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® verve nao temer a ruina: a atualidade da revolugao espanhola como pratica libertaria A bistéria é uma invengéo para a qual a realidade formece os elementos Nao é porém, uma invensao arbitraria. Hans Magnus Enzensberger A revolugdo espanhola é um dos mais potentes acontecimentos do século XX. Para os anarquistas, o mais decisivo. A historiografia oficial, pensada sempre a partir do Estado, prefere a Revolusao Russa de 1917, e reconhece no periodo entre 1936 ¢ 1939 na Espanha apenas um ensaio de antecipago, na forma de uma guerra civil, do enfretamento das forgas estatais que se digladiaram na II Guerra Mundial. Rapidamente, as mirfades de experimentagdes radicais realizadas em solo ibérico slo reduzidas ao embate Acts Auguste éperisader no Nu-Sel deuter em Citncias Soins. Deenvoloe LPerguica de Pés-Doutorads com bola CAPES de eitigio doutoral na UV (Universidade de Vila Veba), onde & profesor erednciade no Programa de Pés- Graduate om Soislogia Poitce. Contato edadoalterado@yahon com br. verve, 29: 101-116, 2016 to 29 216 entre a democracia liberal, 0 nazifascismo ascendente ¢ 0 comunismo estalinista. Este tltimo sequestrou e obstruit a luta das forsas em torno do governo popular que assumiu no vero de 1936, ¢ que quase imediatamente teve que enfrentar a sublevagio do exército espanhol contra a Repiiblica liderada, em 18 de julho de 1936, por um patético ‘general militar vindo Marrocos. De fato, vista sob a dtica da cigneia da Histéria e dos aproximadamente 300 anos de existéncia do Estado como organizacio politica moderna, a experiéncia em terras ¢s- panholas, vivida pelos anarquistas, foi um retumbante fra casso, Como anotou conclusivamente o escritor George Woodcock, “nas artes da guerra os anarquistas espanhois fracassaram desgragadamente, e sua organizagio e seus se guidores foram virtualmente destruidos em consequéncia de seu fracasso”', Tratando-se de anarquistas ¢ conside- rando que a guerra é a atividade principal e fundamental do Estado, nio se poderia esperar nada diferente, Passados oitenta anos da experiéncia ibérica, pode-se dizer que ha um volume consideravel de estudos ¢ obras hist6ricas que recontam, analisam ou discutem a revolugio espanhola Desde compilagées de documentos histéricos que procu- ram sublinhar a forga e influéncia dos anarquistas, como os trabalhos de Gaston Leval e Frank Mintz’, até ana- lises pormenorizadas a respeito do funcionamento das organizagoes anarquistas ¢ de trabalhadores, como 0 li- vr0 Organismo econdmico da revolusao? de Sinesio Baudilio Garcia Fernandez, mais conhecido pelo pseudénimo de Diego Abad de Santiliin, e que esteve diretamente envol vido no conflito. No entanto, é outra coisa que se pretende neste artigo ao retomar essa experiéncia que hoje torna-se octogenaria. an verve, 29: 101-116, 2016 verve No temer a ruina A despeito das anilises histéricas © econdmicas para além de suas pretenses em estabelecer causas, anteriores em anilises posteriores, o que mais impressiona € confere atualidade a revolusio espanhola é seu carter de experimentasio singular capaz de abrir caminho para uma diversidade de téticas descontinuas e dispersas de enfretamento da ordem, forjando formas de viver apartadas, do Estado e da organizasio capitalista da produsio e do consumo. Sob o crivo da guerra ¢, portanto, do Estado, foi uum fracasso; sob o erivo da vida vivida por cada anénimo a partir daquele verao de 1936, nao cabe a dicotomia entre vitéria e derrota, fracasso e sucesso. Como revolucio, entra para 0 cabedal de derrotas; como revolta, ela segue como uma experiéncia, junto da Comuna de Paris de 1871, para a qual aqueles que trabalham sobretudo a partir da transformagio de si sempre se voltario. De certa forma, ela pode ser vista segundo 0 que anotou Michel Foucault acerca da revolta: como 0 que insere na histéria a subjetividade, no a dos grandes homens ¢ dos grandes, acontecimentos, mas daqueles que preferem o risco da morte ante a certeza da obediéncia.* Nesse sentido, os relatos mais interessantes da expe- riéncia ibérica encontram-se precisamente nos livros que Jidam com essa presenga infame em meio aos aconteci- mentos revolucionérios. Um deles é 0 relato de um jorna~ lista inglés filiado a um partido comunista de orientasio, leninista que se alista nas brigadas internacionais e desco bre, em meio a luta armada em territério espanhol, tanto a hipocrisia das democracias liberais quanto 0 autoritarismo dda hipotese e das priticas revolucionérias dos comunistas. O livro Homenagem @ Catalunha’, de George Orwell, por se tratar de um relato em primeira pessoa, capta 0 ordiné-

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