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FUNDAÇÃO UNIVERSIDADE FEDERAL DE RONDÔNIA

NÚCLEO DE SAÚDE
DEPARTAMENTO DE PSICOLOGIA
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM PSICOLOGIA
MESTRADO ACADÊMICO EM PSICOLOGIA

MAHAMOUD BAYDOUN

“NÃO SOU NEM CURTO AFEMINADOS”: REFLEXÕES VIADAS


SOBRE A MASCULINIDADE HEGEMÔNICA E A EFEMINOFOBIA NO
GRINDR

Porto Velho- RO
2017
MAHAMOUD BAYDOUN

“NÃO SOU NEM CURTO AFEMINADOS”: REFLEXÕES VIADAS


SOBRE A MASCULINIDADE HEGEMÔNICA E A EFEMINOFOBIA NO
GRINDR

Dissertação apresentada ao Programa de Pós-


Graduação em Psicologia como parte dos
requisitos para obtenção do título de mestre em
Psicologia pela Universidade Federal de
Rondônia – (UNIR).
Linha de Pesquisa: Psicologia da Saúde e
Processos Psicossociais.
Orientadora: Profa. Dra. Melissa Andrea Vieira
de Medeiros.

Porto Velho- RO
2017
Dedico esse manuscrito a todas, todos e todxs aquelas,
aqueles e aquelxs que foram alocados ao abjeto.
AGRADECIMENTOS

A elaboração dessa dissertação e minha jornada no Mestrado Acadêmico em


Psicologia (MAPSI) da Fundação Universidade Federal de Rondônia (UNIR) foram
perpassadas por inúmeros desafios cuja superação apenas me foi possível devido
ao apoio imensurável que recebi de muitas pessoas que fizeram parte da trajetória
que trilhei enquanto mestrando. Portanto, venho por meio destas palavras agradecer
todos que ajudaram a regar meus sonhos e propulsionar meu crescimento
acadêmico-profissional.
Agradeço primeiramente a minha orientadora Profa. Dra. Melissa Andrea
Vieira de Medeiros, ou desorientadora como ela própria se autodenomina por
sempre respeitar minha liberdade intelectual e meu tempo de escrita, sem pressões,
sem coerções, sem beliscões. Não existe amor sem liberdade!
Expresso minha imensa gratidão a Profa. Dra. Carmita Helena Najjar Abdo,
ao Prof. Dr. Estevão Rafael Fernandes e ao Prof. Dr. Giancarlo Spizziri pelas
considerações cruciais que teceram durante a banca de qualificação as quais
contribuíram para o enriquecimento desse manuscrito.
Quero expressar meus agradecimentos a todos os professores e todas as
professoras que dedicaram parte do seu tempo e compartilharam parte de sua
sabedoria durante nossa jornada como pesquisadores em formação.
Agradecimentos especiais a Profa. Dra. Marli Lucia Tonato Zibetti por ser, na minha
opinião, uma professora exemplar. A ela, sou muito grato por me ensinar a escrita
científica, por me encorajar sempre a me engajar em projetos de pesquisa e
extensão e por se preocupar sempre com meu crescimento acadêmico, tanto nos
tempos da graduação em psicologia quanto nos anos do mestrado. Agradeço ainda
ao padrinho do MAPSI- nosso querido Antenor por toda a atenção dispensada
durante os dois anos do programa.
Quero expressar também meus imensos agradecimentos a todos/todas
meus/minhas colegas da turma do mestrado pelos momentos inesquecíveis que
passamos juntos e pelo compartilhamento de conhecimentos e experiências que foi
tão ou até mais enriquecedor que a miríade de textos/livros aos quais tivemos
acesso durante as disciplinas.
Agradeço especialmente a Luciana Duarte por ser o melhor presente que o
MAPSI me deu e por me livrar sempre do maior pesadelo de todos os estudantes da
UNIR: O “Ônibus Campus UNIR” e ao Luciano Fonseca por se dispor
voluntariamente a me entrevistar usando os roteiro de consignas disparadoras que
elaborei para essa pesquisa. Esse processo contribuiu significativamente para uma
escuta com maior qualidade durante a realização das entrevistas com meus
colaboradores. Agradecimentos especiais a Mestre Maria Enilsa Januário Falcão por
me emprestar seu aparelho de data show para a defesa da dissertação.
Expresso, além disso, minha gratidão a psicóloga Bruna Cerqueira Paes e a
toda família Bem- Viver pelo carinho, coleguismo e compreensão, principalmente no
último mês antes da entrega do manuscrito quando tive que desmarcar inúmeros
atendimentos e compromissos profissionais para conseguir finalizar a escrita dessa
dissertação.
Destaco ainda que sou muito grato a Hanady Baydoun pela vida que ela me
deu, por ser a melhor mãe da minha vida e por me apoiar sempre apesar de todas
as dificuldades que tenho enfrentado. Ela e minhas irmãs Monaliz e Jana são as
pessoas mais importantes da minha vida.
Agradeço a minha terapeuta Patrícia Rafaela por acompanhar meu
desenvolvimento pessoal, acadêmico e profissional durante os últimos seis anos.
Sou imensamente grato por ter acolhido todas minhas angústias, anseios,
frustrações e crises existenciais que foram intensificadas durante o andamento da
pesquisa e a elaboração da dissertação.
Quero, além disso, expressar meus imensos agradecimentos a Coordenação
de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES) por me permitir o
privilégio de receber uma bolsa de estudos durante os dois anos do programa. Digo
“privilégio” porque dificilmente receberia esse apoio indispensável em outro país,
ainda mais sendo estudante de uma instituição pública isenta de mensalidades.
Agradeço, ainda, a todos/todas meus/minhas pacientes, alunos e alunas, pois
sem a confiança depositada na minha capacidade profissional, não seria possível
apresentar trabalhos acadêmicos – frutos do programa- em congressos nacionais e
internacionais.
Expresso também meus imensos agradecimentos a Sociedade Brasileira de
Estudos em Sexualidade Humana (SBRASH) pela oportunidade de receber um
prêmio pelo vídeo-produção: “Meu lado feminino não fere meu lado masculino” que
foi fruto das reflexões sobre efeminofobia tecidas no bojo dessa dissertação. Tais
iniciativas são imprescindíveis para o incentivo de jovens pesquisadores e
mestrandos como eu.
Não posso esquecer de agradecer minhas amigas Camila Patriota, Fernanda
Andrade, Mariana Toledo por acolher minhas lamúrias, crises de ansiedade,
lamentações e dramas histéricos. Sem vocês, a vida seria mais difícil! A Marisa
Almeida pela sabedoria, serenidade e pelos bons vinhos e deliciosos cafés também.
Agradecimentos especiais também a Fernanda Rocha e Marcela Abiorana pela
ajuda imensurável na transcrição das entrevistas- o maior pesadelo de qualquer
mestrando.
Por fim, gostaria de expressar meus imensos agradecimentos aos dez
colaboradores que se dispuseram a fazer parte dessa pesquisa de forma
completamente voluntária. Sou muito grato por contribuírem para a produção
científica do nosso estado e para a promoção de reflexões e debates acerca das
relações homodesejantes mediadas online.
Além de me oferecer uma nova titulação, me permitir o crescimento enquanto
pesquisador e ser humano e ampliar meus conhecimentos na área da psicologia e
nos estudos de gênero e sexualidade, minha passagem pelo MAPSI me
proporcionou momentos inesquecíveis e me mostrou que a conquista dos nossos
sonhos não depende apenas da nossa perseverança e determinação, mas também
da presença daqueles com os quais podemos sempre contar para compartilhar
nossas experiências, leituras, reflexões, pensamentos, esperanças, expectativas,
medos e anseios.
“Meu lado feminino não fere meu lado masculino”.

Pepeu Gomes
BAYDOUN, Mahamoud. “Não sou nem curto afeminados”: Reflexões viadas
sobre a masculinidade hegemônica e a efeminofobia no Grindr. Porto Velho, 2017,
195 f. Dissertação (Mestrado em Psicologia). Fundação Universidade Federal de
Rondônia, Porto Velho, 2017.

RESUMO

O Grindr é considerado um dos maiores aplicativos baseados na localização voltado


para homens que buscam por relações homodesejantes. O nome da plataforma
digital foi inspirado pela ação de uma moedora de café (em inglês: grinder), uma vez
que seu principal objetivo é promover a sociabilidade entre os usuários, tanto online
como off-line. Observa-se, todavia, que as relações homodesejantes são permeadas
pelos ideais da masculinidade hegemônica e pela abjeção ao efeminamento.
Enquanto os homens que se enquadram no modelo dominante de masculinidade
são constantemente erotizados, os efeminados se tornam vítimas da efeminofobia,
tanto no mundo real quanto no virtual. Portanto, essa pesquisa qualitativa visou tecer
reflexões acerca dos ideais de masculinidade hegemônica e os discursos
efeminofóbicos que perpassam as relações homodesejantes mediadas pelo Grindr
na zona urbana de Porto Velho-Rondônia, pautando-se nas contribuições dos
estudos viados. A investigação se consolidou sobre dois arsenais metodológicos: a
etnografia virtual e a realização de entrevistas individuais com 10 usuários do
aplicativo. Foram evidenciados sentimentos e discursos efeminofóbicos nas
descrições de perfil analisadas. O estigma e a estereotipia socialmente afligidos aos
homens efeminados se replicam no Grindr em forma de preferências eróticas
expressas em descrições de perfil com discursos apologéticos. Os relatos dos
colaboradores demonstraram a internalização desses discursos e dos ideais da
masculinidade hegemônica cuja supremacia se perpetua não apenas através da
coerção, mas também através do consentimento. Destacou-se, além disso, que as
demandas referentes a esse modelo de expressão de gênero giram em torno do
mesmo ideal: “Pareça heterossexual”, mesmo que não seja! Ressaltou-se que tais
exigências se camuflam por trás da idealização reiterada do corpo “sarado,
musculoso e liso” concebido socialmente como sinônimo de enquadramento nos
ideais da masculinidade hegemônica cuja propagação passa também pelo crivo de
intersecções como o papel sexual, a classe social, a faixa etária e a raça. Os relatos
dos colaboradores expuseram comparações entre a plataforma digital e o mercado
de carnes, evidenciando a lógica mercadológica que pervaga aplicativos como o
Grindr. Assim, muitos usuários se apresentam imagética e discursivamente como
consumidores-produtos cuja característica mais importante é o enquadramento no
modelo dominante de masculinidade (ser macho). Para tanto, precisam renegar
atributos que remetam ao efeminamento ou ponham em xeque os ideais de
masculinidade hegemônica impostos pela matriz heterossexual, pois aqueles os
alocariam ao abjeto e os arremessariam fora do mercado das relações
homodesejantes mediadas online. Recomenda-se que plataformas digitais como o
Grindr lancem campanhas contra a efeminofobia, principalmente em cidades de
médio porte como Porto Velho onde os ideais da masculinidade hegemônica se
propagam coercitivamente.
Palavras- Chave: Masculinidade hegemônica. Efeminofobia. Aplicativos baseados
na localização. Relações homodesejantes. Abjeção.
BAYDOUN, Mahamoud. “I’m not a sissy nor into one”: Queer reflections about
hegemonic masculinity and effeminophobia on Grindr. Porto Velho, 2017, 195 p.
Thesis (Masters Degree in Psychology). Fundação Universidade Federal de
Rondônia, Porto Velho, 2017.

ABSTRACT

Grindr is one of the world’s largest gay location- based apps. Its name was inspired
by the action of a coffee grinder because its main purpose is to promote sociability
among its users, both online and offline. However, homoerotic relations are
influenced by the ideals of hegemonic masculinity and the abjection towards
effeminacy. While men who fit into the dominant model of masculinity are constantly
eroticized, those who are effeminate have become victims of anti-effeminacy, both in
the real and virtual worlds. Therefore, this qualitative research aimed elaborate
reflections about the hegemonic masculinity ideals and anti-effeminate discourses
that pervade the homoerotic relations mediated by Grindr in the urban area of Porto
Velho-Rondônia. The investigation was based from two methodological bodies: a
virtual ethnography and face-to-face interviews with 10 Grindr-users. Effeminophobic
feelings and discourses were evident in the analyzed profile descriptions. The stigma
and stereotypes that are socially inflicted on effeminate gay men seem to be
replicated on Grindr in the form of erotic preferences, which are expressed in profile
descriptions containing apologetic discourses. The interviews shed light on the
internalization of these discourses as well as the ideals of hegemonic masculinity
whose supremacy is not only perpetuated through coercion, but also through
consent. Besides, it was depicted that the demands regarding this model of gender
expression revolve around the same ideal: “Look heterosexual”, even if you’re not!
These exigencies can be concealed by the reiterated idealization of the “ fit, muscled
and hairless” body that is socially conceived as a synonym of fitting into the ideals
of hegemonic masculinity whose propagation is also influenced by intersections like
sexual role, social class, age and race. The interviews made comparisons between
the digital platform and the meat market, which illustrates the marketing logic that
hovers over apps like Grindr. As such, a lot of users present themselves, both
through images and texts, as consumers/products whose most important
characteristic is fitting into the dominant model of masculinity (be a macho). For this
reason, it is necessary to deny attributes that are associated to effeminacy or raises
doubts over the hegemonic masculinity ideals imposed by the heterosexual matrix,
because those can allocate them to abjection and throw them out of the market of
homoerotic relations mediated online. Gay location-based apps like Grindr must be
urged to launch campaigns to fight against anti-effeminacy, especially in middle-sized
cities like Porto Velho where hegemonic masculinity ideals are coercively
propagated.
Key words: Hegemonic masculinity. Effeminophobia. Location-based apps.
Homodesiring relations. Abjection.
LISTA DE ILUSTRAÇÕES

Figura 1- Imagem promocional do Grindr disponível no site do aplicativo até o


primeiro semestre de 2016. ....................................................................................... 22

Figura 2- Grindr (Nova Versão) ................................................................................. 23

Figura 3- Área de mensagens (Grindr) ...................................................................... 25

Figura 4- Como funciona o Grindr? ........................................................................... 26

Figura 5- Informações do perfil (Grindr) .................................................................... 27

Figura 6- Sexo de Nascimento .................................................................................. 52

Figura 7- Gênero Designado ..................................................................................... 53

Figura 8- Alinhamento (sexo-gênero-sexualidade).................................................... 57


LISTA DE TABELAS

Tabela 1-Síntese de dados dos participantes das entrevistas .................................. 84


LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLAS

AIDS Síndrome da Imunodeficiência Adquirida

APA Associação Americana de Psiquiatria

CAPES Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior

CEP/UNIR Comitê de Ética em Pesquisa/ Fundação Universidade Federal


de Rondônia

CID-10 Classificação Estatística Internacional de Doenças e Problemas


Relacionados à Saúde- 10ª Edição

CONEP Comissão Nacional de Ética em Pesquisa

DSM-5 Manual Diagnóstico e Estatístico de Transtornos Mentais- 5ª


Edição

GLS Gays, Lésbicas e Simpatizantes

GPS Sistema de Posicionamento Global

GRID Gay Related Immuno-deficiency

HIV Vírus da Imunodeficiência Humana

HSH Homens que fazem sexo com homens

ISTs Infecções Sexualmente Transmissíveis

LGBTIQA Lésbicas, Gays, Bissexuais, Transsexuais, Interssexuais,


Questioning, Assexuais

MAPSI Programa de Mestrado Acadêmico em Psicologia da Fundação


Universidade Federal de Rondônia

OMS Organização Mundial da Saúde


ONGs Organizações Não-Governamentais

TCLE Termo de Consentimento Livre e Esclarecido


SUMÁRIO

1 APRESENTAÇÃO ................................................................................................... 1

2 INTRODUÇÃO ....................................................................................................... 12

3 AS RELAÇÕES HOMODESEJANTES MEDIADAS DIGITALMENTE .................. 17

3.1 AS RELAÇÕES HOMODESEJANTES: DO PASSADO AO PRESENTE ......... 17


3.2 UM PASSEIO PELO GRINDR .......................................................................... 21
3.3 AS RELAÇÕES HOMODESEJANTES MEDIADAS PELO GRINDR ................ 30

4 CONTRIBUIÇÕES DOS ESTUDOS VIADOS ........................................................ 37

4.1 O NASCIMENTO DA TEORIA QUEER VIADA ................................................. 37


4.2 A PERFORMATIVIDADE DE GÊNERO E A ABJEÇÃO DOS CORPOS
ESTRANHOS ........................................................................................................ 45

5 MASCULINIDADE HEGEMÔNICA E EFEMINOFOBIA ........................................ 49

5.1 EXPRESSÕES DE GÊNERO, MASCULINIDADE E OUTROS CONCEITOS


BÁSICOS EM SEXUALIDADE HUMANA............................................................... 49
5.2 MASCULINIDADE HEGEMÔNICA E MACHOFASCISMO: O
ENALTECIMENTO DO HOMEM VIRIL .................................................................. 59
5.3 EFEMINOFOBIA: A GUERRA CONTRA O MENINO/HOMEM AFEMINADO .. 68

6 MÉTODO................................................................................................................ 72

6.1 OBJETIVOS ..................................................................................................... 72


6.2 TIPO DE PESQUISA ........................................................................................ 73
6.3 LOCAL DO ESTUDO E SUJEITOS DA PESQUISA ......................................... 76
6.3.1 Pesquisando online: A imersão no Grindr ................................................. 76
6.3.2 Pesquisando offline: Local e sujeitos das entrevistas individuais ............. 76
6.4 PROCEDIMENTOS ......................................................................................... 77
6.5 ANÁLISE .......................................................................................................... 85
6.6 PROCEDIMENTOS ÉTICOS ........................................................................... 89

7 “PAREÇA HETEROSSEXUAL”, MESMO QUE NÃO SEJA: DISCUSSÕES E


REFLEXÕES VIADAS .............................................................................................. 91
7.1 “FORA AFEMINADOS”: AS DIFERENTES FACETAS DA EFEMINOFOBIA NO
GRINDR................................................................................................................. 94
7.2 “ FESTIVAL DE BÍCEPS E TRÍCEPS”: O CORPO SARADO COMO
METÁFORA DA MASCULINIDADE ..................................................................... 117
7.3 “O PADRÃO DO PADRÃO”: A MASCULINIDADE HEGEMÔNICA E OUTRAS
INTERSECÇÕES ................................................................................................ 131
7.4 “ O SHOPPING DA CARNE: QUE CORPOS SE VENDEM E QUE CORPOS SE
DESCARTAM? ” .................................................................................................. 142

8 CONSIDERAÇÕES FINAIS ................................................................................. 149

REFERÊNCIAS ....................................................................................................... 152

APÊNDICE A- TERMO DE CONSENTIMENTO LIVRE E ESCLARECIDO


(MODELO) .............................................................................................................. 165

APÊNDICE B-TERMO DE COMPROMISSO DA ORIENTADORA ........................ 169

APÊNDICE C-TERMO DE COMPROMISSO DO PESQUISADOR ........................ 170

APÊNDICE D- TERMO DE ANUÊNCIA DA INSTITUIÇÃO ................................... 171

APÊNDICE E- ROTEIRO PARA AS ENTREVISTAS INDIVIDUAIS ...................... 172

APÊNDICE F- COMPROVANTE DE SUBMISSÃO DO PROJETO DE PESQUISA


AO COMITÊ DE ÉTICA EM PESQUISA (CEP) ...................................................... 174

APÊNDICE G- PARECER CONSUBSTANCIADO DO COMITÊ DE ÉTICA EM


PESQUISA (CEP) ................................................................................................... 175
1

1 APRESENTAÇÃO

Acredito que o título dessa dissertação “‘ Não sou nem curto afeminados’”:
Reflexões viadas sobre a masculinidade hegemônica e a efeminofobia no Grindr”
gere curiosidade na grande maioria dxs prospectivxs leitorxs. Isto não se deve
apenas à utilização de um termo socialmente associado ao chulo como parte do
título. A expressão “viados” provavelmente fará com que alguns/algumas/algxs
arregalem os olhos e exclamem “que absurdo! ” Tais acontecimentos me fariam
muito feliz, pois o uso desse termo visto culturalmente como pejorativo não visa
nada mais nada menos do que criar uma sensação de desconforto e estranhamento
por parte dxs leitorxs antes mesmo do início do manuscrito. Se eu usasse a
expressão queer, alguns/algumas/algxs talvez achariam “bonitinho” ou até “chique”
por ser em inglês, o que não faria jus a toda a luta travada pelos estudos queer
desde seu surgimento nem aos objetivos que direcionaram a investigação que
inspirou a elaboração dessa dissertação.

Não obstante, suponho que a curiosidade maior seria gerada pelos termos
pouco comuns no cotidiano da maioria dos cidadãos brasileiros: efeminofobia e
Grindr. Embora muitxs provavelmente se sentiriam instigadxs a ler o texto porque
utilizam ou já utilizaram o aplicativo Grindr e viram no título, além do nome da
plataforma digital, uma das frases com a qual qualquer sujeito que roda o aplicativo
em seu tablet ou smartphone dentro do território brasileiro já se deparou: “ Não sou
nem curto afeminados”, muitxs outrxs possivelmente se perguntariam: “ Que diabos
é o Grindr?” E, portanto, decidiriam ler o trabalho numa tentativa desesperada de
matar a curiosidade.

Para não enrolar muito ou soar prolixo-algo que domino fazer- o Grindr é um
dos maiores aplicativos baseados na localização voltado a homens homossexuais
ou outros homens que fazem sexo com homens (HSH). Os usuários o baixam em
seus smartphones ou tablets no intuito de triangular parceiros sexuais, eróticos ou
amorosos em potencial com base na proximidade geográfica, utilizando a tecnologia
do Sistema de posicionamento global (GPS).

Todavia, nessa apresentação, não quero me deter sobre aspectos estruturais


e funcionais do aplicativo, pois isso será tratado numa seção específica do
2

manuscrito na qual a plataforma digital e suas ferramentas serão apresentados


detalhadamente, a partir das minhas próprias experiências dentro da plataforma e
das observações de outrxs pesquisadorxs que já desenvolveram pesquisas sobre
essa mídia digital.

Quero escrever aqui sobre o início da minha relação com o Grindr e os


acontecimentos que me levaram a desenvolver a minha pesquisa do mestrado
especificamente sobre as expressões da efeminofobia (preconceito contra homens
efeminados ou que não se enquadram no padrão hegemônico de masculinidade)
nas relações homodesejantes mediadas pelo Grindr. Peço licença para escrever
essa apresentação na primeira pessoa do singular-algo que evitarei fazer ao longo
dessa dissertação para tentar deixa-la o menos pessoal possível, embora tenha
certeza que não obterei nenhum êxito nessa tentativa.

Meu primeiro contato com o Grindr foi em Janeiro de 2014. Na véspera, fazia
parte de um programa de trabalho voluntário em Lima-Peru. Os/As/xs responsáveis
pelo projeto prometeram um alojamento em casa de família, pois eu havia destacado
na minha ficha de inscrição que gostaria de treinar meu espanhol. Ao contrário do
combinado, fui arremessado sozinho num quarto minúsculo dentro de um prédio
localizado perto da última estação do metropolitano. Longe dos bairros boêmios e do
centro da cidade e sem muito dinheiro para gastar em transporte e baladas, passava
noites solitárias e carentes olhando o teto, até que outro voluntário brasileiro me
recomendou usar o Grindr. Baixei o aplicativo com o intuito de encontrar parceiros
em potencial sem ter que me despencar para a boate GLS, treinar meu espanhol
nas conversas de bate-papo e de quebra, quem sabe eu não encontraria meu tão
sonhado “príncipe encantado”.

Fiquei maravilhado pelo uso do aplicativo e por sua facilidade de promover


encontros reais através de uma mera conversa online. Embora não encontrasse o
grande homem da minha vida ali, não posso negar que conheci várias pessoas
interessantes e tive diversas experiências agradáveis por meio do aplicativo. Estava
tão fascinado pois o aplicativo era uma novidade para mim na época e não lembro
de ter me deparado com qualquer tipo de angústia enquanto usava o mesmo fora do
país. O desconforto e a agonia começaram quando retornei ao Brasil e decidi rodar
o aplicativo na minha cidade Porto Velho. De repente, os convites para jantar à beira
3

do Pacífico foram substituídos por uma chuva de comentários e descrições


preconceituosas de perfil, perguntas incessantes sobre minha discrição e sobre
minha expressão de gênero antes de pelo menos iniciar uma conversa e chamadas
por telefone para verificar como seria minha voz caso eu decidisse dar continuidade
à conversa com outro usuário. Me chamou atenção a quantidade de descrições de
perfil com frases do tipo: “ Não a gordos”; “ Macho a procura de macho” ; “Macho,
discreto e fora do meio”, entre outras. Mas confesso que as que mais me
incomodavam eram aquelas que anunciavam uma guerra contra usuários
efeminados como: “ Fora afeminados”; “Não sou nem curto afeminados”; “Fugindo
de afeminado, pois de mulher o mundo tá cheio”.

Tais perfis me causavam tanta angústia que no primeiro momento os


bloqueava para não aparecerem mais na minha plataforma. Quando algum usuário
“puxava papo” comigo e perguntava se eu era efeminado, eu o ignorava, negava ou
bloqueava, pois sabia que se eu admitisse a verdade, eu que seria ignorado ou
bloqueado após ter minha identidade de gênero como homem questionada, algo que
me causa muito ódio. Isso, todavia, se repetia tanto, que não dava mais para
simplesmente ignorar. Portanto, parti de uma atitude de vistas grossas para uma
atitude de confronto e comecei a debater com usuários que carregavam esse tipo de
discurso, problematizar, perguntar sobre as razões por trás das descrições de perfis
que apresentavam e tentar convencê-los que essas poderiam “fazer mal” aos
homens que se identificavam como efeminados, mas tudo em vão. A princípio,
pensava que tais discursos resultavam da homofobia internalizada e da não-
aceitação dos próprios desejos sexuais. Portanto, por trás deles teriam homens que
ainda não tiveram a coragem e/ou oportunidade de sair do armário. Mas como Porto
Velho é uma cidade de médio porte, eu já conhecia de vista alguns dos usuários da
plataforma. Percebi, portanto, que mesmo alguns dos usuários que não se
enquadram no padrão hegemônico de masculinidade e já saíram do armário
carregavam esse tipo de discurso. Depois, percebi, que eu mesmo, me sentia mais
atraído por perfis onde os caras apresentavam fotos ou descrições que os
assemelhavam à figura do homem titular da masculinidade hegemônica. A angústia
se mesclou com sentimentos de raiva e se acentuava cada vez mais. Já tinha em
mãos a mola propulsora da minha futura pesquisa de mestrado: o desconforto que
os discursos/atitudes efeminofóbicas me causavam ao acessar o Grindr. Estava
4

convicto que teriam outros usuários que sentiam o mesmo e pensei que algo deveria
ser feito urgentemente para quebrar o silêncio e dar visibilidade a essas questões.

Não posso negar que, de fato, o tema-pivô da investigação “mexe” muito com
meus “conteúdos psíquicos”, e não digo inconscientes, porque o sofrimento é
consciente, e até demais. Tanto o acesso ao aplicativo antes e durante a realização
da pesquisa quanto a escrita desse texto foram intercalados por inúmeras pausas de
resistência, períodos longos de procrastinação e noites mal dormidas pensando em
como a sociedade não é justa com aquelxs que assim como eu põem em xeque os
ideais da masculinidade hegemônica e as normas impostas pela matriz
heterossexual. Acrescenta-se a isso visitas frequentes a minha analista para falar
dos sentimentos negativos que frases, expressões e descrições de perfil como “ Não
sou nem curto afeminados” e “ Fora afeminados” me causavam.

O desconforto era tão grande que se eu acessasse o aplicativo à noite e visse


um comentário desses, eu passava o próximo dia inteiro refletindo e pensando
cabisbaixo. De certa forma, essas descrições me remetiam à exclusão que outrora
sofrera na escola antes mesmo de entender a natureza dos meus desejos sexuais
ou saber o que de fato era “desejo” ou “sexualidade”. A única coisa que passava na
minha cabeça era: “ Meu Deus! Isso de novo”! Como eu não era um menino que se
enquadrava nos padrões hegemônicos de masculinidade socialmente impostos seja
pelo contexto cultural libanês ou brasileiro, eu fui vítima crônica de chacotas e
coerções tanto por parte de professores como por parte de outrxs alunxs durante
minha infância e adolescência em Beirute. Como minha forma de andar, minha voz
fina, meu desinteresse em esportes e muitos dos meus gestos eram socialmente
associados ao feminino, eu era comumente taxado pelos meus “colegas” como
Bannouti- expressão libanesa para menino efeminado- ou então exigido tanto pelxs
alunxs quanto pelxs professorxs a mudar meu jeito de ser, ou então, a “ser homem”,
como se o fato de ser efeminado significasse que eu não era menino/homem.

Na véspera, sentia como se o mundo estivesse em guerra contra mim e não


me sentia confiante o suficiente para me defender. Minha resposta era sempre o
silêncio, pois para o status quo lá vigente, o errado sempre era eu: afinal das contas,
quem mandou não ser capaz de performatizar as características socialmente
5

associadas à masculinidade? Quem mandou avassalar a imagem do


“menino/homem viril” visto como a única possibilidade de ser “menino/homem”?

Sem a existência de leis no país que defendiam os direitos de minorias como


aquela da qual faço parte, sem o apoio dos pais que então residiam no Brasil e sem
uma estrutura psicótica de personalidade para surtar e desequilibrar de vez, minha
única saída era e sempre foi estudar.

No Ensino Fundamental II, ser estudioso não foi suficiente para me salvar das
retaliações morais e sociais infligidas sobre aquelxs que põe em xeque as normas
impostas pelo patriarcado. “Mahamoud tem um QI acima da média, mas tem que
apertar os parafusos (expressão utilizada no Líbano para se referir a um
menino/homem que precisa ser mais viril)”, disse uma professora de inglês na Oitava
série. “ O que adianta ser estudioso e inteligente se é bannouti desse jeito”, disse um
professor de matemática na Nona série.

Embora as chacotas e coerções continuassem, o Ensino Médio finalmente me


permitiu ao menos amenizar as pressões e criar uma rede de apoio constituída
daquelxs que outrora me caçoavam por ser “diferente dos outros meninos”. As
disciplinas se tornavam cada vez mais difíceis, os conteúdos cada vez mais
complexos e xs professorxs cada vez mais exigentes. As reprovações e número de
visitas dxs alunxs à sala do diretor aumentavam paulatinamente. Certo dia, um
adolescente rico e que se encaixa nos padrões hegemônicos de masculinidade
chegou na escola e começou a me caçoar enquanto eu lia na escada. “ Seu
bannouti”, exclamava em frente a todxs. “Você deveria se vestir de rosa”, gritava ele,
enquanto xs outrxs gargalhavam. Como sempre, me mantive em silêncio, não por
sabedoria ou serenidade, mas por covardia e por desconhecimento do que poderia
acontecer se eu decidisse me defender- algo que era longe de ser uma opção então.

Poucos minutos depois, o adolescente entra na sala do diretor e sai chorando,


pois havia sido ameaçado por expulsão caso não melhorasse seu rendimento
escolar. O adolescente correu aos meus pés, pedia desculpas aos prantos enquanto
implorava que o ajudasse com os conteúdos de química e biologia para passar na
prova. Meus olhos brilharam e finalmente tive a convicção que se algo iria me salvar
daquele inferno seria meu cérebro, com toda modéstia. Dito e feito, eu não apenas
6

consegui que o garoto parasse de tirar sarro de mim, mas também ganhei um
guarda-costas, pois toda vez outrxs tentavam me caçoar, ele se levantava para me
defender. E foi assim com várixs outrxs: me zoavam por ser efeminado, precisavam
de ajuda nos estudos, eu ajudava e elxs paravam. Digamos que foi de uma forma ou
outra: conhecimento em troca de respeito.

Não relatei esses acontecimentos com o objetivo de despertar pena ou me


colocar no lugar de vítima, pois esse é um lugar que jurei nunca mais ocupar desde
que decidi voltar ao Brasil onde sabia que teria uma proteção legal mais robusta
caso decidisse me defender. Eu narrei os mesmos porque eu acredito que
influenciaram na escolha do tema-pivô da pesquisa do mestrado que deu origem a
esse manuscrito. Para Juan-David Nasio (1997), só existe uma dor D2 se existisse
uma dor D1. Sem as experiências acima apresentadas, as descrições de perfil do
tipo “ Não sou nem curto afeminados” provavelmente não me causariam um
desconforto pessoal tão grande a grau de dedicar dois anos da minha trajetória
acadêmica para tecer reflexões acerca dos meandros que permeiam esse tipo de
discurso. Eis que depois de 10 anos uso o mesmo mecanismo de intelectualização e
busco a mesma saída nos estudos para aquilo que me atormenta.

A impessoalidade e neutralidade absoluta do pesquisador são mitos,


sobretudo em pesquisas em ciências humanas. Tanto meu interesse na psicologia e
paixão pelos estudos em sexualidade humana quanto a escolha do tema-central da
pesquisa são perpassados por minha subjetividade e pelas experiências que me
constituíram como sujeito único e singular. Digo isso, desde o início, para que
ninguém seja pervagado por pensamentos do tipo: “Ele não tá sendo imparcial”,
“Essa análise está enviesada”, “ Ele está defendendo os afeminados e atacando os
titulares de masculinidade hegemônica”. Não há como ser totalmente neutro e
imparcial se minhas experiências de vida fazem parte da minha constituição como
sujeito único e singular, e portanto, como pesquisador-mestrando também único e
singular: penso com base nas minhas leituras e naquilo que aprendi, vejo com meus
olhos e escrevo com minhas mãos usando uma linguagem que adquiri a partir do
contato com o meio sociocultural que me cerca. Por isso, as reflexões que trago no
bojo desse manuscrito não seriam tecidas da mesma forma por qualquer outrx
mestrandx, pois todxs temos experiências de vida diferentes e é praticamente
7

impossível deixar nossa subjetividade por inteiro no vestuário enquanto praticamos o


trabalho de escrita.

Eu juro que tentei fugir de mim mesmo. Inclusive, antes de entrevistar meus
colaboradores durante o andamento da pesquisa, solicitei a um colega do mestrado
que me entrevistasse usando o mesmo roteiro de entrevista, porque queria me
esvaziar de mim e não queria que minha escuta fosse poluída com meus conteúdos
e questionamentos.

No início, na verdade, queria pesquisar o impacto da virtualização nas


relações sexuais como um todo. Mas, continuava acessando o Grindr por fins
pessoais e aqueles comentários não paravam de me atordoar. Comecei a fazer o
curso de Especialização em Sexologia na Faculdade de Medicina da Universidade
de São Paulo e enquanto rodava o aplicativo na grande metrópole, apareciam os
mesmos tipos de descrições, comentários e exigências. Me questionava cada vez
mais sobre o caráter repetitivo desse discurso no aplicativo, mas lembrava sempre
de algumas frases que minha desorientadora sempre dizia na graduação: “ Cada um
sabe da dor e delicia do que quer” e “ Cada um goza como pode”. Mas eu pensava
se a pulsão, para Freud (1915/2006) não tem objeto definido, e cada um de nós
possui desejos únicos e singulares, onde estaria essa singularidade se a maioria dos
homens que buscam por relações homodesejantes procuram o mesmo perfil de
homens?

Eu guardava meus pensamentos para mim mesmo, até que um dia conheci
um sociólogo através do aplicativo e ao compartilhar meus questionamentos, ele
sugeriu que lesse as publicações de Richard Miskolci. Assim, além do meu
background pessoal, as pesquisas que Miskolci desenvolve acerca das relações
homodesejantes mediadas digitalmente há mais de 10 anos serviram de inspiração
para esse trabalho. A leitura de dois artigos publicados por Miskolci foram essenciais
para o desenvolvimento do projeto que deu origem a essa dissertação: “ Machos e
Brothers: uma etnografia sobre o armário em relações homoeróticas criadas on-line”
(2013) e “ ‘ Discreto e fora do meio’- Notas sobre a visibilidade sexual
contemporânea” (2015). Achei fantástica a ideia de usar expressões, frases e
vocábulos comuns na sociabilidade dos homens que utilizam aplicativos como o
Grindr para intitular as publicações e me senti inspirado a fazer o mesmo com o
8

comentário que mais me causava desconforto e me gerava questionamentos: “ Não


sou nem curto afeminados”.

Outro aspecto que me instigou na leitura de Miskolci foi a apropriação da


Teoria Queer1 e a leitura crítica que fazia das suas observações na pesquisa
etnográfica e da busca desses homens por vivenciar seus desejos em segredo. Eu
fui mordido pelo queer aos 16 anos quando buscava um suporte em leituras na
internet para entender meus desejos durante o processo de saída do armário. Desde
então, não consigo enxergar nem a sexualidade nem o mundo como um todo de
forma binário ou simplista. Desde então, compreendo a sexualidade, as identidades
e expressões de gênero como construções socioculturais e históricas que
ultrapassam a mera biologia. A leitura do livro “Teoria Queer: Um aprendizado pelas
diferenças” (MISKOLCI, 2012) me permitiu o acesso a um pequeno texto de
Giancarlo Conejo (2012) publicado no final do livro: “ A guerra declarada contra o
menino afeminado”. O título é inspirado por um texto publicado por Eve Kosofsky
Sedgwick em 1991: “How to Bring Your Kids Up Gay: The War on Effeminate Boys”,
cuja leitura me apresentou a expressão “efeminofobia” utilizada aqui para se referir
ao preconceito que aflige meninos/homens efeminados ou que não se enquadram
no padrão hegemônico de masculinidade. Finalmente, consegui nomear aquilo que
outrora me afligira e que me causava tanto desconforto ao acessar o aplicativo, tanto
como pessoa quanto como alguém que questiona o tempo todos as normas
impostas pela matriz heterossexual. Pronto! Já tinha angústia e suporte teórico- tudo
o que ao meu ver era necessário para dar início à investigação.

Escrevo isso porque a leitura desse manuscrito pode gerar a sensação que
estou atacando aqueles que não curtem afeminados e fazem uso de
comentários/descrições de perfis do tipo que me fazia marcar uma sessão extra de
análise, e de alguma forma isso não deixa de ser verdade. Os/as/xs adeptxs da
psicanálise podem pensar que seja recalque, questões edípicas mal resolvidas, ou

1 A expressão “queer” é uma expressão comumente utilizada por falantes da língua inglesa para se
referir àqueles que não se enquadram nas normas impostas de gênero e sexualidade. Embora soe
um termo clássico e romantizado quando se usa em textos em português, “queer” significa “estranho”,
“anormal”, enfim “uma aberração”. A teoria/estudos queer adotam essa nomenclatura como protesto
contra à subalternização reiterada daqueles que põem em xeque o alinhamento (sexo-gênero-
sexualidade) e as lógicas binárias construídas a base de relações de poder (homem-mulher;
heterossexual-homossexual; masculino-feminino, etc.)
9

então, inveja daquilo que não tenho: a masculinidade hegemônica, e eu também


pensava isso no início. Não obstante, é importante lembrar que as reflexões e
considerações que teço nesse trabalho são em grande parte permeadas por
contribuições da teoria queer que desde sempre adota uma posição crítica e de
subversão frente às hierarquias e lógicas binárias de gênero e sexualidade, numa
tentativa de dar voz e visibilidade àqueles que foram historicamente invisibilizados
pelos binarismos e pela matriz heterossexual. Por isso, acredito que escrevi de certa
forma tentando defender os efeminados dos ataques dos titulares da masculinidade
hegemônica, pois na dicotomia: viril-efeminado, o efeminado sempre ocupou o lugar
do subalterno.

Se Sedgwick (1991) escreveu sobre a guerra contra o menino afeminado que


pelo visto ainda perdura, tentei desenvolver uma pesquisa e elaborar um manuscrito
em “defesa do homem afeminado” ou como “um grito contra a efeminofobia”, pois
em meio de uma pletora de pesquisas sobre homofobia, transfobia, racismo,
machismo e outros tipos de preconceito, pouco tem sido escrito acerca da
efeminofobia. É nítido que este trabalho não irá acabar com a efeminofobia no
mundo, mas estava mais que na hora de romper com o silêncio. Meu objetivo,
através dessa pesquisa, muito longe do rigor científico e de contribuir para o avanço
acadêmico no país, era causar desconforto/estranhamento por parte dox leitorxs,
gerar reflexões acerca das consequências das imposições coercivas da
masculinidade hegemônica e matriz heterossexual e destacar a necessidade de
abordar e desenvolver mais pesquisas acerca da efeminofobia, abordando a
sexualidade de forma interseccional.

Quero destacar que minha “defesa do homem afeminado” não engloba de


forma alguma uma tentativa de vitimá-lo, muito menos de culpabilizar os titulares da
masculinidade hegemônica e os detentores de discursos efeminofóbicos e
machofascistas pelo sofrimento afligido àqueles que não se enquadram nos padrões
hegemônicos de masculinidade. Quero deixar claro que acredito fielmente na
premissa que somos constituídos através do meio no qual somos inseridos e mais
ainda na concepção gramsciana de que a hegemonia se mantém não apenas
através da coerção, mas também através do consentimento. Portanto, acredito que
tanto os efeminados quanto os detentores de discursos efeminofóbicos são
10

simultaneamente vítimas das normas ditadas pela masculinidade hegemônica e pela


matriz heterossexual e perpetradores dessas imposições, seja através de práticas
coercivas, seja através da internalização dos discursos segregatícios e o
consentimento, às vezes inconsciente e imiscuído na linguagem, com os mesmos.

Longe de querer fiscalizar os desejos alheios ou elaborar conclusões


generalizadas acerca das relações homodesejantes mediadas digitalmente e dos
ideais de masculinidade hegemônica que pairam em aplicativos como o Grindr, viso
tão-somente levantar considerações e tecer reflexões acerca das diferentes
expressões da efeminofobia e imposições machofascistas (exacerbação das
coerções em relação ao enquadramento no padrão ditado de masculinidade
hegemônica) que permeiam as relações homodesejantes mediadas pelo Grindr na
cidade de Porto Velho-Rondônia, pautando-se, principalmente, em contribuições do
s estudos queer/ teoria queer doravante denominados de estudos viados/ teoria
viada para que gere nos leitores o mesmo desconforto/estranhamento que a
expressão queer causa nas pessoas de países anglo-saxões.

É imprescindível destacar que nesse manuscrito, adoto a expressão relações


homodesejantes para me referir ao que é comumente conhecido como “relações
homossexuais, homoeróticas ou homoafetivas”, a expressão homens que buscam
por relações homodesejantes para me referir ao que é comumente conhecido
como “homossexuais, gays ou homens que fazem sexo com homens (HSH)” e a
expressão desejos homo-orientados (same-sex oriented) para me referir ao que é
comumente conhecido como “homossexualidade, homoeroticidade ou
homoafetividade”. A adoção dessas expressões é primeiramente uma tentativa de
evitar com que o texto seja contaminado pelo negativismo e estereótipos
historicamente atribuídos a essa população. Além disso, essas expressões partem
da evidente distinção que Bauman (2008) traça entre desejo sexual, erotismo e
amor. “Sexo(sic), erotismo e amor estão ligados, ainda que separados. Dificilmente
um pode viver sem o outro, embora a existência deles seja gasta em uma eterna
guerra de independência” (BAUMAN, 2008, p. 275). Desta forma, suponho que a
expressão “homossexualidade” limitaria a busca por relações com outros homens à
prática sexual, a expressão “homoeroticidade” restringiria essa busca ao “erotismo” e
a expressão “homoafetividadade” reduziria essa busca às relações amorosas.
11

Considerando o “desejo” tanto uma condição sine qua non para a relação sexual,
erotismo e o amor quanto um elo que une entre os três, sugiro a expressão
“relações homodesejantes” como acima destacado para evitar possíveis
reducionismos.

Embora não use a primeira pessoa do singular no resto dessa dissertação, e


embora tente ao menos usar um tipo de linguagem formal e imparcial, é nítido que
as entrelinhas das diferentes seções desse manuscrito carregam parte da minha
subjetividade, parte das minhas experiências e parte da minha dor-uma dor que
partilho com a maioria dos meninos/homens efeminados ou que não se enquadram
nos padrões hegemônicos de masculinidade e por isso, foram arremessados fora
das salas de aula, fora do mundo do trabalho e fora do campo do desejo.

Desejo a todxs uma leitura desconfortável! Não se sintam à vontade! É


preciso não se sentir à vontade para ter vontade de lutar por mundo mais justo a
todxs, independentemente da orientação afetivo-sexual, identidade ou expressão de
gênero.
12

2 INTRODUÇÃO

A ubiquidade dos aplicativos baseados na localização voltados para busca de


parceiros sexuais e amorosos no cotidiano dos homens que buscam por relações
homodesejantes chamou a atenção de vários pesquisadores, alguns dos quais
trouxeram grandes contribuições sobre as dimensões psicológicas e socioculturais
incutidas no uso do Grindr, especificamente. (CROOKS, 2013; MILLER, 2015;
BLACKWELL et al, 2015; MISKOLCI, 2009a, 2013, 2015, 2017; RACE; 2015;
LICOPPE et al, 2015). Os resultados dessas pesquisas apontam que a eclosão de
aplicativos como o Grindr constitui uma faca de dois gumes para as relações
homodesejantes na atualidade, pois ao mesmo tempo que gera experiências de
satisfação e prazer para muitos usuários, transforma outros em constantes vítimas
de atitudes preconceituosas e exigências inalcançáveis em relação ao corpo,
masculinidade e discrição.

Devido à disseminação da homonegatividade e a propagação do preconceito


contra homens que buscam por relações homodesejantes, muitos destes optam por
não vivenciar seus desejos de forma plena numa tentativa de evitar as retaliações
morais social e historicamente atribuídas à expressão de desejos por pessoas do
mesmo sexo. Como nunca antes, aplicativos como o Grindr oferecem um espaço
seguro para que os usuários tirem a máscara, vivenciem seus desejos e construam
relações mediadas pela interface online-offline. Citando Miskolci (2015, p. 66):

Por meio do uso de aplicativos, homens que mantém uma apresentação e


comportamento discreto em locais de trabalho, na família e em ambientes
educacionais, conseguem expressar seu desejo sem se expor a possíveis
retaliações sociais, repreensões morais ou mesmo violências. Trata-se de
um uso da tecnologia para lidar com a ausência (ou insuficiência) de
segurança e reconhecimento para a expressão do desejo por pessoas do
mesmo sexo.

Ao contrário dos antigos sites de relacionamento e salas de bate papo, o


Grindr e outros aplicativos baseados na localização facilitam e favorecem encontros
off-line, ou seja, face-a-face, entre os usuários. Miskolci (2015), todavia, apontou que
esses encontros são perpassados por um constante regime de visibilidade através
do qual muitos usuários tentam negociar e manipular a visibilidade social de seus
desejos por outros homens, potencializando, portanto, uma nova economia do
desejo que os incentiva a buscar por parceiros “discretos” que não denunciariam a
13

natureza de seus desejos ou ameaçariam a visibilidade condizente ao status quo


heterofalocêntrico em possíveis encontros off-line. Aponta-se, nesse sentido, que
muitas relações homodesejantes mediadas pelo Grindr são regidas por demandas
intransigentes em relação ao sigilo e anonimato. (CROOKS, 2013; BLACKWELL et
al, 2014; MILLER, 2015; MISKOLCI, 2015).

No ímpeto de vivenciar os desejos afetivos ou sexuais por outros homens de


forma sigilosa que reverencie uma representação centrada na hegemonia
heterossexual, muitos usuários passam a sobrevalorizar os padrões hegemônicos
de masculinidade socialmente atribuídos à heterossexualidade, transformando o
aplicativo em um campo fértil para a disseminação de discursos contaminados pelo
machismo, efeminofobia, promoção da masculinidade hegemônica e o culto a um
tipo específico de corpo- sarado, liso e musculoso- em detrimento de todos os outros
tipos que são frequentemente vítimas de crítica e ojeriza (BAUREMEISTER et al,
2011; FARIS; SUGIE, 2012; RACE, 2015).

De um lado, tais discursos opressores privilegiam e superiorizam usuários


que adotam padrões imagéticos e comportamentais socialmente atribuídos à
“heterossexualidade”´/masculinidade hegemônica tornando-os o centro de desejo
dos usuários. Por outro lado, tais discursos discriminam e inferiorizam homens que
adotam padrões comportamentais socialmente atribuídos à
“homossexualidade”/efeminamento, gerando neles grandes cargas de sofrimento e
sentimentos de exclusão e os impelindo a adotar medidas por meio das quais
possam se tornar “desejáveis”.

Ainda que as novas tecnologias comunicacionais provenham contatos e


experiências de socialização mais numerosas e, para alguns, melhores do
que as alcançáveis off-line, elas treinam seus usuários para uma forma de
se apresentar, se comportar e se relacionar que pode corroborar com o
contexto sociopolítico hostil em que vivem. Induzidos, regulados e até
mesmo controlados pelas demandas coletivas de que não publicizem seu
desejo e não permitam que ele seja reconhecível têm tolerada sua
existência desse que subjetivem segundo os padrões que corroboram a
hegemonia política e cultural da heterossexualidade. (MISKOLCI, 2015, p.
72).

Nesse sentido, evidencia-se que um público que foi historicamente oprimido


torna-se per si detentor de um discurso opressor e categórico que se segrega e
pratica o preconceito contra si mesmo, contribuindo para a perpetuação de lógicas
14

binárias baseadas em relações de poder e a discriminação daqueles que não se


encaixam na matriz heterossexual tradicional ou nos padrões hegemônicos de
masculinidade atribuídos ao status quo patriarcal e heterofalocêntrico.

Desta forma, as descrições em alguns perfis pessoais são substituídas por


comentários normativos, discriminatórios e efeminofóbicos contra usuários que não
se encaixam nas demandas intransigentes de masculinidade hegemônica e
discrição. “Não sou nem curto afeminados!”, “Que me desculpem os afeminados,
mas de mulher o mundo tá cheio”, “Não aos gays!”, são alguns dos comentários que
qualquer homem que busca por relações homodesejantes pode se deparar ao rodar
o aplicativo em seu smartphone. Conforme Miskolci (2015), trata-se de uma
desqualificação dos desejos homo-orientados que são socialmente atrelados ao
“efeminamento”- característica vista como inferior e adversa aos ideais normativos
da masculinidade hegemônica.

Por outro lado, tais comentários revelam uma clara confusão feita por alguns
usuários entre a orientação afetivo-sexual, identidade de gênero e expressão de
gênero, pois categoriza usuários discretos como homens desejáveis e exclui outros
usuários, categorizando-os como mulheres. Trata-se de um status quo tão
hegemônico, potente e metastático que parece penetrar até na essência do desejo,
marca mais singular do sujeito.

Surgem, portanto, várias perguntas: Será que o desejo é perpassado por


ideais impostos pelos padrões hegemônicos socialmente construídos? Se o desejo
de tais usuários é centrado na figura de um homem que possui padrões imagéticos e
comportamentais condizentes à matriz heterossexual e à masculinidade
hegemônica, por que se investe tanto discurso para difamar quem não se encaixa
nesses padrões? Por que o desejo de tais homens é predominantemente expresso a
partir de uma negativa e não a partir de uma afirmativa? Como os usuários que não
se enquadram na matriz heterossexual se sentem frente aos discursos
efeminofóbicos constantes e às exigências incessantes por uma masculinidade
hegemônica? Seria esse desejo preponderantemente centrado na figura de um
homem veementemente masculino resultado do contexto social extremamente
machista e heteronormativo no qual esses usuários se inserem? Como a sociedade
homonegativizante, machista e normativa interfere nos desejos e fantasias desses
15

usuários? E como esses constantes discursos de ódio afetam as relações


homodesejantes mediadas digitalmente?

Considerando todos esses questionamentos que propulsionaram a


investigação aqui abordada, faz-se oportuno destacar que o texto a seguir é
composto por três seções teóricas, uma seção metodológica e uma seção de análise
dos dados obtidos por meio da incursão etnográfica no Grindr e das entrevistas
individuais com usuários da plataforma digital, e por fim as considerações finais.

A primeira seção teórica se divide em três partes. Na primeira, traça-se um


panorama histórico das relações homodesejantes mediadas digitalmente até o
advento de aplicativos baseados na localização como o Grindr o qual é apresentado
e descrito detalhadamente na segunda parte. Por fim, são ressaltadas as
contribuições de alguns autores que desenvolveram pesquisas acerca da plataforma
digital em questão.

A segunda seção teórica é composta por duas partes. Na primeira, traça-se


um panorama histórico do surgimento da teoria viada que constitui o principal
arcabouço teórico para o tratamento e análise dos dados obtidos nessa
investigação. Aponta-se ainda as razões pelas quais opta-se por substituir a
expressão queer em “estudos queer” por viados. Na segunda parte, são resgatadas
algumas noções principais dos estudos viados, enfatizando, sobretudo, os conceitos
de “performatividade de gênero” e “abjeção” a partir das contribuições de Judith
Butler (1986, 1993, 1998, 2003).

A terceira seção teórica se divide em três partes. Na primeira, aborda-se a


diferença entre diferentes conceitos básicos em sexualidade humana como o sexo
de nascimento, gênero designado, expressão de gênero, identidade de gênero e
orientação afetivo-sexual a partir de uma perspectiva viada no intuito de facilitar a
compreensão do que seria “masculinidade”. Na segunda parte, apresenta-se o
conceito de “masculinidade hegemônica” e discorre-se acerca dos meios de
propagação dos ideais que garantem sua supremacia. Na terceira parte, apresenta-
se o conceito de “efeminofobia” e disserta-se sobre a abjeção da figura do “homem
afeminado” pelo status quo vigente, pautando-se em contribuições da teoria viada.
16

Na seção metodológica que sucede, resgatam-se os objetivos que


permearam o desenvolvimento dessa investigação, define-se o tipo de pesquisa,
descrevem-se os locais de coleta de dados tanto online quanto off-line e discorre-se
acerca dos procedimentos metodológicos, éticos e de análise que direcionaram o
andamento da investigação. Apresenta-se, além disso, uma síntese dos dados dos
colaboradores entrevistados.

Logo após a seção metodológica, evidencia-se a seção de análise na qual se


apresentam reflexões viadas sobre os dados obtidos pela imersão etnográfica e
pelas entrevistas semi-estruturadas, enfatizando a propagação dos ideais de
masculinidade hegemônica e a abjeção ao efeminamento vigentes no universo de
homens que buscam por relações homodesejantes através de aplicativos baseados
na localização como o Grindr nos quais paira o ideal: “Pareça heterossexual, mesmo
que não seja”.

Espera-se que as reflexões viadas oriundas dessa pesquisa abram novas


conjecturas para a compreensão das relações homodesejantes mediadas
digitalmente, considerando as especificidades do contexto sociocultural em questão
e as nuances subjetivas daqueles que se propuseram a fazer parte dessa
investigação.
17

3 AS RELAÇÕES HOMODESEJANTES MEDIADAS DIGITALMENTE

Uma vez destacados os questionamentos que permearam o surgimento do


tema-pivô dessa pesquisa e esquematizadas as diferentes seções que constituem
este manuscrito, faz-se oportuno delinear um panorama histórico das relações
homodesejantes até o surgimento dos aplicativos baseados na localização
direcionados a homens que buscam por relações homodesejantes. Apresenta-se,
em seguida, uma descrição detalhada do Grindr- a plataforma digital que constitui o
foco dessa pesquisa e as principais características e ferramentas disponibilizadas
pelo aplicativo através de um entrelaçamento entre as próprias observações do
pesquisador, informações publicadas no site oficial da mídia digital e contribuições
de outros autores que já desenvolveram pesquisas no e sobre o Grindr.

3.1 AS RELAÇÕES HOMODESEJANTES: DO PASSADO AO PRESENTE

O poeta estadunidense Frank O’hara inicia seu poema intitulado


“Homossexualidade” (1950) com um questionamento: “Então, estamos tirando
nossas máscaras, não estamos? E deixando nossas bocas caladas? ” Percebe-se
que esse trecho escrito há mais de 65 anos descreve uma grande parte das
relações homodesejantes construídas na atualidade, apesar das mudanças
drásticas pelas quais a sexualidade e a liberdade sexual passaram na segunda
metade do século XX.

Para esclarecer tal afirmação, será contextualizado um panorama das


relações homodesejantes no Ocidente ao longo dos últimos sessenta anos,
enfatizando o paradoxo que se vive na atualidade: por um lado, destaca-se a
crescente conquista de direitos civis, sexuais e humanos para os cidadãos
independentemente da dita orientação afetivo-sexual e por outro lado, ressalta-se a
propagação do estigma e discriminação contra aqueles que não se encaixam no
padrão heteronormativo hegemônico.

Stearns (2010) aponta que os últimos sessenta anos foram perpassados por
vários processos de redefinição por meio dos quais se fortaleceu a concepção das
práticas sexuais como recreação e fonte de prazer em detrimento de uma
sexualidade meramente voltada a fins de procriação. Destaca-se, nesse sentido, que
18

as relações homodesejantes também passaram por uma série de transformações


que permitiram maior liberdade sexual e afetiva para a construção de laços
homodesejantes sejam sexuais, eróticos ou amorosos.

Tais transformações se solidificaram a partir da revolução sexual na década


de 1960 que promoveu além do reexame dos papéis sociais e sexuais da mulher e o
fortalecimento do exercício da sexualidade por fins recreativos, a de um forte
movimento ativista dos direitos das pessoas que buscam por relações
homodesejantes, principalmente nos Estados Unidos Americanos (E.U.A).

As agressões da polícia estadunidense no Stonewall Inn em 28 de junho de


1969 resultaram em “(...) um movimento mais público de liberação gay (sic), que
exerceu tremendo impacto no que tange a encorajar os homossexuais (sic) a
afirmarem publicamente suas convicções bem como contribuiu para a alteração de
algumas atitudes públicas” (STEARNS, 2010, p. 274).

Outra conquista nesse âmbito se concretizou em 1973 quando a Associação


Psiquiátrica Americana (APA) aboliu as referências ao “homossexualismo” como
distúrbio ou transtorno. Apesar da existência das relações homodesejantes desde os
primórdios da humanidade, é imprescindível destacar que a expressão
“homossexualismo” se consolidou no contexto da psiquiatria na segunda metade do
século XVIII como uma nomenclatura referente ao desejo que alguns homens e
algumas mulheres possuíam por pessoas do mesmo sexo, desejo este que era visto
como sinônimo de doença mental e perversão. Concomitantemente, reforça-se a
expressão “heterossexualidade” como sinônimo de normalidade, pois para
categorizar os “homossexuais” como anormais e perversos, era preciso potencializar
outra categoria que servisse como modelo de normalidade. Todavia, em 1973,
eliminou-se o sufixo “-ismo” que remete à doença e fortaleceram-se as discussões
acerca da “homossexualidade” como uma orientação sexual que faz parte intrínseca
da personalidade, não sendo passível de tratamento. A Organização Mundial de
Saúde (OMS) foi influenciada pela iniciativa estadunidense e em 1993 excluiu as
19

referências da “homossexualidade” como doença da Classificação Internacional de


Doenças- Versão 102 (ABDO, 2014).

Além disso, no final da década de 1980, surgiram os primeiros estudos da


teoria viada que abriu novas conjecturas para a compreensão das relações
homodesejantes, criticando veementemente o binarismo “heterossexualidade-
homossexualidade” baseado em relações de poder. Todavia, a década de 1980
também trouxe em seu bojo uma surpresa desagradável: o pânico sexual da
Síndrome de Imunodeficiência Humana (AIDS).

Surgiu, nesse ínterim, uma forte associação midiática das relações


homodesejantes à promiscuidade e maior risco de contaminação pelo Vírus de
Imunodeficiência Humana (HIV), que só pôde ser parcialmente superada com o
surgimento da terapia anti-retroviral na década de 1990 quando começaram a
emergir novas representações midiáticas referentes às relações homodesejantes.
Nesse sentido, Miskolci (2015) apontou que a disseminação das demandas dos
movimentos ativistas nas sociedades ocidentais só foi de fato possível após o pânico
sexual da AIDS.

Dessa forma, geraram-se debates profundos e provocou-se a efervescência


de novas representações midiáticas mais positivas de “gays e lésbicas”, que
conforme Miskolci (2013, 2015, 2017) definem os modelos para o reconhecimento
social das relações homodesejantes. Stearns (2010), por outro lado, destacou que a
mídia popular passa a tratar as relações homodesejantes com mais franqueza no
início do século XXI, retratando beijos, carícias e vínculos afetivos entre pessoas do
mesmo sexo.

Portanto, a luta pela tolerância, o movimento pelo direito ao casamento e o


combate contra a homofobia se intensificaram. Esse processo foi acompanhado pela
“[...] emergência do Pink Money, que, no Brasil, foi marcada pela popularização de

2A primeira versão do CID a ser publicada sem referências à homossexualidade como doença é a
décima versão (1993). Apesar disso, essa versão ainda chama atenção à existência de uma
homossexualidade egodistônica passível de tratamento psicoterápico no intuito de promover a
autoaceitação.
20

negócios classificados como GLS, sigla para gays, lésbicas e simpatizantes”


(MISKOLCI, 2015, p. 66).

Tais negócios permitiram uma maior aproximação e sociabilidade entre


homens que buscavam por relações sexuais, eróticas ou afetivas com outros
homens. Não obstante, muitos destes se abstém desses lugares que caracterizam o
“meio gay” para se prevenir de possíveis recriminações sociais e morais que ainda
são associadas às relações afetivas e sexuais entre homens (BORGES,2009;
MISKOLCI, 2013, 2015).

Portanto, a valorização do sigilo e a manutenção de um status quo pautado


no binarismo e na matriz heterossexual levaram esses homens a buscarem formas
através das quais possam se relacionar sexual e/ou afetivamente com outros
homens sem ter que confrontar as represálias associadas à assunção de uma
“identidade gay”. Dessa forma, “a rede mundial de computadores permitiu a
socialização em rede- de forma anônima e relativamente segura- para pessoas que
temiam retaliações sociais afastando-as da solidão e permitindo o contato efetivo e
modulado com eventuais parceiros e amigos” (MISKOLCI, 2015. p. 66).

A partir do início do século XXI, a legalização do casamento gay, o


reconhecimento das uniões entre pessoas do mesmo sexo em vários países e a
criminalização da discriminação devido à orientação sexual passam a se configurar
como o apogeu das lutas confrontadas pelo movimento LGBTIQA (Lésbicas, gays,
bissexuais, transgêneros, intersexuais, questioning e assexuais). Apesar desses
avanços e conquistas significantes, a recusa social das relações afetivo-sexuais
entre homens está longe de ser eliminada. E é justamente nesse sentido que em
pleno século XXI, muitos homens preferem passar-se por heterossexuais e manter
relações com outros homens de forma discreta e anônima, vivendo uma espécie de
dupla biografia que é prejudicial aos vínculos relacionais entre pessoas do mesmo
sexo como já apontado por vários autores (BORGES, 2009; FROST; MEYER, 2009;
DAVIES; NEAL, 2009; RIESENFELD, 2010).

Apesar disso, percebe-se que muitos desses homens se empenham em


manter essa dupla biografia lançando mão de diferentes meios, entre os quais se
inclui o ciberespaço. Este, em suas diferentes modalidades, se configura como uma
21

das vias mais seguras através dos quais esses homens podem vivenciar a
sexualidade de forma anônima, e isso se evidencia pela eclosão de plataformas
digitais de busca de parceiros do mesmo sexo que hoje em dia tomam a forma de
location-based apps (aplicativos baseados na localização) operados em
smartphones e tablets como o Grindr que é voltado especificamente para homens
que por diferentes motivos buscam se relacionar com outros homens.

Nota-se, desta forma, que a dinâmica de muitas relações homodesejantes


mediadas por aplicativos como o Grindr remete ao trecho declamado por O’hara
(1950) com o qual se iniciou esse panorama histórico das relações homodesejantes.
Ou seja, esses aplicativos, independentemente do público, permitem que os
usuários tirem a máscara, vivenciem seus desejos, e construam relações mediadas
pela interface online-offline, mas esses mesmos desejos são constantemente
silenciados em ambientes off-line para evitar o risco de retaliações morais e sociais
atreladas histórica e culturalmente à homossexualidade, fato que chamou a atenção
de vários pesquisadores no contexto nacional e internacional, cujas contribuições
serão ressaltadas após a exposição de detalhes acerca da estrutura e
funcionamento do aplicativo em questão.

3.2 UM PASSEIO PELO GRINDR

O Grindr é um aplicativo de busca de parceiros sexuais ou amorosos do


mesmo sexo voltado para o público masculino. O Grindr e outros aplicativos
semelhantes funcionam em dispositivos móveis como smartphones (ios e android) e
tablets. Foi lançado em 2009 por Joel Simkhai e de acordo com informações do site
do próprio aplicativo, conta com mais de 3.5 milhões de usuários em 192 países. O
nome do aplicativo se origina do termo inglês para “moedora de café”- Grinder, pois
de acordo com o criador, um dos objetivos do aplicativo era mesclar os homens. É
interessante destacar que o aplicativo surge em Los Angeles, uma cidade conhecida
por não ter centro ou pontos de referências para a sociabilidade diária para homens
que buscam por relações homodesejantes (MISKOLCI, 2015, 2017).

A logo do aplicativo é uma máscara preta sob um fundo amarelo que de


acordo com o criador remete a uma comunidade africana primitiva, pois “estar com o
outro” é uma necessidade humana primitiva e básica. O’hara (1950) encerrou seu
22

famoso poema com um estofo que remete evidentemente a este objetivo do


aplicativo: “[...] é uma noite de verão e tudo que eu quero é ser desejado!”

Blackwell et al (2015) discorreram acerca da própria experiência como


pesquisadores e usuários desse aplicativo e destacaram os aspectos básicos
relacionados ao seu uso. Segundo os autores, quando o usuário acessa o Grindr,
ele vê uma rede de imagens de usuários próximos que acessaram durante a última
hora, agrupados em ordem crescente de proximidade geográfica. Esta é calculada
com base em coordenadas do Sistema de Posicionamento Global (GPS) e é
automática e imediatamente compartilhada quando o usuário efetua o login.

A Figura (1) abaixo, tirada do site do aplicativo (Grindr), mostra a “arquitetura”


original desse aplicativo tão popular entre homens que buscam por relações sexuais
ou afetivas com outros homens, como era até meados de 2016.

Figura 1- Imagem promocional do Grindr disponível no site do aplicativo até o


primeiro semestre de 2016.

Fonte: http://www.grindr.com/. Acesso em: 02 de fevereiro de 2016.

Na primeira tela, visualiza-se a página inicial do aplicativo onde aparecem as


fotos dos homens mais próximos geograficamente. Embora todas as fotos acima
expostas revelam fotos de rosto, os usuários, na realidade, recorrem a diferentes
tipos de fotos. Blackwell et al (2015) e Crooks (2013) destacaram que a escolha da
23

foto já transmite uma mensagem sobre o usuário. Pessoas que usam fotos do rosto
tendem a ser assumidas sexualmente ao passo que pessoas que usam fundos
pretos provavelmente preferem manter o anonimato devido a não-assunção dos
próprios desejos homo-orientados ou bi-orientados. Usuários que postam fotos do
dorso sem camisa, ou do corpo na academia tendem a estar mais interessados em
práticas sexuais casuais ou na cultura do fast-foda (ou hook-up). Para Miskolci
(2015, p. 75), “um dos elementos mais evidentes está no design das plataformas e
aplicativos dirigidos a esse público, o qual valoriza a imagem em detrimento da
escrita”.

Tocar a foto de um usuário revela seu perfil (segunda tela), que inclui a foto,
um anúncio breve (headline), traços físicos (altura, peso, idade), o que a pessoa
busca no aplicativo, a distância do usuário e um pequeno texto sobre o “parceiro em
potencial”. A partir desse perfil, o usuário pode começar uma conversa particular na
qual se pode trocar mensagens, compartilhar mais fotos e a localização, conforme
exposto na terceira tela. Conversas em grupo não são possíveis através desse
aplicativo. Nesse sentido, Blackwell et al (2015) destacaram que há três tipos
possíveis de comunicação no Grindr: (1) de um a todos (na descrição do perfil); (2)
de um a um (na conversa particular) e (3) não-comunicação (através do bloqueio).

Figura 2- Grindr (Nova Versão)

Fonte: http://www.grindr.com/. Acesso em: 03 de março de 2017.


24

As configurações e o design da plataforma digital passam por modificações


de tempos em tempos, no intuito de melhorar o funcionamento, acrescentar novas
ferramentas para a busca do parceiro potencial e eliminar “bugs” que dificultam o
uso do aplicativo ou tornam seu processamento mais lento. Inicialmente, a mídia
digital era disponível apenas em inglês, mas a partir de 2016, passou a ser
disponível em diferentes idiomas, incluindo o português a fim de facilitar seu uso por
homens de diferentes países e regiões do mundo. Na segunda metade de 2016,
quando a pesquisa ainda se encontrava em andamento, o design passou por uma
mudança drástica, conforme exposto nas figuras a seguir, obtidas do site oficial do
próprio aplicativo. Além das mudanças nas principais cores da página inicial da
plataforma, que mostra os usuários mais próximos (100, no caso da versão gratuita
e mais de 300, no caso da versão XTRA paga), observam-se três ícones ou
símbolos no topo da página: (i) uma estrela, (ii) uma máscara amarela que constitui
a logo do aplicativo, (iii) um símbolo de mensagem [o ponto vermelho significa que o
dono do perfil apresentado pelo site recebeu uma ou mais mensagens de outro (s)
usuário (s).

Tocar a estrela permite acessar os perfis de parceiros em potencial que foram


outrora “favoritados” para que possam continuar sendo acessíveis mesmo à longa
distância. A máscara amarela no meio, por outro lado, possui uma finalidade
meramente ilustrativa ou figurativa. Ao tocar no terceiro atalho, o mesmo mudará de
cor, tornando-se amarelo, e acessa-se a área das conversas ou chats particulares,
conforme exposto no registro fotográfico (screenshot) a seguir feito pelo próprio
pesquisador durante a imersão no ambiente digital, pois um registro da nova versão
dessa tela não está disponível no site oficial.
25
Figura 3- Área de mensagens (Grindr)

Fonte: Arquivo pessoal do pesquisador.

Observa-se que, ao contrário das versões anteriores do aplicativo, a atual tela


das mensagens particulares possibilita que o usuário escolha se deseja visualizar: (i)
todas as mensagens; (ii) apenas as não lidas e (iii) aquelas que envia e recebe de
usuários marcados como favoritos. Isso favorece a economia do tempo e facilita a
comunicação entre usuários com mais afinidades- dois dos objetivos principais do
uso da plataforma digital em questão (MILLER,2015).

Voltando à página inicial do aplicativo, para o usuário visualizar as fotos dos


parceiros em potencial mais próximos, basta que passe o dedo para cima na tela.
Usuários da versão gratuita conseguem visualizar até 100 perfis ao passo que
usuários da versão Xtra paga terão acesso a mais de 300 perfis. Caso os usuários
da versão gratuita queiram acessar perfis de um número maior de homens, basta
que assistam vídeos comerciais cujos links aparecem no final da tela com a seguinte
mensagem: “Assista esse vídeo para acessar mais perfis”.

É importante destacar que ao tocar a foto de um dos vários perfis de usuários


na página inicial do perfil conforme exposto na parte esquerda da figura (2),
aparecerá uma foto maior desse usuário com seu nome de exibição, idade, status
(online ou off-line) e distância do internauta, podendo ser no sistema de unidades
universal (metros e quilômetros) ou no sistema americano de unidades (pés e
milhas).Se o dono do perfil fora previamente “favoritado” pelo dono da conta
acessada, aparecerá uma estrela amarela em destaque ao lado do nome da
26

exibição. O sinal que aparece na parte superior direita da foto é reservado para
bloquear o usuário, excluindo a possibilidade dos usuários acessarem o perfil um do
outro.

Para visualizar mais informações sobre o usuário por trás do perfil cuja foto foi
tocada, basta que toque a foto e passe o dedo para cima, conforme exposto nas
figuras a seguir, obtidas do site oficial do aplicativo que conta com um espaço de
suporte reservado para ensinar prospectivos usuários como utilizar a plataforma
digital em seus smartphones, sejam android ou ios.

Figura 4- Como funciona o Grindr?

Fonte: http://www.grindr.com/. Acesso em: 03 de março de 2017.

Através de um círculo e uma seta amarelos, ilustra-se como o usuário deve


tocar a tela e mover o dedo para cima no intuito de visualizar a descrição de perfil e
mais informações sobre o prospectivo parceiro em potencial, conforme exposto na
figura a seguir.
27
Figura 5- Informações do perfil
(Grindr)

Fonte: http://www.grindr.com/. Acesso em: 03 de março de 2017.

Conforme a preferência de cada usuário ou dono do perfil e como este


configura sua própria conta, os outros usuários podem acessar uma descrição
intitulada “Sobre mim” na qual se pode registrar uma pequena descrição sobre si
mesmo, usando até 255 caracteres. Além disso, pode-se acessar informações
relacionadas à altura, peso, etnia, porte físico, tribo, status de relacionamento,
posição sexual e preferências de busca. Acrescenta-se que o aplicativo permite que
os usuários registrem informações sobre a própria saúde sexual bem como links de
acesso às próprias contas no Instagram, Twitter e Facebook.

É imprescindível destacar que o aplicativo conta com uma ferramenta


denominada “filtro” que possibilita direcionar as buscas por “parceiros em potencial"
de acordo com as informações e características descritas nos perfis e os interesses
e preferências do próprio usuário. Essa ferramenta é representada por um
símbolo/ícone na parte inferior direita da página inicial do aplicativo. Ao apertá-lo,
aparecem na tela duas possibilidades para direcionar a busca: (a) Meu tipo e (b)
conectados.

Os usuários da versão gratuita podem filtrar “os parceiros em potencial” de


acordo com a faixa etária de interesse, motivos para o uso do aplicativo (bate-papo,
encontros, amigos, relacionamento, sexo imediato, sem motivo específico) e 13
diferentes Grindr Tribes (tribos grindr). Essas tribos foram sugeridas com base nos
tipos corporais e estilos de vida dos usuários e se assemelham significativamente
28

aos personagens da indústria pornográfica gay. Nesse sentido, Miskolci (2015, p.69)
apontou; que “ o uso de aplicativos de busca de parceiros, por serem fortemente
centrados na imagem, incentivam e se associam a práticas corporais como a
musculação ou a corporificação de tipos eróticos criados pela indústria
pornográfica”.

Sendo assim, os tipos de tribos disponíveis são: (1) Urso (terminologia


utilizada entre os homens brasileiros que buscam por relações homodesejantes para
se referir a um homem peludo, mais maduro e muitas vezes acima do peso e
másculo; utiliza-se também a palavra em inglês “Bear”. Para se referir a homens
peludos, porém jovens e magros, utiliza-se a palavra lontra, considerada uma
subcategoria dos ursos); (2) Elegante (estereótipo do homem com cabelo curto
cortado, rosto limpo, bem-vestido e não fumante); (3) Papai ( homem mais velho ou
maduro com características e atitude paternas); (4) Discreto (adjetivo utilizado para
se referir a homens não assumidos sexualmente, ou em outras palavras não saíram
do armário; também pode ser usado para se referir a homens que não possuem
comportamentos que possam ser associados socialmente aos desejos homo-
orientados); (5) Nerd (homens intelectuais); (6) Barbie ( terminologia utilizada entre
os homens brasileiros que buscam por relações homodesejantes para se referir a
homens que malham bastante e cuidam exageradamente do corpo; podendo
apresentar ou não trejeitos femininos); (7) Couro ( homens que fazem uso de botas
e roupas de couro e são geralmente associados ao movimento BDSM – Bondage,
Domination and Sado-masoquism); (8) Cafuçu ( termo utilizado por homens
brasileiros que buscam por relações homodesejantes para se referir a um homem
considerado feio, porém com um corpo bonito; usa-se também a expressão “homem-
camarão”, aludindo à famosa fama com qual se come o molusco, arrancando a
cabeça fora); (9) Soropositivo (categoria referente a homens HIV-positivos); (10)
Malhadinho (homem jovem e másculo com hábitos atléticos e uma aparência
considerada extremamente sexy); (11) Trans (homens com características
transgêneras); (12) Garotos (um homem jovem no final da adolescência e sem pelos
no corpo) e (13) Sem resposta ( categoria criada para usuários que sentem que não
se enquadram em nenhuma das categorias propagadas entre os homens que
buscam por relações homodesejantes).
29

Ao passo que os usuários da versão gratuita podem escolher apenas uma


das 13 tribos supracitadas para filtrar sua busca por parceiros em potencial, usuários
da versão paga podem fazer o mesmo escolhendo até três tribos simultaneamente.
Além disso, os usuários da versão Xtra (paga) possuem outras vantagens ao filtrar
os “parceiros em potencial”, pois podem fazê-lo de acordo com o porte físico
(comum, grande, magro, musculoso, parrudo, torneado), altura, peso, etnia (asiático,
branco, latino, mestiço, negro, sul asiático, árabe, índio e outros), status de
relacionamento (casado, caso, com parceiro, comprometido, exclusivo, noivo,
relacionamento aberto, solteiro) e posição sexual ( ativo, versátil ativo, versátil,
versátil passivo e passivo). Os usuários da versão Xtra, adicionalmente, podem
optar que apenas homens com fotos de perfil apareçam na página inicial, uma vez
que muitos usuários preferem não usar fotos de perfil, o que pode ser considerado
uma perda de tempo por outros. Além disso, a versão X-TRA permite que o usuário
filtre os parceiros em potencial de acordo com o status de conectividade, optando
pelo aparecimento exclusivo de outros usuários que estejam online na página inicial
de sua conta.

Além de possuir ferramentas adicionais supracitadas para a busca de


parceiros em potencial, a versão XTRA isenta os usuários das dezenas de anúncios
publicitários que aparecem continuamente quando se usa a versão gratuita, permite
marcar um número ilimitado de homens como favoritos, possibilita que o usuário
salve suas frases favoritas no bate-papo e se conecte de forma mais rápida,
bloqueie um número ilimitado de usuários, envie várias fotos de uma vez e acesse o
perfil de seis vezes mais homens, ampliando suas possibilidades de encontro de um
parceiro em potencial e a eficiência de suas buscas. A assinatura do pacote mensal
da versão XTRA custa $9.99, sendo disponíveis pacotes trimestrais, semestrais e
anuais com os preços promocionais de $6,99 por mês, $4.99 por mês e $3.99 por
mês respectivamente.

Para que seja possível que os usuários, tanto da versão gratuita como o da
XTRA, filtrem suas buscas de acordo com suas preferências sexuais, eróticas ou
românticas, cada usuário possui a opção de preencher sua página de perfil com as
informações necessárias referentes à idade, à altura, ao peso, à etnia, ao porte
físico e à posição sexual, conforme explicitado anteriormente. Além disso, o perfil de
30

cada usuário conta com a possibilidade de fazer upload (carregar) uma foto de perfil,
registrar um nome de exibição e escrever um pequeno paragrafo sobre si, podendo
utilizar até 255 caracteres. Destaca-se ainda que cada usuário pode disponibilizar
links para o acesso a outras plataformas digitais e redes sociais como o instagram, o
twitter e o facebook.

Cabe frisar que informações sobre a saúde sexual podem ser registradas na
página de perfil de cada usuário, com enfoque exclusivo ao status sorológico
referente ao Vírus da Imunodeficiência Humana (HIV). Caso o usuário opte por
revelar as informações acerca do respectivo status sorológico, o aplicativo dispõe de
quatro categorias entre as quais aquele pode escolher: (a) Negativo; (b) Negativo,
usando PrEP; (c) Positivo; (d) Positivo, não detectável. Acrescenta-se que cada
usuário pode registrar a data do último teste realizado. Após pressões de
Organizações Não-Governamentais (ONGs) e ativistas de saúde pública, sexual e
LGBTIQA, muitos aplicativos de busca de relacionamentos baseados na localização,
inclusive o Grindr, passaram a disponibilizar, em diferentes idiomas, um link de
acesso a informações, perguntas e respostas sobre saúde sexual, infecções
sexualmente transmissíveis (ISTs), centros de testagem e profilaxia.

E por fim, cabe destacar que no início de 2017, foi acrescentada ao aplicativo
uma ferramenta intitulada “Caras Novas” que permite com que os usuários, tanto da
versão gratuita como da Xtra, vejam em destaque os novos usuários do aplicativo no
espaço geográfico proximal onde o acessam.

3.3 AS RELAÇÕES HOMODESEJANTES MEDIADAS PELO GRINDR

Conforme destacado anteriormente, a ubiquidade dos aplicativos baseados


na localização voltados para busca de parceiros sexuais e amorosos do mesmo
sexo como o Grindr no cotidiano dos homens que buscam se relacionar com outros
homens chamou a atenção de vários pesquisadores, alguns dos quais trouxeram
grandes contribuições sobre dimensões psicológicas e sócio-culturais incutidas no
uso do Grindr. A partir de um levantamento bibliográfico no portal de periódicos da
Coordenação de Aperfeiçoamento do Pessoal do Ensino Superior (CAPES), serão
destacados a seguir os resultados de algumas dessas pesquisas que podem servir
31

como base para a análise das informações obtidas por meio da etnografia virtual e
das entrevistas individuais.

Crooks (2013) se baseou em uma inovadora autoetnografia e em um diálogo


entre diversos arcabouços teóricos incluindo os estudos viados, design e informática
urbana para abordar o uso do Grindr no contexto das práticas espaciais. Conforme o
autor, esse aplicativo se coloca como um caso singular para examinar questões
sobre espaço e mídias baseadas na localização. Nesse sentido, Crooks (2013)
argumentou que o Grindr é um espaço social ad hoc que retorna aos modos de
socialização dos “homossexuais” (sic) anteriores aos acontecimentos do Stonewall
Inn através da manipulação de códigos e símbolos.

Através da auto-etnografia, Crooks (2013) buscou ressaltar como mídias


digitais a exemplo do Grindr formam um espaço híbrido que é ao mesmo tempo
físico e virtual, reinventando o conceito de “vila gay” ou “gueto” e propiciando novas
formas de encontrar parceiros, construir amizades e compartilhar informações sem
necessariamente requerer contatos pessoais ou consolidar relações longínquas. O
autor, portanto, levantou novas considerações acerca das representações
socialmente atribuídas aos homens que buscam por relações homodesejantes, da
formação de corpos no espaço digital e acima de tudo acerca da natureza das
relações construídas por meio desse espaço híbrido que são permeadas por
negociações e etiquetas diferenciadas do desejo. Nesse sentido, Crooks (2013)
apontou que não importa a forma que eles tomam, os relacionamentos
homodesejantes ocorrem numa sociedade heterossexista e então, por definição, os
homens que buscam por relações homodesejantes devem refazer as categorias
tidas como certas das relações humanas socialmente aceitas para se adequarem às
próprias experiências vividas.

As reflexões tecidas por Crooks (2013) vêm ao encontro das contribuições


das pesquisas que Miskolci desenvolve desde 2007 acerca das relações
homodesejantes mediadas por ambientes virtuais. Desta forma, Miskolci (2015) se
referiu às etiquetas de desejo com a expressão: nova economia do desejo,
compreendendo as negociações que pervagam as relações homodesejantes
mediadas por aplicativos baseados na localização como parte intrínseca do regime
32

de visibilidade que caracteriza um dos pontos-pivô de suas pesquisas (2009ª, 2013,


2015, 2017).

Sob uma perspectiva atenta ao papel que as diferenças têm na regulação


da vida social, e em especial no caso as diferenças de sexualidade e
gênero, é necessário reconhecer que um regime de visibilidade não se
apresenta a sujeitos previamente concebidos, antes os engendra ou recria
por meio da maleabilidade do próprio desejo em sua inserção cultural e
material (MISKOLCI, 2015, p. 72-73).

Nesse sentido, Miskolci (2015) discorreu sobre as razões que levam homens
a adotar o uso de plataformas digitais (por exemplo, o Grindr), a partir de uma
etnografia conduzida com homens paulistanos. O autor ressaltou as dimensões
sociológicas e históricas para refletir sobre o caráter social do desejo que alimenta
essa procura e o novo regime de visibilidade em que esses homens se inserem.
Assim, o autor (2015) questionou: por que a busca por um parceiro online é guiada
pela discrição, masculinidade e pela recusa de qualquer elemento ou lugar que pode
ser evidentemente associado aos desejos homo-orientados?

Numa tentativa de compreender o contexto sócio-histórico no qual se


estabelecem as relações homodesejantes mediadas digitalmente e desconstruir as
representações hegemônicas e práticas sociais que repercutem sobre o sujeito no
milieu sociotécnico, Miskolci (2013, 2015) levantou considerações acerca das
restrições morais, simbólicas e materiais que configuram a economia do desejo
permeada na maioria das vezes por demandas incessantes de discrição e sigilo.
Miskolci (2015, p. 69), portanto, ressaltou “[...] como o uso das mídias digitais expõe
usuários a modelos regulatórios sobre como ser, a quem desejar e o que fazer”.

Os modelos regulatórios apontados por Miskolci (2015) são uma das formas
através das quais alguns homens que buscam por relações homodesejantes
garantem que seus desejos não sejam visíveis, o que significa que suas
experiências sejam permeadas pela segurança. Conforme Miller (2015), essa
“segurança” é o principal fator pelos quais esses homens utilizam aplicativos
baseados na localização em busca de relações homodesejantes. Assim como
Crooks (2013) e Miskolci (2015), Miller (2015) destacou que se tornou
significativamente comum para os homens se que relacionam com homens buscar
outros por meio de redes sociais online por diversos motivos. Conforme Miller (2015,
p. 481), “é evidente que o uso de redes sociais voltadas especificamente aos HSH
33

(homens que fazem sexo com homens) (sic) é motivada por uma multidão de
gratificações buscadas [...]”. Nesse sentido, Miller (2015) explorou as motivações
para o uso desses aplicativos específicos para homens que buscam por relações
homodesejantes e as gratificações associadas a esse tipo de interação mediada
digitalmente. Sendo assim, Miller (2015) conduziu uma pesquisa online com 143
participantes, mostrando que homens que buscam por relações homodesejantes, sui
generis, lançam mão de aplicativos de relacionamentos em dispositivos eletrônicos
em busca de: segurança, controle, facilidade, acessibilidade, mobilidade,
conectividade e versatilidade.

Conforme Miller (2015), a popularidade crescente desses espaços é


revolucionária para pessoas que buscam por relações homodesejantes, pois abrem
o caminho para que todos os tipos de homens explorem sua identidade sexual assim
como facilita a concretização de novas práticas sexuais, conforme já foi apontado
por Miskolci (2013, 2015). Nesse sentido, muitos usuários que não pretendem
assumir publicamente sua orientação sexual, levam vidas diferentes online e off-line.
Essa interface também foi abordada por Miskolci (2013, 2015), e foi também um dos
pontos principais da pesquisa de Blackwell et al (2015).

Blackwell et al (2015) destacaram que a ubiquidade dos aparelhos de celular


e smartphones baseados na tecnologia de GPS implica que os espaços e
comunidades online transcendam a geografia, possibilitando que as interações
online sejam transportadas a lugares e relacionamentos off-line reais com mais
facilidade. Ao passo que o Grindr e outros aplicativos baseados na localização
promovem o encontro com pessoas mais próximas e oferecem novas oportunidades
sociais, eles também complicam a interação, pois co-situam os ambientes online e
off-line, transformando o espaço de interação em um espaço híbrido conforme
apontado por Crooks (2013). Essa co-situação e agregação aparece evidentemente
nas formas de autoapresentação e formação de impressão que são sempre
permeadas por demandas normatizadas e hegemônicas, como também foi
destacado por Miskolci (2015), cuja pesquisa apontou a exacerbação de demandas
de discrição e sigilo nas relações homodesejantes mediadas pelo Grindr. A partir de
entrevistas semi-estruturadas com 36 usuários do Grindr, Blackwell et al (2015)
concluíram que a co-situação influencia a autoapresentação dos usuários devido à
34

tensão constante entre “desejar” ser percebido positivamente por outros usuários
atraentes do Grindr que estejam próximos geograficamente e queiram se encontrar,
e “evitar” as consequências negativas ou estigma por parte daqueles que se
encontram fora do grupo.

Race (2015), por outro lado, caracterizou o Grindr e aplicativos semelhantes


como a infraestrutura emergente do encontro sexual que se tornou popular entre
homens que buscam por relações homodesejantes em centros urbanos. Nesse
sentido, tornaram-se elementos centrais dos encontros eróticos e práticas sexuais
homodesejantes contemporâneas. Portanto, Race (2015) traçou um panorama sobre
alguns novos modos da interação sexual mediada por aplicativos que rodam em
dispositivos eletrônicos como smartphones e tablets através de uma autoetnografia
semelhante àquela conduzida por Crooks (2013), enfatizando a significância do
“prazer” entre os usuários, apontando as interações entre práticas, desejos e
identidades preventivas, abordando a especulação sexual e a co-construção de
fantasias e portanto abrindo novas conjecturas para a compreensão do contexto
sociotécnico no qual se consolidam as relações homodesejantes mediadas
digitalmente.

Tziallas (2015), por outro lado, analisou como o uso de aplicativos baseados
na localização voltados a homens que buscam por relações homodesejantes,
incluindo o Grindr, facilitam a propagação de conteúdos auto-pornográficos através
de um processo de erotismo lúdico permeado por troca de nudes e conversas
(chats) de caráter erótico. Sendo assim, Tziallas (2015) argumentou que os
programadores desses aplicativos estão cientes do impacto central que a
pornografia tem historicamente exercido sobre as relações homodesejantes entre
homens e, portanto, construíram os aplicativos, incluindo o Grindr, em forma de
“pornoesferas” que viabilizassem a ubiquidade e onipresença dessa influência. É
imprescindível destacar que o impacto da mídia e indústria pornográfica sobre as
vivências e relacionamentos homodesejantes já foi um tema amplamente abordado
por vários autores (BORGES, 2009; MOWLABOCUS, 2010; GAGNÉ, 2012;
MISKOLCI 2012, 2013, 2015, 2017; CROOKS, 2013). Nesse sentido, Miskolci (2012,
2013) argumentou que ao contrário de casais heterossexuais que sempre contaram
com modelos de relacionamentos heterossexuais propagados pela família, pela
35

mídia, pela indústria cultural e pela sociedade como um todo, homens que buscam
por relações homodesejantes foram por muito tempo privados desses tipos de
modelos e representações, recorrendo, portanto à pornografia cujo conteúdo e
imagens passaram a permear as relações que construíam durante muitos anos.

Jaspal (2016) desenvolveu um estudo para abordar as formas por meio das
quais homens que buscam por relações homodesejantes constroem e gerenciam
sua identidade no Grindr, o que vem ao encontro com as propostas de Miskolci
(2013; 2015) e Blackwell et al (2015). Nesse sentido, Jaspal (2016) realizou
entrevistas com uma amostra de 18 homens que buscam por relações
homodesejantes e fazem uso do Grindr e as analisou por meio da análise
fenomenológica interpretativa, enfatizando a construção e reconstrução das
identidades no Grindr, a sustentação da autoeficácia sexual e o gerenciamento das
identidades nos ambientes online e off-line. O autor concluiu que apesar dos
benefícios sociais e psicológicos aparentes dos aplicativos como o Grindr, as
pressões oriundas das normas coercivas que se replicam no aplicativo assim como o
uso excessivo (vício) do aplicativo podem infligir efeitos deletérios sobre a identidade
dos usuários, intensificar problemas associados à autoestima e, portanto, ameaçar o
bem-estar psíquico e social dos usuários.

Através de entrevistas com 23 homens que fazem uso do Grindr, Licoppe et al


(2015) analisaram como esses desenvolveram uma ideologia linguística que lhes é
particular tanto em conversas casuais como no uso de redes sociais e aplicativos
baseados na localização como o Grindr. Os autores defenderam que os usuários se
tornam reflexivamente cientes que o uso de conversas casuais ou do dia-a-dia nas
plataformas digitais com o aplicativo em questão favorecem a sociabilidade e a
construção de relacionamentos e interações de diferentes tipos, não sendo uma
abordagem necessariamente apropriada para o fim de um encontro meramente
sexual com um desconhecido. Para este fim, os autores apontaram que se faz
necessário que os usuários produzam uma forma distinta de abordagem, que
também faz parte do repertório linguístico exclusivo e particular que permeia as
relações homodesejantes mediadas digitalmente e que se ajusta de acordo com as
intenções dos usuários e do contexto sóciotecnológico no qual se encontram
inseridos.
36

Por fim, Brubaker et al (2016) desenvolveram uma pesquisa qualitativa com


16 homens que pararam de usar o Grindr e ressaltaram os diferentes significados
atribuídos à saída do aplicativo, enfatizando a definição que aqueles atribuem à
saída, como saem do aplicativo e o significado da exclusão dos perfis na plataforma
para eles. Nesse sentido, Brubaker et al (2016) defenderam que a saída do
aplicativo ou a exclusão do mesmo da lista de aplicativos que rodam no smartphone
não se dá em um único instante, mas envolve um processo de atos sociais e
técnicos sobrepostos. Os autores acrescentaram que as concepções e os
significados atrelados a este processo são permeados pela localização geográfica
ou contexto no qual cada ex-usuário se encontra.
37

4 CONTRIBUIÇÕES DOS ESTUDOS VIADOS

Após delinear um panorama histórico das relações homodesejantes até o


advento de plataformas digitais como o Grindr, descrever a estrutura e o
funcionamento desse aplicativo baseado na localização voltado a homens que
buscam por relações homodesejantes e apresentar aportes de algumas pesquisas
anteriormente desenvolvidas acerca das relações homodesejantes mediadas pelo
Grindr, dedica-se a seção a seguir, para traçar um panorama histórico sobre o
surgimento dos estudos viados /teoria viada que serve como o principal arcabouço
teórico para a problematização dos questionamentos centrais que pervagaram o
desenvolvimento dessa pesquisa bem como a contextualização do tema-pivô
dessa investigação: as diferentes expressões da discriminação contra homens
afeminados nas relações homodesejantes mediadas pelo Grindr e a imposição dos
ideias de masculinidade hegemônica ali vigentes.

Além disso, explicita-se detalhadamente, nessa seção, as razões pelas quais


se optou pelas expressões “estudos viados” e “teoria viada” para substituir as
expressões originais “estudos queer” e “teoria queer”. Por fim, visa-se, a partir das
contribuições de Judith Butler em “Gender Trouble” [ “Problemas de Gênero” (2003)]
e “Bodies that Matter” (1993), resgatar as noções de performatividade de gênero e
abjeção de corpos que põem em xeque as normas impostas pela matriz
heterossexual. Ambas as noções emergem no bojo dos estudos viados e são
imprescindíveis para a compreensão dos discursos e atitudes efeminofóbicas que
pervagam as relações homodesejantes mediadas pelo Grindr.

4.1 O NASCIMENTO DA TEORIA QUEER VIADA

Antes de se debruçar acerca dos aspectos epistemológicos e políticos que


permearam o surgimento dos estudos viados/teoria viada, é necessário
compreender semanticamente o significado do termo queer, proveniente do inglês,
que deu origem à teoria à qual se refere aqui como viada, conforme já explicitado na
introdução deste manuscrito. Afinal das contas, o que é queer? O que é viado? Seria
o primeiro termo, em inglês, sinônimo do segundo, em português brasileiro? Ou
seria o caráter aberrante e pejorativo que cada contexto sociocultural concede às
38

respectivas palavras que explica o uso delas como nome central da teoria aqui
abordada?

De acordo com o Macmillan English Dictionary (2002), o termo queer


originariamente possuía uma conotação negativa, chula ou ofensiva
independentemente da função sintática: adjetivo, substantivo ou verbo. Como
adjetivo, remete-se a três características distintas, sendo nenhuma de caráter
positivo. Antes do surgimento dos estudos aqui abordados, o adjetivo queer era
utilizado para: (a) descrever ofensivamente pessoas transgêneras ou àqueles que
buscam por relações homo ou bi-orientadas (algo como viado, bicha, marica,
sapatão, em português) (b) descrever algo estranho, como na seguinte frase por
exemplo: “ He has a queer expression. on his face” ( ele tem uma expressão
estranha no seu rosto); (c) descrever uma pessoa fisicamente doente. Cabe frisar,
também, que antigamente, a expressão “ in queer street” (em uma rua queer) era
comum no Reino Unido para se referir a alguém que não tinha muito dinheiro (pobre)
ou estava devendo “muita grana” para outras pessoas (caloteiro). Nota-se, nesse
ínterim, outras conotações negativas do termo queer como adjetivo.

Como substantivo, o termo queer era utilizado ofensivamente para se referir a


pessoas que buscam por relações homoorientadas (gay, viado, bicha, sapatão etc).
Cabe ressaltar, também, a existência de outro substantivo derivado do temo queer:
“queerness” que pode ser compreendido em português como “estranheza”, ou
melhor, como “gayzice” ou “viadagem”- termos coloquialmente utilizados no contexto
sociocultural brasileiro.

Por outro lado, o verbo queer era antigamente utilizado no Reino Unido na
expressão idiomática “queer someone’s pitch” que significa estragar o que alguém
está fazendo ou planejando fazer. Ressalta-se, assim, outra conotação negativa do
mesmo termo. Cabe destacar, também, o uso informal da expressão “queer
bashing” que significa atos violentos contra pessoas que buscam por relações
homodesejantes. O Macmillan English Dictionary (2002) aponta, além disso, a
existência do advérbio “queerly” que pode ser traduzido como “estranhamente”.

Entre tantas definições e conotações negativas- estranho, bizarro, doente,


viado, violento, caloteiro, pobre, entre outras- por que se optou aqui por se referir à
39

teoria queer/estudos queer como “teoria viada/estudos viados”. Por que não seria
“teoria estranha”, “ teoria caloteira”, “teoria doente” ou “teoria bizarra”, etc. Dizer que
o motivo da escolha seria o fato que essa dissertação discorre sobre um tema
relacionado a gênero e sexualidade seria um tanto simplista. O critério de escolha é
nada mais nada menos que o grau de estranheza e desconforto que a expressão
causa no imaginário social brasileiro. A expressão “viado” no contexto brasileiro
causa mais estranheza e ofensa aos titulares da masculinidade hegemônica e
defensores da matriz heterossexual que as palavras: doente, caloteiro, estranho,
bizarro. Aliás, todos esses podem ser em algum momento descritos como “ viados”
porque fogem das normas impostas pelo ethos social dominante. A palavra “ viado”
possui um caráter pejorativo tão forte quanto o termo “queer” em contextos anglo-
saxões, senão mais potente e difuso.

Embora à primeira vista pareça ser um termo ofensivo utilizado meramente


para se referir a homens que buscam por relações homodesejantes, uma análise
mais minuciosa do nosso cotidiano como brasileirxs nos faz se deparar com o fato
que o “buraco” da terminologia “viado” “é muito mais fundo”. O termo em questão é
utilizado para se referir a qualquer coisa, pessoa ou situação que sai dos parâmetros
da normalidade e nos tira das nossas zonas de conforto. Qualquer ser humano,
independentemente da sua orientação afetivo-sexual, corre o risco de ser taxado ou
chamado de “viado” no Brasil, principalmente se nascer com um pênis entre as
pernas e se comportar de uma forma não-esperada de alguém que nasceu com este
órgão entre as pernas. O termo “ viado” é sim um substituto ofensivo de “ homem
homossexual”, mas quando os motoristas estão com raiva um do outro no trânsito se
chamam de “ viados”, que no imaginário social brasileiro não significa apenas “gay”,
mas também “não-homem”, “emasculado” e maior sinônimo de alguém que se
desvia das normas éticas e sociais pré-estabelecidas. Afinal das contas, apesar de
todos os avanços legislativos e debates acadêmicos multidisciplinares, a
heterossexualidade continua sendo a norma, e qualquer atributo que foge da sua
matriz é tratado como aberrante, anormal, estranho, “viado”, sobretudo na
linguagem.

Quando estamos com raiva de um homem porque ele chegou atrasado ou


está nos devendo dinheiro, é comum o chamarmos de “viado” para expressar nossa
40

ira e indignação. Se um homem se veste de uma forma diferente daquela esperada


dos homens no atual contexto sociocultural brasileiro, ele é taxado de “viado”,
mesmo não buscando necessariamente por relações homodesejantes.

Mulheres transgêneras, que põem em xeque as normas impostas pelo


patriarcado, pelo binarismo homem-mulher e pelo alinhamento sexo-gênero-
orientação sexual são amiúde agredidas verbalmente com o termo “ viado”, embora
saibamos que identidade de gênero e orientação afetivo-sexual são intersecções
totalmente diferentes da nossa personalidade. O uso do termo “viado”, nesse caso
especificamente, soa esquizofrênico, pois se a origem da conotação negativa da
palavra está no fato que ela é utilizada para se referir pejorativamente a um homem
que busca por relações homodesejantes, não há sentido em chamar uma mulher de
“viado”, principalmente por parte daqueles que lutam fervorosamente para preservar
as dicotomias: homem-mulher/ masculino-feminino e se apegam com unhas e garras
ao discurso: menino nasce menino e menina nasce menina.

Embora muitxs acreditem que o termo “viado” em “homem viado” se deriva do


animal “veado” e advoguem que se escreve com “e” e não com “i”, defende-se, aqui,
que a palavra em questão é uma redução derivada do termo “transviado”, mantendo
apenas alguns fonemas no final da palavra: transviado/ trans-viado/ viado. Cabe
frisar que de acordo o Ferreira (1999), o termo “ transviado” se refere àquelxs que se
desviaram dos padrões éticos e sociais vigentes. Visto que os homens que
buscavam por relações homodesejantes eram considerados historicamente como
desviantes da moral sexual regente e imposta tanto pela religião quanto pela
sociedade e posteriormente pela psiquiatria, eram descritos como transviados; trans-
viados; viados, ou então, desviados; des-viado; viado. Essa explicação parece ser
mais lógica que a origem do termo a partir do animal “ veado”. Afinal das contas,
quem de nós vê um “veado” atravessando a rua no dia-a-dia? Nós, brasileirxs,
enviadecemos o veado, o personagem Bambi, o número 24 do jogo do bicho, devido
à semelhança linguística, embora não sejam necessariamente homo-orientados.

Assim como há diferentes funções sintáticas e derivados do termo queer em


inglês- queering, queerness, queerly- podemos também brincar com a palavra
“viado” e derivar outros termos a partir dela: viadagem, viadinho, viadão e por fim o
verbo “enviadecer”, que possivelmente nunca foi visto antes, mas será utilizado
41

nessa dissertação como sinônimo de “achar alguém estranho, viado” e/ou


“subalternizá-lo”/”rejeitá-lo”.

Compreendidas as semelhanças que regem o uso dos termos “queer” e


“viado” nos dois contextos socioculturais, torna-se possível se depreender acerca do
surgimento e desenvolvimento dos estudos viados, substituindo sempre o termo
“queer” por “viado” em citações sejam diretas ou indiretas. Para Guacira Lopes
Louro (2016, p. 7-8), o (viado) é o:

[...]estranho, bizarro, raro. (Viado) é, também, o sujeito da sexualidade


desviante- homossexuais, bissexuais, transexuais, travestis, drags. É o
excêntrico que não deseja ‘ser’ integrado e muito menos ‘tolerado’. (Viado)
é um jeito de pensar e de ser que não aspira o centro nem o quer como
referência; um jeito de pensar e de ser que desafia as normas regulatórias
da sociedade, que assume o desconforto da ambiguidade, do “entre
lugares”, do indecidível. (Viado) é um corpo estranho, que incomoda,
perturba, provoca e fascina.

Os precursores e pioneiros da teoria viada3 reformularam uma palavra que


possuía um significado extremamente negativo ( algo bizarro, anômalo, estranho) e
que era utilizada para se referir a pessoas que punham em xeque as normas
impostas pelo status quo patriarcal e heterofalocêntrico, abrindo, portanto, novas
conjecturas para a análise dos processos sociais por meio dos quais se constroem
as sexualidades, as identidades e expressões de gênero a partir de uma perspectiva
comprometida com aqueles que foram cultural e historicamente estigmatizados.

Butler (2003), uma das pioneiras dos estudos viados se alimenta da dialética
hegeliana, da psicanálise neolacaniana e do pós-estruturalismo foucaultiano, para
argumentar que os gêneros e as sexualidades são discursivos e não hegemônicos
como socialmente vistos. Assim, as categorias baseadas na matéria biológica pura
como “macho” e “fêmea” passam a ganhar significado a partir da penetração do
sujeito pela linguagem. A mesma lógica ocorre com as relações dicotômicas entre
“homem” e “mulher”, “ masculino” e “feminino”, “branco” e “negro”, “heterossexual” e
“homossexual”, “másculo” e “afeminado”.

3A teoria viada é significativamente influenciada pelos pensamentos de Laurent Berlant, Leo Bursani,
Judith Butler, Lee Edelman, Jack Halberstam, David Halperin, José Esteban Muñoz e Eve Kosofsky
Sedgwick.
42

Nota-se que tais lógicas binárias não são baseadas em relações de


igualdade, mas análogas aos antônimos “superior” e “inferior”. Desta forma, a
primeira parte das díades acima destacadas é vista como superior e hegemônica ao
passo que a segunda parte é vista como inferior e, portanto se torna vítima da
exclusão, escárnio e ojeriza numa tentativa desenfreada de manter o status quo
normativo vigente sempre alimentado pelo machismo, patriarcado e
heteronormatividade. A “homossexualidade”, em particular, ou “desejo homo-
orientado”, como referimos aqui, é vista como inferior na dicotomia
“heterossexualidade-homossexualidade” e, portanto, foi historicamente permeada
pelo negativismo, atribuição de estereótipos e a estigmatização que se tornaram
mais hostis com o advento da Sindrome de Imunodeficiência Humana (AIDS).

Enquanto os estudos de gênero, os estudos gays e lésbicos e a teoria


feminista podem ter tomado a existência de ‘o sujeito’ (isto é, o sujeito gay,
o sujeito lésbico, a ‘fêmea’, o sujeito ‘feminino’ como um pressuposto, a
teoria queer empreende uma investigação e uma desconstrução dessas
categorias, afirmando a indeterminação e a instabilidade de todas as
identidades sexuadas e ‘generificadas’. É importante ter em mente que um
dos contextos definidores para a teoria queer nos anos 1980 e 1990 foi o
vírus da Aids e as reações de muitos defensores da ‘cultura hetero’ contra
os gays, em resposta ao que era ( e ainda é) geralmente visto como ‘ praga
gay’ (SALIH, 2013, p. 20).

Esse “algo estranho”, “ fora da regra”, “ fora do caminho”, “abjeto” enviadecido


pelo outro social serviu de semente revolucionária para o crescimento de uma teoria
que se pauta em um modo de apontar em frente sem saber ao certo o que apontar
(HALPERIN, 1995; O’ROURKE, 2006), mas que ao mesmo tempo se transformou
em sinônimo de resistência, justiça e luta incessante pelo “lugar” daquelxs que
sempre foram alocados ao a-lugar, cultural, institucional e linguisticamente. “Pode-
se dizer que a teoria (viada) é, efetivamente, justiça” (O’ROURKE, 2006, p.131).

Cabe frisar que se escreve “lugar” entre aspas porque a palavra nos remete a
algo fixo e imóvel, mas para a teoria viada, nossas identidades não são estáveis ou
estanques. Portanto, estamos sempre no “entre-lugares”, principalmente no que diz
respeito às relações entre identidade de gênero, expressão de gênero e orientação
afetivo-sexual.

Nesse ínterim, a teoria viada ou estudos viados se consolidam como um


campo de teoria critica pós-estruturalista que nasceu no início dos anos 90 ,
43

originando-se dos estudos feministas desconstrutivistas dos anos 80, dos estudos
culturais norte-americanos e da crítica ao feminismo burguês que eclipsava as
demandas de mulheres negras e pertencentes às camadas sociais mais baixas e
aos estudos gays e lésbicos então vigentes que negligenciavam as intersecções
típicas das nossas sexualidades. Os estudos gays e lésbicos que surgiram no bojo
do ativismo gay norteamericano após os acontecimentos de Stonewall inn em junho
de 1969 pautavam-se contraditoriamente num discurso de igualdade e respeito à
diversidade sexual por um lado, e numa compreensão estanque e linear sobre
gênero e sexualidade. Tendiam, assim, a lutar pela diversidade sexual, porém
cultuando e envaidecendo a imagem do homem homossexual branco
norteamericano de classe média alta que se enquadrava perfeitamente nos padrões
impostos pela matriz heterossexual. Aquelxs que não se encaixavam nesse perfil-
mulheres, drags, homens efeminados, butches (machudas) - continuavam sendo
enviadecidxs, subalternizadxs, tratadxs como corpos estranhxs, apesar da
efervescência de discursos acerca da importância da diversidade sexual e do
respeito ao próximo.

Ao passo que os estudos gays e lésbicos pautam-se na defesa da


homossexualidade sob a perspectiva da diversidade e possuem uma concepção do
poder como repressor, os estudos viados trazem em seu bojo uma crítica feroz aos
regimes de normalização sob a perspectiva da diferença, pois para os teóricos
viados, o poder é disciplinar/controlador (MISKOLCI, 2009b, 2012). Enquanto o
destaque nos estudos gays e lésbicos e movimentos de luta pró-homossexualidade
é o binário heterossexual/homossexual, os teóricos viados direcionam seus olhares
às lógicas dicotômicas analógicas ao binômio normal-anormal (MISKOLCI, 2009b,
2012; LOURO 2016) e a existência de uma hierarquia entre as duas partes da díade:
o considerado normal é sempre visto como a regra e é eleito superior àquele taxado
como anormal que passa por processos crônicos de repressão, silenciamento,
disciplinamento, subalternização e enviadecimento.

Depreende-se, portanto, que a teoria viada se compromete com o confronto, a


desconstrução e a superação das dicotomias e dos alinhamentos socialmente
impostos entre gênero e sexualidade (BUTLER, 2003; LOURO, 2016). Há uma
recusa quase total de que gênero e sexualidade sejam determinados apenas pela
44

biologia, chegando em alguns casos a negar o uso das expressões binárias (homem
em mulher), como no Manifesto Contrassexual de Preciado (2014) no qual o autor
se refere aos sujeitos simplesmente como “corpos falantes”. Não há nenhuma
pesquisa genética que demonstra que características associadas aos papéis de
gênero sejam determinadas pelo código genético. Quando se trata de gênero e
sexualidade, as identidades não podem ser compreendidas como os fenótipos: cor
de olho, formato da orelha, entre outros. A biologia determina apenas aspectos
anatômicos e fenotípicos da existência do ser humano, que inclusive apenas pode
ser considerado como tal se passar pelo crivo da cultura e se for penetrado pela
linguagem, senão nada o diferenciaria de outros mamíferos.

Nesse contexto, a genitália- seja o pênis ou a vagina- não passam de meros


órgãos que fazem parte dos nossos corpos falantes assim como as mãos, os pés, o
nariz. E é justamente aqui que está o cerne dos principais questionamentos viados:
por que a sociedade determina e nos designa nossas identidades de gênero a partir
da expressão fenotípica do sexo (quem tem pênis, é menino! Quem tem vagina, é
menina!)? Por que meros órgãos vistos num exame de ultrassom antes de
nascermos seriam considerados determinantes inquestionáveis e irrefutáveis daquilo
que seriamos, daquilo que desejaríamos, da forma como nos comportaríamos, da
roupa que preferiríamos vestir, do jeito que andaríamos? Já que meros órgãos do
nosso corpo tem a capacidade de determinar aquilo que deveríamos ser ou a forma
como deveríamos nos comportar, por que não ceder essa responsabilidade ao
nosso nariz, nossas mãos, nossas orelhas, nosso fígado? Desde quando sexo de
nascimento é sinônimo de gênero? Como a complexidade das nossas identidades e
formas de ser podem ser reduzidas à mera diferença entre o pênis e a vagina?

Embora o sexo seja aparentemente binário, por ser determinado


biologicamente, o gênero não o é. Mas a redução do gênero à esfera meramente
genital perpetuou uma compreensão dicotômica tanto da identidade de gênero (ou
se é homem ou se é mulher) quanto da expressão de gênero (ou se é masculino ou
se é feminina), estabelecendo um alinhamento entre as duas intersecções.

Enquanto paira no imaginário social a convicção de que “ Meninos nascem


meninos” e “Meninas nascem meninas”, os estudos viados criticam a biologização
das identidades e expressões de gênero e a redução binária destas à esfera genital.
45

Se houvesse um slogan para a teoria viada, seria: “Nascemos corpos”. E a partir da


linguagem e inserção desses corpos na cultura, se transformam em “corpos falantes”
munidos de identidades e expressões de gênero que são perpassadas pelas
especificidades e determinações de cada contexto sócio-cultural, dando-lhes,
portanto, um caráter performativo (BUTLER, 1986, 1998, 2003). É a partir da
linguagem que se compreendem os binarismos: menino-menina/homem-
mulher/masculino-feminino, pois ninguém é “menino” e ninguém é “menina” fora do
campo da linguagem, e é justamente por isso que ninguém nasce “menino” ou “
menina”; o processo de socialização através da linguagem não se completa
imediatamente após o nascimento.

Nesse sentido, segundo Butler (2003), uma das teóricas viadas mais
eminentes, o gênero, seja qual for, é a repetida estilização do corpo; uma série de
ações repetidas dentro de um quadro amplamente rígido e regulatório que se
congela ao longo do tempo para produzir a aparência de uma substância natural.
Depreende-se, assim, que é o comportamento e a linguagem que produzem o
gênero, e não vice- versa. Como as identidades, papéis e expressões de gênero são
socialmente construídos e perpassados por fatores históricos e culturais, os corpos
falantes passam a ser impelidos a “performatizarem” o comportamento socialmente
associado ao gênero que lhes foi designado ao nascimento que per se foi atribuído
ao corpo do recém-nascido com base na expressão fenotípica do sexo. Destaca-se,
nesse sentido, o conceito de “performatividade de gênero”- uma das principais
contribuições Butlerianas aos estudos viados, e aos estudos de gênero e
sexualidade, sui generis.

4.2 A PERFORMATIVIDADE DE GÊNERO E A ABJEÇÃO DOS CORPOS


ESTRANHOS

A noção de performatividade de gênero, conforme proposta por Butler (1993,


2003) nos permite tecer uma reflexão sobre as influências sociais, culturais e
históricas sobre nossas sexualidades, identidades e expressões de gênero. Embora
estas aparentemente façam parte de um processo subjetivo, psicodinâmico e
intrapsíquico, não se pode negar que são perpassadas por nuances de confluências
socioculturais e históricas, uma vez que o que é considerado como
46

homem/masculino em certo contexto social e/ou histórico difere daquilo que é


considerado como tal em outros contextos.

Os estudos viados se baseiam na crença que não existem “jeitos de ser”


essencial ou biologicamente inscritos na natureza humana. Todos passam pelo crivo
das construções sociais, culturais e históricas, pois o “eu” é produto do Outro. As
expressões e identidades de gênero não se reduzem ao binarismo dos sexos
biológicos (pênis-vagina). Todavia, devido a este binarismo, propagou-se uma
concepção reducionista de gênero e sexualidade, através da qual associa-se um
conjunto de características/atitudes/comportamentos a todos aqueles que se
identificam como homens (masculinidade) e um conjunto dos mesmos a todas
aquelas que se identificam como mulheres (feminilidade).

A coerência interna ou unidade de cada gênero, homem ou mulher, requer


uma heterossexualidade tanto estável quanto oposicional. Essa
heterossexualidade institucional tanto requer quanto produz a univocidade
de cada um dos termos gendrados que constituem o limite das
possibilidades gendradas dentro de um sistema oposicional, binário de
gênero. (BUTLER, 2003, p. 22).

Levando em consideração que cada ser humano possui um “jeito de ser” e


uma forma de se expressar que lhe é única e singular, as expressões de gênero
macrossocialmente propagadas e vistas como dominantes (masculinidade-
feminilidade) não passam de efeitos de uma mera performance. Nesse sentido,
muitos homens introjetam e performatizam as expressões e atitudes atreladas ao ser
homem no contexto social no qual se inserem para que possam ser aceitos e
nomeados como tal. Qualquer performance de expressão de gênero que foge desse
padrão pode levar ao questionamento de sua
masculinidade/virilidade/heterossexualidade/identidade como homem- aspectos da
personalidade que são comumente vistos como sinônimos. O conceito de
“performatividade”, nesse ínterim, questiona esse alinhamento entre sexo de
nascimento, gênero e orientação afetivo-sexual numa tentativa de subverter as
identidades binárias e reducionistas que nos foram historicamente impostas como as
únicas possibilidades de ser/existir/desejar.

Dentro da lógica binária, a existência/materialização de um corpo só é


concebida dentro dos parâmetros do ethos sexual heteronormativo que se pauta
sobretudo na diferença anatômica (pênis-vagina) e no atrelamento da sexualidade a
47

fins meramente reprodutivos. Estipula-se, então, identidades, papéis e expressões


possíveis/socialmente aceitáveis de gênero, a partir de um processo discursivo de
alinhamento entre essas diferentes intersecções, pautando-se, sobretudo, na
hierarquização das diferenças: enquanto uns são intitulados como hegemônicos,
outrxs são subalternizadxs, enviadecidxs, transformadxs em abjeto.

A abjeção dos corpos está expressamente relacionada à ordem


heteronormativa e às imposições da matriz heterossexual (BUTLER, 1993, 2003;
PRINS; MEIJER, 2002). Para um corpo não ser considerado abjeto, há que ser
capaz de performatizar os atributos/características associadas a um dos gêneros
binários que lhe foi designado ao nascimento com base nos resultados de exames
ecográficos durante a gestação. Os corpos falantes que não são capazes de
performatizá-las, põem em xeque o binarismo e alinhamento (sexo-gênero)
naturalizados, e portanto, perdem seu lugar de sujeitos e passam a serem
objetificados/abjetificados/enviadecidos.

O binarismo e alinhamento (sexo-gênero) se imiscuíram na linguagem, nos


amarrando acriticamente a eles e nos incapacitando, por muito tempo, de referir aos
corpos fora do binômio: homem-mulher. O binarismo e alinhamento (sexo-gênero),
portanto, nos impossibilitaram de compreender e aceitar o corpo sem sexualizá-lo a
base da diferença pênis/vagina, porque é justamente essa sexualização que reforça
e dá continuidade à matriz heterossexual.

Os corpos que não são sexualizados conforme as regras binárias e lineares


socialmente estabelecidas entre sexo, gênero e orientação sexual passam por um
processo discursivo de abjeção (BUTLER, 1993; PRINS; MEIJER, 2002). Aquelxs
que desestruturam as regras/leis que perpetuam esse binômio tornam-se
objetos/abjetos. Diga-se “objetos” porque a abjeção faz com que percam sua
materialidade/existência como humanos e sejam arremessados fora do campo da
linguagem- aquela que nos tira da biologia para a culturas e faz com que sejamos
sujeitos únicos e singulares. Um exemplo nítido desse processo é a divulgação de
mortes de pessoas LGBTIQA. Nas notícias, sempre se refere às vítimas como:
“transexual”, “homossexual”, “lésbica”, “gay”, eclipsando as histórias por trás de cada
uma e negligenciando as especificidades de cada “sujeito”. As vítimas raramente
são identificadas pelo nome, pois são reduzidas a uma única esfera, uma única
48

intersecção da personalidade- justamente aquela que lhes tirou a existência antes


mesmo da própria morte.

Butler (1986, 1993, 1998, 2003) se debruça profundamente sobre a noção de


“ corpos abjetos” em sua obra “ Bodies that matter” (1993), cujo título se baseia-se
num trocadilho de palavras ou em um deslizamento de significantes, lacaniamente
falando. Ao mesmo tempo que o vocábulo “matter” pode significar “materializar”
referindo-se aos corpos que se materializam, adquirem significado e existência e
obtém legitimidade através da linguagem, ele pode significar “ importar”. Segundo
Butler (1993), há corpos que importam para a matriz heterossexual e corpos que não
importam. Os corpos que importam são justamente aqueles que se materializam e
ganham existência dentro dos parâmetros dos binômios: homem/mulher;
masculino/feminino alinhados com a diferença anatômica: pênis/vagina. Os corpos
que põem em xeque essas regras naturalizadas não são inteligíveis pelo status quo,
criam lacunas e pontos de interrogações na linguagem e só conseguem existir como
corpos excluídos, disruptivos que não importam, pois apenas importam os corpos
que retroalimentam ao ethos heteronormativo vigente. O abjeto, para Butler (1993;
2003), relaciona-se a todo tipo de corpos cujas vidas não são consideradas vidas e
cujas materialidades são entendidas como “não importantes” (PRINS; MEIJER,
2002).

É mister destacar que devido ao caráter performativo das expressões e


identidades de gênero, o que é considerado abjeto ou não depende das
especificidades de cada contexto sociocultural e histórico. No contexto das relações
homodesejantes mediadas digitalmente entre as quais pairam os ideais de
masculinidade hegemônica, a figura do homem efeminado é renegada e alocada ao
campo do abjeto, pois põe em cheque as normas impostas pelo binarismo e pelo
alinhamento (pênis-homem-masculino).
49

5 MASCULINIDADE HEGEMÔNICA E EFEMINOFOBIA

Após descrever o setting virtual onde originaram os questionamentos que


instigaram o desenvolvimento dessa pesquisa e apresentar algumas das principais
contribuições dos estudos viados que servem como principal suporte teórico para as
reflexões tecidas no bojo desse manuscrito, faz-se oportuno discorrer acerca do
tema-pivô dessa investigação: a efeminofobia e os ideais hegemônicos de
masculinidade, para que posteriormente seja possível levantar considerações acerca
dos discursos/atitudes efeminofóbicas e imposições maschofascistas que permeiam
as relações homodesejantes mediadas pelo Grindr.

Portanto, visa-se, nessa seção, apresentar conceitos básicos em sexualidade


humana a partir de um olhar viado, enfatizando a distinção entre sexo de
nascimento, gênero designado, identidade de gênero, expressão de gênero e
orientação afetivo-sexual e viabilizando a discussão sobre o que seria a
masculinidade e como ele se constrói dentro de cada contexto sociocultural. Em
seguida, serão apresentados os conceitos de masculinidade hegemônica e
machofascismo, sobretudo através das contribuições de White (1980/1994) e
Connell e Messerschmidt (2013). Discorre-se, além disso, acerca da hegemonia e a
partir de uma concepção gramsciana que oferece pressupostos teóricos e
epistemológicos para explicar a manutenção e propagação dos ideais de
masculinidade hegemônica. Por fim, será abordado o conceito de efeminofobia e a
abjeção e exclusão que aflige meninos/homens efeminados ou que não se
enquadram nos padrões ditados de masculinidade a partir de contribuições de
teóricxs viadxs como Eve Kosofsky Sedgwick (1990, 1991).

5.1 EXPRESSÕES DE GÊNERO, MASCULINIDADE E OUTROS CONCEITOS


BÁSICOS EM SEXUALIDADE HUMANA

Antes de se debruçar especificamente sobre a prevalência de um padrão


hegemônico de masculinidade em cada contexto sociocultural e como este se
evidencia nas relações mediadas virtualmente entre homens que buscam por
relações homodesejantes, faz-se necessário primeiramente tentar compreender o
que é “masculinidade”, ou melhor, o que são as “masculinidades”. Torna-se
imprescindível, para tanto, que se definam e se distingam diferentes conceitos que
50

emergem corriqueiramente no bojo dos estudos em sexualidade humana, estudos


“viados”, psicanálise, entre outros. Tais conceitos, como sexualidade, sexo, gênero
designado, identidade de gênero, expressão de gênero (no qual se enquadra a
masculinidade, conforme aqui proposta) e orientação afetivo-sexual, são, muitas
vezes, vistos pelo status quo vigente como sinônimos.

Nesse sentido, Louro (1997, 2000, 2016) apontou que as relações humanas
são permeadas por um alinhamento (sexo-gênero-orientação afetivo-sexual). Ou
seja, prevalece a falsa ideia de que quem nasce com pênis, se considera
necessariamente um homem que per si deve ser extremamente másculo/viril e
desejar outra mulher. Partindo desta mesma visão linear e limitada da sexualidade
humana, se um “homem” apresentar desejos homo-orientados, ele tem sua
masculinidade posta em xeque, ao mesmo tempo que se aquele apresentar
comportamentos e atitudes que não se enquadram naquilo que a sociedade associa
normativamente à masculinidade, ele terá sua heterossexualidade presumida posta
em xeque. Devido a esse alinhamento, por exemplo, é comum na sociedade
brasileira, que pessoas usem a expressão “pinto pequeno” para depreciar alguns
homens e questionar a masculinidade deles, pois ter um pênis grande, na atual
sociedade brasileira, é concebido como um símbolo máximo da masculinidade.

Não obstante, é nítido, que sexo, identidade de gênero, expressão de gênero


e orientação afetivo-sexual são categorias distintas e independentes. Ou seja, não
há uma relação linear e direta entre elas como é socialmente pré-concebido.
Portanto, ter uma certa identidade de gênero, por exemplo, não significa
necessariamente ter uma expressão de gênero específica ou uma orientação
afetivo-sexual particular, embora para a maioria dos leigos essa associação seja
naturalizada, entranhada no discurso e consequentemente ocorre de maneira
espontânea e inevitável (FOUCAULT, 2000; BUTLER, 2003). Afinal das contas, o
que é sexo, o que é identidade de gênero, o que é expressão de gênero e o que é
orientação afetivo-sexual? A seguir, abordar-se-ão estas categorias a partir do viés
da interseccionalidade: diversos aspectos que formam um ser humano e constituem
sua identidade (DAWSON, 2015).

Em sua polêmica obra “Três Ensaios sobre a Teoria da Sexualidade”, Freud


(1905/2006) apontou que não se deve confundir o sexual com o genital. Em outros
51

termos, a sexualidade não se restringe à genitalidade. Sendo assim, Freud


(1905/2006, 1938/2006) rompeu com a visão reducionista da sexualidade que a
limita a aspectos meramente biológicos/genitais e ressaltou que a sexualidade não
se restringe à função dos órgãos genitais nem ao ato sexual em si (KAUFMANN,
1996; ROUDINESCO; PLON, 1998; LAPLANCHE; PONTALIS, 2001).

Primeiramente, “sexo” corresponde à expressão biológica tanto genotípica


como fenotípica e abrange características anatômicas e funcionais tanto genitais
como extragenitais. A determinação sexual biológica em humanos é estritamente
cromossômica e não sofre de influências socioculturais como o a expressão de
gênero ou a vivência da sexualidade (BONFIM, 2012; BAYDOUN, 2016). Pessoas
com o genótipo XX geralmente nascem com uma vagina, ao passo que pessoas
com o genótipo XY geralmente apresentam um pênis. É fundamental destacar que a
expressão fenotípica nem sempre corresponde a expressão genotípica do sexo de
nascimento. Destaca-se, nesse sentido, os intersex4 (popular e vulgarmente
conhecidos como hermafroditas) que possuem genótipos XX ou XY, mas
apresentam características sexuais primárias e secundárias de ambos os sexos de
nascimento. Destaca-se, além disso, as alterações cromossômicas que acometem o
vigésimo-terceiro par de cromossomos (cromossomos sexuais) e se caracterizam
por expressões genotípicas como X, XXX, Y, XYY, XXY, entre outras que podem
causar ambivalências na expressão fenotípica das características sexuais primárias
e/ou secundárias. Nesse sentido, é possível afirmar que muitas vezes existem
divergências entre o “sexo de nascimento” em sua expressão genotípica e o “sexo
de nascimento” em sua expressão fenotípica. Ou seja, não é possível dizer que
“quem nasce com XX possui uma vagina” e “quem nasce com XY um pênis”. Em
insetos de quatro espécies diferentes do gênero Neotrgla, as fêmeas, ou seja, os
insetos que possuem uma expressão genotípica correspondente ao sexo de
nascimento feminino, apresentam um órgão erétil parecido com um falo ou pênis
que foi apelidado de gynosome ao passo que os machos, ou seja, os insetos que
possuem uma expressão genotípica correspondente ao sexo de nascimento

4 Nesse caso, intersexo é um termo utilizado para se referir a um grupo de variações congenitais de
anatomia sexual que não se encaixam nas definições binárias tradicionais. Longe das categorias
diagnósticas propostas pelo CID-10 (OMS, 1993) ou DSM-5 (APA, 2013), refere-se aqui à minoria
sexual representada pela letra I na sigla LGBTQIA.
52

masculino, apresentam nenhum tipo de órgão erétil. Assim, durante o ato sexual, a
fêmea penetra o macho e consequentemente seu gynosome infla, absorbendo
nutrientes e sêmen de dentro do macho (inseto com a expressão genotípica
correspondente ao sexo de nascimento feminino). 5

Em suma, o termo “sexo” se refere especificamente à marca biológica, genital


e natural (NUNES; SILVA, 2000). Fala-se, nesse sentido, da presença de um pênis,
de uma vagina ou das duas marcas biológicas (intersexo), conforme ilustrado no
esquema a seguir. Não há relatos na literatura médica de pessoas que nasceram
com outras marcas genitais fenotípicas

Figura 6- Sexo de Nascimento

Fonte: Arquivo pessoal do autor

Embora sexo e gênero sejam categorias independentes; pois a primeira é


puramente biológica ao passo que a segunda é perpassada por processos
psicossociais; todos os sujeitos são designados um gênero de acordo com o sexo de
nascimento. De acordo com o Manual Estatístico e Diagnóstico de Transtornos
Mentais (DSM-5), trata-se de um “gênero designado” cujo processo de designação
ocorre mesmo antes do nascimento do próprio sujeito (APA, 2013).

Com o avanço das tecnologias de diagnóstico por imagem e ultrassom, é


possível visualizar as características sexuais fenotípicas do embrião já nos primeiros
meses da gravidez. Assim, ao visualizar um pênis, o (a) médico (a) exclama: “É
Menino!” Designa-se, portanto, a esse “sujeito”, um gênero, ao qual nos referimos
aqui por “Male”. Utiliza-se, nesse caso, o vocábulo em inglês, para diferenciar o
masculino como gênero designado (Male), aquilo que é inscrito nos nossos registros
gerais e documentos legais, do masculino como expressão de gênero, conceito que

5 Para maiores informações, acesse o seguinte link:


http://www.bbc.com/portuguese/noticias/2014/04/140418_femea_penis_ms.
53

será tratado posteriormente. Por outro lado, ao visualizar a vulva, o (a) médico (a)
exclama: “ É Menina!” Designa-se, então, a esse “sujeito”, o outro gênero que
compõe a díade, ao qual nos referimos aqui por “Female”. Nesse caso, utiliza-se o
termo em inglês também, para diferenciar o feminino como gênero designado
(Female) do feminino como expressão de gênero. Haja vista a “existência
predominante” de dois sexos de nascimento- pênis e vagina- esse processo de
designação de gênero antes do nascimento ocorre de forma binária/dicotômica
(BUTLER, 2003; APA, 2013), conforme ilustrado no esquema a seguir:

Figura 7- Gênero Designado

Fonte: Arquivo Pessoal do Autor

Devido ao alinhamento (sexo-gênero-sexualidade) e a sobreposição imposta


social, cultural e historicamente entre sexo biológico, identidade de gênero,
expressão de gênero e orientação afetivo-sexual (BUTLER, 2003; LOURO, 2000;
BONFIM, 2012; APA, 2013), esse processo de designação de gênero é
acompanhado por uma série de expectativas e associações sobre a futura vida
desse sujeito, englobando a “verdadeira” identidade de gênero, a expressão de
gênero e a orientação afetivo-sexual. É nítido, todavia, que tanto a identidade de
gênero, quanto a expressão de gênero e orientação afetivo-sexual independem de
do sexo de nascimento e do gênero designado ao nascimento, assim com
independem uma da outra.

Segundo o DSM-5 (APA, 2013), a identidade de gênero é uma categoria de


identidade pessoal/social que se refere à identificação como homem, mulher, ou,
54

ocasionalmente, outra categoria não-binária que não seja nem homem nem mulher,
ou, simplesmente, nenhuma categoria (pessoa agênera). Consiste, portanto, na
forma como alguém se sente, se identifica e se apresenta para si próprio e para os
que o rodeiam, relacionando-se, assim, à percepção de si mesmo como um todo
(BONFIM, 2012).

Como a identidade de gênero independe do sexo biológico, esta não pode ser
compreendida a partir da mesma lógica binária e dual que permeia o processo de
designação de gênero antes do nascimento. Ressalta-se, nesse sentido, que há
uma multiplicidade de possíveis identidades de gênero: as binárias (homem e
mulher) e as não-binárias, cujo número de possibilidades tende ao infinito. Surge,
nesse contexto, terminologias como transgênero, cisgênero, pangênero, bigênero,
demigênero, entre outras, para se referir às múltiplas possibilidades de identidade de
gênero.

Considerando que a pesquisa foi realizada apenas com homens cisgêneros-


homens que se identificam com o sexo de nascimento (pênis) e com o gênero
designado ao nascimento (Male)- não serão aprofundadas as diferenças entre as
diferentes identidades supracitadas. Destaca-se, no entanto, que se viu necessário
conceituar e traçar um panorama acerca da identidade de gênero no fito de distingui-
la da expressão de gênero e da orientação afetivo-sexual, conceitos que estão
diretamente relacionados ao tema-pivô da pesquisa: as exigências intransigentes em
relação à masculinidade hegemônica e a aversão contra aqueles que não se
enquadram neste padrão nas relações homodesejantes mediadas pelo aplicativo
baseado na localização- Grindr.

Considerando o conceito de performatividade proposto pelos pioneiros dos


estudos viados (SEDGWICK, 1990, 1991; BUTLER,1993, 2003), pode-se definir a
“expressão de gênero” como um conjunto de características e comportamentos
determinados e associados dicotomicamente pelo contexto sócio-cultural dominante
aos que se identificam como homens e às que se identificam como mulheres.
Denomina-se, a seguir, o conjunto de características e comportamentos esperados
do homem, de masculinidade (masculino). Atribui-se a palavra feminilidade
(feminino) para se referir à expressão de gênero que o contexto social atribui à
mulher.
55

Nota-se que tanto a masculinidade quanto a feminilidade são perpassados


por fatores histórico-culturais, ou seja, passam por mudanças de acordo com o
contexto social e histórico no qual os sujeitos estão imersos. Não obstante, faz-se
necessário destacar que, apesar dessas transformações, tais conjuntos são vistos
como padrões hegemônicos, quase que incontestáveis, dentro de cada cultura
vigente. Por isso, quando um homem, apresenta comportamentos que são
associados culturalmente ao feminino no contexto social atual (rebolar, gesticular
com as mãos, ter voz fina, cuidar muito da aparência), ele tem sua identidade como
“homem” questionada, pois segundo a lógica do status quo vigente, para alguém ser
considerado homem, ele precisa necessariamente apresentar um conjunto de
comportamentos e características que podem ser associadas à masculinidade como
concebida pelo contexto sóciohistórico em questão.

Cabe frisar também que, na maioria dos contextos sócio-culturais, constrói-se


uma lógica dicotômica entre mulher/feminino e homem/masculino baseada em
hierarquias e relações de poder que superiorizam o homem/masculino e inferiorizam
a mulher/feminino, assemelham a relação (homem/masculino: mulher/feminino) à
analogia (síntese: antítese), intitulando uma como oposto da outra, e negando,
portanto, a possibilidade de coexistência em um único ser.

Além disso, devido ao alinhamento (sexo-gênero) e as lógicas binárias


historicamente propagadas (LOURO, 2000, 2016; BUTLER, 2003), ocorre
reiteradamente uma sobreposição naturalizada entre a “identidade de gênero” e a
“expressão de gênero”: quem se identifica como homem deve necessariamente
apresentar um comportamento associado à masculinidade; quem se identifica como
mulher deve obrigatoriamente apresentar um comportamento associado à
feminilidade. Não obstante, a existência de homens cisgêneros com
comportamentos e características vistas como femininas, independentemente da
orientação afetivo-sexual, põe em xeque essa visão reducionista que permeia
nossas relações sociais. Torna-se, nítido, nesse contexto, que ser homem não
significa necessariamente ser masculino/viril e vice-versa, e ser mulher não significa
obrigatoriamente ser feminina, e vice-versa.

No entanto, devido ao alinhamento (sexo-gênero- orientação afetivo-sexual) e


ao binarismo que permeia nossas relações e a forma com a qual compreendemos
56

nossa sexualidade e o mundo que nos cerca, pressupõe-se erroneamente que todos
os homens que não são titulares da masculinidade hegemônica (comumente
denominados de homens afeminados) apresentem necessariamente desejos homo-
orientados. Destaca-se, nesse sentido, que embora sejam conceitos diferentes, a
expressão de gênero e a orientação afetivo-sexual, são, amiúde, vistas como
sinônimos. Ou seja, crê-se que se uma pessoa é “feminina”, ela deseja
necessariamente um homem/masculino e vice-versa.

A orientação afetivo-sexual é resultado de uma complexa interação entre


fatores biológicos, psicológicos e socioculturais se relaciona ao desejo sexual e a
natureza das fantasias sexuais e se caracteriza por um sentimento de atração
afetiva, erótica e/ou sexual por pessoas do mesmo sexo/mesmo gênero designado,
sexo oposto/gênero designado oposto, ambas as possibilidades ou nenhuma delas
(BONFIM, 2012; ABDO, 2014; DAWSON, 2015; BAYDOUN, 2016), As inúmeras
possibilidades de orientações afetivo-sexuais, entre as quais se incluem os desejos
homo-orientados, se constituem de forma independente da expressão de gênero,
identidade de gênero ou sexo de nascimento/gênero designado da dita pessoa.

Embora estas sejam intersecções diferentes que compõem a personalidade,


estrutura psíquica e sexualidade de cada sujeito, de forma única e singular, enfatiza-
se que são compreendidas de forma linear e reducionista pelo status quo vigente,
devido a um processo que Louro (1997, 2000, 2016) denomina de alinhamento
(sexo-gênero-orientação afetivo-sexual) que normatiza, estipula e faz com que
concebamos apenas duas possibilidades de ser, se constituir como humano e se
relacionar com outro: (i) quem nasce com pênis deve se identificar como homem
quando adulto, se enquadrar no padrão de comportamentos associados à
masculinidade e desejar uma mulher (ser heterossexual/ desejos hetero-orientados);
(ii) quem nasce com vagina deve se identificar como mulher quando adulta, se
enquadrar no padrão de comportamentos associados à feminilidade, e desejar um
homem (ser heterossexual/ desejos hetero-orientados).
57
Figura 8- Alinhamento (sexo-gênero-sexualidade)

Fonte: Arquivo Pessoal do Autor

Nota-se que as duas possibilidades de existir/ser/desejar socialmente


impostas são permeadas por uma matriz heterossexual que tem historicamente
influenciado nossas relações. Tal matriz traz em seu bojo a pressuposição que todos
somos heterossexuais (heterossexismo) até que se prove o contrário. Nesse
sentido, quando um homem apresenta um comportamento socialmente associado à
masculinidade, o outro social considera isso como afirmação da heterossexualidade
pressuposta, mas quando aquele apresenta características que não se enquadram
no padrão hegemônico de masculinidade, o outro social passa a questionar tal
heterossexualidade. Trata-se de uma associação extremamente reducionista, uma
vez que ser másculo está longe de ser sinônimo de ter desejos hetero-orientados e
ser afeminado está longe de ser sinônimo de ter homo-orientados.

Ao anunciar que um sujeito “É MENINO” antes do próprio nascimento (gênero


designado: male), porque possui um pênis, espera-se que, ao se tornar adulto, se
identifique “cisgenericamente” como um homem (identidade de gênero), apresente
uma série de comportamentos, atitudes, preferências e características que são
socialmente associadas à masculinidade (expressão de gênero) e tenha desejos
afetivos/eróticos/sexuais hetero-orientados (orientação afetivo-sexual). Caso este
58

sujeito apresente qualquer característica, comportamento, preferência ou desejo que


rompa com essa expectativa linear e reducionista, cria-se, no outro, um sentimento
de estranhamento que põe em xeque as normas social e historicamente impostas
pelo status quo patriarcal e heterofalocêntrico e pela matriz heterossexual
(SEDGWICK,1991; LOURO, 2000, 2016; BUTLER, 2003; MISKOLCI, 2013). Este
sujeito, consequentemente, torna-se vítima de um processo crônico de
subalternização da própria identidade, pois esta é vista como subversiva, estranha,
bizarra, “viada” (LOURO, 2000, 2016; BUTLER, 2003).

Nesse ínterim, nota-se que tal processo aflige homens que apresentam
comportamentos, atitudes, trejeitos, preferências e gostos que não se enquadram no
padrão de expressão de gênero socialmente esperada para os mesmos. Destaca-
se, como exemplo, os “homens afeminados”, que embora se afirmem e se
identifiquem como homens, perdem os privilégios exclusivos dos titulares da
masculinidade hegemônica, e passam por um processo de subalternização e
exclusão semelhante àquele que aflige as mulheres. Tal marginalização ocorre
independentemente da orientação afetivo-sexual desses homens, que são amiúde,
vistos como pessoas que buscam por relações homodesejantes, uma vez que a
presença do efeminamento em um homem questiona a matriz heterossexual.

Cabe frisar que tal renegação do “menino/homem afeminado” à posição do


“abjeto inquietante” (SEDGWICK, 1990; CONEJO, 2012), aliada ao constante
enaltecimento da figura do “homem viril” titular da masculinidade vista como
hegemônica não só pervaga nossas relações sociais como um todo, mas também
permeia as relações construídas entre homens que buscam por relações
homodesejantes, fato que gera um paradoxo, pois estes, assim como aqueles, foram
historicamente subalternizados.

Especificadas as diferenças entre as diversas intersecções que nos


constituem como sujeitos, faz-se oportuno tecer uma discussão adiante com ênfase
no tema: a masculinidade e a hegemonia de um padrão específico desta sobre as
outras modalidades de expressão de gênero no universo dos homens que buscam
por relações homodesejantes. Afinal das contas, o que é masculinidade? O que é
hegemonia? O que é masculinidade hegemônica e machofascismo e como se
evidenciam nas relações homodesejantes contemporâneas?
59

5.2 MASCULINIDADE HEGEMÔNICA E MACHOFASCISMO: O ENALTECIMENTO


DO HOMEM VIRIL

Considerando os conceitos de performatividade e discursividade propostos


por Butler (1993, 2003) e outros teóricos viados em suas discussões sobre gênero,
pode-se frisar que o conceito de masculinidade é líquido, mutável, flexível e
moldável conforme as exigências/características do contexto sóciohistórico em
questão. A masculinidade, portanto, “[...] é fluida e seu significado muda conforme as
circunstâncias que ditam o modo para sua composição. ” (LANZIERI;
HILDEBRANDT, 2011, p.277). Destaca-se, neste sentido, que aquela se molda
pelas nuances socioculturais que configuram incessantemente suas construções nas
áreas de gênero e sexualidade (BUTLER,1993; LANZIERI; HILDEBRANDT, 2011).

Devido à performatividade e a constante configuração/ reconfiguração que


caracterizam a masculinidade, torna-se complexo conceitua-la, defini-la ou localizar
precisamente suas origens e raízes. Nesse sentido, Connell e Messerschmidt (2013)
criticam o uso da terminologia no singular, pois se ela é moldada de acordo com o
contexto sociocultural e histórico vigente, significa que já existiram e existem
diferentes expressões da masculinidade, ou seja, masculinidades, no plural.

As masculinidades se caracterizam como conjuntos de comportamentos,


características físicas, atitudes e traços de personalidade que são determinados e
associados por cada cultura àqueles que se nomeiam e se identificam como
“homens”. Embora as masculinidades, como diferentes expressões de gênero,
sejam também perpassadas por fatores psíquicos e experiências de vida que fazem
com que cada “ser homem” tenha uma masculinidade- uma expressão de gênero-
que lhe é única e singular, dissemina-se, dentro de cada contexto histórico e cultural,
um modelo de masculinidade, visto como hegemônico, que influencia a forma como
os homens se enxergam, como se constituem e como o dito contexto os trata
(SEDGWICK, 1993; TAYWADITEP, 2001; LANZIERI; HILDEBRANDT, 2011;
CONEJO, 2012; CONNELL; MESSERSCHMIDT, 2013). Cabe frisar que como esse
padrão considerado como soberano muda de cultura para outra, e de contexto
histórico para outro, Connell e Messerschmidt (2013) também criticam o uso da
expressão “masculinidade hegemônica” no singular, propondo seu uso no plural
“masculinidades hegemônicas”. Antes de se debruçar especificamente acerca do
60

conceito de “masculinidade hegemônica/masculinidades hegemônicas”, faz-se


necessário conceituar o que seria “hegemonia” e como se associa a cada cultura a
partir das colocações do filósofo e crítico literário italiano Antônio Gramsci.

“A noção de hegemonia foi criada no seio da tradição marxista para pensar as


diversas configurações sociais que se apresentavam em distintos pontos no tempo e
no espaço” (ALVES, 2010, p. 71). Embora Gramsci (1971) a propusesse no bojo de
estudos sobre filosofia política para abordar a subordinação do proletariado às
classes sociais dominantes, o conceito de hegemonia também serve para abordar a
produção de concepções reducionistas de gênero e sexualidade e como tais
ideologias se radicaram na estrutura da sociedade ao longo da história. Nesse
sentido, além da política, as relações hegemônicas permeiam diferentes aspectos de
um determinado contexto sóciohistórico- o cultural, o ideológico, o estético, entre
outros. (HARGREAVES; MCDONALD, 2000; LANZIERI; HILDEBRANDT, 2011).

Depreende-se, portanto, que as concepções de mundo que pervagam as


relações constituídas no seio de uma determinada sociedade e por meio dos quais
ela se representa são ditados ideologicamente pelos aparelhos propulsores da
hegemonia. (GRAMSCI, 1971; ALTHUSSER, 1985; SCHLESENER, 1992). Cita-se,
como exemplo, os meios de comunicação de massa e a indústria cultural que
atualmente exercem um papel central na formação de opiniões e na reconfiguração
das preferências, desejos, dogmas de acordo com o status quo vigente e as
exigências do sistema capitalista.

É mister destacar que um padrão hegemônico ou uma cultura hegemônica


não se constituem meramente a partir de um predomínio coercitivo e totalitário. Ao
contrário, há um consenso de que a hegemonia se caracteriza por uma combinação
paradoxal entre a coerção e o consentimento (SCHLESENER, 1992; ALVES, 2010;
LANZIERI; HILDEBRANDT, 2011; MISKOLCI, 2012).

De forma geral, segundo Gramsci, a cultura hegemônica não é resultado de


uma dominação coercitiva direta, mas, antes, o resultado de um contexto
onde os próprios subalternizados apoiam os dominantes. A hegemonia é
resultado da cumplicidade dos dominados com os valores que os
subalternizam (MISKOLCI, 2012, p. 52).
61

Para Gramsci (1971), a hegemonia, ou seja, a subordinação de certo grupo


cultural por outro dominante que expressa e propaga reiteradamente a supremacia
de suas ideologias, não se dá apenas através de um sistema de forças coercitivas e
de subalternização mas também através do consentimento/identificação dos
reprimidos. É muito comum, portanto, que um grupo subordinado adote a concepção
de vida de outro grupo cujas ideologias, valores e características se consolidam
como um aparato hegemônico (ALVES, 2010).

Nota-se, nesse sentido, que os conceitos gramscianos de cultura e


hegemonia constituem um arcabouço teórico plausível para a compreensão das
relações de poder e hierarquias que permearam a configuração das diferentes
masculinidades ao longo da história, comumente intitulando um padrão de
masculinidade como hegemônico de acordo com as particularidades de cada
contexto sóciohistórico e dos aparatos ideológicos predominantes em seu seio. Tais
reformulações pelas quais este padrão passa de acordo com cada contexto social e
histórico são possíveis, uma vez que “a própria estrutura da sociedade e a
característica dinâmica das relações de hegemonia abre perspectivas de
transformação.” (SCHLESENER, 1992, p. 31-32).

Connell e Messerschmidt (2013) traçam um panorama histórico acerca do


surgimento e desenvolvimento do conceito de masculinidade hegemônica. Este
surge no bojo de críticas amplas ao conceito de papel sexual masculino, se
consolidando como uma alternativa para a compreensão das masculinidades a partir
de múltiplas hierarquias e relações de poder. Nesse ínterim, nasce o conceito de
masculinidade hegemônica com base em debates, discussões e estudos pioneiros
desenvolvidos na Austrália e sistematizados no artigo “Towards a New Sociology of
Masculinity”, influenciando, a partir de então, os estudos de gênero e sexualidade
em diferentes áreas do conhecimento, e moldando o pensamento atual sobre
homens e hierarquia social (CONNELL; MESSERSCHMIDT, 2013).

Conforme Collier (1998), a masculinidade hegemônica se constitui por uma


série de ideologias populares associadas constitutivamente a um modelo ideal ou às
verdadeiras características do que é “ser homem”, evidenciando, portanto, o
alinhamento social e historicamente reiterado entre identidade e expressão de
gênero. Nesse sentido, Connell e Messerschmidt (2013, p. 255) apontaram que: “O
62

comportamento dos homens é reificado em um conceito de masculinidade que, em


um argumento circular, se torna a explanação (e a desculpa) para o
comportamento”. Cabe frisar que este conceito se pauta na hierarquização e na
normatização de relações de poder entre as diferentes identidades e expressões de
gênero, exercendo domínio não só sobre as mulheres, mas também sobre aqueles
que ameaçam sua soberania e conceituação como modelo de identidade global
(PRINGLE, 2005; LANZIERI; HILDERBRANDT, 2011; CONNELL;
MESSERSCHMIDT, 2013). Ressalta-se, nesse sentido, que a característica-chave
para o conceito de masculinidade hegemônica é a multiplicidade de modelos de
masculinidades e a existência de uma hierarquia entre elas (CONNELL;
MESSERSCHMIDT, 2013).

Devido à intersecção entre diferentes aspectos/fatores que constituem a


identidade/personalidade de cada “ser homem”, existem inúmeros modelos de
masculinidades. Todas estas, todavia, são marginalizadas, subalternizadas e
equiparadas ao “feminino”- visto pelo status quo vigente como expressão
desprezível e inferior de gênero- em detrimento da supremacia do modelo
hegemônico de masculinidade. Para Connell e Messerschmidt (2013, p. 245):

A masculinidade hegemônica se distinguiu de outras masculinidades


subordinadas. A masculinidade hegemônica não se assumiu normal num
sentido estatístico; apenas uma minoria dos homens talvez a adote. Mas
certamente ela é normativa. Ela incorpora a forma mais honrada de ser um
homem, ela exige que todos os outros homens se posicionem em relação a
ela e legitima ideologicamente a subordinação global das mulheres aos
homens.

Devido ao patriarcado social, histórica e culturalmente instituído e perpetuado,


as relações dos homens com outros homens são inevitavelmente moldados e
padronizados pelas normas patriarcais e heteronormativas que regem a construção
do modelo de masculinidade hegemônica específico de cada contexto. Aliado à
hierarquia e poder sobre as mulheres, os homens criam relações de poder entre si
de acordo com o critério da masculinidade dominante vista, amiúde, como sinônimo
da máxima virilidade (PLECK, 1974/1989; CARRIGAN et al, 1985; TAYWADITEP,
2001).

A sobreposição entre as múltiplas masculinidades e as inúmeras identidades


e expressões de gênero é condição sine qua non para a soberania de um modelo de
63

masculinidade visto como hegemônico (CONNELL E MESSERSCHMIDT, 2013).


Este, per se, é permeado e normatizado pela indústria cultural e pelas imposições
midiáticas, atribuindo um caráter mutante e/ou performativo às características
associadas hegemonicamente à masculinidade (GRAMSCI, 1971; SCHLESENER,
1992; BUTLER, 2003). Portanto, o predomínio fascista sobre outras masculinidades
e expressões de gênero e o efeito transformador dos meandros dos contextos
sociohistóricos sobre o modelo de masculinidade constituem os fatores principais
para a consolidação desta.

Nota-se, nesse sentido, que a preeminência daqueles que se enquadram no


modelo socialmente imposto de masculinidade hegemônica e a subordinação
daqueles que não se encaixam nela, independentemente da orientação afetivo-
sexual ou identidade de gênero, é um processo histórico e não autorreprodutor. Ou
seja, longe de ser autorreprodutora, a masculinidade hegemônica, como se constitui
dentro de cada milieu, é fruto de um longo processo histórico e resultado de
interferências socioculturais; sua manutenção depende da hierarquização e
rehierarquização (CONNELL; MESSERSCHMIDT, 2013).

Na mitologia grega, por exemplo, Herácles- o famoso Hércules- era


considerado símbolo da masculinidade apolônea. Possuía um corpo atlético e
atributos como a coragem e a força- características estas ainda associadas aos
homens titulares da masculinidade hegemônica na maioria das culturas ocidentais.
Todavia, uma análise rápida das pinturas e estátuas do Herácles que a história nos
deixou como legado, mostra que Herácles tinha um pênis pequeno, pois isto era
visto como sinônimo de beleza masculina e virilidade. Nos dias atuais, ao contrário,
o pênis grande (ser bem dotado) é considerado uma característica central do modelo
ideal de masculinidade, principalmente entre homens que buscam por relações
homodesejantes. Não fosse suficiente, é comum que as pessoas, sui generis, usem
referências ao tamanho pequeno do pênis como tentativa de depreciar a imagem de
um “ser homem” e pôr sua masculinidade em xeque, evidenciando, portanto, o
conspícuo falocentrismo que permeia as relações sexuais e eróticas,
pormenorizadamente, as homodesejantes.

É importante destacar que um número conspícuo de estudos demonstrou que


as masculinidades são propensas a mudanças que se caracterizam como desafios
64

frente à hegemonia (CONNELL; MESSERSCHMIDT, 2013). Desse modo, Cavender


(1999) traçou um paralelo comparativo entre os modelos de masculinidade
hegemônica construídos em filmes de longa-metragem nos anos 1940 e 1980, e,
consequentemente, ressaltou a existência de divergências alarmantes. Ferguson
(2001), por outro lado, apontou o declínio dos ideais históricos de masculinidade na
Irlanda e sua substituição por padrões mais modernizados e direcionados pelo
mercado. Tais conclusões vêm ao encontro das discussões propulsionados por
vários teóricos “viados” e sociólogos da masculinidade que versaram sobre as
transformações que afligem os padrões hegemônicos de acordo com o contexto
sociocultural e hustórico, propulsionando os sujeitos nela inseridos a performatizar
as características e atitudes associados pelo status quo ao “que é de fato ser
homem” (LOURO, 2000; BUTLER, 2003; MISKOLCI, 2013; BARRETO, 2016).

Nota-se que tais padrões se configuram de uma forma tão ubíqua e


onipotente que a soberania da masculinidade hegemônica como único modelo de
“ser homem” é visto como normal e naturalizado (TAYWADITEP, 2001; LANZIERI;
HILDEBRANDT, 2011), se imiscuindo, portanto, no discurso e nas relações que os
sujeitos constroem por meio deste (FOUCAULT, 2011). A supremacia das
características associadas ao modelo ideal de masculinidade que prevalece na
cultura ocidental atual é constantemente propagado pela indústria cultural, pela
mídia, abrangendo os programas televisivos, os filmes hollywoodianos e os anúncios
publicitários propulsionados diariamente em redes sociais, dando, cada vez mais,
um caráter imagético ao “que é de fato ser homem” na pós contemporaneidade.
Nesse sentido, Connell e Messerschmidt (2013) citam como exemplo a ostentação
da masculinidade hegemônica nos programas televisivos de esporte, a censura
midiática dos modelos marginalizados de masculinidade e a interconexão entre
aquela, a força e a coragem nos imaginários de guerra. Alia-se a isso, que quando
expostos na mídia, homens que não se conformam às características normativas de
masculinidade, são retratados de forma cômica ou caricaturesca. É incomum, por
exemplo, vermos nas representações midiáticas, homens que são simultaneamente
afeminados e heróis de guerra.

É importante ressaltar que tais idealizações propagadas midiaticamente


exercem efeitos diários sobre diferentes aspectos da vida de meninos e homens-
65

potencializando desajustes, tensões e resistências (CONNELL; MESSERSCHMIDT,


2013). Tais idealizações sobre a masculinidade põem em xeque a identidade desses
sujeitos como “meninos” ou “homens” e passam a fazer o que der para gozarem dos
privilégios exclusivos daqueles que se enquadram no padrão hegemônico de
masculinidade. Assim, muitos meninos e homens “[...] se acomodam a um ideal e se
tornam tipos que são cúmplices e resistentes, sem que qualquer um incorpore
exatamente aquele ideal” (WETHERELL; EDLEY, 1999, p. 377).

No geral, as pressões para se enquadrar no modelo ditado de masculinidade


emergem desde a infância e adolescência (MACCOBY,1987; TAYWADITEP, 2001).
Várias pesquisas mostraram que os “meninos” se ensinam o comportamento
masculino visto como hegemônico/normal/correto e o impõem coercitivamente
(FAGOT, 1977; TAYWADITEP, 2011; CONEJO, 2012). “O status hegemônico
regional dos jovens homens na realidade alerta para que eles façam as coisas que
seu grupo de pares local define como masculinas” (CONNEL; MESSERSCHMIDT,
2013, p. 252). Os meninos que não se conformam às características associadas
normativamente ao “que é de fato ser homem”, ou, ao menos tentem performatizá-
las, são comparados às “meninas” e passam por um processo de ridicularização,
rejeição, alienação e exclusão das atividades grupais (FAGOT, 1977; HARRY, 1982;
TAYWADITEP, 2001; CONEJO, 2012). Isso enfatiza novamente que para se
sustentar um dado padrão de masculinidade hegemônica, é necessário o
policiamento de todos os homens e suas expressões de gênero e o descrédito
daquilo que não se enquadra no que se espera de um “ser homem de verdade” no
contexto sóciohistórico atual.

Nota-se que tal policiamento das diferentes expressões de gênero e as


tentativas compulsórias de masculinização/virilização dos meninos e homens são
tão extremos e tão potentes que constituem o que White (1980/1994) e Taywaditep
(2001) denominam de machofascismo. Este pode ser definido como a exacerbação
acentuada das exigências em relação à adoção dos valores e características
associadas à masculinidade hegemônica.

Na cultura ocidental pós-contemporânea, predomina-se um conceito de


masculinidade hegemônica que traz em seu bojo a imagem de um homem
independente, forte, agressivo e que não expressa suas emoções ou qualquer sinal
66

de compaixão ou ternura (KIMMEL, 1994; CONNELL, 2005; LANZIERI;


HILDEBRANDT, 2011; CONEJO, 2012; BARRETO; 2016).

Devido à globalização, a aceleração exacerbada da troca de informações e a


internacionalização dos meios de comunicação de massa, os modelos de
masculinidade hegemônica específicos de cada contexto sociocultural ocidental
recebem influências de um modelo global vigente, aproximando os padrões locais
um do outro.

Nesse sentido, Connell e Messerschmidt (2013, p. 274) apontaram que “[...]


os processos de globalização abriram as ordens de gênero regionais e locais para
novas pressões por transformações e também abriram caminhos para novas
coalizões entre grupos de homens poderosos” Assim, a branquitude, a
heterossexualidade e o pertencimento à classe média alta ou elite se constituem
também como parâmetros para a comparação entre homens e o
enquadramento/não-enquadramento destes no padrão socialmente imposto
(KIMMEL, 2008; LANZIERI; HILDEBRANDT, 2011). Alia-se a isso a associação do
modelo hegemônico de masculinidade a um padrão ideal de porte físico/fisicalidade
reiterada e compulsoriamente propagado pela mídia e indústria cultural, alinhando,
ideologicamente, a força, a estética, a saúde e o atletismo.

Os homens que possuem desejos homo-orientados e as relações construídas


entre eles também são influenciados pelas exigências do modelo hegemônico de
masculinidade embora este passe por ligeiras alterações devido às especificidades
sócio-históricas que permearam o grupo em questão. Vários autores apontaram que
prevalece entre os homens que buscam por relações homodesejantes uma
concepção heterofalocêntrica de masculinidade (TAYWADITEP, 2001; BORGES,
2009; LANZIERI; HILDEBRANDT, 2011; ANNES; REDLIN, 2012; CONEJO, 2012;
MISKOLCI, 2013; 2015, BARRETO, 2016).

Nesse sentido, Annes e Redlin (2012) apontaram que ser identificado como
“heterossexual” (normal) a partir da aparente expressão de gênero ocupa o centro
das preocupações de muitos homens que buscam por relações homodesejantes ,
justamente porque se enquadrar totalmente nos padrões de masculinidade
hegemônica e ser “heterossexual” são características desejáveis pelo outro social.
67

Internaliza-se, portanto, as características atreladas ao modelo hegemônico de


masculinidade: homem branco, rico/classe média alta, extremamente viril ( porque
isto é visto como sinônimo de ter desejos hetero-orientados), corpo
atlético/sarado/malhado/bombado, voz grossa, entre outras características.

Em uma etnografia sobre casas de orgias direcionadas a homens que


buscam por relações homodesejantes, Barreto (2016) concluiu que as relações
eróticas e sexuais entre estes são regidas por três princípios: a masculinidade
(aquela vista como hegemônica), a discrição (ter um comportamento ou expressão
de gênero que não revele a natureza dos desejos sexuais, ou ao menos conseguir
performatizá-los) e a safadeza (aguentar o “tranco” e conseguir se engajar no
máximo de relações sexuais possíveis). Assim, para que um homem possa ser
aceito nesse grupo, é necessário que seja “macho, discreto e puto” sem qualquer
vestígio de efeminamento ou outro traço que possa “denunciar” seus desejos homo-
orientados. Etnografias virtuais desenvolvidas por Miskolci (2009, 2013, 2015) já
demonstraram também o caráter crucial do padrão hegemônico de masculinidade e
da discrição nas relações homodesejantes mediadas online, apontando o
enaltecimento da figura do homem “macho, discreto e fora do meio”.

Percebe-se, entre os homens que buscam por relações homodesejantes, um


culto exagerado das características associadas à safadeza, putaria ou
promiscuidade. Isto pode ser explicado pela influência acentuada que a indústria
pornográfica exerce sobre estes homens (BORGES, 2009; MISKOLCI, 2009, 2013;
TZIALLAS, 2015). Devido à falta de representações midiáticas afirmativas das
relações homodesejantes antes do advento do século XXI, muitos homens com
desejos homo-orientados recorriam aos filmes pornôs em busca de um
relacionamento com o qual se identificassem (MISKOLCI, 2009, 2013; TZIALLAS,
2015). Isso alimentou, entre os homens que buscam por relações homodesejantes,
a concepção de um homem perfeito baseada na imagem de um ator pornô: um
homem musculoso, macho (se enquadra perfeitamente no padrão hegemônico de
masculinidade) dotado, safado e liso (sem pelos), associando, muitas vezes, de
forma normativa, as relações peno-anais receptivas à branquitude e as relações
peno-anais insertivas à negritude. A manutenção da supremacia dessa concepção
de “ser homem” heternormativa e pornograficamente influenciada se torna possível
68

devido a dois fatores: (a) o consentimento de muitos homens que buscam por
relações homodesejantes que tentam simultaneamente se enquadrar no modelo
ideal de masculinidade e se relacionar com homens que se encaixam nele; (b) a
depreciação e exclusão constante de homens que possuem um comportamento,
expressão de gênero, porte físico ou estilo de vida que põe em xeque os atributos do
modelo supracitado. Destaca-se, nesse sentido, a aversão contra aqueles cujo
comportamento é caracterizado pelo efeminamento, doravante denominada de
“efeminofobia”- significativamente disseminada entre homens que buscam por
relações homodesejantes, visando, acima de tudo, a manutenção do modelo
hegemônico de masculinidade imposto pelo status quo patriarcal e
heterofalocêntrico.

5.3 EFEMINOFOBIA: A GUERRA CONTRA O MENINO/HOMEM AFEMINADO

O termo “efeminofobia” foi primeiramente cunhado por Eve Kosofsky


Sedgwick (1990, 1991) da qual também tomo emprestado o subtítulo dessa seção
do manuscrito em referência ao texto “The War on Effeminate Boys” (SEDGWICK,
1991), para se referir a uma forma peculiar de preconceito e exclusão que aflige
homens afeminados ou aqueles cujo comportamento, “jeito de ser” ou preferências
não se enquadram nos padrões impostos de masculinidade hegemônica Desde
então, várias nomenclaturas surgiram para se referir a este tipo de estigma na
literatura norte-americana. Não obstante, nota-se que pouco tem sido escrito acerca
desse fenômeno que acomete pessoas que se identificam como homens, mas não
se expressam ou se comportam da forma como o contexto sociocultural normatiza
ou espera que um “homem” o faça.

Embora Richardson (2009) definisse a efeminofobia como o medo do


efeminamento, aqui faz-se uso deste termo para se referir aos sentimentos de
aversão e atitudes de discriminação contra homens que apresentam
comportamentos/atributos socialmente atrelados à feminilidade. Tal efeminamento é
visto por muitos como prova infalível da existência de desejos homo-orientados, pois
aquele tem sido historicamente considerado o significante supremo do desejo por
outro homem (TAYWADITEP, 2001; RICHARDSON, 2009). Devido a essa
associação historicamente naturalizada e propagada, pouco tem sido escrito sobre a
“efeminofobia” propriamente dita, sendo interpretada como uma manifestação da
69

homofobia. Aponta-se, todavia, que ambas se tratam de tipos de


preconceito/discriminação distintos. Ao passo que a homofobia, expressão cunhada
por Weinberg (1972) no final da década de 60, se refere à aversão contra aqueles
que possuem desejos homo-orientados, a efeminofobia, se caracteriza como o
horror frente aos homens que possuem comportamentos/atitudes socialmente
associados ao feminino, independentemente da orientação de seus desejos sexuais.
É possível se referir a este fenômeno também como anti-effeminacy (anti-
efeminamento) ou sissyphobia (bichafobia)- expressão cunhada por Bergling (2006)
para se referir às atitudes negativas contra “homens afeminados” que buscam por
relações homodesejantes (EGUCHI, 2011).

A efeminofobia é amplamente disseminada tanto em culturas anglo-saxões


como em culturas latino-americanas nas quais, dependendo do contexto, o “ homem
afeminado” se torna uma figura caricaturesca ou um monstro a ser temido, uma vez
que põe em xeque as expectativas patriarcais tradicionais que não levam em
consideração a distinção entre sexo de nascimento, identidade de gênero,
expressão de gênero e orientação afetivo-sexual e presumem uma única forma de
ser/existir/desejar como homem: pênis-homem-masculino (másculo/viril)- titular de
desejos hetero-orientados (SEDGWICK, 1990; 1991, RICHARDSON, 2009;
EGUCHI, 2011; CONEJO, 2012; ANNES; REDLIN, 2012).

A presença do efeminamento no comportamento/atitudes de um homem,


independentemente da natureza de seus desejos sexuais, eróticos ou amorosos,
denuncia o fracasso do binarismo e alinhamento socialmente impostos entre
expressão de gênero e sexualidade e se constitui como prova da plasticidade das
relações gênero-sexualidade. A figura do “homem afeminado” constitui, portanto,
uma ameaça ao patriarcado, pois numa era durante a qual a masculinidade se
encontra em crise, o espectro de um homem que renuncia os privilégios exclusivos
dos titulares da masculinidade hegemônica é considerado desconcertante
(RICHARDSON, 2009; CONEJO, 2012; ANNES; REDLIN, 2012). Como homens que
buscam por relações homodesejantes reproduzem o sistema de gênero/sexualidade
binário e normativo no qual estão inseridos, essas se tornam inevitavelmente
permeadas por uma notável aversão ao efeminamento (RICHARDSON, 2009;
EGUCHI, 2011; ANNES; REDLIN, 2012). Tal aversão se evidencia nas formas
70

através das quais muitos desses homens se apresentam em aplicativos baseados


na localização e na consideração do efeminamento como um turn-off erótico (algo
broxante) (RICHARDSON, 2009; MISKOLCI, 2013).

É mister destacar que a efeminofobia se funda em diferentes raízes, todas as


quais reiteram os sentimentos/atitudes negativos contra o “homem afeminado”. Este,
conforme Richardson (2009, p. 532) “[...] descontrói ideias essencialistas de gênero
e se as lógicas binárias de gênero são os andaimes da heterossexualidade, então,
violar este binarismo se torna um desafio frente à heteronormatividade” Nesse
sentido, a efeminofobia pauta-se, sobretudo, na negatividade/aversão através dos
quais a contemporaneidade enxerga as performances/expressões de gênero
transgressivas que questionam as normas impostas pelo status quo patriarcal e
heterofalocêntrico e, portanto, se consolidam como problemas de gênero
(SEDGWICK, 1991, 1993; BUTLER, 2003; RICHARDSON, 2009).

Por outro lado, é imprescindível destacar que a misoginia se estabelece


também como um dos pilares da efeminofobia, embora as vítimas sejam homens.
Levando em consideração alguns termos em português abrasileirado que se
consolidam como efeminofóbicos, como por exemplo: “bicha”, “bichona”, “florzinha”
ou o uso de adjetivos e substantivos no feminino para se referir a homens que não
se enquadram nas normas impostas pela matriz heterossexual, observa-se que
todas as expressões apontam diretamente à “feminilidade” do sujeito. Depreende-se,
portanto, que descrevê-lo como feminino pode ser considerado imediatamente um
insulto uma vez que o feminino ocupa o lugar do subalterno nas hierarquias de
gênero instituídas pelo status quo machista, misógino e patriarcal. Como não
vivemos numa cultura de igualdade entre as diferentes identidades e expressões de
gênero, taxar um homem de afeminado ou “bicha” pode ser considerado
inevitavelmente pejorativo (RICHARDSON, 2009; EGUCHI, 2011; ANNES; REDLIN,
2012).

Além das razões que levam à consolidação de discursos efeminofóbicos, sui


generis, há outras que são específicas, e portanto, constituem uma dimensão
especial dos sentimentos/atitudes de anti-efeminamento que permeiam as relações
homodesejantes entre homens. Para Sedgwick (1991, p. 156):
71

Uma razão mais compreensível para a efeminofobia é a necessidade


conceitual do movimento gay de interromper uma longa duração de ver o
gênero e a sexualidade como categorias contínuas e coladas- uma tradição
de assumir que qualquer pessoa, homem ou mulher, que deseja um homem
deve por definição ser feminina, e que qualquer pessoa, homem ou mulher,
que deseje uma mulher deve, pela mesma razão, ser masculina.

Como os “homens efeminados” que buscam por relações homodesejantes


reforçam o discurso hegemônico e a ideologia social dominante que associam os
desejos homo-orientados ao efeminamento, Annes e Redlin (2012) concluíram que
uma grande parte dos homens que buscam por relações homodesejantes,
principalmente aqueles que se enquadram ou conseguem performatizar as
características socialmente associadas à masculinidade hegemônica, possui uma
visão negativa e estereotipada dos homens efeminados.

Tal visão negativa foi corroborada pelo fato que os homens que buscam por
relações homodesejantes são amiúde representados/retratados na cultura popular,
indústria cultural e meios de comunicação de massa como efeminados, alegres,
extrovertidos e “espalhafatosos” criando, portanto, um efeito cômico ou caricaturesco
(SEDGWICK 1991, 1993; ANNES; REDLIN, 2012; CONEJO, 2012).

Além disso, muitos homens que buscam por relações homodesejantes


culpam os “homens efeminados” por disseminar “imagens negativas” sobre os
desejos homo-orientados, devido à preocupação excessiva com assuntos
superficiais como roupas, moda e encontros sexuais casuais (ANNES; REDLIN,
2012). Enfatiza-se, nesse sentido, a introjeção dos estereótipos e preconceitos
macrossocialmente associados aos homens efeminados e aos homens que buscam
por relações homodesejantes cujos desejos, relações, atitudes e comportamentos
acabam sendo permeados por processos que corroboram com a estigmatização e
subalternização daqueles que põe em xeque as normas impostas pelo patriarcado e
pela matriz heterossexual.
72

6 MÉTODO

Considerando os questionamentos que permearam o surgimento do tema-


pivô dessa investigação, evidenciou-se que a pesquisa qualitativa oferece os
instrumentos necessários para aborda-los. Conforme Minayo (2008, p.57), a
pesquisa qualitativa pode ser considerada o tipo mais apropriado para abrir novos
paradigmas frente a compreensão “das relações, das representações, das crenças,
das percepções e das opiniões, produtos das interpretações que os humanos fazem
a respeito de como vivem, constroem seus artefatos e a si mesmos, sentem e
pensam”. Turato (2005), por outro lado, ressaltou que a pesquisa qualitativa se
detém ao significado que o fenômeno tem para os sujeitos investigados.

Uma vez contextualizado o problema central dessa investigação, o arcabouço


teórico e a abordagem metodológica mais adequados para endereça-lo, torna-se
necessário se debruçar acerca dos aspectos metodológicos que permearam o
desenvolvimento da pesquisa. Portanto, apresenta-se a seguir os objetivos dessa
pesquisa assim como aspectos metodológicos imprescindíveis como: tipo de
pesquisa, locais do estudo (tanto online como offline), sujeitos da pesquisa,
procedimentos, tipo e etapas da análise e procedimentos éticos.

6.1 OBJETIVOS

Visou-se, por meio dessa pesquisa qualitativa, abordar o discurso dos


usuários do Grindr em Porto Velho- RO sobre as demandas intransigentes em
relação ao corpo, masculinidade hegemônica e discrição.

Além disso, objetivou-se abrir novas conjecturas para a compreensão das


repercussões da virtualização e do status quo heterofalocêntrico sobre os desejos,
fantasias e subjetividades dos homens que buscam se relacionar com outros
homens e sobre as relações homodesejantes sexuais e amorosas construídas no
contexto social contemporâneo.
73

6.2 TIPO DE PESQUISA

“A Internet pode ser representada como uma instância de


múltiplas ordens espaciais e temporais que se às vezes cruzam
a fronteira entre o online e off-line” (HINE, 2000, p. 21).

Trata-se de uma pesquisa qualitativa baseada em dois arsenais ou corpos


metodológicos: (a) a etnografia virtual por meio da qual o pesquisador imergiu no
ambiente virtual em questão, ou seja, o aplicativo baseado na localização
denominado Grindr, observando o setting virtual e explorando as descrições e
informações expostas nos perfis dos usuários que acessavam o aplicativo na zona
urbana de Porto Velho; (b) a realização de entrevistas individuais presenciais e
semi-estruturadas (in depth interviews) com usuários do aplicativo que residem na
zona urbana de Porto Velho.

Os avanços tecnológicos e a expansão das comunicações mediadas


digitalmente, como fenômenos, são considerados um agente potencial de
transformações socioculturais que repercutem sobre as relações construídas na pós-
contemporaneidade (HINE, 2000). Tais efeitos podem ser evidenciados tanto no
mundo virual (online) quanto no real (offline)

Haja vista as vicissitudes socioculturais, comunicacionais e relacionais


propulsionadas no bojo das transformações sóciotecnológicas que a pós-
contemporaneidade vivencia incessantemente, a etnografia virtual ou digital se
consolida como uma possibilidade metodológica plausível para o estudo das
práticas, subculturas e relações que se constroem na Internet e as formas através
das quais esta tem influenciado o cotidiano dos seres humanos, em diferentes
aspectos (HINE, 2000; SANTANAELLA, 2004). Nota-se, nesse sentido, que o
advento e a evolução da Internet; vista simultaneamente como uma cultura
propriamente dita (o ciberespaço) e como artefato ou produto cultural; não só
caracterizam os protótipos principais do contexto tecnossocial contemporâneo, mas
também apresentam um desafio conspícuo para a compreensão dos métodos de
pesquisa (HINE, 2000).

Segundo Hine (2000), o impacto revolucionário da Internet se deve à


capacidade de facilitar a comunicação entre as pessoas através da transmissão de
74

informações entre computadores, ipads, smartphones, entre outros aparelhos


digitais e/o eletrônicos. Tal transmissão abreviada e rápida de informações, assim
como outros avanços tecnológicos, exerceu implicações culturais drásticas sobre a
experiência do espaço e do tempo (KERN, 1983; HINE, 2000). O ciberespaço, como
produto do avanço tecnológico, e as consequentes transformações socioculturais
que potencializa, constituem um campo fértil para o desenvolvimento de estudos que
abordem as relações, comunidades e práticas cotidianas que florescem em torno da
Internet (GRINT; WOOLGAR,1997; HINE, 2000), seja em sites, bate-papos, redes
sociais ou os aplicativos baseados na localização como o Grindr. Além disso, tais
estudos em torno do ciberespaço facilitam a compreensão sobre como o sujeito
experimenta e administra as fronteiras entre o real (online) e o virtual (off-line)
(RACHEL, 1995; LÉVY, 1996/2014; HINE, 2000).

Segundo Hine (2000, p. 13), a etnografia voltada a Internet, ou seja, a


etnografia virtual ou digital é a metodologia ideal para o estudo das questões
supracitadas, pois “[...] pode servir para explorar as complexas interrelações
existentes entre as asserções que se vaticinam sobre as novas tecnologias em
diferentes contextos. ” Através de uma etnografia virtual, o pesquisador pode
observar detalhadamente as formas através das quais se experimenta o uso de uma
tecnologia (HINE, 2000). Conforme a autora, a etnografia digital ou virtual favorece a
abertura de novas conjecturas para a compreensão do ciberespaço e das relações
que ali se constituem, enfatizando os significados que os usuários atribuem às suas
capacidades interativas, às repercussões da Internet (neste caso das mídias digitais)
sobre as relações sociais espaço-temporais e às barreiras entre a experiência do
virtual e do real físico (HINE, 2000; SANTANAELLA, 2004).

Considerando os objetivos do estudo e a natureza virtual dos aplicativos


baseados na localização voltados aos homens que buscam por relações
homodesejantes, destaca-se que a etnografia virtual, através da imersão do
pesquisador no ambiente virtual em questão, se consolida como um dos aparatos
metodológicos mais ideais para abordar como as demandas intransigentes em
relação à masculinidade hegemônica e os consequentes discursos e atitudes
efeminofóbicas já existentes entre homens que buscam por relações
75

homodesejantes, se replicam na plataforma digital, haja vista a dissolução das


barreiras entre o real e o virtual.

Além disso, os pressupostos da etnografia virtual favorecem a exploração das


implicações sociais e espaçotemporais que o advento dos aplicativos baseados na
localização exerce sobre as relações homodesejantes mediadas digitalmente,
possibilitando uma leitura das nuances subjetivas que regem essas relações na
interface online-offline no contexto sociocultural e geográfico da zona urbana de
Porto Velho.

Nesse sentido, cabe frisar que, desde a origem desse arcabouço


metodológico, tanto os etnógrafos tradicionais como os virtuais têm enfatizado que a
etnografia não se trata de um protocolo, guia ou “receita pronta de bolo”, pois não se
pode dissociá-la do espaço de aplicação, nem do sujeito que a desenvolve (HINE,
2000; GUIMARÃES, 2005). “A metodologia de uma etnografia é inseparável do
contexto onde se desenvolve e por isso a consideramos desde uma perspectiva
adaptativa que se flexiona precisamente ao redor do método”. (HINE, 2000, p. 23). É
justamente esse caráter moldável da etnografia virtual que tanto nos permite
adequá-la às particularidades da interface entre o espaço virtual abordado e do
espaço geográfico onde os usuários se encontram de fato inseridos, como nos
possibilita levar em consideração os fatores sociais, históricos e culturais que têm
permeado as vivências e relações dos homens que buscam por relações
homodesejantes.

É importante ressaltar que o uso da etnografia virtual para a compreensão das


relações mediadas digitalmente traz à tona um problema de autenticidade uma vez
que é quase impossível determinar a fidedignidade das afirmações expostas em
ambientes virtuais e a identidade dos respectivos autores (HINE, 2000). Portanto,
optou-se por aliar a experiência etnográfica digital do pesquisador à realização de
entrevistas individuais presenciais e semi-estruturadas com homens residentes na
zona urbana de Porto Velho-RO que usam ou já usaram o aplicativo baseado na
localização em questão. Vê-se, nesse sentido, que o caráter presencial das
entrevistas garante maior autenticidade e aproximação das experiências pessoais de
cada entrevistado em comparação à realização das entrevistas a partir de um
simples bate-papo na ferramenta de mensagens disponibilizada pelo aplicativo.
76

Faz-se necessário destacar que esse acoplamento metodológico entre a


etnografia virtual online e as entrevistas individuais off-line favorece a interação real-
virtual do pesquisador tanto com as ferramentas disponibilizadas pelo aplicativo
como com os usuários que se dispuseram a participar das entrevistas, considerando
que o Grindr é um aplicativo baseado na localização voltado a homens que buscam
por relações afetivas, amistosas, eróticas ou sexuais com outros homens e seu
poder de triangular usuários a base da proximidade geográfica indica que um dos
seus principais fins é transformar interações virtuais (online) em relações no campo
físico-real (off-line).

6.3 LOCAL DO ESTUDO E SUJEITOS DA PESQUISA

6.3.1 Pesquisando online: A imersão no Grindr

As informações da pesquisa foram coletadas em dois ambientes diferentes,


sendo um virtual/digital (online) e outro físico (off-line). Tendo em vista que o tema-
pivô desse estudo são as relações homodesejantes mediadas pelo Grindr e como
nele se replicam as exigências intransigentes em relação à masculinidade
hegemônica e discrição bem como as atitudes e discursos de aversão direcionados
ao não-enquadramento nas normas imposta pelo status quo heteronormativo e
machofascista, o primeiro local do estudo foi a própria plataforma digital em questão.

É através do uso do Grindr que o pesquisador pôde levantar considerações


tanto acerca da estrutura e do funcionamento do aplicativo quanto acerca do perfil
dos usuários do Grindr no contexto regional de Porto Velho-RO. Através do
aplicativo também, o pesquisador-mestrando pôde divulgar a pesquisa e os seus
respectivos objetivos e convidar alguns usuários para a possível participação das
entrevistas individuais face-a-face -parte da pesquisa desenvolvida off-line.

6.3.2 Pesquisando offline: Local e sujeitos das entrevistas individuais

As entrevistas individuais e presenciais (off-line) foram realizadas nas salas


de entrevista do Serviço de Psicologia Aplicada (SPA) da Fundação Universidade
Federal de Rondônia (UNIR), pois se configura como um ambiente silencioso, neutro
e sem interferências, o que ajudou o entrevistado a conquistar maior credibilidade e
confiança por parte do entrevistador. Além disso, trata-se de uma clínica-escola
77

vinculada ao Departamento de Psicologia (DEPSI), cuja meta é viabilizar pesquisa,


extensão e atendimento à comunidade.

O SPA-UNIR é localizado na zona central da cidade de Porto Velho-RO,


sendo, portanto, de fácil acesso aos colaboradores, independentemente das zonas
ou bairros onde residem.

A importância de um setting diferenciado para a condução de entrevistas foi


destacada por Zago (2003) ao passo que a credibilidade foi apontada por Szymanski
et al (2002) como aspecto central da interação face-a-face que caracteriza a
entrevista reflexiva.

Foram entrevistados 10 homens que faziam uso intermitente ou contínuo do


Grindr por uma duração de pelo menos três meses. Como critério de inclusão, os
participantes deviam necessariamente ter no mínimo uma idade igual ou maior a 18
anos, sem uma idade máxima pré-estipulada. Cabe frisar, nesse sentido, que o
aplicativo só permite a criação de perfis por homens que se declaram maiores de
idade, fato que facilitou, de forma ou de outra, filtrar os prospectivos colaboradores
de acordo com esse critério. Destaca-se, além disso, que os participantes da etapa
off-line da pesquisa deviam obrigatoriamente ser residentes da zona urbana de
Porto Velho- RO. Ressalta-se, desta forma, que o aplicativo oferece as ferramentas
necessárias para garantir que os prospectivos colaboradores fossem de fato
residentes da zona urbana de Porto Velho-RO, uma vez que os perfis de usuários
que estavam “de passagem” na cidade desapareciam da tela do pesquisador
quando retornavam às suas respectivas cidades.

A participação dos colaboradores teve caráter voluntário e não-remunerado, o


que foi esclarecido já nos primeiros contatos virtuais via o aplicativo e
posteriormente assegurado mediante a assinatura dos Termos de Consentimento
Livres e Esclarecidos (TCLEs).

6.4 PROCEDIMENTOS

Assim como a etnografia tradicional, a virtual exige a presença do


pesquisador e a observação in loco (HINE, 2000; GUIMARÃES,2005). Considerando
78

o caráter virtual do Grindr, a primeira etapa da pesquisa se constituiu na imersão do


pesquisador na plataforma digital como usuário comum do aplicativo.

Nesse sentido, a etnografia virtual- como arsenal metodológico- permitiu ao


pesquisador imergir no campo virtual no qual se encontrariam os participantes das
entrevistas individuais (etapa off-line da pesquisa). Isso implicou baixar o aplicativo
no smartphone do pesquisador-mestrando e criar uma conta para que possa
explorar o aplicativo, acessá-lo diariamente, fazer observações acerca do ambiente
virtual que constitui o objeto-pivô da pesquisa, manter contatos iniciais online com os
usuários e trocar mensagens com aqueles que o acessavam dentro da zona urbana
de Porto Velho e registrar os nomes de exibição e descrições de perfil por meio de
screenshots ou printscreens.

Nesse sentido, o pesquisador se torna um informante reflexivo e não um mero


observador participante do grupo sob observação, ou seja, usuários online do
aplicativo Grindr na plataforma digital. Conforme Anderson (2006), a etnografia ou
autoetnografia em um ambiente virtual é um paradigma naturalístico de pesquisa por
meio do qual o pesquisador se torna um membro do grupo estudado, apresenta
reflexividade analítica, dialoga com outros informantes na comunidade e se faz
visível no texto produzido.

Nota-se que diferentes estratégias de etnografia e auto-etnografia virtuais já


foram utilizadas por pesquisadores cujas pesquisas visavam abordar as relações
homodesejantes mediadas virtualmente (MISKOLCI, 2009, 2013, CROOKS, 2013;
BLACKWELL et al, 2015). Tais experiências serviram como pilares para a própria
experiência do pesquisador, sem eliminar o caráter flexível e singular característico
de cada etnografia, seja tradicional ou virtual (HINE, 2000).

Como parte da etnografia virtual, foram realizados registros fotográficos (do


tipo print screen ou screenshots) de 64 descrições de perfil de usuários do Grindr a
partir das navegações do próprio pesquisador-mestrando no aplicativo dentro da
zona urbana de Porto Velho- Rondônia. Cabe frisar que tais descrições são visíveis
para qualquer pessoa que acesse o aplicativo nas proximidades.
79

O print screen é um recurso existente em basicamente todos os aparelhos


com sistema Android ou ios e permite registrar fotograficamente tudo aquilo que
aparece na tela do celular em um dado momento. Assim, quando o pesquisador se
deparava com descrições de perfil cujo conteúdo se associa a demanda da
pesquisa, ele apertava e mantinha pressionado, simultaneamente, o botão de
desligar o aparelho e o botão para diminuir o volume, efetuando, portanto, um
registro fotográfico para posterior análise.

Após a imersão do pesquisador no ambiente virtual e um período de


observações in loco e conversas informais com diferentes usuários que acessavam
o aplicativo na zona urbana de Porto Velho-RO, o pesquisador editou seu perfil
pessoal e registrou seu nome de exibição do perfil como “Pesquisa”. Na parte da
descrição de perfil intitulada “Sobre Mim”, o pesquisador registrou o seguinte
comunicado: “Estou desenvolvendo uma pesquisa sobre o Grindr. Para maiores
informações, me enviem uma mensagem”. Assim, foi enviado um convite formal para
a participação na etapa das entrevistas individuais para todos aqueles que
demonstraram interesse por meio de mensagens pessoais ao pesquisador dentro do
aplicativo. Evitou-se o envio do convite para todos os usuários, uma vez que o
aplicativo podia confundir o envio repetitivo da mesma mensagem com uma corrente
e, portanto, cancelar a conta do pesquisador, medida prevista pelos termos de uso
da plataforma digital em questão.

O convite enviado aos usuários interessados apresentava os critérios para a


escolha dos prospectivos colaboradores na etapa off-line da pesquisa. Nesse
sentido, a mensagem de convite explicitou que as entrevistas seriam realizadas com
homens acima de 18 anos de idade que fazem uso contínuo ou intermitente do
Grindr, por um período de pelo menos três meses na zona urbana de Porto Velho-
RO e que residem, de fato, nessa região. O pesquisador, então, informou seu
número de telefone àqueles que se enquadravam nos critérios supracitados a fim de
combinar a data e o horário da entrevista bem como enviar a localização prevista por
meio do aplicativo whatsapp, garantindo, portanto, maior facilidade, agilidade e
confiabilidade, uma vez que o whatsapp, ao contrário do Grindr, informa os usuários
sempre que recebem mensagens mesmo que estejam off-line.
80

A entrevista é uma das pedras angulares e fontes mais ricas para a obtenção
de dados em pesquisas qualitativas. Apesar da existência de outras formas de
coleta de dados como a observação e a aplicação de questionários, acredita-se que
nenhuma pesquisa é tão completa quanto aquela que faz uso de entrevistas tête-a-
tête com os colaboradores. A entrevista é permeada pelo dito, pela linguagem
pronunciada e, portanto, pela escuta. Longe do estabelecimento de qualquer relação
de poder ou superioridade entre o entrevistador e o entrevistado, o caráter
sincrônico da relação entre o pesquisador que indaga e escuta e o colaborador que
fala e responde, mas também questiona torna a entrevista uma das etapas-pivô de
inúmeras pesquisas qualitativas.

As entrevistas individuais e semiestruturadas foram pautadas sobre os


pressupostos da entrevista reflexiva apresentados por Szymanski (2002) e da
entrevista compreensiva, preconizados por Zago (2003).

Szymanski (2002) se debruça acerca dos aspectos psicológicos que


permeiam a condução da entrevista reflexiva, principalmente no que se refere à
interação entre o entrevistador e o colaborador. As autoras veem a entrevista
reflexiva como produto de uma interação social, de uma relação face-a-face.
Portanto, tanto a entrevista como o material que dela emerge é influenciada pelas
nuances subjetivas suscitadas por essa interação.

Partimos da constatação de que a entrevista face a face é


fundamentalmente uma situação de interação humana, em que estão em
jogo as percepções do outro e de si, expectativas, sentimentos,
preconceitos e interpretações para os protagonistas: entrevistador e
entrevistado (SZYMANSKI, 2002, p. 12).

Essa interação/influência mútua e bidirecional entre pesquisador e


entrevistado é condição sine qua non para que uma entrevista reflexiva se configure
como tal. “Não podemos deixar de considerar o entrevistado como tendo um
conhecimento do seu próprio mundo, do mundo do entrevistador e das relações
entre eles” (SZYMANSKI, 2002, p. 13). Embora seja o pesquisador que propõe o
tema da pesquisa e constrói o roteiro da entrevista, não se pode de forma alguma
negligenciar o papel central que o entrevistador exerce no decorrer de uma
entrevista.
81

Conforme Szymanski (2002), o processo de entrevista abrange também uma


série de questões que podem ser esclarecedoras, focalizadoras ou de
aprofundamento. Além disso, a autora (2002) enfatizou a relevância de conduzir um
trabalho de devolução após a transcrição das entrevistas, durante a qual o
entrevistado possa ter acesso às informações produzidas durante as entrevistas
anteriores.

Conforme Zago (2003), a realização de uma entrevista compreensiva, ou


seja, reflexiva é condição indispensável para favorecer a compreensão do contexto
social no qual os colaboradores se encontram inseridos. Sendo assim, Zago (2003)
explora a relação inseparável entre entrevista e observação, destacando a escolha
do local da pesquisa e da condução da entrevista como um fator relevante para o
desenvolvimento da pesquisa. A autora (2003) também destacou o caráter
fundamental do uso de um gravador no trabalho com entrevistas, sem negligenciar a
indispensabilidade de uma negociação prévia com o colaborador.

Tal negociação com o colaborador vem ao encontro de uma série de


aspectos relacionais e interacionais que permeiam a relação entrevistador-
informante como também apontou Szymanski (2002). Conforme Zago (2003), a
entrevista é uma relação social singular, pois exige acima de tudo, o
estabelecimento de uma relação de confiança. “A entrevista expressa realidades,
sentimentos e cumplicidades que um instrumento com respostas estandardizadas
poderia ocultar, evidenciando a infundada neutralidade científica daquele que
pesquisa” (ZAGO, 2003, p. 301).

Outros aspectos cruciais para a condução de entrevistas que a autora (2003)


destacou são a organização e a dinâmica de uma entrevista. Nesse sentido,
destaca-se a importância de organizar uma entrevista compreensiva de forma
flexível, mas sem perder de vista os objetivos da pesquisa. Essa flexibilidade
destacada por Zago (2003) deve caracterizar não apenas o roteiro da entrevista mas
também o tempo da entrevista, sempre levando em consideração as singularidades
dos colaboradores e evitando a manipulação dos dados pelo pesquisador.

Conforme destacado anteriormente, a etnografia virtual foi utilizada para


manter contatos iniciais online com os prospectivos colaboradores e após conquistar
82

a confiança necessária, propor a participação em uma outra etapa da pesquisa em


um ambiente físico, não-virtual, off-line adequado para a realização de entrevistas
individuais no âmbito das pesquisas qualitativas. Assim, foram realizadas entrevistas
com 10 colaboradores- número previsto no projeto de pesquisa que originou este
manuscrito. A duração de cada entrevista não foi pré-estipulada, pois isso depende
sobretudo dos conteúdos e experiências compartilhadas por cada sujeito-
participante. Assim, a duração das entrevistas desenvolvidas variou entre 40 e 90
minutos, respeitando as particularidades e fluxo discursivo de cada colaborador. A
variação do tempo de duração de uma entrevista foi apontada por Zago (2003).
Conforme a autora,“ [...] o encontro com o entrevistado se amplia para além do que
foi previsto, produzindo uma conversação rica em detalhes. Por isso, o tempo de
duração de cada entrevista de tipo qualitativo é variável” (ZAGO, 2003, p. 304).

Para facilitar a posterior análise final dos dados, primou-se pela realização
das entrevistas com o uso de gravador mediante o consentimento dos colaboradores
cujo sigilo, privacidade e anonimato foram asseguradas pelos Termos de
Consentimento Livres e Esclarecidos (TCLEs) Nesse sentido, Zago (2003) apontou
que escutar a entrevista e transcrevê-la é um procedimento significativamente
importante para o andamento da pesquisa, pois permite além de tudo um olhar
crítico e reflexivo por parte do “pesquisador”. Citando Szymanski (2002, p. 74):

A transcrição é a primeira versão escrita do texto da fala do entrevistado


que deve ser registrada, tanto quanto possível, tal como ela se deu. Ao
escrever faz-se um esforço no sentido de passar a linguagem oral para a
escrita, ou seja, há um esforço de tradução de um código para outro,
diferentes entre si. (SZYMANSKI, 2002, p.74).

Após os procedimentos de transcrição e análise, foi realizada uma entrevista


com cada colaborador no intuito de compartilhar o material colhido. A devolução em
forma de entrevista é de extrema importância, pois conforme Szymanski (2002), a
devolução serve tanto para a aprovação da compreensão do pesquisador como para
ampliação de suas colocações anteriores.

Trata-se da exposição posterior da compreensão do entrevistador sobre a


experiência relatada pelo entrevistado, e tal procedimento pode ser
considerado como um cuidado em equilibrar as relações de poder na
situação de pesquisa (...) Podem ser apresentadas a transcrição da
entrevista e a pré-análise para consideração do entrevistado. O sentido de
apresentar-se esse material decorre da consideração de que o entrevistado
deve ter acesso à interpretação do entrevistador, já que ambos produziram
83

um conhecimento naquela situação específica de interação. A autoria do


conhecimento é dividida com o entrevistado, que deverá considerar a
fidedignidade da produção do entrevistador. (SZYMANSKI, 2002, p. 52).

Levando em consideração os apontamentos de Zago (2003) e os objetivos


da pesquisa, preconizou-se a realização de entrevistas semi-estruturadas de
maneira aberta. Conforme Bleger (1984), essas se caracterizam pela ampla
liberdade do entrevistador-pesquisador em perguntar e fazer intervenções. Tal
roteiro semi-estruturado é condição sine qua non para garantir a interação face-a-
face que é característica central da entrevista reflexiva conforme apontado por
Szymanski (2002). Sendo assim, um roteiro de cosignas disparadoras foi elaborado
no intuito de assegurar que os sujeitos se expressassem livremente através da fala,
mas ao mesmo tempo os conduziam a falar sobre assuntos relevantes ao tema da
pesquisa. Trata-se de perguntas curtas e abertas que remetiam a aspectos
relevantes ao tema-pivô da pesquisa cujo conjunto constitui o roteiro semi-
estruturado da entrevista construído em prol dos objetivos da pesquisa, conforme
exposto no Apêndice E.

Na entrevista reflexiva, os objetivos da pesquisa serão a base para a


elaboração da questão desencadeadora, que deverá ser cuidadosamente
formulada. Ela deve ser o ponto de partida para o início da fala do
participante, focalizando o ponto que se quer estudar e, ao mesmo tempo,
amplia o suficiente para que ele escolha por onde quer começar. Com isso,
já teremos um direcionamento das reflexões do entrevistado, ao qual será
oferecido, inicialmente, um tempo para a sua expressão livre a respeito do
tema que se quer investigar. A questão tem por objetivo trazer à tona a
primeira elaboração, ou um primeiro arranjo narrativo que o participante
pode oferecer sobre o tema introduzido. (SZYMANSKI, 2002, p. 24).

Os entrevistados tinham o livre direito de interromper as entrevistas a


qualquer momento. Este direito foi assegurado também mediante a assinatura de
duas vias do Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE), facilitando ainda
mais o processo de instauração de credibilidade e confiança indispensáveis na
interação face-a-face entre entrevistador e colaborador (SZYMANSKI, 2003).
Portanto, foram adotados os cuidados necessários durante as entrevistas para a
promoção de um clima mais favorável e sem empecilhos frente à fala dos
entrevistados e escuta atenta e respeitosa do pesquisador-mestrando. Nesse
sentido, Zago (2003) ressaltou que “[...] em vez de se deixar paralisar pela noção de
neutralidade, o pesquisador deve estar preocupado em obter a confiança do
entrevistado, condição fundamental na situação da entrevista e de sua
84

produtividade” (p. 302). Após a transcrição das entrevistas de forma integral, os


principais dados dos colaboradores foram organizados no quadro a seguir. É
importante ressaltar que tanto os nomes citados na tabela a seguir quanto aqueles
que aparecem no anexo são nomes fictícios escolhidos pelos próprios colaboradores
no intuito de resguardar o sigilo e o anonimato assegurados mediante a assinatura
do TCLE.

Tabela 1-Síntese de dados dos participantes das entrevistas

Nome Fictício Idade Estado Civil

Lucas 24 Solteiro

Abelardo 26 Solteiro

Francisco 19 Solteiro

Oséias 30 Solteiro

Caio 21 Solteiro

Enrique 37 Casado

Ricardo 24 Solteiro

Théo 26 Solteiro

Emanuel 18 Solteiro (namorando)

Oswald 36 Solteiro (namorando)

Fonte: Material produzido pelo autor a partir de dados coletados na pesquisa.


85

6.5 ANÁLISE

Szymansky (2002) e Zago (2003) apontaram o caráter essencial da


entrevista reflexiva e compreensiva no âmbito da pesquisa qualitativa. No entanto,
os dados obtidos através da realização de entrevistas ou das observações in loco
online só se tornam válidos e úteis a partir do momento que são analisados pelo
pesquisador. Nesse sentido, Minayo (2008) caracteriza a análise final de dados
como um “movimento circular, que vai do empírico para o teórico e vice-versa” (p.
358).

Compreende-se que é justamente nessa etapa que o pesquisador-


mestrando é capaz de organizar e relacionar os conhecimentos empíricos que
obteve durante a realização e transcrição de entrevistas e os conhecimentos
teóricos que obteve durante a leitura de livros, artigos e produções científicas
referentes ao tema-pivô da pesquisa. Citando Bogdan e Biklen (1994, p.205):

A análise de dados é o processo de busca e de organização sistemático de


transcrições de entrevistas, de notas de campo e de outros materiais que
foram sendo acumulados, com o objetivo de aumentar a sua própria
compreensão desses mesmos materiais e de lhe permitir apresentar aos
outros aquilo que encontrou. A análise envolve o trabalho com os dados, a
sua organização, divisão em unidades manipuláveis, síntese, procura de
padrões, descoberta dos aspectos importantes e do que deve ser aprendido
e a decisão sobre o que vai ser transmitido aos outros.

Minayo (2008) apresentou três diferentes caminhos (técnicas) que podem


ser seguidos para a análise final de dados em pesquisas de cunho qualitativo como
a proposta aqui: (a) A análise de conteúdo, (b) A análise de discurso e (c) A
Hermenêutica Dialética. A autora aponta que a técnica mais utilizada no âmbito do
tratamento de material de uma pesquisa qualitativa é a análise de conteúdo.

Portanto, para a organização e sistematização dos materiais acumulados ao


longo da pesquisa, seja através da experiência etnográfica virtual seja através das
entrevistas, foram adotados os procedimentos da análise de conteúdo com ênfase
na temática conforme preconizada por Bardin (1979/2012). Estes apresentam um
arcabouço teórico-metodológico e analítico sólido para levantar novas considerações
acerca das relações homodesejantes mediadas pelo Grindr a partir do diálogo entre
a literatura existente e o material empírico obtido das observações etnográficas e as
entrevistas com os colaboradores, ressaltando a disseminação de exigências
86

intransigentes em relação à masculinidade hegemônica e as atitudes aversivas


contra os sujeitos que não se enquadram nesse padrão machofascista socialmente
imposto, ambas as quais subjazem as relações homodesejantes na pós-
contemporaneidade, seja online ou off-line.

Bogdan e Biklen (1994) dividem a análise de dados em duas etapas: (a) a


análise no campo de investigação e (b) a análise após a coleta de dados. Para
essas pesquisadoras (1994), o processo de análise de dados não se inicia após a
saída do pesquisador do campo de investigação. Pelo contrário, tal análise faz parte
intrínseca do processo de coleta de dados, engatinha durante o levantamento de
conhecimentos teóricos e dá seus primeiros passos durante a observação e
realização de entrevistas para a coleta de material empírico. Nesse sentido, Bogdan
e Bilken (1994) aludem que uma análise astuta durante a coleta de dados é
condição sine qua non para a operacionalização de uma análise final de dados com
êxito. “Quanto mais dados tiver sobre um tópico, contexto ou grupo de sujeitos
específico, mais fácil será pensar aprofundadamente sobre ele e maior será a
probabilidade de ser produtivo quando realizar a análise final.” (BOGDAN; BIKLEN,
1994, p. 207-208).

Desta forma, enfatizou-se a importância de escrever uma grande quantidade


de “comentários do observador” acerca das ideias que surgem para o pesquisador
seja durante a etnografia proposta ou a realização das entrevistas individuais. Nesse
sentido, Minayo (2008) ressaltou que a escrita de uma grande quantidade de
anotações, observações e memorandos do pesquisador auxiliam no processo de
análise final dos dados, pois esses mesmos se transformam em material qualitativo
a ser analisado. Esse material certamente facilitou o processo de análise final de
dados, e promoveu a categorização de temáticas para a análise.

Conforme Minayo (2008), a análise de conteúdo não é meramente fruto de


pressupostos técnicos e metodológicos, mas resultado de uma histórica busca
teórica e prática no campo das investigações sociais. Com base nas definições
apresentadas por Bardin (1979/2011), Minayo (2008) relaciona a análise de
conteúdo a “[...] técnicas de pesquisa que permitem tornar replicáveis e válidas
inferências sobre dados de um determinado contexto, por meio de procedimentos
87

especializados e científicos. Em comum, as definições ressaltam o processo de


inferência.” ( p. 303).

Além disso, Minayo (2008) apontou que a análise de conteúdo como técnica
de análise de dados traz em seu bojo uma lógica semelhante às metodologias
quantitativas, pois busca a interpretação cifrada do material qualitativo. Não
obstante, a técnica de análise de conteúdo dá ênfase ao conteúdo manifesto ou
latente das comunicações e concede uma relevância às regularidades da fala, sua
análise léxica e à significação. Nesse sentido, Minayo (2008) apontou que
“historicamente a Análise de Conteúdo clássica tem oscilado entre o rigor da
suposta objetividade dos números e a fecundidade da subjetividade” (p. 304).

Nota-se que Minayo (2008) enfatizou a análise temática ou análise de


conteúdo com ênfase na temática postulada por Bardin (1979/2011) por ser a mais
adequada para o tratamento de material qualitativo quando se utiliza a análise de
conteúdo no âmbito de pesquisas qualitativas nas áreas das ciências sociais e
humanas.

A análise temática de conteúdo proposta por Bardin (1979/2011) se


consolida sobre um conjunto consistente de técnicas e procedimentos teórico-
práticos e metodológicos. Nesse sentido, Minayo (2008) ressaltou os diferentes
passos que compõem uma análise temática. A autora apontou que é preciso
primeiramente descobrir os núcleos de sentido dentro de um texto, comunicação ou
transcrição cuja presença signifique algo para o tema-pivô da pesquisa. Conforme
Bogdan e Biklen (1994), um passo essencial para a análise final de dados se refere
à criação de uma lista de categorias de codificação após a coleta dos dados. Ao
abordarem a análise após a coleta de dados, Bogdan e Biklen (1994) se debruçaram
especifica e detalhadamente sobre o desenvolvimento de diferentes categorias de
codificação. “As categorias constituem um meio de classificar os dados descritivos
que recolheu (...) de forma que o material contido num determinado tópico possa ser
fisicamente apartado dos outros dados” (BOGDAN; BIKLEN, 1994, p. 221).

Com base nos pressupostos de Bardin (1979/2011), Minayo (2008)


apresentou as três etapas que constituem a análise de conteúdo com base na
temática:
88

(a) A pré-análise que se desdobra na escolha dos documentos a serem


analisados, a leitura flutuante, a constituição de um corpus do material a partir dos
critérios de exaustividade, representatividade, homogeneidade e pertinência, a
formulação e reformulação de hipóteses e objetivos e a determinação das unidades
de registro e de contexto, os recortes, a forma de categorização, a modalidade de
codificação e os conceitos teóricos gerais que orientarão a análise.
(b) A exploração do material na qual o pesquisador busca encontrar
categorias a partir de expressões ou palavras significativas no bojo do texto
(transcrições de entrevistas e outros tipos de material qualitativo) e, portanto
especifica os temas e realiza a classificação e associação relacional dos dados
coletados.
(c) O tratamento e interpretação dos resultados obtidos através da qual os
resultados são sistematizados, interpretados e associados ao arcabouço teórico
inicialmente sugerido, abrindo novas conjecturas para a compreensão do material
coletado e do tema-pivô da pesquisa.

Destaca-se, nesse sentido, a relevância de criar tais categorias temáticas com


base nos objetivos da pesquisa e na leitura exaustiva dos depoimentos transcritos
dos colaboradores e do material colhido no decorrer da etnografia virtual.

É crucial destacar que a análise de dados requer um vai-e-volta inevitável aos


objetivos da pesquisa conforme apontado por Minayo (2008) pois de acordo com
Bogdan e Biklen (1994), esta se inicia já nos primeiros passos de uma investigação
qualitativa. A contemplação de todos os objetivos da pesquisa é condição sine qua
non para uma próspera análise de dados. Trata-se um consenso entre a maioria dos
autores que se debruçam acerca da metodologia da investigação qualitativa como
Minayo (2008) e Bogdan e Biklen (1998). Conforme Minayo (2008), o objeto de
estudo, incutido nos objetivos da pesquisa, deve revestir, impregnar e entranhar todo
o texto final.

Além disso, nota-se que tanto a codificação quanto a análise final do material
qualitativo é permeada por uma série de elementos. Nesse sentido, Bogdan e Biklen
(1994) discorrem acerca dos diferentes fatores que influenciam na codificação de
temas para a análise dos dados, ressaltando que as diversas abordagens teóricas
dos investigadores modelam a forma como esses classificam, consideram e
89

analisam os dados.

Portanto, a pluralidade das abordagens teóricas abre as portas para uma


grande variedade de possibilidades de análise, demonstrando evidentemente à
subjetividade inerente às pesquisas nas áreas de ciências sociais e humanas e a
impossibilidade de rendê-las ao modelo positivista como já apontando por Alves-
Mazotti e Gewandsznadjer (1999). “Sempre que fazemos análises somos,
usualmente, parte do diálogo acerca do tópico que estamos a considerar. Por isso,
podemos analisar e codificar o nosso tópico de várias formas diferentes” (BOGDAN;
BIKLEN, 1994, p. 232). Dito de outra forma, Minayo (2008) sintetiza que “[...]
compreender implica a possibilidade de interpretar, de estabelecer relações e extrair
conclusões em todas as direções. Mas compreender acaba sempre sendo
compreender-se” (p. 337).

6.6 PROCEDIMENTOS ÉTICOS

O projeto que originou este manuscrito foi cadastrado na Plataforma Brasil


sob o título “ Desejo no Bolso: Um Olhar Psicanalítico sobre as relações
homodesejantes mediadas pelo Grindr” e consequentemente recebido pelo Comitê
de Ética em Pesquisa da Fundação Universidade Federal de Rondônia (CEP/UNIR)
no dia 02 de abril de 2016 (CAAE: 54787816.9.0000.5300), como se observa no
Apêndice F. O projeto recebeu parecer favorável à aprovação no dia 02 de maio de
2016 (Número do parecer: 1.524.096), como se observa no Apêndice G. As
entrevistas foram, portanto, realizadas entre julho e setembro de 2016.

Todas as pesquisas que envolvem seres humanos, seja de forma direta ou


indireta; individual ou coletiva; englobando o manejo de informações ou materiais,
são regulamentadas pelo Conselho Nacional de Saúde por meio da Resolução
466/2012 da Comissão Nacional de Ética em Pesquisa (CONEP).

Conforme a referida resolução, a submissão de todos os projetos deste tipo


aos Comitês de Ética em Pesquisa é condição sine qua non para o desenvolvimento
das respectivas pesquisas. De acordo com as diretrizes da CONEP, as pesquisas
desenvolvidas com seres humanos devem se comprometer com a ética de pesquisa
e demonstrar respeito à dignidade humana no intuito de preservar a integridade
90

física e psíquica dos sujeitos que nela participam e do meio no qual se encontram
inseridos. Nesse sentido, primou-se pelo uso de Termos de Consentimento Livre e
Esclarecido (TCLEs) assinados pelo pesquisador-mestrando, pela orientadora e
pelos colaboradores a serem entrevistados.

Além disso, a CONEP apontou que as pesquisas só podem ser desenvolvidas


em casos nos quais o risco justifique os benefícios esperados. Supõe-se que a
pesquisa desenvolvida não exerça riscos conspícuos sobre a integridade física e
psíquica dos colaboradores entrevistados. Conforme destacado anteriormente,
riscos referentes à privacidade e sigilo dos participantes foram amenizados mediante
a assinatura dos TCLEs e mediante o uso de nomes fictícios em qualquer produção
que abranja a utilização do material qualitativo proveniente das entrevistas
realizadas.

Conforme a CONEP, é imprescindível desenvolver as pesquisas com pessoas


que possuam capacidade de autodeterminação e sejam isentos de qualquer tipo de
vulnerabilidade ou incapacidade. Nesse caso, vulnerabilidade se refere a sujeitos
que por algum motivo tenham a sua aptidão de autodeterminação reduzida e
incapacidade diz respeito àqueles que não tenham capacidade civil de dar seu
consentimento livre e esclarecido. Portanto, a proteção àqueles que fazem parte de
grupos vulneráveis ou legalmente incapazes foi garantida na pesquisa proposta, pois
esta contou apenas com a participação de homens acima de 18 anos que buscam
por relações homodesejantes por meio de um aplicativo baseado na localização- o
Grindr. Sendo assim, destaca-se que os sujeitos da pesquisa eram capazes e
possuíam plena lucidez e estabilidade mental e emocional.

A preservação do sigilo foi prezada através do uso de nomes fictícios e a não


revelação de informações que possam direta ou indiretamente remeter à identidade
dos colaboradores.
91

7 “PAREÇA HETEROSSEXUAL”, MESMO QUE NÃO SEJA: DISCUSSÕES E


REFLEXÕES VIADAS

“Quem está fora do padrão normativo, está sujeito a ser


julgado. É como se o que está dentro do padrão normativo é
gente e o resto é resto” (Théo, 26 anos).

Nesta seção, visa-se levantar considerações e tecer reflexões acerca das


diferentes formas e tipos de expressões e discursos através dos quais a abjeção do
efeminamento e a imposição dos ideais de masculinidade hegemônica se
manifestam nas relações homodesejantes mediadas pelo Grindr dentro do contexto
social de Porto Velho- cidade na qual o pesquisador imergiu no ambiente virtual do
aplicativo e realizou as entrevistas com os colaboradores. As reflexões apresentadas
a seguir são baseadas em um entrelaçamento entre as observações realizadas pelo
pesquisador-mestrando durante a imersão etnográfica no Grindr, pautando-se
sobretudo nos registros fotográficos de diferentes descrições de perfil dos usuários
que rodavam o aplicativo na zona urbana em questão, e a leitura e análise das
entrelinhas das entrevistas realizadas com dez usuários do Grindr que residem em
Porto Velho e aceitaram participar voluntariamente da etapa off-line da pesquisa.

As reflexões aqui tecidas serão permeadas por contribuições da teoria viada,


apropriando-se, sobretudo, das noções de performatividade de gênero e da abjeção
de corpos que põem em xeque as normas binárias impostas pelo patriarcado e pela
matriz heterossexual. Embora as entrevistas abordassem diferentes aspectos do uso
do Grindr como as vicissitudes da virtualização sobre as relações homodesejantes,
razões que levaram os colaboradores ao uso do aplicativo, prazeres e desprazeres
que vivenciaram e vivenciam mediante a utilização da plataforma, as reflexões serão
direcionadas a partir dos objetivos anteriormente apresentados da investigação,
dando ênfase, portanto, aos discursos efeminofóbicos e à propagação dos ideais de
masculinidade hegemônica que pervagam aplicativos como o Grindr e as relações
homodesejantes como um todo, conforme já destacado em outras pesquisas
(TAYWADITEP, 2001; LANZIERI; HILDERBRANDT, 2011; ANNES; RIDLES, 2012;
MISKOLCI, 2013, 2015, 2017; MILLER, 2015; RACE; 2015).

Por motivos didáticos, as reflexões viadas expostas nesta seção são


divididas em quatro subseções oriundas do entrelaçamento entre as leituras das
92

descrições de perfil selecionadas e as entrevistas transcritas com os colaboradores,


facilitando, portanto o levantamento de considerações acerca do ethos
machofascista e heteronormativo que rege as relações homodesejantes mediadas
pelo Grindr e a abjeção dos corpos falantes que avassalam e põem em xeque os
princípios e normas impostas por tal ethos. Os títulos das subseções foram
inspirados por trechos das descrições de perfil analisadas ou das entrevistas
semiestruturadas com os colaboradores.

Na primeira subseção denominada “ ‘Fora afeminados’: as diferentes


facetas da efeminofobia no Grindr”, visa-se abordar algumas das expressões
explicitas e implícitas da abjeção contra homens efeminados ou titulares de
masculinidades marginalizadas entre homens que buscam por relações
homodesejantes através da plataforma digital em questão no contexto social
portovelhense. Visa-se, ainda, tecer reflexões sobre a corroboração dos diversos
discursos efeminofóbicos com a propagação dos ideais da masculinidade
hegemônica entre homens que buscam por relações homodesejantes,
considerando, a partir de uma concepção gramsciana, que a supremacia de tais
ideais se mantém tanto através de discursos e atitudes efeminofóbicas e
machofascistas coercivas quanto através do consentimento e da internalização
desses discursos por parte daqueles que foram alegados à abjeção devido à
performatização de masculinidades ou expressões de gênero não-hegemônicas.

Na segunda subseção intitulada “ Festival de bíceps e tríceps: o corpo


sarado como metáfora da masculinidade”, busca-se abordar a abjeção do
efeminamento e as imposições hegemônicas de masculinidade em intersecção com
a propagação de um modelo ideal de corpo sarado, malhado e liso- entre homens
que buscam por relações homodesejantes. Muito além das influências
pornográficas e midiáticas sobre o ideal de corpo dominante entre esses sujeitos,
advoga-se, nessa subseção, que o corpo sarado e atlético é visto como símbolo
máximo da masculinidade/virilidade no contexto social atual. Levando em
consideração que “ser sarado” é visto como sinônimo de “ser macho (viril)”,
compreende-se que as exigências em relação à corporeidade musculosa e atlética
são inerentemente exigências em relação ao enquadramento nos padrões vigentes
de masculinidade/virilidade. Considerando que a virilidade é concebida socialmente
93

como prova suprema e até sinônimo de heterossexualidade, advoga-se, nessa


subseção, que o corpo sarado não é apenas uma metáfora de “ser um homem
másculo”, mas também uma metáfora de “ ser um homem heterossexual”- sujeito
que ocupa as fantasias eróticas de muitos daqueles que buscam por relações
homodesejantes, conforme já apontado em pesquisas anteriores (LANZIERI;
HILDERBRANDT, 2011; ANNES; RIDLES, 2012; MISKOLCI, 2017).

Na terceira subseção denominada “ O padrão do padrão: a masculinidade


hegemônica e outras intersecções”, visa-se tecer reflexões acerca das
imposições de masculinidade hegemônica e do processo de abjeção dos corpos
não-conformes a essas exigências, a partir de um olhar interseccional que
compreende que atributos como idade, classe social, papel sexual e raça interferem
na construção e propagação dos ideais de masculinidade hegemônica entre homens
que buscam por relações homodesejantes que usam aplicativos como o Grindr.
Ressalta-se, nesse sentido, que o ideal atual de masculinidade hegemônica entre
homens que buscam por relações homodesejantes não se pauta apenas na
ausência do efeminamento e na presença de um corpo malhado, mas também em
exigências que passam pelo crivo da faixa etária, da classe social, da posição sexual
e da raça, entre outras intersecções.

Na quarta e última subseção intitulada: “ O shopping da carne: Que corpos


se vendem e que corpos se descartam? ” visa-se tecer reflexões acerca da
propagação dos ideais de masculinidade hegemônica, considerando a lógica
mercadológica que permeia as relações homodesejantes mediadas por aplicativos
como o Grindr. Nesse ínterim, vale ressaltar que a maioria dos entrevistados fizeram
comparações entre o aplicativo e um mercado de alimentos, loja virtual ou vitrine.
Advoga-se, nesse sentido, que o ethos machofascista e heteronormativo leva muitos
usuários a se apresentarem como se fossem produtos cuja característica mais
importante é a masculinidade hegemônica. Para tanto, precisam renegar qualquer
característica que remeta ao efeminamento ou ponha em xeque os atributos da
masculinidade hegemônica- a característica mais vendível (desejada) no açougue
de homens. Assim, proliferam perfis com fotos de corpos sarados e adjetivos como:
macho, sarado, liso, puto, safado, ativo, pois quanto mais másculo o usuário
parecer, mais vendível (desejado) será. Nesse açougue de carne de homens, o
94

“macho sarado” é visto como a “picanha”- tipo de carne mais valorizado no mercado
brasileiro- ao passo que o “magro”, o “efeminado”, o “pobre” e os que não se
encaixam nos ideais de masculinidade hegemônica são vistos como os restos de
carne podre a serem descartados.

Antes de apresentar as reflexões, faz-se oportuno destacar que em certos


momentos, as discussões das subseções acima categorizadas podem se confluir, o
que é considerado inevitável uma vez que se evidencia que os discursos
efeminofóbicos, as exigências referentes à masculinidade hegemônica, porte físico,
classe social, papel sexual, idade e raça e o ethos sexual que permeia as relações
homodesejantes mediadas pelo Grindr, giram em torno do mesmo ideal: PAREÇA
HETEROSSEXUAL, MESMO QUE NÃO SEJA!

7.1 “FORA AFEMINADOS”: AS DIFERENTES FACETAS DA EFEMINOFOBIA NO


GRINDR

As exigências em relação à masculinidade hegemônica e a abjeção de


atributos vistos socialmente como femininos entre homens que buscam por relações
homodesejantes já foram apontadas em diversas pesquisas (TAYWADITEP, 2001;
LANZIERI; HILDERBRANDT, 2011; EGUCHI; 2011; ANNES; REDLIN; 2012;
BARRETO, 2016). As repercussões desses ideais sobre as relações
homodesejantes mediadas por aplicativos baseados na localização também já foram
objetos de várias investigações (CROOKS, 2013; MISKOLCI, 2013, 2015, 2016;
RACE, 2015).

Uma rápida análise das descrições de perfil que aparecem na plataforma


digital Grindr quando rodada na zona urbana de Porto Velho corrobora com os
apontamentos das pesquisas acima destacadas. A efeminofobia e a imposição de
ideais da masculinidade hegemônica se manifestam dentro do aplicativo através de
diferentes formas e tipos de discurso, tanto explícita como implicitamente.

No entanto, antes de abordar as múltiplas facetas da efeminofobia e da


imposição dos ideais de masculinidade hegemônica que permeiam as relações
homodesejantes mediadas pelo Grindr, cabe frisar que a facilidade de transformar
contatos online em encontros off-line é um dos principais objetivos pelos quais
95

homens que buscam por relações homodesejantes lançam mão de aplicativos como
o Grindr (MILLER, 2015). Portanto, faz-se atraente pensar simplesmente que a
exposição da falta de interesse por homens efeminados e a preferência por homens
“másculos” seja uma forma de filtrar e delimitar o perfil de pessoas com as quais
certo usuário esteja disposto a falar e conhecer pessoalmente, uma vez que
desperdiçaria muito tempo mantendo contato com outros usuários que não se
enquadram em seu perfil erótico. Isso se evidencia nas descrições de perfis com
frases simples como aquela de “TestosteronaH”, 30 anos: “Estou afinzão de curtir
uma boa transar com outro camarada que não seja afeminado com pegada e que
curta paradas com pura testosterona” (sic.), ou mais explicitamente na descrição de
outro usuário de 21 anos que utiliza como nome de perfil o vocábulo “ Objetivo”: “
Oi+ FT ROSTO (não precisa mandar, só não chama faz fvr) DISPENSO fakes
/coroas/ afeminados/ peludos /gordinhos/ ursos/ fumantes/ chatos. PREFERÊNCIA
novinho/ lisinho/ macho/ discreto/ magrinho/ sarados/ passivo/ ou/ versátil” (sic).

Tal busca por objetividade, através da delimitação das características


desejadas em outro usuário no fito de facilitar encontros off-line, se evidencia
também nas descrições de perfil com frases do tipo: “Só chama com local” ou
exigências em relação à proximidade geográfica, como se observa nas descrições
de “AtvoPVH”, 21 anos: “Afim agora. Só chama c/Local. Só macho. Fora
afeminados!” (sic) e “TOP20cmAlpha”, 30 anos: “ Sou HETERONORMATIVO. Ñ
acredito em 2o chance.ñ insista. Eu SÓ VOU TE RESPONDER COM ROSTO
CLARO SEM BONÉ/ÓCULOS, CORPO E NUDES. Ñ ACEITA? Ñ FALA COMIGO. Ñ
p/Casal, GP, drogado, piercing, fora do centro, +30 anos, careca, afeminado,+ 3km”
(sic).

Em busca de explicações para o número significante de usuários que postam


descrições de perfil do tipo destacado acima, Oséias, 30 anos, um dos
colaboradores entrevistados, ressaltou: “Eu acho que é um processo para não ter
perda de tempo porque as pessoas querem sexo” (sic). Além disso, outro usuário
entrevistado se referiu à necessidade de filtrar os parceiros em potencial segundo as
próprias identificações, como se observa a seguir:

“Ahh eles filtram muito. Isso é feito para afastar as pessoas que...Pois
querendo ou não muitos que se encaixam ali também não gostam de gays
afeminados. Eu vou ver e percebo que ele não gosta de gays afeminados,
96

não gosta de gays espalhafatosos, ele não gosta disso, não gosta daquilo.
Opa eu também não gosto, me identifiquei, vou conversar com ele.” (sic)
(LUCAS, 24 anos).

Nesse ínterim, a opinião apresentada por Emanuel, 18 anos que também


participou das entrevistas, corrobora com as razões propostas por Lucas. Segundo
Emanuel, alguns usuários fazem uso de descrições de perfis com discursos
excludentes para “afastar” as pessoas que não se enquadram em seu perfil erótico,
como se observa no trecho a seguir:

Entrevistador: Porque você acha que essas pessoas têm esse tipo de
descrições? Emanuel: Sei lá, porque elas já querem afastar, entendeu? As
pessoas, as pessoas que ficaram ali no meio. Afeminados ou vão ser
expulsos por serem gordos. Entrevistador: E porque você acha que elas
querem afastar esse tipo de pessoas? Emanuel: Porque elas não devem
gostar, né? Não querem, eu sei que alguns são porque preferem não fazer,
no caso, fazer sexo porque acham muito escandaloso e tal. (ENTREVISTA
COM EMANUEL, 18 anos).

Longe de questionar as preferências e exigências dos usuários ou julgar as


razões pelas quais decidem fazer uso de discursos excludentes nas descrições
pessoais de perfil, afirma-se aqui que pairam discursos efeminofóbicos e imposições
reiterada dos ideais de masculinidade hegemônica no Grindr não só a partir das
contribuições de outras pesquisas, mas sobretudo, a partir da repetição exacerbada
dessas exigências e preferências em vários perfis encontrados durante a incursão
etnográfica e do “exagero” da recusa ao efeminado e da ditadura do “macho”,
evidenciadas em algumas descrições de perfil como aquela apresentada por “Afim
curte a3”, 25 anos: “só não curto caras afeminado” (sic).

Destaca-se, nesse sentido, o uso da palavra “só” que gera a ideia de


exclusividade, ou seja, nesse caso, pode-se ler: desejo tudo menos homens
efeminados. Mobilizam-se, portanto, alguns questionamentos: o que há de tão abjeto
no homem efeminado para ser o único “ser” não-desejado? E o que há de tão nobre
no “macho” para ser o único “ser” desejado? Refere-se, nesse caso, a descrições de
perfil como aquela disponibilizada por “Yes or not”, 38 anos: “só curto macho”, e a
nomes de perfil como “só Dotados” ou “só discretos”, pois tanto o pênis grande
quanto a discrição se incluem na lista de características associadas à masculinidade
hegemônica.
97

Cabe frisar, além disso, que um tipo de discurso efeminofóbico observado


comumente nas descrições de perfil encontradas durante a imersão etnográfica é o
discurso apologético ou o discurso de apologia, que faz uso de expressões como
“me desculpem”, “longe de ser preconceituoso” e “nada contra”, numa tentativa de
amenizar o “peso” que a mensagem por trás do comentário carrega ou tenta explicar
que a “exclusão” do perfil afeminado de homens se trata apenas de uma questão de
“gosto” ou preferência sexual, longe de qualquer tipo de preconceito.

Em um dos acessos ao aplicativo, foi encontrado o perfil de um usuário de 40


anos que se apresentava como “BearbiPVH” (sic) em seu perfil e cuja descrição era
a seguinte: “Gordinho Parrudo e meu stilo de vida pede sigilo, então dou e peço isso
tb. Mas S/Foto S/Papo. Longe de ser preconceituoso mas, NADA de efeminados,
delicados ou very fashion! O q rolar; foda, papo e/ou amizade, tá blz, MAS que
venha manso. Alterou, tchau”! (sic).

Em sua descrição, BearbiPVH deixa claro a outros usuários que não tem
interesse em conhecer homens efeminados ou que tenham uma expressão de
gênero ou jeito de se vestir que possam ser socialmente associados aos desejos
homo-orientados (delicados, very fashion). Assim, o usuário exige a mesma
discrição que ele afirma proporcionar uma vez que se subentende da própria
descrição que não deseja assumir seus desejos publicamente, pois seu estilo de
vida pede sigilo. Isso pode ser ressaltado pelo uso destacado da palavra “NADA..”
em caixa alta, pois manter contato, conhecer e se relacionar com outro homem que
seja “efeminado, delicado ou very fashion” pode denunciar a natureza dos seus
desejos sexuais e torna-lo suscetível a retaliações sociais e morais que afligem
aqueles que assumem seus desejos por outros homens ou performatizam uma
expressão de gênero culturalmente vista como sinônimo de ter desejos homo-
orientados. A busca pelo sigilo e discrição por grande parte daqueles que utilizam
aplicativos baseados na localização como o Grindr já foi abordada densamente
pelas pesquisas desenvolvidas por Miskolci (2013, 2015, 2016).

Ressalta-se, nesse ínterim, que a associação da exclusão da figura do


homem afeminado às exigências de discrição e sigilo se manifesta também na
descrição de perfil apresentada por “Ativo, só sexo”, 28 anos: “Um cara de boa, não
sou nem curto afeminando. O sigilo é primordial. Não seja chato, já é um bom
98

começo” (sic). Por outro lado, ao refletir sobre o uso do aplicativo antes da saída do
armário, um dos colaboradores ressaltou que sempre buscava por homens que se
enquadravam no padrão hegemônico de masculinidade no fito de manter seus
desejos homo-orientados em segredo, como se observa a seguir:

“Às vezes a gente vê, fora do aplicativo, por exemplo, você vê as pessoas
conversando. Elas idealizam, procuram o macho alfa. O homem que é meio
lenhador, barbudão e tal. Macho. Como dizem, fora do meio. Às vezes a
gente vê nas descrições assim ‘sou assim, assim, assim, fora do meio’, sou
macho e não sei o quê e já teve época que eu procurava pessoas assim até
porque eu não queria que descobrissem que eu era gay. Então tipo, eu
preferia alguém que fosse discreto para as pessoas não perceberem, não
levantar suspeita” (sic) (THÉO, 26 anos).

No entanto, o que mais chama atenção na descrição de BearbiPVH e nos


leva a pensar que há algo em seu discurso, além da mera busca por discrição e
sigilo é a frase apologética: “Longe de ser preconceituoso” que ele utiliza antes de
excluir os “efeminados, delicados e very fashion” da lista de seus interesses. Se o
usuário considera que se trata apenas de uma questão de “prioridade” e
necessidade de manter a discrição e sigilo, possivelmente para não sofrer de
retaliações caso assumisse seus desejos homo-orientados, por que aludir que “não
é preconceituoso”? Seria uma preocupação com um possível receptor dessa
mensagem que se identifica como efeminado, e portanto tenta amenizar ou reduzir o
efeito daquilo que vem depois da frase “longe de ser preconceituoso”, admitindo,
portanto, que não seja algo muito agradável de se ler e que por mais que não seja
explicito, há algo de preconceito no que segue? Não seria a negação do
preconceito, nesse caso, uma confirmação da existência do mesmo?

Uma negação apologética de tipo semelhante se manifesta na descrição de


perfil de outro usuário que, no espaço reservado para o nome, afirmava ter 25 anos,
ser ativo e se apresentava com um nome próprio que não será revelado aqui por
questões éticas, pois não é possível identificar se é um nome fictício ou seu nome
verdadeiro. No espaço reservado para a descrição do perfil, se lia: “Prazer, estou a
procura somente de sexo e amizade, sem compromisso. Sou ativo, n sou e n curto
afeminado, mas sem preconceito e também n sou malhadinho. Papo somente com
foto blz”(sic).
99

Observa-se que o usuário se descreve como alguém que se expressa, se


comporta e performatiza trejeitos, características e papéis de gênero que não são
socialmente associados ao “feminino”. Como as lógicas binárias (masculino-
feminino; homem-mulher) pervagam nossas relações sociais e consequentemente
as virtuais, se descrever como “ não afeminado” pode ser compreendida como uma
forma de tentar afirmar que se é “macho” (viril), ou seja, que possui características
socialmente associadas à masculinidade, pois para o status quo vigente, as duas
expressões de gênero são vistas como oposições e não como um continuum.

Nesse contexto, cabe lembrar que, para o imaginário social, quando um


homem se expressa de uma forma culturalmente associada à masculinidade, ele
apresenta uma prova de sua heterossexualidade compulsória. Mas, quando um
homem se expressa de uma forma culturalmente associada à feminilidade, ele
passa a ser enviadecido, pois põe em xeque o alinhamento (sexo-gênero-orientação
sexual) e a forma socialmente idealizada como a única possibilidade de ser-existir-
desejar como homem.

Além de vangloriar-se da própria masculinidade de forma indireta, o usuário


aponta que não sente atração por homens efeminados (n sou nem curto
afeminados). Para Freud (1915/2006), a pulsão não tem objeto definido, e portanto,
cada sujeito tem desejos únicos e singulares, e compreende-se que assim como
qualquer outro, o usuário esteja seguindo o desejo que lhe habita, sobre o qual,
inclusive ele não tem controle, pois o “eu” não é dono da própria casa (FREUD,
1923/2006).

Todavia, várias pesquisas já apontaram que homens efeminados são vistos


como um turn off erótico pela maioria dos homens que buscam por relações
homodesejantes cujo ideal de beleza e atração traz em seu bojo exigências da
masculinidade hegemônica (LANZIERI; HILDERBRANDT, 2011; ANNES; REDLIN,
2012). Ressurge, então, a pergunta: se cada um tem um desejo único e singular,
porque o “homem efeminado” é concebido como um turn-off erótico pela maioria
daqueles que buscam por relações homodesejantes, ao passo que os titulares da
masculinidade hegemônica são vistos como símbolo máximo de erotismo e tesão
sexual? Será que tais desejos são tão únicos e livres como se afirma serem?
100

Além disso, chama a atenção na descrição desse usuário a frase apologética:


“(....) mas sem preconceito” que segue as informações que descrevem sua suposta
expressão de gênero e seus supostos “gostos” sexuais. Se o usuário considera que
seja apenas uma questão de “gosto” ou preferência sexual como se evidencia no
verbo “curto”, qual o motivo de tentar se explicar e afirmar que não há preconceito
naquilo que escreve? Se paira no imaginário social as ideias que “gosto é gosto” e
que “gosto não se discute”, qual a necessidade de esclarecer que aquilo que ele
“curte” não carrega preconceitos? Tais contradições apologéticas, discursos
efeminofóbicos camuflados em forma de “gostos” e tentativas de se desculpar ou se
isentar da responsabilidade daquilo que se publica acerca das preferências sexuais
e exigências em relação à masculinidade apareceu em várias descrições de perfil
com as quais foi possível se deparar durante a imersão etnográfica.

Nesse contexto, destaca-se a descrição de perfil de outro usuário que se


apresentava com um nome próprio e não disponibilizava informações sobre sua
idade: “Solteiro, busco relacionamento sério! Casual, talvez, pois não sou de ferro!
Não CURTO AFEMINADOS! A culpa é do meu P....! Não sou do tipo ‘máquina’ de
sexo! Curto uma boa companhia, carinho e respeito em 1o lugar! Deixe msg! Caras
com foto têm preferência” (sic).

Após ressaltar que não possui interesse erótico por “afeminados”, o usuário
tenta fornecer justificativas para suas preferências, o que se evidencia no que
segue: “ a culpa é do meu P” (sic), (subentende-se “pau”- referência coloquial ao
órgão sexual masculino). Ao se referir ao seu pênis, o usuário possivelmente visava
reafirmar que “não curtir afeminados” é apenas questão de “gosto” erótico, pois não
consegue sentir atração sexual ou ter uma ereção com um “afeminado”, e isso foge
ao seu controle, pois não é uma “máquina de sexo” que funciona de qualquer jeito.

No entanto, a utilização do vocábulo “culpa” chama atenção, pois nos remete


ao mundo do crime, erro ou pecado, como se os “afeminados” fossem vítimas
daquilo que é culpa do pênis do usuário. No campo da subjetividade, todavia,
ninguém é culpado por aquilo que deseja ou deixa de desejar, muito menos vítima
do desejo do outro. Então, se “não curtir afeminados” é apenas uma questão de
“gosto” e os desejos não são crimes nem pecados, por que o esforço de se isentar
da “culpa” daquilo que não deseja?
101

Cabe frisar que tais esforços apologéticos e tentativas de oferecer


justificativas para a falta de interesse sexual em “afeminados”, ou então, amenizar o
peso da mensagem publicada, se evidenciam no uso comum da expressão “nada
contra” em descrições de perfil que trazem em seu bojo exigências em relação ao
não-efeminamento dos parceiros em potencial.

Na descrição de perfil de um usuário de 28 anos que se apresentava com o


nome “sou passivo”, lia-se: “não curt cara afeminados tenho nada contra mas não,
faz meu tipo não quero nada sério no momento só curtição sou solteiro... 178 alt 75
kg” (sic.)

No perfil de outro usuário de 23 anos que se apresentava no aplicativo com o


nome “perfil”, lia-se: “Seja prático foto com oi se não nem respondo! Não curto
afeminados, nada contra só não faz meu tipo”(sic).

Destaca-se, além disso, o perfil de um terceiro usuário de 27 anos que se


apresentava com um nome próprio, a palavra Top (provavelmente se referindo a sua
posição sexual como ‘ativo’- aquele que penetra) e o emoticon de um braço forte. No
espaço reservado à descrição de perfil, lia-se: “ Seja humilde, legal, camarada é
educado, tranquilo não gosto de afeminados nada contra cada um com seu cada
um. Sou safado gosto de soca muito falou comigo manda foto gosto de macho
dispenso fumantes brigado” (sic).

Outro usuário de 28 anos, cujo perfil foi encontrado durante a imersão


etnográfica, apresentava a seguinte descrição de perfil: “ Não curto caras
assumidos, afemidado nada contra só que comigo não rola, sou discreto e gosto tbm
de caras discreto” (sic). Tal descrição apresenta demandas em relação à discrição
semelhantes àquelas destacadas por BearbiPVH, mas carrega um discurso
apologético semelhante àquele que se manifesta na descrição de perfil do “Good
Bye Grindr” (sic), 23 anos: “ Pergunte, antes de pedir foto mande. Não curto
frescuras, afeminados nada contra só não curto” (sic).

Nota-se que os usuários por trás dos perfis acima destacados expressam a
falta de atração sexual por “afeminados” em suas descrições de perfil, mas tentam
se justificar em seguida afirmando que não possuem “nada contra” homens que
102

performatizam uma expressão de gênero socialmente associada ao feminino. O que


seria esse “nada contra”? Seria um “ódio” contra, uma “aversão” contra, uma
“abjeção” contra, um “preconceito” contra; dentre outras possibilidades de
interpretação? Será possível não ter “nada contra” homens afeminados se somos
imersos num contexto sociocultural que tem “tudo contra” qualquer corpo falante que
põe em xeque o alinhamento (sexo-gênero-orientação sexual) e as normas impostas
pela matriz heterossexual?

A figura do “homem efeminado” foi alocada ao lugar do abjeto há muitos


séculos. Na antiguidade, os eunucos- que eram castrados e, portanto, concebidos
como efeminados e não viris- viviam como servos ou escravos, ocupando quase
sempre posições inferiores aos titulares da masculinidade hegemônica segundo as
exigências vigentes em cada contexto histórico. Após a revolução sexual e a eclosão
dos movimentos de ativismo gay e lésbico do final da década de 60 que permitiu
com que muitos saíssem do armário, aqueles que não eram capazes de
performatizar comportamentos, atitudes e expressões socialmente associadas à
masculinidade foram culpabilizados por criar uma imagem estereotipada negativa
sobre os homens que buscam por relações homodesejantes. Assim, se consolidou,
no imaginário social, as ideias estereotipadas de que “todo homem afeminado é
homodesejante” e “todo homem homodesejante é afeminado”, pois não se
compreendia a distinção entre expressão de gênero e orientação afetivo-sexual. As
poucas representações de homens que buscam por relações homodesejantes na
mídia, então, os retratavam comicamente com trejeitos femininos e como pessoas
espalhafatosas, extrovertidas, espampanantes, dramáticas, barraqueiras,
fofoqueiras, “venenosas”, cheias de “frescura” e sem o mínimo de discrição.

Tanto a imersão etnográfica quanto as entrevistas com os colaboradores


possibilitam pensar que o enquadramento nos ideais da masculinidade hegemônica
(ser macho) é visto como sinônimo de discrição e capacidade de manter o sigilo-
características socialmente associadas à figura do homem heterossexual. Por outro
lado, a não-conformidade com os mesmos (ser efeminado) é concebida como
sinônimo de extravagância, frescura e extroversão- características socialmente
associadas à mulher.
103

Isso se evidencia na descrição de perfil de um dos usuários que não


apresentava nome de perfil ou informações em relação à idade: “ Falo mande foto to
afim de um cara safado pra fuder nada de mimimi, sem frescura, sem enrolação não
gosto de afeminados. Alguém afim? E só chama sou de boa tranquilo, sarado chega
junto aí a mamadeira ta cheia” (sic). A sinonímia entre discrição e falta de afetação
ou qualquer trejeito feminino também aparece na forma com a qual “AtvoDotado 20
cm” (sic), de 35 anos, se descrevia em seu perfil no Grindr: “Sou muito tranquilo na
minha, discreto e sem afetação” (sic).

Ao tentar explicar as razões por trás de tantas descrições de perfil


expressando falta de interesse sexual por homens afeminados e os associando à
extravagância, um dos participantes das entrevistas apontou:

Ah, logo no começo eu achava que muito, por questão de sei lá, a pessoa
não gostava, não gostava, né? Ah... Mas a gente vai crescendo, a gente vai
lendo, a gente vai aprendendo e aí você vai vendo que é uma questão
realmente de preconceitos das pessoas, que já é estereotipado. As pessoas
já olham e já sei lá “ah, esse aí vai fazer barraco. Aquele tipo de pessoa que
só gosta de música POP, só gosta de diva POP então eu acho que tem
muito isso de rótulos (THÉO, 26 anos).

Além da associação do efeminamento à falta de discrição e extroversão


exacerbada, cabe frisar que o advento do pânico sexual da AIDS afligiu novas
estereotipias sobre os homens que buscam por relações homodesejantes e
consequentemente sobre os homens efeminados, uma vez que pairava a ideia pré-
concebida que “todo homem afeminado buscava por relações homodesejantes”.

No primeiro momento, sabe-se que a AIDS foi assimilada tanto pela ciência
quanto pelo imaginário social como uma “praga” ou “doença gay”, o que se
evidencia no primeiro nome proposto para se referir à síndrome: Gay Related
Immuno-deficiency (GRID). Logo, os homens efeminados não ocupavam mais o
lugar de abjeto somente por causa da expressão de gênero concebida como prova
indestrutível de possuir desejos homo-orientados, mas também porque passaram a
serem vistos como promíscuos, “aidéticos”, não saudáveis, fracos e magros. A
divulgação midiática de imagens de pacientes terminais de AIDS contribuiu para o
fortalecimento da associação da magreza à doença e ao efeminamento, no
imaginário social (MISKOLCI, 2017).
104

Por muito tempo, a pornografia era o único meio através do qual homens que
buscam por relações homodesejantes poderiam encontrar referências “positivas”
sobre si mesmos (MOWLABOCUS, 2010; GAGNÉ, 2012; TZIALLAS, 2015;
MISKOLCI, 2015, 2017). Não obstante, tais referências positivas dificilmente
contemplavam aqueles que se identificam como afeminados ou expressam
masculinidades marginalizadas ou não-hegêmonicas.

Na pornografia mainstream, atores pornôs, brancos, lisos, musculosos e que


performatizavam comportamentos e atitudes conforme os ideais vigentes da
masculinidade hegemônica eram erotizados e amiúde retratados como dominantes
ou como “modelos” de homens a serem seguidos ou desejados. Em suas poucas
aparições, atores pornôs não-conformes aos ideais da masculinidade hegemônica
eram retratados sempre como submissos, objetificados, penetrados e tratados com
desprezo pelo “macho” dominante. Propagou-se, consequentemente, a ideia de que
o “normal” é sentir atração sexual pelo “macho” que ocupa uma posição de
dominância em relação ao “efeminado” concebido como inferior e submisso. Isso se
evidencia no relato de um dos usuários, sobretudo quando utiliza o vocábulo
“fetichismo” para se referir à atração que alguns homens sentem por homens
afeminados:

Entrevistador: Hum. E você acha que existe efeminofobia no aplicativo?


Ricardo: Acho. Só que ao mesmo tempo tem um fetichismo disso, sabe?
Então tem muito cara que ao mesmo tempo que ele não quer se relacionar
mais a fundo com o cara afeminado, ele quer se sentir bem indo para a
cama com o afeminado, dominando um afeminado, entendeu? Eu até não
consegui entender como funciona isso na cabeça da pessoa, mas, é, eu
vejo, tipo, é, cara que quer ficar com cara afeminado, mas não dá beijo na
boca, sabe? Essas idiotices assim. É como se usasse mesmo para suprir
uma necessidade dele, não sei, e jogar fora. (ENTREVISTA COM
RICARDO, 24 anos) (grifos nossos).

Considerando o panorama acima delineado, surge a pergunta: como “curtir”,


ou melhor, desejar uma figura que foi social e historicamente associada ao abjeto,
sem que seja considerado um “fetiche”? A figura do homem efeminado foi
materializada como um corpo abjeto que põe em xeque a sexualização binária das
nossas existências e o alinhamento (sexo-gênero-orientação sexual) - um corpo que
não vale a pena existir e ser desejado. Por isso, é compreensível que a
efervescência de perfis que expressam falta de interesse sexual por homens
efeminados, seja realmente uma questão de “gosto”.
105

Não se pode negar, todavia, que “gostos”, preferências sexuais e eróticas se


constituem por meio da linguagem e portanto, são influenciadas pelos discursos
vigentes em cada contexto histórico e social. Por trás dessa miríade de “Não curto
afeminados” dentro do aplicativo, jaz toda a abjeção, recusa e subalternização
afligidas social e historicamente sobre a figura do homem efeminado. Por isso,
afirmar que não há “nada contra” os homens efeminados é uma apologia dubitável,
pois os gostos e preferências sexuais internalizam os preconceitos, estereótipos,
negativismo e discursos aversivos infligidos ao efeminamento pelo contexto
sociocultural através do qual se constituem nossas subjetividades.

Nesse sentido, Butler (1993, 2003) aponta que os corpos carregam discursos
com parte do próprio sangue (PRINS; MEIJER, 2002). Embora ninguém escolha
conscientemente o que deseja ou deixa de desejar, é evidente que os desejos, jeitos
de ser e se expressar são perpassados por imposições e exigências do status quo
heteronormativo, machofascista e efeminofóbico vigente, que é continuamente
alimentado e perpetuado através da linguagem- ferramenta por meio da qual
passamos da condição biológica para a condição cultural (LACAN, 1949/1998;
HARARI, 2006).

Nesse ínterim, Butler (2003) afirma que não há ator por trás do ato, pois a
internalização desses discursos, a associação binária de características e
comportamentos associados aos gêneros designados antes do nascimento e a
coerção reiterada para performatizá-los de acordo com o sexo ocorre de forma
naturalizada, visando a manutenção e fortalecimento da matriz heterossexual que
permeia as relações humanas em diversos aspectos. Cabe frisar, nesse contexto,
que esse processo de internalização é inevitável uma vez que tanto o “eu” quanto os
desejos que o constituem não passam de meros efeitos de linguagem.

A internalização dos discursos efeminofóbicos e machofascistas socialmente


propagados se evidencia claramente nos relatos de alguns dos entrevistados,
mesmo que se identifiquem, eles próprios, como homens efeminados.

Durante a entrevista, Lucas – 24 anos, se queixou da efervescência de


descrições de perfil com conteúdos do tipo “Não sou nem curto afeminados”, como
se observa a seguir:
106

“As que mais me chama atenção são bom. geralmente as que chama
atenção são aquelas que não tem as palavras “macho” por que isso é ruim.
Cara macho? “Sou discreto”, “Não gosto de afeminados”. Por que se ele
não gosta de um gay afeminado ele é machista e o cara que “poxa cara eu
sou gay por que eu vou ter preconceito com outro cara que é gay”? (sic)
(voz de indignação do entrevistado) (LUCAS, 24 anos).

Além disso, o mesmo colaborador se queixou de algumas experiências dentro


do aplicativo durante as quais foi bombardeado por um parceiro em potencial com
perguntas em relação a sua expressão de gênero, como se observa no trecho a
seguir:

“Eu já cheguei a conversar com um rapaz do aplicativo e pediu logo o meu


numero de telefone, mas eu não suporto falar no telefone, mas tudo bem.
Ele me ligou e foi logo me bombardeando com um monte de perguntas.
“Você é afeminado” e eu expliquei pra ele o que era ser afeminado. Dá
vontade de falar você é um gay machista e eu não quero ter nada com
você. Você tem que ser muito educado para sair dessas situações. E aí eu
falo que eu não quero nada com ele, quero apenas uma simples amizade e
eu sendo afeminado ou não não vai interferir nisso e ele nunca mais me
ligou” (LUCAS, 24 anos).

No entanto, a internalização dos discursos de abjeção que afligiram o


cotidiano do colaborador no aplicativo se manifestou quando Lucas foi indagado
sobre as características que mais o atraem e mais o incomodam em outros usuários,
como se observa a seguir:

“O que me incomoda é a característica machista e o que me atrai eu


particularmente gosto de meninos que tem uma idade próxima ou mais
velhos que eu não gosto de caras muito velhos, gera um choque de
gerações terrível. Eu gosto muito daqueles garotos, nada contra
afeminados, nada contra, eu gosto da figura masculina. Eu gosto daquele
padrão. Gosto daqueles que se vestem como meninos, que são normais,
mas nada contra espalhafatoso. Eu mesmo já desmunhequei várias vezes
aqui” (LUCAS, 24 anos).

Ainda que o colaborador esteja ciente e se incomode das pressões e


exigências em relação ao seu jeito de ser, percebe-se que o entrevistado repete em
seu relato algumas das expressões mais utilizadas em descrições de perfil que
visam afastar ou excluir homens que não se enquadram nos padrões hegemônicos
de masculinidade- “nada contra afeminados, nada contra”. Embora “como o
colaborador se considera ser” e “o que o entrevistado deseja” são intersecções
totalmente diferentes da sexualidade, não se pode negar que há em seu relato um
exemplo da propagação de discursos segregatícios por meio da linguagem.
107

Nota-se que a contradição evidenciada no relato de Lucas se manifesta mais


claramente na entrevista realizada com outro colaborador. Caio, 21 anos ressaltou
que se incomodava com “o preconceito contra, é, pessoas assumidas, hum...E a
grosseria das pessoas com algumas perguntas” (sic).

Ainda que sofra com as pressões e exigências em relação à discrição e ideais


da masculinidade hegemônica, o trecho da entrevista destacado a seguir revela que
o colaborador sente mais atração pelo mesmo perfil de usuários que o exclui, pois o
mesmo admite que não se enquadra nos ideais vigentes de discrição e
masculinidade hegemônica, conforme se observa no mesmo trecho:

Entrevistador: Tá. Que tipo de descrição te chama atenção? Caio: Que


tipo de descrição?... Aquelas que falam, é... Deixa eu ver como... Hum...
(Pausa)... As que dizem que procuram pessoas discretas. Entrevistador:
Te chamam atenção? Caio: É. Eu sei que não sou (Risos). E, é... Espera aí,
foto no perfil e espera aí, mandar foto do rosto ou do corpo antes de mandar
qualquer conversa. Entrevistador: Essas te chamam atenção? Caio:
Chamam porque eu puxo assunto com conversa, não com foto. Justamente
pelo fato de fazer o que a pessoa não quer que faça, entendeu? É, é um
sentimento de... Como eu posso explicar? É... (Pausa)... Um sentimento de
se sentir persuasivo, de sentir fazer com que a pessoa faça o que ela não
quer fazer e depois com sentimento de “nossa, consegui fazer o que ela
não... Que as pessoas fizessem. Entrevistador: Ok. É... algum tipo de
descrição te incomoda, te causa algum tipo de angústia? Caio: Hum...
Uhum. As mesmas que pedem justamente, é... Procuro pessoas discretas,
não afeminadas, não assumidas ou aquelas que são mais específicas:
procuro pessoas entre tal idade, tal idade, brancos, é... trejeito de macho ou
hum... É, é isso. Entrevistador: Deixa eu ver se entendi: te chamam
atenção, te atraem no aplicativo onde usuários se apresentam como
discretos e te incomoda aqueles aplicativos onde usuários, é, mostram uma
repulsa contra aqueles que não são discretos e que são afeminados. Caio:
Uhum. Uhum. É meio contraditório, mas (...) (ENTREVISTA COM CAIO, 21
anos).

Corrobora-se, portanto, com as contribuições gramscianas acerca da


manutenção da hegemonia: os ideais da masculinidade hegemônica se propagam
não apenas através das coerções exercidas por parte de usuários que fazem uso de
descrições de perfil com conteúdos efeminofóbicos e machofascistas e adotam
estratégias como o “teste da voz” e perguntas “grosseiras” acerca da expressão de
gênero, mas também através do consentimento daqueles que são mais
acabrunhados por esses discursos coercivos que passam a ser internalizados e
portanto, replicados imperceptivelmente, sobretudo, por meio da linguagem.

Nota-se que o consentimento daqueles que ocupam a posição do subalterno


com os ideais e discursos que lhes subalternizam e a internalização e replicação,
108

por vezes imperceptível, dos mesmos, foi frisada por Théo, 26 anos, como se
observa nos seguintes trechos da entrevista:

“Mas eu acho que é geral, eu acho que a gente segrega muito. Separa e
rotula as coisas e isso é muito interessante porque você pensa que dentro
do meio homossexual ou GLS não vai ter, ah... Preconceito, mas a gente
tem muito preconceito aqui dentro.” (sic)/ “(...) eu acho que é mais essa
questão mesmo de a gente continuar perpetuando esses estereótipos que
foram, que foram definidos por esse tipo de pessoas e a gente acaba
perpetuando isso, não tem jeito, está imerso” (sic) (THÉO, 26 anos).

Muitas vezes, essa replicação/perpetuação ocorre de forma tão sútil, como


por exemplo através do uso de diminutivos para se referir àqueles que ocupam a
posição do abjeto ou subalterno nas lógicas binárias socialmente instituídas em
relação ao gênero e sexualidade. Tal sutileza se evidenciou no relato de outro
colaborador quando foi indagado sobre as razões pelas quais acreditava que havia
exclusão contra os efeminados; uma exclusão da qual ele próprio se queixou por se
identificar como um homem que não se enquadra nos padrões hegemônicos de
masculinidade.

“(...)a maioria dos gays não quer pessoas afeminadas porque chamam
atenção e não é uma atenção favorável porque querendo ou não se você é
discreto você está ao lado de um afeminado, o afeminado vai chamar a
atenção. Todos vão te julgar como afeminado também porque você está
com ele. Alguns gays não querem isso, até porque alguns gays não têm
amizades com afeminados por causa disso, por causa desse medo que eles
tem de serem encaixados como afeminados, como mulherzinhas, é ego
fraco, ego fraco, mente fraca. Porque se eu tenho na minha cabeça que eu
não sou afeminado, não é um viadinho, não é uma mulherzinha ali na
esquina que vai me fazer tremer a base, não. Então para mim é mente
fraca”(sic.) (FRANCISCO, 19 anos) (Grifos nossos).

Nota-se que Francisco compreende a recusa reiterada do perfil de homens


afeminados pela maioria daqueles que buscam por relações homodesejantes sob o
viés da busca pela discrição e sigilo e a fuga de possíveis retaliações morais e
sociais infligidas sobre aqueles que assumem a natureza dos seus desejos homo-
orientados. Tal explicação corrobora com as reflexões tecidas acima acerca da
sinonímia entre efeminamento e falta de discrição e as contribuições das pesquisas
realizadas por Miskolci (2013, 2015, 2017). No entanto, chama a atenção no relato
de Francisco o uso dos vocábulos “mulher” e “viado” no diminutivo; termos
comumente utilizados para se referir a homens efeminados ou que não se
enquadram nos ideais de masculinidade hegemônica como o próprio Francisco se
descreve: “(...) querendo ou não eu sou um metro e meio, não sou tão macho, mas
109

também não sou tão mulher” (sic)/ “(...) querendo ou não eu tenho alguns traços
afeminados, eu não posso lutar contra isso que é natural (sic)”.

Destaca-se, nesse caso, a repetição da expressão “querendo ou não” que


agrega um tom de tristeza e disforia à afirmação de não se enquadrar nos padrões
hegemônicos de masculinidade e a possibilidade de não-aceitação total da própria
expressão de gênero, pois, “querendo ou não” ter uma expressão de gênero como a
de Francisco torna o sujeito alvo de retaliações, represálias e coerções que se
manifestam no aplicativo em forma de descrições excludentes, perguntas
“grosseiras” em relação ao jeito de ser e testes de voz para averiguar “o grau de
masculinidade”, que podem se transformar em experiências desagradáveis,
justamente para aqueles que não conseguem passar o teste ou performatizar uma
voz socialmente associada aos ideais de masculinidade hegemônica.

Cabe frisar, nesse sentido, que o chamado “teste de voz” é uma prática
comum entre usuários do Grindr, sobretudo entre aqueles que buscam por sigilo,
discrição e parceiros que se enquadram nos ideais de masculinidade hegemônica,
conforme já apontado por Miskolci (2016).

Nesse ínterim, Oswald, 36 anos, ressaltou durante a entrevista que muitos


usuários que buscam por discrição e sigilo “(...)não colocam foto de rosto no perfil
né, então é geralmente se vai para um lugar público ficam com medo, perguntam se,
faz o teste de voz né, ligam pra fazer o teste de voz, pra ver se tem a voz afinada”
(sic). Ainda que Oswald saísse do armário e assumisse seus desejos homo-
orientados, o colaborador admitiu também fazer uso do teste de voz, como se
observa no trecho a seguir da entrevista:

Entrevistador: Você já fez esses tipos de testes como o teste de voz?


Oswald: Claro, claro. Entrevistador: Mas você que pedia ou outra pessoa?
Entrevistador: Era uma via de mão dupla, eu não gosto de pessoas
afeminadas, curto outro perfil né? É eu não gosto. (ENTREVISTA COM
OSWALD, 36 anos).

O colaborador declarou abertamente a falta de interesse sexual e tesão por


homens efeminados tanto em sua descrição do perfil disponibilizada no aplicativo
quando se dispôs a participar da pesquisa como no decorrer da entrevista à qual se
submeteu. Na véspera, Oswald se apresentava no Grindr com o nome de perfil:
110

“Macho versátil procurando outros machos versáteis ou ativos, não curto novinhos”
(sic). No espaço reservado à descrição de perfil, lia-se: “Inteligente, sarcástico,
educado e carinhoso, porém não pisa no meu calo. Busco homens inteligentes,
maduros e saudáveis, se tem HIV, obesidade e é afeminado, por favor, mantenha
distância, não curto moleques e idosos, sem fotos, sem papo” (sic).

Ainda que Oswald se apresentasse como “macho” no aplicativo, a entrevista


pessoal demonstrou que sua expressão de gênero não se encaixava completamente
nos ideais vigentes de masculinidade hegemônica, impressão que foi corroborada
pelo próprio colaborador quando frisou o seguinte: “(...) sempre fui o mais afeminado
da relação onde eu sempre fui mais sensível da relação por ser (X) 6”.

Além de ser uma tentativa de se tornar “mais desejado” aos olhares dos
outros usuários do aplicativo que geralmente buscam por homens que se
enquadram no padrão hegemônico de masculinidade e afastam aqueles que não se
encaixam neste modelo, a autodescrição como “macho” e a negação das
características pessoais associadas socialmente à feminilidade também podem ser
compreendidas sob o viés da internalização dos ideais da masculinidade
hegemônica e o consentimento com os discursos efeminofóbicos que outrora
afligiram o próprio colaborador, como se observa no trecho a seguir:

“É, beijei na boca a primeira vez com vinte anos então, é, eu era gordinho, é
usava óculos, é vozinha fina, então, é, todas essas coisas que eu não curto
eu era (risos). Então é interessante agora que eu estou pensando nisso
porque eu sempre fui excluído na escola por ser gordinho, por ter voz fina,
eu sempre fui taxado de gay, eu passei por muito bullying de diversos tipos,
hoje o que a gente chama de bullying, na época não existia esse termo, eu
fui entre aspas bullyinado digamos (risos), né? Eu era gordo, gay, eu era
extremamente afeminado, vozinha fina, eu batia nos meninos para me
defender, tá, é, fazia esportes, fazia vôlei, handball, então sempre fui, e
fazia teatro, então eu sempre tive à margem do comportamento
heteronormativo. Será que hoje eu estou comprando esse pensamento,
pode ser, não sei, é muito complexo, né?” (sic) (OSWALD, 36 anos).

O relato de Oswald e as reflexões que tece sobre sua infância e adolescência


quando se considerava “gordo”, “gay” e “extremamente afeminado” corroboram com
as contribuições de Taywaditep (2001) acerca das atitudes efeminofóbicas entre
homens que buscam por relações homodesejantes. Segundo Taywaditep (2001),

6A palavra foi omitida por questões éticas. Mas o colaborador se referia à profissão que exercia a
qual é socialmente associada à sensibilidade e feminilidade.
111

embora os homens que buscam por relações homodesejantes sejam marginalizados


pelo status quo vigente e alocados ao abjeto, aqueles que não se conformam às
normas e ideais impostos de masculinidade hegemônica são propensos ao estigma
e à discriminação não apenas por parte da sociedade, sui generis, mas sobretudo
por parte de outros homens que buscam por relações homodesejantes que
possivelmente já foram estigmatizados e taxados como “afeminados” na infância.
Isso se faz evidente no relato de Oswald quando brinca: “(...) então, é, todas essas
coisas que eu não curto eu era” (sic) ou reflete: “ (...)eu sempre tive à margem do
comportamento heteronormativo. Será que hoje eu estou comprando esse
pensamento, pode ser, não sei, é muito complexo, né”? (sic).

Desde a tenra idade, meninos/homens efeminados ou que não se enquadram


nos padrões impostos de masculinidade sofrem de coerções para adotarem
comportamentos culturalmente considerados como viris. Assim, muitos empreendem
tentativas para conformar seus jeitos de ser e formas de se expressar aos ideais
vigentes de masculinidade, performatizando comportamentos e se engajando em
atividades socialmente associadas à virilidade, como se evidencia no relato de
Oswald quando ressalta: “ (...) eu batia nos meninos para me defender, tá, é, fazia
esportes, fazia vôlei, handball (...)” (sic). Aqueles que são incapazes de
performatizar as características e comportamentos normativamente associados à
única forma socialmente aceita de ser-existir-desejar como homem não conseguem
se livrar do estigma, preconceito e discriminação afligidos àqueles que foram
alocados ao abjeto.

Por não se enquadrar nos padrões socialmente impostos, os homens


efeminados passam a ocupar o mesmo lugar de marginalização e objetificação
reservado para outras minorias sexuais, sociais e de gênero como as mulheres, por
exemplo. Como o homem efeminado ocupa a mesma posição de subalterno no
binômio (macho-afeminado) que a mulher ocupa na dicotomia (homem-mulher), a
efeminofobia também se faz presente no aplicativo de forma oculta e implícita por
trás de descrições pautadas sob um discurso misógino.

No aplicativo, tais discursos se consolidam sob uma ideia pré-concebida de


que “ser efeminado” é sinônimo de “ser menina/mulher”, ou seja, “não ser homem”,
não sendo, portanto, passível de ser um objeto de desejo dentro de um aplicativo
112

voltado para homens que buscam por relações eróticas, sexuais ou amorosas com
outros homens. Isso se evidencia na descrição de perfil apresentada por “Boy”, 26
anos: “Fugindo de afeminado, não curto meninas. Prefiro os discretos com jeito e
postura de Homem” (sic). Outro usuário, que usava como nome de perfil “ Brazilian.
Fotos Por favor (> 18) No afem! Macho com Macho” (sic) e informava ter 78 anos de
idade, apresentava a descrição seguinte de perfil na qual a efeminofobia se ocultava
por trás de um discurso misógino: “ Que me desculpem os afem, mas de mulher o
mundo tá cheio! A” (sic). Um discurso efeminofóbico camuflado por trás da misoginia
também aparece na descrição de perfil de “Mlk Afim”, 25 anos: “ Não respondi= não
curti; DISCRIÇÂO!! Já aviso logo, se vai pedir foto, já pede mandando uma sua; use
o bom senso. Curto homem, não mulherzinha. Se é desse tipo nem puxa assunto,
nada contra, mas não rola” (sic).

Destaca-se, nessa descrição, o uso do vocábulo “mulherzinha”, forma


diminutiva de “mulher” que assim como o efeminado que busca por relações
homodesejantes, ocupa uma posição inferior nas lógicas binárias de gênero e
sexualidade perpetuadas pelo status quo vigente.

Lembrando que devido ao alinhamento (sexo-gênero-orientação sexual), a


sexualização binária dos corpos e sinonímia socialmente pré-concebida entre a
identidade de gênero, a expressão de gênero e a orientação afetivo-sexual, não se
presume apenas que os homens afeminados tenham desejos homo-orientados, e
portanto, são enviadecidos e alocados à posição de abjeto, mas também se
presume, pelo imaginário social, que não são homens, que são mulheres, e
portanto, se fixam ainda mais no lugar do abjeto.

Essa falta de compreensão das diferenças entre as diferentes intersecções


que constituem a sexualidade humana se evidencia em perguntas coloquialmente
comuns como: “ Você é gay ou homem”? Ou seja, só é homem quem é
heterossexual, e como o enquadramento nos ideais da masculinidade hegemônica é
concebido como sinônimo de “ser homem”, aquele que nelas se encaixa, confirma,
para o imaginário social, a “heterossexualidade” que lhe foi atribuída
compulsoriamente ao nascimento. A masculinidade hegemônica, que traz em seu
bojo a ausência de qualquer característica socialmente associada à feminilidade, é,
portanto, metáfora da heterossexualidade. E assim, atinge-se o fio que une os
113

discursos efeminofóbicos e imposições machofascistas aqui abordadas: a figura do


homem heterossexual como apogeu dos desejos e fantasias eróticas daqueles que
buscam por relações homodesejantes.

Quando Butler (2003) afirma, em “Gender Trouble”, que há uma matriz de


relações de gênero, a autora se refere justamente à matriz heterossexual. A
heterossexualidade, assim, se institui como “regra” ou “norma” a ser seguida,
pautando-se na perpetuação de lógicas binárias de gênero e sexualidade
(homem/mulher; masculino/feminino; heterossexual/não-heterossexual) e do
alinhamento (sexo-gênero-orientação sexual). Assim, os padrões normativos
impostos pelo status quo visam a manutenção do “homem”, da masculinidade e da
heterossexualidade no topo das hierarquias de gênero e sexualidade.

Nesse ínterim, ser ou ao menos “parecer ser” homem viril heterossexual é


elegido como a norma, como o “queridinho” do patriarcado, como a única
possibilidade de ser-existir-desejar sem julgamentos ou represálias. Ao passo que o
enquadramento “visível” no alinhamento (pênis-homem-masculinidade-
heterossexualidade) garante um lugar de supremacia/superioridade nas hierarquias
binárias historicamente perpetuadas de gênero e sexualidade, a “mulher” como
identidade de gênero, o feminino como “expressão de gênero” e o não-
heterossexual (viado) como orientação afetivo-sexual são alocados ao mesmo lugar,
ou melhor, a-lugar: ao abjeto. Reformulando as palavras do colaborador Théo, 26
anos: quem é ou ao menos parece ser homem viril heterossexual branco é gente, o
resto é resto, dejeto, abjeto, viado. Em outros termos: “ Os machos e fortões botam
na mente que ele são um e os outros são dois” (sic) (EMANUEL, 18 anos).

Dessa forma, percebe-se que tanto os discursos efeminofóbicos, as


imposições em relação à masculinidade hegemônica, os gostos e as preferências
sexuais, as prioridades e necessidades em relação à discrição e sigilo- todos os
quais foram abordados nessa subseção- giram em torno do mesmo ideal: PAREÇA
HETEROSSEXUAL, MESMO QUE NÃO SEJA! Assim como em múltiplos aspectos
do convívio social e das relações humanas, o homem viril heterossexual está no
centro dos desejos e fantasias dos homens que buscam por relações
homodesejantes, pois é visto como o único ser cuja vida é considerada uma vida, e
portanto vale a pena deseja-lo ou sê-lo (ou parecer sê-lo). Isso se evidencia na
114

seguinte descrição de perfil encontrada durante a incursão etnográfica: “KRA MAXO,


SÓ CHAME C/LOCAL, SÓ P/DISCRETOS, NÃO AOS GAYS! OBRIGADO” (sic).

Cabe lembrar, nesse contexto, que a palavra “gay” é utilizada coloquialmente


para se referir a homens que buscam por relações homodesejantes e a todos
aqueles que possuem desejos não-hetero-orientados. Considerando que para o
imaginário social, a sexualidade é compreendida através da dicotomia
“heterossexual/não-heterossexual (gay; viado)”, depreende-se que a exclusão de
“gays” da lista dos seus interesses sexuais indica a inclusão de apenas “homens
heterossexuais”, o que é irônico, uma vez que o aplicativo é voltado a homens que
buscam por relações homodesejantes.

É mister destacar, nesse sentido, que a manutenção da superioridade da


“heterossexualidade” e seu status “natural” depende da existência da
“homossexualidade” que ocupa o outro lado da oposição binária como o suplemento
abjeto e enviadecido (SPARGO, 2017). Por isso, a existência de discursos contra a
não-heterossexualidade (“não aos gays”), mesmo em ambientes voltados a homens
que buscam por relações homodesejantes.

O ideal “ PAREÇA HETEROSSEXUAL, MESMO QUE NÃO SEJA” que


permeia as relações homodesejantes se evidencia também na seguinte descrição de
perfil: “ I’m looking for straight acting Tops !” (sic) (estou procurando por ‘ativos’
que pareçam heterossexuais). É imprescindível destacar, nesse ínterim, que se trata
de um ideal impossível de ser alcançado, pois os desejos hetero-orientados assim
como todos os desejos estão no campo do “subjetivo”, do “invisível”. Todavia, a
sinonímia culturalmente propagada entre “ser homem”, a masculinidade hegemônica
e a heterossexualidade, cria uma falsa ideia de que os corpos falantes podem
“parecer” o que desejam.

Cabe frisar, nesse sentido, que entre a identidade de gênero, a expressão de


gênero e a orientação afetivo-sexual, a única que pode ser, de fato visível e,
portanto, performatizada é a segunda. Assim, para que “pareçam heterossexuais”-
atributo visto como grande qualidade entre homens que buscam por relações
homodesejantes- deve-se ser capaz de performatizar as expressões, características
e comportamentos culturalmente associados aos ideais da masculinidade
115

hegemônica. Nesse ínterim, a “heterossexualidade” como qualidade se evidencia na


descrição que um dos entrevistados faz de um dos usuários do aplicativo com qual
teve um encontro pessoal:

“E aí eu cheguei e aí era bem bonito, bem interessante, aham e tinha


bastante jeito de homem. De homem no sentido, tinha bastante, era
bastante másculo e se relacionava com mulheres, é, mas com homens era
raramente pelo que ele me falou né? E também já, depois eu tirei essa
conclusão também porque eu acabei o vendo em outros locais que ele
sempre estava com mulheres e nunca deu, nunca demonstrou que ficava
com homens escondido, mas enfim. Aí fomos para o quarto dele (...)” (sic)
(CAIO, 21 anos).

Ao mesmo tempo que o colaborador se referia ao fato do seu parceiro sexual


“se relacionar com mulheres” (ter desejos hetero-orientados) como uma qualidade a
ser celebrada assim como “ser bonito”, “ser másculo” e “ser interessante”, ele se
queixou ter sofrido de pressões e exigências de outro usuário do Grindr em relação
à discrição, masculinidade hegemônica e “aparência hetereossexual”.

“É, eu estava conversando com um rapaz ... E aí ele... começou a me


criticar. E, é, começou no mesmo momento a olhar as minhas redes sociais.
E aí ele começou a falar das minhas amizades e falou que eu andava com
muitos ‘viadinhos’ nas palavras dele, muitos, muitas ‘bichas’, muitas
pessoas que eram, é, extravagantes, disse que eu tinha que me comportar
mais e ter mais jeito de homem, que eu tinha que me esconder mais e ser
mais discreto e começou a realmente é, me denegrir (...)Nossa, realmente,
agora relembrando, tiveram coisas bem escrotas que ele me falou tipo, é...
Que eu tinha que arranjar, é, uma namorada e usá-la como fachada para
manter a minha... Foi outra palavra que ele usou, mas para afirmar a minha
sexualidade hétero que eu não tinha, mas eu tinha que afirmar isso para
população e escondido eu tinha que ficar com outros caras. Mesmo tendo
essa namorada de fachada e aí... E foram coisas a esse nível que
demonstrou que ele tinha bastante preconceito e talvez uma homofobia, não
sei” (sic) (CAIO, 21 anos).

Nesse relato, observa-se que o colaborador se sentiu exigido por outro


usuário a “arranjar uma namorada de fachada”, possivelmente porque isso o
associaria à “heterossexualidade” vista como qualidade por muitos homens que
buscam por relações homodesejantes. Essas exigências em relação a manutenção
de uma “aparência heterossexual” e a busca ensandecida pelo “homem
heterossexual” também se manifestam nas experiências relatadas por outro
colaborador nas quais se evidenciam a concepção da masculinidade como metáfora
da heterossexualidade e a percepção do efeminamento como metáfora da “não-
heterossexualidade” (ser viado).
116

Oséias, 30 anos, relatou que certo parceiro em potencial se recusou a se


engajar em relações sexuais, porque de acordo com o segundo, o colaborador
apresentava comportamentos socialmente associados à feminilidade, como se
observa a seguir: “Até porque no meu caso, por exemplo, eu já ouvi o cara falar: ‘ah,
eu não vou transar com você, porque eu te acho afeminado” (sic). Indagado sobre
os sentimentos que lhe pervagaram ao vivenciar essa experiência, o colaborador
ressaltou lidar com facilidade com esse tipo de situações, como se observa a seguir:

“Olha, eu tenho uma facilidade para lidar com esse tipo de coisa, então eu
não me sinto mal, eu me sinto agradecido. Eu me sinto agradecido, porque
quando há o preconceito, quando a gente vai lidar com esse tipo de
preconceito, eu me sinto livre desse tipo de pessoa, então tipo “ah, que bom
que você, que a gente não transou, que ótimo que nós não transamos.
Porque você procura o que? Você procura um hétero. Eu não sou um
hétero.” Foi essa resposta que eu dei.” (grifos nossos) (OSÉIAS, 30 anos).

Nota-se, nesse ínterim, que Oséias associa a recusa do efeminamento à


busca por um “homem heterossexual”, uma vez que seu relato induz a pensar que
acredita que “não ter trejeitos femininos” indica necessariamente “ser hétero” e que
todo homem que busca por relações homodesejantes apresenta impreterivelmente
alguns trejeitos femininos cuja expressão, nesse caso, é concebida como prova
máxima de possuir “desejos homo-orientados”. Essa associação sinonímica,
metafórica e linear entre a masculinidade hegemônica e a heterossexualidade por
um lado, e o efeminamento e a não-heterossexualidade por outro lado se evidencia
no relato a seguir:

“Mas é certo que todo homossexual, todos têm distinção que eu conheço
em algum momento tem características que é homossexual. E no meu caso,
a pessoa disse que não transava comigo por algumas características
pequenas de ‘homossexualismo’. Então tipo, pô, se você não transa
comigo, porque você achou que eu fui cumprimentar aquela pessoa minha
amiga e eu dei um jeito de ser homossexual”. Cara, você está procurando
um hétero e não é isso. Eu não vou deixar de viver a minha vida para você
transar comigo. Eu não vou mudar o meu jeito de ser para alguém transar
comigo. Não. Eu não me senti mal por isso, mas eu imagino que há outras
pessoas se incomodam” (sic) (OSÉIAS, 30 anos).

Cabe lembrar, nesse contexto, que a sinonímia socialmente instituída entre


identidade de gênero, expressão de gênero (jeito de ser) e orientação afetivo-sexual
alimenta a falsa crença de que as pessoas podem “parecer” o que desejam, como
se observa quando Oséias relata: “(...) e eu dei um jeito de ser homossexual”.
Supõe-se, nesse caso, que o colaborador visava se referir a alguma característica
117

socialmente associada a feminilidade, e por ser apresentada por um homem, é vista


como sinônimo da manifestação de desejos homo-orientados. Por não cumprir com
o ideal inalcançável “ Pareça heterossexual, mesmo que não seja”, é alocado à
posição do abjeto e arremessado fora do campo do desejo que pertence tão-
somente àqueles que são capazes de performatizar perfeitamente as características
atribuídas ao padrão hegemônico de masculinidade, ou em outras palavras, são
capazes de “parecer heterossexuais” mesmo que não sejam.

Cabe frisar que essa busca impetuosa por “um cara que passa por hetéro” já
foi apontada por Miskolci (2017) em sua análise sociológica da busca por relações
homodesejantes online. Segundo o autor, “passar-se por hetéro” se demonstra
extremamente central para alguns homens que buscam por relações
homodesejantes tanto “na forma como lidam consigo próprios quanto na busca de
parceiros” (p. 162).

Destaca-se que tal ideal que pervaga muitas das relações homodesejantes
mediadas pelo Grindr não é propagado apenas pela exclusão discursiva dos
homens efeminados e daqueles que põe em xeque as normas ditada pela matriz
heterossexual e pelas exigências intransigentes explicitas referentes ao
enquadramento nas imposições da masculinidade hegemônica, mas também pela
idealização e normatização de um tipo específico de porte físico entre os homens
que buscam por relações homodesejantes: o corpo sarado/musculoso/atlético. Afinal
das contas, a “ditadura do macho” e a “ditadura do corpo musculoso” aparentam ser,
nesse contexto, as duas caras da mesma moeda: discursos coercivos que visam a
manutenção da supremacia do “homem viril heterossexual” sobre as outras formas
enviadecidas de “ser-existir-desejar” que foram social e historicamente alocadas ao
abjeto.

7.2 “ FESTIVAL DE BÍCEPS E TRÍCEPS”: O CORPO SARADO COMO METÁFORA


DA MASCULINIDADE

Destaca-se que a influência dos padrões de “beleza masculina” idealizados


midiaticamente sobre as preferências dos homens que buscam por relações
homodesejantes já foi apontada por vários pesquisadores (TAYWADITEP, 2001;
MOWLABOCUS, 2010; LANZIERI; HILDERBRANDT, 2011; TZIALLIAS; 2015,
118

MISKOLCI, 2013, 2015, 2017). Nesse ínterim, ressalta-se que há uma atração
predominante entre homens que buscam por relações homodesejantes por parceiros
que tenham corpos sarados, musculosos e atléticos (LANZIERI; HILDERBRANDT,
2011; MISKOLCI, 2017).

Nota-se que a supremacia do corpo sarado/musculoso sobre os outros tipos


de porte físico não se manifesta apenas na atração e busca por homens que se
enquadram nesse padrão, mas também através de esforços para conformar o
próprio corpo aos ideais de “beleza” midiaticamente propagados (MOWLABOCUS,
2010; LANZIERI; HILDERBRANDT, 2011; MISKOLCI, 2017). É mister destacar que
o ímpeto de ter e/ou desejar o “ corpo sarado, musculoso, atlético e liso” entre os
homens que buscam por relações homodesejantes se pauta na associação
socialmente perpetuada desse tipo de corpo ao enquadramento nos ideais da
masculinidade hegemônica (LANZIERI; HILDERBRANDT, 2011; MISKOLCI, 2017).

Considerando o panorama acima descrito, várias pesquisas já apontaram que


as relações homodesejantes mediadas por aplicativos como o Grindr são
permeadas pela imposição do ideal do “corpo sarado, musculoso, liso”, pois
assinala, ao menos no campo imaginário, a conformidade às normas impostas pela
masculinidade hegemônica e afasta a possibilidade de qualquer manifestação de
efeminamento alocado ao abjeto não só pela sociedade como um todo, mas também
pelos homens que buscam por relações homodesejantes (TAYWADITEP, 2001;
EGUCHI, 2011; CROOKS, 2013; RACE, 2015; MISKOLCI, 2017).

Nesse ínterim, destaca-se que a predominância da atração pelo padrão


corporal idealizado pela mídia e indústria cultural, entre homens que buscam por
relações homodesejantes em plataformas digitais foi apontada durante a entrevista
com Caio, 21 anos, como se observa no relato a seguir:

“Cada pessoa tem seu gosto, sua preferência e muitas vezes, muitas
dessas pessoas têm preferência que sejam influenciadas pela mídia,
procurando aquele corpo padrão que é o corpo mais, é, corpo de academia,
é, de pessoas que malham, mais massa muscular e definição. Mas também
existem outras pessoas que é uma, uma classe menor que procuram
pessoas de outros padrões... Sejam pessoas magras, pessoas mais cheias,
pessoas peludas, mas a maioria procura, assim, que eu tive contato,
procurava pessoas com, é... Com o corpo mais definido que chamasse mais
atenção, que despertasse mais tesão nela.” (sic) (CAIO, 21 anos).
119

Em consonância com as considerações levantadas por Caio acerca da


supremacia da preferência erótica por corpos “definidos” em detrimento de outros
tipos de porte físico, a superioridade socialmente imposta dos corpos malhados
também foi apontada no relato a seguir:

“Eu acho que é uma questão de costume, que a gente criou uma sociedade
que endeusa pessoas que são definidas. Não que eu diga que são feios ou
alguma coisa do tipo, mas às vezes parece que as pessoas preferem
aquela... Parece que elas preferem aquelas pessoas que lembrem, sei lá,
os atores de filme, por exemplo, que sejam bonitos de corpo e de cara,
definidos e ‘estilo Rambo’,, do tipo, não me, não é o perfil que me agrada,
mas para mim, a maioria se agrada desse tipo.”(sic) (THÉO, 26 anos).

Ressalta-se a referência ao famoso personagem “Rambo”, conhecido não só


pelos músculos e pela força física, mas também pela virilidade exacerbada que o
torna um modelo exemplar do que é ser, de fato, “macho” conforme os ideais
vigentes de masculinidade hegemônica. Corrobora-se, portanto, com a
compreensão da idealização do corpo “sarado, musculoso e liso” entre os homens
que buscam por relações homodesejantes sob a égide das exigências de “não-
efeminamento” e enquadramento no padrão hegemônico de masculinidade
(MOWLABOCUS, 2010; LANZIERI; HILDERBRANDT, 2011; MISKOLCI, 2017).

Destaca-se, por outro lado, que o acesso à plataforma digital na zona urbana
de Porto Velho durante a incursão etnográfica possibilitou algumas observações in
loco que corroboram com as contribuições das pesquisas acima destacadas. Ao
passo que as exigências diretas em relação ao “não-efeminamento” e o
enquadramento nos ideais da masculinidade hegemônica (ser macho) se
manifestavam principalmente através dos nomes e descrições de perfil
disponibilizadas pelos próprios usuários do aplicativo e através de estratégias de
“filtração” dos parceiros em potencial com perguntas “grosseiras” em relação à
expressão de gênero e o “teste de voz”, evidencia-se que o culto ao corpo sarado e
musculoso no Grindr se propaga não só através das descrições de perfil, mas
predominantemente por meio do campo visual. Isso se faz possível devido à
disponibilização de fotos de perfil por parte de vários usuários, as quais comumente
priorizam a exposição de barbas, bíceps, tríceps, peitos malhados e barrigas
saradas-atributos que também são concebidos pelo imaginário social como símbolos
do modelo dominante de masculinidade. A cornucópia de fotos de perfil com esse
tipo de conteúdo constatada durante a imersão etnográfica foi corroborada pelo
120

relato do colaborador Lucas, 24 anos que fazia uso do aplicativo em Porto Velho,
como se observa a seguir:

“É um festival de bíceps, de tríceps, de barrigas saradas, de bocas


carnudas. É só isso. Às vezes são homens de sunga, mas nunca mostram o
rosto. Às vezes tiram fotos de costas para mostrar como as costas deles
são definidas ou às vezes eles mostram que eles estão tirando fotos no
espelho para mostrar que o corpo dele é lindo [...]” (sic) (LUCAS, 24 anos).

Além de ser uma forma de provar, ou ao menos mostrar aos outros usuários a
conformidade com os ideais de beleza, masculinidade, discrição e “aparência
heterossexual” vigentes entre homens que buscam por relações homodesejantes, o
uso de imagens de atributos físicos socialmente associados às práticas de
musculação e consequentemente aos ideais de masculinidade hegemônica em
plataformas digitais como o Grindr se popularizou devido a uma série de fatores
(MOWLABOCUS, 2010; MISKOLCI, 2017).

Segundo Miskolci (2015, 2017), o “festival de bíceps e tríceps” e a


efervescência de fotos de peitos e abdomens em aplicativos geossociais como o
Grindr se consolidaram, sobretudo, devido ao design dessas mídias digitais as quais
priorizam o imagético em detrimento do visual. Cabe frisar, nesse ínterim, que a
predominância de partes específicas do corpo- braços, peitos e abdomens- no
campo visual da plataforma digital se deve a restrições legais às imagens de perfil
que se pautam na “proibição de fotos de corpos nus, e inclusive as que mostram
abaixo do umbigo, que geraram a profusão de fotos de peitos e abdomens em
aplicativos voltados para a paquera entre homens” (MISKOLCI, 2017, p. 98).
Depreende-se, portanto, que a supremacia do imagético sobre o textual contribui
para a potencialização das exigências em relação ao tipo corporal, colocação com a
qual Enrique, 37 anos, corrobora, conforme observado no relato a seguir:

Entrevistador: Tá. Mas você acha que o aplicativo potencializou essas


exigências, essa? Enrique: Sem dúvida porque você está lidando ali com
imagens direto. Você não está lidando com descrição. Por exemplo, eu
tenho um amigo, eu tenho dois amigos que pesam 82 quilogramas. Mas aí a
pessoa não fala “Ah, eu sou definido, eu faço musculação”. No aplicativo
você está vendo a foto da pessoa. (ENTREVISTA COM ENRIQUE, 37
anos).

Vale ressaltar, nesse ínterim, que os próprios criadores da plataforma digital


em questão contribuíram para a propagação do ideal de corpo ali predominante, pois
as imagens promocionais do Grindr disponibilizadas pelo site do aplicativo amiúde
121

retratava usuários brancos, sarados que se enquadram ao menos visualmente


naquilo que o imaginário social associa à “heterossexualidade”, como se observa
nas figuras da seção “Um passeio pelo Grindr”. Foi apenas recentemente que o site
do aplicativo passou a usar também outros tipos de imagens na página inicial e abriu
um espaço no qual se encontram informações sobre “identidade de gênero”,
possivelmente devido à exclusão aparente de usuários que põe em xeque o
alinhamento (sexo-gênero-orientação sexual), evidenciada no dia-a-dia da mídia
digital.

Devido a supremacia do campo visual nos contatos online viabilizados por


aplicativos como o Grindr, muitos usuários são impelidos a reforçar a
performatização de características socialmente associadas à masculinidade e
consequentemente a capacidade de “parecerem heterossexuais, mesmo que não
sejam” lançando mão de meios imagéticos (MOWLABOCUS, 2010; CROOKS, 2013;
MILLER, 2015; MISKOLCI. 2015, 2017).

Impossibilitados de usarem imagens do “pênis ereto”- concebido socialmente


como símbolo supremo da masculinidade hegemônica- como fotos de perfil, tais
usuários passam a utilizar imagens de partes de corpo associadas à prática de
exercícios físicos ou musculação (bíceps e tríceps definidos, peitos sarados,
barrigas tanquinho) no intuito de provar, ou ao menos, demonstrar o enquadramento
nos ideais vigentes de masculinidade hegemônica, discrição e “aparência
heterossexual”.

Isso se evidencia, além disso, no uso excessivo de fotos de perfil dentro de


academias, seja no banheiro masculino ou nos aparelhos, conforme constatado pela
imersão etnográfica durante a qual também se observou a utilização de imagens de
potes de suprimentos como fotos de perfil, provavelmente devido a associação
desses às práticas de musculação concebidas socialmente como atributos dos
titulares da masculinidade hegemônica.

Devido a imposição coerciva do ideal de beleza corporal em questão e sua


associação aos padrões ditados pelo modelo de masculinidade dominante, e
consequentemente à capacidade de “parecer heterossexual”, muitos homens que
buscam por relações homodesejantes se sentem impelidos a se enquadrar nesses
122

ideais para que possam gozar da possibilidade de “serem desejados”, como se


evidencia no relato apresentado a seguir:

“Eu nunca fiz uma academia, nunca malhei, o único esporte que eu
pratiquei na vida e que eu gosto é natação. E quando você vê aquilo
automaticamente você se sente... você se sente... você não se sente bom o
bastante. Você acaba ficando assim ‘Nossa eu tenho eu ficar tão sarado e
gostoso suficiente para que alguém se sinta atraído por mim ou tirar uma
foto assim’” (sic). (LUCAS, 24 anos).

Observa-se, no relato acima, que a não-conformidade ao padrão corporal


idealizado no contexto dos homens que buscam por relações homodesejantes
online, pode criar um sentimento de menos-valia por parte de alguns usuários que
sentem que só podem ser desejados se tivessem um corpo “sarado e gostoso”, pois
este como já apontado, é concebido como metáfora do enquadramento nos ideais
da masculinidade dominante que per si é associado socialmente à
“heterossexualidade”. Tais sentimentos de menos-valia e as repercussões da
normatização e idealização do corpo “sarado, musculoso e definido” sobre a
autoestima e imagem corporal dos usuários se evidenciam também no relato a
seguir:

“É, você começa a se questionar "será que alguém vai me querer?" A gente
tem esses momentos de fraqueza, até as personalidades mais fortes tem
esse sentimento de fraqueza em algum momento. Eu mesmo tive, é, teve
uma vez que eu realmente pensei "será que eu sou feio demais? Será que
alguém vai me querer? Será que tem alguém que goste de pessoas do meu
tipo?" Então a gente chega a pensa nisso por causa dessas, é por causa
dessas opções” (sic) (FRANCISCO, 19 anos).

Ressalta-se que os questionamentos indagados por Francisco em relação a


própria aparência giram em torno de um ponto central: a possibilidade de ser
desejado pelo outro. Assim como os discursos efeminofóbicos são internalizados
inclusive por aqueles que não se enquadram nos ideais da masculinidade
hegemônica conforme apontado na primeira subseção, a imposição do “corpo
sarado, musculoso, definido e liso” também é introjetada por aqueles cujos corpos
são considerados estranhos e, portanto, são alocados ao abjeto, pois não vale a
pena serem desejados. Isso não se reflete apenas através dos sentimentos de
menos-valia em relação a própria aparência ou indagações referentes à
possibilidade de ser desejado, mas também através dos termos que alguns usuários
usam para descrever a si mesmos em contraste aos vocábulos utilizados para se
123

referir àqueles que se encaixam no padrão de beleza corporal concebido


socialmente como ideal.

Destaca-se, nesse ínterim, o uso do adjetivo “gostoso”, no relato de Lucas,


para se referir ao “corpo sarado”. Esse adjetivo é utilizado coloquialmente para
descrever pessoas que são consideradas “atraentes” ou “sexualmente apetecíveis”.
Corrobora-se, portanto, com a associação exclusiva do “corpo sarado, musculoso,
definido e liso” à atração e apetência sexual, que se evidencia também no relato de
Oswald 36 anos: “Olha, geralmente é com esse tipo de pessoa que eu conversava
mais, sabe? É porque como eu te disse, é legal você ver um cara bonito com olhos
azuis, verdes com esse perfil, lisinho, fortinho, ou seja fala ‘nossa que gostoso’, atrai
o olhar, né?” (sic).

Uma associação semelhante se consolida através do uso do vocábulo


“melhor” ao se referir ao “corpo malhado” no trecho da entrevista com Abelardo, 26
anos, apresentado a seguir:

Abelardo: É porque, é mais a coisa visual, então como eles veem as fotos,
o perfil, tudinho, então eles veem, então esse aqui é malhado, esse aqui eu
quero, esse aqui é estranho, esse aqui tem o corpo estranho, então esse
aqui eu não quero, então eles procuram aquela coisa melhor.
Entrevistador: Melhor? Abelardo: Melhor no sentido do padrão do corpo,
do desejo, do desejado (Entrevista com Abelardo, 26 anos).

Destaca-se, nesse sentido, que há uma hierarquia entre o “corpo malhado”


visto como o “melhor”, “o desejado” , “ a norma a seguir” e outros tipos de porte
físico concebidos como inferiores numa dicotomia semelhante às lógicas binárias de
gênero e sexualidade, uma vez que a relação estabelecida entre as partes é
analógica à oposição: superior/inferior; normal/anormal; heterossexual/viado etc.

Cabe frisar, nesse sentido, que a hierarquização estabelecida entre os tipos


corporais não se pauta apenas na imposição imagética coerciva do corpo “sarado,
músculoso, definido e liso” mas também pelo consentimento daqueles cujos corpos
não se conformam aos ideais impostos pelo status quo heteronormativo vigente, que
se evidencia também no depoimento de Francisco, 19 anos o qual demonstra que o
próprio colaborador “não acha seu corpo bonito” devido ao não-enquadramento nos
ideais do corpo sarado, musculoso e definido,. Isso se observa quando Francisco
124

ressalta: “(...) eu não me preocupo muito com o corpo do outro até porque meu
corpo não é mil maravilhas” (sic).

Tal discurso é compreensível em meio à imposição normativa do padrão de


beleza corporal que paira entre homens que buscam por relações homodesejantes,
uma vez que o único corpo visto como “mil maravilhas” é aquele considerado
sarado, musculoso, definido e liso. Todos os outros tipos de corpos “não são mil
maravilhas”, são estranhos, enviadecidos, abjetos.

Reforça-se, portanto, a ideia de que para “ser desejado”, há que ter ou ao


menos mostrar que tenha um corpo “sarado, musculoso, definido e liso”. Assim,
alguns passam a adotar medidas como a prática de exercícios físicos e de
musculação e mudanças no estilo de vida no fito de se enquadrarem no padrão
corporal idealizado pelos homens que buscam por relações homodesejantes, ainda
que a consolidação de tais táticas seja contra a própria vontade, como se evidencia
no relato a seguir:

“Por que eu fiquei assim, não agora no começo, ‘agora eu tenho que estar
padrãozinho para ser atrativo, para ser bom o bastante para alguém’ Aí
depois da primeira semana tentando ser padrãozinho eu fiquei “não... quem
eu quero enganar. Eu gosto de comer besteira, eu não gosto de brincar de
surfista, eu gosto de dormir tarde, eu gosto das minhas coisas, quem gostar
de mim tem que gostar do jeito que eu sou”. E sabe dá mais certo você ser
quem você é do que se esconder por trás de um corpinho sarado” (sic)
(LUCAS, 24 anos).

Ao contrário do Lucas que chegou à conclusão que seria mais fácil aceitar a si
do “jeito que é” após tentativas de mudanças no estilo de vida, alguns usuários
adotam medidas mais drásticas devido às exigências em relação ao corpo, lançando
mão de suprimentos para o crescimento muscular ou até mesmo de anabolizantes,
como se observa no trecho de entrevista a seguir:

Entrevistador: Quando eu te perguntei se você se sentia exigido a se


encaixar nesse padrão, em algum momento você já procurou meios no
mundo real para se encaixar nesse padrão? Enrique: Já, já cheguei a tomar
anabolizantes, já, já cheguei sim (...) Entrevistador: Você acha que isso é
comum entre homens homossexuais? Enrique: Bastante. Aqui em Porto
Velho eu conheço gente que faz uso disso (...) Eu falo Porto Velho, porque
como eu te disse, eu nunca tinha vista numa cidade com tão, tão assim
voltada para isso. Eles são, qualquer pessoa você vê que é, é
‘bombadinha’, é, eu não sei se procede, mas eu fiquei sabendo que é pela
facilidade do uso de anabolizantes que tem por conta da fronteira com a
Bolívia que é fácil de arrumar. Já falaram para mim que com 500 reais você
compra um ciclo inteiro. Então eu acho que é isso, eu acho que tem esse
125

padrão aqui. Entrevistador: Você acha que muitos usuários fazem uso do
anabolizante? Enrique: Bastante. Entrevistador: Ou é... De suprimentos?
Enrique: A única coisa que cresce naturalmente é planta. Então uma
pessoa bombada falar para mim que é suprimento, é mentira.
(ENTREVISTA COM ENRIQUE, 37 anos).

A supremacia dos ideais da musculação e do corpo “sarado, definido e liso” e


a associação sinonímica desse padrão ao modelo dominante de masculinidade em
plataformas digitais como o Grindr se mantém também através da exclusão e
abjeção afligidas àqueles que possuem corpos não-conformes aos ideais
estipulados, e portanto, são taxados como “corpos estranhos” e arremessados fora
do campo do desejo. Isso se evidencia nas experiências que alguns colaboradores
vivenciavam durante contatos online com outros usuários, sendo negligenciados ou
ofendidos pelo outro devido ao não-enquadramento nos ideais vigentes de “beleza
corporal”. Por exemplo, Ricardo, 24 anos, relatou já ter sido “ignorado” por outros
usuários após o envio da foto como se observa a seguir:

(...)é mais aquela coisa assim vê a foto e ignora às vezes ou às vezes


responde por responder, mas você sente que não está, que não está fluindo
porque a pessoa está desinteressada, sabe? E é uma decepção estética eu
não falo física, sabe? Ah é corpo malhado e tal, se é gordo ou não. Mas
pela, pelo fato de você é, ser ignorado assim exclusivamente com base
nisso (sic) (RICARDO, 24 anos).

Por outro lado, Théo, 26 anos, relatou que tanto ele quanto alguns amigos já
receberam ofensas de outros usuários por não se enquadrarem no padrão corporal
idealizado por homens que buscam por relações homodesejantes, como se observa
a seguir: “ Já falaram que eu tenho o corpo estranho, que eu tinha barriga quebrada,
coisa do tipo, mas isso não me incomodou” (sic). Embora apontasse que não se
incomodou com os comentários que outro usuário tecera a respeito de seu corpo,
Théo mostrou-se bastante irritado com a ofensa que afligiu um de seus amigos no
aplicativo, como se observa no relato a seguir:

“Ah, eu tenho um amigo que ele está um pouco acima do peso. Então, já
teve coisa ofensiva de chamá-lo de gordo ou ah, coisas pejorativas tipo
“rolha de poço” e ele me mostrava isso e aquilo me incomodava bastante,
né? Porque a gente toma a dor dos amigos, não tem jeito, a gente se
compadece dos amigos, então eu queria, eu, eu não tive esse tipo de
preconceito, mas ver isso... Eu achava que não tinha esse tipo de
preconceito, eu achava que a pessoa no aplicativo não curtiu, não curtiu,
beleza, cortava papo. Mas se dar ao trabalho de fazer uma ofensa para uma
pessoa que ela não conhece, que ela não sabe quem é... Então isso eu
achei, sei lá, muito pesado. Muito desnecessário” (sic) (THÉO, 26 anos).
126

Nota-se que, devido a tais pressões e exigências em relação ao corpo que


por vezes se materializam em forma de ofensas e tentativas de invisibilização
daqueles cujos corpos não se conformam aos ideais impostos pela matriz
heterossexual, alguns usuários acabam evitando o uso de plataformas como o
Grindr para evitar as represálias que afligem aqueles que foram alocados ao abjeto,
como se observa no trecho de entrevista apresentado a seguir:

Enrique: Eu conheço gente que já saiu do aplicativo por conta disso, por
conta desse tipo de exigências. Entrevistador: Poderia me falar mais sobre
essas pessoas, se você puder? Enrique: Sim. Porque eu perguntei para a
pessoa porque a pessoa gosta muito de sexo e eu falei “mas porque você
não está no aplicativo?”. E a pessoa falou “porque eles exigem um padrão,
um padrão estético, um padrão de idade, então por isso eu saí porque eu
não vou, eu não, eu me senti humilhado dentro do aplicativo (sic)
(ENTREVISTA COM ENRIQUE, 37 anos).

Além do uso exacerbado de imagens corporais, das ofensas e das tentativas


de invisibilização daqueles que não se enquadram no padrão de corpo idealizado
por homens que buscam por relações homodesejantes, as exigências em relação ao
porte físico e associação do corpo sarado ao modelo dominante e desejado de
masculinidade e à ausência do efeminamento também se replicam por meio de
algumas descrições de perfil como a disponibilizada por “Bi”, 28 anos: “Gostoso
malhado. Curto uma pegação entre machos. Chupação, beijos, punheta, gozar litros
hehehe. Não curto afeminados. Curto caras com corpos legal” (sic).

Isso também se evidencia em descrições de perfil comumente encontradas ao


rodar o aplicativo em Porto Velho que contém frases excludentes como: “Não a
gordos!” , “Não a magros!” ou “não curto peludos”. Embora o pelo corporal seja uma
característica visivelmente associada à masculinidade/virilidade/ser homem, esse
atributo físico não se inclui nos ideais de beleza e masculinidade hegemônica que
permeiam as relações homodesejantes, devido à pornificação do corpo dos homens
que possuem desejos homo-orientados apontada por vários autores.
(MOWLABOCUS, 2010; TZIALLIAS, 2015; MISKOLCI, 2015, 2017).

Destaca-se, nesse ínterim, que a “pornografia gay” mainstream “hiper-


erotizava” atores pornôs brancos, sarados, lisos e que performatizavam
características socialmente associadas aos ideais da masculinidade hegemônica e
consequentemente à “heterossexualidade”. Esses eram, amiúde, representados
127

tanto como dominantes quanto como o centro das cenas eróticas e sexuais, ao
passo que a figura do homem efeminado e/ou magro era comumente retratada pela
indústria pornográfica como um ser submisso, “passivo” e alvo do desprezo do ator
macho, “ativo” e dominante. Como já apontado antecipadamente, a pornografia foi
por muitos anos o único meio através do qual homens que buscam por relações
homodesejantes poderiam ter acesso a representações e referências sobre si
mesmos. Por isso, muitos dos ideais propagados pela indústria pornográfica se
manifestam nas preferências eróticas, padrões corporais e modelo dominante de
masculinidade idealizados por homens que buscam por relações homodesejantes
(MOWLABOCUS, 2010; TZIALLIAS; 2015; MISKOLCI, 2015, 2017).

Nesse sentido, observa-se que a influência da indústria pornográfica sobre os


desejos e estilos de vida daqueles que buscam por relações homodesejantes
promoveu a propagação do alinhamento sinonímico entre o “corpo sarado”, o
“macho discreto” e o “homem heterossexual” cuja figura ocupa o centro dos desejos
homo-orientados. Cabe frisar, além disso, que a perpetuação dessa sinonímia
socialmente construída e normatizada só é possível devido à subalternização
daqueles que não têm corpos sarados, não são machos discretos e portanto não
conseguem “parecer héteros”, mesmo que não sejam.

Destaca-se, nesse caso outro alinhamento sinonímico socialmente propagado


entre o “corpo magro”, o “efeminamento” e “ser não-heterossexual” (viado) cuja
figura é alocada ao abjeto, taxada como corpo estranho e portanto arremessada fora
do campo do desejo, pois tal sujeito nem é considerado “homem” para ser desejado
por um homem que busca por relações homodesejantes. Esse processo de
invisibilização daqueles que foram alocados ao abjeto devido à não-conformidade
com os ideais de beleza corporal e masculinidade hegemônica se evidencia no
relato a seguir:

“Às vezes, as pessoas pegam pesado. Às vezes as pessoas, uma pessoa,


por exemplo, que está dentro do padrão normativo de que é bonito, ahm a
pessoa que tem o corpo definido e ele se desfaz de uma pessoa que não
tem, sem pensar no que aquela pessoa tem a oferecer, às vezes ela tem
muito a oferecer, mas ela simplesmente por não se encaixar, ele prefere
ofender e excluir e evitar como se não, se aquela parcela do grupo não
existisse” (THÉO, 26 anos).
128

Observa-se, nesse sentido, que quem está “dentro do padrão normativo” é


concebido pelo ethos sexual ali vigente como a única possibilidade de ser-existir-
desejar como homem que vale a pena ser desejado. A existência daqueles que
põem em xeque as regras impostas por esse “padrão normativo”, como os
efeminados, os magros ou homens que não conseguem “parecer heterossexuais”
mesmo que não sejam passa a ser negligenciada, invisibilizada simplesmente “por
não se encaixar” nos pressupostos heteronormativos idealizados. É nesse sentido
que se destaca que o abjeto é reservado àqueles cujas vidas não são consideradas
vidas (BUTLER,1993, 2003; PRINS; MEIJER, 2002).

Considerando que tanto o “efeminamento” quanto a “magreza” e a “não-


heteroosexualidade” são alocados ao abjeto, faz-se oportuno destacar que a
associação socialmente estabelecida entre as três dimensões se fortaleceu devido
ao legado do pânico sexual da AIDS. Segundo Miskolci (2015, 2017), a divulgação
midiática de fotos de pacientes terminais propagou uma associação entre a magreza
e a doença. Como a AIDS era concebida como “praga gay” e pairava, no imaginário
social, a associação entre o “efeminamento” e os desejos homo-orientados, se
solidificou um atrelamento da magreza ao efeminamento (e vice-versa), ambos os
quais são renegados ao abjeto, ao viado.

Aponta-se, nesse sentido, que a manutenção desse padrão ideal de homem


baseada na figura de um “ator pornô” pauta-se na exclusão daqueles cujos corpos
não se enquadram no protótipo de homem malhado, sarado e praticante de
atividades físicas. Esse “não-enquadramento” no padrão ideal de corpo pode ser
visto, muitas vezes, como sinônimo de “efeminamento” e, portanto, põe em xeque o
ethos predominante de discrição, masculinidade hegemônica e a necessidade de
“parecer heterossexual”, mesmo que o sujeito não seja.

Assim, no contexto das relações homodesejantes mediadas por plataformas


digitais como o Grindr, evidencia-se a supremacia de quem se apresenta como
“sarado= macho discreto= homem heterossexual=centro do desejo” sobre aquele
que é concebido como “magro=efeminado=viado= corpo estranho (abjeto) ”. Tal
preponderância se manifesta na seletividade e filtração excessiva de alguns
usuários que só se mostram receptivos a manter contato com o “sarado= macho
discreto=homem heterossexual”. Isso se evidencia no relato de Abelardo, um dos
129

colaboradores, que se queixou que nenhum usuário respondia suas mensagens


quando sua foto de perfil era uma foto dele mesmo: um homem visto socialmente
como “magro”. A partir do momento que Abelardo criou um perfil fake com as fotos
de um homem cujo corpo se enquadra no padrão pornográfico visto como ideal, a
maioria dos usuários passaram a responder suas mensagens e mostrar maior
receptividade e desejo de manter contato, como se observa no trecho da entrevista
a seguir:

Abelardo: Por exemplo, eu já usei muito o aplicativo sendo eu mesmo, eu


ali, então eu conversava com certas pessoas e elas me ignoravam por ser
eu. Então eu comecei... Teve uma época que eu criei um fake e esse fake
era o que as pessoas desejavam assim... Na forma... Entrevistador: Como
que era esse fake? Abelardo: Na forma física, na forma física. Era imagem
de internet que tinha o corpo bacana, que tinha o rosto bonito, então as
pessoas aceitavam. As pessoas conversavam, as pessoas mandavam
números, mandavam contatos, mandavam isso e aquilo, elas se
interessavam mais. Quando era somente eu, pelo meu porte físico, isso é
que as pessoas me ignoravam, as mesmas pessoas. Eu acabava fazendo
esse teste com as mesmas pessoas. E elas sempre me ignoravam, não me
respondiam, deixavam-me de lado (ENTREVISTA COM ABELARDO, 26
anos).

Observa-se que, quando Abelardo era “ele mesmo” no aplicativo e


disponibilizava fotos reais que demonstravam seu porte físico magro que não se
enquadra nos padrões midiática, pornográfica e socialmente impostos de corpo
ideal, ele foi alocado ao abjeto- mesma posição ocupada pelos efeminados e por
aqueles que não conseguem “parecer heterossexuais” no contexto das relações
homodesejantes mediadas digitalmente. Assim como esse colaborador, usuários
que apresentam características que os arremessam ao campo do subalterno são
geralmente ignorados ou bloqueados pelos usuários que apresentam demandas
coercivas em relação aos ideais da masculinidade hegemônica camuflados por trás
da busca ensandecida pelo “corpo sarado, definido e liso”. Nesse sentido, Abelardo
ressaltou: “Pelo fato de não ter aquele padrão de um corpo bem malhado, bem
estruturado, por ser magro do jeito que eu sou. As pessoas excluíam. Não, não
quero papo com você. Você malha? Então não quero papo com você.” (sic).

Cabe frisar que demonstrar o não-enquadramento no padrão de corpo sarado


e musculoso acarreta uma série de ideias pré-concebidas acerca do “jeito de ser”
dos usuários que se apresentam como magros, uma vez que a magreza é associada
à fragilidade, ao efeminamento e consequentemente à não-heterossexualidade,
130

todas as quais são alvos da abjeção e arremessam os usuários fora do campo dos
desejos homo-orientados mediados digitalmente que giram em torno da figura do
homem heteressoxual ou ao menos aquele que “pareça ser” mesmo que não seja.

Reversamente, o suposto enquadramento no padrão de corpo idealizado


entre usuários de plataformas digitais como o Grindr que pode ser presumido no
contato online por meios imagéticos ocasiona uma gama de ideias pré-concebidas
acerca do parceiro em potencial, uma vez que o corpo sarado e musculoso é
associado à força física, à virilidade/masculinidade hegemônica, à discrição e
consequentemente à “heterossexualidade”, todas as quais ocupam posições
superiores nas hierarquias e lógicas binárias de gênero e sexualidade impostas pela
matriz heterossexual. Isso se evidencia no relato de Ricardo, 24 anos ao considerar
que certos atributos físicos que possui criam uma falsa ideia sobre sua conformidade
aos ideais da masculinidade hegemônica, como se observa no trecho da entrevista
apresentado a seguir:

“A impressão que uma pessoa pode ver de mim, tanto por causa da voz, por
causa da barba, por causa da, da, às vezes da barba dá cara de mal, a
altura. Mas assim, se eu disse que me sinto encaixado nisso eu não me
sinto, entendeu? Às vezes as pessoas tem uma impressão e criam até às
vezes uma... Um certo receio de decepcionar, entendeu? Então tipo, muitas
vezes eu não dou andamento na conversa porque é aquilo, tipo assim,
como só é vendida uma parte minha no aplicativo, a pessoa vem com uma
ideia errada, às vezes, tipo assim, já chega achando que sou o ‘ativão’, o
dominador, não sei o quê, não sei o quê e não necessariamente é assim,
entendeu? Eu já sou um cara mais ‘light’, eu gosto mais de conversa, é,
gosto do sexo, gosto do, do, estou disposto ao que rolar, estou, e aí a
pessoa já vem vendendo uma imagem que às vezes até me decepciona
porque aí... Eu, por exemplo, eu não quero uma pessoa que seja submissa,
que faça tudo pelo outro, sabe? Aquela pessoa que se molda e as pessoas
às vezes vêm se moldando para mim, para conversar comigo e até eu
explicar que ‘focinho de porco não é tomada’, a conversa não flui mais,
entendeu?” (sic) (RICARDO, 24 anos).

Aponta-se, nesse relato, que alguns usuários elaboram conclusões acerca do


“jeito de ser” do parceiro em potencial a partir da impressão registrada pelas fotos
disponibilizadas tanto no perfil quanto na troca de mensagens. Considerando que a
“barba”, “ cara de mal” e “ser alto” são atributos físicos e visuais socialmente
associados aos ideais da masculinidade hegemônica, alguns usuários presumiam
que Ricardo necessariamente apresentava outras características de personalidade
que são culturalmente atreladas aos mesmos ideais: gostar de penetrar (ativão), ser
“dominador”, desejar pessoas submissa etc. Apesar do seu porte físico (alto e com
131

cara de mal), o colaborador demonstra que possui características e preferências que


fogem do padrão normativo e dominante de masculinidade, pois se descreve como
uma pessoa “light” e que prefere conversar do que se engajar em práticas sexuais.

Depreende-se, portanto, que a busca frenética pelo “corpo sarado” e por


atributos físicos como a barba, “cara de mal” e “ser alto”, no contexto das relações
homodesejantes mediadas por aplicativos como o Grindr, é intrinsicamente uma
busca por um parceiro que performatiza comportamentos associados ao modelo
dominante de masculinidade e consequentemente é capaz de “parecer
heterossexual”, mesmo que não seja.

Uma vez que a performatização de características, atributos e


comportamentos culturalmente associados à masculinidade hegemônica é
concebida pelo imaginário social como metáfora de “heterossexualidade”, o corpo
sarado visto como metáfora da masculinidade dominante passa também a ser
atrelado pelo status quo vigente à “heterossexualidade”.

Todavia, faz-se mister destacar que a propagação dos ideais de


masculinidade hegemônica e a sinonímia socialmente perpetuada entre o
enquadramento nesses padrões e a heterossexualidade, entre homens que buscam
por relações homodesejantes, não se pautam apenas na supremacia do “macho,
discreto e fora do meio” sobre o efeminado e na predominância do corpo “sarado,
liso e musculoso” sobre os outros tipos de porte físico, mas também na reiteração de
hierarquias e lógicas binárias que englobam outras intersecções como o papel
sexual, a classe social, a idade e a raça.

7.3 “O PADRÃO DO PADRÃO”: A MASCULINIDADE HEGEMÔNICA E OUTRAS


INTERSECÇÕES

A busca impetuosa por uma masculinidade pautada nos modelos impostos


pela matriz heterossexual entre homens que buscam por relações homodesejantes
já foi apontada em diversas pesquisas (TAYWADITEP, 2001; MOWLABOCUS,
2010; LANZIERI; HILDERBRANDT, 2011; ANNES; REDLIN, 2012; MISKOLCI, 2013,
2015, 2017). Além das representações midiáticas e das imposições pornográficas, é
imprescindível destacar que os próprios movimentos de ativismo “gay e lésbico”
132

decorrentes dos acontecimentos do Stonewall Inn contribuíram para a propagação


dos padrões de masculinidade pautados na matriz heterossexual e para a
supremacia e imposição do modelo norteamericano de ser/existir/desejar como
homem (STEARNS, 2010; MISKOLCI, 2012, 2015).

Ao passo que tais movimentos concediam visibilidade aos homens que


buscam por relações homodesejantes que se enquadravam no modelo “branco,
jovem e rico” e não punham em xeque as normas impostas pelo alinhamento (sexo-
gênero-orientação sexual) que asseguravam a hegemonia do homem heterossexual
branco, as especificidades e necessidades daqueles que não se conformavam aos
ideais desse padrão eram constantemente eclipsadas.

A invisibilização das diferentes formas de ser/existir/desejar como homem


repercutiu consequentemente sobre o ethos que permeia as relações
homodesejantes uma vez que esse se pauta na supremacia dos “machos”,
“sarados”, “ativos”, “jovens”, “ricos” e “brancos” -que ocupam a mesma posição de
centro de desejo que a heterossexualidade ocupa nas hierarquias de sexualidade -
sobre os “efeminados”, “magros/gordos”, “velhos”, “pobres” e “negros” alocados ao
campo do abjeto, do viado.

Destaca-se, nesse ínterim, que a inclusão de diferentes características no


padrão normativo preeminente de masculinidade hegemônica visto como sinônimo
de “heterossexualidade” ou capacidade de “parecer heterossexual” vigente no
contexto das relações homodesejantes mediadas digitalmente, se evidencia no
relato a seguir:

“Tem pessoas que procuram pessoas jovens bonitas gostosas e ricas, ou


seja, é o padrão do padrão né, o cara é gostoso tem pau grande, tem bunda
gostosa não tem estria, é musculoso, é liso, além de ser um príncipe
maravilhoso que é do conto de fadas o cara é rico ou nossa que legal ser
perfeito né, é o príncipe encantado, então tem gente que busca isso (sic)”
(OSWALD, 36 anos).

Ressalta-se, nesse relato, a referência ao “príncipe encantado”, personagem


principal de muitos contos de fada que é amiúde retratado pela indústria
cinematográfica como um homem branco, rico, jovem e que apresenta
características socialmente associadas à masculinidade hegemônica como a força e
a coragem. Na dinâmica das relações homodesejantes, características como o papel
133

sexual insertivo (ativo), a branquitude, a riqueza e juventude ocupam a mesma


posição de superioridade reservada àqueles que se enquadram nos padrões
hegemônicos de masculinidade e, portanto, são capazes de “parecerem
heterossexuais” mesmo que não sejam. Em consonância ao modus operandi das
hierarquias e lógicas binárias de gênero e sexualidade socialmente vigentes, a
supremacia do “ativo”, “rico”, “jovem” e “branco” evidenciada nas relações
homodesejantes mediadas online se pauta na subalternização do “passivo”, “pobre”,
“velho” e “negro”.

Reforça-se, portanto, a necessidade de abordar a imposição dos ideais de


masculinidade hegemônica entre homens que buscam por relações homodesejantes
considerando as seguintes intersecções: posição sexual, classe social, idade (faixa
etária) e raça.

Primeiramente, faz-se mister destacar que várias pesquisas já apontaram a


existência de uma dinâmica de poder que superioriza o parceiro insertivo (aquele
que penetra) e subalterniza o parceiro receptivo (aquele que é penetrado), entre
homens que buscam por relações homodesejantes (ROSSER et al, 1998;
TAYWADITEP, 2001; DAMON; ROSSER, 2005; COLLIER et al, 2015). Tal dinâmica
se manifesta nitidamente nas nomenclaturas coloquialmente utilizadas para se
referir aos homens que buscam por relações homodesejantes segundo o papel
sexual. Nesse ínterim, aponta-se o uso da expressão “Top” (em cima) nos países
anglo-saxões para se referir ao parceiro insertivo que ocupa uma posição superior
em relação ao parceiro receptivo ao qual se refere como “Bottom” (em baixo), pois
ocupa uma posição inferior na dinâmica de poder que rege as relações
homodesejantes, geralmente e aquelas mediadas online, especificamente.

No Brasil, por outro lado, é comum a utilização do termo “ativo” para se referir
ao parceiro insertivo concebido como superior ao parceiro receptivo ao qual se
refere como “passivo”. Nesse sentido, o binômio ativo-passivo nos remete à lógica
binária de gênero historicamente perpetuada entre a masculinidade e a feminilidade,
pois ao passo que a “atividade” é vista como característica exclusiva da
masculinidade, a “passividade” é socialmente associada à feminilidade. O relato de
um dos entrevistados acerca do relacionamento com o ex-marido corrobora com a
dinâmica de poder aqui explicitada, conforme se observa a seguir:
134

Raramente ele queria fazer passivo comigo eu não entendia porque,


quando nós abrimos relacionamento ele fazia passivo com os outros caras,
mas comigo ele não fazia então eu acho de certo modo era uma relação de
poder, porque ele queria manter esse lugar na hierarquia, ele ganhava mais,
a profissão dele entre aspas era mais importante né? Ele achava que era
mais importante, mais útil, né”? (sic) (OSWALD, 36 anos).

Embora existam muitos homens que buscam por relações homodesejantes


que desejam tanto penetrar quanto serem penetrados, aos quais se refere
coloquialmente e dentro de plataformas digitais voltadas ao público masculino como
“versáteis”, evidencia-se que a dicotomia “ativo-passivo” vige entre homens que
buscam por relações homodesejantes.

A propagação desse binarismo pauta-se no culto ao “ativo” visto como


sinônimo de enquadramento no padrão hegemônico de masculinidade e
consequentemente à capacidade de “parece heterossexual” mesmo que não seja e
no desprezo ao “passivo” cujo papel sexual é associado ao efeminamento. Ou seja,
ao passo que aquele que possui um papel sexual “ativo” é concebido
imaginariamente como “ homem viril heterossexual”, aquele que prefere ser
penetrado (passivo) é enviadecido, alegado ao abjeto, lugar também ocupado pelo
feminino. Essa dicotomia e a associação do papel sexual receptivo (passivo) ao
efeminamento se evidencia quando Francisco, 19 anos que fazia uso do Grindr na
zona urbana de Porto Velho ressaltou: “Uma das primeiras coisas que eles
perguntam, depois que eles perguntam se é passivo ou ativo é se você é afeminado
ou não” (sic).

Destaca-se, além disso, que a associação do “passivo” ao efeminamento e o


atrelamento do “ativo” à masculinidade se evidenciam mais nitidamente no relato a
seguir:

Então eu tenho preferência homens ativos ou versáteis que é, rasgando o


verbo, que me coma também. Ponto! Porque eu gosto de fazer troca troca
na relação sexual, é isso, né? Em termos de afeminado porque se tem no
geral que os afeminados são mais passivos, não é regra eu já tive contato
com afeminado que eram extremamente ativos, mas me dava uma
sensação muito estranha, (risos) me dá uma sensação estranha. (Oswald,
36 anos).

Devido a sinonímia entre “ser ativo” (desejar penetrar) e o enquadramento


nos ideais de masculinidade hegemônica, perpetuada no bojo das relações
homodesejantes, o contato com “efeminados” que “eram extremamente ativos” foi
135

concebido pelo colaborador como “estranho”, uma vez que esses põem em xeque
as lógicas binárias e o alinhamento (sexo-gênero-sexualidade) impostos pela matriz
heterossexual.

Reforça-se, portanto, que o papel sexual insertivo é visto no imaginário dos


homens que buscam por relações homodesejantes como símbolo máximo e
exclusivo de “masculinidade” e, portanto, ocupa um lugar de superioridade em
comparação ao papel sexual receptivo (passivo), compreendido como sinal de
“efeminamento”. Logo, afirmar que se é “ativo” em aplicativos como o Grindr nem
sempre tem o mero objetivo de informar o papel sexual para facilitar a concretização
de encontros sexuais casuais, mas muitas vezes traz em seu bojo uma afirmação
vangloriada da “masculinidade” e da capacidade de “parecer heterossexual”, mesmo
que não seja.

Segundo Miskolci (2017), isso explica a profusão exacerbada de perfis no


Grindr com descrições do tipo “Ativo a procura de Ativo” em contraste à ausência de
descrições do tipo “Passivo a procura de Passivo”. Nota-se, nesse ínterim, que a
incursão etnográfica possibilitou o encontro de diversos perfis nos quais se
associava o “ativo” à figura do “macho” concebido socialmente como metáfora do
“homem heterossexual”. Isso, por exemplo, se evidencia nitidamente na descrição
de “LEIA o perfil” (sic): “Tenho 45 anos, jeito, cara e postura de macho, sou ativo,
mas isso nada impede de ficar com outro ativo (pegação entre dois machos)- se
você tiver local irá facilitar nossas vidas” (sic). Vale ressaltar, nesse sentido, que por
trás do “Ativo a procura de Ativo” ou do “nada impede de ficar com outro ativo”, jaz o
mesmo objetivo por trás de descrições de perfil como “ Macho a procura de Macho”
e “Não curto afeminados”, uma vez que a busca do parceiro em potencial gira em
torno do mesmo ideal: “Pareça heterossexual, mesmo que não seja”.

A propagação deste ideal e da supremacia do modelo de homem


heterossexual branco, jovem e rico no bojo das relações homodesejantes mediadas
online se consolidam também por meio das exigências reiteradas em relação à
classe social do parceiro em potencial. A opulência, o poder financeiro e a posse de
bens e propriedades foram historicamente associados à figura do homem
heterossexual branco, considerado como esteio de sustentação da família
tradicional. Por outro lado, aqueles que pertenciam às camadas sociais mais pobres
136

foram renegados ao abjeto- campo também ocupado pelas mulheres, pelos negros e
por todos aqueles considerados viados pelo status quo vigente, pois põem em xeque
as normas impostas pela matriz heterossexual.

Nesse ínterim, Ricardo, 24 anos que fazia uso do Grindr na cidade de Porto
Velho ressaltou: “Eu acho que tem gente, por exemplo, tem gente que é rica e só
fica com gente que aparenta ser rica” (sic). Nota-se, por outro lado, que as
exigências em relação ao pertencimento a uma classe social abastada se observam
mais nitidamente na experiência vivenciada por Francisco enquanto usava o
aplicativo, como se evidencia a seguir:

“Já aconteceu comigo também, uma vez, que uma das fotos do meu perfil
eu estava no ônibus dava para ver as barras aqui atrás e tudo, mas o foco
era eu e teve uma vez que eu puxei assunto com o menino e ele me
discriminou porque eu estava no ônibus. Simplesmente eu fiquei sem
reação, eu comecei a rir por que...Gente, não tem como, cara! É, você não
querer uma pessoa porque ela anda de ônibus” (sic) (FRANCISCO, 19
anos).

Destaca-se, nesse relato, que “andar de ônibus” é socialmente concebido


como uma indicação que o sujeito não possui muitos recursos financeiros, pois se os
possuísse, teria um carro. Nesse sentido, Lucas, 24 anos brincou: “ Tem gente que
fala ‘ Ah você não tem carro, não quero mais’. Isso é mais importante pra você então
tá bom e tenha um relacionamento com seu carro” (sic). Oséias, 30 anos, por outro
lado, ressaltou: “ As classes sociais nos aplicativos, no mundo gay em geral são o
maior preconceito. Ninguém quer um gay que vá andar de bicicleta” (sic).

Considerando que a “riqueza” é ainda concebida pelo imaginário social como


característica exclusiva de homens heterossexuais brancos titulares dos ideais
dominantes da masculinidade, quem carece de muitos recursos financeiros passa a
sofrer de retaliações semelhantes aquelas afligidas à figura do homem efeminado,
uma vez que tanto a “pobreza” quanto o “efeminamento” ocupam o mesmo a-lugar
nas relações de poder socialmente instituídas: o abjeto, que é arremessado fora do
campo do desejo, pois é concebido como sinônimo de inexistência e invisibilidade.

Todavia, faz-se mister destacar que na dinâmica da maioria das relações


homodesejantes mediadas digitalmente, a expressão de gênero (ser macho) e o
padrão de corpo (sarado, musculoso e liso) exercem um papel maior na escolha do
137

parceiro em potencial que a classe social propriamente dita. Logo, o enquadramento


em algumas características físicas e pessoais associadas aos ideais da
masculinidade hegemônica pode elevar alguns homens que não possuem muitos
recursos financeiros do campo do abjeto para a posição do centro de desejo,
principalmente quando conseguem “parecer heterossexuais”, mesmo que não
sejam. Esse caráter interseccional das relações de poder vigentes entre a maioria
dos homens que buscam por relações homodesejantes mediadas online se
evidencia nitidamente no relato de Oséias, 30 anos, apresentado a seguir:

“Por exemplo, vamos citar exemplos de preconceitos nos aplicativos: se


você está no aplicativo e morar num bairro periférico você não vai pegar
alguém da zona central, dos bairros de classe alta, com algumas exceções,
por exemplo, se você for aquele menino pobre, mas for aquele menino
malhado, ‘tanquinho’ e tal e for ativo e tiver lá os seu dotes de ‘20’.Você vai
pegar as mariconas daqui da área central, porque elas vão lá tentar te
oferecer financias, tentar te, é, elas vão tentar que os seus olhos brilhem, a
palavra me fugiu a memória agora, mas elas vão tentar te seduzir pelo que
elas possuem.”(sic).

Ressalta-se, nesse relato, que características socialmente associadas aos


ideais da masculinidade hegemônica, como o corpo malhado, o papel sexual
insertivo e o pênis de 20 cm, elevam o “menino pobre” da posição periférica do
abjeto para a posição central de desejo ocupada por aqueles que conseguem
“parecer heterossexuais” mesmo que não sejam entre homens que buscam por
relações homodesejantes.

Além disso, Oséias acrescentou: “Ainda tem a questão do preconceito em


relação à idade, né? Porque você vê muito no aplicativo “ai curto de tal idade a tal
idade” (sic). Várias pesquisas já abordaram a vigência da discriminação etária entre
homens que buscam por relações homodesejantes e as repercussões do etaismo
sobre as preferências eróticas desses homens (ADELMAN, 1990; ADELMAN et al;
2006; ASENCIO et al; 2009 BORGES, 2009; DAVIES; NEAL, 2009). Nesse sentido,
Davies e Neal (2009) destacaram que a exclusão de homens mais velhos no
universo dos homens que buscam por relações homodesejantes é uma
manifestação de homofobia internalizada e medo do próprio envelhecimento, uma
vez que paira no imaginário social, a ideia que tais homens envelheceriam solitários
pois “não podem ter filhos”.
138

Embora existam categorias como “Daddy” (homem com características


paternas) e “Mature” (homem mais velho) fetichizadas pelo imaginário dos homens
que buscam por relações homodesejantes a partir de influências pornográficas,
prevalece em plataformas digitais como o Grindr a busca por homens mais jovens
que não ultrapassem a faixa etária entre 30 e 35 anos. Isso se observa no trecho da
entrevista com Enrique apresentada a seguir:

Entrevistador: Tá, em algum momento você se sentiu excluído por algum


usuário do aplicativo? Enrique: Pela minha idade, porque eu tenho 37 anos,
eles já falaram que eu sou muito velho assim. (ENTREVISTA COM
ENRIQUE, 37 anos).

Destaca-se que a exclusão e abjeção dos homens que buscam por relações
homodesejantes acima dos 30 se evidencia nitidamente na expressão “gay death”
(morte gay) comumente utilizada por tais homens em países anglo-saxões para se
referir aos “30 anos de um homem que busca por relações homodesejantes”.
Depreende-se, portanto, que no imaginário de muitos desses homens, aqueles que
ultrapassaram a casa dos 30 são concebidos como “mortos”, ou seja, “ inexistentes”
e “invisíveis”. Portanto, são arremessados fora do campo do desejo visto como
“normal” e alocados ao abjeto-mesmo alugar ocupado pelos efeminados,
magros/gordos, passivos e pobres. Esse tipo de exclusão etária nas relações
homodesejantes mediadas online foi também apontado por Abelardo no trecho de
entrevista apresentado a seguir:

Entrevistador: Além de excluir, digamos as pessoas que não se


enquadram no padrão de corpo, você acha que existe outro tipo de
exclusão dentro do aplicativo? Abelardo: Eu acho que por idade também.
Entrevistador: Por idade. Você ia me falar mais alguma coisa sobre isso?
Abelardo: Ah, as pessoas mais velhas. Muitas delas são mais excluídas,
mais deixadas de lado, porque muitas delas já não, as pessoas já não
procuram mais. É tanto que elas buscam incessantemente por pessoas,
elas sempre estão ali, mas nunca conseguem nada. Entrevistador: A partir
de que idade? Abelardo: Acho que depois dos 30 e poucos, 35, numa faixa
etária de 40, por aí. É mais difícil. (ENTREVISTA COM ABELARDO, 26
anos).

Essa dificuldade para encontrar parceiros em potencial vivenciada por parte


de homens que buscam por relações homodesejantes que ultrapassaram a casa dos
30 se evidencia na efervescência de perfis com descrições que apresentam
exigências em relação à idade de forma semelhante àqueles que explicitam
demandas referentes à expressão de gênero e porte físico.
139

Destaca-se, nesse ínterim, a descrição de perfil apresentada por


“Top20cmAlpha” (sic): “Sou HETERONORMATIVO. Ñ acredito em 2o chance.ñ
insista. Eu SÓ VOU TE RESPONDER COM ROSTO CLARO SEM BONÉ/ÓCULOS,
CORPO E NUDES. Ñ ACEITA? Ñ FALA COMIGO. Ñ p/Casal, GP, drogado,
piercing, fora do centro, +30 anos, careca, afeminado, + 3km” (sic). As tentativas de
“filtrar” os parceiros em potencial de acordo com as idades e as influências do
etaismo sobre as preferências dos homens que buscam por relações
homodesejantes online se manifestam também na descrição de “Ativo20cm” (sic):
“Sou atv. curto malhado de leve e magros sem foto sem papo não a gordos E
afeminados. Até 27 anos” (sic). Outro exemplo de descrição de perfil com critérios
de seleção etários encontrada durante a incursão etnográfica e disponibilizada por
um usuário de 24 anos que não usava um nome de perfil é: “ Sexo! Nada mais que
isso. Não curto caras acima do peso, afeminados, nem acima dos 35. Papo
saudável, sem muita frescura, pq estamos aqui é pra fuder. Chamou manda foto”
(sic).

Reforça-se, portanto, que homens que buscam por relações homodesejantes


que ultrapassaram a casa dos 30 são alocados ao mesmo alugar reservado para os
efeminados, magros/gordos, passivos e pobres pelas relações de poder vigentes
nesse universo as quais visam a reiteração dos ideais impostos pela masculinidade
hegemônica e matriz heterossexual. Ao passo que a juventude é concebida como
sinônima de força física e disposição; características socialmente associadas ao
modelo dominante de masculinidade, o “envelhecimento” é visto como sinônimo de
fragilidade e falta de agilidade; atributos atrelados ao efeminamento/feminilidade não
só pela sociedade como um todo, mas também pelo universo das relações
homodesejantes mediadas digitalmente. Assim, aquele que é “acima dos 30” é
amiúde arremessado ao abjeto e por ser invisibilisado e concebido como inexistente
perde seu lugar no “mercado” de desejo que ali vigora.

Vale ressaltar que, para reconquistar seu lugar no “mercado” das relações
homodesejantes mediadas digitalmente, basta apresentar uma expressão de gênero
conforme aos ideais da masculinidade hegemônica ou um porte físico consoante às
imposições vigentes do corpo “sarado, musculoso e liso”. Isto é porque tais
intersecções ocupam uma posição superior na lista de exigências referentes ao
140

parceiro em potencial que permeiam as relações homodesejantes mediadas


digitalmente, pois aquelas são diretamente associadas à capacidade do outro
“parecer heterossexual” mesmo que não seja.

Enfatiza-se, além disso, que essa dinâmica interseccional entre as exigências


referentes ao perfil do parceiro sexual que vigem muitas das relações
homodesejantes mediadas por aplicativos como o Grindr se evidencia também no
cotidiano de muitos usuários negros. Nota-se, nesse ínterim, que várias pesquisas já
abordaram a profusão de discursos e estereótipos racistas entre homens que
buscam por relações homodesejantes, tanto contra asiáticos quanto contra negros.
(EGUCHI, 2011; COLLIER et al, 2015; CALLANDER et al, 2015; MISKOLCI, 2017).
Ressalta-se, além disso, a replicação desses discursos e estereótipos em aplicativos
baseados na localização como o Grindr e as repercussões que exercem sobre as
exigências em relação aos parceiros em potencial (ALBURY; BYRON, 2016;
CALLANDER et al, 2016).

Ao contrário de etnografias desenvolvidas em outros países em meios virtuais


semelhantes ao Grindr onde pairavam comentários do tipo “No Blacks”, não foram
encontradas descrições de perfil com conteúdo racista excludente visível durante a
incursão etnográfica no Grindr dentro da zona urbana de Porto Velho. Apesar da
ausência de descrições excludentes em relação à negritude semelhantes àquelas
referentes às expressões de gênero e portes físicos alocados ao abjeto, faz-se
mister destacar que o racismo evidenciado entre homens que buscam por relações
homodesejantes no geral se manifesta na plataforma digital em questão de uma
forma muito mais sútil, conforme se aponta no relato a seguir:

“Se você pegar um aplicativo, no mesmo aplicativo, se você for negro, de


cara você já tem uma pergunta que é “ah, os negros têm, são dotados, os
negros são dotados”. Então quando você vê no aplicativo um negro que não
é dotado. Eu falo isso porque eu tenho amigos negros que usam o aplicativo
e a gente conversa muito sobre isso, se você ver um negro no aplicativo
que não é dotado e que seja passivo, por exemplo, ele está perdido. O
negro no aplicativo tem que ser ativo e dotado. Então é uma forma de
preconceito” (sic) (OSÉIAS, 30 anos).

Destaca-se que os negros foram historicamente alocados ao mesmo alugar


nas hierarquias raciais que as mulheres e os não-heterossexuais ocupam nas
lógicas binárias de gênero e sexualidade: ao abjeto, ao inexistente, ao invisível.
141

Assim, homens negros que buscam por relações homodesejantes são


arremessados fora do “mercado” do homo-desejo uma vez que se afastam do
modelo de “homem branco” propagado pela mídia e indústria cultural. Isso se
intensifica, sobretudo, quando o negro apresenta características associadas ao
efeminamento tanto pela sociedade como um todo, quanto pelo universo das
relações homodesejantes mediadas online. Assim, “se você ver um negro no
aplicativo que não é dotado e que seja passivo, por exemplo, ele está perdido” (sic),
pois a junção das posições inferiores que este corpo falante ocupa em diferentes
intersecções (expressão de gênero, papel sexual, raça etc) o aloca repetitivamente
ao abjeto e reitera sua subjugação, perpetuando consequentemente a supremacia
do ideal de “homem branco, macho, ativo, rico” que “parece heterossexual” mesmo
que não seja. A preeminência deste ideal foi apontada por Abelardo, 26 anos,
conforme se observa a seguir: “As pessoas procuram mais as pessoas, as pessoas
como posso dizer, mais padronizadas do branco, daquela coisa europeia, aquele
loiro de olhos azuis, então as pessoas procuram alguém mais próximo daquele
padrão, daquela forma” (sic).

Por outro lado, a associação da negritude ao tamanho avantajado de pênis


apontada no relato de Oséias pode ser compreendida sob o viés da objetificação e
erotização compulsória do corpo do negro abordadas em diferentes estudos
(SANTOS, 2000; SILVA et al, 2012). Não obstante, faz-se oportuno destacar que o
dote, ou o tamanho grande do pênis é concebido pelo status quo vigente como
símbolo máximo do enquadramento nos ideais hegemônicos de masculinidade
propagados pela ditadura do “macho”. Considerando que a conformidade com os
ideais da masculinidade hegemônica (ser macho) ocupa a posição superior entre os
critérios que pervagam a busca por parceiros em potencial online entre homens que
buscam por relações homodesejantes, basta que o negro apresente certas
características socialmente associadas ao ideal de masculinidade hegemônica para
ocupar um lugar no “mercado” homodesejante mediado digitalmente. Para tanto, “ O
negro no aplicativo tem que ser ativo e dotado” (sic), pois ao apresentar
características socialmente atreladas à masculinidade hegemônica, corrobora com o
ideal: “ Pareça heterossexual, mesmo que não seja”. Isso se evidencia na profusão
de perfis de usuários negros que disponibilizam nomes de perfil associando a cor da
142

pele ao papel sexual ativo ou tamanho do pênis, como por exemplo: “NegãoAtv” e
“NegoDotado”, pois desta forma se elevam do abjeto ao campo do desejo.

Depreende-se, portanto, que apesar da interferência de diferentes


intersecções como papel sexual, classe social, idade e raça na dinâmica das
relações homodesejantes mediadas digitalmente, é nítido que a expressão de
gênero ocupa a posição superior entre os diferentes “critérios de seleção” do
parceiro em potencial vigentes entre homens que buscam por relações
homodesejantes. Aponta-se, nesse sentido, que apesar de ocupar a posição de
subalterno em hierarquias e relações de poder sociais, raciais e etárias, o
enquadramento nos ideais de masculinidade hegemônica pode elevar o usuário do
alugar do abjeto para o apogeu do “mercado” homodesejante mediado digitalmente.
Para tanto, basta que os usuários se apresentem lançando mão de expressões
como “macho”, “não sou afeminado”, “discreto”, “ativo”, “fora do meio”, “dotado”, pois
para que sejam desejados ou “vendam sua imagem” no “mercado” das relações
homodesejantes mediadas digitalmente, devem carregar o lema: “Pareça
heterossexual, mesmo que não seja! ”

7.4 “ O SHOPPING DA CARNE: QUE CORPOS SE VENDEM E QUE CORPOS SE


DESCARTAM? ”

Um rápido acesso a plataformas digitais baseadas na localização como o


Grindr gera a sensação de estar diante de uma loja virtual, sobretudo devido à
semelhança no design e nas ferramentas disponíveis e à supremacia do campo
imagético sobre o textual. Aplicativos como o Grindr, todavia, são voltados ao
encontro de parceiros eróticos, sexuais ou amorosos em potencial os quais passam
a exercer tanto o papel de “consumidores” quanto o papel de “produtos”, levando em
consideração a lógica mercadológica que permeia as relações homodesejantes
mediadas por mídias digitais desse tipo.

Ressalta-se, nesse sentido, que vários entrevistados que faziam uso do


Grindr na zona urbana de Porto Velho, ou teceram comparações entre o aplicativo e
o mercado de alimentos, ou se referiram à plataforma lançado mão de expressões e
terminologias do universo da economia, do marketing e das vendas. Nesse ínterim,
Lucas, 24 anos, ressaltou: “Às vezes é como se fosse o shopping da carne mesmo.
143

Tanto é que as fotos de perfil elas falam muito isso” (sic). Nota-se, além disso, que o
mesmo colaborador compara a plataforma digital a um famoso aplicativo de entrega
de comida a domicílio, como se evidencia a seguir: “Ás vezes você tá com muito
tesão você quer uma coisa rápida, uma coisa naquela hora e você tem aquele
aplicativo nas mãos. É como se fosse um... é como se fosse aquele Ifood” (sic).

Abelardo, 26 anos, por outro lado destacou: “ Porque ali é uma vitrine que as
pessoas veem. Esse eu quero, esse eu não quero, esse eu quero, esse eu não
quero. Por causa disso, disso e daquilo” (sic). Ressalta-se que a comparação do
aplicativo a uma vitrine e a repetição do “esse eu quero, esse eu não quero”
remetem a uma transação de compra e venda dentro de uma loja, seja real ou
virtual. A associação do aplicativo a uma vitrine também se evidenciou no relato de
Théo, 26 anos, conforme se observa a seguir: “Ah, às vezes eu sinto que o
aplicativo, ele é uma vitrine de açougue e que tem ali um pedaço de carne
pendurado e que a pessoa escolhe qual pedaço de carne agrada mais” (sic). Além
disso, Emanuel, 18 anos, também comparou o aplicativo a uma vitrine enquanto
sugeria melhorias na plataforma digital: “Eu acho que pode melhorar colocando
outras categorias dentro do aplicativo, isso pode melhorar muito, menos vitrine de
loja, menos corpinho sarado, mais galera colocando ‘vamos conversar’, me chama
aqui, vamos nos conhecer e tal” (sic).

Por outro lado, ao descrever a dinâmica das relações homodesejantes


mediadas pelo bate-papo UOL- antecessor de aplicativos como o Grindr, Oswald, 36
anos, se referiu repetitivamente aos parceiros em potencial como “produtos”,
conforme se evidencia a seguir:

“Por exemplo, o bate papo UOL a gente conversava com a pessoa que
tinha um perfil e essa pessoa descrevia, né? O seu perfil “ah eu sou alto, eu
tenho um metro e tanto e aquilo, aquilo, aquilo, aquilo, aquilo...” então a
gente tinha que partir para o esforço de acreditar naquilo que a pessoa
estava dizendo, mas eu sempre levava no caso o MSN né? Aí eu tentava
inserir ao MSN o, o, como é que se diz isso? O nick, né? Na época era o
Nick (risos) e dali ver, conferir, de certa maneira entre aspas o produto, né?
Porque de certa maneira, né? Era um produto digamos assim, a gente
inseria para ver o produto” (sic).

Além disso, Oswald se refere às práticas sexuais casuais lançando mão do


termo fast-foda cujo uso é comum entre homens que buscam por relações
homodesejantes online, conforme já apontado por Miskolci (2017). Tal termo é
144

derivado da famosa expressão fast-food utilizada para se referir a refeições rápidas


preparadas por franquias de restaurantes como McDonald´s, evidenciando, portanto,
a lógica mercadológica que permeia as relações homodesejantes aqui abordadas.
Tal lógica também se observou quando Francisco comete um ato falho e se refere
ao “meio LGBTIQA” como “ramo homossexual”, conforme se evidencia a seguir:

Entrevistador: Ok. É, o que fazia você permanecer no aplicativo? O que ele


te trazia de vantagens? Francisco: Ah, conhecer as pessoas, porque eu
não tenho muita prática de sair, então eu não conheço muito as pessoas,
tanto fora do ramo homossexual, como dentro do ramo homossexual e
basicamente é isso. (ENTREVISTA COM FRANCISCO, 19 anos) (Grifos
nossos).

Ao contrário do vocábulo “meio” que é utilizado para se referir a uma região


espacial ou ao centro de um espaço, o termo “ramo” é geralmente utilizado para se
referir a uma especialidade de uma categoria ou atividade profissional a qual
consequentemente gera lucro, como por exemplo: ramo da administração; ramo da
medicina; ramo do comércio, etc. Além disso, a comparação do aplicativo a um
“ramo homossexual” se evidencia nitidamente quando Ricardo, 24 anos, ressaltou:
“Eu acho, pelo menos, super raro ver um rosto no Grindr, é sempre peito, é, é,
perna, é barriga, são músculos, sabe? É gente se vendendo mesmo” (sic).

Observa-se, portanto, que para Ricardo, os usuários que buscam por relações
homodesejantes por meio de plataformas digitais como o Grindr se vendem um para
o outro, pois na lógica mercadológica que ali permeia, todos são ao mesmo tempo
“consumidores” e “produtos”, ou seja “consumidores-produtos”. Considerando que o
“ramo homossexual” de plataformas digitais como o Grindr se trata de um “açougue”,
“shopping da carne”, “ifood” ou uma vitrine virtual na qual os usuários tentam “se
vender” um ao outro, sendo ora “consumidores”, ora “corpos-produtos”, surgem
algumas perguntas: Quais são as características mais almejadas pelos
usuários/consumidores-produtos? Quais corpos-produtos ocupam o topo das vendas
e quais são descartados? Como que os usuários/consumidores-produtos se
publicitam para serem vendidos mais, desejados mais? Qual dicas de marketing
seguem?

Embora se compreenda que todo usuário-consumidor do “ramo homossexual”


do Grindr é desejante, pois está ali em uma busca ativa de um parceiro em potencial
que deseje e faça se sentir desejado, nem todos os usuários-produtos ou corpos-
145

produtos são desejados, uma vez que “aquilo que vende ou não se vende” e “aquilo
que é desejado ou não”, se influencia por imposições do status quo heteronormativo
vigente que permeia as relações homodesejantes como um todo, e as mediadas
online, pormenorizadamente.

Nas subseções anteriores, destacou-se que usuários que “vendem uma


imagem” de “cara macho” que assegura o enquadramento nos ideais da
masculinidade hegemônica e afasta qualquer atributo socialmente associado ao
efeminamento, são concebidos como centro de desejo entre homens que buscam
por relações homodesejantes digitalmente, uma vez que conseguem “parecer
heterossexuais, mesmo que não sejam”. Depreende-se, portanto, que no “shopping
da carne”, a característica mais considerada durante o ato de venda e compra (a
busca pelo parceiro em potencial) é o enquadramento nos ideais da masculinidade
hegemônica. Cabe frisar, nesse ínterim, que a escolha do corpo-produto mais
“macho” engloba necessariamente a exclusão dos corpos-produtos que não sejam
“machos” (efeminados e titulares de masculinidades marginalizadas) da lista de
compras. Faz-se oportuno destacar ainda que o “macho” é mais desejado que o
“efeminado” nesse “ramo homossexual” devido às imposições da matriz
heterossexual que se pautam nas lógicas binárias de gênero e sexualidade
baseadas em relações de poder, no alinhamento (sexo-gênero-orientação afetivo-
sexual) e na propagação do ideal “Pareça heterossexual, mesmo que não seja”.
Afinal das contas, “ sempre foi vendido que o homem deveria ser desse jeito e que
quem procura um homem, deveria procurar um homem desse jeito, entendeu? ”
(Sic) (RICARDO, 24 anos).

Outra característica apreciada nos consumidores-produtos por parte deles


mesmos durante as transações de compra e venda na vitrine do açougue conhecido
como Grindr, é o tipo corporal ou porte físico. Destaca-se, nesse ínterim, que
aqueles que apresentam um corpo “sarado, musculoso e liso” ou atributos físicos
socialmente associados à masculinidade hegemônica, são os consumidores-
produtos mais vendidos (mais desejados) e consequentemente os que mais
conseguem comprar, pois são concomitantemente “consumidores” e “corpos-
produtos”. Destaca-se, nesse sentido, a efervescência de perguntas no espaço
dedicado à troca de mensagens: “Você é sarado? ” “Você malha? ” “Tem foto do
146

corpo aí? ”. Nota-se que todas essas interrogações giram em torno do ideal: “Pareça
heterossexual, mesmo que não seja” pois, o corpo sarado é visto como sinônimo de
“ser macho” concebido como símbolo máximo da heterossexualidade compulsória.

Faz-se mister ressaltar ainda que a manutenção do corpo “sarado, musculoso


e liso” no topo das vendas depende da exclusão dos corpos estranhos que não se
conformam aos ideais de beleza impostos social, midiática e pornograficamente.
Destaca-se, além disso, a popularização da troca de nudes em aplicativos como o
Grindr, uma vez que o tamanho do pênis é outra característica apreciada pelos
consumidores-produtos durante a “compra e venda” de parceiros em potencial. Se
for grande, vende mais.

Além da expressão de gênero e do porte físico, é imprescindível negritar


outras características que são avaliadas pelos consumidores-produtos que fazem
uso do “ifood” de homens que buscam por relações homodesejantes. Nesse sentido,
são analisados, em segundo plano, os critérios:

i) Papel sexual: o consumidor-produto que se apresenta como “ativo” é vendido


mais facilmente que aquele que se apresenta como “passivo”, uma vez que
“penetrar” é socialmente associado ao enquadramento nos ideais da masculinidade
hegemônica vistos como prova suprema de ser “heterossexual”, ou ao menos
parecer que seja. Por outro lado, “ser penetrado” é atrelado ao efeminamento
concebido como sinônimo de não ser “heterossexual”, e é portanto enviadecido e
alocado ao abjeto. No açougue Grindriano, os consumidores-produtos “machos” e
“ativos” são a picanha (tipo de carne mais desejado no mercado brasileiro), ao passo
que os “passivos” e “efeminados” são considerados o resto de carne podre.

ii) Classe social: o consumidor-produto que se apresenta como pertencente às


classes sociais mais abastadas é mais vendido (desejado) que aquele que
demonstre que é “pobre”, uma vez que o “pobre” é alocado ao mesmo alugar de
abjeto ou “resto de carne podre” ocupado pelos efeminados, magros/gordos,
passivos e por aqueles que não são capazes de “parecerem heterossexuais”,
mesmo que não sejam. Afinal das contas, “ninguém quer um gay que ande de
bicicleta” (sic) (OSÉIAS, 30 anos).
147

iii) Idade/Faixa Etária: o consumidor-produto é geralmente mais vendido


(desejado) no ifood dos homens que buscam por relações homodesejantes quanto
mais jovem ele apresenta que seja. A juventude é associada à força e disposição
que são simultaneamente atreladas ao enquadramento nos ideais da masculinidade
hegemônica. Portanto, os consumidores-produtos que se apresentam como “jovens”
ocupam uma posição superior na hierarquia etária semelhante àquelas ocupadas
pela masculinidade e pela heterossexualidade nas lógicas binárias de expressão de
gênero e orientação sexual as quais são perpetuadas historicamente e vigem sobre
as relações homodesejantes mediadas digitalmente. Por outro lado, aqueles que
ultrapassaram a “casa dos 30” são alocados ao mesmo alugar de abjeto ou “resto de
carne podre” ocupado por aqueles que assumem posições subalternas e inferiores
nas hierarquias e relações de poder socialmente instituídas que per si permeiam o
“mercado digital” de homo-desejos.

iv) Raça: o consumidor-produto que se apresenta como negro só é vendido


(desejado) se for dotado, “ativo” e “macho”. Caso contrário, esse consumidor-
produto é arremessado fora da “vitrine do açougue”, uma vez que ocupa a posição
de subalterno tanto nas lógicas binárias de gênero e sexualidade quanto nas
hierarquias raciais historicamente perpetuadas. “Se você ver um negro no aplicativo
que não é dotado e que seja passivo, por exemplo, ele está perdido” (sic) (OSÉIAS,
30 anos).

Evidencia-se, portanto, que a lógica mercadológica vigente no açougue de


homens que buscam por relações homodesejantes online é pervagada pela
propagação sociocultural e histórica de lógicas binárias de gênero e sexualidade e
hierarquias sociais, etárias e raciais baseadas em relações de poder e analógicas às
díades: “normal-anormal”; “superior-inferior”, “gente-resto”7, “um-dois”8, “picanha-
carne podre”. Independentemente das nomenclaturas utilizadas para designar os
lados opostos das díades, ressalta-se que a supremacia daqueles que ocupam a
posição do “normal”/“superior”/ “gente”/ “um”/ “picanha” se perpetua mediante a

7“ Quem está fora do padrão normativo, está sujeito a ser julgado. É como se o que está dentro do
padrão normativo é gente e o resto é resto” (sic) (Théo, 26 anos).
8“ Os machos e fortões botam na mente que eles são ‘um’ e os outros são ‘dois’”(sic) (Emanuel, 18
anos).
148

subalternização daqueles que assumem o alugar do “anormal”/ “inferior”/


“resto”/”dois”/ “carne podre”.

Continuação...
No shopping da carne aqui abordado, o consumidor-produto vendível é
aquele que se apresenta como macho, discreto, fora do meio, sarado, “ativo”, rico,
jovem, branco e “parece heterossexual”, mesmo que não seja, uma vez que ocupa
uma posição privilegiada nas lógicas binárias historicamente perpetuadas que o
elegem não só como a norma/modelo a ser seguido, mas também como a única
possibilidade de ser/existir/desejar/ser desejado como homem. Por outro lado, são
dificilmente vendíveis os consumidores-produtos considerados efeminados,
magros/gordos, “só passivo”, pobres, acima dos 30, negros e que não conseguem
“passar por heterossexuais”, uma vez que são alocados ao abjeto-alugar que une
todos aqueles que ocupam posições subalternas nas hierarquias e relações de
poder socialmente instituídas.

Observa-se, no ifood dos homens que buscam por relações homodesejantes,


que o enquadramento nos ideais de masculinidade hegemônica visto como sinônimo
de “aparência heterossexual” é considerado geralmente o critério principal de
avaliação na busca de parceiros/consumidores-produtos em potencial. Portanto, os
usuários/consumidores-produtos precisam renegar as características socialmente
associadas ao efeminamento e reforçar imagética e discursivamente os atributos
normativos da masculinidade hegemônica- a característica mais vendível (desejada)
no açougue grindriano.

Assim, proliferam, na “vitrine do açougue” perfis com fotos de corpos sarados


e adjetivos como: macho, sarado, liso, puto, safado, ativo, “negãodotado”, pois
quanto mais másculo o consumidor-produtor parecer, mais vendível (desejado) será,
uma vez que mostrar-se “macho” lhe assegura os privilégios exclusivos daqueles
que “parecem heterossexuais, mesmo que não sejam” na dinâmica desejante de
muitos homens que buscam por relações homodesejantes através de aplicativos
como o Grindr.
149

8 CONSIDERAÇÕES FINAIS

Predomina-se, entre os homens que buscam por relações homodesejantes,


tentativas reiteradas de aclamar, erotizar e ressaltar os símbolos dominantes da
masculinidade hegemônica os quais são liderados, no contexto social atual, pelo
protótipo de homem com corpo atlético, forte e musculoso, que per se é concebido
como característica-chave da masculinidade contemporânea, camuflando, na
concepção do imaginário social, qualquer traço ou trejeito feminino visto como
desprezível pelo status quo vigente que permeia as relações homodesejantes
construídas tanto no mundo real como no virtual.

Ser “efeminado”, “ não-sarado“ ou ter qualquer outra característica que


avassala a estrutura ou imagem desse homem titular da masculinidade hegemônica
faz com que o sujeito se torne alvo da exclusão e da aversão. Essas se observaram
nas descrições de perfil selecionadas e nas entrelinhas dos discursos dos
colaboradores dessa pesquisa. Nesse sentido, evidencia-se na plataforma digital
abordada, uma busca frenética por homens que se enquadram no modelo de corpo
e padrão de comportamento socialmente associados ao “homem macho” percebido
pelo status quo vigente como hetero-orientado.

Alia-se a isso, tentativas ensandecidas, por parte de alguns usuários, de se


encaixar nesse modelo de expressão atribuído hegemonicamente à matriz
heterossexual dominante, perpetuando o ideal “Pareça heterossexual, mesmo que
não seja” que pervaga a busca por parceiros em potencial mediada pelo Grindr
concebido por muitos dos entrevistados que fazem uso do mesmo na cidade de
Porto Velho como “açougue”, “shopping da carne” ou “ifood”.

Ainda que Miskolci (2013, 2015, 2017) apontasse que as demandas


intransigentes em relação à masculinidade hegemônica evidenciadas em
plataformas digitais como o Grindr giram amiúde em torno da busca pelo sigilo e
pela discrição necessários para a manutenção da expressão sexual e do desejo em
segredo no fito de evitar retaliações sociais e morais associadas aos desejos homo-
orientados, a investigação aqui desenvolvida abriu novas conjecturas para o
entendimento das imposições dos ideais da masculinidade hegemônica ali vigentes
e a disseminação da abjeção ao efeminamento. Destaca-se, nesse sentido, que a
150

internalização dos discursos machofascistas e efeminofóbicos vigentes, inclusive por


aqueles que se apresentam como efeminados e/ou já assumiram publicamente seus
desejos homo-orientados, aponta que a ditadura do “macho” e do “fora afeminados”
não se pauta apenas na busca pelo sigilo e discrição, mas na concepção do “macho”
que “parece heterossexual” como o modelo a seguir e como a única possibilidade de
ser/existir/desejar/ser desejado como homem.

Ressalta-se, nesse ínterim, que “ser sarado”, “ ser macho” e “ser


heterossexual” são vistos não só como socialmente desejáveis, mas também como
sinônimos. Nesse contexto, só pode ser considerado “homem” quem é viril, pois
para uma sociedade permeada pelo binarismo e pela normatividade, são negadas
aos homens outras formas de performatização de expressões de gênero.

Percebe-se, portanto, um modelo de masculinidade hegemônica vista como


superior a outras formas de expressão de gênero que questionam o binarismo
socialmente imposto e passam a ser marginalizadas e subalternizadas. Tal aversão
é perceptível em descrições de perfil do tipo: “Fora afeminados”; “ Fora Gays”;
“Macho a procura de macho”; “Não tenho saco para menininhas”; “ Não sou nem
curto afeminados”.

Nessa lógica, quem não se enquadra nos padrões impostos pela matriz
heterossexual é arremessado fora do “mercado” virtual de homo-desejos e passa a
ser visto como um turn-off erótico, o que corrobora com as repercussões do status
quo heteronormativo vigente sobre as preferências homodesejantes apontadas por
Richardson (2009). Vale, nesse sentido, ressaltar novamente que a figura do
“afeminado” tem sido historicamente associada à comicidade e jocosidade, ao passo
que a figura do homem viril é associada pela mídia e indústria à força e erotismo.

A estereotipia, exclusão e subalternização macrossocialmente infligidas aos


homens afeminados e outros que põe em xeque as normas impostas pela cultura
patriarcal, misógina e heterofalocêntrica se reproduzem na plataforma digital em
forma de “gostos”. Por isso, proliferam “descrições de perfil” com apologias do tipo:
“Não é preconceito, apenas questão de gosto”; “Nada contra, apenas não curto” ou
“Não curto afeminados. Não me julgue, é culpa do meu pau”.
151

Nesse ínterim, destaca-se que o preconceito e a normatização não se


manifestam apenas nas palavras e atitudes, mas também se imiscuem nas fantasias
e nos desejos sexuais e eróticos. Apesar das diferenças que constituem cada um de
nós como sujeito único e singular, os desejos de muitos corpos falantes absorvem
parte dos preconceitos e estereótipos dominantes que centralizam as relações
homodesejantes na figura idealizada de homens “machos”, ricos e com corpos cujo
padrão ideal é intransigente, mas muda de tempos em tempos. Assim, os desejos se
constituem invisivelmente como excludentes e segregatícios.

Embora se advogue que cada sujeito é livre para desejar o que deseja, faz-se
oportuno destacar que a incursão etnográfica e as entrevistas desenvolvidas no
bojo dessa pesquisa apontam que as relações homodesejantes mediadas pelo
Grindr são permeadas por um ethos que replica as hierarquias e relações de poder
historicamente perpetuadas, enaltece as características/ comportamentos
associados aos ideais da masculinidade hegemônica e aloca aqueles que põe em
xeque os padrões impostos pela matriz heterossexual e pelas lógicas binárias
socialmente instituídas, ao abjeto. Portanto, só “sobrevive” como centro de desejo no
“shopping da carne” ali vigente, aquele que segue e se conforma ao ideal
inalcançável: “ Pareça heterossexual, mesmo que não seja”.

Por fim, faz-se oportuno destacar que o desenvolvimento de pesquisas


futuras é condição sine qua non para um melhor entendimento dos meandros que
permeiam as relações homodesejantes mediadas por aplicativos baseados na
localização como o Grindr os quais devem ser impelidos a lançar campanhas contra
a efeminofobia e outros tipos de preconceito ali vigentes e fomentar mais discussões
acerca da diversidade das expressões e identidades de gênero e as diferenças entre
essas intersecções a fim de assegurar o bem-estar psíquico e a saúde sexual de
todos os usuários.
152

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APÊNDICE A- TERMO DE CONSENTIMENTO LIVRE E ESCLARECIDO (modelo)

O Sr. foi selecionado, e está sendo convidado a participar, como


voluntário, em uma pesquisa intitulada: “DESEJO NO BOLSO: UM OLHAR
PSICANALÌTICO SOBRE AS RELAÇÔES HOMODESEJANTES MEDIADAS PELO
GRINDR”. Após ser esclarecido sobre as informações a seguir, no caso de aceitar
fazer parte do estudo, assine ao final deste documento, que está em duas vias. Uma
delas é sua e a outra é do pesquisador responsável. Em caso de recusa você não
será penalizado de forma alguma.

INFORMAÇÕES SOBRE A PESQUISA:

Título da pesquisa: Desejo no Bolso: Um Olhar Psicanalítico sobre as Relações


Homodesejantes mediadas pelo Grindr.

Pesquisadora responsável: MAHAMOUD BAYDOUN

Telefone: (69) 9240-9629. E-mail: dodi_vib@hotmail.com/


mahamoud.baydoun1990@gmail.com.

Orientadora da pesquisa: Melissa Andréa Vieira de Medeiros

Telefone: (69) 2182-2112 E-mail: melissa@unir.br.

Entidade responsável: Comitê de Ética em Pesquisa da Fundação Universidade


Federal de Rondônia (CEP/UNIR), telefone: (69) 2182-2199 endereço: Campus
José Ribeiro Filho, BR 364, KM 9,5 sentido Rio Branco, CEP 7680-059. Ou via e-
mail cepunir@yahoo.com.br.

1. Natureza da pesquisa:

O Sr. está sendo convidado a participar desta pesquisa que tem


como objetivo levantar considerações acerca das relações homodesejantes
mediadas digitalmente.

2. Envolvimento na pesquisa:

Ao participar deste estudo, o Sr. permitirá que o pesquisador


Mahamoud Baydoun realize algumas entrevistas com o uso de gravador e a sua
166

participação consistirá em responder algumas perguntas voluntariamente e falar


sobre sua experiência com o uso do aplicativo e as relações sexuais e amorosas
mediadas por ele.

3. Sobre a entrevista:

Serão realizadas algumas entrevistas com duração aproximada de


uma hora que consistem em explorar as experiências virtuais e reais vivenciadas
mediante o uso do aplicativo e os diferentes fatores que as influenciam na sua
opinião. A partir das informações coletadas, a pesquisador fará uma leitura
psicanalítica dos aspectos subjetivos das relações homodesejantes mediadas
digitalmente, para que este estudo alcance seus objetivos. Posteriormente, será
realizada uma entrevista de devolução durante a qual o pesquisador lhe mostrará o
conteúdo transcrito da primeira entrevista e compartilhará as ideias que teve para a
análise.

3. Confidencialidade:

Todas as informações coletadas neste estudo são estritamente


confidenciais, sendo preservada sua identidade. Suas respostas serão tratadas de
forma anônima e confidencial fazendo uso de um nome fictício, isto é, em nenhum
momento será divulgado seu nome ou qualquer característica que o identifique.
Somente a pesquisador e a orientadora terão acesso aos dados individuais e as
gravações das sessões de entrevista. Os dados coletados serão utilizados apenas
nesta pesquisa e os resultados divulgados em eventos e/ou revistas científicas.

4. Garantia de acesso:

Em qualquer etapa do estudo, você terá acesso aos profissionais


responsáveis pela pesquisa e também para esclarecimentos de eventuais dúvidas,
sendo o principal o investigador Mahamoud Baydoun, que você poderá entrar em
contato no telefone (69) 9240-9629 ou via e-mail: dodi_vib@hotmail.com ou
mahamoud.baydoun1990@gmail.com. A professora orientadora deste estudo é a
Dra. Melissa Andrea Vieira de Medeiros, disponível no telefone: (69) 2182-2112.

5. Garantia de saída:

Sua participação é voluntária, isto significa que a qualquer momento


você pode recurar-se a responder qualquer pergunta ou desistir de participar e
retirar seu consentimento. Sua recusa não trará prejuízo, independente do motivo ou
de apresentar justificativas.
167

6. Riscos e desconfortos:

A participação nesta pesquisa não traz complicações legais.


Ressaltamos que não há uma previsão quanto aos riscos e desconfortos que a
entrevista pode causar. Porém, destacamos que se alguma pergunta lhe causar
constrangimento, incomodo ou desconforto, pedimos que, por favor, comunique ao
pesquisador para que sejam tomadas as possíveis providências: novas explicações
sobre o projeto; encerramento da entrevista ou troca de horário (caso haja
imprevistos no horário marcado); desistência em participar do estudo, etc.

7. Benefícios:

O Sr. não terá benefícios diretos. Porém, espera-se com o resultado


desta pesquisa levantar novas considerações acerca das nuances subjetivas que
permeiam relações homodesejantes (amorosas, sexuais e eróticas) mediadas
digitalmente e abrir novas conjecturas frente à compreensão dos aspectos sócio-
técnicos que interferem nessas relações e nos desejos, fantasias e sentimentos dos
usuários de aplicativos baseados na localização, como o Grindr.

8. Pagamento ou formas de ressarcimento:

Informo-lhe que o Sr. não terá nenhum tipo de despesa para


participar desta pesquisa, bem como não será fornecido nenhum tipo de pagamento,
pois se trata de uma pesquisa de cunho acadêmico, e a participação dos
colaboradores deve ser voluntária.

9. Direitos:

O Sr. terá os seguintes direitos: a garantia de esclarecimento e


resposta a qualquer pergunta; a liberdade de abandonar a pesquisa a qualquer
momento sem qualquer prejuízo.

Declaramos conhecer e cumprir as resoluções éticas brasileiras, em


especial a Resolução 466/12, a qual incorpora, sob a ótica do indivíduo e das
coletividades, as quatro referências básicas da bioética: autonomia, não
maleficência, beneficência e justiça, as quais visam assegurar os direitos e deveres
que dizem respeito à comunidade científica, aos sujeitos da pesquisa e ao Estado.
Caso tenha alguma dúvida, sobre qualquer informação da pesquisa, você poderá
entrar em contato com o pesquisador Mahamoud Baydoun ou a orientadora Prof.
Dra. Melissa Andrea Vieira de Medeiros.
168

O Sr. receberá uma cópia deste termo onde consta o celular/e-mail


do pesquisador responsável, podendo tirar as suas dúvidas sobre o projeto e sua
participação a qualquer momento. Após estes esclarecimentos, solicitamos o seu
consentimento de forma livre para participar desta pesquisa.

Observação: NÃO ASSINE ESSE TERMO SE AINDA TIVER DÚVIDA A


RESPEITO. DESDE JÁ AGRADECEMOS!

Consentimento Livre e Esclarecido

Eu,_________________________________________________________________
__, após ter recebido todos os esclarecimentos e ciente dos meus direitos, declaro
estar de concordo em participar desta pesquisa, sabendo que dele poderei desistir a
qualquer momento, sem sofrer qualquer punição ou constrangimento, bem como
autorizo a divulgação e a publicação de toda informação por mim transmitida, exceto
dados pessoais, em publicações e eventos de caráter científico. Desta forma, assino
este termo, juntamente com a pesquisadora, em duas vias de igual teor, ficando uma
via sob meu poder e outra em poder do pesquisador.

Local: ____________________________________________Data:___/___/___

________________________________ ______________________________

Assinatura do participante Assinatura da pesquisadora


169

APÊNDICE B-TERMO DE COMPROMISSO DA ORIENTADORA

Eu, Melissa Andréa Vieira de Medeiros, pertencente ao Programa de


Pós-graduação Mestrado em Psicologia da Universidade Federal de Rondônia –
UNIR, na condição de orientadora do projeto de pesquisa intitulado “Desejo no
Bolso: Um Olhar Psicanalítico sobre as Relações Homodesejantes Mediadas
pelo Grindr”, o qual será desenvolvido pelo acadêmico Mahamoud Baydoun,
matriculado sob o nº 201520394, comprometo-me a observar e cumprir as normas
da Resolução 466/2012 do Conselho Nacional de Saúde (CNS) e as resoluções
correlatas em todas as fases da pesquisa, bem como preservar o sigilo e a
privacidade dos sujeitos entrevistados e, ainda, assegurar que as informações serão
utilizadas única e exclusivamente para a execução do projeto em questão e que os
resultados da pesquisa somente serão divulgados de forma anônima, por meio da
apresentação coletiva dos resultados. Destaco que os dados coletados nesta
pesquisa ficarão armazenados em pastas arquivo e computador pessoal, sob a
responsabilidade da aluna/pesquisadora, pelo período estipulado na legislação e
que o projeto será custeado com recursos próprios do orientando, não sendo, por
sua vez, financiado pela instituição a qual estou vinculada. Declaro ainda que a
pesquisa só será iniciada após a avaliação e aprovação do Comitê de Ética em
Pesquisa (CEP) da Fundação Universidade Federal de Rondônia (UNIR).

Porto Velho, _____ de _____________ de 2016.

__________________________________________

Prof.ª Dr.ª Melissa Andréa Vieira de Medeiros

Orientadora
170

APÊNDICE C-TERMO DE COMPROMISSO DO PESQUISADOR

Eu, Mahamoud Baydoun, discente no Programa de Pós-graduação


Mestrado em Psicologia da Universidade Federal de Rondônia - UNIR, regularmente
matriculada sob o nº 201520394, afirmo para os devidos fins que sou o pesquisador
responsável pelo projeto de pesquisa intitulado ““Desejo no Bolso: Um Olhar
Psicanalítico sobre as Relações Homodesejantes Mediadas pelo Grindr” e que
estou sendo orientado pela Prof.ª Dr.ª Melissa Andréa Vieira de Medeiros.
Comprometo-me a observar e cumprir as normas da Resolução 466/2012 do
Conselho Nacional de Saúde e resoluções correlatas em todas as fases da
pesquisa, bem como preservar o sigilo e a privacidade dos sujeitos entrevistados,
assegurar que as informações serão utilizadas única e exclusivamente para a
execução do projeto em questão e que os resultados da pesquisa somente serão
divulgados de forma anônima por meio de apresentação coletiva dos dados.
Destaco que os dados coletados nesta pesquisa ficarão armazenados em pastas e
computador pessoal, sob minha responsabilidade, pelo período mínimo de cinco
anos, conforme Resolução nº 007/2003 do Conselho Federal de Psicologia. Declaro
que o projeto será custeado com meus próprios recursos, não sendo, por sua vez,
financiado pela instituição de ensino a qual estou vinculado. Destaco ainda, que a
pesquisa só será iniciada após a avaliação e aprovação do Comitê de Ética em
Pesquisa (CEP) da Fundação Universidade Federal de Rondônia (UNIR).

Porto Velho, _____ de _____________ de 2016.

________________________________________

Mahamoud Baydoun

Pesquisador Responsável
171

APÊNDICE D- TERMO DE ANUÊNCIA DA INSTITUIÇÃO

Eu, ___________________________________, diretora do Serviço


de Psicologia Aplicada (SPA) da Fundação Universidade Federal de Rondônia
(UNIR) autorizo o mestrando Mahamoud Baydoun a utilizar as salas de atendimento
da Clínica de psicologia da UNIR (SPA/UNIR) localizada na Avenida Presidente
Dutra, 2965- Centro, Porto Velho-Rondônia dentro de horários pré-estipulados para
a realização de entrevistas individuais como parte do projeto de pesquisa “Desejo
no Bolso: Um Olhar Psicanalítico Sobre as Relações Homodesejantes
mediadas pelo Grindr” desenvolvido pelo Mestrado Acadêmico em Psicologia
(MAPSI/UNIR)- Linha 2: Psicologia da Saúde e Processos psicossociais sob a
orientação da Prof. Dra. Melissa Andrea Vieira de Medeiros.

Local: ___________________________________________. Data:___/___/___

_____________________________ _____________________

Assinatura da diretora do SPA/UNIR Assinatura do pesquisador


172

APÊNDICE E- ROTEIRO PARA AS ENTREVISTAS INDIVIDUAIS

APRESENTAÇÃO

Olá! Primeiramente gostaria de agradecer sua disponibilidade de


fazer parte dessa entrevista. Conforme já conversamos no aplicativo, meu nome é
Mahmoud Baydoun. Sou mestrando em Psicologia na Fundação Universidade
Federal de Rondônia (UNIR). Estou desenvolvendo uma pesquisa sobre o uso do
Grindr. O objetivo é analisar como o uso desse aplicativo afeta as relações sexuais e
afetivas entre homens. Por isso, teremos um espaço para falarmos sobre suas
experiências como usuário do aplicativo. Gostaria que você ficasse tranquilo, pois
vamos assinar um documento chamado Termo de Consentimento Livre e
Esclarecido que assegura seu sigilo e privacidade.

Como eu considero muito importante tudo o que for dito na nossa conversa,
gostaria de gravá-la, com sua permissão, mas já adianto que só eu e minha
orientadora teremos acesso ao que foi dito na íntegra, e no meu trabalho final usarei
nomes fictícios. Após a transcrição da entrevista, o arquivo da gravação será
eliminado.

DADOS PESSOAIS

- NOME FICTÍCIO:

- IDADE:

- ESCOLARIDADE:

- PROFISSÃO:
173

- ESTADO CIVIL:

- COM QUEM RESIDE:

- RELIGIÃO:

CONSIGNAS DISPARADORAS

1) O que te levou ao uso do aplicativo?

2) Há quanto tempo você usa o aplicativo?

3) Com que frequencia ?

4) O que te faz permanecer no aplicativo? O que ele traz de vantagens?

5) Você acha que o app supre as suas necessidades.....?

6) Como tem sido usar o aplicativo?

7) Poderia relatar algumas experiências ?

8) Você se autodenomina homossexual?

9) O que o app já te possibilitou e o que ele ainda não te possibilitou?

10) O que mudou na sua vida sexual e amorosa após o uso do app?

11) Algo te incomoda no aplicativo?

12)O que mais te chama atenção no uso do aplicativo?

13)O que mais te atrai nos outros usuários e o que mais te incomoda?
174

APÊNDICE F- COMPROVANTE DE SUBMISSÃO DO PROJETO DE PESQUISA


AO COMITÊ DE ÉTICA EM PESQUISA (CEP)
175

APÊNDICE G- PARECER CONSUBSTANCIADO DO COMITÊ DE ÉTICA EM


PESQUISA (CEP)
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