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HERACLIO BONILLA ORGANIZADOR TeV Qe cap . OS CONQUISTADOS 1492 E A POPULAGAO INDIGENA DAS AMERICAS ve be ROBIN BLACKBURN, HERACLIO BONILLA, MANUEL BURGA, ROBERTO CHOQUE, ENRIQUE FLORESCANO, JOSEP FONTANA, JACOB GORENDER, AMPARO MENENDEZ-CARRION, ALAIN MILHOU, SALVADOR MORALES, RICHARD MORSE, AN{BAL QUIJANO, STEVE J. STERNE, HENRIQUE URBANO, R. TOM ZUIDEMA ‘TRADUGAO DE MAGDA LOPES EDITORA HUCITEG Sio Paulo, 2006 CapiTuLo 1 PARADIGMAS DA CONQUISTA, HISTORIA, HISTORIOGRAFIA E- POLITICA STEVE J. STERN Universidade de Wisconsin, Madizon, EULA. O dilema de 1492 O ano pe 1492 evoca um poderoso simbolismo.' Esse simbo- lismo evidencemente representa uma carga maior para os povos cuja ‘memoria historica tem contato direto com a8 forcas entio desencadeadas ara os povos indigenas das Américas, os latino-americanos, as mino rias de descendéncia latina ou hispanica nos Estados Unidos, ¢ 0s es- portugueses, 0 sentido de conexio é poderoso, O ano de 1492 ‘uma mudanga transcendental no destino histérico: para os amerindios, a destruidora transigio da hist6ria independence para a co- lonizada; para 0s ibéticos, 0 inicio de um capitulo hist6rico responsivel pela fama ¢ controvéssia imperiais; paras latino-americanos ca diéspora latina, 0 doloroso nascimento de novas culeuras a partic de encontros carregados de poder entre europeus ibéricos, americanos indigenas, afi- ccanos ¢ as diversas descendéncias que a0 mesmo tempo mantiveram miscigenaram as prineipais categoria raciais. ' Bsteenstio constitu uma reflexdo abera sobre 0 significado da conquista na istéria na historiografia da América Latina. Estddirgido a uma audigncia familiaizada om os eontornos biscos da histéria da conquista. Esta suposigio com respeito 8 nein ¢ Bs restigbespricas de espaco fazem que o uso de citagdes historiogricas ‘ej radicalmenteseletvo. O propésito & fornecer exemplos e ilustragies eoriencat cs leicores interessades pata textos que expandem a coberturabiblingréficaoferecida ‘as notas deste ensaio 28 EVE J. SPERN Nao obstante, o simbolismo estende-se para além das Américas ¢ dos mais diretamente afetados. A chegada de Colombo 4 América sim- boliza uma reconfiguragio histérica de magnitude mundial. A fusio das hist6rias americana nativa ¢ européia em uma histéria comum assinala © principio do fim das representagSes isoladas do drama humano. Os parimetros continentais subcontinentais de ago ¢ luta humana, de éxito ¢ fracasso, estender-se para um cenério mundial de poder e testemunho. A expansio da escala revolucionou a geografia culeural ecolégica. Depois de 1492, a etnografia do “outro” converteu-se em um fato ainda mais fundamental da vida. As migrages de micrdbios, plantas ¢ animais, ¢ inventos culturais transformaram a historia da doen- a, o consumo de alimentos, 0 uso da terra ¢ as técnicas de producio.” ‘O ano de 1492 simboliza também o inicio da singular ascensio mun- dial da civilizagdo européia. Antes de 1492, 0 poder e a influéncia cul- tural da civilizagio européia nao haviam conseguido eclipsar os de ou- teas civlizagdes que haviam desenvolvide os préprios perfodos de “idade do ouro na Asia, Africa, Oriente Préximo © Américas. A civilizagio € © poder humanos tendiam a se ajustar a dimensées contincntais ou subcontinentais; a navegacto maritima desenvolveu-se prOximo as mas- sas terrestres. O Ocidente nao era necessariamente superior ou domi- nante. Depois de 1492, a civilizagio européia comegou sua ascensio para um unificado predominio intercontinental ¢ rambém global, e ini- iou a transicZo para o capitalismo, cujas relagSes e transformagées cco- némicas atravessaram oceanos ¢ continentes. Além disso, dentro da mesma Europa, as premissas da gcografia histérica ¢ cultural sofreram ‘enormes transformagdes. Antes de 1492, a civilizagao ocidental aponta- vva para o sul e para o leste. O Ocidente desenvolveu-se no contexto de intersegdes ¢ disputas do Velho Mundo. O norte da Africa, o Oriente * Pari uma boa introdupto a tems biol6gicas e ecolbgicos, ver Alfted W. Crosby Je TheColumbian Bxchange: Biologic! and Cultaral Consequences of 1492, Westpote, Con, 197%; Crosby, Keologien! Imperalom: The Biological Rspancion of Eurnpe, 300-1000, [Nova York, 1986, com respeito 3 emografia do outro e aspeecosintclectaisrelaciona dos, Anthony Pagden, The Fall of Natural Man: The American Indian and the Origins of Gomparatioe Etkalegy, Nova York, 1982; Margaret 'l: Hodgen, Early Aathrapotogy in ‘he Sisnenth and Sroenteenth Centres, Filed, 1964; Tivo de Roger Bara 4 set {angado, sobre as imagens européias dos “outrus” edos “selvagens” antes de 1492; Represmtation, 33, edigio especial sobre “O Novo Mundo”, inverno de 1991. Para ‘ums histéia intelectual de vaso aleance que 2c concentra na emergeneia eventual do “paitismo crioulo” na Amética Espanhola c que & sutestivo pelo impacto 2 Tongo praro dos debates no mundo hisptnico do séeulo XVI, ver David A. Brading, The Firs Ameria: The Spanish Mouarcy, Croke Periows ad he Liberal State, 1492. 1867, Nova York, 1991. ' PARADIGMAS DA CONQUISTA, HISTORIA, HISTORIOGRAFIA & POLITICA 29 Proximo ¢ a Europa meridional defiriiam um grande arco de civiliza- Ges ¢ linguagens, impérios ¢ religides, em luta entre si, que cercavam 0 Mediterrineo ¢ avangavam para o leste, em directo a Asia. Depois de 1492, o centro de gravidade deslocou-se para um eixo norte-atlantico, Os centros econdmricos, politicos ¢ culturais do ocidente transferiram- ‘se para a Europa ocidental ¢ setentrional e, eventualmente, cruzando 0 ‘Atlantico, para os E.U.A. As premissas culturais também romperam com ‘0 passado. O Ocidente jf nifo construiria culturas protonacionais a par- tir das fusbes, influéncias ¢ lucas derivadas da heterogeneidade med terrinea, mas sim com base em reivindicagbes mais “excludentes” de redengio cultural ¢ religiosa. Na Espanha, o ano de 1492 assinala no apenas a expansio para a América, mas também a expulsio dos mugul- manos ¢ dos judeus e a unificagio dos reinos de Castela © Aragio em um Estado mais poderoso. Os simbolos de salvagio excludente, unit ‘cacao politica ¢ expansio imperial condensam-se em apenas um. + Cube fac dua alteragios. Seas corentes de investgasto contemporineas que pro- movem uma percergdo mais “aticanoctncria” da ciilinagso humans, ineluindo = civilizagio ocidental podem ser aceitas ou repudiadas, este nfo & 0 nosso panto de discussfo aqui. Podese acctar ou repudir, por exemplo, a esafante © importante fnterprecaro de Marcin Bernal sobre a inluéncia culcural afticana na Antigtidade © fo subsequence encsbrimonta dort influbncia polos avtores eucopeus. Ver Marin Bernal, Black Aena: The Afroasiatc Roots of Clea Civilaaron, New Brunswick, 2 volumes, 1987, 199]. Mas relatos mas convencionais e menos controvertides ofete- ‘cem também ta vszo Hos impérios ¢ da cvilizagio curopeus antes de 1492 que reconhecem, pelo mcnos em parte, um contexto hererogénes no Velho Mundo! 0s ‘continentese a cukuras da Attica, dt Aria © da Burcpa virem-so envalvidor or tersepies,contatos,nfluéncias c enfrenéamentos matuos. Ver, por exempta, Wiliam H, MeNeil, A World History, Nova York, 1979, Pare {lA interpretapfo global de MeNeil enfatiza o “equiltbio", a autanomia eas Timitadas (ow ses, voluncéras elo superticiais influgnciss externas entte ot diversos cenirie de civilizagzo do Velho Mundo, durante os dois mil nos anteriores 21500, Enrecanto, essa tose 6 conside- ‘ada em um contexo interpretativo © em uma rarativa que feconhecem subs contats eultunis,enfrentamentose movimentos expansives em um Vetho Mun {do que fol cendci de mite civilizagSes e impérice. Part uma evocagio brilhante ds Bspanha do séeulo XVI como sociedad evjo principal drema nfo era peSxima via- gem de Colombo, mas a transformacio © odeslocamento de win mundo cultural ere- Tigiosamente heesrogénco em uma sociedade baséada na purificasio diseriminatéria e~epor~osconsrurores de um Estade mais poderoso, ver Homero Andis, 1492, The Life and Times of Juan Cabesin of Cast, cad. por Betty Ferber, Nova York, 1991 ‘Bm sequndo lugar, 0 movimento a longo prazo para kim eixo norte-atlintico & para influtncias concentrades em partes mais ecidentais © setentrionsis da Europa Ifo fo intextompido de repente com a forga¢ 0 peso do Mediternea. O impacto inicial de 1492 fo deslocar a infludncia pura o oeste dentro do meio mediterrineo ccriar a5 condigdes pars 0 eventual surgimento dos poderesatlintios, Isso esté mals 30 STEVE J. STERN Gertamente, 0 desembarque de Colombo ¢ seus companheiros em outubro de 1492 nio constituiu realmente a “causa” decisiva ov princi- pal desta vasta reconfiguraczo da histéria mundial. As causas hi centrais precederam e sucederam a 1492; as transigdes-chave foram muitas © suas conexdes freqlientemente.frouxas e fragmentadas. Os resultados principais no foram de modo algum predestinados ou ine- xordvelmente determinados em 1492. A eriago do:inicio da era moder- ‘na da histéria mundial bascou-se em algo mais que na boa estrcla ou na audécia dé um marinheiro singular que pensou que haveria de encon- tar as terras © 05 povos asiéticos no Caribe.‘ O interesse na viagem ¢ ‘em Colombo revive em aniversérios hisc6ricos, como 0 quinto centené- rio. Apesar disso, essa revivificag3o no deriva tanto da conviccio de que Colombo constituiu-se por si, mesmo uma forca hist6rica suprema quanto do contetido simbdlico. O sentido de que, além do que o supe- 1a 0u nifo, Colombo foi o agente iniciador de uma vasta e histérica trans- formagio. Colombo deu inicio ao projeto espanhol de soberania, rique- 2a ¢ missio americanas, Este projeto desencadeou a rivalidade imperial européia c 0 desistre indigena na América; a unificago das histérias continentais em uma hist6ria mundial; a construgio do poder e da pros- peridade cimentados na dominagio e na violencia racial, para a expan- ‘io e 0 predominio globais do Ocidente e do capitalismo. A viagem de ‘Colombo ~ melhor ainda, a data — ergue-se como um alvo simbélico dos primérdios da hist6ria do mundo moderno. ‘A magnitude das consequéncias resultances da colisto das histérias ‘curopéia ¢ indfgena americana’ ¢ no Colombo em si~ explica a pro- fusio de atengio ¢ comemoragao, protestos ¢ debates, reflexao intelec- tual ¢ exploragio comercial que acompanharam o quinto centenério de 1492. A magnitude das conseqliéncias imp3e um certo interesse. Em Ultima inscncia, obrige-nos a considerar o problema do significado do descobrimento, a descobris, definir ¢ apropriar 0 que 1492 significa para ahist6riahumana$ 1 ‘que evidence na obra-prima d= Fernand Braudel, The Medtrrean and te Mediterean World nthe Age of Philp I,2vols, tadugto de Sian Reynolds, Nova Yor, 1972-1975, + Mesmo dsitando de lado’ ponte valido de que, do ponto de vista de um americano rntvo, &tolice © mesmo persicioso considerar que a Américe fui “descoborta" em 1492, 6 conceivo de “descobrimento” torna-se problemétice mesmo para uma pets- pectiva europsia. Edmundo O'Gorman argumeatou hi tempos, dentro de um e3- quota de hiséia icelectual eontralicada na Europa, que 2 América foi mais mn “invento” que um “descobrimento”. Ver O'Gorman, La idea del deselriniente de Anica, México, 197%; ver também The Invention of Anserics, Bloorsingsos, 1961. 5 Urn quia Gil, embora um tanta migante e suave, da aividades relacionadas com 0 ‘Quinto ceatendrio € 0 Boletim publicado pela OEA: Quinto aestevaria del descbrimien- | } i | PARADIGMAS DA CONQUISTA, HISTORIA, HISTORIOGRAFIA E POLETICA 31 Incvitavelmente, 0 processo provoca debate. No mundo do final do século XX, este debate de fato se acalorou. Nas Américas, em partic lar, as divisdes émnicas ¢ raciais tornam dificil a definigao de uma lin- guagem comum de apropriagio. Para os indigenas da América, assim ‘como para muitos latino-americanos ¢ simpatizantes dos indigenas, 0 ‘evento convida & dentincia dos quinhentos anos de exploragao e etno- idio. Uma comemoracao de cinco séculos de resisténcia ¢ sobrevivencia contra rivais formidaveis. Entretanto, a critica étnica pode ramificar-se em virias direg@es a0 mesmo tempo. Para muitos latino-americanos ¢ membros de minorias hispinicas ou latinas na “Anglo-América”, a guagem de dentincia ~ ainda que justificada de uma perspectiva indt- gena ~ também destiza pare uma “lenda negra” de caricaturizaglo ¢ preconceito anti-hispanico proctamado pelos herdeiros anglo-saxdes de ‘uma histéria racial igualmente s6rdida. O aniversirio gera um certo de~ sejo de reorientar o discurso. De ir além de uma linguagem de censura mediante a definigo de contrapontos mais positivos. Estes ltimos po- dem variar entre a comemoragdo da expansio do cristianismo ¢ da cul- tura ocidental, ou a celebrario da defesa hispanica dos Indios ou do contraste favorivel entre os valores ¢ as politicas socisis ibérico-latinos «dos anglo-saxdes. Entre os contrastes mais comuns esto 0s que se concentram na espinhosa questio racial. O universalismo € a flexibili- dade ibéricos, evidentes na construgio de sociedades multirraciais que incorporavam todos na Igreja ¢ que reconheciam abertamente catezo- ras raciais intermedirias e seus enticoruzamentos, no parece neces- sariamente “inferior” 20 provincianismo ¢ a rigidez anglo-saxdes, dentes na sindrome exclusivista da city-on-a-hill que destinou os indios 1. lQuincententiat ofthe Discovery... 1987 em diante. Seu aspecto als signticativo 60 das noticias c comemoragdes institucionais. A magaicude das conseqlncias do {quinto centenérioconduziu o National Council af Social Studies dos Estados Unidos 1 editar uma declaragio cuidadesamente elaborada, cujos signatiros ineluem, entre ‘outros, a American Anthropological Association e a American Histceal Assocation. ‘Ver Ammcrican Anthropological Association, Perspectives, 28:8, novembro de 1991, pp. 20-1. Qualquer lear de revises populates”, como a Newsmer ou “cultas", coma a ‘Naz York Revie of Books, tech observado uma renovacio do intersse edo debate, da ‘oxganizapio das resposta: dos americanos natives © da profusio de livros de qualia ‘de variada nos Estados Unidos. Para excmplos de artigos e respostas de latino-ameri- canes © de indios americanos, ver Jess Contreras, ed, La cara india, la eu de 92: Ndemidad émnica y movimienes indies, Madr, 1988; losu Perales, e8., 1492-1992. (Quinientos atas desputs América Vioa, Made, 1989; Ward Churchill, Fantasies of the laste Race: Literature, Geena and the Golenizaton of American Indias, M. Anette rims, ed, Monroe, Mick, 1992, North American Congzess on Latin Ametica, Report, 24:5, fSvercito de 1991; Niimero especiak “Inventing America, 1492-192", 32, guerra ¢ a0 genocidio nas assim chamadas fronteiras ¢ que sujeitou as pessoas de ascendéncia racial mista a um pensamento racial bipolar © & Aiscriminagio.* Esta especificagio nfo esgota a discordante cacofonia de vozes. O agitado debate sobre o multiculturalismo ¢ 0 que € politi- camente correto na vida intelectual ¢ educativa dos Estados Unidos também se introduziu na discussio. Um quarto de século de turbulen- cia ¢ de revisio intelectual animaram o desejo de enquadrar 1492 no contexto de uma perspectiva cultural pluralista que questiona a com- paraglo da expansio ocidental com o progresso humano. Mas também. materializou-se uma reaglo conservadora, que denuncia o multiculeura- lismo e a sensibilidade politica como forcas que degradam a vida aca- démica e a investigacto intelectual. Na América Latina, a reagio con- servadora toma a forma de hispanofilia; a convicglo expressa de que a Espanha trouxe avangos & América indigena ¢ que o melhor destino para os indios é se unitem rumo & “modernizaga0”.” VE Je © Os autres mais influentes que considcram a existéncia de nocmes © pritias racials ccomparativamente mais inclusivas ¢flexiveis na América Latina, expecialmente no asl sho Gilberto Freyte, Casa Grandee Senate, 2 volumes, 4 edi;30, Rio de Jac 0, 1943, ¢ Prank ‘Tannenbaum, Siro and Citten: The Negro in the Arerces, Nowa York, 1946 0 contraste entre as civlizagies procstancee catGlica emerge em Richard Morse, “The Heritage of Latin America", em Louis Hartz etl, eds, The of New Societies, Nova Yor, 1964, pp. 123-77. A visto da perspective ibécies dx {questo racial, animada por reyree"Tannenbaum, tom sido submeti a critica pun- gente desde a década de 1960, sobretudo nos Ambitos seadémices, mas sio ainda importantes na cultura popular. Para dscussio recente e clucidatéia da cvolugio do pensamento, ente of investigedores © na cultura popula, para o casa do Bra ver Pierte-Michel Fontaine, ed. Rac, Glass and Poser in Brazil Las Angelcs, 198 pata uma perspectiva histérca, ver 0 ensaio de Skidmore na antofogia de Fonsiine & Emilia Viowi du Costa, The Brsilian Eoipire: Myke and Hisores, Chicago, 1985, exp. IK. Para um breve exemplo dos modos coma a ertcn nica pode ramiicar-e em liversasdiregéese difundir um desejo de “reequilibraro cquilfocio™, vero artigo de The New York Times de 2 de junho de 1991 sobre a crticas revisionistas de Colombo, “Che Invasion ofthe Ni, the Pint, and the Santa Mati", ew eata de ospesta de “Teresa de Valmaseda Milam, The New York Tine, 4 de julho de 1991. Balmaseda iilem observa justamente que, sinda que tenhalido (es devido a seo?) Kirkpatrick Sale, The Conguect of Paradise: Criropher Coluvibus and the Colurabian Legacy, Nova York, 1990, acka que os revisionists estigmacizacam injustamente a Espanta, A telagdo com os debates a respcito do “potiticamente correto” estd bem evidence ‘nas tttamentosjonalistios do tema do quinto cententtia Ver, por exemple, 0 io de The Nes York Times citado acima na nota 6, €0 “Columbus Especial Issue" da ‘Nasreet, ourono-inverna de 1991, Para um exemplo um poueo mais elaborado de bispanofiia conservadora,entrelagado com um fio tlgico que sugere simpatia em ‘elaglo 20s indies que sofreram enormemente, mas eujes cultura pré-hispni tavam crregadas de imperfeigbcsfatais ¢ cua sobrevivercia contemportnea requet PARADIGMAS DA CONQUISTA, HISTORIA, HISTORIOGRAFIA # POLFTICA 33 Encontramo-nos em um impasse: por um lado, um sentido-de mag- nicude histérica que exige alguma forma de discussi6 ou comemora- ‘¢l0. Por outro, 0 acontecimento relaciona-sé‘com uma histéria de in- justiga social ¢ de luta politica demasiado intensa ¢ amarga como.que ppara permicir uma linguagem comum de discussio. Sob estas circunstan- cias, € compreensive! a tentagio de tentar extirpar 0 politica da dis- cussio, de fazer 0 possivel, para realizar uma avalisgio despojada das paixdes dos confitos. Como concluiu uma reportage sobre a con- trovérsia contemporiinea apés quinhentos anos, seri que nao possivel tomar uma certa distancia da érdua azifama politica para entrar em um “tempo de profunda reflexao” para todos os setores? Nao podemos con- siderar 0 significado de 1492 de um modo cultural ¢ espiritualmente mais desapegado, menos tingido pela controvérsia ¢ pelo alinhamento politico? Este enfoque nio permitiria alcangar uma compreenstio mais reflexiva ¢ elevada?™ Este ensaio focaliza a questo de uma perspectiva dupla: a da his- ‘t6ria ¢ a da historiografia. Considera o que a conquista espanhola da ‘América significou para os que viveram (“hist6ria”) © 6 que tem signi ficado para os historiadores profissionais que a tém interpretado ao lon- 6 do século XX (“historiografia”). A partir de ambas as consideragves, argumenta que & busca de uma compreensio mais elevada, ndo “cor rompida” pelos interesses politicos, € uma ilusio profundamente equi- vocada. ‘Valnos oferecer ume antecipagao deste argumento, Para comegar, no houve um significado tinico da conquista para os que & viveram, mes- mo restringindo a corsidera¢o apenas para um lado do encontro entre ibéricos ¢ amerindios. Entre os conquistadores espanhéis, observa-se go um, mas virios “paradigmas da conquista” em disputa. Esses pa- _que se modernizem, ver Mario Vargas Llosa, “Question of Conquest What Columbus ‘Wrought, and Whac he did noe", Harpers Magrine, derembo de 1980, pp. 45-5. Agueixa com respeit 20 fato deo “politicamentecorceo" éde o multicukualis- mo terom degradado 3 vida académica ¢ 0 diseuso relscionado referinda a0 fata de inelcctual destruu os signifiados mais armplos io, da meu ponto de vst, profundamenteexageradas & equlvocos, Para urna explo- ‘aglosdessas questi no contexto da histria recente do conhesimentohistrics pro- fissional © do significado neste contexco dos tabalhes sobre a Aftea ea América Latina, ver Steve J. Stern, “Afica, Latin America and the Splinering of Historical rom Fragmentation to Reverberation”, em Frederick Cooper etal, Gonfronieg Historical Paradgns: Peasant, Labor andthe Capita World Sytem in Affien ‘and Latin America, Macison, University of Wisconsin Press, no prelo. + {eitagio provém da Newrows, 24 de junho de 1991, p. 58 ibid, “Columbus Special Issue”, p. 13 34 sire J. STERN radigmas ou iitopiis em luta acabaram totalmente inseparaveis dos in- teresses ¢ paixdes politicos. Ou seja, foram profundamente inseridos na tivalidade politica, na ambigéo ¢ na controvérsia que existiam den- tro do mundo hispanico, repetidamente confundidos pelas reagdes ¢ pelos desafios dos indigenas ao poder, que mudaram as realidades ¢ expectativas dos colonizadores ¢ por vezes desencadearam novas agita- Bes politicas. Sob essas circunstincias, escrever uma hist6ria totalmente despolitizada dos conquistadores ou da era da conquista € assumir uma certa irrealidadé: umia purificagio que violenta a mesma preocupagio, questées de prioridade ¢ dinimicas sociais dos que viveram a conquis- ta e suas tormentas. Esta purificaglo parece ainda mais distorcida artificial, porque o-conflito ¢ 0 debate do século XVI suscitaram de ma- neira contundente questdes que entram em ressondncia com as circuns- tncias da nossa prépria €poca. Se passamos da hist6ria & historiografia, percebemos que:a heranga destas agitagdes politicas deixou profunda ‘marca na obra histérica do século XX referente & conquista. Mas esta marca nio impede necessariamente 0 entendimento. Ao conttério, @ agitaglo © as simpatias politicas geraram avangos fundamentais na in- vgstigacio, a sensibilidade politica ilumina as vantagens ¢ os riscos das principais abordagens da experiéncia indigena da conquista na historiografia contemporinea. Em sintese, nossas reflexdes sobre a hist6ria e a historiografia adver- tem que 0 descju de libertar a discussio de 1492 das scnsibilidades politicas pode ser.ao mesmo tempo itrealista ¢ inconveniente. Essa adverténcia retoma 0 nosso dilema: um acontecimento histérico que exige discussio e ao mesmo tempo se contrapée a possibilidade de uma linguagem comum de discuss, Hist6ria: colonizador e colonizado Os conquistadores trouxcram trés maicos ou esquemas maiores, a0 mesmo tempo relacionados ¢ opostos, para seus esforgos ¢ proczas de ‘conquista. Podemos pensar em cada um destes paradigmas como um objetivo, uma busca cuja mais alta expresso cra uma utopia. A utopia, inaleangive! na Europa, parecia acessivel na América, O conquistador Bernal Diaz del Castillo rememora a sensacio 40 penetrar em um pa- norama mexicano to maravilhoso que para o contexto do velho mundo parecia sonho ou magia. E dizfamos que se parecis com as coisas ¢ os encantamentos relata- dos né liveo de Amadis, pelas grandes torres, pirdmides ¢ edificios que PARADIGMAS DA CONQUISTA, HISTORIA, HISTORIOGRAFIA E POLITICA 35 salam de dentro d'égua, ¢ todes construfdos com cal e seixos; ¢ ainda alguns dos nossos soldadas diziam que aquilo sim era um sonho? ‘Vamos chamar as utopias do conquistador de utopias de tiqueva, pre- eminéncia social e evangelizagto crise. Duss delas dificilmente consticuem uma revelagio, A cobiga de ouro ¢ de riquezas é bastante conhecida. Diaz del Castillo a reconhece como algo ébvio e normal cm sua versio picbéia da erbnica da conquista. Os informances astecas de Bernardino de Sahagiin oferecem uma imagem ainda mais notavet um fetichismo do ouro tdo paderoso, que sua vista ou tato deixava os conquistadores em um estado que parecia um transe de jabilo e de desejo de arrebaté-lo, uma exuberincia impossivel de sercontida. A tradigio ora andina reproduzida por Felipe Guamén Poma de Ayala sintetiza 4 obsessio com a riqueza no relato de um encontro ‘entre um indio © um espanhol em Cusco. O indio perguntou 0 que os espanhéis comiam. A resposta foi: ouro e prata. A utopia da riqueza foi além do saque ¢ das exigencias tribucérias iniciais. Os historiadores do século XX tém documentada a rapidez com que os conquistadores ¢s- tabeleciam conjuntos de empresas ¢ inversBes comerciais imediatamente aps a fase de saque."® E igualmente bem conhecida a utopia da evangelizagio cristé que animou uma minotia dos primeires sacerdotes e missiondrios, Os famo- 209 debates promovides por Autoniv de Montesinos e Bartolomé de Las Casas, entre outros, basearam-se na proposigio de que os rapaces conquistadores haviam subvertido a missio de salvacio cristl e se no fossem detidos completariam a destruiglo dos indios. Estudos do sécu- * ermal Diez dl Ca, Miri eran de ogi del Naropa, Mig ‘Pie len, Cees de Ame Nal, BB ep. © er Din ier wraps Migs LP oil dy Te Brae Spe: dite dct of Conger of es, Bsn, 6d pS. Fee Guunen Pome de Ayala Erne uae oer uw poder fh W. Ms & olen Adorn tc, values Meson 580 9p, 258 ‘Com tape as eagle um por de empress ¢ irene en emi cine us Mn “a fn cen encomendeadlosagencs sl egmon colonial de Nacra Eat 152515317, ‘nat ene en! Step Hei, PAIN PS Caled Scimpat Asadourian, Elsen ele enor mre ner ain pepe totic, Lina, 182, eapesninene pp 108-4; Seve Sct Peston, oan and ie Wal Sem he Pompei Lan Anes and the asibbea’, Ameri eri Resi, toute do 98, cpecamonte tia io de 198, capcom pp. 36 STEVE J. 81 lo XX documentaram as visées milenaristas da América como um imi- nente paraiso cristio e os esforgos de alguns missionérios ¢ sacerdotes para construir comunidades cristis ut6pieas, povoadas por almas recém- ‘convertidas, livres da corrupgio do velho mundo.” ‘Talvez menos conhecida seja a utopia da preeminéncia social. Esta superioridade social implicava trés realizagSes: escapar da rfgida subor- dinagio ¢ restrigdes de uma velha sociedade; alcangar uma posigao de ‘mando ¢ autoridade sobre seres humanos subordinados ¢ clientes em uma nova sociedade; adquirir reconhecimento de haver prestado altos servigos ¢ de haver adquirido alta honra que legitimassem a fecompen- sa ea superioridade social. A utopia da preeminéncia social é mais evi- ‘dente nos artificios das atitudes © dos comporeamentos, As bem conhe- cidas querelas e sensibilidade 8 afronta dos conquistadores, sua urgéncia emestabelecer uma aura de autoridade e de dominio interpessoais, como cas governando uma rede de concubinas, criados, eseravos ¢ clien- sua disposigao para proclamar seu leal servico a fontes de legicimi- tances (Deus e o rei), enquanto resistiam ferozmente & intrustio ERN dade , dos agentes locais de Deus ¢ do rei. A utopia da preeminéncia soci inspirava um ar de desafiante autoridade: “ninguém manda em mim; eu & que mando nos outros”.!? = ete tht kee ‘Sp for Jute he Congo Anron Boron, 149 ohn Leddy Phan, Tie Bah y a boas maton ade a soe Peleg reper here arpa ne ann ae Tone See eee ares ake Faeroe renten aero Ger Aner hoe tee ae bpowee pencigtcae aoa imnn in aa Dee Ronee Chicago, 1959, pp. 152-75, com eujo conteddo estou em débito (Wolf esereveu sux papery eons Paap deg lord per eee ean ree e teratoma ees Soren natant asteee names So cet tenant on saa lh PARADIGMAS DA CONQUISTA, HISTORIA, HISTORIOGRAFIA i: POLITICA 37. Nao houve portanto um significado sinico da conquista para o$ que promoveram sua causa, mas muitos paradigmas, fantasias e utopias. O que emergiu do lado espanhol. da conquista-foi uma'luta politica para definir 0s termos de coexisténcia, colaboragdo contradigao entre estas visdes ¢ sua rela¢do com um todo que inclufa a coroa ¢ a Igreja euro- péias. Cada utopia envolveu os conquistadores em intrigas ¢ ambigdes politicas ¢ fez aflorar paixdes e sensibilidades politicas. Cada uma delas projetou a questio da politica em seus varios sentidos fundamentais: politica como dircito a mandar (soberania); a politica como politica ¢ decisio pablicas (governo); a politica como definigio de fronteiras de legitimidade ¢ de jurisdigao (autoridade); a politica como alianga ¢ luta social (disputa de interesses ¢ ideologia). A luta politica para definir 0 que significava ¢ os beneficios da conquista desenvolveu-se em dire- ses inesperadas ¢ complexas, ndo somente porque os espanhéis, puavam entre si ndo somente porque 0s objetivos enfrentados no eram sempre fluidamente compativeis, ¢ nfo somente porque as enfermida- des epidémicas © a morte dizimaram as populagdes amerindias; a di puta tomou caminhos inesperados também porque 0s conquistadores enfrentaram enorme conjunto de iniciativas e reagdes dos indios, Es- és, do mesmo mado que os espanh6is, terminariam envolvides em uma luta para definir o significado da conquista espanhola e 0 que cla pode- ria acabar por significar. Ainda defxando momentaneamente & parte 0 lado indigena da equagio colonial, podemos obsezvar as maneiras pelas quais cada utopia termina sempre comhprovadamente inseparivel da controvérsia ¢ da intriga politices. Certamente, 0 ideal € que uma es- tucita reciprocidade articulasse harmoniosamente os 88 esquemas. O ‘exorcismo das riquezas incompariveis devia abrir eaminho para posi- ‘ges sociais de prestigio na terra americana ou quando do retorno para a Espanha, © esta riqueza ¢ preeminéncia social reoém-adquiridas deri variam sua legitimidade do servigo & espetacular expansio da cristan- dade sob os auspicios da coroa espanhola. O processo nio deveria de~ generar em controvérsia: todos os conquistadores se beneficiariam do saque aos amerindios © &s riquezas americanas. Todos encontrariam ca- minhos para a ascenso ¢ para a prceminéncia sociais. Todos refleti iam a gléria da conquista crist, Na pritica, eneretanto, a utopia mos- traria ser de curta vide ow ilus6ria para a maioria dos conquistadores, os 1974; Ragin A. Gutiéwes, “Honor Ideology, Matiage Negotiation, and Class-Gender Domination in New Mexico, 1690-1846", Luin Americen Perspectives, 4, inverno de 1985, pp. 81-104; uma perspeetiva cultural mais plurals pode ser encontrada em Guritrer, When Jesus Came, the Gora Hocers Wet Atcay: Marriage, Sexual, and Potser jn New Mey, 1500-1846, Sanford, 91. 38 STEVE J. STERN objetivos existentes poderiam entrar em combinaglo ou nio desfrutar de ums prioridade similar, ea rivalidade politica poderia transformar-se ‘no motor da expansio da conquisca, Consideremos, por exemplo, a interagZo entre a riqueza e a preemi- néncia social dentro dos grupos conquistadores. Na pritica, 0s grupos colonizadores desenvolveram rapidamente as préprias linhas de hiesar- quia ¢ de prioridade, as préprias distingdes entre os beneficidrios mar- ginais ¢ 0s circulos privilegisdos, préximos da chefia ou do governo da conquista, um Grist6vdo Colombo em La Espafiola, um Diego Velé2- ‘quez em Cuba, um Hemén Cortés no México, um Francisco Pizarro no Peru, um Pedro de Valdivia no Chile, Aqueles cujas conexées poltticas ou status prioritirio como conquistadores originais os situavam no cit- culo de prestigio, desfrutavam de um direito superior a0 trabalho © a0 tributo indfgena. Os cofiquistadores bem situados eram dotados de repartimientos de populagdes indigenas em encomienda, que garantiam direito ao tributo, trabalho e recompensa econdmica, em conjuncio com obrigagio de supervisionar a ordem social, o bem-estar ¢ a cristiani- zagio. A partir desta posicio, poderiam canalizar mais facilmente seus ‘ganhos para inversécs comerciais diversificadas em mincragio, planta- goes, agricultura, criagio de gado, oficinas téxteis e companhias de co- mércio ¢ transporte. O resultado foi o fechamento dos circulos supe- riores de riqueza € preeminéncia social a muitos conquistadores. Tal situago ocorreu nfo apenas nas terras quentes ou baixas do Caribe, ‘onde # escravidio indigena, a exploragio de jazidas auriferas, as brutais condigdes de trabalho ¢ de alimentagio, ¢ as enfermidades epidémicas, ‘em poucas décadas virtualmente exterminaram povos indigenas intei ros. O mesmo aconteceu nas terras frias ou altas do México e do Peru, ‘ride densas populacdes indfgenas perduraram apesar das aterradoras, erdas." Pris rivalidades polticas dos grupas conquistadores dividiram cada iicleo conquistadar em facgles que disputaram 0 cfrculo privilegiado do poder. Nao era qualquer um que podia aproximar-se'das utopias de rFiqueza © preéminéncia social, ¢ quando surgiam novos sonhos utépi- 0s de riqueza ¢ eminéncia, mesmo os relativamente acomodados ¢ res- © Comm rorpelta a hieraquia, a distingbes eitwe “oxginais™ e “reeém-chegadus",c as inguietapées poltioss entre os conquistadores, ver Diaz de Castillo, Hizori verda- dere, passes James Lockhart, The Men of Cajessare:A Social and Bicgraphical Study (ofthe Fins Conguerrs of Pera, Rustin, 1972. Sobre migrasdo espanhols em contextos menos gloriosos, ver james Lockhart, Spanish Per. A Coloial Soci, 1532-1560, Madison, 1968; Ida Altman, Eimignsas and Soci: Exiremedura ard Amara in he Sizuewh Consury, Berkeley, 1989. Sc as PARADIGMAS DA CONQUISTA, HISTORIA, HISTORIOGRAFIA E POL! rca 39 peitfveis ansiavam por uma trajet6ria mais deslumbrante. As socieda- des de conquistadores transformaram-se em ninhos de intrigas ¢ trai- es politicas. As facgdes inquictas ¢ até rebeldes envolveram os lide- res conquistadores em cargos de corrupeio moral e traigZo aas inceresses da coroa; de abuso de poder e erueldade para com os indios; de favori- tismo e inépcia. Crist6vio Colombo, que viveu na prépria carne a re- volta, « prisfo ¢ a humilhagto politica na década posterior ao seu pri- meiro desembarque na América, prefigura uma dindmica maior. No México, o enfrentamento polftico conduziu a familia Cortés a uma com- plexa disputa legal com respeito a jurisdigdes politica ¢ direitos eco- ‘némicos, facilitando uma manobra da coroa para promover as insticui- ‘gSes de recompensa ¢ controle politicos que pudessem “domestica ‘0s encomenderas, No Peru, o enfrentamento entre os espanhéis explodiu ‘em guerras civis abertas, Na década posterior & conquista de 1532, cisco Pizarro ¢ Diego de Almagro, 0s companheiras-rivais que di ram a conquista, haviam sido assassinados por inimigos espanhéis, Em meados da década de 1540, o imperiaso vice-rei Blasco Niifez de Vela +enviado para subjugar os conquistadores, em parte mediante 0 refor- gedas “novas lcis” reais que regulavam seus repartimientos de encomiendas = provocou uma firme oposigio ¢ foi assassinado."* ‘Alm disso, considere-se neste cendrio de volatilidade politica os co- lonizadores comprometidos com uma terceira utopia ou esquema: 0 paradigma da missio crista. Os sacerdotes ¢ missiondrios conseguiam sua autoridade do dever da evangelizacao crista dos pagios que acom- panhava ¢ legitimava a exploragio imperial. Os membros da Igreja fo- ‘fam profundamente politicos em suas percepgdes. Uniram-se as expe- digdes iniciais de conquista ¢ haviam provido devogio, legitimidade ¢ conselho politico. Construfram sua importincia ndo somente como sa- cerdotes, mas como sacerdotes-advogados: como embaixadores de alian- ‘2, conquista ¢ conversdo diente dos povos amerindios; como defenso- tes dos interesses ¢ comportamentos dos eolonizadores diante de uma coroa as vezes eética; como aliados de uma ou outra facgéo durante os Podeste abter infurmayses sobre as inrigas polticas 0 faccosismo no Caribe, no México © na América do Sul espanhola em Carl Onwin Sauce, THe Early Spanih Main, Werkcley, 1966; Sale, Conquest of Paradise, Bernardo Garcia Martinez, El Marquesade del Walle: Tres sgls de rifimen selorial ex Nuevo Bspata, México, 196%; Lesley B. Simpson, The Ecomicada of New Spain: The Beginsins of Spnich Maxie, od ‘evisada, Deckeley, 1930; Diaz cel Castillo, Hictaria verdader John Hemming. The onpuest ofthe Ins, Nova York, 1970; Andrew L. Daitsnan, The Dynamic of Con Shih Masai e Hew vis, ese Se mcr, Univenidade de Wire iadison, 1987. 40° srev L cenfrentamentos politicos ¢ os debates sobre politica social; como advo- gados da missdo ¢ da corisciéncia ctistis, que denunciavam a crueldade € 08 excessos do conquistador. Cada uma dessas posigdes levou sacer- dotes € missioivirios a se introduzirem no drama de araques e contra- ataques politicos, de facciosismo ¢ alianga, que acompanhou a constru- glo dos regimes de conquista. A maioria dos sacerdotes ¢ autoridades da Igreja uniram-se a0 grupo conquistador ou com facgdes dentro dele. Entretanto, uma minoria ganhatia fama ¢ notoriedade ocupando posi- ses mais independentes ¢ controvertidas, como defensores ¢ advoga- dos dos indios que denunciavam seus compatriotas espanhiéis como ignobeis destruidores da missio cristi. Os franciscanos, que construi- ram uma base politica para a transformacio de Iucata em um laboraté- rio regional de evangelizagio; Vasco de Quiroga, que fez uso de sua autoridade como bispo ¢ de sus influéncia na alta corte do vice-reinado da cidade do México para construir comunidades experimentais inspi- radas na Usopia de Sic Thomas Moré; Bartolomé de Las Cases, que fez pressio em prol de um esquema muito diferente da colonizagio; todos eles entenderam que seus projetos os haviam conduzido a uma lura politica para definir quem tinha as legitimas'rédeas do poder na Améri- ca, € com que propésitos ¢ restrigées.'5 Esta minoria de criticos e ut6picos da Tgreja denunciou os conquista- dores como tiranos famintos de poder que nio reconheciam limites na exploragdo dos indios ¢, desse modo, impediam a salvagio cristd, mes- mo quando thes faziam clogios. Isto é bem sabido para uma histria aque busea herbis ibéricos ¢ contrapontos equilibrados & “lenda negra” Talvez ndo tio apreciado 6 o fato de que os criticos da Tgreja foram tanto 0s operadores politicos de dentro — iasiders ~ que procuravam € mani- pulavam o proprio poder, como outsiders politicos ¢ oucras pessoas que consteufam as prOprias bases de poder ¢ as préprias relagdes sociais de autoridade; também eles atrairam ataques por causa de sua imperiosa arrogincia ¢ de scus abusos de poder. Os criticos viam em Vasco de Quiroga um tirano abusivo e vingativo. Os encomenderas queixavam-se de que os sacerdotes exploravam desavergonhadamente o trabalho € 0 tri- bbuto dos indios. Os colonizadores deserevem os missiondrios como ho- mens sedentos de dominio, que ndo s6 monopolizavam 0,acesso aos ERN ” Radesto dos fincionérios da Igreja na Amica 2s opinidics dos enomendere & evi- Oe nes 8 Jota V Mura, “Ayan Lords and Their European Agents a Pots, ‘Noor dere, 1 Tun, 1978p. 2513 Mais et ale a pape, | | PARADIGMAS DA CONQUISTA, HISTORIA, HISTORIOGRAFIA & POLITICA 47 ‘odircito de impot aos indios tumos (mitas) de trabalho rduos, forgados ¢ socialmente opressivos © prejudiciais na exploragao de Potosi e das ‘outras minas de prata? Podiam declarar 0 comércio do trigo monopélio espanhol? Tinham o direito de controlar o dinheiro dos indios deposi- tado nas caixas das comunidades, aurmentado pelas vendas de sedas ou tdcidos? Que regulamentos, direitos ou limitagées deviam acompanhar cessas politicas? Cada uma destas perguntas significou a frustrago das utopias dos amerfadios, Cada uma implicou uma luta politica para defi- nir os perfis do controle ¢ da legitimidade social na ordem colonial. A utopia da preeminéncia social também se chocou com 2s iniciati- vas € complicagées postas em execucio pelos amerindios. As expedi- es de conquistaao México ¢ ao Pert haviam requerido um complexo jogo de aliangas ¢ manobras politicas para conseguir uma colaboragio dos espanhéis com povos, exércitos ¢ determinados senhores amerin- dios, contra 0s dominadores indigenas dos impérios pré-colombianos. Estas foram colaboragdes frégeis, ambivalentes ¢ ambiguas. Os associ dos nfo compartilnavam um padrlo cultural comum; no havia uma sio similar de hierarquia ¢ de precedéncias sociais entre os novos $6- cios; os objetivos diferiam ¢ as consideragdes de forga, necessidade ¢ ‘oportunisme de curto prazo pesaram muito na formacdo das aliancas. Quando os conquistadores disseminaram-se das capitais imperiais para as provincias c 0 interior, os colonizadores em formagio ¢ os grupos amerindios locais construicam histérias igualmence complexas de alian- ‘9a, conflito ¢ intrigas mdtuos.* ‘As confusdes ¢ s ambigiidades nao se desvaneceram imediatamen- teapés as primeiras expedigdes de conquista. Os povos amerindios sim- + Os tomas de politica piblica desivados da competigio indigens nos metcados de rmereadorias podere ser encontrados nas fontes citadat nas notas 21 ¢ 22. Com respei- 1 3s cainas comun tris, ver Stern, Peru Indian Peoples, p. 98 ¢ 100: Vilma Ceballes Lopez, "La caja de consos de indios ysu aporte en la economa colonial, 1565-1613", Recists del Arcivo Nacional ded Per, 26, cotcega 2, Lieva, 1982, pp. 269-382. Para Visio de longo prano dos mecanismos prétcus desenvolvidos pelos fazendeiros colo- sisis abastados par superar a intervenglo dos pequencs proprititivs, ver Browke Larson, “Rural Rhythms of Class Confic in Eightecnth-Century Cuchabamba”, Hispanic American btorical Revie, 603, agosto dc 198, pp. 407-3; Larson, Coleniatsns ‘aed Agrarian Transormation in Bole: Cockabemba, 1550-1900, Princeton. 1988, Ens ‘que Ploreseana, Preis del mat ers agrcals en Alice, 1708-1810, México, 1969. ‘Sobceas poltcas de aanga no ambito imperial, ver Diez del Castillo, Historia verale- ere, Heroming, Conquest ofthe Incas. Para 0 irabito subimperial ver Steve J, Stem, “The Rise and Fall of Indian-Whice Alliances: A Regional View of «Conque: Hiiscry", Hispanic American Historica Racine, 61, agosto de 1981, pp. 461-91; Krippn: Maninez, “Politics of Conquest’, es fontzs citadas abaixo na nota 2. 48° sve VE J. STERN plesmenve recusaram-se a conceder aos espanh6is omonopslio no acesso 3 autoridade mais alta, & recompensa social ¢ 20 debate politico. Os tlaxcaltecas do México e os huancas do Peru, por exemplo, procuraram sransformar seus servigos as expedigées de conquista em plataforma para conseguir a outorga real de tftulos formais de nobreza, recompensas € isengdes que pudessem garantir, a cles ¢ a seus senhores, um lugar pri- vilegiado na nova ordem, Esta no € sendo uma manifestacio de um ingresso mais amplo dos povos indigenas como “jogadotes” no jogo Inbirintico do debate politico, da alianga social, da manobra legal ¢ das inerigas de discrig0 do mundo da politica colonial espanhola. Na dé- cada de 1560, enquanto Filipe If vacilava em meio ao interminavel debate sobre a perpetuagio da encomienda, outorgando-lhe status here- ditério, aldeias ¢ chefes andinos nativos deixaram claro — formal e inf malmente — que nfo deixariam 0 mundo da alta politica nem o direito de posse para os espanhéis. Uma rede de senhores andinos, conscien- tes de que o servigo financeiro a coroa faclicaria a tomada de decisdes € as negociagbes espanholas, enviaram uma oferta espetacular a Filipe If, Acompanharam sua proposta com um suborno: 2 oferta de incremen- tar em 100,000 ducados qualquer montante que 0s evzomenderos ofere~ ‘cessem. Quando a coroa enviow uma comissio para investigar a questio da perpetuidade da encomienda, os indios uniram-se para participar do 4rduo debate entre Juan Polo de Ondegardo, importante jurista que defendia a perpetuidade da encomienda, e Domingo de Sanco Toms, proeminente bispo aliado dos indios ¢ critico dos encomenderas. Santo “Tomés os conselhos indigenas que se reuniram para receber 0s fun- cionsrios viajantes promoveram a visto de uma col6nia real, dirigida nio pelos excomenderos ¢ por setis herdeiros, mas por conselhos de che~ fes andinos nativos, unidos a sacerdotes aliados selctos ¢ agentes scle- tos da coroa. Estes deveriam conduzir os debates politicos diante de vvirios conselhos indfgenas que julgariam os méritos ¢ tomariam parti- do; focar como ponto central do debate a pefpetuidade ou o término da institvigao fundamental do prestigioso enriquecimento do inicio da con- quista; ver os indios mobilizando seus préprios cansis opostos de apela- ‘90, alianga ¢ colaboracio financeira dentro do Estado ¢ da Igreja. Este processo de luta estava muito distante do sonho de gléria e preeminén- cia social sem precedentes que havia inflamado a imaginacio dos con- quistadores.* © VerChailes Gibson, Nexen fe Sent Centar, 2 edo, Stanford, 1967: Waldemar Erpinoza Soriano, La dsrveri delimpero dels cs, roa 1973; Sten, Pe’ Ieian Pople, pp. 489; Hemming, Compust of he Pres, pp. 385-90 PARADIGMAS DA CONQUISTA, HISTORIA, HISTORIOGRAFIA E poLtrica 49) As iniciativas © reagdes dos {ndios também déstrufram a utopia da cevangelizagio cristd. Os povos indigenas nose mostraram necessaria- mente insensiveis as atividades rituais ¢ educativas, as reuniées de de- vorio ¢ a0 trabalho de constructo da’ igreja; ou seja, 20 conjunto das atividades que.os sacerdotes ¢ missionérios interpretavam como 0 pro- cesso de cristianizagto. Ainda que deixemos de lado as vexatorias s posigdes de que os nativos interpretaram imediatamente os conqui tadores € as divindades espanholas como equivalentes das deitiades indigenas, ov que ficavam magnetizados pelos cavalos, também consi derados deuses, podemos encontrar fortes taz5es hist6ricas para tal receptividade. As vitérias militares espanholas poderiam ter significa- do a forga © 0 poder de deuses vitoriosos demasiado formidaveis para ser ignorados ¢, pelo menos temporariamente, mais poderosos que os deuses indigenas. Os desastres da conquista poderiam-ter significado uma transformacio do mundo, um catactismo, o inicio de um novo ci- clo das relagdes humanas com as deidades, talvez acompanhado por um retorno das deidades consignadas as margens do ciclo cujo tempo rapi- damente expirava. A chegada de missionarios a regides cujos conquis- tadores haviam conduzido campanhas militares brutais ¢ imposto pesa- ‘das exigéricias econdmicas ¢ semusis poderia ter significado uma abertura politica, um espago para a alianga branco-indio e para a divisto intra- hispanica que oferecia um alivi. De um modo ou de outro, todas essas, variadas motivagées testemunkam um certo desejo de compreender € conseguir acesso as relagdes sociais, a0 conhecimento ¢ ao poder asso- ciados as deidades hispinicas e a seus Brokers (“deidades” € um termo mais adequado que “deidade”), visto que 0 pantedo cristo de ances- trais, espftitos ¢ entidades com atributos ou poderes sobrenacurais nfo apenas incluta o Pai, mas também Jesus, o Espirito Santo ¢ os diversos, santos. Além disso, essa lista, sim, inclui questées complexas como a interpretago do diabo ou de simbotos sagrados como a cruz, a Biblia, as Aguas batismais ¢ a transubstanciagao do vinho em sangue na missa Esta receptividade, entretanto, nao foi necessariamente a “cris nizagio” como a entendiam sacerdotes ¢ mission‘rios. Obrigar ou apla- caras todo-poderosas deidades cristis; conseguir acesso 20 conhecimento especializado, 20s poderes dos sacesdotes e missiondrios espanhdis; de- senvolver uma relagio tolerivel ¢ até saudavel com as deidades ¢ com os brokers espirituais do mundo hispanjco: estes desejos de incorporar ¢ se reapropriar do poder, do conhecimento ¢ das relagies sociais sobrena- turais hispanieas no implicam necessariamente abancono das devoges rituais, das obrigagdes sociais e dos poderes associados ao mundo das deidades indigenas. Do ponto de vista dos indios, a cristianizacdo nio

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