que os Tupinikin nao demonstraram ne- nhuma belicosidade para com os portugueses — apesar de guerrearem sem cessar entre si? ul Porque, para aqueles povos, 0 inimigo era o ‘‘quase igual”, isto é, aquele que disputava com ele a prerrogativa de ser m “‘verdadeiro guerreiro’”. O motivo da guerra entre aque- les indios era a vinganca. Por que entao lutariam com um povo desconhecido ¢ com o qual no tinham nenhuma his t6ria de vinganga? Naquele momento do primeiro contato, 0s portugueses eram para os indios motivo de curiosidade © representavam a possibilidade de a produtos exéticos. E para os portugueses, 0 que representavam os indios? Povos a serem conquistados e dominados, para que se pu- dessem explorar as riquezas de seus territérios em beneficio da Coroa portuguesa. Povos a serem “salvos” do paganis- mo € convertidos & religiao catélica. \cesso, através de troca, [---] Até agora nao pudemos saber se hd ouro ou prata nela, ou outra coisa de metal, ou ferro: nem tha vimos. Con- tudo a terra em si é de muitos bons ares frescos ¢ tempera~ dos... As dguas so muitas: infinitas. Em tal maneira é graciosa que, querendo-a aproveitar, dar-se-d nela tudo: por causa das dguas que tem! Contudo, 0 methor fruto que dela se pode tirar parece que sseré salvar esta gente. E esta deve ser a principal semente que Vossa Alteza em ela deve lancar.. Quanto mais dispo- sigdo para se nela cumprir e fazer 0 que Vossa Alteza tanto deseja, a saber, acrescentando de vossa fé |...) (Apud Vogt & L Jantes, p. 21.) A colonizacéo: 0 escambo e 0 resgate O escambo A primeira atividade de exploracao econdmica A qual se dedicaram portugueses ¢ também franceses que aqui desem- barcavam foi a explorago do pau-brasil (Caesalpinia echina- a), usado na Europa para tingir tecidos. Para a obtencao 12 do produto, os colonizadores trocavam machados ¢ facbes por drvores abatidas. Esse tipo de troca, conhecida como escam- bo, era evidentemente desigual, pois os indios que trabalha- vam nas derrubadas carregavam 0s navios em troca dos ins- trumentos de trabalho. Esse sistema durou até a vinda de Martim Afonso de Sousa ‘em 1531, quando ent&o comecaram a se instalar fazendas de agiicar e algodao, que necessitavam de méo-de-obra perma- nente. Iniciou-se ento 0 aprisionamento e a escravizagao dos ios, Indios Tupinambé derrubando troncos de pau-brasil e carregando os na vios com destino & Europa. (Gravura de André Thevet.) O resgate Contudo s6 poderiam ser escravizados os indios que fos- sem ‘‘resgatados”’ das maos de outros indios que os tinham. aprisionado. Era o resgate*, assim justificado: 13 [...] 08 gentios tém guerra entre si e se cativam uns aos outros e se comem segundo seus costumes; ¢ vendendo-se € resgatando-se muitos se convertem i fé [...] (Regimento de Tomé de Sousa, apud FMonnen, Pindowma conqusada, p. 64) Esse comércio de mao-de-obra indigena ‘“‘resgatada"” co- megou na capitania de Sao Vicente. Os portugueses incenti vavam seus aliados Tupinikin a guerrearem com seus inimi 80s tradicionais, sobretudo os Tupinamba. Os Tupinikin co- megaram assim a alterar o destino de seus prisioneiros: ao invés de comé-los, entregavam-nos aos portugueses como es- cravos em troca de mercadorias européias. Essa situacdo é assim descrita por um observador curo- peu em 1556: [.-] Apesar de nossos esforgos, nossos intérpretes conse- guiram negociar somente poucos prisioneiros. Eu acrescento que isto néo foi do agrado do captor de quem eu comprei uma mulher ¢ seu fitho de dois anos [...] O vendedor indio disse-me: — Eu néio sei 0 que vai acontecer no futura, pois desde que (0s brancos) chegaram aqui nés néo temos comido nem a metade de nossos prisioneiros [...] (Jean de Léry, Viagem d tera do Brasil, B. 190-1.) A visdéo dos cronistas Varios registros com observacées ¢ opiniées sobre os cos- tumes indfgenas ¢ as relagdes que se estabeleciam entre in- dios ¢ colonizadores foram deixados por cronistas ¢ viajan- tes que acompanhavam as expedic&es, Na literatura dispo- nivel desse tipo de crénica destacam-se os franceses ¢, em especial, Jean de Léry, que aqui esteve no século XVI ‘Os registros de Léry, um calvinista que melhor descreveu ©s costumes indigenas da época, relativizavam a visao cat6- 14 lica e atribufam aos éuropeus habitos que consideravam to ou mais ‘“brbaros” que os dos indios. ‘Vejamos sua descricao sobre o canibalismo, ritual indige- na tao comentado ¢ que justificou toda sorte de guerras operacbes de resgate para escraviddo movidas contra os {n- dios: [..] Quando véo & guerra, ou quando matam com: sole- nidade um prisioneiro para comé-lo, os selvagens brasileiros enfeitam-se com vestes, mdscaras, braceletes ¢ outros ornatos de penas verdes, encarnadas ou azuis, de incompardvel bele- za natural, a fim de mostrar-se mais belos e mais bravos. [-..] Logo depois de chegarem [os prisioneires] so néo somente bem alimentados mas ainda thes concedem muthe- res [...), niio hesitando os vencedores em oferecer a propria filha ou irmé em casamento [...]. (Apud Voge & Lemos, Cronistas¢via- antes, p. 65.) O prisioneiro era entao bem tratado ¢ conservado por al- -gum tempo no convivio da aldeia, até que, finalmente, era marcada a data da execucao: [..] Tedas as aldeias circunvizinhas sao avisadas do dia da execugéio ¢ breve comecam a chegar de todos os lados ho- mens, mulheres € meninos. Dancam entéo 0 cauinam. O priprio prisioneira, apesar de néo ignorar que a assembléia se reine para seu sacrificio dentro de poucas horas, longe de mostrar-se pesarosa, enfeita-se todo de penas e salta e bebe [0 cauim*] como um dos mais alegres convivas [...] anda orgulhoso pela aldeia, gabando-se de seus feitos passados. [-.] Embora os selvagens tema a morte natural, os pri- sioneits julgam-s felizes por morrerem assim publicamente no meio de seus inimigos, néo revelando nunca 0 minimo pesar [..] [--] Os executores desses sacrificios humanos reputam o seu ato grandemente honroso; depois de praticada a faca- 15 nha, retiram-se em suas chocas e fazem nos peitos e nos bra- 0s, nas coxas ¢ na barriga das pernas sangrentas incisbes. E para que perdurem toda a vida, esfegam-nas com um ‘p6 negro que as torna indeléveis. O mimero de incisoes indi- cao ntimero de vitimas sacrificadas ¢ thes aumenta a consi- deragéio [...]. (Aput Vogt & Lemos, Gronitas¢ via janis, p. 66.) Para os indios da época, 0 canibalismo era um ritual hon- roso. Ao passo que esses mesmos {ndios consideravam. bar- bara a escravidio (costume europeu), em cuja situagao mui- tos morriam de melancolia ¢ tristeza. Mas os portugueses argumentavam que precisavam empreender “guerra justa””* contra os {ndios, para salvar da morte os prisioneiros transformé-los em escravos. (Os Tupinambs acreditavem que através do canibalisme ritual incorpora: vam as virtades dos prisioneiros devorades. (Gravura de Theodore de Bry.) 16 Em Léry encontramos também alguns dos poucos regis- tros da palavra e da visdo dos Tupinamba sobre as ativida- des dos colonizadores: [..-] vés outros mair sois grandes loucos,, pois atravessais 0 mar e softeis grandes incémodas, como dizeis quando aqui chegais, e rabalhais tanto para amontoar riquezas para vassos _filhos ow para aqueles que vos sobrevivem! Néo seré a terra que vos nutriu suficiente para alimentdé-los também? temos pais, maes e filhos a quem amamos; mas estamos certos de que, depois de nossa morte, a terra que nos nutriu também as nutrird. [...] por isso descansamos sem maiores cuidados. @iscurso de um Tupinambé anota- do por Léry no Rio de Janeiro em 1558, apud B. Ribeiro, O sndio na hiz- ‘ria do Brasil, p. 31) Os jesuétas Em 1549, Tomé de Sousa, o primeiro governador-geral, chegou ao Brasil. Vinha acompanhado pelos missionrios je~ suitas que, sob a coordenacao do padre Manuel da Nébre- ga, tinham por missio converter os indios & religido crista, protegé-los em sua liberdade, educé-los e alded-los, Eram as seguintes as ordens de D. Jodo III para os padres: [.-] Porque a principal causa que me moveu a mandar povoar as ditas terras do Brasil, foi para que a gente dela se convertesse & nossa santa fé catélica, vos encomendo mui to que pratiqueis com os ditos capities e oficiais a melhor maneira que pra isso se pode ter; e de minha parte thes di- reis que thes agradecerei muito terem especial cuidado de os provocar a serem cristios: e, para eles mais folgarem de 0 ‘ser, tratem bem todos os que forem de paz, e os favorecam sempre, ¢ néio consintam que thes seja feita opressio nem agravo algum; e, fazendo-lhes tho facam corrigir e emen- 7 das, de maneira que fiquem satisfeites, eas pessoas, que lho _fizeram, sejam castigadas como for justia [..] (Apud R. Gambini, 0 espetho india, p. 82) Tomé de Sousa desembarca com os jesultas na Babi. Os varios povos indfgenas aqui encontrados foram cha: mados de gentias, um termo impessoal que ignorava as ca: racteristicas culturais préprias de cada grupo. Isso porque, para os jesuftas, os povos indfgenas eram formados por ho- mens diferentes dos europeus, nem padres e nem cristdos, considerados como *‘uma folha em branco’” a ser preenchida. 18 Nos primeiros tempos dos jesuftas no Brasil, a forma tra~ dicional do trabalho dos missiondrios era a seguinte: um pa- dre, ou um pequeno nimero de padres, se dirigia a cada uma das nagGes indigenas e nas suas aldeias fazia a prega- 40; batizava geralmente um grande niimero de individuos € se retirava, considerando cumprida ali sua tarefa, Mas os frutos foram julgados poucos, especialmente se comparados com os riscos, que eram enormes. Nem sempre a recepcao dos indios era amistosa € os padres eram obrigados a acele- rar sua marcha pela mata adentro. Cresceu também entre 0s jesuitas a impressao de que o batismo em massa no sur- tia efeitos duradouros. Também havia poucos padres para muitos indios em muitas terras, Além do que os indios ti- nham 0 “‘mau’" ¢ generalizado costume de praticar 0 no- madismo, que em nada facilitava o trabalho de encontré-los. Em pouco tempo de trabalho missiondrio, os jesuitas en- tenderam que os indios tinham suas préprias crengas ¢ que dentro das aldeias destacavam-se pessoas respeitadas pelo seu saber tradicional. Era 0 caso dos pajés, conhecedores de pra- ticas espirituais ¢ de ervas medicinais, os “‘médicos’” das so- ciedades indigenas — que passaram a ser encarados pelos jesuitas como os maiores inimigos. Os jesuftas vao entao se decepcionando com as dificulda- des para a conversao do gentio e o padre Manuel da Nébre- ga trata de formular a estratégia da catequese* ¢ adequar © trabalho missionario a politica de colonizagao ¢ ocupacZo das terras: L..] Este gentio ¢ de qualidade que néo se quer por bem, seniio por temor e sujeigéia, como se tem experimentado e por isso se S.A. 0s quer ver todos convertides mande-os sujeitar @ deve fazer estender os cristaos pela terra dentro e repar- tir-lhes 0 servigo dos indios équeles que os ajudarem a con quistar ¢ senhorear em outras partes de terras novas [...), sujeitando-se 0 gentio, cessarao muitas maneiras de haver é- cravos mal havidos muitos escnipules, porque terdio os ho~ ‘mens escravos legitimas, tomados em guerra justa e teréo ser- vigo e vassalagem @ a terra se povoard e Nosso Senhor ga~ nhard muitas almas ¢ S.A. terd muita renda nesta terra [...] 19 A lei, que thes ho de dar, é defender-Ihes comer carne hu- ‘mana e guerrear sem licenga do governador; fazer-thes ter uma sé mulher, vestirem-se pois tém muito algodéa, ao me- nos depois de cristéas, tirar-thes os feiticeiras, manter-thes am justiga entre si e para com os cristias; fazé-los viver quielos ‘sem se mudarem para outra parte, se nao for para entre cris- tas, tendo terras repartidas que thes bastem ¢ com estes pa- dres da Companhia para os doutrinarem [...]. (M. da Nébrega, Cartas do Brasil 20 Pe. Miguel de ‘Torres, 8 de maio de 1558, p. 280-4, apud Baeta Neves, 1983, p. 69.) Esse plano marca uma série de alterag6es nas politicas de catequizaco. A primeira foi a criacdo dos aldeamentos* . Nos aldeamentos, indios das mais diferentes tribos eram reuni dos para que pudessem mais facilmente ser convertidos. Os aldeamentos jesuiticos nao foram bem recebidos pela maio- ria da populagao branca, sendo acusados de dificultar injus- tamente © aprisionament6 de indfgenas, de ser uma forma de defesa de indios e uma forma velada de os jesuitas conse~ guirem trabalho escravo para si. Os jesuitas protegiam os {ndios que adotavam a religiao cristé e viviam nos aldeamentos, estando assim a salvo das incursées dos colonos*. Entre 1557 e 1562, 34 mil indios agru- param-se em 1I paréquias, nos arredores de Sao Paulo. A empreita colonial: as guerras justas Em 20 de marco de 1570 tinka sido promulgada em Portugal uma lei proibindo o cativeiro dos indios [...] com excegio dos que fossem tomados em justa guerra [...). (J, Mendes Ju, Os indigenas do Bra- Sil... p. 29.) Eram guerras justas aquelas feitas com a licenga do rei ou do governador-geral contra os povos indfgenas que comba- 20 tiam os portugueses, impediam 0 comércio ou que fizessem alianga com outras nagdes européias, Os indios capturados nessas guerras justas eram levados para aldeias de reparticao* € distribufdos entre os colonos por tempo determinado. No inicio do século XVII, com o controle do mercado de mio-de-obra negra pelos holandeses, os colonos langam-se ferozmente contra os indios. Verdadeiras carnificinas sao co- metidas ¢ muitas revoltas indigenas surgem no Maranhio, Para e Bahia. Massacre dos Aymoré na Bahia. Como essas revoltas perturbavam a paz na Col6nia, tor- nando dificil sua administrago, novas leis foram feitas para assegurar a liberdade dos indios (em 1605, 1609 ¢ 1611), Nao podendo dispor da mao-de-obra indfgena admis trada pelos jesuftas em Sao Paulo, os colonos paulistas trata- ram de montar verdadeiras expedicdes de guerra para a cap- tura de fndios. Eram as bandeiras*. No inicio, investiram os bandeirantes paulistas sobre os Carijé de Santa Catarina; ¢ pouco depois passaram a atacar os aldeamentos dos jesuitas espanhéis no sul do: pafs, as chamadas redugées* 2 Iniciadas em 1610, essas reduces foram se sucedendo ao longo de uma faixa de terras disputada pelas Coroas de Portu- gal e Espanha — as provincias de Tapes e Guaira —, até for- mar 0 que passou a se chamar de ‘‘Repiiblica dos Guaranf” ‘Todas essas redugées eram povoadas pelos Guaranf, po- vos que ocupavam uma extensa 4rea formada por trés gran- des rios, 0 Uruguai, o Parand e o Paraguai. Os paulistas invadem as reducGes, matando e escravizan- do indios: [-.] Cairam primeiro (1628) sobre a redugéo de Encar- nacién, gue devastaram. Os trabalhadores dispersos pelos cam- pos foram postos a ferros ¢ levados: os recalcitrantes massa~ crados. AS criancas e os velhos, muito fracos para seguirem a coluna, foram igualmente massacradas pelo caminko [...]- No total, 15 mil Guarani tinham sido postos a ferros e ar- rebatados da redugao. [...] (C.Lugon, A mpiblica “comenista’ cit dos Guanani, p. 36.) Os indios reagiram e, em 1639, 4 mil Guaranf invadiram Caarupé-Guacu, derrotando os paulistas. Mas, apesar das resisténcias indigenas, os paulistas aniquilaram e escraviza- ram 300 mil Guaranf nesse perfodo. Em decorréncia desses fatos, em 22 de abril de 1639 0 pa- pa Urbano VII faz uma bula excomungando os que cati sem € vendessem fndios. Em 1667, Anténio Vieira, jesuita que defendia a liberda- de dos indios, é libertado pela Inquisicao (fora preso em 1663) ¢ em 1680 inspira nova lei, o Alvaré de 1° de abril, 0 pri- meiro documento feito no Brasil que reconhece o direito dos indios As terras. [.-] 1 — aos que descerem do sertio sejam designados lugares convenientes para neles lavrarem e cultivarem, sem que possam ser mudados dos ditos lugares contra sua vontade; 2 — esses indios nem serio obrigados a pagar foro ow tri- buto das ditas terras, ainda que sejam de sesmarias, a ppes- 22 soas particulares, porque na concesséo de sesmarias se reser- va sempre o prejuizo de terceiro, e muito mais se entende, ¢ quero se entenda, ser reservado o prejutzo e direito das in- dios, PRIMARIOS E NATURAIS SENHORES DELAS. (Apud J. Mendes Jr, Os indigenas do sil... p. 35.) Essa nova lei continua a admitir as guerras justas, porém com uma importante ressalva: [.-] que os prisioneiros assim tomados sejam tratados co- ‘mo as pessoas que se tomam nas guerras da Europa [...] (Idem, ibidem.) A nova lei daria ainda plenos poderes para os jesuftas es- tabelecerem misses exclusivas suas e determinaria que a re- Particao dos indios capturados em guerras justas ficasse a cargo do bispo local. ‘Tanto poder em mos da Igreja provocou protestos, com colonos invadindo a camara em So Paulo e proclamando a independéncia dos paulistas de Portugal, e sendo expulsos os jesuitas do Maranhao. Em 1686 deu-se uma nova vitoria missionéria, com a promulgago do Regimento das Missdes do Estado do Maranhao e Grao-Para. Esse regimento dividia 0 poder missiondrio entre as or- dens religiosas, cabendo aos jesuitas 0 controle da margem direita do Amazonas aos franciscanos a regiao ao norte do mesmo rio. Iniciou-se um perfodo préspero para as ordens religiosas, que passaram a deter 0 monopélio da mao-de-obra indige- na, a pretexto do sustento das misses. Como jé dito, o Regimento das Missdes de 1686 entrega- va a administragao espiritual e temporal dos indios aos reli- giosos. Mas a tentaco era grande para os padres, que pas- saram a se desviar de sua tarefa missionéria, transformando a missdo numa empresa mercantil. A pretexto do sustento 23 das misses, lancavam-se as ordens religiosas na lucrativa co- leta ¢ comércio das drogas do sertao. Isentas de impostos sem dificuldades de mAo-de-obra, tornaram-se as misses as principais organizagdes econdmicas da Amazénia. Do ponto de vista dos indios, a missao, como centro de destribalizacio ¢ homogeneizacao de culturas, tinha como produto final indios privados de sua identidade étnica, en- ‘Zo chamados tapuios. . Entre 1748 ¢ 1749, uma epidemia de sarampo dizimou a maior parte da populacdo aldeada dos tapuios na cidade de Belém e em toda a 4rea amazénica, fazendo com que a importéncia dos tapuios enquanto trabalhadores se fizesse logo sentir. O poder extraordinario ¢ 0 enriquecimento dos jesuftas nesse perfodo vai provocando um crescente descontentamento entre os colonos, até atingir os préprios governantes. O periodo pombalino: 0 indio como sidito Enquanto se acirravam as disputas internas entre colonos, governantes e missionérios, Portugal e Espanha procurayam resolver sua secular disputa de limites nas Américas € na Asia. Em 1750 assinam o Tratado de Madri ‘Os indios tornavam-se entdo peca importante do jogo po- litico-diplomatico entre as duas nagées coloniais européias. Os colonizadores viam como imperiosa a necessidade de po- voamento de seus territérios como forma de garantir a pos- se das terras em disputa. Escreve Pombal a Gomes Freire de Andrade, governador do Rio de Janeiro: [.] E como a fora ea riqueza de todos os Paises consis- te principalmente no raimero e multiplicagao da gente que 0 habita; como este mimero e multiplicagéo da gente se faz ‘mais indispensdvel agora, na Raia do Brasil, para a sua defesa, em razéo do muito que se tem propagado os Espa- nhdis nas fronteiras deste vasto continente, onde néo pode- ‘mas ter seguranca sem povoarmos, & mesma proporgao, as rnossas Provincias desertas que confinam com as suas povoa- 24 das; ¢ como este grande nitmero de gente que é necessdrio para povoar, guarnecer e sustentar uma tao desmedida fron- teira néo pode humanamente sair deste Reino e has adja- centes; porque aindé que as Hhas ¢ 0 Reino ficassem intei- ramente desertos, tudo isso néto bastaria para que esta vas- tissima raia fosse povoada: néo sé julga S.M. necessério de VSa, convide, com os estimulos acima indicados, 05 vassa- os do mesmo Senhot, Reinicolas e Americanos que se acham civilizadas; mas também que V.Sa. estenda os mesmos ¢ ou- tras privilégios aos Tapes, que se estabeleceram nos Domt- nios de S.M., examinando V.Sa. as condigies que thes fa~ zem os Padres da Companhia Espanhdis, ¢ concedendo-lhes outras & mesma imitagéia, que sé ndo sejam iguais, mas ainda mais favordveis; de sorte que eles achem o seu interesse em viverem nos Dominios de Portugal, antes que os de Espa- nha [...). (Apud C.A. Moreira Neto, fndior da ‘Amazin: de maioriae mina, p. 26-1) ‘Aos problemas encontrados no norte por Portugal (era s6 habitado por fndios), corresponderiam problemas mais gra- ves no sul, onde a Espanha, desejosa de controlar ambas as margens do rio da Prata, havia acordado com Portugal a en- trega dos Sete Povos das Misses, onde viviam indios Gua- rani € missiondrios jesuitas. Portugueses e espanhéis confiavam que os jesu‘tas fossem capazes, com sua autoridade, de remover os Guarani aldea- dos para a outra margem do rio Uruguai. Nao contavam com 0s obstdculos que esses indios comecaram a levantar con- tra as juntas das missdes*, negando-se a entregar as terras que “‘[...] por mais de cem anos trabalhamos nés, nossos pais ¢ avés [...]” (palavras-de um chefe Guaranf, apud J.O. Beozzo, Leis ¢ regimentos das missoes, p. 55). Estava armado o cendrio para a guerra de exterminio que, durante trés anos (1753-56), 60s exércitos das duas Coroas ibéricas moveriam contra os Sete Povos das Missées. As dificuldades encontradas para 0 povoamento do Brasil © para a garantia dos limites do pais serdo atribuidas aos mis- 25 siondrios, 0 que culminard, mais tarde, com a expulsao dos jesuitas do pais pelo marqués de Pombal. Enquanto isso so decretadas por Pombal as medidas de 6 de junho de 1755, que criavam a Companhia Geral do Grao-Pard e do Maranhio e a Lei de Liberdade de pessoas, bens e comércio dos fndios do Para e Maranhio. ‘A companhia destinava-se a cultivar 0 comércio ¢ através dele fertilizar a agricultura e a povoacao que se achavam em franca decadéncia. E a lei de liberdade dos indios, promul- gada no mesmo dia, visava reorganizar a producao interna ¢ dotar o Estado dos instrumentos para aplicar a nova poli- tica econdmica O preambulo da lei fazia severas criticas & politica indige- nista até entdo seguida, dizendo que, em vez de alcangar a civilizagao* dos indios, o seu aumento e a conseqiiente pros- peridade dos Estados, 0 que se via era que: [.] havendo descido muitos mithées de indias, se foram extinguinds, de modo que é muito fequeno 0 niimero das povoacoes ¢ dos moradores delas, vivendo ainda esses poucos ‘em tao grande miséria que, em vez de convidarem ¢ anima- rem os outros indios bérbaros a que os imitem, thes servem de escandalo para se internarem nas suas habitagoes silves- tres, com lamentdvel prejuizo da salagéo de suas almas, ¢ grave dano do mesmo Estado, ndo tendo os habitantes dele quem os sirva e ajude para colherem na cultura das terras as muitos preciosos frutos em que elas abundam [. (Apud JO. Beozzo, Leis eriments das misses, p57) A lei, em resumo, estabelecia: que os indios seriam livres € nao mais sujeitos a administradores; que, como stiditos do rei, receberiam salérios ¢ teriam direito ao livre uso de seus bens; que as aldeias com suficiente ntimero populacional se tornariam vilas; que os indios seriam livres de comerciar com quem bem entendessem; € que receberiam instrugao civil e religiosa. Tudo isso para marcar a presenca portuguesa nos limites disputados com a Espanha. 26 Um alvaré complementar, com data do dia seguinte, 7 de junho de 1755, abolia o poder temporal dos missiondrios de ‘qualquer religiao. Dois anos mais tarde, o Diretério de 1757 criaria um novo ordenamento para a politica indigenista: voltou-se atrés na resolugo de entregar aos prOprios indios © seu governo, € estabeleceu-se um programa para a civili- zagao e cultura dos {ndios. Esse Diretério, na realidade, era um violento roteiro de aculturagao* forgada dos indios, que comegava pela proibicao de os indios utilizarem suas pro- prias linguas ou a lingua geral da bacia amazénia introduz da pelos missionarios (0 nheengatu), exigindo-se o portugués. Propunha combate aos costumes tribais, incentivando a mis- cigenacao, abolia as distinges formais entre brancos ¢ in- dios e transformava as aldeias missionarias em vilas e po- voagies coloniais portuguesas. Liberava a mao-de-obra, es- tabelecendo que os indios deviam cultivar em suas rogas, prin- cipalmente para 0 comércio. Longe de abolir a administragao dos indios, 0 Diretério trocou a direc&o do missiondrio pela do diretor, funcionario vil do Estado. E ao invés de suprimir o sistema de reparti 0 de mao-de-obra, tornou-o mais duro e isento de limites. Os indios trabalhariam por salarios, mas esses salrios deve- riam ser entregues pelos moradores ao diretor da povoagao: este daria 1/3 da paga ao indio, guardando 2/3 no cofre, pa- ra ser recebido no fim do trabalho ou devolvido ao morador caso 0 indio desertasse do servico. E 0 principal meio para repovoar os aldeamentos, agora vilas, continuariam sendo os descimentos’, prética que ja ha- via exterminado tantos grupos dos sertées. O alvaré de 1758 estende a liberdade dos indios do Mara- nhio a todo o Brasil. A despeito da eloqiiéncia com que s40 proclamadas as liberdades indigenas na legislagao pombali- na, o Diretério firmado no Paré em 1757 pelo irmao de Pom- bal, Francisco Xavier de Mendong¢a Furtado, é um claro ins- trumento de intervencao ¢ submissdo das comunidades in- digenas aos interesses do sistema colonial. Daf 0 ouvidor ¢ intendente-geral dos indios do Par, An- t8nio José Pestana da Silva, ter enviado para Lisboa, na época de Pombal, critica sobre os maleficios do Diretério: 27 [-..] bem claro fica que de nada servirio as leis aos in- dios para serem amparados na sua liberdade, O Diretério é um labirinto ou mistura de determinagies que dé cauda @ muitas ilusées e desacertos que hoje se praticam no Estado [..] Desempenhem-se as leis, seja completa a liberdade dos indios, sejam livres suas pessoas, suas agies, ¢ 05 seus bens [.-.] € 0 comércio se exercitard sem o descdmodo e a violéncia das distribuigées, sem opressio e constrangimento dos mise- rdveis [...] (Apud P, Malheiro, A exruidiono Br Sip. 5.) A sucessio de revoltas indfgenas em varias partes da Ama- z6nia, nesse periodo, demonstra como os indios reagiam con- joléncia ¢ as tentativas forcadas de integré-los na eco- nomia ¢ sociedade coloniais. Contra a ansia ¢ violencia dos descimentos, 0 governador Lobo D’Almada, comentando as revoltas no Rio Branco em. 1781, aconselhava: traa [.-] Para descer estes Tapuios do mato, onde eles a seu modo vivem com mais comodidade do que entre nds, é ne- cessdrio persuadi-los das vantagens de nossa amizade, sus- tentd-los, vesti-los, néo os fatigar querendo-se deles mais ser- vigas do que eles podem [...] O sustento deve consistir em rocas de mandioca adiantadamente feitas [...] Para que eles tomem amor as povoagaes e fagam conceito de nossa probi- dade, convém nao puxar nunca a servigo estes primeiros ho- ‘mens descidos [...] Os filhos, que néo fizerem falta as fami- lias, sejam puxados ao servigo publico [..]- (Apud C.A. Moreira Neto, Indias da Amazinia, p. 80.) Mas a pratica adotada era mais violenta e 0 Diret6rio de Pombal foi abolido pela Carta Régia de 12 de maio de 1748, expedida pelo principe-regente ¢ futuro rei D. Joao VI. 28 Por essa carta, os aldeamentos indfgenas foram condena- dos ao desaparecimento; todos os bens coletivos dessas al- deias foram vendidos ¢ o resultado recolhido ao Tesouro da provincia; determinava, ainda, que os indios que no pos- sufam estabelecimento prOprio e ndo tinham ocupacao fixa fossem compelidos ao trabalho piiblico ou particular; reto- mava 0 conceito de guerra justa e, por fim, equiparava os indios “‘cristéos e mansos"” aos érfaos. 29 CAPITULO 2 A guerra ao barbaro: 1808-31 m janeiro de 1808 o principe-regente muda-se com a familia real para o Brasil. Em maio desse mesmo ano mandou fazer guerra aos Botocudos de Minas Gerais, pela Carta Régia de 13 de maio de 1808: [.-] desde 0 momento em que receberdes esta minha Car- ta Régia, deveis considerar como principiada contra estes in- dios antropéfagos uma guerra ofensiva [...] ¢ que nao terd (fim senéio quando tiverdes a felicidade de vos assenkorear das suas habitagées, e de os capacitar da superioridade das minhas Reais armas [...] Que sejam considerados como pri- sioneiros de guerra todos 0s indios Botocudos que se toma- rem com as armas na méo em qualquer atague; ¢ que sejam entregues para 0 servigo do respectivo comandante por 10 anos, ¢ todo 0 mais tempo em que durar sua ferocidade, po- dendo ele empregd-los em seu servigo particular durante esse tempo, ¢ consered-los com a devida seeuranca, mesmo em Lferros, enquanto néo derem provas do abandono da sua fero- cidade ¢ antropofagia [...]. (Apud P, Malheire, A exo no Bra- sil, p. 123.) Por igual modo se mandou proceder contra os Bugres, em Sao Paulo, pela Carta Régia de 5 de novembro de 1808. 30 Restabeleceu-se 0 sistema de entradas* e bandeiras e o in- dio preso era dado ao seu perseguidor como escravo, pelo perfodo de 15 anos. Em relacao a Goids, reza a Carta Régia de 5 de setembro de 1811: [...] Acontecendo [...] que a nagéio Carajd continue nas suas correrias, serd indispensdvel usar contra ela da forca armada; sendo este, também, 0 meio de que deve lancar mao para conter e repelir as nagoes Apinayé, Xavante, Xerénte e Canoeiro; por quanto suposto que os insultos que elas pra- ticam tenham origem no rancor que conservam pelos maus- tratos que experimentaram de alguns comandantes das al- deias, nao resta presentemente outro partido a seguir sendo intimidd-los ¢ até destrui-los, se necessdrio for, para evitar os danos que causam [...] (Apud P. Malhieiro, A escravidao no Bra- sil, p. 129-30.) Para expandir a ocupacao do territério brasileiro, os bandeirantes paulis- tas organizaram expedicées que “cacavam” e escravizavam os indios do sul do pais. (Gravura de J. B. Debret.) 31 A transferéncia, portant, do poder real para o Brasil em 1808, em virtude da invasao de Portugal pelas tropas napo- leGnicas, iria intensificar o cardter repressivo das leis contra as populagées tribais da Colénia — elevada da categoria de Reino Unido & de Metrépole em 1815 —, pois a populacao de colonos crescia ¢ se expandia para novas regides. Em 1821, nas reunides das Cortes Gerais em Lisboa, fo- ram apresentados alguns projetos de deputados brasileiros sobre a questo indigena. O mais conhecido deles, os Apon- tamentas para a civilizagiio des indios barbaros do Brasil, de José Bonifacio de Andrada ¢ Silva, mais tarde seria levado & As- sembléia Constituinte* do Império em 1823. Nenhuma de suas teses foi aceita. Apenas foram aprovadas pela Comis- so do Ultramar as sugestdes de um particular do Paré, que propunha repartir os indios por um perfodo de 7 anos, entre os colonos que, em compensagao, veriam [.] com todo 0 escripulo que estao batizados [...] ¢ apli- cados a trabalhos titeis, segundo suas forcas. (CA. Moreira Neto, Indios da Amazé- nia, p. 40.) Ser preciso esperar 0 perfodo da Regéncia, apés o 7 de abril de 1831, para que surjam as primeiras medidas que vi- riam eliminar a antiga legislacao de terror implantada por D. Joao VI. Entretanto essas medidas nao impediram a hecatombe que se abateu sobre a populacao indigena do Grao-Pard e de to-* do 0 isolado vale amazénico, por ocasiaio da repressao & re- volta da Cabanagem (1833-40), onde pereceu grande parte da populagdo tapuia, negra e mestica (calcula-se em 50 mil © ntimero de cabanos mortos), além da terrivel perseguicao desencadeada contra indios dos sertes amaz6nicos, como os Mawé e€ os Mira. Oito anos depois de finda a Cabanagem, as massas deslo- cadas ¢ famintas de indios encontradas ao longo do Amazo- nas eram perseguidas por aliciadores de novo tipo, suporta~ dos pela instituicao dos Corpos de Trabalhadores criada, em 32 1838, por Francisco J. S. Soares d’Andréa, governador do Amazonas, indicado pelo imperador para reprimir a Caba- nagem, destinada a recrutar a massa servil de: [..] tndios, mestigos ¢ pretos, que néo fossem escravos ¢ nao tivessem propriedades, ou estabelecimentos em que se apli- cassem constantemente, encaminhando-os ao servi¢o da la- voura, do comércio e de obras priblicas [...] (Henrique Jorge Hurley, Tragor caba- nas, 1936: 284, apud C.A. Moreira Neto, Indias da Amazénia, p. 87.) O fim da Cabanagem representou 0 desaparecimento de muitos lugares, povoagses, freguesias ¢ vilas habitadas por tapuios e mesticos, e a franca decadéncia da regio. 33 CAPITULO 3 O Império: catequizar e civilizar populagao indigena no Brasil, por volta de 1830, era estimada entre 600 € 800 mil indios, consti- tuindo cerca de 20% da populacao total do en- to nascente Império brasileiro. Apesar de seu peso demo- grafico significativo, a ameaca que representava ao projeto civilizatério j4 diminufra bastante. Embora algumas correntes de opinio proclamassem que 08 indios j4 haviam dado mostras da sua incapacidade em “‘aceitar as bases da civilizacio’’, a politica que predomina- ria no Império — e que determinaria as leis ¢ praticas do governo para com os indios — seria aquela fundamentada no binémio “‘civilizacdo e catequese”’ Elites intelectuais e politicas do Império (como José Boni- f4cio, Dr. Pinto Junior, barao de Antonina, Couto de Ma- galhaes, entre outros), preocupadas em construir ¢ fazer pas- sar para o povo a idéia de uma ‘‘Nacio brasileira’’, cons deravam que os indios deveriam ser incorporados & nova Na- ‘cd. Essa incorporacdo deveria ser feita pacifica e gradativa- mente, através da catequese religiosa ¢ da justa retribuicéo aos esforgos que os indios aldeados realizassem em seus ter- renos, s¢ja plantando, criando gado ou extraindo produtos do seu meio fisico. A lei de 27 de outubro de 1831 daria o primeiro passo nesse sentido, abolindo as Cartas Régias de 1808 e equiparando 08 indios aos érfaos, tutelados pelos juizes de paz, que vigia- riam e denunciariam os abusos contra a liberdade dos dios. Posteriormente, 0 ato adicional de 12 de agosto de 1834 34 determinaria que as Assembléias Provinciais e os seus go- vernos deveriam cuidar da civilizagdo e catequese dos indios. Foram entio criados pelos governos provinciais os cargos de administradores de indios. Os aldcamentos entao existentes foram divididos em duas classes: [..] wna, as fundadas pelos indios que se submeteram, outra, as fundadas pelos indios libertados ou evadidos ds ad- ministragies: aquelas eram dirigidas pelo governo, estas pe- os conventos. Forém, os administradores eram os tinicos usu- fratuérios do que produziam as aldeias [...J; roubavam os pobres indios, maltratavam-nos, deixavam-nos em extrema peniiria ¢ eles enriqueciam, cegando os governadores, 0s pro- vedores ¢ as cimaras & custa de presentes e bajulacies. Cer- tamente aos indios nézo podia ser agraddvel uma tal explo- ragdo: ¢ dai a fama de vadios, indolentes, preguicosos, etc. que esses administradores enriquecidos @ custa dos indias, néo cessavam de formar contra as suas vitimas [...] (J Mendes Jr, Or indigenas do Brasil. p. 53-4) Em pequeno trecho de um oficio expedido em 1843, 0 ba- ro de Antonina esclarece o que imaginava ser a correta ati- tude do Império em relagao aos indios. [-.] Devers procurar criar entre os indigenas as neces- sidades do homem civilizade, no para comodidade exclusi- vamente nossa, mas também para comodidade deles; ao con~ tério, serd imposstvel que néo prefiram ou a indoléncia na vida conasca, ou a vida errante nos terrenos desconhecidos [ok (U. Mendes Jr., Os indigenas do Brasil, P71) As “‘necessidades do homem civilizado” seriam a religiao crista e os bens e produtos oriundos da economia dominan- 35 te na zona pioneira. A {€ crist deveria ser inculcada pelos missionarios, e os bens civilizat6rios, criados pelo trabalho dos préprios indios, que seriam protegidos em suas terras € direitos e, como criangas a que estavam equiparados, orien- tados na sua vontade e punidos em seus erros para que apren- dessem a respeitar as regras da sociedade dominante. Em 1843, 0 governo do Império convidaria oficialmente a ordem dos capuchinhos italianos para assumir a tarefa da catequese dos indios. Distribufdos originalmente entre as pro- vincias onde grupos indigenas ofereciam resisténcia & ‘‘ex- pansao do comércio”” — principalmente Goids, Sao Paulo € sul do Mato Grosso —, alguns anos mais tarde os aldea- mentos por eles criados dariam origem a novas vilas e, mais tarde, a municfpios, com a maioria dos primitivos habitan- tes fugindo novamente para os sertes. ‘Tais fatos viriam re- forcar a tese de que os indios estariam fadados ao desapare- cimento, devido a sua inadaptabilidade ao processo de evo- lugdo da humanidade e & “marcha irreversfvel do progresso”” ‘ principal instrumento da politica indigenista do Impé- rio foi o Decreto de 24 de julho de 1845, que regulamentava as missdes de catequese e civilizacao dos indios. Para coibir 08 abusos dos antigos administradores de indios, o decreto estabeleceu 0 cargo de diretor-geral de indios para cada provin- cia — nomeado pelo imperador —, instalando em cada al- deia um diretor de indios ¢, se possivel, um missiondrio. Nos termos de Jodo Mendes Jr., ‘esse decreto é fértil em dispo- sigdes, mas nunca foi devidamente executado”’. ‘Em algumas provincias, esses diretores de indios (que re~ cebiam, pelo cargo, salrios e uma patente do Exército) nao fizeram mais do que repetir seus antecessores, explorando a mo-de-obra indigena e distribuindo as terras indigenas entre seus préprios familiares, Outra lei do Império que veio afetar diretamente o desti- no dos povos indigenas foi a chamada Lei de Terras, pro- mulgada em 18 de setembro de 1850. Essa lei considerou de- volutas, isto é, vagas para a colonizacio: [..] 1 — as terras que néo se acharem aplicadas @ al- gum uso piblico nacional, provincial ou municipal; 2 — 36 «as que ndo se acharem em dominio particular por qualquer titulo legitime, nem fore havidas por sesmarias ou por ou- tras concessoes do Governo Geral ou Provincial, néo incur- sas em comisso por falta de cumprimento das condigies de ‘medigéo, confirmagao e cultura; 3 — as que nao se acha- rem dadas por sesmarias ou outras concessies do Governo que, apesar de incursas em comisso, foram revalidadas pela Lei; 4 — as que ndo se acharem ocupadas por posses que, apesar de néo se fundarem em titulos legais, forem legiti- madas pela Lei [...] U Mendes Jr Os indigenas do Brasil. P. 56) A Lei de Terras do Império tinha como finalidade forcar a colonizagao e exploraco de terras incultas. A partir dessa lei, todas as terras do Brasil poderiam ser possufdas somen- te por compra. E autorizava o governo a vender as terras devolutas (isto é, sem registro) por leilao. Apenas um més depois da aprovagao da Lei de Terras, uma decisio do Ministério do Império mandava ‘‘incorpo- rar aos préprios nacionais”” as terras dos indios que j4 no viviam em aldeamentos, pois, nesse caso: [..] néo existiam hordas de indios selvagens [...] mas somente descendentes deles confundidos na massa da popu- lagéo civilizada [...] (CA. Moreira Neto, “A politica indi- geisla brasileira durante 0 séeulo XIX”, p 374) Muitas terras de posse dos indios foram assim tomadas € vendidas em leilao, justamente daqueles que, ndo mais “‘sel- vagens”, viviam pacificamente em contato com os chama- dos “‘civilizados”* Depois da Lei de Terras de 1850, portanto, somente os “‘in- dios selvagens”” poderiam ter acesso A terra ou ter direito a0 37 terreno devoluto que ocupava. Com isso o governo do Im- pério estabelecia em lei a diferenca “‘indio bravo/indio man- so’: se o primeiro era “‘selvagem’’, o era porque defendia sua terra; nesse caso, ento, o governo reconhecia sua posse. Como 0 “‘indio manso”’ no brigava mais, entao podia ser expropriado da sua terra E assim foi feito. Um exemplo de como essa expropriagao de terras dos indios se processava aparece na Decisio 127 do Ministério do Império, de 8 de marco de 1878: [J] Tendo a Lei n? 1114, de 27 de setembro de 1860, autorizado 0 Governo Imperial a aforar ou vender, na con- formidade da Lei n° 601, de 18 de setembro de 1850 [Lei ‘de Terras], os terrenos ppertencentes as antigas missoes ¢ al- deias de indios que estiverem abandonadas, cedendo a parte que julgar conveniente para a cultura dos que nela ainda permanecem e requerem, recomendo a V.Excia, que, depois de declarar extintos os aldeamentos que por suas atuais cir- cunsténcias estejam no caso de o ser, dé as respectivas terras 0 destino determinada, depois de reservar, as familias dos indios ali existentes ou a seus descendentes, loles cuja drea compreenda 31 250 bragas quadradas ou 151 250 metros quadrados [...] Spee CA. Moreira Neto, 1971, p. No Sul do Brasil, onde o Império usava dinheiro do T souro nacional para estabelecer a colonizacio alem, os in- dios que habitavam os sertdes de Santa Catarina (Xokléng) ¢ Parana (Kaingéng) foram combatidos com 0 apoio dos go- vernos daquelas provincias. O ataque dos indios aos colonos estrangeiros, na defesa de suas terras, era visto como nocivo A imagem do Brasil no exterior, prejudicando a imigracao de europeus. ‘Assim, em Santa Catarina, 0 cénsul alemo propés & pre~ sidéncia da provincia contratar pessoa que afungentasse os assaltantes (indios Xokléng), auxiliando os colonos alemaes 38 com 1 000$000 (um conto de réis). Foi aceita a proposta, tendo sido contratado Manoel Alves da Rocha, com venci- mento de 3 0008000 mensais. Foi assim, através da contratacio de “bugreiros’”, que mais da metade da populaco Xokléng de Santa Catarina foi as- sassinada, 39 CAP{TULO 4 A Repitblica: amansar e produzir [-.] como um patriota, anseio por ver a Feconciliagio das trés ragas que constituem a base étnica do povo brasileiro de forma que, uma vez fundidas, formem a populacao unida dessa Grande Reptiblica MS. Rondon, Homeagem a Jasé fécia, apud ACS, Lima, “Ao’ fe- tichistas, ordem e progresso..”, p. 16.) Os positivistas e os indios primeira Constituigao da Repiiblica, de 1891, no traz nenhuma mencio aos indios. Contudo, du- rante os debates para a sua elaboracdo, destaca- ram-se os positivistas, um grupo de pessoas que, influencia- do pela doutrina do filésofo francés Auguste Comte, def dia uma ordenagao “‘cientifica”” da sociedade. Na ocasi dos debates da Constituinte, propuseram que os indios de- veriam ser considerados como nagées livres e soberanas, ¢ que fossem organizados em Estados com o titulo de ““Esta- dos Americanos Brasileiros””, em oposicao aos ‘Estados Oci- dentais Brasileiros’”. Tais Estados teriam autonomia ¢ con- trole sobre seus territérios. A proposta foi considerada ut6pica: [..] A solucéo proposta é humanitdria ¢ justa, mas néio assenta na realidade dos fatos e é inexegiiivel. Digo que néo assenta na realidade dos fatos porque, nem ‘mesmo empiricamente existe na atualidade espitrito de fede- racdo entre as ragas selvagens ¢ a civilizada, nem daqueles 40 entre si, ¢ menos relagées amistosas que possam ser manute- nidas. A triste verdade é de um permanente conflito entre uma raca invasora impelida pela necessidade ou pela ambi- cio e as tribos némades, vivendo da caca e pesca e defenden- do até a morte vastas dreas de territério, que thes ministram as elementos de vida. Se, porém, o sistema indicado ndo pode ser absolutamen- te observada, ¢ se é forca optar entre a catequese ¢ a guerra, ministra, todavia, base para sobre ele calcar-se regime mais humanitéria, um modus vivendi menos incompativel com 0 sentimento humano, com a moral crista e com o culto da justiga. Em meu conceito é fatal a solugdo do problema etnoldgi- co pela assimilagéo do aborigene ao género civilizada (AR. de S, Pitang apud ACS, Li- ordem e progres- O ideal do Império: a catequizacéo regular para formacéo de “indios civi lizados’. Na foto, internados das escolas das miss6es salesianas em Bar celos, noroeste do Amazonas. 41 O ideal do Império prolonga-se na Republica. Na foto, indios Piratapuia, Taridna e Tukéno em visita a Manaus, em 1928. Mas seriam os positivistas que continuariam a propor que o Estado deveria encarregar-se do cuidado e proteco aos in- dios em vez das missdes religiosas, integradas, nesse perfo- do, principalmente por capuchinhos salesianos. Por que a preocupagao dos positivistas com o problema indigena? Em linhas gerais, duas correntes de opiniao debatiam-se durante a primeira Constituinte republicana: os liberais que representavam os interesses da “‘iniciativa privada’’ (produ: tores de café de Sao Paulo, Rio de Janeiro ¢ Minas Gerais), ¢ os positivistas, que representavam as classes médias € cu~ jos porta-vozes eram os oficiais militares ¢ os intelectuais que haviam participado ativamente da queda da Monarquia (Os liberais defendiam uma Repiiblica Federativa em que © poder central se limitaria A guarda de fronteira, & defini- c&o da politica externa e monetéria, & garantia da proprie dade, cabendo A iniciativa privada promover a construcio da Nacao. A corrente positivista, que era fortemente influenciada pela doutrinagao da academia militar, propunha uma forma uni- taria de Estado, de modo a melhor organizar a sociedade de cima 42 Mesmo nao impondo seus pontos de vista basicos na Cons- tituigdo de 1891 (tida como liberal), essa corrente de opiniao (positivista) ganharia forca ao longo dos primeiros anos da Replica, sobretudo depois da crise do café (1906-08), quan- do os liberais passam a defender a intervengao do Estado no mercado para a defesa do preco do café. Essa guinada dos liberais foi fundamental para a consolidacao da tese po- sitivista da construgao de um Estado forte que, de cima pa- ra baixo, organizaria a Nagio. Qual Nacao? [...] O estado funcional das gentes brasileiras pode-se re- sumir numa palavra: 0 Brasil néio tem povo! Dos seus 12 mithées de habitantes em 1884, um milhdo é de escravos @ hoje os ex-escravos e seus descendentes andam quase inii- leis, esparsos nos povoados ¢ raros nas antigas fazendas e engenhos. Ficam nove milhies mais ou menos. Destes, qui- nhentas mil pertencem a familias de proprietérios de escra~ vos [...] Acontece, porém, que o largo espaco compreendido entre a alta classe dirigente e os escravos (agora criados ¢ empregados de toda ordem) por ela utilizados, néo se acha suficientemente preenchido. Seis milhies de habitantes, pelo menos, nascem, vegetam e morrem sem ter quase servido sua patria. No campo seréo agregados de fazendas, caipiras, ma- tutos, caboclos; nas cidades seréo capangas, capociras ou sim- plesmente vadios e ébrios. (L. Conty, Le Bréil en 1884, apud E. Carone, A Reptiblica Velha, p. 145-6.) Os indios e os “‘trabalhadores nacionais’? EA integragao dessa massa marginal que o esforco positi- vista ira dirigirse. Além disso, com a abolicao da escravatu- ra, a luta entre o senhor e o escravo iria deslocar-se para a luta entre o senhor e colono imigrante. Os imigrantes que conseguiam juntar dinheiro suficiente para tornarem-se propriet4rios acabariam comprando seus 43 lotes nfo nas regies valorizadas pela cafeicultura (onde o preco da terra era alto), mas nas zonas pioneiras* dos esta- dos do Sul, onde disputariam as terras com os indios que ainda as dominavam. Veremos que, dos conflitos entre indios € imigrantes, nas- cerd 0 embate ideolégico que propiciard a criagao, pelo go- verno federal, do Servigo de Protecao ao Indio ¢ Localiza- ao de Trabalhadores Nacionais (SPILTN), em 1910. Os chamados ‘‘trabalhadores nacionais livres’? (caipiras, caboclos, pequenos posseiros, produtores de alimentos, par- ceiros, sem-terras, etc.) ¢ os indios seriam o alvo privilegia- do de atencio dos “construtores da Nacao positivista’” por- que nao eram atendidos pelas elites dominantes, que os con- sideravam, como dizia Julio de Mesquita Filho, ‘‘a faccao semibérbara da populacao”’. ‘Todo 0 trabalho e pregacdo positivista seria feito buscan- do integrar A Nagao brasileira essa massa de gente. No inicio do século XX, alguns choques entre fndios ¢ in- vasores de seus territérios em zonas pioneiras (colonos imi- grantes em Santa Catarina x Xokléng; colonos de Minas Gerais ¢ trabalhadores que construfam a Estrada de Ferro Noroeste do Brasil no Oeste de S40 Paulo x Kaingéng: la~ tifundidrios do cacau no sul da Bahia x Patoxé Hahahie; 0s soldados da borracha x dezenas de grupos indigenas no Acre,etc.) comecaram a ser denunciados na imprensa, prin- cipalmente devido & atuag3o dos chamados ‘‘bugreiros” — matadores profissionais de ‘“‘bugres”’ (isto , fndios), contra- tados por companhias imobilidrias ¢ especuladores para ‘‘lim- par o terreno A imigraco ¢ & especulacio de terra’. Esses conflitos comecaram a aparecer também no noticiério inter- nacional. Essas noticias movimentariam na primeira década do sé- culo 0 debate em torno da “questo do fndio”’, envolvendo intelectuais (advogados, cientistas, engenheiros, militares) € politicos na discussio da ‘“‘solucao do problema’. Apesar das posigdes divergentes em muitos pontos, todos aqueles que falavam e escreviam sobre o problema indigena nessa época compartilhavam uma mesma visdo sobre os in- dios: eram considerados “‘inferiores"”, seja em relacao a“ 44 vilizago nacional’ ou a raga branca (no caso dos positivis- tas, situando-os numa fase evolutiva priméria: animita), seja ainda porque ‘‘a gencrosidade'e a ingenuidade (dos indios) colocavam-nos em situagao de inferioridade no trato com os civilizados”’, segundo A.C.S. Lima. As divergéncias se estabeleciam quanto & capacidade ou no de os indios brasileiros evolufrem para a civilizagao, Pa- ra o naturalista Hermann von Ihering (cientista, diretor do Museu Paulista entre 1904 e 1912), os povos indigenas nao seriam capazes de evoluir, devendo ser deixados entregues a0 seu préprio destino, sem se esperar que contribuissem para 0 “‘desenvolvimento nacional’ sendo episodicamente. Além disso, esse cientista considerava que, ao se misturarem a ra- ca branca, os fndios e os sertanejos se ‘‘degradariam’’. Os positivistas, por outro lado, consideravam que a “mar cha inevitavel da humanidade através dos tés estdgios’” con- duziria os povos indigenas ao abandono da “primeira con- dicdo” em que se encontravam. Outros intelectuais forma- vam uma terceira posicao: embora inferiores, os indios po- diam evoluir dentro de certos limites, contribuindo para 0 progresso da Nacio, bastando para tanto educé-los. ‘Todos os envolvidos no debate propunham solugdes préti- cas para o ‘“‘problema indigena’’ a partir das respectivas vi- sées que defendiam. Essas solugdes visavam enfrentar trés problemas que consideravam fundamentais: 1) abrir terras 4 colonizacao do interior, pondo fim aos atritos entre indios ¢ brancos; 2) realizar o “‘exterminio da selvageria”’, isto é, pacificar os indios bravos, tornando-os ‘‘respeitosos de nossa civilizagao”’ (Ihering); ¢ 3) situar os povos indigenas dentro da Nagao brasileira. Thering reclamou da ‘‘anarquia’’* reinante entre brancos ¢ indios nas zonas pioneiras — e seus escritos eram repletos de citagdes de conflitos. Porém, nao se considerava que o Es- tado teria condigées de impor a ordem aos sertes como ima- ginavam os positivistas. ‘A miscigenacao entre a populacdo branca e 0s indios, se- gundo Ihering, havia provocado uma “‘degradacao”” nas duas Tacas, que assim se viram menos afeitas ao trabalho conti- nuado e sistemético que a agricultura exigia — talvez. por- 45 que pensasse que 0 caboclo herdasse dos indios apenas a sua vocagio para uma lavoura de subsisténcia ¢ a sua falta de ambicdo para ‘subir na vida’’, 0 que nao ocorria com os imigrantes europeus (alemaes ¢ italianos, principalmente). De fato, a diferenca maior entre as posigdes de Thering ¢ dos positivistas ¢ seus aliados era esta: Ihering ndo acredi- tava numa evolugao dos indios a um grau “‘superior”” de ci- Vilizagao através da assimilacao dos primeiros pelos brancos; ‘enquanto os positivistas consideravam que, garantindo a eles um espaco fisico, isso seria possivel. O érgio do governo republicano que criaria o Servigo de Protegao aos Indios e Localizagao de Trabalhadores Nacio- nais (SPILTN ou simplesmente SPI) seria 0 Ministério da Agricultura, Industria e Comércio (MAIC). Esse ministério foi estabelecido em 1909, j4 assumindo entre suas atribui- Ges a ‘‘catequese indigena’’. Isso porque a meta principal do novo ministério seria a ampliacao da fronteira agricola e a incorporag4o 4 Nagao dos indios e dos trabalhadores na- cionais (mulatos, caboclos ¢ caipiras) para fazer frente aos estrangeiros (colonos alemaes ¢ italianos). ‘No pensamento dos positivistas (que passariam a dirigir 0 recém-criado SPD), 0 indio bravo seria transformado em tra- balhador nacional através da garantia de sua sobrevivéncia fi- sica ¢ pela educacao cfvica que, fazendo-o produzir, o inte- graria A ordem nacional. Por que Rondon? Rondon foi escolhido para fundar e dirigir o futuro SPI devido a seu trabalho a frente da Comissao das Linhas Tele- grficas Estratégicas do Mato Grosso ao Amazonas. Nesta condi¢&o0, Rondon, usando de meios nio violentos, conse- guiu que muitos dos povos indigenas que contatou durante os trabalhos de ligacdo telegrafica entre o sul civilizado € 0 norte selvagem permitissem a passagem da linha em seus ter- ritérios. Para Rondon, os brancos eram invasores € os indios ti- nham 0 direito de atacé-los para preservar suas terras; acei- 46 tando essa realidade, os homens de Rondon nao revidaram nunea 0s ataques dos indios. Ao contrario, davam a cada ata- que mostras de boa intengio, deixando-lhes presentes. Foi assim que a idéia de uma ‘‘protecao fraternal” ao in- dio foi ganhando forca. E Rondon impés ao SPI as seguintes linhas de atuagao: “‘pacificar”” o indio arredio e hostil (para permitir 0 avanco da civilizagdo nas zonas pioneiras, isto é, recém-abertas & exploragao econémica); demarcar suas terras, criando “‘re- servas indigenas”’ (lotes de terras sempre inferiores aqueles que os indios dominavam, porque, pacificados, nao precisa- vam mais “‘correr de um lado para 0 outro”’); nessas reser- vas aprenderiam as téenicas civilizadas de agricultura, as no- Ges de higiene € sanitarismo, as primeiras letras e offcios mecanicos e/ou manuais; nelas seriam ent3o protegidos dos usurpadores ¢ dos comerciantes espertos € seriam socorridos em suas doengas (que os “‘brancos"’ Ihes transmitiram) por funciondrios dedicados ¢ abnegados, a exemplo de seu che- fe, Rondon. Ser do SPI, no tempo de Rondon, era aceitar uma “‘missio’’ © comportar-se como “missionario"” — ao estilo dos jesuitas da Coldnia, porém sem o ensino religioso. O SPI ¢ as pacificagées Nos primeiros anos de sua existéncia, 0 SPI realizou al- gumas ‘“pacificagdes"”, muito alardeadas pela imprensa da €poca, para mostrar & Nagao brasileira 0 novo método de tratamento dos indios inaugurado pelo governo federal — como a dos indios Kainging (em 1911-12) do Oeste do esta- do de Sao Paulo. Esses indios — que ocupavam uma enorme area entre os rios Parand, Feio e do Peixe — resistiam a invasio de seu territ6rio por fazendas de café no fim do século XIX ¢, en- te 1907 ¢ 1911, pelos trabalhadores que construfam a Estra- da de Ferro Noroeste do Brasil (que ligaria 0 Mato Grosso, desde a fronteira com a Bolivia, ao porto de Santos). Ata cando e matando colonos e trabalhadores para defender o 47 que restava de suas terras, os Kaingéng passaram a ser per- seguidos no interior da mata por matadores profissionais (bu- greiros) contratados pelos encarregados da estrada de ferro. Esses conflitos acabaram dando origem a uma verdadeira guerra na ‘‘zona pioneira” de Bauru ‘Quando a noticia do cerco e da matanga de quase toda a aldeia Kaingang apareceu na imprensa (no jornal O Esta- do de S. Paulo), 0 governo federal resolveu intervir nos confli- tos. O recém-fundado Servigo de Protecao aos Indios ¢ Lo- calizagao de Trabalhadores Nacionais tinha no Oeste de $ Paulo 0 cendrio ideal para exercer 0 seu papel de uma insti- tuigao neulra que poderia ‘‘administr flitos ({ndios x colonos ¢ 0 ‘‘progresso”’) interesses em con- Q general Rondon entre os Indios Tiriyd e Kahyéna, no rio Paru, norte do Para Em 1911, o SPI montou seu “posto de atragao”’* perto de um acampamento dos indios que tinha sido abandona- guindo alguns rastros deixados pelos Kaingang, os fun- ciondrios do SPI foram deixando presentes em determina- dos lugares. Em dezembro daquele ano localizaram uma al- 48 deia Kaingang — mas os indios fugiram. Os funciondrios deixaram muitos presentes na aldeia abandonada. Essas ofer- tas de presente acabaram dando resultado e, em 1912, ocor- reu o seguinte epis [..] Um chefe Kaingdng procurou acercar-se de um gru- po de trabalhadores da estrada, apresentando-se desarmado @ trazendo nos bracos uma crianca como penhor de sua dis- posicao pacifica. Foi recebido com uma fuzilaria [...]. (D. Ribeiro, Os indias€a cieilizagi, p. 159.) Os Kainging — para quem todos os brancos eram fok (isto é, “‘estranhos"’) — estavam considerando naquele momen- to que tinham conseguido finalmente ‘‘amansar’” os bran- os, pois estes Ihes davam presentes. O problema é que o chefe Kaingang apareceu no local errado. Essa histéria os préprios indios contaram, depois da pacificacdo, aos funcionarios do SPI. Em 1912, um grupo Kaingang se apresentou esponta- neamente em um acampamento do SPI. Essa foi a primeira “‘pacificagao” do SPI. Depois desse primeiro contato, varios outros grupos passaram a visitar 0 posto do SPI e os funcionérios a freqiientar as aldeias. O resultado da primeira pacificagéo A populagao Kaingang, antes da construgao da estrada de ferro, contava 1 200 indios. Quando dos primeiros conta- tos, em 1912, eram um pouco mais de 600 (isto é, perderam metade da populacao na ‘‘guerra’” com a estrada de ferro). Em 1916, quando j4 estavam nas “‘reservas”” estabelecidas pelo SPI, sua populacao tinha cafdo para 200; portanto, em apenas # anos sua populacao havia sido reduzida a menos da metade — pelo contagio de doencas levadas até eles pe- los proprios servidores do SPI e pelo trauma que isso cau- sou nos Kaingang. Entre 1912 1916 nasceram apenas 3 criangas entre eles. 49 Balango da atuagéo do SPI Outras “‘pacificagSes’’ realizadas pelo SPI também tive- ram os mesmos resultados: os Xeté do Parana, os Otf-Xavante de Sao Paulo, os Botocudos de Minas, os Kepkiriwat de Ron- dénia e dezenas de outros mais acabaram desaparecendo de- pois de pacificados. Outros sofreram tamanhas baixas po- pulacionais que pouco resistiram ao processo de perda da identidade ¢ descaracterizacao cultural, como os Krenak em Minas ¢ os Pataxé na Bahia. Depois da revolucao de 1930, 0 SPI — ja sem o LT'N da denominagio *Localizacao de Trabalhadores Nacionais"” — passaria da esfera do Ministério da Agricultura para a do Ministério da Guerra, onde pouco mais tarde viria a se trans- formar num mero departamento da secio de fronteiras do mesmo Ministério. Somente depois de 1945, ¢ principalmente na década de 50, é que recuperaria algum prestigio, com a criagio do Muscu do Indio no Rio de Janeiro e com a pro- posta de luta pela criago do Parque Nacional do Xingu. Pelo menos um objetivo seria alcancado por aqueles que lutaram pela criagdo do SPI entre 1905 € 1910: 0 de fazer passar A opiniao ptiblica “‘o sentimento de pertinéncia do indio & nacao brasileira, como sua parte integrante € sofre- dora’, no dizer de Mércio P. Gom O préprio Rondon, muitos anos mais tarde, parece ter re- fletido sobre o resultado de sua aco, reconsiderando inclu- sive a politica de “‘reservas’” [..] Nao é 0 indio indolente; ao contrério, a sua vida é uma série intermindvel de trabalhos penosos e arriscados. O que nao representa derrubar uma drvore, na floresta, @ machado de pedra? E eram extensas as derrubadas que faziam para as suas plantagoes de mandioca, milho, etc.[...] E as caminhadas a que eram obrigados para apanhar a ca- ca que hes devia servir de alimento, para tirar, em troncos de droores gigantescas, os favos preciosos de mel [...] Nao se podia exigir do indio 0 mesmo género de ativida- de, 0 mesmo sistema de trabalho do curopeu. Acostumado aos horizontes sem fim de sua terra, julgar-se-ia asfixiado no 50 estreito dmbito de um lote e nao haveria meio de 0 manter ai, se nao obrigando-a a forca, a permanecer e trabalhar — 0 que seria sua morte [...] (MS. Rondon, fndias do Brasil, v U, p. 341) Oficiais do SPI condecorando um chefe indigena, em 1923. A tutela Quando 0 SPI comegou a demarcar terras para os indios (entre 1912 € 1915), seus servidores encontraram-se diante das seguintes questes: De quem eram essas terras? Dos indios? Do governo estadual, que as havia doado? Da Uniao? Co- mo fazer para defendé-las? Sobre essas questdes, dizia 0 entdo chefe do SPI em Sao Paulo: [...] nenhuma terra de propriedade de indios foi demar- cada ou legitimada. No entanto, a povoagao indigena esta em terras especialmente reservadas para este fim, pelo gover- no do estado de Sao Paula. Essas terras porém nao sao de propriedade dos indios [...] [-..] Esta propriedade thes é reconhecida ¢ teoricamente incontestada. No entanto, pelo regime da lei que equipara as silvicolas brasileiros a menores, tal propriedade de nada the aproveita: a inspetoria [o SPI] nao dispoe de meios, ow de representacao jurédica suficiente para chamar a si a ad- ministracéio de bens de raizes de tutelados dos juizes ..] de drfios. Enquanto perdurar esta lei, é de conveniéncia para a boa ordem e trangitilidade das inspetorias do Servico de Prote- (ia, que as terras [...] sejam apenas declaradas reservadas para este fim, mas nao doadas ¢ legitimadas como proprie- dades das tribos [...]. (LB. Horta Barbosa, apud ACS, Li ma, ‘A identificagio como categoria hhistorica, in —, Os padens ¢ as tras dos indios, p. 151.) O temor desse servidor do SPI era que, se propriedade dos indios, as terras a eles reservadas poderiam ser vendidas ou arrendadas pelos juizes de Grfios — os tutores legais dos indios desde o Império — sem que o SPI pudesse fazer nada. Essa situagao foi corrigida quando da promulgacao do Cé- digo Civil Brasileiro, em 1916. Esse cédigo vinha sendo dis- cutido no Gongresso Nacional desde 1902 ¢, no que toca & questo da “‘incorporacio definitiva dos aborigenes na so- ciedade brasileira’, havia a opiniao geral de que os ‘“‘abori- genes deveriam ser considerados relativamente incapazes”” para certos atos e colocados sob a tutela do Estado. Isso quer dizer que, a partir de 1916, os indios deixaram de ser considerados érfaos para se tornarem, perante a lei, pessoas com capacidade restrita, isto é, nao poderiam ter a propriedade da terra que habitavam ha milénos nem serem presos, votar ou assinar contratos comerciais, etc. Buscando-se protegé-lo, 0 indio foi reduzido a um “meio cidadao”’. Mais tarde, em 1928, o Decreto 5 484 que regulamentou ‘“‘a situagao dos indios nascidos no territério brasileiro’? — es- tabeleceria como esse “meio cidadao”” (igual a um menor de idade) poderia tornar-se um cidadao completo e, logo, liberar-se da tutela: deixando de ser indio. Portanto, desde 1916 até a Constituigao de 1988 a condi- co de “‘indio” foi entendida pelo Estado brasileiro como passageira, no definitiva, pois os érgaos do governo que tra- tavam da questo indigena deveriam trabalhar para trans- formar o “‘{ndio’’ em ‘‘cidadao civilizado’’. E, por essa via transitéria (‘‘tutelado”: “relativamente in- capaz”), o Estado brasileiro colocou os povos indigenas diante de um beco sem saida: se permanecessem como eram seus pais € avés, continuariam tendo a protecao do governo se- riam vigiados por funciondrios que lhes imporiarn como obri- gaciio o abandono de sua condicao de indios; e se deixassem de ser indios, perderiam a protecio do governo (e sua terra) Aquilo que chamamos, algumas paginas atrés, de ‘‘Esta- do autoritério”” — ¢ que foi a meta buscada pelos positivis- tas do SPI — significa justamente isto: decidir 0 destino de um grupo de pessoas, de uma classe social ou de um povo sem lhes dar qualquer chance de resposta, sem Ihes deixar qualquer margem de escolha: se os indios nao tém, por for- ¢a de lei, voz propria, entdo alguém deve falar por eles. 53 A FUNAI A Fundacao Nacional do fndio (FUNAI) foi criada em 1967, em substituicao ao Servico de Protecao aos Indios (SPI), depois que os militares que assumiram 0 poder em 1964 lizaram uma devassa no SPI, onde constataram uma si de irregularidades. COMISSAO PARLAMENTAR DE INQUERITO DESTINADA A ESTUDAR A LEGISLAGAO DO INDIGENA, INVESTIGAR A SITUAGAO EM QUE SE ENCONTRAM AS REMANESCENTES TRIBOS DE INDIOS DO BRASIL (CONGRESSO NACIONAL, ABRIL DE 1971) Depoente Jader de Figueiredo Correia, Presidente da Co- missio que, no Ministério do Interior, apura irregularida- des no extinto SPI. [..] Ao tempo da administragdo do Major Luiz Vinhais Neves, os escdindalos foram maiores e mais trementes. A de- vastagéo do patriménio indigena foi algo de fabulosa Nao se pode avaliar os prejuizos causados aos indios [...] Somente na Sétima Inspetoria com sede entéo em Curitiba [...] hou- ve tamanha devastacao nas florstas de pinheiros, houve ta~ manho descalabro administrative, quer através da perda de grandes ¢ valiastssimas glebas de terra, quer através da ven- da de produgao agricola dos indios, quer através da venda de pinkeirais imensos, dezenas de concorréncias irregulares, ilegais, algumas delas vendendo 50 000 pinheiros de uma vez [..-] Além do malbaratamento das rendas [...] hd a falta de assisténcia ao india, o que é muito pior, ¢ que esta contri- buindo para que o indio brasileiro vd, celeremente, tendendo a desaparecer [...] E a omisséo que esta fazendo com que desaparecam tribos enormes e poderosas, como as dos Xa- vante ¢ dos Pakaanéva [...] Hoje muitas destas tribos esto 54 resumidas a pequenos grupos de indios famintos doentes, por falta de assisténcia [...] O dificil nao é apontar os cri- ‘minosos do Servigo de Protegéo aos Indios, mas sim os inocentes. (DOV, abril de 1971.) A Constituicgao imposta ao Brasil pelos militares em 1969, por outro lado, introduziu modificacées importantes na le- gislagdo sobre os indios até entZo vigente. A principal delas foi estabelecer que as terras indigenas passavam a ser de do- minio da Unio, cabendo aos indios apenas o seu usufruto*. Em 1973 0 Gongresso Nacional aprovou a Lei 6 001, 0 chamado Estatuto do Indio, que regulamentava os tépicos da Constituicao relativos aos indios. Essa lei determinava a condigo social ¢ politica do indio perante a Nacio brasilei ra e estipulava medidas de assisténcia e promogao aos in- dios, sobretudo como individuos. E fixava em lei as condi- Ges de tutela sobre os indios. Determinava também o prazo de 5 anos para o Executive (a FUNAT) demarcar todas as reas indigenas do Brasil, prazo que expirou em 1978 sem ser cumprido, Nos seus primeiros anos de existéncia, a FUNAI desen- volveu, como meta de seu trabalho, aquilo que podemos cha- mar de ‘‘gestao empresarial’”’: se a Lei 6 001 determinava que 0 objetivo da politica indigenista do Estado brasileiro era a “‘integracao do indio & comunhao nacional”, entao na- da mais légico do que acelerar essa integracao através de pro- _jetos de desenvolvimento. A economia interna das aldeias deve- ria ser dirigida para 0 mercado e as riquezas naturais e as. terras de usufruto dos indios exploradas empresarialmente, © que geraria a chamada “renda indigena’”, da qual a FU- NAI retiraria os recursos para manter-se. Em muitas Areas indigenas essa politica foi de fato aplica- da (principalmente nas aldeias do Sul do pafs). Porém, em muitas aldeias os indios acabaram por contestar esse siste- ma, exigindo da FUNAI ao menos uma participacao na tal “renda indigena’? A partir de 1974 a FUNAI passaria a ser dirigida por mi- litares ou por civis a eles ligados, que imprimiriam ao érgao 55 a mesma ideologia® de ‘desenvolvimento e seguranga”’ vi- gente no pats. O desenvolvimento da Amazénia néo para por causa dos indios. E por que eles hao de ficar sempre indios? Eles de- vem ser integrados ¢ aculturados para colaborar no cresci- mento nacional. (Costa Cavalcanti, ministro do Inte- ior do governo Médici — Jomal do Brasil, 18/9/73.) Esta é uma promessa que fago firmemente: nés vamos Sazer uma politica de integragao da populagéo indigena ad sociedade brasileira no mais curto prazo posstvel [...] Nés achamos que a idéia de preseroar a populagao indigena dentro de seu habitat natural so idéias muito bonitas, mas néo sao realistas (Ministro Rangel Reis, do governo Geisel — O Estado de S Paulo, abril de 1974.) A assisténcia ao indio, que deve ser a mais completa pos- sivel, néo visa endo pode obstruir 0 desenvolvimento nacio- nal nem os eixos de penetracao para a integragao da Ama- 2bnia. (Portaria O1/N de 25/1/1971 da FU- NAL) Nesses mesmos anos 70,’a abertura de estradas nas selvas amazénicas, as chamadas “vias de integracio nacional” (a “Transamazénica, a Cuiab4—Santarém”, a Cuiabé—Rio Bran- co, a BR 80, a Perimetral Norte, etc.), encontrou os tltimos povos indigenas ainda isolados do Brasil, quase extinguindo a todos: Waimirf, Atroarf, Krenakarére, Arara, Parakani. Outros ainda tiveram seus territérios invadidos e retalhados pelos projetos de colonizacao* e de exploracao agropecuaria 56 e mineral que surgiram depois das estradas — incentivados pelo governo federal. Nao € por acaso que a FUNAI foi co- locada dentro do Ministério do Interior — 6rgao do Execu- tivo federal que decidia sobre a ocupagao das areas amaz6- nicas, O governo, através da FUNAI, demarcou varias dreas in- digenas entre 1975 ¢ 1979 depois entre 1984 e 1985. Esses dois ‘‘surtos demarcatérios”’ aconteceram nao tanto em fun- cao da Lei 6 001 ou da pressio dos indios, mas sobretudo porque o governo, pressionado pelos interesses dos novos em- presarios da Amazénia, precisava ter claro qual a quantida- de de terras ptiblicas (que dizer, da Unido) que poderia dis- por para seus planos de desenvolvimento da Amazénia. Aque- les empresérios poderiam “‘resolver"” suas disputas com os pequenos posseiros e lavradores através dos ‘“‘pistoleiros””; mas com os indios era diferente, pois isso teria repercussao inter- nacional. FAB resgata Nambikwéra doentes na BR 364, no Mato Grosso. O mesmo governo Geisel (1974-78) que possibilitou a de- marcac&o de perto de 20% das areas indigenas do pafs, vi- ria, ao final do seu mandato, propor uma espécie de “Lei nancipacao* dos Indios’, visando acelerar 0 processo de ‘tintegragao & comunhao nacional’’ dos povos indigenas O ministro do Interior da época dizia: ‘se os japoneses es- de 57 tGo aqui integrados, por que nao os indios, que leiros por exceléncia?”’. Tratava-se de um projeto cujo obj tivo era retirar seus poucos direitos reconhecidos. Essa proposta desencadeou um tal movimento contrario na opiniio ptiblica nacional que o governo seguinte, do ge- neral Figueiredo, foi obrigado a arquiva-la. Esse movimento de opiniao teve outras conseqiiéncias im- portantes: das lutas contra a emancipaco nasceriam as en- tidades de apoio aos indios nas principais capitais do Brasil. as Comissdes Pré-indio {CPIs) e as Associagdes Nacionais de Apoio ao {Indio (ANAIs). Formadas por cientistas sociais € profissionais liberais, tais entidades se propuseram a tra- balhar para denunciar a opiniao publica brasileira as tramas antiindigenas do governo. Outras entidades nasceram por essa €poca com 0 objetivo de realizar um “‘indigenismo alterna- tivo"’, nao oficial (como 0 Centro de Trabalho Indigenista — CTLSP, 0 Projeto Kaiwa-Nhandéva — PKN-MS, a Ope- io Anchieta — OPAN, ligada & Igreja catéliea, e a C so pela Criac3o do Parque Yanomami — CCPY-SP), entre outras. Um outro grupo, ainda, passou a realizar um trabalho de arquivo ¢ levantamento documental paralelo, para contestar os dados oficiais quando necessario, Trata-se do Pro- grama Povos Indfgenas no Brasil, do Centro Ecuménico de Documentacio e Informagao — PIB-CEDI, de Sao Paulo. E, finalmente, no inicio dos anos 80, estimulados pelas as- sembléias indigenas que vinham sendo organizadas pelo Con- selho Indigenista Missionario (0 CIMI, ligado & Igreja cat6- lica), varias liderangas indfgenas do pais organizaram a Unido das NagSes Indigenas (a UNI), na tentativa de criar 0 pri- meiro movimento auténomo dos indios brasileiros. A palavra- de-ordem desse movimento — e que jé era a bandeira das entidades civis — passa a ser a autodeterminaciio dos povos indigenas: o direito de cada povo indigena do pais determi- nar ele mesmo seu futuro € destino. Essa bandeira de luta entra em confronto direto com 0 estatuto de tutela, tal como aplicada pelo governo federal atra- vés da FUNAI. A ponto de esse drgio ter sido acusado por entidades civis de tutor infiel, isto €, que, ao invés de prote- ger os interesses e bens dos indios, os prejudica ¢ dilapida. 58 A nova Constituigéo: © que reservamos aos indios? A Constituigao de 1988 reconheceu que os indios tém di- reitos origindrios sobre suas terras, tém direito A sua organi- zaco social, seus costumes, linguas, crencas e tradicées. Is- so quer dizer que o Estado e a Nacao brasileira reconhece- ram que os indios tm um modo de viver diferente do nosso © 0 dircito de explorar de modo priprio as terras que habitam. Nao se pode mais falar em integragdo como se falava nos anos 70. ‘A mesma lei (a Gonstituic¢ao) diz ainda que aquele que nasce em terrtério brasileio & cidadéo brasileiro. Logo, aos indios esto assegurados “todos os direitos e garantias legais dos demais brasileiros’’. Ea Lei 6 001 (0 chamado Estatuto do Indio) dé ainda dircitasespeciais a esses cidadaos brasileiros cha- mados indios. O Estado brasileiro, na verdade, continua — como no pas- sado — produzindo artificios juridicos para nao reconhecer 08 indios como povas, que ocupam um territério delimitado, on- de as leis e normas do Estado brasileiro nao valem. Quer dizer, faz um grande esforco para nao reconhecer a autodeter- ‘minagio dos povos indigenas. Ao reconhecer 0 indio como cidadao brasileiro, 0 Estado quer, ‘por extensao, afirmar que as terras que os indios habitam é lerritério brasileiv, e nao um territério Apinayé, Krahé, Yano- mémi, etc, Por qué? [..] @ comunidade internacional dos Estados modernos [..] nao admite a idéia da existencia de um territério (qual- quer que seja ela) sem o correspondente controle de um Esta- do. Mesmo as regives desabitadas da Antértida estéo sendo objeto de divisto entre os paises organizades. [...] As raras, mintisculas ¢ economicamente insignificantes excegies ape- nas confirmam a regra: alguns territérios indigenas norte- americanos, pequenos condades europeus (como Ménaco) [...), que néo sé nao aparecem nos atlas escolares, como nao tém aassento nas reuniées internacionais [...]. 59 Tadas essas excegies, porém, guardam uma distancia enor- me com os territérios indigenas localizados no Brasil: assu- mem dimensies avantajadas, maiores do que paises inteiros, ‘mas, mais importante que a dimenséo, a grande, definitiva diferenca estd no potencial econémica. Os indios, no Brasil, vivem em terras ferleis, cobertas de valiosas madeiras, cujo subsola, rias e encostas cobrem as maiores reservas minerais brasileiras [...]- (CE. Marés de Souza F2, ‘A cidada- nia ¢ a8 {ndios’, in CPI, O indio ea cidadania, p. 47.) Localizaco dos: indigenas do Brasil. Mapa adaptado de Kietzman, 1967. ‘Apud Mellott, J, Indios do Brasil, Sdo Paulo, autec, 1983. Os numeros es- 240 colocados em ordem crescente seguindo a direcao da seta. 60 FAs on Mami + Kooi Parana, Wiel, 5. Surat Gio (ou Digs) 8 Purvhors 1 Drape 8. Area 3. Rapin 12 Jamingen 16 Kenna 15. Relie 15, Bopebs 18, Marabo 3 Mae 23. Jamamagh 2r Jarawars 28. Tiina 25: Panini 5D: Morerdy¢ Diahsi 31 Bots Prets au Fenhasin 32. Mars-Praha 38. Oretarde-Pau 04 Numbiat Se Apis 38, Mane ou Sateré 37. Tikana 38: Maka 38. Takin 4h Mandamsea $8. Gotharbe 6. Pats 8. Mayongéng $0. Ninn Bt. Waptecna 32. Tehpsng © Makust 53: Paraa arts 3b Wastin ou Ankenes 35. Panakoustiny6 38 Uncayira 3 Robs 80: Kubenkragnost St, Rabkin 5. Sort ov Meir &, Geviso SF Paros 8; Azur ov Akuswa a 136. Find ow Rodcla Parend-Habahie Gucren Stesakar earact aa ee dtp ¢ Nahubwd Aerotkutng ‘payin Rates Feri Boe Nege face Nambidoera Maman, Manairins, Galera Sararé Kenie Nerdate pinay 61 O Estado brasileiro nao permite a autodeterminagao dos povos indigenas porque isso significaria a perda do controle sobre as riquezas naturais contidas em seus territérios. ‘Assim, se a Constituico reconhece 0 direito dos indios a0 usufruto exclusivo das riquezas naturais das terras que habitam, o faz guardando ao Estado o direito da interferén- cia nessa exclusividade quando for do interesse da Unido (Art 231, § 5° da Constituicdo Federal). 62 CAPITULO 5 A visao dos fndios [) epoimento inédito do chefe Waiwai, lider do povo indfgena Wayampf, da familia lingiistica Tupi- Guarani, que vive no Estado do Amapé , colhido por Dominique Galois, 1989 Eu vou falar agora, sou um chefe Wayampt'. E um chef Wayampi quem vai falar, eu vou falar agora. Esta é a terra de nossos ancestrais. Meus ancestrais ocuparam esta floresta hd muito tempo. Meus ancestrais vieram, fuginds, de Belém. Nés ficamos ‘por agui, no lugar que transformamos em nossa floresta. Nés ‘ocupamos toda a drea. Sdo muitos os parentes, eles se deslo- cam na drea, procurando caga, depois voltam para a aldeia, E todos vim moquear na aldeia. Por isso, os limites da drea ndo podem ser pequenos. Dis- seram que nds andamos perto? Perto néo hd caga! Os ga- rimpeiros exterminaram a caga por aqui. Por isso no é bom! Por isso néo quero! Por isso néo quero que garimpeiros tra~ bathem em minha terra! Nem que Companhia derrube to- das as drvores. Nao é bom desmatar tude. Os Wayampi nao querem isso. Se eles vém em nossa terra, ah!, nds estare- ‘mas braves. ah!, os garimpeiros trabalham em nossa terra. E muito raim, muito ruim! Depois os Wayampt pegaréo tosse, muitos estaréo doen- tes, pegariio gripe. E entéio os Wayampi irko morrer. Ah!, é por isso que nds néo gostamos dissa Por isso é que tem que demarcar nossa drea com limites Grafarse também Waidpi 63 64 extensos. Longe. Passando pelas cabeceiras do rio Inipuku, pelas cabeceiras do Pakwar, pelas cabeceiras do Ypusi. Es- ses limites estado certos. Mas 0 governo diz... O que disse mesmo? Nao sei. Nés Wayampi nao sabemos. Ele é chefe dos brancos. Eu estou falando, um chefe Wayampt esté fa- lando ao chefe dos brancos. Eu estou falando para que ele ouca. E para que 0 chefe do governo excute minha fala. Eu estou falando agora, porque néo gosto que o governo mande seus parentes invadir minha terra. Néo gosta “‘Vé traba- thar ali! Ve mexer na terra dos indios!”’, disse. Nao quero Porque eu ndo ordeno aos meus parentes: ‘Vd mexer na cidade, vd trabathar na cidade!””. Eu nao digo isso! Nao ‘mando meus parentes na cidade. Eles sé gostam da floresta. Por isso, quando os garimpeiros cavam minha terra, ah!, eu ndo gosta. Eu sé digo aos meus parentes: ‘‘Vao, partam para a caca. Moqueiem a carne e voltem”’. E sé 0 que eu fordeno aos meus parentes. ‘‘Vao roubar nas habitagoes dos brancos’’ — isso eu no falo aos meus parentes. Porque en- téo 0 governo rouba? Porque ele manda os seus parentes fa- zer isso? Eles poluem nossa dgua. Quando eles sujam nossa dgua, éruim. Onde haverd outra dgua? Nés, Wayampt, néo be- bemos dgua poluida, Nés a reconhecemos. A dgua estd la- macenta, ndo presta. E por isso, de nove, que nao quero que 0 chefe dos brancos mande seus parentes invadir nossa terra Eles exterminam a caca em nossa terra, Eles matam tu- da. Acabam com os mutuns, acabam com os inkambus. Aca- bam com as cotias, veados, antas. Nao hd mais caca! Os Wayampi néo criam boi. Somente matamos anta, que é co- ‘mo 0 boi. Nos matamos somente animais de caga. Cacamos anta, veado, caititu, mutum, coamba, guariba. Nao ha bois. Sé tem boi na cidade, Boi é 0 que os brancos comem. Aqui, {20 contrdrio, meus parentes tém sua caca. Aqui tem anta, tem veada Por isso no quero que os garimpeiros matem a caca de nossas terras, Somente meus parentes, somerite eles podem abater caca. Cacam, depois moqueiam ¢ trazem to- da a carne na aldeia. Entao comemos tudo que foi cacada. Depois voltamos para a floresta cagar, caminkamos longe. Vamos longe para matar caga. E bom. Nao quero que derrubem as drvores. Néo quero. Onde ficario as coambas? Néo haverd guariba, nem preguica. O que iremas comer? Os macacos séo nosso alimento O que nossos netas irdo comer, quando crescerem? “‘Ah!, onde esté a caca? Eu nao vi mais caga. Acabou. Os brancos extermi- naram, acabaram tudo’? — diréo nossos netos, se nassas terras forem demarcadas de modo exiguo Se demarcam uma drea extensa, é bom. No futuro, nos- sas netos iro matar caga, moquear. Uns irdo por aqui, ou- tros por ali. Depois voliario para moquear. Ah!, é bom. “‘Nosso avé estava certa, esta é nossa terra, por isso tem ca- ¢a”” — dirdo meus parentes, no futura. Eles partirio para moquear peixe. Por isso nao quero que os garimpeiros entrem em nossa terra. Eles roubam nossa comida em nossas clareivas. Néo gostamos disso! Nao gostamas que os garimpeiras andem em nossos caminhos. Ah! Por que 0 governo néo avisa que os Wayampi habitam aquela drea, que essas sao as suas rogas? Eu néio quero que os prarentes de voces entrem em nossa ter- ra. Nao gosta. Nao quero que eles venham olhar as nossas ro¢as. Eu néo mando meus parentes pithar as comidas dos brancos na cidade: ‘‘Andem, andem, partam para roubar e mexer na cidade’ — eu ndio digo isso aos meus parentes. Se eles roubam tudo, onde iro os Wayampt? Eles jd se apossaram do rio Ku. E por isso que nds todas estamos aqui, agora. Por isso, nao quero que os garimpeiros aparecam nas terras dos Wayampi. . Nossa terra é valiosa, é cara. E muito valiosa nossa ter- ra! Somente aqui existem rios e igarapés, existe a floresta. Vo- cés acabaram com a floresta. E ruim acabar com a flo- esta, E: somente aqui, em nossa terra, que sobraram drvo- 1s. Vocés desmataram. Por que vocés limparam tudo? Vocés derrubaram a floresta. Vocés acabaram tuda Nas cidades vocés derrubaram tuda Nao hd mais drvores. Somente ca- pim. No futuro, néo facam isso em nossa terra. Onde nossos 65 netos fardo suas rocas. Por ali, vocés desmataram tuda. Isso no é bom, Ah!, por aqui os, Wayampi indo abrir suas ro- ¢as, nas lugares onde vocés querem entrar, onde vocés querem derrabar as droores. Por isso, ndo quero que os garimpeiros trabalhern em nossa terra. Por isso, néo quero que a Com- panhia “‘coma’” as drvores, por isso, ndo quero que eles re- colham pedras. Nao quero que procurem manganés. Tem mui- ta pedra. nas lerras de vocés Vocés esto ouvindo? Estéio entendendo? Vocés ouviram ‘minhas, palavras, Sou quem estd falanda Um chefe, Sou india. India. Pare! Parem de roubar nossa terra! Sou chefe indio que fala para vocés. Eu sou diferente. Nao sou um bicha Sou um india Eu falei de minha terra. Nao mexam em nossa terra. Teus jparentes esto roubanda. Agora. Nao gosto que mande teus pparentes em nossa terra. ‘Teus parentes roubam ouro em nos- sa terra ‘Nao quero que roubem em nossa terra. Nao quera Nés inemos procurar os garimpeins, quando eles aparecerem. Quando eles sujarem as dguas. Nés iremos devagar ¢ os en- contraremos nos igarapés. E por aqui perto que teus paren- tes estio trabathando. E nds os levaremos até a praca da al- deia. Eles ficario agui. Vamos pprendé-los. Amarrados no pau. Nao irdo gostar! Somos perigasos. Os Wayampi sto perigosos. ‘Temos flechas. Nos 0s matarems, quando inva- direm nossa terra. Mataremos. Por isso, nao’ queremos que 05 garimpeiros invadam nossa terra. Vocés esto ouvindo? Davi Kopendwa, Yano- ‘mami discursa em Bra- ‘fla, em 1989, contra a invasdo de garimpeiros ‘nas torras Yanomarn: (Foto de Claudia Andujar) 66 Em entrevista concedida ao CEDI, em Brasilia, no dia 9 de marco de 1990, e registrada em video, Davi Kopendwa ‘Yanomémi respondeu na prépria lingua as perguntas do an- tropélogo Bruce Albert, revelando a visio do jove pajé da aldeia Demini sobre o drama vivido atualmente pelo seu povo: Bruce — Gostaria que voct contasse 0 que os Yanomd- ‘mi falam das epidemias que assolam o seu territério por causa da invaséo garimpeira. Davi — Vou te dizer 0 que nds pensamos, Nés chama- mos essas epidemias de xawara. A xawara que mata os Yanomdmi. E assim que nds chamamos a epidemia. Agora sabemos da origem da xawara. No comeco, nds pensdva- mos que ela se propagava sozinha, sem causa, Agora ela estd crescendo muito e se alastrando em toda a parte. O que chamamos de xawara, hd muito tempo nossos antepassados mantinham escondida. Omame [criador da humanidade] mantinha a xawara escondida, Ele a mantinka escondida € nao queria que os Yanomdmi mexessem com isto. Ele di- zia: ‘Nao! Nao toquem nisso!”’, Por isso ele a escondeu nas profundezas da terra. Ele dizia também: ‘Se isso fica na superficie da terra, todos 0s Yanomémi vo comecar a morrer & toa!”’. Tendo falado isso, ele a enterrou bem frro- funda Mas hoje os nabebe, as brancos, depois de terem descoberto nassa floresta, foram tomados por um desejo fre~ nético de tirar a xawara do fundo da terra onde Qmame a tinha guardado, Xawara é também o nome do que cha- mames booshike, a substéncia do metal, que vocés cha- ‘mam ‘‘minério”’. Disso temos meda A xawara do miné- rio é inimiga dos Yanomdmi, de vocés também. Ela quer nos matar. Assim, se vocé comega a ficar doente, depois ela ‘mata vocé. Por causa disso nés Yanomdémi estamos muito inguietos. Quando 0 ouro fica no frio das profundezas da terra, at tudo estd bem. Ele néo é perigoso. Quando os brancos tiram 0 ouro da terra, eles 0 queimam, mexem com ele em cima 67 68 do fogo como se fosse farinha. Isso faz sair furmaga dele Assim se cria a xawara, que é essa fumaga do oura. Depois essa xawara wakexi, essa “‘epidemia-fumaga””, vai se alas- trando na floresta, ld onde moram os Yanomémi, mas tam- bém na terra dos brancos, em todo lugar. E por isso que estamos morrenda, Por causa dessa fumaga. Ela se torna fu- maga de sarampo. Ela se torna muito agressiva e quando isso acontece ela acaba com os Yanomdmi. Quando os brancos guardam ouro dentro de latas, ele tam- bém deixa escapar um. tipo de fumaca. E 0 que dizem os mais velhos, os verdadeiros anciéos que séo grandes pajés. Quando os brances secam 0 ouro dentro de latas com tam- pas bem fechadas ¢ deixam essas latas expostas é quentura do sol, comeca a sair uma fumaca, uma fumaga que néio ‘se vé e que se alastra e comeca a matar os Yanomdmi. Ela faz também morrer os brancos, da mesma maneira. Néo é 6 os Yanomdmi que morrem. Os brancos podem ser muito numerosos, eles acabaréo morrendo todos, também. E isso 0 que os Yanomdmi falam entre eles. ‘Quando essa fumaca chega no peito do ctu, ele comeca também a ficar muito doente, ele comeca também a ser atin- gido pela xawara. A terra também fica doente. E mesmo as hekurabe, as espiritos auxiliares dos pajés, ficam muito doentes. Mesmo Omame estd atingida. Deosime Deus] também. E por isso que estamos agora muito preocupades Os brancos néio sabem segurar o céu no seu lugar. Eles 36 ouvem a voz dos pajés, mas pensam, sem saber das coi- sas: “‘Eles estéio falando & toa, é sé mentiral’’. Enquanto os pajés ainda estio vivos, 0 clu pode estar muito doente, ‘mas eles vaio conseguir impedir que ele caia. Sim, ainda que ele queira cair, que ele comece a querer desabar em diregéio 4 terra, os pajés seguram ele no lugar. Isso porque nds, os Yanomdmi, nds ainda estamos existinda. Quando néo hou- ver mais Yanomdmi, at 0 céu vai cair de vez. Séo os heku- rabe dos pajés que seguram 0 céu. Ele pode comecar a ra- char com muito barulho, mas eles conseguem consertd-lo fazem-no ficar silencioso de nova. Quando nés, os Yanomd- mi, morrermos todos, os hekurabe cortardo os espiritos da noite, que cairia O sol também acabaré assim. (Entrevista transcrita e traduzida pe lo préprio entrevistador, antropélo. go ligado & Universidade de Brasilia © A ORSTOM — Institut Francais de Recherche Scientifique pour le Développement en Coopération, que ha varios anos realiza pesquisas en- tre os Yanomami, In: CEDI/ CCPY/ CIML. A¢do pela cidadania, 1990.) Lideres indigenas fazendo pressdo sobre o Congresso Constituinte. 69 VOCABULARIO ACULTURAGAO — Conjunto de fendmenos resultantes do contato direto e continuo de grupos de individuos de culturas diferentes. No caso dos grupos indigenas ha um senso comum de que estas culturas sempre per~ dem suas caracteristicas tradicionais para “‘absorve- rem’ os valores da sociedade dominante. ALDEAMENTOS — Agrupamentos de indios alocados por ofi- ciais da Coroa ou missiondrios. ALDEIAS DE REPARTIGAO — Aldeias que reuniam indios descidos para serem distribufdos. ANARQUIA — Estrutura social em que nao se exerce qual- ‘quer forma de coacdo sobre 0 individuo; auséncia de comando e de regras em qualquer esfera de ativida- de ou organizacao. ANTROPOLOGIA — Ciéncia que tem por objeto 0 estudo ‘a classificagiio dos caracteres sociais e culturais dos grupos humanos (sociedades). AUTODETERMINAGAO — Principio segundo 0 qual um povo tem o direito de escolher a sua forma de governo e de desenvolvimento. BANDEIRAS — Expedicées particulares para dar caga ¢ apri- sionar indios. Muitas foram contratadas pelos oficiais da Coroa; outras eram ilegais. Sobretudo associadas aos paulistas. CATEQUESE — Instrucdo em matéria religiosa, utilizando ‘métodos de persuasio ¢ aliciamento. CAUIM — Bebida fermentada de milho, mandioca, banana, caju, etc. 70 C1DaDAO — Individuo que goza dos direitos civis ¢ politi- cos de um Estado. CIviLizacAO — E 0 conjunto de caracteres préprios da vi- da social, politica, econdmica e cultural de um pais ou grupo cultural humane, associado & idéia de pro- gresso. COLONos — Aqueles que ocupam terras pertencentes a ou- trem, amparados em um projeto de colonizacao. CONSTITUINTE — Processo no qual um grupo de cidadaos, eleitos ou indicados, elaboram a Constituigao de um Estado. DESCIMENTOS — Busca, localizago e transferéncia de in- dios para locais determinados, especialmente préxi- mos & costa. EMANCIPAGAO — Instituto juridico pelo qual, no Brasil, 0 menor de 21 anos e maior de 18 adquire 0 gozo dos direitos civis. ENTRADAS — Expedicdes para efetuar descimentos. Podiam ser particulares ou oficiais, com ou sem a presenga de missionérios. ETNIA — Povo com Iingua, cultura e governo préprios que em geral se encontram dentro de um Estado Nacio- nal (ex.; 0s bascos na Espanha e os povos indigenas no Brasil) GUERRA JUSTA — Declaracao de guerra, a partir de deci- sie tomada em junta, que justificava 0 motivo da guerra que se pretendia efetuar contra determinado povo indigena. Os principais critérios eram: que os indios obstavam a pregacdo da fé catélica; que ata- cavam povoados ou fazendas portuguesas; que eram antropéfagos; que eram aliados de inimigos dos por- tugueses. IDENTIDADE ETNICA — Reconhecimento, por um ser hu- mano, de pertencer a determinada etnia IDEOLOGIA — Sistema de idéias e princfpios politicos. na INTEGRACAO DO iNDIO — Incorporac3o dos indios, en- quanto individuos, 8 sociedade nacional. Ou seja, des- titufdos de valores culturais préprios que estariam di- luidos na cultura dominante, os indios ‘‘integrados”” iriam fazer parte da massa de trabalhadores. JUNTA DAS MISSOES — Conselho local formado pelos repre- sentantes das missdes, pelo bispo ¢ por oficiais do rei, que decidia sobre a legitimidade das questées indi- genas, sobretudo as guerras e a distribuicio de in- dios descidos. PACIFICAGAO — Método introduzido pelos portugueses, ¢ mais tarde adotado por Rondon, que consistia na en- trega de presentes e no estabelecimento de relacdes amistosas entre representantes brancos ¢ indios. POSTO DE ATRAGAO — Estrutura residencial do SPI nas pro- ximidades de um grupo indfgena a ser pacificado. PROJETO DE COLONIZAGAO — Iniciativa do governo que, por delegacdo a terceiros ou de moto-préprio, visa ocupar ¢ desenvolver uma Area do pajs tida como “desabitada’’. REDUGOES — Concentragao de fndios em espacos determi- nados e organizados pelos jesuftas. RESGATE — Ato de obter prisioneiros indios de outro grupo indfgena por troca, supostamente para salvé-lo da morte. SOCIEDADE ENVOLVENTE — Sociedade organizada em Es- tado que envolve um povo ou etnia. TUTELA — Sistema de protecdo legal para aqueles que, me- nores ou loucos, nao tém capacidade para o entendi- mento da Lei. USUFRUTO — Direito que se confere a alguém para, por cer- to tempo, retirar de coisa alheia todos os frutos € ut lidades que Ihe sao préprios, desde que nao lhe alte- re a substancia ou o destino. ZONAS PIONEIRAS — Partes de um territério recém-abertas & colonizacao e/ou a exploracao econémica. 72 1500 1502 1531 1534 1537 1547 CRONOLOGIA Cabral encontra os Tupinikin, da grande na- ao Tapinambé (familia lingujfstica Tupi Guaranf) que ocupava quase toda a costa, do Pard ao Rio Grande do Sul. Instalacdo das primeiras feitorias portuguesas no Brasil (Cabo Frio, Bahia, Pernambuco) pa- ra o trafico do pau-de-tinta € escravos. Expedigiio de Martim Afonso de Sousa ¢ Pe- ro Lopes de Sousa, de reconhecimento ¢ pos- se da terra. Endurecimento dos termos de intercmbio (es- cambo) de produtos nativos por manufaturas européias. Alocacaio da mao-de-obra indigena para to- do tipo de trabalho, ainda através do escambo. Mais embarque de escravos para Portugal. Implantaco do regime de capitanias heredi- térias. Aumenta a imigracao de colonos, aten- tando contra a mulher indigena, a posse da terra ¢ a liberdade dos indios. Breve papal de Paulo III proclamando os in- dios “‘verdadeiros homens e livres”’, isto é, criaturas de Deus iguais a todos. Os Carijé, grupo Guaranf da capitania de Sao Vicente, so assaltados por preadores de es- cravos ¢ vendidos em varias capitanias. Para * escapar A escravizacao, tribos guerreiam-se mutuamente, arrebanhando escravos para a nascente indiistria canavieira. 73 1549 1553 1557 1560 1562 1610 1612 1631 14 Chega a primeira missio jesuftica, chefiada por Manuel da Nébrega: oito missionarios, entre os quais José de Anchieta. Dissolve-se o regime de capitanias ¢ € estabe- lecido 0 governo-geral. ‘Tomé de Sousa, primeiro governador-geral, reimplanta o escambo para obter alimentos ¢ trabalho dos indios, mas nao impede de to- do a escravidao. © novo governador-geral, Duarte da Costa, permite que os colonos escravizem e tomem as terras dos grupos tribais mais préximos dos estabelecimentos coloniais. Violentos conflitos entre indios e brancos na Bahia (1555). Chegada de Mem de Sé, terceiro governa- dor-geral. Os indios da Bahia recusam-se a plantar, sobrevindo a fome em toda a provin-, cia. Os jesuftas agrupam 34 mil indios Tapinam- bé em I pardquias (1557-62). Expulsio dos franceses do Rio de Janeiro com a ajuda de indios Tupinambé. Para conseguir escravos “legitimos””, Mem de SA move guerra justa aos Caeté, sob a alegacio de serem pagaos e terem trucidado o primei- ro bispo do Brasil, em 1556. Instalacio das primeiras redugées jesuiticas na bacia do Prata, habitat de intimeros grupos Guaranf e niicleo do que viria a ser a “‘repi- blica crista dos Guarani” Os franceses desembarcam no Maranhio. Aliam-se aos Tupinambé e constroem o forte de Sao Luts. Padres capuchinhos encarregam- se da catequese. A devastacao dos bandeirantes obriga os pa- dres a transferir 100 mil indios Guaranf das 1641 1653 1674 1686 1718 1726 1734 redugdes de Guairé para além das cataratas do Iguacu. Chegam apenas 10 mil Seguem-se outros éxodos. Os bandeirantes sao mais uma vez derrota- dos pelos Guarani na batalha de Mbororé (margem direita do rio Uruguai). Chegada do padre Anténio Vieira ao Mara- nhio. Por ordem da Coroa, a questdo indf- gena € entregue aos jesuitas no Norte. Bandeirantes paulistas iniciam 0 ciclo do our com a expedi¢ao de Fernao Dias Paes Leme a Minas Gerais. Novo regimento das misses do Estado do Maranhao. A metropole retira dos colonos a administrac&o das aldeias ¢ as expedigoes de resgate, que so entregues novamente aos mis- sionarios religiosos. © bandeirante Anténio Pires de Campos en- contra ouro em Cuiabé e no Guaporé. Entra em contato com os Paresi, cujas aldeias so devastadas pelos mineradores Bartolomeu Bueno da Silva, o Anhan; arma uma bandeira com indios Carijé (Gua- rant) ¢ descobre ouro em Goids. Os indios fo- gem para o Tocantins. So provavelmente os ancestrais dos atuais Av4-Canoeiros. Anténio Pires de Campos entra em contato com 0s Boréro de Mato Grosso. Com sua aju- da, ataca os Kayapé de Goids, que impediam 9 acesso as minas dessa provincia. E decretada guerra justa contra os Mbayé- Guaikuni e seus aliados, os canoeiros Paya- gud, que impediam a passagem das mongées paulistas no rio Paraguai, rumo ao ouro de Cuiabé, Os Payagu4 sao massacrados. 75 1741 1750 1757 1759 1808 1823 1831 1835 1839 1843 76 Bula papal de Benedito XIV proibe, sob pe- na de excomunhio, o cativeiro secular ou ecle- sidstico dos indios. Os Guaranf sao atacados por um exército luso- espanhol para desocuparem os Sete Povos das Misses. Pelo Tratado de Madri, esse territ6- rio passa A Coroa espanhola O marqués de Pombal cria o regime de Di- retério, em substituic&o & aco missiondria pa- ra governo dos indios. Por ordem de Pombal, 2 Companhia de Je~ sus é expulsa do Brasil. Todos os seus bens revertem ao Estado. ‘Trés cartas régias de D. Jodo VI reeditam a escravidao dos indios por guerra justa. Os Bo- tocudos de Minas Gerais so dizimados. José Bonifacio, o Patriarca da Independéncia, apresenta a meméria Apontamentos para a civi- lizagio dos indios bravos do Brasil. A Constitui- so de 1824 nao incorpora esses princfpios. Al- guns deles seriam depois retomados por Ron- don. Revogacio das leis de 1808-09 que permitiam a guerra justa contra os indios. Eclode’a Cabanagem na Amaz6nia, princi- pal insurreicao nativista do Brasil. Os Mun- durukti e Mawé (dos rios Tapajés e Madei- ra), 05 Miira (do rio Madeira) bem como gru- pos do rio Negro aderem aos cabanos. Rendigo dos cabanos. Epidemias ¢ atroz per- seguico As tribos que com eles combatiam de- vastam enormes areas da Amazénia. © governo imperial autoriza a vinda de pa- dres capuchinhos para catequizar os {ndios. 1845 1850 1904 1910 1914 1924 1946 1950-1960 1967 E criado o cargo de diretor-geral de indios em cada provincia e de diretor de aldeia para re- gular as relagdes entre indios ¢ brancos. A Lei 601, de 18/12/1850, regula a posse da terra pela aquisicao € nao pela ocupagao efe- tiva. Os territérios tribais sao inclufdos na ca- tegoria “‘terras particulares”’ sujeitas a lega- lizagao-em cartério. CAndido Mariano da Silva Rondon inicia a construcio de linhas telegréficas de Cuiabé ao Amazonas. Entra em contato amistoso ¢ pa- cifico com intimeras tribos de Mato Grosso e Guaporé (atual Rondénia). Rondon e um grupo de militares positivistas, professores universitdrios e sertanistas fundam 0 Servigo de Protecao aos Indios (Lei 8 072 de 20/7/1910). Pacificacao dos Kaingdng paulistas atingidos pela expansio das lavouras de café no Oeste de Sao Paulo. Pacificacao dos Xokléng de San- ta Catarina, cujas terras ricas em araucdria so entregues a colonos alemics. Pacificacdo dos Baena, remanescentes dos Bo- tocudos do sul da Bahia. As densas florestas em que habitavam so derrubadas para dar lugar a plantagdes de cacau. Pacificagao dos Xavante do rio das Mortes, rea de expansao de fazendas de gado. Pacificacao de diversos grupos Kayapé, do sul do Paré, cujas terras so invadidas por serin- gueiros castanheiros. O artigo 198 da Constituigao de 24/1/1967 diz: ““As terras habitadas pelos silvicolas so ina- liendveis nos termos que a lei federal deter- minar, a eles cabendo a sua posse permanen- te ¢ ficando reconhecido o seu direito ao usu- fruto exclusivo das riquezas naturais ¢ de to- das as utilidades nelas existentes’’, E extinto 7 1970 1973 1988 © Servigo de Protecao aos [Indios (SPI) e ins- titufda a Fundacao Nacional do Indio (FU- NAI) (Lei 5 371). © levantamento aerofotogramétrico do pro jeto RADAM revela grandes jazidas de mi- nérios em reas ocupadas por grupos tribais na Amaz6nia. A exploraco agropecuaria, madeireira ¢ mineira por grandes latifiindios ¢ empresas multinacionais e a implantaco de infra-estrutura de estradas € hidrelétricas ameagam a sobrevivéncia desses grupos. E 0 “Plano de Valorizacdo da Amazénia’” © Estatuto do indio (Lei 6 001, de 19/12/1973) prevé, no seu artigo 19, a demarcacao das ter- ras indigenas em um prazo de cinco anos (até hoje nio efetivada). A nova Constituigio delimita novo prazo de cinco anos para a demarcacao de todas as reas indigenas do Brasil (artigo 67 das Dis- posicdes Transitérias), Observacdo: Parte desta cronologia foi extraida de Berta Ribeiro, O in- dio na histéria do Brasil. 78 PARA SABER MAIS ‘Além dos Cadernos da Comissao Pré-{ndio-SP e da série Povos Indigenas no Brasil do CEDI-SP, recomendamos a lei- tura das seguintes obras: CARNEIRO DA CUNHA, M. 0 direito do indio. Sio Paulo, Bra- siliense, 1987. DAVIS, Shelton. Vitimas do milagre — O desenvolvimento ¢ os in- dios no Brasil.. Rio de Janeiro, Jorge Zahar, 1978. Gos, M.P. Os indios ¢ 0 Brasil. Rio de Janeiro, Vozes, 1988. LADEIRA, ML. & AZANHA, G. Os tndios da serra do Mar. Sa0 Paulo, Nova Stella, 1988. LOPES DA SILVA, A., org. A questo indigena na sala de aula. Sao Paulo, Brasiliense, 1987. Indios. Séo Paulo, Atica, 1988, (Série Ponto por Ponto). MELATTI, JC. Indios do Brasil. Sio Paulo, Hucitec, 1983. PAIVA, E. & JUNQUEIRA, C. O Estado contra o indio (texto 1). Sao Paulo, PUC, 1985. , RAMOS, A.R, Sociedades indigeas. Sio Paulo, Atica, 1986. (Sé- rie Princfpios). RIBEIRO, Berta. O indio na cultura brasileira. Rio de Janeiro, UNIBRADE, 1987. O indio na cultura brasileira. 2% ed. Si Paulo, Global, 1984. RIBEIRO, Darcy. Os indios e a civilizagaa.. Rio de Janeiro, Vo- zes, 1977. 79 BIBLIOGRAFIA BAETA NEVES, L.F. O combate dos soldados de Cristo na terra dos papagaios. Rio de Janeiro, Forense, 1988. BEOZZO, J.O. Leis ¢ regimentos das missoes — Politica indigenista no Brasil. S30 Paulo, Loyola, 1983. BORELLI, Silvia. ‘Os Kaingang no estado de Sao Paulo’. In: VARIOS. Indios no estado de Séo Paulo — resistincia ¢ transfiguragéo. Sio Paulo, Yankatu/CPI, 1983. CARELLI, M. Brésil, epopée métisse. 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Qual foi o avango poco da Constituirio de 1988 em relagdo as legilacdes | {se mudou ba condigao legal dos indlos? | Shieriores ¢ qual sas HimitagSes? } SENHORES DESTAS TERRAS | Os povos indigenas no Brasil — | | da Colénia aos nossos dias | Gilberto Azanha e Virginia Valadéo | i | & UMA PROPOSTA DE TRABALHO } \ | | | | ||} toma: i i Eeoote: Grau: sé t Este livro tata das relagBes que se estabeleceram entre grupos indigenas locali- De ee ee cela ate se : | Beuado em contraposicio as acdes agressivas desencadeadas pelos "brancos” cm dife- i | fentes momentos historicos. As dificuldades de relacionamento entre o Estado bras ' | Ieiro.e 0s grupos indigenas, enquanto nagdes diferenciadas culturalmente, permane- | com basicamente as mesmas desde o Brasil Colonia até os nossos dias e €iss0 que © |, fir tentaescarecer Oe en ! ang eeanene 10, Com base no que vocé leu, fara com suas palavras um comentério breve sobre as relagdes entre Estado brasileiro e povos indigenas ao longo da nossa Histo L. Com base no documento da pagina 19, responda: Segundo a visio do padre Manuel da Nébrega, quais as regras que deveriam ser impostas aos indios para que se pudesse obter resultados positivos de catequese € exploragdo? Em que resultou essa estratégia de catequese? Esa propota de trabalho ig a obra Senko diana. Nio pode ser vendida separadamente, © Asal Eitora Lida See Como os jesuitas organizaram 0 trabalho missionario e como reagiram 0s colo nos a essa organizagao? Como as guerras justas contribuiram para o fortales mento das misses religiosas? Quais os principios proclamados por Pombal para combater 0 poder das mis: 860s religiosas € 0 que foi o DiretGrio pombalino? 5. Qual era a finalidade da Lei de Terras do Império e que conseqdincias trouxe 205 indios? 6. Quais as principais idéias de Rondon em relagio aos indios e quais as linhas de atuacao que impés ao Servigo de Protegio aos Indios (SPI)? ‘Qual era, segundo a visio das elites intelectuais ¢ politicas do Império, o papel eservado aos indios na formacao da Nagao brasileira? Titulos da série Na colecdo Histéria em Documentos, 0 aspecto —comum a todos os volumes — é a ampla NAVEGAR E PRECISO. Grandes de documentos na organizagao e desenvolvimento dos assuntos mmartimos eurepeus de cada livro, “Documento” no sentido mais abrangente: desde Pidess Pronto Gercie 98 textos oficiais até os registros, em diferentes linguagens, de experiéncias humanas no periodo enfocado: depoimentos, OS SONHADORES DE VILA RICA letras de musica, textos literérios, descrigdes de viajantes, Aipcontigerseteacs artigos de jomal, pinturas, charges, fotos. Dessa forma, 0s leitores teréo oportunidadede um contato mais Rabon darsactavatra Brel direto e vibrante com 0 fazer hist6rico ‘época, Aldm disso, Antonio Torres Montenegro ‘percebendo como o autor organiza ta Osa San GeiGaee —e, mais ainda, realizando ele proprio os, Migrance lavoura no Brasil — 1850 a 1890 ‘© estudante terd condi¢des a6 conti ‘Ana Luiza Martins linguagem e os princlpi6Sdo trabalho do historiador. UMA TRAMA REVOLUCIONARIA? Bo Tenentiemo & Revolugdo de 30 Antonlo Paulo Rezende NOS TEMPOS DE GETULIO. Da Revolugto de 20 20 fim do Estado Novo. ‘Sonia de Deus Rodrigues Bercito ‘O BRASIL DA ABERTURA De 1974 & Constituinte Marly Rodrigues INDUSTRIA, TRABALHO E COTIDIANO Brasil — 1080 a 1930 Maria Auxiliadora Guzzo de Decca INDEPENDENCIA OU MORTE ‘A emancipagéo politica do Brasil limar Fonioft de Mattos Lille Affonso Seigneur de Albuquerque DEGETULIO A GETULIO (Brasil de Dutra e Vargas — 1945 a 1954 Francisco Fernando Monteoliva Doratioto ‘Jose Dantas Filho DOCE INFERNO ‘Agdcar — guerra, hholandés (1580-1654) Elsa Gongalves Avancini {REPUBLICA BOSSA.NOVA ‘Adem opulista (1954-1964) ‘Jose Dantas Flino 1ando Monteoliva

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