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Fundamentais: aquele, por um lado, dos individuos, e aquele da humanidade, por outro. Do primeiro ponto de vista, podemos considerar que 0 Estado democritico ¢ pluralista estabelecia relagies de con~ ‘role miituas, simultineas, correlativas entre poderes separa~ dos, partidos antagonicos, individuo/Estado, relacio recursi- vvana qual o Estado controlador era controlado por seus con trolados. No entanto, os desenvolvimentos teenoburocriti~ cos do Estado-providéncia moderno, a0 mesmo tempo ten= ddem a garantir ea proteger o individuo quanto tira-the are ponsabilidade em setores-chave de sua vida. No entanto, & com o totalitarismo que o Estado predispbe-se a irresponsa- bilizar completamente o individuo. Hannah Arendt tem ra~ 230 ao fazer de Eichmann um exemplo gritante que, para além do nazismo, ilumina uma tragédia moderna: Eichmann, cfetivamente, “obedecia 3s ordens”, O totalitarismo destruit a relagio recursiva entre individuo/nagio, embora o Estado ‘no tenha étimo algum de existéncia fora das interagies entre individuos que constituem a nagio. Chegamosa um proble~ rma muito grave, por mim j esbogado alhures (La méthode, 11, p. 252-254, 299-303). Cito, aqui, a passagem relativa minha presente proposi Una nova e poderosa poténca de Estado tend ase concentrar ao longo deste séulo 1) O Estado, cada vex mais, ransorma-se om Estado-providen- cia, ecm Exado-asssencal (Welfare state). Num sentido, ele se dedica sempre mais protege ao bem-estar das individuas, mas, ‘a0 mesmo tempo, multiplia sta compettncis em tados os domi ios das vides indviduais, doravanteenceradas numa rede poli- , simultaneamente casulo(protetor, mas eventualmente i= Jantitzante) emassa, Desa forma, desenvtve-se um Estado no ‘ropriament totalitéio, mas toalzante, ito cobrind todas as dimensies da existéncia humana 2 2) Os impressionantes desenvolvimentos informatica, cujas am Divaléncias hoje calculamos e discutimos (Nora, Minc. 1978), ddeixam entrever as impressionantes posibilidades de desconcen= lragio e descentelizagio comunicacionais que beneficiariam os individ, Mas, ao mesmo tempo, a informatica oferece aos apa relhos de um Estado central a passibilidade de reanir e considerar Iodas as informagies sobre o individuo, sob forma mais ramificada ¢ precisa do que o controle neurocerebral, esa rela com as c= Iu de nosso orgasms. A partir desse momento, un controle olicesco/tecnol6gico (mundo de dispositive de deweegaoe de es- «cata em todos os dominio) jd pole agi sobre toda transeresso, sanomalia,orginalidade.A tudo isso, faz-se necessiro aeresentar as finuras ages bioquimtcas ete» non, gue permtniam ‘etabelecer uma normalizagio generalizads, ao eliminar toda Imansgresio. Aqui e agora, 0 Estado estédotado de poderes que, virtualmente, excedem todos as poderes de controle e inervengao jamais concentrados. 4) Nest pont, prcsamos nur proceso aparentemente mar inal ¢ sociolegicamente menor, que jé tive a oportunidade de snalisar (La méthode, I, p. 12-14): conhecimentocentfco € cada vez menos produto destinado a ser pensadoe meditado pees espns kumanes, mas sempre as concentrado a computa, destnada as computador, io, a uso das entidades superin Aividuas, em eo topo da lista figura uma etidade supercompe- tent onipresent:o Estado. Ao eso tempo econrativamen= te, aqula cuca I nos roma ces visio de nosso mundo, de tos seca, de eso destin, écolcadaem angles por wm conhecimentocentfio ainda hoje incapa de pensar individuo, ‘capac de conceber «nog de suet, incapaz de pensara natu reza da seiedae, incapez de laborar um pensamento gue ndo sein somente matematizado,formalizad,simplifcante; mas, por nto lado, extrmamente capa de aender ds necesidaes dos poderes das novus ténias de contae, de manipulacd, de opres- si, de ero, de destrugio. Aprosimamo-nos, pois, do momento em que se pode visumbrar que ds estes procesos conjugados poderiam permit que wm 8 ce de wren categoria (Etado-nagio) os realize plenament, ano somenteaonossubjugar ao tos matipular, mas inclusive ao tos infanilzar, a0 nos iresponsabilizar e ao nes despssur da aspiragao ao contecimert edo dirt ao jure Una hipsitesedessas no € uma brincadeira do espirito, visto que Estado destinado a uma talrealizagto suegiu no século XX: 0 Edo toxlitéro, Ele se instala sob diversas varianes, em todos ‘oscontinentes, em todas as civilizagdes, em todas as soiedades, sob ‘aimpulsao, o controle ea apropriago de um aparelho soberano do soberane: 0 partido, detentor de todas as competénias, possuidor da verdade sobre o home, sobre ahistria e sobre a natureza. A pani dese momento, bastara que este Estado ttaitrio con ‘centre ewilze de maneitasstemaica todas as formas de domina- ofeontrole, nao somente burverdticas, policiescas, militares, mi- ‘oldgicas, politica, mas iqualmente cientifias,tcnicas, informa tieas, bioguimicas, para que se poss operar uma subjiugagio das lasses, grupos, individas, no mais eneralizado, mas ireversé- el regressbes dos diveits individuais ndo apenas generalizados, ‘nas irreversfeis. Com certeza, podemos esperar que nosostotl- Larismos comtemporineos sam os monstos provistris nascides das agonias ¢ estages do séeulo XX. Mas podemos temer tam- ‘bém queestes monstros se omem durdveis nae pela sweigiofcon- trol estrutural dos individu. Consideremos agora, do ponto de vista da er planetita, os Estados-nacio. Estes sio monstros paranoicos, que consideram ‘como inimigo priarseu vizinho ea suspeicio como sendo de sua inteira competéncia, Eles se enfrentam como monstros prerodkicticos, numa fia de sangue cada vez mais demente, Eles no conhecem lei alguma superior sua propria vontade birbara. Os tratados sio sempre trapos velhos de papel que rasga qualquer nova relacio de forcas. Sio incapazes de amar cesio desprovidos de consciéncia. Ends, individuos, n6s, ln manidade, dependemos totalmente das bebedeiras, furores € ‘erueldades destes monstros uranianos. A sorte do planeta ‘esti nas mios deles. E exatamente dos Estados-nagio que ‘vem a ameaca suprema que pesa tanto sobre os individtios 44 enquanto individuos (alienagio totalitiria) quanto sobre a humanidade enquanto humanidade (aniquilamento total). Eo mesmo que afirmar que estamos apenas nacrasecun- daria da politica. Eo mesmo que dizer que anda estamos na pré-historia da organizacio social, na pré-hist6ria do espteito Inumano: na dade de er planes A hipétese hegemOnica e a Europa E ma nova dade de ferro que deveros prever noo fut +0, curopes local primeio, em seguidao tro da cvlizae ¢f0, ovira ser do munde Precisamos encarar a hipotese de uma grande hegemonia imperial que poderia se estender sobre a maior parte do glo- bo. Num sentido, a URSS dispae de um gigantesco poderio militar mundial. No entanto, este poderio inaudito ¢igualmen- ede uma finqueza inaudita, como o vimos precedentemente, c bastaria oesfacclamento ou a rupturaa partir da céipula para ‘que uma desintegracio em cadeia atingisse o sistema em seu conjunto. No entanto, esta faqueza que nutreo formidavel pode- rio repressivo/ofensivo da URSS. porque cle fracassou em seus fins que 0 comunismo de aparelho triunfou em seus eos, visando salvaguardar e aumentar seu poder, ¢ consti- tuir-se hoje em tinico poder capaz de exterminarsistemati mente e duravelmente todo embriio de oposigio. Quanto maior foro fracasso interior (ideol6gico, econémico, social), ‘mais o sistema depende de sua grande conquista (0 controle de aparelho, 0 poderio militar, ¢ estas duas forcas se impeli- +o para frente, impelindo também o sistema, Bastaria entio {que seus adversiios estivessem desamparados, desarmados, incompetentes, aturdidos, como a grande maioria jo € que de novo ou duravelmente os EUA estivessem em crise, para ‘que o sistema alastre em maior ou menor medida sua hege- :monia sobre 6 Velho Mundo e sobre osul do Novo Mundo. 45 Mas nio esté dito que ele possa aleancar uma hegemon ‘versal, no esti dito que, it extremis, uma coalizio defensiva do Extremo Oeste e do Extremo Leste e da Europa nao possa intimidé-lo, De qualquer forma, mesmo vencedor, 0 apare- Iho central do Império do Norte nio poder conservar secu larmente sua vit6ria, Com certeza, em curto e médio prazos, sua dominagio seri atroz. Ele fechari a escola de Atenas, de Viena, de Frankfurt, de Paris. Todavia, assim como a Tdade Média cristi soube conservar Arist6teles, o comunismo neo- ‘medieval conservari em proveta, enterrado nos infernos de suas bibliotecas e de seus museus, o tesouro de nossa cultura Ele aniquilara muitos seres vivos, mas conservaré muita mor~ te, que poder renascer. E, cedo ou tarde, 0 aparelho central fracassard em sta pretensio de controlar a historia ea huma~ nnidade. Resta somente esperar que ele nio arraste em sta rui- nna nem a histéria nema humanidade, Sera que a Europa po- deri sai desta situagio? Seria ela avassalada? Medievalizada? Helvetizada? Voltaria laa ser um lar de civilizagio, um novo ‘mar mediterrineo num universo de continentes massivos, ‘ou sera que ela se apagars sob a mordaca, enquanto um novo mar mediterranco se abrira no Pacifico Norte, entre Califor- nia, Japio e China? Seremos cidades gregas que se arruina~ ram diante dos macedénios, ou bem, como estas mesmas ci- dades, que, um século antes, enfrentaram o desafio do Impé- rio Persa? Aqui, ainda, nio podemos prever. Por certo, talvez todas as carta ji estejam dadas; mas também pode ser que nem tudo esteja decidido. Nossos descendentes o saberio ‘muito tempo depois que todas as cartas forem jogadas Quanto a0 que nos concerne, hoje estamos no mais vasto jogo de possibilidades, nfo porque nosso mundo é indeter~ ‘minado, mas porque este mundo é, a0 contririo, em todos os flancos, submetido a derivas, transformagées, progresses, regressoes, invencoes. De qualquer forma, paroce que a humanidade € incapaz de evitar 0 ca0s. © problema reside em saber se sera um pe- queno caos, com guerras, mas locais, com convulsdes, mas, 46 temporarias, com regressOes, mas no generalizadas; ou um, ‘grande aos, com uma deflagragio em cadeia, que poderd cculminar num aniquilamento atémico. Além do mais, o pro= blema consiste em saber se seri um caos curto, de alguns de- Enos, ou um caos longo, de carster secular. Esta ideia de caos, a meu ver, comporta qualquer coisa de agSnico. No termo agonia, devertamos incluir © sentido de tensio extreia, de luta entre vida e morte, entre nascimento e decompo: Aagonia Aqui anda, no presente século que podemos sentir 0 torvcinho agdnico no qual as foris de vida e a focas de more nio somente se choca, nas 3s cegas se apidan mu tuamente. Ea partir de agora que o futuro jorra em profusto de todos os lados, i torrents nadia, porém sendo inti ramente incapaz de vir luz Hoje, as foreas portadoras de morte sio mais velozes do aque as forcas portadoras de vida, as quais, no entanto,eres- cem rapidamente. As forcas que hos imbeclizam continuam progredindo mais rapidamente do que as Forgas que nos eli- cidam, as quais, no entanto, desde 1970, recobram velocida- de. As forcas de sujeigio desenvolvem seus meios sempre mais rapidamente em relagio 2s forgas de emancipacio, as auais, com frequéncia ainda ¢ por inconsciéncia, rabalham arduamente em favor da sujeigio e da morte. A idcia da ne- cessiria revolucio nas relagbes humanas,socias,internacio- ais, espalha-se, no entanto granjeada pela contrarrevolic que, sob a mascara da revolucio, expande efortfica seu im- Pati. Seri que os processos imbecilizantes, de sujeigio, de ani- quilamento, continuario sendo mais ripidos? Se sim, entio estamos planando na mortifera rota apocaliptica, ¢ 0 Futuro transforma-se assim em auséncia de vir a ser, em nada a7 niente. Hoje vemos como conquistao fat da terceira guerra mundial tr sido protelada desde 1947. Entretanto, seré que nestes poucos anos que conquistamos nso perdemos tudo? Existe um perigo mortal. Ele nfo reside somenite no jazi- g0, que nao se resume em unio ou hidrogénio. Ele esti na conjuungio sinérgiea dos Estados todo-poderosos, das técr cas de manipulacio, de sujeigio e aniquilamento, dos mitos desvairados. O perigo ests na confluéncia das forgas de st io politica, tecnoldgica, biolégica,inforn cas dos processos demogrificos, econdmicos ¢ ecolégicos. No entanto, tudo ainda pode mudar nesta agonia simul- taneamente portadora de um eventual desastre planetério ¢ de um eventual renascimento do mundo, ‘Novo nascimento e revolucao Assume 0 fato que mandei 2s favas a ideia de revolucio, concebida como solugio final ou “fim da hist6ria”, mas nun- cadeixei de reconhecer a profundidade e a “verdade” das as- piracées revolucionirias do século XX. Além do mais, igual- mente insisti que o processo de autodestruicio da civilizacio ‘e da humanidade nao poderia ser interrompido pelos remé- dios oriundos das fontes tecno-burocritico-estadistas do mal ‘Acrise da cultura, bem como a crise da guerra, incitam-nosa uma transformagio profunda na relagio individuo/indivi- duo, individuo/sociedade, sociedade/humanidade. Daf por que, e mais urgente ¢ radicalmente do que nunea, a necessi- dade do termo (ni obstante desgastado, surrado e imbecili- zado; mas qual grande termo nao o €2) revolugo, No entanto, aqui ji ndo se rata mais de wna lta final, mas de uma nove tua inicial, ‘Trata-se, pois, de vislumbrar um novo nascimento, ligado a0 nascimento da ainda potencial ¢ ine- xistente humanidade. Portanto, ndo se trata de cumprir as promes- ss da evolugd; trata-se de revolucionar a prépria evoliugio. Ou seja, 6a propria mudanga que deve muda. 48 O termo “revolugio” deve ser inteiramente repensado. A. ova ideia de revolugio nao é nem de promessa nem de re~ imate. Nao € mas palavra-solucio, € palavra-problema. So- lucio: o partido revolucionitio, a classe revolucionsria, a conguista do poder, a apropriacio dos meios de producio, 0 conhecimento das Ieis da sociedade... € tudo isso que justa- mente e tragicamente faz problema. Nao existe mais partido rmessiinico, classe messiinica, povo messin, ideia messia- nica. Nao se trata apenas de eliminara antiga classe dominan- te; sobre o solo arrasado nasce a nova classe e a nova ¢ extre~ mamente velha dominagio. Precisamos, portanto, enfrentar ‘oproblenta da dominacio em suas estruturas mentais ¢ orga nizacionais. Nio se trata tanto de apropriar coletivamente os mieios de producio; faz-se necessirio desaproprié-los coleti- vvamente ¢ dar autonomia as coletividades. A revolucio no. deve limitarse a transformar uma suposta infraestratura a partirda qual se difundiriaa mudanca sobre todas s superes- truturas. Os revolucionstios do século XIX eram possuiidos pelo problema: por onde, como comecat? Pela e Mas Marx havia justamente criticado a tese de Feuer bre o primado da educagio: quem educari os educadores? Pelo partido? Mas quem formaré os partidos? Pela tomada cdo poder? Mas quem assumirs o poder? Pela apropriacio dos imeios de produgio, iquidagio das classes dominantes? Mas esta culmina numa nova apropriagio, e aquela numa nova classe dominante. Pela transformagio dos costumes? Mas ‘como transformé-los? Pela educacio? E, de novo, 0 circulo vicioso! De fato, os problemas nao se dispem de forma ine- ar um por um, Eles se dispéem juntos e se remetem ns 208 outros. A realidade social, nds vimos ¢ repetimos, € multi- dimensional e a dialética entre os diferentes fatores que a consticuem forma elos de inter-retroagées, sem que um dos fatores possa determinar ou controlar os outros. Isso significa afirmar que o termo “revolugio” deve significar em seu prin cipio mesmo uma mudanca multidimensional, uma meta- morfose, onde cada mudanga local ou setorial seria necess ria’ mudanga geral, a qual 20 mesmo tempo seria necesséria 3 9 ‘mudanga local e setorial. As mudangas de estrutura social, de estrucura econdmica, de estrutura cultural, de estrutura men- ‘al, mesmo ao permanecerem cada uma irredutivel 3 outra, Slo irredutivelmente ligadas na perspectiva da revolucio de conjunto, E fundamental, pois, a existéncia de clos ativos e retroati~ ‘vos entre as microtransformagGes (nos individuos, entre os n= dividos) as metatransformagdes (novas formas de organizacio social), a megatransformagio (planetira). Isso significa dizer ‘que este processo ocorre nas ¢ pela inter-retroagoes constitu indo elos em forma de redemoinhos, eetiva espiral nebulosa, ‘masnebulosa comportando tanto antagonismios e lutas quanto ffaternizacio e amor. A luta ela mesma, por ser de natureza inteiramente desintegradora, faz parte integrante do nascimen- toagdnico. Hoje, a hua € tavada em todos os campos, no seio de cada império, nagio, classe, etna, grupo, individuo, entre

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