Editores deste nimero
Carlinda Fragale Pate Nufiez
Francisco Venceslau dos Santos
Capa
Rembrandt. A Leitora. 1634. gravura: agua-forte, acervo Biblioteca
Nacional
CIP-BRASIL. CATALOGAGAO-NA-FONTE
SINDICATO NACIONAL DOS EDITORES DE LIVROS, RJ.
S874f
Stierle, Karlheinz
A ficgdo / Karlheinz Stierle / tradugéo de Luiz Costa Lima,
(orgs.) Carlinda Fragale Pate Nufiez, Francisco Venceslau dos Santos. Rio de
Janeiro: Caetés, 2006
(Novos cadernos de mestrado ; v.1) 96 p.
Verbete no Diciondrio Enciclopédico Asthetische Grundbegrife, sob a diregao
de Karkheinz Barck, pela J. B. Metzler Verlag, Stuttgart - Weimar
Titulo original: “Die Fiktion”.
ISBN 85-86478-43-1
1. Ficgo. 2. Ficgdo - Histéria e critica. |. Titulo. II. Série
06-2505. CDD 809.3
S874f CDU 82-3.09A FICGAO'
Karlheinz Stierle
Introdugao
Poiesis ¢ fictio sio os conceitos estéticos fundamentais, origina-
trios do pensamento grego e romano, cuja valia, na literatura pertencente
ao circulo cultural europeu, permanece até hoje inalteravel.
Que € ficg’o? A resposta decisiva foi oferecida por Wolfgang
Iser, em Das Fiktive und das Imagindre. Perspektiven literarischer
Anthropologie (1991), ao fazer do ficticio uma categoria basica da com-
Ppreensio antropolégica do homem. Contudo, enquanto no entendimento
tradicional 0 ficticio era tomado como conceito contrario ao real e a
ficg&o como contraria a realidade, Iser vé 0 ficticio como parceiro do
imaginario e a ambos compreende como momentos de transgressio do
real. Em Iser, a triade realidade — ficticio — imagindrio enuncia que o
ficticio se torna um conceito de relagao entre a realidade e o imaginario.
Enquanto 0 imaginario — comparavel a representagao do Ser do existen-
te (Seiend) em Heidegger — € conceitudvel apenas em si mesmo e nao
dispde dc um fundamento compreensivel, de que derivam as
concretiza¢des imaginarias, 0 ficticio é uma instancia da transformagiio
que da ao imaginario sua determinagao e, deste modo, ao mesmo tempo
conduz ao real. O ficticio concretiza-se no ato de fingir, que, simultanea-
' Os organizadores agradecem ao editor Dr. Karlheinz Barck, editor-chefe dos
Asthetischen Grundbegriffe, a autorizagao para tradugao e publicagao deste
verbete, no mbito interno da Pés-Graduagao em Letras da UERJ.mente, provoca a “‘irrealizagao do real ea realizagao (Realwerden) do imagina-
rio” (Iser, W.: 19912, 23 [15]). Mas o proprio ato de fingir resulta das
miultiplas atividades de selegio, combinagio, relacionamento e
“desnudamento”.
Se, na teoria tradicional da ficgao, o ficticio e o imagindrio se
entrelagavam, no modelo triadico de Iser eles se separam. O ficticio se
organiza como texto, mas nele permanece o lugar por principio aberto
do imaginario que 0 proprio ficticio nunca consegue fechar. “Na abertura
indicada, manifesta-se, pela configuragao verbal do texto, a presenga do
imaginario” (idem, 51 [33]). A reflexao de Iser sobre o imaginario procura
escapar daquela concretizagao. O imaginario corre entio 0 risco de se
comparar a “faca sem lamina” de Lichtenberg, a que “falta 0 cabo”>.
Pois se pode pensar um imagindrio subtraido de sua figuragao
imaginativa? Ja 0 estupendo chiste de Lichtenberg indica que também 0
imaginario, para que se mostre como tal, exige o ato de realizagao. Para
se tornar experimentavel, também o nada precisa de figuragao. Mesmo
que seja inconstestavel o que assim se ganha em compreensio, torna-se
aqui visivel o prego a pagar pela dissociacao entre ficticio e imaginario.
Haver uma parceria entre o imaginario experimentado passivamente,
em que submerge a consciéncia, e uma ficgao ativa, em que o imagindrio
sofre sua metamorfose, é uma intuigao essencialmente estrutural de um
fato antropoldgico central. No entanto no se ha de recusar de antemao
que ao imaginario basicamente pertence sua figuragdo. “Porquanto a
propria aparéncia é essencial 4 esséncia, a verdade nao seria caso nao
aparecesse e nao se revelasse”’, Este axioma da Estética hegeliana é
também valido para o imaginario, Isso queria dizer que o imagindrio s6
se atualizava no ficticio. O ficticio nao seria uma disposigao simbélica,
em que fendas e rupturas apresentariam o imagindrio como 0 outro da
ficgao, senao que o ficticio e o imaginario nao se deixariam dissociar. O
ficticio se eleva no imaginario, o imaginario, no ficticio. Isso também
? Wolfgang Iser, Das Fiktive und das Imagindre. Perspektiven literarischer
Anthropolgie (Frankfurt a. M., 1991). [O numero entre colchetes refere-se a
paginagao da tradugao em portugués: O Ficticio e o imagindrio. Perspectivas
de uma antropologia literaria, trad. de Johannes Kretschmer, Universidade
do Estado do Rio de Janeiro: Rio de Janeiro, 1996 (N. do Trad.].
>Georg Christoph Lichtenberg, “Verzeichnis einer Sammlung von Geriitschaften
(...)”, in: Lichtenberg, vol. 3 (Munique, 1972), p. 452.
‘Hegel, Asth, p. 55
10