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QUÍMICA DO SOLO
Viçosa - MG
2008-I
ÍNDICE
1. INTRODUÇÃO ..............................................................................................................................................1
2. COMPOSIÇÃO QUÍMICA DO SOLO..........................................................................................................3
3. FRAÇÕES GRANULOMÉTRICAS DO SOLO ............................................................................................5
3.1. Composição mineralógica das frações granulométricas do solo.............................................................6
4. SISTEMA COLOIDAL DO SOLO ..............................................................................................................10
4.1. Propriedades de um Sistema Coloidal ....................................................................................................10
5. FRAÇÃO ARGILA DO SOLO ....................................................................................................................12
5.1. ARGILAS SILICATADAS ............................................................................................................................12
i. Argilas do tipo 2:1. .............................................................................................................................13
ii. Argilas do tipo 1:1 .............................................................................................................................16
5.2. ARGILAS NÃO SILICATADAS .....................................................................................................................17
6. MATÉRIA ORGÂNICA DO SOLO ............................................................................................................18
6.1. Compartimentos da matéria orgânica do solo (MOS) ........................................................................... 21
i. Matéria orgânica viva ..................................................................................................................... 21
ii. Matéria orgânica morta ................................................................................................................. 23
6.2. Rotas de formação e características das substâncias húmicas .............................................................. 27
6.3. Características químicas e estruturais das substâncias húmicas........................................................... 28
6.4. Mecanismos de estabilização da MOS ................................................................................................... 34
i. Estabilização química ou coloidal................................................................................................... 34
ii. Estabilização física......................................................................................................................... 36
iii. Estabilização bioquímica .............................................................................................................. 38
6.5.Propriedades do solo influenciadas pela matéria orgânica do solo (MOS) ........................................... 39
a). Propriedades químicas ................................................................................................................... 39
i. Capacidade tampão ..................................................................................................................... 39
ii. Capacidade de troca catiônica ................................................................................................... 41
iii. Complexação de metais ............................................................................................................. 41
b). Características físicas do solo........................................................................................................ 44
i. Agregação .................................................................................................................................... 44
ii. Retenção de água........................................................................................................................ 64
7. ORIGEM E FORMAÇÃO DAS CARGAS ELÉTRICAS DO SOLO .........................................................76
7.1. ORIGEM DAS CARGAS NEGATIVAS ..........................................................................................................77
7.2. CARGAS POSITIVAS .................................................................................................................................78
7.3. DENSIDADE DE CARGA ............................................................................................................................79
8. INTERAÇÕES COLÓIDE/SOLUÇÃO: FENÔMENOS DE ADSORÇÃO E TROCA DE ÂNIONS E
CÁTIONS......................................................................................................................................................79
8.1. CAPACIDADE DE TROCA CATIÔNICA (CTC) ............................................................................................62
8.1.1. Características da CTC do solo ........................................................................................................63
i. Valor T ................................................................................................................................................64
ii. Soma de Bases (SB)............................................................................................................................66
iii. Saturação por Bases (V) ...................................................................................................................66
iv. Saturação por Alumínio (m) ..............................................................................................................66
v. Acidez Trocável ..................................................................................................................................67
vi. Acidez Potencial ................................................................................................................................67
8.1.2. Fatores que afetam a capacidade de troca catiônica .........................................................................68
8.2. CAPACIDADE DE TROCA ANIÔNICA (CTA) ..........................................................................................68
8.3. DUPLA CAMADA DIFUSA (DCD) .....................................................................................................70
8.4. PONTO DE CARGA ZERO (PCZ)..................................................................................................................71
8.3. DISPERSÃO E FLOCULAÇÃO DAS PARTÍCULAS DO SOLO ............................................................................72
i
9.1.1. Fontes de Acidez do Solo .............................................................................................................73
a) Minerais de Argila .......................................................................................................................................... 74
b) Matéria Orgânica............................................................................................................................................ 74
c) Ácidos Solúveis................................................................................................................................................ 74
9.1.2. Fontes de Alcalinidade no Solo....................................................................................................75
9.2. Capacidade Tampão da Acidez do Solo ..........................................................................................76
9.3. Causas da Acidificação Progressiva dos Solos................................................................................76
9.4. Problemas Causados pela Acidez do Solo.......................................................................................77
9.5. Calagem...........................................................................................................................................77
ii
1. Introdução
O solo é um corpo natural formado pela interação da atmosfera, hidrosfera e biosfera com
os materiais da litosfera (Figura 1). Sua constituição química reflete, portanto, a contribuição de
cada fator de formação (tempo, material de origem, clima, atividade biológica, relevo) variando
quimicamente de acordo com a natureza desses fatores.
Influência da litosfera
Influência da atmosfera/hidrosfera
Influência da biosfera
1
Figura 2. Avanço do intemperismo e formação do solo.
O solo é um sistema trifásico composto pelas fases, sólida (minerais e material orgânico),
líquida e gasosa. Um solo mineral, próximo à superfície apresenta, aproximadamente, a seguinte
composição volumétrica: 50% de espaço poroso - ocupados por partes iguais de ar e de água; 45
a 48% de sólidos minerais e 2 a 5% de material orgânico. Têm-se, normalmente, então, 50 %
constituídos pela fase sólida, 25% pela fase líquida e 25% pela fase gasosa (Figura 3).
Figura 3. Proporções das fases sólida, líquida e gasosa do solo (Murphy, 1980).
A fase sólida é constituída por materiais minerais derivados das rochas ou sedimentos
associados a compostos orgânicos. Encontrando-se partículas de tamanho e formas variáveis. A
composição desta fase é relativamente estável num intervalo de tempo curto, mudando apenas
pelas adições ou remoções por erosão e deposição hídrica e/ou eólica e pela atividade biológica.
2
A fase líquida, denominada solução do solo, é formada pela água proveniente da
atmosfera ou corpos d’água e lençol freático, acrescida de minerais e compostos orgânicos
dissolvidos.
A fase gasosa ou atmosfera do solo é composta pelos gases presentes no espaço poroso.
Apresenta composição diferente da atmosfera do ar em função dos gases produzidos pela
atividade biológica (respiração microbiana e respiração de raízes) e reações químicas que
ocorrem na solução do solo, podendo conter de 10 a 100 vezes mais CO2 que na atmosfera livre.
A estrutura, textura e a porosidade do solo, assim como a presença de água, afetam as taxas de
difusão destes gases para a atmosfera.
Material de origem
Figura 4. Perfil do solo, evidenciando a fase sólida do solo com fragmentos do material de
origem.
4
Quadro 1. Composição química dos solos. Adaptado de LINDSAY (1979).
5
após a dispersão dos agregados. Limites de tamanho definem as partículas como pertencentes a
diferentes frações. Esses limites são estabelecidos pela classificação de Atterberg ou
classificação internacional (Quadro 3 e Figura 6).
Quadro 3. Limites dos tamanhos das partículas dos solos, considerando a classificação
Brasileira.
Terra Fina
Argila Silte Areia Fina Areia Grossa Cascalho
................................................................ mm ........................................................................
≤ 0,002 0,002 - 0,05 0,05 – 0,2 0,2 - 2,0 >2
6
(a) (b)
(c)
Fonte: Decifrando a Terra
Figura 7. Exemplos da ação do intemperismo físico (a e b) e químico (c).
A fração areia pode conter minerais primários, originados do material de origem do solo,
no caso dos solos pouco intemperizados. Com o avanço do intemperismo, apenas o quartzo se
mantém nesta fração (Figura 8). Os minerais de menor resistência ao intemperismo, como os
feldspatos, piroxênios, olivinas e biotita, se decompõem em minerais secundários. Na fração
grosseira podem ser também encontrados nódulos e concreções formados pedogeneticamente
pela cimentação por óxidos de ferro presentes nas frações mais finas.
A fração silte é composta por fragmentos de minerais do material de origem e/ou
microagregados formados por partículas de argila cimentadas. Nos solos altamente
intemperizados, predomina a segunda situação, sendo freqüentemente observados teores
significativos de silte nos resultados analíticos. Isto se deve à forte estabilidade dos
microagregados, impossibilitando aos procedimentos de dispersão na análise textural uma
perfeita separação das frações.
7
a) Fração areia:
Solos pouco intemperizados: quartzo e
fragmentos de materiais de origem (minerais
primários)
Fração silte:
Solos pouco intemperizados: fragmentos de
materiais de origem (minerais primários)
Solos muito intemperizados: microagregados
Fração argila:
Solos pouco intemperizados: argilas 2:1,
argilas1:1 e óxidos
Solos muito intemperizados: argilas 1:1 e
óxidos
b)
8
Figura 9. Este esquema ilustra o avanço do intemperismo e as transformações dos minerais.
Figura 10. Exemplo didático da atuação dos processos de intemperismo, lixiviação e síntese de
minerais secundários.
9
A argila é a fração mais importante do solo. Suas propriedades físicas e químicas, como a
retenção de umidade, capacidade de troca iônica e as propriedades como a friabilidade,
plasticidade e pegajosidade são derivadas de sua natureza coloidal.
O solo pode ser considerado um sistema disperso, pois é constituído de mais de uma fase,
sendo que a fase sólida está em estado de acentuada subdivisão. Há, portanto, um sistema
coloidal1/ no solo, constituído de partículas diminutas, de tamanho coloidal (inferior a 2 µm),
minerais ou orgânicas, ou organo-minerais, como fase dispersa na solução (ou no ar) do solo,
como meio de dispersão. Nesse sistema ocorrem reações químicas, físico-químicas e
microbiológicas de imensa importância no estudo dos solos. Neste tamanho, os materiais
adquirem propriedades particulares, relacionadas ao aumento relativo da superfície específica e
ao pequeno tamanho das partículas.
a) Superfície Específica
1/ Nos sistemas coloidais, um ou mais componentes constituindo a fase dispersa (a fase constituída pelas partículas) apresentam,
-
pelo menos, uma de suas dimensões entre 1 µm e 1 nm (1 nm = 10 9 m), e encontram-se em uma segunda fase, o meio de
dispersão (água e ar, o meio pelo qual as partículas se distribuem).
10
Figura 11. Importância do tamanho da partícula na atividade da argila.
Quanto ao tipo de mineral de argila presente, sabe-se, por exemplo, que a caulinita
apresenta superfície específica de 10 a 30 m2/g, os óxidos de Fe de 100 a 400 m2/g, e a
montmorilonita, no outro extremo, de 700 a 800 m2/g, segundo citações de Grohmann (1975).
É de se esperar, portanto, que solos tropicais, que têm nos óxidos e na caulinita os maiores
constituintes da fração argila, tenham menor superfície específica, em geral, que solos de
regiões temperadas, onde há predominância de montmorilonita e de outras argilas silicatadas
mais reativas (Quadro 4).
Quanto à matéria orgânica presente, embora ocorra na maioria dos solos em proporções
relativamente pequenas, contribui, significativamente, para o valor da superfície específica do
solo, devido ao seu alto grau de subdivisão. Em geral, um solo com maior teor de matéria
orgânica deverá ter maior superfície específica que outro com menor teor, se outras
características, como tipo e quantidade de argila, forem mantidas constantes.
b) Cargas Elétricas
11
Propriedade muito importante de uma dispersão coloidal é a presença de cargas elétricas.
As partículas coloidais do solo, as argilas de modo geral, são eletronegativas. Embora possam,
também, possuir cargas positivas, estas são, normalmente, em menor número. Em alguns solos,
com um grau de intemperismo avançado, pode-se encontrar um maior número de cargas
positivas do que negativas, entretanto tal situação não é representativa do normalmente
observado.
c) Cinética
12
Silício
Alumínio
Oxigênio
Oxigênio
Os tetraedros podem ligar-se entre si, formando uma camada contínua, seguindo duas
direções no espaço, constituindo a estrutura dos filossilicatos. A ligação dos octaedros entre si
também dá origem a uma camada semelhante à anterior.
O número de camadas de tetraedros para camadas de octaedros, por unidade componente
de um cristal de argila silicatada, é uma característica básica de identificação dos principais
grupos de argilas silicatadas (Pinto, 1967; ANDA, 1975; Moniz, 1975). Sendo as argilas
subdivididas em dois grupos: 2:1 e 1:1.
São formadas por unidades básicas constituídas de duas camadas de tetraedros de silício
separadas por uma de octaedros de alumínio (Figura13). Estas argilas se formam em estágios
iniciais do intemperismo, necessitando de um pH próximo à neutralidade e abundância de íons
como cálcio e magnésio para sua estabilidade no meio. Estas argilas podem ser expansivas ou
não expansivas.
As argilas 2:1 são caracterizadas por terem uma grande superfície específica. Apresentam
predominância de cargas permanentes, derivadas de substituições isomórficas ocorridas na
estrutura da argila. Em virtude de sua disponibilidade de carga, de sua forma e de sua capacidade
de absorção de água, estas argilas podem conferir grande plasticidade e pegajosidade ao solo.
Também provocam o aparecimento de fendilhamento (trincas) acentuado devido à retração da
massa de solo ao secar.
13
Tetraedros
Tetraedrosdedesilício
silício
Octaedros de alumínio
Tetraedros de silício
Fonte: www.pubpages.unh.edu
14
a)
b)
Figura 15. Comparação entre a atividade e a CTC de uma montmorilonita em relação a uma
ilita, evidenciando a presença de K+, que impede a expansão da camada.
16
a)
Octaedro de
alumínio Mineral 1:1 (caulinita)
Tetraedro
de silício
Pontes de hidrogênio
(b)
Figura 16. a) Estrutura de um mineral 1:1 (caulinita), e; b) fotomicrografia de uma caulinita.
A superfície específica das argilas 1:1 é menor que as argilas 2:1, uma vez que não
expandem sua estrutura por adsorção de água. Apresentam baixa CTC e predominância de
cargas dependentes de pH. Seu tamanho e forma fazem com que a expressão de plasticidade e
pegajosidade seja muito inferior às argilas 2:1.
Estas argilas são denominadas como o grupo da caulinita, tendo também como exemplos
a haloisita, diquita e nacrita.
São minerais originados da precipitação dos íons liberados e oxidados após a destruição
do retículo cristalino dos minerais primários, no caso dos óxidos de ferro (Figura 17), ou do
intemperismo das argilas ou minerais primários sob condições severas, no caso dos óxidos de
17
alumínio. Podem ter tamanhos e grau de cristalinidade variados, podendo ser encontrados como
cristais isolados, como recobrimento de agregados e partículas, formando cimentantes, ou ainda
associados à matéria orgânica.
Figura 17. Liberação de Fe2+ para a solução do solo por meio do intemperismo do piroxênio
(mineral primário). Ao ser liberado para a solução do solo, o Fe2+ é oxidado a Fe3+
pelo oxigênio e precipitado na forma de óxido, neste caso, a hematita. (Fonte:
Decifrando a Terra).
Aspectos gerais
Até algum tempo atrás, a ciência considerava que o solo era constituído unicamente por
elementos minerais e gasosos. Ou seja, um conjunto formado por partículas como argila, silte,
areia, nutrientes, água e ar que ocupam os espaços vazios, denominados poros. Atualmente
sabemos que o solo é, também, um sistema vivo, uma vez que contém em si uma imensa
quantidade de formas de vida, tais como: macroorganismos (artrópodes e minhocas);
18
microorganismos (vírus, bactérias, fungos, algas, protozoários, nematóides). Isto sem considerar
o imenso volume ocupado pelas raízes das plantas.
Todos estes elementos, minerais e biológicos, encontram-se em profundo entendimento,
numa intensa relação de trocas. O desenvolvimento dos organismos vivos, por exemplo, depende
da presença dos minerais, água e o ar do solo. Por outro lado, a atividade dos organismos vivos
promove um aumento da fertilidade do solo por meio da ciclagem de nutrientes contidos em
materiais vegetais. Os organismos do solo atuam como transformadores produzindo a matéria
orgânica estável, aumentando a CTC, melhorando a estruturação do solo entre outros benefícios.
A fração orgânica corresponde à matéria orgânica do solo (MOS), constituída
basicamente por carbono (C), hidrogênio (H), oxigênio (O), nitrogênio (N), enxofre (S) e fósforo
(P). O C compreende cerca de 58 % da MOS, o H cerca de 6 %, o O cerca de 33 %, enquanto o
N, o S e o P contribuem com apenas 3 %.
Os teores de C do solo estão diretamente ligados à interação do solo com a biosfera. É
por meio dos produtos da fotossíntese (6CO2 + 6H2O + energia → C6H12O6 + 6O2) que grande
parte do C entra no solo. A entrada de C no solo está relacionada com o aporte de resíduos da
biomassa aérea e radicular das plantas, liberação de exsudados radiculares, lavagem de
constituintes solúveis da planta pela água da chuva, e a transformação desses materiais
carbonados pelos macrorganismos e microrganismos do solo. Todos esses processos fazem parte
da biosfera. No Quadro 5 são apresentados os teores de C na vegetação e no solo em diferentes
biomas terrestres.
20
sua dinâmica, a MOS pode ser divida em diferentes compartimentos que se distinguem entre si
quanto à função, natureza, reatividade, distribuição espacial, biodisponibilidade, entre outros
aspectos (Stevenson, 1994). Uma divisão mais geral pode ser feita separando-a em dois
componentes: matéria orgânica viva e morta.
Num sentido bem amplo a MOS pode ser entendida como a fração que compreende todos
os organismos vivos e todos os restos de organismos vivos que se encontram no solo nos mais
variados graus de decomposição. Em algumas situações até mesmo os resíduos vegetais
presentes na superfície do solo são tidos como componentes da MOS (Stevenson, 1994).
21
rica em cátions (Quadro 6), promovendo também, melhoria na característica química do solo
(Quadros et al., 2000).
22
O C-BM representa um dos compartimentos da MOS com menor tempo de ciclagem, o
que o torna sensível à mudança de manejo do solo, sendo proposto como um indicador, à curto
prazo, das mudanças da MOS (Tótola & Chaer, 2002). A BM responde rapidamente às práticas
de manejo que levam ao decréscimo da MOS.
Uma vez que a MOS constitui-se na fonte energética dos organismos, além da
quantidade, comumente alterada pelas práticas de manejo, a qualidade do material orgânico
adicionado terá uma forte influência no tamanho da população e na atividade dos organismos do
solo.
23
O húmus é o compartimento que inclui SH e SNH. Esses dois grupos de compostos
encontram-se fortemente associados ao ambiente edáfico e não é totalmente separado um dos
outros pelos processos tradicionais de fracionamento, sendo difícil definir seus limites. As SNH
podem chegar a contribuir com 10 à 15 % do COT dos solos minerais. São grupos de compostos
orgânicos muito bem definidos como carboidratos, lignina, lipídios, ácidos orgânicos, polifenóis,
ácidos nucléicos, pigmentos e proteínas. Esses compostos são provenientes da ação e
transformação da MO viva sobre o material orgânico que é aportado ao solo, ou ainda
adicionado via exsudação das raízes.
A composição do compartimento das SNH, ou seja, a quantidade e a qualidade dos
diferentes compostos bioquímicos conhecidos presentes no solo, é influenciada pela proporção
destes componentes nas plantas. A composição química das plantas varia com sua natureza e
idade, podendo também ser influenciada pelo tipo de solo e até adubação.
As SH contribuem com cerca de 85 à 90 % do COT dos solos minerais. São constituídas
de macromoléculas humificadas amorfas, com variação de cor de amarelo a castanho. Esse
compartimento é o principal componente da MOS, consistindo a grande reserva orgânica do
solo. Essas substâncias são formadas por reações secundárias de síntese, e têm propriedades
distintas dos biopolímeros de organismos vivos, incluindo a lignina das plantas superiores. Não
existe atualmente um método de extração ideal para as substâncias húmicas. Esse método ideal
deveria possibilitar o isolamento do material orgânico na forma não alterada; permitir a extração
dos compostos orgânicos sem contaminação com contaminantes inorgânicos, tais como argilas e
cátions; levar a uma extração completa, garantindo assim a representatividade do material
extraído em relação a todas as demais frações de diferentes tamanhos, e, finalmente; ser
universalmente aplicável a todos os solos. Percebe-se assim, que certamente não existe um
esquema ideal de extração, purificação e fracionamento das substâncias húmicas. A escolha de
um ou outro método deve, preferencialmente, estar calçada nos objetivos do estudo.
Deve-se ressaltar que devido à complexidade e gama de estruturas apresentadas pelas
substâncias húmicas, o seu fracionamento atualmente é puramente operacional e baseia-se na sua
solubilidade em soluções alcalinas ou ácidas. Assim, as SH podem ser operacionalmente
subdivididas em: fração ácidos fúlvicos – AF (solúvel em álcali e solúvel em ácido), fração
ácidos húmicos – AH (solúvel em álcali e insolúvel em ácido) e fração huminas – HU (insolúvel
em álcali e ácido) (Figura 19). O aspecto puramente operacional desse esquema de
fracionamento não garante que cada fração seja composta por compostos orgânicos com
composição e estruturas semelhantes.
24
Dentre os vários extratores empregados na extração e fracionamento das SH, o mais
comumente empregado têm sido uma solução diluída de NaOH (0,1 ou 0,5 mol L-1), que permite
que a composição e/ou estrutura das SH não seja modificada.
Alcalinização
Solúvel de
coloração amarela:
Ácido fúlvico (AF)
Precipitado de
coloração escura:
Ácido húmico (AH)
Figura 19. Esquema de fracionamento químico baseado na solubilidade diferencial das frações
húmicas em ambiente alcalino ou ácido (Dias, 2006, comunicação pessoal).
25
Figura 20. Exemplo das diferentes conformações que as moléculas orgânicas podem sofrer
devido a diferenças de pH do ambiente no qual se encontram. (Fonte:
www.landfood.ubc.ca)
26
6.2. Rotas de formação e características das substâncias húmicas
27
Resíduos de plantas e microbianos
Aumento da biodegradação e oxidação dos biopilimeros Rota Degradativa
Transformação microbiana
1
Aumenta a condensação
Biopolimeros recalcitrantes: CO2, H2O,
Lignina cutina, suberina, Produtos da biodegradação NH4+, etc
melanina
Polifenois Produtos da
Açucares degradação da lignina Humina
Humina parcialmente
modificada 2 4
Quinonas 3 Quinonas
Ácido húmico Ácido húmico
Rotas de Polimerização
Figura 21. Rotas de formação de substâncias húmicas. Fonte: adaptado de Hedges, 1988; Hatcher &
Spiker, 1988; Stevenson, 1994.
28
As SH são quimicamente muito parecidas, mas as frações podem ser diferenciadas umas
das outras pela cor, massa molecular, presença de grupos funcionais, grau de polimerização, e
composição elementar - teores de C, O, H, N e S (Stevenson, 1994). Em relação a essa última
propriedade das SH, existe uma tendência geral de os ácidos húmicos (AH) apresentarem maior
teor de C, menos O, e teor similar de H em relação aos ácidos fúlvicos (AF). De fato, isso pode
ser exemplificado com os dados obtidos para um Argissolo Amarelo, apresentados no Quadro 7.
29
Os principais grupamentos funcionais das SH são: carboxílicos (COOH), alcoólico (-
OH), fenólico (-OH), carbonil (C=O), quinona (anel C=O), metoxil (OCH3), e amínico (-NH2).
-NH2
Amínico
30
capacidade de retenção de água também será influenciada pela proporção das moléculas de anéis
aromáticos (hidrofóbicos) e dos radicais laterais (hidrofílicos). O aumento da relação C/H (como
ocorrido dos AF para a fração HU) resulta em diminuição da capacidade de hidratação das SH.
Essas microrregiões de natureza hidrofóbica, conforme mencionado anteriormente, são
importantes para a retenção de muitos pesticidas e contaminantes de natureza apolar.
O AF é o grupo de menor peso molecular e, maior densidade de grupamentos
carboxílicos, possui maior solubilidade e polaridade que os AH, conferindo-lhes uma maior
mobilidade no solo. Assim, o tamanho e a natureza das diferentes SH têm implicações práticas.
Por exemplo, a complexação de metais pesados por moléculas de AF pode acarretar sua maior
mobilidade no solo (maior risco de lixiviação e contaminação do lençol freático) em comparação
a complexação realizada por AH e HU que são maiores, menos solúveis e menos móveis no solo.
Isso é exemplificado pela redução do fluxo difusivo de Cu em dois em Latossolos Vermelho-
Amarelo de textura média e argilosa tratados com doses crescentes de AH (Figura 24).
0 ,0 9 0 ,0 9
R e s in a c a t iô n ic a R e s in a a n iô n ic a
0 ,0 8 0 ,0 8
0 ,0 7 T e x t u ra m é d ia 0 ,0 7
Fluxo difusivo de Cu, nmol/cm /d
0 ,0 6 A rg i lo s o 0 ,0 6
0 ,0 5 0 ,0 5
0 ,0 4 0 ,0 4
0 ,0 3 0 ,0 3
0 ,0 2 0 ,0 2
0 ,0 1 0 ,0 1
0 ,0 0
0 ,0 0
0 10 20 30 40 50 0 10 20 30 40 50
D o s e d e á c id o h ú m ic o , g /k g D o s e d e á c id o h ú m ic o , g /k g
Figura 24. Fluxo difusivo de Cu para resina catiônica (negativamente carregada) e resina
aniônica (positivamente carregada) em solos submetidos a doses crescentes de AH.
Analisando-se as propriedades da MOS até aqui discutidas pode-se inferir que durante o
processo de transformação da MOS, dá-se origem a substâncias orgânicas mais humificadas, do
sentido AF → AH → HU (Figura 25).
31
Figura 25. Propriedades químicas e coloidais das substâncias húmicas. Fonte: adaptado de Stevenson
& Elliott (1989).
32
Figura 26. Modelo da composição de SHs (THS; C305H299O134N16S; 755 átomos) em 2D
proposto por Schulten & Schnitzer (1998).
33
Grande parte da estabilidade da MOS ainda não é completamente entendida. Sabemos
que, além da proteção coloidal e física, parte da proteção da MOS advém de sua estabilidade
bioquímica. No que se refere ao mecanismo de proteção física, a agregação atua protegendo
compostos orgânicos não seletivos da decomposição microbiana, enquanto a interação com a
fase mineral pode favorecer a proteção de moléculas específicas (Six et al., 2002; Rumpel et al.,
2004). A estabilização bioquímica está relacionada com a resistência estrutural ao ataque de uma
ou um grupo específico de enzimas, essas produzidas através do metabolismo microbiano ou
exudação radicular.
A estabilização da MOS é especialmente importante nos trópicos, em razão de que nessas
condições climáticas a decomposição é acelerada. Portanto, a manutenção e elevação dos teores
de MOS dependem grandemente dos fatores que controlam o tamanho dos diferentes
compartimentos que a compõe, bem como da estabilização da MOS durante o processo de
humificação.
34
ARGILA OH2+ ... -
OOC-R
-
ARGILA ... +
H3N-R
-
ARGILA ... +
M+ ... -
OOC-R
Força de Van der Waals: força resultante na flutuação da densidade de carga elétrica dos
átomos. É considerada importante na adsorção de moléculas polares neutras e não polares:
A
- ... H
+
R
G + ... - U
M
I
L - ... + U
S
A
+ ... -
Pontes de hidrogênio: Assim como os outros cátions, o H+ atua como ponte, ligando o
grupamento orgânico à superfície da argila, ambos negativamente carregados. Esse processo é
muito importante nos solos ácidos onde se verifica uma grande protonação de grupamentos
reativos, tanto nas argilas como na MOS. A ponte de H2O é de grande importância nos solos se
considerarmos que ambos os colóides, orgânicos e inorgânicos, encontram-se hidratados pela
solução do solo na maior parte do tempo:
-
ARGILA ... +
M+ O-H ... O = R
H
35
O oxigênio dos grupamentos funcionais da MOS (carboxílicos, fenólicos, alcoólicos, etc)
entram em coordenação (ligação covalente) principalmente com Fe e Al da estrutura dos oxi-
hidróxidos. Ânions orgânicos ligados dessa forma dificilmente serão deslocados por outros
anions:
Superfície do Oxihidróxido
Superfície de Argila
Essa forma de ligação libera uma molécula de água para a solução, pela seguinte reação:
A presença de pontes de cátion entre as argilas silicatadas do tipo 2:1 e do tipo 1:1 e os
radicais orgânicos é um mecanismo comum de estabilização da MOS, destacando-se o Cálcio
como um dos cátions de grande importância no estabelecimento de pontes catiônicas (Muneer &
Oades 1989). Entretanto, em razão do processo de intemperismo avançado da maioria de nossos
solos, o cátion predominante no complexo sortivo é o Al, de modo que ele deve ser o cátion mais
atuante na estabilização da MOS.
A maioria dos solos tropicais possui abundância de oxi-hidróxidos na fração argila, as
quais possuem um importante papel na estabilização da MOS (Wiseman & Putmann, 2005;
Kleber et al., 2005). Os principais mecanismos de ligação da MOS aos oxi-hidróxidos de Fe e Al
são a atração eletrostática, pontes de H, e troca de ligantes. Parte da estabilização da MOS pode
ser devido à influência da argila na atividade microbiana. As argilas mudam o ambiente para os
microrganismos, influencia o pH, força iônica, disponibilidade de substrato, bem como a
produção e atividade de enzimas (Zech et al., 1997). Esses complexos orgânicos formados com o
Fe e o Al são de baixa solubilidade e acessibilidade a microbiota aumentando, assim seu TMR
(Zech et al., 1997), desempenhando um importante papel na estabilização da MOS.
a)
b)
37
Figura 27. Modelo de floculação das partículas do solo (a) e de condensação de moléculas
orgânicas. (Fonte: Muner & Oades, 1988).
O efeito protetor dos agregados é tido como efetivo na preservação da MOS oclusa.
Porém, deve ser lembrado que os mecanismos de estabilização não são mutuamente excludentes,
e que esta proteção física é aditiva à proteção química conferida a maioria das substâncias
húmicas.
38
de decomposição muda completamente. O N passa a atuar de forma a retardar a degradação da
lignina. O efeito proporcionado pelo N varia dentre diferentes espécies.
O efeito de retardamento da degradação pelo N pode ser explicado, principalmente, por
dois mecanismos: o N reage com moléculas de baixo peso molecular e ligninas remanescentes,
dando origem a compostos aromáticos mais recalcitrantes (inclui substâncias húmicas) e,
posteriormente, o N ligado a moléculas de baixa massa molecular pode suprimir a síntese de
enzimas lignolíticas (Berg et al., 2000).
Apesar de sua pequena proporção em relação à massa total de solos minerais tropicais, a
MOS desempenha grande influência sobre várias propriedades físicas, químicas e biológicas do
solo, e suas funções nos ecossistemas terrestres. Muito das variações das propriedades de um
determinado solo é mais influenciada pelo visto não é somente efeito direto da quantidade e
qualidade da MOS, mas sim, produto das interações entre os diversos componentes do sistema.
a) Propriedades Químicas
A matéria orgânica do solo apresenta grande reatividade com outros compostos presentes
no solo. Como as SH são os principais componentes da MOS, e se comportam como ácidos
fracos possuem capacidade de interagir com outros componentes do solo em ampla faixa de pH.
As SH são consideradas ácidos de Lewis por possuírem insuficiência de elétrons em seus
grupamentos funcionais. Logo, a capacidade desses grupos em perder ou receber íons H+ é
responsável pela geração de cargas da MOS. A dissociação de prótons dos grupos funcionais
carboxílicos começa em valores de pH ≥ 3,0, e aumenta com a elevação do pH do solo, como
podemos ver no esquema abaixo.
H+ H-
MOS C=O MOS C=O MOS C=O
OH2+ OH O-
pH diminui pH aumenta
i. Capacidade Tampão
39
No ambiente, a matéria orgânica funciona como ácido fraco, agindo como par conjugado
ácido/base. A diversidade química dos componentes da MOS está relacionada com sua
diversidade de grupamentos funcionais, fazendo com que a MOS tenha ação tamponante numa
grande faixa de pH do solo (Figura 28).
O aumento do pH pode ocorrer em decorrência de processos de: redução da atividade de
H+ resultante, principalmente, da liberação de cátions metálicos; mineralização de formas
orgânicas de N; denitrificação; descarboxilação dos ácidos orgânicos (Yan et al., 1996; Pocknee
& Sumner, 1997). Em solos alcalinos espera-se que o efeito seja o contrário, ou seja, ocorra
redução do pH em decorrência da influência da MOS sobre o aumento na concentração do CO2
durante o processo de decomposição/mineralização contribuindo para aumentar a concentração
de ácido carbônico (CO2 + H2O ⇌ HCO3− + H+), e sua subseqüente dissociação do ácido
carbônico (H2CO3 ⇌ HCO3− + H+).
(Fonte: www.landfood.ubc.ca)
Figura 28. Exemplo da capacidade tampão e de troca catiônica das substâncias húmicas.
40
ii. Capacidade de troca catiônica
A contribuição da MOS para a CTC dos solos, pode chegara até 90 %. Nos solos
tropicais, com cargas predominantemente variáveis dependentes de pH, em estágio avançado de
intemperismo, com a fração argila dominada por caulinita e oxi-hidróxidos de Fe e Al, a
contribuição da MOS é ainda maior, principalmente em solos com baixos teores de argila. Com a
dissociação de cargas dos grupos funcionais de superfície das SH, principalmente grupos
carboxílicos, há um predomínio de cargas negativas e consequentemente aumenta o poder de
retenção de cátions. Essa retenção é dita não específica, devido sua ligação ser relativamente
fraca. Esse mecanismo de retenção é extremamente positivo, pois mantém “disponíveis” diversos
cátions essenciais para o crescimento da planta evitando que seja perdido por lixiviação.
A CTC do solo pode ser aumentada em solos sob sistemas de manejo que proporcionem o
incremento dos estoques de COT, o que pode ser verificado por meio das correlações positivas
entre esses atributos.
41
Figura 29. Modelo estrutural de complexo de esfera interna (adsorção iônica - eletrostática) e
esfera externa (ligação covalente – troca de ligantes) (Fonte: Sparks, 1995).
42
enquanto ácidos orgânicos de baixo peso molecular (AOBMM), como citrato, são capazes de
formar complexos com Cu, Fe, Zn e Mn e favorecer sua difusão no solo (Pegoraro et al., 2005), a
presença de concentrações mais elevadas de ácidos húmicos (elevada massa molecular) reduz o
FD de Cu, por exemplo. Dessa forma, é evidente que sob condições de uso e, ou, manejo do solo
onde a adição de resíduos é mais freqüente e em maior quantidade (Sá et al., 2001; Dieckow et
al. 2006), e, ou, onde a MOS se encontra num estádio menos avançado de decomposição (Bayer
et al., 2003), tal como é frequentemente observado no SPD com rotação de culturas, esta pode
contribuir para melhorar a disponibilidade de micronutrientes.
Ácidos orgânicos e compostos fenólicos solúveis participam em reações de oxi-redução,
contribuindo para aumentar a solubilidade de Mn no solo (Hue et al., 2001), o que favorece o
aumento do gradiente de concentração e o FD. Têm sido demonstrados que vários adubos verdes
possuem concentrações significativas de AOBMM (Franchini et al., 1999; Carvalho, 2003;
Amaral et al., 2004) e que estes quando liberados no solo são capazes de formar complexos
solúveis, estimulando a movimentação de cátions básicos, como Ca e Mg em profundidade,
melhorando o ambiente químico para o crescimento radicular (Franchini et al., 2003). Tal fato é
ilustrado na figura 30, onde se observa que ocorreu maior crescimento radicular do milho quando
a calagem foi associada à aplicação de extratos de aveia e nabo, em razão do aumento do pH e
do teor de Ca e diminuição do teor de Al até, aproximadamente, 20 cm (Franchini et al., 2001).
Figura 30. Efeito da aplicação do calcário na superfície do solo no crescimento de raiz (a) e no
Al trocável (b). Fonte: Franchini et al., 2001
Deve-se ter em mente que esses compostos orgânicos envolvidos em fenômenos de
complexação de metais são tanto oriundos da decomposição de resíduos vegetais, bem como da
exsudação via sistema radicular, de modo que as reações ocorrem em maior magnitude na
rizosfera. Como exemplo, a redução da fitotoxidez do Al3+ é mais intensa na rizosfera, onde se
observa elevada concentração de AOBMM advindos da exsudação pelo ápice radicular (Ryan et
al., 2001; Silva et al., 2002; Kochian et al., 2003; 2004).
43
Os ácidos orgânicos são importantes na mobilização de compostos de Fe3+ na rizosfera, e
em resposta à sua deficiência algumas plantas elevam as taxas de exsudação radicular de
compostos fenólicos e aminoácidos não protéicos (fitosideróforos). Esses compostos irão
quelatar o Fe, favorecendo a dissolução dos óxi-hidróxidos de Fe, resultando em maior
concentração de formas solúveis na solução do solo que, por sua vez, irá facilitar seu transporte
por difusão até a superfície das raízes onde serão absorvidos (Kochian et al., 2004).
Em solos calcários, os ácidos orgânicos auxiliam na liberação do P nos fosfatos de Ca.
Em solos com aporte de resíduos vegetais, deve-se considerar ainda que vários compostos de
baixa massa molecular possam ser produzidos durante o processo de decomposição pela
microbiota do solo.
i. Agregação
44
Para solos de clima temperado com mineralogia dominada por argilas do tipo 2:1 a
seguinte dinâmica (Figura 32) pode ser hipotetizada: os restos vegetais são rapidamente
colonizados pelos microrganismos que os decompõem e formam materiais humificados. Ao
redor desses materiais são formados núcleos de macroagregação pelas hifas de fungos que se
enovelam com as partículas mais finas do solo. Simultaneamente, os exsudatos (mucilagens
constituídas principalmente por polissacarídeos) produzidos por fungos e bactérias durante o
processo de decomposição se aderem às partículas de argila, de forma que a MOS é encapsulada
pelos microagregados. Raízes vivas de plantas crescendo no solo também contribuem para
formar macroagregados, da mesma forma que as hifas fúngicas. Além do aumento da pressão
mecânica que contribui para aproximar as partículas de solo, elas enovelam essas partículas e
também produzem exsudatos com capacidade cimentante. Esses exsudatos podem servir de
substrato para microrganismos, estimulando sua atividade, levando à produção de novos agentes
cimentantes.
45
de menor tamanho. Essa MO particulada fina continua a ser decomposta pelos microrganismos e
é encapsulada por minerais e produtos microbianos formando agregados de 53-250 µm dentro
dos macroagregados maiores que 250 µm. Dessa forma, a MOS e os microrganismos dentro
desses agregados encontram-se protegidos e a biodegradação é reduzida. Pelo esgotamento da
fonte de energia, a população microbiana decresce, o macroagregado perde estabilidade e pode
ser rompido.
A MO residual (substâncias húmicas) é então liberada, podendo ser novamente
degradada. Esses macroagregados inicialmente mostram-se pouco estáveis em água, mas os
seguidos ciclos de umedecimento e secagem, especialmente na superfície das raízes juntamente
com a produção de agentes cimentantes por raízes, macro (especialmente minhocas) e
microorganismos contribuem para aumentar sua estabilidade (Golchin et al., 1994; Balesdent et
al., 2000; Six et al., 2002). Assim, a maior parte do C que se acumula em sistemas mais
conservacionistas se deve ao seqüestro de C preferencialmente nos agregados pequenos dentro
dos macroagregados (Kong e tal. 2005). Esses agregados menores são mais estáveis de modo
que em solos cultivados com diversas espécies e diferentes sistemas de manejo o C associado a
eles possui um tempo médio de residência (TMR) mais longo (Six et al., 2002), provavelmente
devido à presença de material orgânico humificado.
Ao contrário dos solos de clima temperado, onde os compostos orgânicos são os
principais agentes estabilizantes dos agregados solo, nos solos muito intemperizados os óxidos
são os principais agentes estabilizantes, se sobrepondo ao efeito dos materiais orgânicos (Six et
al., 2002).
Dessa forma, em solos mais jovens com mineralogia dominada por argilas 2:1 a formação
dos agregados é um processo mais biológico, enquanto nos solo mais intemperizados com a
fração argila dominada por argilas 1:1, óxidos e oxi-hidróxidos, esse processo é mais dependente
de interações físico-químicas (Six et al., 2002). Em tais condições, a MOS passa a ter um papel
secundário na formação e estabilização de agregados. Contudo, o papel da MOS adiciona-se à
estabilização conferida pela fração mineral do solo, atuando fortemente em fases posteriores da
agregação e na formação de agregados de tamanho maior. Além do papel cimentante, a MOS
retarda a entrada de água nos agregados, aumentando a resistência deles quando umedecidos.
Na região da rizosfera, a estabilidade de agregados é maior que no solo não rizosférico
(Caravaca et al., 2002) o que pode ser devido à atuação das raízes, importante componente da
MOS viva, na rizodeposição de compostos orgânicos, por meio da contribuição de material
orgânico oriundo da biomassa radicular, além da associação com fungos micorrízicos, maior
atividade microbiana, que também resulta em produção de polissacarídeos extracelulares,
46
glomalina (glicoproteina produzida por fungos micorrízicos) que atuam ligando os agregados
(Sylvia et al., 2005).
Deve se ter em mente que as diferentes frações da MOS são importantes no processo de
estabilização de agregados, melhorando assim sua agregação, mas em contrapartida, a estrutura
do solo contribui para a estabilização da MOS no solo, o movimento e a retenção de água,
redução do encrostamento, a ciclagem e biodisponibilidade de nutrientes, penetração de raízes e
por sua vez a produtividade das culturas (Figura 33 a e b). O COT e as diferentes frações que
compõem a MOS, incluindo a biota (fração viva) influenciam a agregação do solo (Bronick &
Lal, 2005), freqüentemente avaliada por meio de índices de aferição da agregação do solo, tais
como diâmetro médio geométrico (DMG), percentagem de agregados estáveis em água e índice
de estabilidade de agregados.
Em solos bem manejados, o aporte de resíduos vegetais na superfície do solo promove
proteção física do solo contra as gotas de chuva diminuindo a perda de solo por processos
erosivos. Esse acúmulo pode favorecer a estabilização física da MOS, bem como o
favorecimento da agregação desses solos, devido às partículas do solo se interligarem a raízes e
fragmentos orgânicos fazendo com que a perda de carbono na forma de CO2 seja diminuída
podendo, assim, maximizar a humificação desses materiais através da atividade biológica (Figura
35b).
(a) (b)
Figura 33. (a) Solo com baixo aporte de resíduos; (b) Solo com alto aporte de resíduos
promovendo maior agregação do solo.
A água é uma molécula polar (Figura 34), que é retida por pontes de hidrogênio pelos
grupamentos funcionais que contém unidades de OH e NH2 e é repelida pelas cadeias orgânicas
apolares da MOS. De forma geral, a MOS pode reter até 20 vezes sua massa em água
47
(Stevenson, 1994), sendo parte retida na sua estrutura interna, tendo baixa disponibilidade para
as plantas.
i. Nitrogênio
Cerca de 95 % do N do solo está associado à matéria orgânica. O ciclo do N envolve a
transferência do N atmosférico para compostos orgânicos, os quais são convertidos em N
amoniacal, que por sua vez é transformado em N nítrico e, finalmente, o N retorna à atmosfera
na forma gasosa (figura 35). As principais reações no solo, nas quais as formas orgânicas de N
estão envolvidas são: a) fixação biológica do N2; b) Mineralização ou amonificação do N
orgânico à amônio; c) Imobilização ou assimilação de amônio à N orgânico e, d) assimilação ou
imobilização de nitrato à N orgânico (Schulten & Schnitzer, 1998). As formas de N associadas a
materiais proteináceos (aminoácidos, peptídeos e proteínas) correspondem a aproximadamente
40 % e amino-açúcares de 5-6 %. O N em compostos heterocíclicos perfaz cerca de 35 % e o
NH4+, 19 % (Schulten & Schnitzer, 1998).
Para melhor compreender os diferentes componentes do N orgânico do solo, este é
freqüentemente fracionado via hidrólise ácida. Com base nesses métodos o N orgânico é então
enquadrado nas frações não-hidrolisável e fração hidrolisável, que por sua vez, é subdividida em
N-amida, N-hexosamina, N-α-amino e N-não identificado (Stevenson, 1982; Yonebayashi &
Hattori, 1980).
Os compostos heterocíclicos entram no solo predominantemente na forma de material
vegetal em anéis pirrólicos de clorofilas e citocromos e nas bases nitrogenadas purina e
pirimidina, integrantes dos ácidos nucléicos. Embora pareçam ser muito resistentes, estes anéis
podem passar por várias transformações, fazendo com que o N heterocíclico se acumule no solo
(Mengel, 1996). Por essa razão, somente pequena percentagem das formas orgânicas de N do
solo é facilmente mineralizável - aquela oriunda principalmente de aminoácidos e polímeros de
amino-açúcares da biomassa microbiana do solo.
49
Figura 35. Ciclo do nitrogênio. (Fonte: www.physicalgeography.net/fundamentals/9s.html)
ii. Fósforo
Devido ao fato de ser muito reativo, o P combina-se com oxigênio não sendo encontrado
na forma elementar na natureza. Assim, o P do solo, água e seres vivos se encontra associado a
quatro oxigênios, formando o ortofosfato (PO43-). Em solos ácidos uma grande parte do
ortofosfato encontra-se fortemente associado aos óxidos e oxi-hidróxidos de ferro e alumínio,
enquanto nos solos alcalinos os fosfatos de Ca são as formas predominantes. Dessa forma, a
concentração de íons ortofosfato na solução do solo é bastante baixa.
Na solução do solo, o ortofosfato é encontrado na forma de H2PO4-em solos ácidos, e
como HPO42-em solos com pH alcalino. Essas formas iônicas de P são absorvidas por plantas e
microrganismos. A maior parte desse P é incorporado à estrutura de compostos orgânicos (Po).
As plantas podem ser consumidas por animais, que retornarão o P ao solo na forma de dejetos
orgânicos. No solo, o ortofosfato será liberado para a solução pelo processo de mineralização do
Po mediada por microrganismos. O Po também poderá ser incorporado em compostos orgânicos
mais estáveis que farão parte da matéria orgânica humificada do solo (Figura 36).
Aproximadamente 50% do P na biosfera encontra-se em formas orgânicas. O Po inclui o
P de organismos vivos e MO morta. Os teores de Po nos solos são bastante variáveis, indo de 15
50
a 80 %. Em solos tropicais sob diferentes usos a participação do Po para o P total variou de 16 a
65 % (Nziguheba & Bünemann, 2005). Na camada superficial de solos sob cerrado a
contribuição variou de 21 a 34 %, com a maior proporção observada em solo arenoso (Neufeldt
et al., 2000; Lilienfein et al., 2000). Em solos sob caatinga da região Nordeste a contribuição foi
de 22 %, e chegou a 65 % em um Latossolo muito argiloso sob floresta amazônica (Lehmann et
al., 2001).
51
A estabilização do Po no solo se deve principalmente à atuação de mecanismos de
adsorção envolvendo o grupamento fosfato, embora interações com grupamentos funcionais de
C (ex: COOH) sejam possíveis (figura 37).
Figura 37. Esquema ilustrativo da adsorção do fosfato pela fração mineral do solo e sua possível
interação com grupamentos funcionais de C. (Fonte: www.crops.confex.com).
A forma com que o P se liga à matéria orgânica é similar à forma com que o P é
adsorvido pelos oxi-hidróxidos de Fe e Al. Assim, sistemas de manejo que privilegiem o aporte
orgânico contínuo podem aumentar a ciclagem do P e aumentar sua disponibilidade para as
plantas pelos seguintes mecanismos: a) Bloqueando os sítios de adsorção de P dos óxi-
hidróxidos de Fe e Al; b) Competindo com os sítios de adsorção da fração mineral pelo P
solúvel; c) Deslocando parte do P adsorvido pela fração mineral (Guppy et al., 2005).
Em um dos poucos estudos que envolveram a caracterização do Po em solos brasileiros,
foi encontrado que em Latossolos da Zona da Mata mineira cultivados com café, no sistema
convencional ou sob sistemas agroflorestais, aqueles sob esse último sistema de cultivo
mantinham teores mais elevados de Po, os quais decresciam menos abruptamente em
profundidade em relação aos solos sob café convencional, levando os autores a sugerir que os
sistemas mais conservacionistas podem contribuir para conversão de Pi para formas lábeis de Po,
especialmente em camadas mais profundas do solo, reduzindo a transformação do P em formas
menos disponíveis para as plantas (Cardoso et al., 2003). Assim, sistemas onde se favorece a
manutenção de maior proporção de P na BM, como naqueles onde são aplicados fertilizantes
fosfatados solúveis + adubos orgânicos, parecem ser uma alternativa para manter o P do solo e
do fertilizante mais disponível para as plantas, particularmente em solos com alta capacidade
máxima de adsorção de P (CMAP).
52
A importância relativa do Po na nutrição das plantas aumenta sob condições de
deficiência de Pi, resultante dos baixos teores totais de P e, ou, forte adsorção de P pelos óxidos
de Fe e Al no solo. Nessas condições, a ciclagem de formas orgânicas mais lábeis é acelerada,
sendo mais importante em solos tropicais altamente intemperizados (Magid et al., 1996). Em
ambientes naturais a mineralização do Po pode constituir a principal fonte de P para as plantas,
mas para que a mineralização seja de máximo benefício às plantas ela deve ocorrer próximo a
superfície das raízes. Isso oferece vantagens com relação à competição com os microrganismos
pelo P e reações que reduzem a disponibilidade de P (ex: fixação de P), especialmente em solos
mais intemperizados.
Além de vários outros mecanismos que contribuem para a aquisição de P do solo (ex:
secreção de ácidos orgânicos, alteração do pH da rizosfera, etc), as plantas podem aumentar a
produção de fosfatases na rizosfera para aumentar a disponibilidade de P sob condições de
deficiência. As fosfatases são separadas em dois grandes grupos: fosfatases ácidas e fosfatases
alcalinas, conforme o pH ideal para sua atividade.
iii. Enxofre
Em regiões de clima mais seco (árido, semi-árido) as formas inorgânicas (ex: gesso) são o
principal compartimento de S no solo, mas nos solos das regiões húmidas e sub-húmidas o S na
matéria orgânica geralmente contribui com mais de 90 % do S total (Stevenson & Cole, 1999;
Itanna, 2005). O S orgânico do solo tem sido separado em três frações com reatividade
diferenciada: a) S reduzível por ácido hidroiódico (HI), composta por ésteres de SO42-; b) S
reduzível pelo método Raney-Níquel, composta principalmente por aminoácidos, e; c) S residual
ligado a C, composta por sulfonatos e S heterocíclico (Kertesz & Mirleau, 2004; Solomons et al.,
2005).
A maior proporção do S-compostos orgânicos no solo está presente na estrutura dos
aminoácidos, contribuindo com cerca de 30 % (Freney, 1986). O S ligado diretamente ao C não é
reduzido. Dessa forma, sua dinâmica pode ser semelhante à do N e do P. Geralmente, os teores
de S orgânico são menores em solos com cultivos intensivos em comparação àqueles sob
vegetação nativa ou pastagens melhoradas. Em solos de pradaria da América do Norte observou-
se que 96 % do S dos solos encontrava-se na forma orgânica, sendo que o S ligado ao C era o
principal compartimento (Wang et al., 2005).
A dinâmica do S no solo é ditada por processos de imobilização e mineralização, ambos
mediatos pela atividade microbiana (Figura 38). Embora parte do S orgânico do solo possa ser
derivado diretamente de compostos de planta e animais (ex: aminoácidos sulfurados,
53
sulfolipídeos, etc), evidências recentes indicam que grande parte do S orgânico do solo é
sintetizado in situ.
A mineralização ocorre concomitantemente ao processo de imobilização (Zhang et al.,
2001). O compartimento de S orgânico que mineraliza mais rapidamente é aquele que foi
imobilizado mais recentemente. O S é inicialmente imobilizado no compartimento S éster
sulfato, o qual é mais susceptível à hidrólise enzimática, e então é lentamente convertido em S
ligado ao C, mais resistente à hidrólise enzimática, por intermédio da atividade microbiana
(Castellano & Dick, 1991). As sulfatases são as enzimas envolvidas na mineralização do S
orgânico no solo. Na maioria dos solos a principal fonte de S para as plantas advém da
mineralização da MOS.
Dreno
Grandeza
Fonte
Figura 39. Relação fonte-dreno entre os nutrientes e a MOS. (Fonte: Mendonça & Oliveira, 2002).
56
pode levar à imobilização temporária de P, principalmente em estruturas fúngicas, a qual pode
constituir até 30 % do P na MO particulada (Salas et al., 2003).
A presença de cargas na superfície dos colóides do solo é responsável por sua capacidade
de retenção de íons (capacidade de troca catiônica e aniônica). As cargas são também
responsáveis pelas ligações entre os constituintes do solo, dadas pela ação de agentes
cimentantes (que estabelecem ligações químicas que estabilizam os agregados) e pela interação
das partículas com a água e compostos químicos adicionados ao solo. Às cargas também estão
associadas a várias propriedades do solo, como coesão, plasticidade e a dinâmica
floculação/dispersão. Como já foi dito, há no solo, em geral, predominância de cargas negativas
sobre positivas. Essa predominância, bastante significativa em solos de regiões temperadas,
devido à presença de argilas silicatadas mais ativas, tende a diminuir e, em alguns casos
extremos, desaparecer ou mesmo inverter, especialmente nos horizontes subsuperficiais de solos
mais intemperizados de regiões tropicais.
As cargas podem ser permanentes, como no caso dos minerais de argila 2:1, ou
dependentes de pH, como nos demais componentes da fração coloidal do solo.
Os principais mecanismos de formação de cargas são:
57
Verifica-se que com elevação do pH do meio (solo) o equilíbrio é deslocado
para a direita em razão da neutralização dos íons H+ liberados na dissociação
do grupo - OH (H+ + OH- → H2O).
ii. Superfície dos óxi-hidróxidos: esses colóides apresentam superfície com grupamentos
(por ex: Fe-OH e Al-OH) expostos e que podem desenvolver cargas de acordo com o
pH do meio
iii. Sítios de troca bloqueados: ocorre nas argilas do tipo VHE, onde, com a elevação do
pH, surgem cargas anteriormente bloqueadas pelos polímeros de alumínio.
iv. Colóides orgânicos:
O principal mecanismo de formação de cargas na matéria orgânica é a
dissociação de grupamentos funcionais carboxílicos, alcoólicos e
fenólicos, dependentes de pH (Figura 41). Estes grupos se dissociam com
maior facilidade que os grupos OH das argilas 1:1 por seu menor PCZ,
sendo esta a razão da dominância a matéria orgânica como fonte de sítios
de troca na CTC dos solos tropicais mais intemperizados.
58
As cargas eletropositivas do solo têm sua origem nos óxidos e hidróxidos (óxidos
hidratados) de Fe e de Al, preferencialmente. Tal situação se dá de maneira mais significativa em
condições mais ácidas de solo (Jarward e Reisenauer, 1966).
Esse esquema mostra que os óxidos hidratados de Fe e de Al podem dar origem a cargas
eletropositivas, eletronegativas ou permanecer com carga neutra na superfície, dependendo do
pH do solo.
As propriedades de adsorção iônica do solo são devidas, quase que totalmente, aos
minerais de argila e à matéria orgânica coloidal do solo, materiais de elevada superfície
específica. Essas partículas coloidais do solo apresentam cargas elétricas negativas e positivas,
podendo adsorver ou "reter", por diferença de carga, tanto cátions como ânions (Figura 42).
As cargas negativas são neutralizadas por íons eletropositivos, ou seja, pelos cátions, o
que se denomina adsorção catiônica. Na neutralização de cargas positivas pelos ânions tem-se a
adsorção aniônica. Os íons envolvidos nesse processo de adsorção ligam-se por eletrovalência
ou por covalência às partículas coloidais do solo. Os cátions mais envolvidos quantitativamente
nesse processo são: Ca2+, Mg2+, Al3+, H+, K+, Na+ e NH4+, sendo o Ca2+, comumente, o mais
abundante em alguns solos, enquanto que, em outros, o Al3+ predomina. Alguns micronutrientes
estão, também, sujeitos ao mesmo processo, embora em quantidades muito pequenas, se
comparadas aos listados inicialmente.
Os íons adsorvidos às partículas coloidais podem ser deslocados e substituídos,
estequiometricamente, por outros íons de mesmo tipo de carga, dando-se uma troca iônica.
59
Figura 42. Esquema representativo da movimentação iônica no solo, evidenciando os três
mecanismos pelos quais as plantas conseguem absorvê-los. (Fonte: www.interactive.usask.ca).
60
Esquematicamente, o fenômeno de adsorção e troca iônica pode ser representado:
a) Troca Catiônica
b) Troca Aniônica
Embora ânions como NO3-, SO4= e Cl- possam se comportar como cátions, sendo
trocáveis e obedecendo às mesmas condições discutidas para a CTC, alguns ânions importantes
como os fosfatos e molibdatos sofrem uma adsorção aniônica (figura 43). Nestes últimos ocorre
a formação de complexos de esfera interna, onde o íon perde a camada de hidratação ao se ligar
diretamente ao sítio de troca, o que resulta em uma ligação mais forte e estável (uma combinação
de ligações covalentes e iônicas). As principais características desta ligação são:
a. Especificidade.
b. Influência das características da superfície e do ânion.
c. Não obediência aos princípios de estequiometria e reversibilidade.
61
Figura 43. Representação da adsorção aniônica no solo.
pH do solo pH 7,0
|← CTC permanente → |← ↓ CTC dependente de pH →|
3+ −H −H −H
Al
+ 2+
K Ca
Ca2+ −H −H −H −H
+ 3+
H Al
H+ −H −H −H
NH4+ Mg2+
Mg2+ −H −H
+
H
−H −H
i. Valor T
64
2) Os cátions deslocados, bem como o excesso de KCl em solução são eliminados da
amostra, por meio de filtração e lavagens.
No filtrado, podem ser determinadas as bases Na+, Ca2+ e Mg2+, que, adicionadas ao K+,
determinado em outra extração, dão a soma de bases (SB). Também nesse filtrado determina-se
Al3+. Outra alternativa é continuar com a lavagem do excesso de KCl e os seguintes passos:
3) Agita-se a amostra agora com uma solução que contenha outro cátion, CaCl2 0,5
mol/L, por exemplo:
cmolc/dm3).
Para separar as contribuições de CTC permanente e CTC dependente de pH, utilizam-se
soluções extratoras (caso do KCl 1 mol/L no 1o passo), em diferentes valores de pH.
Historicamente, foi Schofield (1949) que verificou que a CTC de uma argila caulinítica eleva-se
de 4 para 10 cmolc/kg com a elevação do pH da solução extratora de 6,0 para 7,0. O acréscimo
65
no valor da CTC com a elevação do valor do pH foi denominado CTC dependente de pH , como
já discutido anteriormente.
No pH da solução extratora correspondente ao do solo, tem-se a CTC efetiva, que é a
CTC permanente mais o aumento do valor da CTC com a elevação do pH de extração
correspondente à CTC pH-dependente até o pH do solo.
A soma de bases (SB) é calculada somando-se os teores de Ca2+, Mg2+, K+, Na+ e NH4+
trocáveis. Nos solos ácidos de regiões tropicais, como os do Estado de Minas Gerais, os cátions
trocáveis Na+ e NH4+ geralmente têm magnitude desprezível.
+
SB = Ca 2+ + Mg 2+ + K + + Na + + NH 4
iii. Saturação por Bases (V)
Al 3+
m= x100
( SB + Al 3+ )
Observa-se que m é a percentagem de alumínio trocável na CTC efetiva do solo. Se o
valor de m for maior que 50 % o solo é considerado Álico.
Informações sobre os valores de T, SB e V de um solo podem indicar o tipo de mineral
presente na fração argila e possíveis problemas na sua utilização, bem como sobre o
procedimento adequado a ser tomado para otimizar sua utilização.
v. Acidez Trocável
66
A acidez trocável é representada pelo Al3+ mais o H+ que faz parte da CTC efetiva.
Como, em geral, a participação do H+ é pequena em relação ao Al3+, este valor é também
chamado de alumínio trocável. O alumínio é considerado como acidez porque, em solução, por
hidrólise, gera acidez, de acordo com a seguinte equação simplificada:
Al 3+ + 3H 2O ⇔ Al (OH ) 3 ↓ +3H +
A determinação da acidez total ou potencial é feita usando-se como extrator uma solução
tamponada de acetato de cálcio 0,5 mol/L, pH 7,0. Esta acidez inclui H + Al (H+ trocável, H de
ligações covalentes que é dissociado com a elevação do pH, Al3+ trocável e outras formas de Al).
A maior parte do H provém das cargas negativas dependentes do pH. Esta fração é chamada
acidez dependente do pH. A participação do H em geral é maior do que a do alumínio trocavél.
Muitas condições do solo têm influência sobre a CTC, dentre as quais: pH, natureza dos
cátions trocáveis, concentração da solução e natureza da fase sólida.
O efeito do pH se verifica, principalmente, sobre as cargas dependentes de pH, como já
se discutiu.
A natureza dos cátions trocáveis afeta a preferencialidade de troca no solo, de acordo com
a densidade de carga dos cátions, isto é, Z/r, onde Z é a carga do íon e r é o raio do íon hidratado.
Os cátions que têm maior densidade de carga são mais retidos nas cargas negativas do solo. Por
isso, os cátions polivalentes são geralmente mais fortemente retidos no solo (Figura 45). A
seqüência de preferencialidade de troca de cátions para uma mesma concentração foi
estabelecida por Hofmeister, sendo conhecida como seqüência de Hofmeister (Mengel & Kirkby,
1982), ou série liotrópica (Russel & Russel, 1973). Esta seqüência é a seguinte:
Li+ < Na+ < K+ < Rb+ < Cs+ < Mg2+ < Ca2+ < Sr2+ < Ba2+
67
(Fonte: http www.gly.fsu.edu).
Figura 45. Raio iônico (proporcional) e a carga dos principais íons presentes no solo.
68
A capacidade de troca aniônica é definida como o poder do solo de reter ânions na fase
sólida, numa forma trocável com outros ânions da solução. Entretanto, a manifestação desta
propriedade não é tão característica quanto à troca catiônica, isto é, não são atendidas tão
perfeitamente as condições de rapidez, reversibilidade e estequiometria. Por esta razão, a troca
aniônica é mais freqüente e convenientemente denominada adsorção aniônica, sendo a adsorção
um processo mais complexo do que a simples troca.
Um aspecto particular do comportamento de certos ânions no solo é a adsorção
específica. Por este processo os ânions são retidos pela fase sólida, por meio de ligações fortes
(covalentes), passando a fazer parte da estrutura da micela, em sua superfície. Este tipo de
adsorção é de baixa reversibilidade e é bem conhecido para o fósforo, sendo o principal
responsável pela fixação de fósforo no solo, principalmente nos solos ricos em óxidos de ferro e
alumínio. Uma reação desta natureza é aqui apresentada de forma simplificada (Mengel &
Kirkby, 1982):
O ânion que pode deslocar o fósforo da fase sólida do solo com maior eficiência é o
silicato (H3SiO4-). Em segundo lugar, vem o sulfato. O nitrato e o cloreto praticamente não têm
poder de substituir o fosfato. Pode-se dizer que a retenção de nitrato e cloreto no solo se dá por
adsorção não específica, que tem caráter reversível.
Da mesma forma que a CTC, a capacidade de adsorção de ânions dos solos também pode
ser determinada experimentalmente em laboratório. Para tanto utilizam-se, usualmente, curvas de
adsorção conhecidas como "isotermas de adsorção". Uma das mais utilizadas para ânions do
solo, de interesse na nutrição das plantas, é a isoterma de Langmuir, a qual permite determinar a
capacidade máxima de adsorção do ânion em estudo, como por exemplo, a capacidade máxima
de adsorção de fósforo (CMAP) e de sulfato (CMAS).
A capacidade máxima de adsorção de ânions varia com as características do solo,
notadamente seu teor e tipo de argila, podendo atingir valores bastantes elevados para solos
muito intemperizados com altos teores de argila.
69
As cargas positivas do solo, responsável pela adsorção aniônica, são, normalmente,
dependentes do pH do meio. Diminuindo o pH, aumentam as cargas positivas do solo e a
adsorção aniônica também aumenta.
Dupla camada difusa é a denominação dada ao conjunto dos íons que circundam as
partículas coloidais em suspensão. Nas argilas silicatadas predominam as cargas elétricas
negativas. Estas atraem os íons carregados positivamente, formando uma camada mais
concentrada próxima às partículas. Em função da concentração e das características do íon
presente, esta camada pode ser mais ou menos espessa permitindo, respectivamente, menor ou
maior aproximação entre partículas.
Dentre as características do íon que são importantes na definição da espessura da dupla
camada estão a valência do íon e o raio iônico hidratado. Maior valência para um mesmo raio
iônico produz compressão da dupla camada. De forma análoga, maior raio iônico hidratado para
uma mesma valência permite a expansão da dupla camada.
A dispersão do solo, efetuada no procedimento de rotina para a determinação dos teores
de areia, silte e argila, utiliza os conceitos de dupla camada difusa. No solo, estes conceitos
ajudam a compreender fenômenos como a dispersão das argilas, que podem se movimentar no
perfil causando o bloqueio de poros e mudanças importantes nas propriedades físicas.
A representação gráfica de DCD é dada na figura 46.
70
Concentração
Figura 46. Distribuição de íons a partir da superfície de colóide eletronegativo, de acordo com o
conceito de dupla camada difusa (DCD) (Mitchell, 1976).
71
A matéria orgânica do solo apresenta valores baixos de PCZ e quando adicionada a solos
muito intemperizados pode se ligar a argilominerias do solo, diminuindo assim, sua carga
positivas e o PCZ, resultando em um aumento das cargas negativas do solo.
9. Reação do Solo
Kw =
[H ]⋅ [OH ] = 10
+ −
−14
[H 2 O]
Na água pura,
72
[H ] = [OH ] =10
+ − −7
determina valores de pH menores que 7,0, e o aumento dos íons OH- eleva o pH a valores
maiores do que 7,0.
pH = -log[H+]
A água presente no solo apresenta sais dissolvidos, colóides minerais e orgânicos e seres
vivos em constante atividade. Estes elementos são capazes de alterar direta ou indiretamente o
pH. O solo pode também apresentar minerais primários capazes de liberar elementos que afetam
o pH. Além disso, a superfície do solo está em contato com a atmosfera, recebendo sua
influência. Em se tratando de um sistema aberto, está constantemente recebendo fluxos de
matéria, especialmente pelas soluções percolantes ou água que ascende dos lençóis subterrâneos.
O balanço final da ação destes diversos contribuintes determina o pH final do solo.
Em função de seu pH, os solos podem ser separados em ácidos, neutros ou alcalinos. Em
geral, a grande maioria dos solos nas condições tropicais úmidas é ácida. Os solos, com o avanço
do intemperismo, tornam-se progressivamente mais ácidos, em função da perda dos cátions
alcalinos e alcalino-terrosos (p.e. cálcio e potássio) e da progressiva liberação de alumínio pela
degradação das argilas. Solos sob florestas temperadas de coníferas também se acidificam pela
natureza ácida do material orgânico depositado na serrapilheira. Os solos alcalinos podem
ocorrer em regiões áridas ou semi-áridas, onde as condições climáticas impedem a perda dos
cátions e permitem seu acúmulo.
A acidez afeta todos os fenômenos químicos e biológicos que ocorrem no solo. Aliada à
constituição química, A acidez determina a capacidade produtiva e as limitações nutricionais ao
crescimento das plantas. O pH afeta a solubilidade e disponibilidade dos nutrientes e de
elementos tóxicos aos vegetais, afetando também as condições de decomposição da matéria
orgânica e de sobrevivência e proliferação de organismos.
73
a) Minerais de Argila
ii. íons Al3+ trocáveis adsorvidos na superfície do mineral de argila que passam à solução
do solo. O caráter ácido deve-se às reações de hidrólise do Al3+ hidratado em solução,
conforme mostram as reações:
Al3+ + 3H 2 O ⇔ Al(OH)3 + 3H +
iii. dissociação dos íons H+ dos grupos Si-OH e Al-OH estruturais dos minerais de argila a
valores de pH maiores que 5,5.
b) Matéria Orgânica
R − COOH + H 2O ↔ R − COO − + H 3O +
R − OH + H 2O ↔ R − O − + H 3O +
De modo geral, os grupos carboxílicos são ácidos mais fortes do que os fenólicos.
c) Ácidos Solúveis
A decomposição microbiológica da matéria orgânica pode conduzir à formação de ácidos
orgânicos solúveis, como os ácidos acético, málico e oxálico, que contribuem para a acidificação
do solo. Além disso, a mineralização de compostos orgânicos libera compostos de N e S
reduzidos que, ao sofrerem oxidação, liberam prótons na solução, de acordo com as reações:
74
A oxidação de amônio a nitrato se dá em duas etapas:
A oxidação biológica de compostos orgânicos também produz CO2, o qual reage com
água para formar ácido carbônico, que se dissocia perdendo prótons (H+), de acordo com as
reações:
Os compostos químicos capazes de originar íons OH- por reação com a água constituem
as fontes da alcalinidade no solo. Este é o caso dos minerais que contêm os metais alcalinos e
alcalino-terrosos. Quando cátions metálicos como K+, Na+, Ca++ e Mg++ predominam no
complexo de troca, eles podem influenciar a concentração de íons H+ (ou OH-) na solução do
solo, de acordo com o equilíbrio:
De um modo geral, quanto maior for a participação dos elementos alcalinos e alcalino-
terrosos no complexo de troca, maior será o pH do solo. As condições que levam a um aumento
da participação desses elementos (também denominados de "bases trocáveis") no complexo de
troca também determinam, via de regra, um aumento no pH do solo. Entretanto, isto não
significa que a adição desses elementos ao solo deverá aumentar o pH. Nessa situação, a reação
do solo dependerá do ânion acompanhante. No caso da utilização de carbonatos, o pH tende a
aumentar. Já ânions como sulfatos, cloretos e nitratos praticamente não alteram o pH do solo. No
caso do sulfato e do nitrato pode ocorrer um abaixamento de pH se houver adsorção deste ânion
e o deslocamento em quantidades apreciáveis de íons H+ da superfície das argilas pelo cátion
adicionado.
75
Os solos geralmente se comportam como ácidos fracos e os metais alcalinos tendem a
formar bases fortes. Portanto, em condições de pH neutro, sais formados por esses cátions com
ânions provenientes de ácidos fracos tendem a se dissociar para recompor parcialmente o ácido,
com o ânion capturando prótons do meio. A fração coloidal do solo, negativamente carregada,
comporta-se como o ânion de um ácido fraco. Ex:
A acidez pode trazer problemas diretos e indiretos às plantas, seja pela toxidez direta às
plantas ou por afetar a disponibilidade de nutrientes e elementos tóxicos.
O alumínio, conforme já discutido, constitui componente importante da acidez de solos
tropicais. O Al+3 em altas concentrações pode ser tóxico às plantas, constituindo uma das
principais limitações agrícolas em solos ácidos. Além disso, interfere na disponibilidade de
outros nutrientes. O exemplo mais típico desse efeito refere-se à solubilidade do fosfato no solo.
O fosfato tende a reagir com o Al solúvel, formando fosfatos de Al de baixa solubilidade em
solos ácidos, onde o nutriente se torna indisponível para as plantas, no curto prazo.
9.5. Calagem
A calagem é a prática mais comum para correção da acidez dos solos. Consiste na
aplicação de carbonatos de cálcio e/ou magnésio que se dissociam e reagem produzindo íons
OH-. Estes neutralizam a acidez e, secundariamente, fornecem cálcio e magnésio como
nutrientes, elevando a soma de bases.
A necessidade de calagem não está somente relacionada ao pH do solo, mas também à
sua capacidade tampão (CTH) e à sua capacidade de troca de cátions (CTC). Solos com maior
CTH necessitam de mais calcário para aumentar o pH que aqueles de menor CTH . A capacidade
tampão relaciona-se diretamente com as quantidades totais de argila e de matéria orgânica no
solo, assim como com o tipo de argila.
A neutralização de um solo ácido com calcário (CaCO3) pode ser representada pela
reação:
H Ca
SOLO + 2CaCO3 + H 2O → SOLO + Al (OH ) 3 + 2CO2 ↑
Al Ca
O calcário neutraliza a acidez representada por H + Al, sendo o Ca2+ e o Mg2+ adsorvidos
77
aos colóides do solo no lugar dos cátions de caráter ácido. O alumínio é precipitado como
hidróxido de baixa solubilidade e o gás carbônico é perdido para a atmosfera.
78
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