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IBRACON

Instituto Brasileiro do Concreto


Fundado em 23 de Junho de 1972
“Ciência e Tecnologia para o Desenvolvimento
do Concreto e da Construção Civil”

Materiais de Construção Civil


e Princípios de Ciência e Engenharia de Materiais
3ª Edição - Revista e atualizada

Editor:
Geraldo C. Isaia

Autores
Akemi Ino ⋅ Albenise Laverde ⋅ Ana Paulo Kirchheim ⋅ André Tavares da Cunha Guimarães ⋅ Antonio Anderson da Silva Segantini ⋅ Antonio
Luiz Guerra Gastaldini ⋅ Antonio Paulo Pereira Filho ⋅ Arnaldo Forti Battagin ⋅ Bianca Barros ⋅ Carlito Calil Juniori ⋅ Carlos Pérez Bergmann
⋅ Cícero Murta Diniz Starling ⋅ Claudio Souza Kazmierczak ⋅ Claudio Vicente Mitidieri Filho ⋅ Claudio Vicente Mitidieri Filho ⋅ Daniel Lopes
Garcia ⋅ David de Oliveira Ballesteros ⋅ Denise Carpena Coitinho Dal Molin ⋅ Edna Possan ⋅ Eduardo Rizzatti ⋅ Eduvaldo Paulo Sichieri ⋅ Elton
Bauer ⋅ Enio Pazini Figueiredo ⋅ Ennio Marques Palmeira ⋅ Fabio Domingos Pannoni ⋅ Fernanda Macedo Pereira ⋅ Fernando Antonio Piazza
Recena ⋅ Fernando Ottoboni Pinho ⋅ Fernando Pelisser ⋅ Fernando S. Fonseca ⋅ Francisco Antonio Rocco Lahr ⋅ Geraldo C. Isaia ⋅ Gihad
Mohamad ⋅ Helena Carasek ⋅ Holmer Savastano Jr. ⋅ Humberto Ramos Roman ⋅ Igor Amorim Beja ⋅ Inês Laranjeira da Silva Battagin ⋅ Jairo
José Oliveira Andrade ⋅ Jane Proszek Gorninski ⋅ João Bento Hanai ⋅ João Henrique da Silva Rêgo ⋅ João Luiz Calmon ⋅ Joaquim Pizzutti
dos Santos ⋅ Johann Andrade Ferrareto ⋅ Jorge Augusto Pereira Ceratti ⋅ Jorge Batlouni Neto ⋅ José Camapum de Carvalho ⋅ José Carlos
Pinto da Silva Filho ⋅ José Eduardo Granato ⋅ José Tadeu Balbo ⋅ Kai Loh ⋅ Khosrow Ghavami ⋅ Lázaro Nardy de Magalhães ⋅ Luiz Eduardo
Teixeira Ferreira ⋅ Luiz Eduardo Teixeira Ferreira ⋅ Márcio Muniz de Farias ⋅ Marco Antônio de Morais Alcantara ⋅ Marco Aurelio d’Almeida
Guerra ⋅ Maria Alba Cincotto ⋅ Maria Heloísa Barros de Oliveira Frascá ⋅ Maria Teresa Paulino Aguilar ⋅ Maristela Gomes da Silva ⋅ Mônica
Regina Garcez ⋅ Nicole P. Hasparyk ⋅ Normando Perazzo Barbosa ⋅ Oswaldo Cascudo ⋅ Paulo Helene ⋅ Paulo Henrique C. de O.
Vasconcelos ⋅ Pedro Afonso de Oliveira Almeida ⋅ Philippe J. P. Gleize ⋅ Romário de Souza Lima ⋅ Romson Romagna ⋅ Rosana Caram ⋅
Salomon Mony Levy ⋅ Saulo Rocha Bragança ⋅ Saulo Rocha Bragança ⋅ Sérgio Brazolin ⋅ Sérgio Francisco dos Santos ⋅ Tibério Andrade
⋅ Tibério Andrade ⋅ Vahan Agopyan ⋅ Valdecir Ângelo Quarcioni ⋅ Vanderley M. John ⋅ Vanessa Gomes ⋅ Viviane da Costa Correia ⋅
Wellington Longuini Repette

São Paulo
2017
Materiais de Construção Civil e Princípios de Ciência e Engenharia de Materiais
ed. G. C. Isaia. 3ºed. São Paulo, IBRACON, 2017. Volume1.
Materiais de Construção Civil e Princípios de Ciência e Engenharia de Materiais
ed. G. C. Isaia. 3ºed. São Paulo, IBRACON, 2017. Volume2.
1.745p. 18,6 x 23,3 cm
Inclui referências bibliográficas e aulas em PDF de cada capítulo.

ISBN 978-85-98576-27-5

4. Materiais_arquitetura, engenharia civil e ambiental
Isaia, Geraldo Cechella, ed. III.t.
Materiais de construção. Componentes de construção

CDU nº 691

MATERIAIS DE CONSTRUÇÃO CIVIL


e Princípios de Ciência e Engenharia de Materiais

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objetivo de fornecer informação técnico-científica, mas não de prestar serviços de engenharia ou outros serviços
profissionais. Se tais serviços forem necessários, um profissional competente deve ser contratado.
Sumário
Seção I Introdução
Cap. 01 Introdução ao estudo da Ciência e da Engenharia
dos Materiais na Construção Civil
Geraldo C. Isaia 1
Cap. 02 Qualidade e Desempenho na Construção de edificações habitacionais
Claudio V. Mitidieri Filho, Marco A. d’Almeida Guerra 33
Cap. 03 Normalização na Construção Civil
Inês L. S. Battagin 79
Cap. 04 Materiais de Construção e o Meio Ambiente
Vanderley M. Johnn 114
Cap. 05 Critérios de Projeto para Seleção de Materiais
Jorge Batlouni Neto 155

Seção II Princípios de Ciência dos Materiais


Cap. 06 Arranjos atômicos e Estrutura dos Materiais
Oswaldo Cascudo 172
Cap. 07 Superfícies e Interfaces
Maria T. Paulino Aguiar 206
Cap. 08 Propriedades Físicas e Mecânicas dos Materiais
Jairo J. O. Andrade, Edna Possan 226
Cap. 09 Mecânica da Fratura e Fraturamento do Concreto
Luiz E. T. Ferreira, João Bento de Hanai 260
Cap. 10 Microestrutura dos Materiais Metálicos
Fabio D. Pannoni 302
Cap. 11 Microestrutura dos Materiais Cerâmicos
Oswaldo Cascudo, Helena Carasek, Nicole P. Hasparyk 338
Cap. 12 Microestrutura dos Polímeros
Jane P. Gorninski, Claudio S. Kazmierczak 364
Cap. 13 Corrosão e Degradação dos Materiais
Enio Pazini Figueiredo 385
Cap. 14 Técnicas experimentais para estudo da microestrutura
Denise C. C. Dal Molin, Ana Paula Kirchheim 410

Seção III Rochas e Solos


Cap. 15 Rocha como Material de Construção
Maria H. B. de Oliveira Frascá 452
Cap. 16 Agregados para a Construção Civil
Márcio M. de Farias, Ennio M. Palmeira, Igor A. Beja 495
Cap. 17 Solo como Material de Construção
José Camapum de Carvalho 538
Sumário

Seção IV Materiais Cerâmicos


Cap. 18 Produtos de Cerâmica Vermelha
Claudio de Souza Kazmierczak 575
Cap. 19 Materiais Cerâmicos para acabamentos e aparelhos
Antônio L. G. Gastaldini, Eduvaldo P. Sichieri 598
Cap. 20 Materiais Refratários e Abrasivos
Saulo Roca Bragança, Carlos Pérez Bergmann 626
Cap. 21 Vidros
Eduvaldo P. Sichieri, Rosana Caram, Joaquim P. dos Santos 657

Seção V Aglomerantes Minerais


Cap. 22 Cal na Construção Civil
Maria Alba Cincotto, Valdecir Ângelo Quarcioni, Vanderley M. John 693
Cap. 23 Gesso na Construção Civil
Vanderley M. John, Maria Alba Cincotto 728
Cap. 24 Cimento Portland
Arnaldo F. Battagin, Inês L. S. Battagin 751
Cap. 25 Cimento Portland com Adições Minerais
Maristela G. da Silva, Arnaldo F. Battagin, Vanessa Gomes 783
Cap. 26 Cimentos alternativos e especiais de base mineral e geopolímeros
Wellington L. Repette 832

Seção VI Materiais compósitos cimentícios


Cap. 27 Solo-Cimento e Solo Cal
Antonio A. S. Segantini, Marco A. M. Alcântara 875
Cap. 28 Argamassas
Helena Carasek 912
Cap. 29 Concreto de Cimento Portland
Paulo Helene, Tibério Andrade 960
Cap. 30 Produtos de Cimento Portland
André T. C. Guimarães, Fernando A. P. Recena, Fernanda M. Pereira 996
Cap. 31 Produtos de Fibrocimento
Holmer Savastano Jr., Sérgio F. dos Santos 1034
Cap. 32 Alvenaria Estrutural
 Gihad Mohamad, Humberto R. Roman, Fernando S. Fonseca,
Eduardo Rizzatti, Romson Romagna 1059
Sumário

Seção VII Metais


Cap. 33 Produtos Metálicos não Estruturais
Cícero M. D. Starling 1101
Cap. 34 Produtos Metálicos Estruturais
Fernando O. Pinho, Fabio D. Pannoni 1138
Cap. 35 Produtos de Aço para Estruturas de Concreto, Mistas e de Fundações
 Antônio P. Pereira Filho, David O. Ballesteros, Lázaro N. Magalhães,
Johann A. Ferrareto, Daniel L. Garcia, Bianca Barros 1169

Seção VIII Madeiras


Cap. 36 Madeiras na Construção Civil
Carlito Calil Junior, Francisco A. R. Lahr, Sérgio Brazolin 1215
Cap. 37 Madeira como material estrutural
Pedro A. O. Almeida 1246
Cap. 38 Madeiras para Acabamentos
Akemi Ino, Francisco A. R. Lahr, Albenise Laverde 1266

Seção IX Polímeros
Cap. 39 Propriedades dos Polímeros
Jairo J. O. Andrade, Edna Possan 1287
Cap. 40 Materiais Betuminosos
Jorge Augusto Pereira Ceratti 1313
Cap. 41 Materiais e Produtos Poliméricos
Enio Pazini Figueiredo, João Henrique da Silva Rêgo 1345

Seção X Materiais compósitos de polímeros


Cap. 42 Sistemas de Impermeabilização e Isolamento Térmico
Elton Bauer, Paulo Henrique C. de O. Vasconcelos, José E. Granato 1367
Cap. 43 Concretos Asfálticos
José T. Balbo 1398
Cap. 44 Compósitos de Engenharia de Matriz Polimérica
Luiz C. P. da Silva Filho, Mônica R. Garcez 1428
Cap. 45 Tintas na Construção Civil
Kai Loh 1464
Sumário

Seção XI Materiais sustentáveis


Cap. 46 Terra Crua para Edificações
Normando P. Barbosa, Khosrow Ghavami 1503
Cap. 47 Fibras Vegetais como Material de Construção
 Viviane C. Correia, Sergio F. dos Santos, Vahan Agopyan,
Holmer Savastano Jr. 1535
Cap. 48 Bambu
Khosrow Ghavami, Normando P. Barbosa 1556
Cap. 49 Resíduos Industriais e Agrícolas
João Luiz Calmon 1583
Cap. 50 Materiais Reciclados
Salomon Mony Levy 1623

Seção XII Materiais de Construção Avançados


Cap. 51 A Nanotecnologia nos Materiais de Construção Civil
Philippe J. P. Gleize, Fernando Pelisser 1658
Cap. 52 Materiais de Construção: Perspectivas e desafios futuros
Vanderley M. John, Philippe J. P. Gleize 1685

Apêndice
Índice remissivo de assuntos 1696
Instituto Brasileiro do Concreto

CAPÍTULO 9

Mecânica da Fratura e Fraturamento do Concreto


Luiz Eduardo Teixeira Ferreira
Universidade Federal de Lavras
João Bento de Hanai
Universidade de São Paulo

9.1 Introdução
Sabe-se que, no estudo dos materiais em nível macroscópico, a matéria
pode se apresentar em três estados de agregação: sólido, líquido e gasoso.
Outros tipos de fase, como o estado pastoso ou o plasma, são considerados
de interesse em níveis mais avançados da Física.
No estado sólido, a matéria de um corpo se organiza com forma, volu-
me e posição relativa de suas partículas definidas. Os átomos ou as molé-
culas ficam relativamente próximos e a matéria resiste à deformação, mas
isso não evita que ela ocorra.
Já no estado líquido, a quantidade de matéria e, aproximadamente,
o volume, ficam inalterados, mas a forma do corpo e a posição relativa das
partículas não se mantêm. Sob o enfoque da Mecânica do Contínuo, pode-se
afirmar que a característica essencial de um fluido é a sua incapacidade de
experimentar (no sentido de estar submetido a) tensões de cisalhamento,
quando em condições de repouso (ZIENKIEWICZ; TAYLOR, 1994).
No estado gasoso, apenas a quantidade de matéria se mantém e a for-
ma e o volume variam.
Tratando-se especificamente dos materiais no estado sólido e suas
aplicações na engenharia, interessa conhecer as suas características quan-
to à continuidade, à homogeneidade e à isotropia. Diz-se que um corpo é
contínuo quando não tem cavidades ou espaços vazios de qualquer espécie.
Um corpo é homogêneo quando as propriedades do material são idênticas
em quaisquer pontos. É isotrópico quando as propriedades do material não

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variam conforme a direção ou a orientação. Se alguma propriedade variar,


em relação a um sistema de eixos, deve ser entendida como anisotrópica.
Todavia, a interpretação da continuidade, da homogeneidade e da iso-
tropia de um material fica condicionada à escala de observação, isto é, se
ele está sendo analisado macro ou microscopicamente. Por exemplo, o aço
pode, do ponto de vista macroscópico, ser considerado contínuo, homogê-
neo e isotrópico, mas sabe-se que, na escala microscópica, ele apresenta
heterogeneidades de diversas naturezas. O concreto, por sua vez, também
pode ser tratado como uniforme em diversos tipos de análise, mas, na sua
estrutura interna, ele é um material multifásico – é constituído por pasta de
cimento, agregados e vazios. Cada uma dessas fases, tem suas característi-
cas peculiares, que, no conjunto, influenciam o comportamento mecânico e
a durabilidade do material.
Esta breve menção à natureza da estrutura interna dos materiais
serve para enfatizar a importância dos métodos de análise do comporta-
mento mecânico deles. Tais métodos envolvem conhecimentos sobre a ma-
croestrutura e a microestrutura dos materiais, também abordadas nos
Capítulos de 6 a 12.
No presente capítulo, focam-se especialmente a deformabilidade e o
fraturamento dos materiais de construção civil, com base em fundamentos
da Mecânica dos Sólidos e da Mecânica da Fratura.

9.2 Mecanismos físicos de deformação


Sob o ponto de vista macroscópico, os materiais utilizados na Enge-
nharia são considerados meios contínuos. Sob condições de solicitação ex-
terna, eles se deformam, podendo ou não retomar a sua forma original.
Essa postulação, um tanto quanto familiar, define uma das posições na es-
cala da observação da estrutura e do material que a constitui, ou seja, a
macroescala.
Para estudar os meios contínuos, os engenheiros procuram, primeira-
mente, separar as partes que compõem o sistema contínuo ou subdividir o
meio em pequenos “elementos”, discretizando o problema. Naturalmente,
esse processo de discretização é finito. Caso não fosse, a subdivisão indefini-
da requereria o tratamento matemático do problema pela consideração de
elementos infinitesimais.

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Em seguida, os profissionais da érea procuram estudar e compreender


o comportamento dessas pequenas partes ou elementos para, posteriormen-
te, reagrupá-los de forma a obter uma descrição do comportamento “médio”
global do sistema.
Na Ciência dos Materiais e na Mecânica Experimental, essas peque-
nas partes do meio contínuo, separadas para estudos, são designadas por
elementos representativos.
Teoricamente, as propriedades mecânicas no elemento representati-
vo do material refletem satisfatoriamente as propriedades de todo o meio.
Para que isso ocorra, o elemento deve ser suficientemente pequeno de modo
a evitar mudanças bruscas de comportamento mecânico entre um elemento
e outro, mas deve ser suficientemente grande para poder representar os
microprocessos que ocorrem em sua estrutura elementar. Para ter-se uma
ideia de grandeza, esses volumes representativos são da ordem de 0,1 mm3
para os metais e de 100 mm3 para o concreto (LEMAITRE, 1996).
Com efeito, mecanismos físicos como a deformação e o dano
ocorrem em escalas inferiores, especialmente na nano e nas
microescalas do material.
Os materiais são compostos de átomos que se mantêm agrupados por
ligações que resultam da interação de campos eletromagnéticos (LEMAI-
TRE; CHABOCHE, 2002). O agrupamento desses átomos ocorre de manei-
ra organizada, formando o que se denomina monocristal ou grão. Para um
melhor entendimento do monocristal, pode-se imaginar os átomos ocupan-
do os vértices de um paralelepípedo. Quando um átomo adicional ocupa o
centroide desse paralelepípedo, a estrutura cristalina elementar é denomi-
nada cúbica de corpo centrado (CCC), característica dos materiais com alta
resistência. Usualmente, esses materiais apresentam ruptura frágil.
Por outro lado, os monocristais podem apresentar átomos organizados
nos vértices do paralelepípedo e em cada uma de suas faces, o que resulta
no que se denomina estrutura cúbica de face centrada (CFC). Materiais com
esse tipo de estrutura elementar, usualmente apresentam ruptura dúctil.
Uma terceira categoria de organização atômica é a que se denomina hexa-
gonal compacta (HC), ou hexagonal fechada, na qual os átomos encontram-
se organizados segundo um prisma hexagonal.
A estrutura dos metais, por exemplo, é formada pela repetição de mo-
nocristais, dando origem ao que se denomina estrutura policristalina.

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Muitas vezes, a estrutura cristalina apresenta defeitos de diferentes


naturezas, no que diz respeito à organização dos átomos. Esses defeitos
podem ocorrer em pontos isolados, como, por exemplo, pela ausência de áto-
mos ou em superfícies, como os que se verificam na interface entre duas
fases do material1.
Ocorrem, ainda, em linha, por repetição periódica. Esse tipo de defeito,
de grande importância, é designado discordância. Nesse nível de observa-
ção, ou seja, na microescala, é que se verificam os principais mecanismos de
interesse para a definição do comportamento mecânico dos materiais.
Entende-se por resiliência a propriedade apresentada pelo material
de deformar-se em regime elástico. As deformações elásticas ou resilientes
são resultados da reversão dos movimentos relativos dos átomos, uma vez
cessada a solicitação externa. Do ponto de vista termodinâmico, dentro de
um ciclo completo de carregamento e de descarregamento na fase resiliente,
não ocorre dissipação energética2.
Por outro lado, as deformações irreversíveis resultam de deslocamen-
tos relativos dos átomos, que persistem depois de cessada a solicitação ex-
terna, podendo ocorrer nos grãos do material, internamente (deformações
intragranulares), ou envolver deslocamentos irreversíveis de diversos grãos
(deslocamentos intergranulares). As discordâncias (defeitos em linha) re-
duzem consideravelmente a estabilidade da estrutura cristalina, e a sua
movimentação é a principal causa das deformações permanentes.
Um metal que apresente uma série de discordâncias, quando solici-
tado ao cisalhamento, experimentará uma movimentação dessas discor-
dâncias por deslocamentos das ligações (deslizamentos), que dará origem
a deformações permanentes. Durante essa movimentação, não há ruptura
de qualquer natureza nas ligações atômicas, mas, ao seu final, a estrutura
cristalina estará reorganizada, permanentemente, em outra posição.
Se as solicitações externas continuam a crescer, a densidade das dis-
cordâncias aumenta, aumentando, consequentemente, o número de “barrei-
ras” à movimentação das próprias discordâncias. Assim, para que as discor-
dâncias possam continuar a se movimentar, há a necessidade de aumento
da solicitação externa, o que justifica o comportamento de encruamento do
1
O estudo da estrutura cristalina dos materiais é procedido no Capítulo 6.
2
Informações mais detalhadas sobre as deformações são encontradas no Capítulo 8.

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material. Esse fenômeno ocorre em níveis elevados de deformação plástica


(LEMAITRE; CHABOCHE, 2002).
Outros tipos de deformação, como as que ocorrem no domínio da visco-
plasticidade, também encontram amparo nas teorias de movimentação das
discordâncias. As deformações que ocorrem particularmente no concreto e
materiais assemelhados são abordadas nos próximos itens.

9.3 Conceito de falha e resistência


9.3.1 Mecanismos de falha
Os mecanismos que causam falhas nos materiais têm origens diver-
sas e muitas vezes estão associados à natureza do próprio material ou às
suas condições de utilização. Ainda na discussão relativa à escala crista-
lina, enfatizou-se que as deformações irreversíveis, que têm origens nas
movimentações das discordâncias, ocorrem sem que haja a ruptura das
ligações atômicas.
Entretanto, se a movimentação de uma discordância for impedida por
um microdefeito ou por uma concentração de tensão ao nível microscópi-
co, a movimentação de outra discordância pode ser impedida e, nesse caso,
ocorre a quebra de ligações atômicas. A repetição sucessiva desses impedi-
mentos e rupturas dará origem a um dano, dito elementar, que consiste na
nucleação de uma microfissura.
A perda de coesão entre a matriz e a inclusão, ou a quebra de ligações
intergranulares, são outros exemplos de mecanismos de dano.
Entretanto, os mecanismos de falha ou ruptura são essencialmente
dois: o de ruptura frágil e o de ruptura dúctil.
Na ruptura frágil, os materiais usualmente rompem por clivagem, ou
seja, por separação direta ao longo dos planos cristalográficos, ruptura que
se caracteriza pelo desenvolvimento de deformações plásticas em quantida-
des desprezíveis (vide item 5.1).
Por outro lado, a ruptura dúctil ocorre pela reunião de vazios ou de
microfissuras geradas a partir dos citados danos elementares, dentro de
um processo chamado coalescência. Nesse caso, a ruptura é precedida da
geração de quantidades substanciais de deformações plásticas. O desenvol-

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vimento de ambas as formas de ruptura é sempre favorecido pela existência


de microdefeitos na estrutura do material.
Esses microdefeitos, quer inerentes à estrutura cristalina, quer provo-
cados por danos elementares, são concentradores naturais de tensão, por-
tanto, promotores de danificação progressiva.
No caso dos concretos, a existência de microfissuras e vazios, mesmo
antes da aplicação de quaisquer carregamentos, favorece a ocorrência, na
escala microscópica, de concentração de tensões elevadas, já nos estágios
iniciais de carregamento do elemento estrutural. Nesse caso, com a elevação
dos níveis de carregamento, e consequente aumento das tensões, verifica-se
a perda progressiva de coesão entre a matriz e os agregados, dentro de um
processo de ruptura quase frágil que promove as deformações permanentes
na microestrutura do material.
Esse processo avança com o crescimento da solicitação, causando rup-
turas designadas rupturas de interface, que contornam parcialmente os
agregados graúdos até atingirem a matriz propriamente dita.
Assim, as características de resistência da interface matriz-agrega-
do tornam-se determinantes relativamente à contenção da progressão do
dano. No caso dos concretos de alta resistência (solicitados ao fraturamento
ou à tração), nos quais a qualidade da interface é superior àquela dos con-
cretos convencionais, a microfissuração ocorre também na fase cristalina,
motivando a ruptura de toda a seção dentro de um processo misto em que
prevalece a clivagem dos agregados (ruptura intra e transgranular).
As microfissuras e os vazios, inerentes à estrutura do material ou nele
provocados em virtude da solicitação externa, são sinônimos de desconti-
nuidades e afetam diretamente a sua resistência.

9.3.2 Resistência real, resistência teórica e efeito de escala


De modo geral, os diagramas tensão-deformação utilizados na enge-
nharia não representam com total fidelidade as relações entre tensão e de-
formação e a resistência efetiva do material em todos os pontos da matéria.
Isso ocorre, em primeiro lugar, pelo fato de que tais diagramas são constru-
ídos com base nas dimensões originais do corpo de prova, as quais são conti-
nuamente alteradas durante o ensaio. A rigor, seriam necessárias medidas
de tensão e deformação baseadas nas dimensões a cada instante.

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Em segundo lugar, a resistência de um material guarda relação es-


treita com o grau de integridade da sua estrutura interna. Como já dito, a
integridade da estrutura cristalina governa a deformabilidade do material,
tanto no regime elástico, quanto no plástico.
Com a evolução do processo de dano, a microfissuração torna-se mais
acentuada e, por consequência, aumenta também o número de descontinui-
dades internas no volume do elemento estrutural. A consequência geomé-
trica, em uma dada seção transversal, é traduzida pela redução da seção
útil, do ponto de vista resistente.
Também, duas estruturas similares, como, por exemplo, dois cilindros
construídos com o mesmo material, o primeiro com 10 cm de diâmetro e
20 cm de altura, e o segundo com 15 cm de diâmetro e 30 cm de altura, exter-
namente vinculados do mesmo modo e solicitados à ruptura por compressão
ou por tração uniaxial, deveriam apresentar resistências “idênticas”, isto é,
romper sob os mesmos níveis teóricos de tensão.
Entretanto, isso não se verifica. Em materiais com estruturas cristali-
nas bem definidas, como é o caso dos metais, a probabilidade de ocorrência
de micro defeitos será, muitas vezes, maior no cilindro de maior tamanho.
No caso de materiais cimentícios, a exemplo do concreto e das rochas,
tanto os danos difusos, como os danos localizados, serão diferentes e ocorre-
rá a manifestação de um forte efeito de escala, que se exprime por meio dos
diferentes níveis da tensão de ruptura apresentados em cada caso.
Como o processo de microfissuração é evolutivo, a modificação da capa-
cidade resistente torna-se dependente do nível de danificação do material,
que constitui o componente estrutural. Assim, a resistência real vincula-se,
em última análise, às propriedades de danificação do material e, inevitavel-
mente, à escala estrutural.

9.4 Gênese da fissuração


9.4.1 Processo de acumulação de dano e iniciação da fissuração
Do ponto de vista mecânico, a acumulação do dano ocorre pela geração
sistemática de rupturas das ligações e nucleações sucessivas de microfis-
suras. Muitas vezes, essas rupturas são caracterizadas por simples perda
de coesão entre as diferentes fases do material. No princípio, o processo de

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danificação é estável e caracterizado pela propagação estável das microfis-


suras. Contudo, esse processo é evolutivo e leva a estrutura ao colapso pelas
razões anteriormente expostas.
Como tais descontinuidades microscópicas ocorrem nas regiões mais
tensionadas do sólido, quer no fraturamento frágil, quer no fraturamento
dúctil, os vazios que as caracterizam acabam por se reunir, dando origem a
uma ou mais mesofissuras.
O crescimento individual dessas mesofissuras, ou a ocorrência de um
novo processo de coalescência delas, gera a macrofissura, que é aquela que
se pode detectar visualmente (10-5 m a 10-3m).
A solicitação alternada por tração, ou por tração seguida de compres-
são, constitui outro importante fator de natureza mecânica, responsável
pela acumulação de danos. Mesmo que a flutuação de tensões ocorra abaixo
da tensão de escoamento do material, os defeitos microscópicos, microfissu-
ras e vazios que ocorrem na estrutura cristalina do material, passam a con-
centrar tensões (suficientemente altas), que dão origem a processos locais
de plastificação.
Na macroescala do elemento estrutural, pequenas regiões que apre-
sentem irregularidades, descontinuidades externas ou internas decorrentes
de detalhes mal projetados ou de defeitos de fabricação são regiões poten-
cialmente concentradoras de tensões, as quais podem levar a estrutura à
dano progressivo, à fissuração e ao colapso.
Por outro lado, a acumulação de danos não se dá única e exclusivamen-
te por razões de ordem mecânica ou geométrica. Outros processos importan-
tes de acumulação de danos são os processos assistidos pelo meio. Dentre
eles, destacam-se o de fragilização dos metais pela presença de hidrogênio
e o processo de corrosão.
A conjugação de fatores mecânicos e químicos, como o fenômeno da cor-
rosão sob tensão, constitui uma terceira classe de processo de acumulação de
danos. Este último é de grande importância na engenharia estrutural, espe-
cialmente no caso de obras protendidas sujeitas à ação agressiva do meio.

9.4.2 Propagação de fissuras em elementos estruturais


A propagação de fissuras em elementos estruturais ocorre, fundamen-
talmente, por intensificação de tensões acima da resistência ao fraturamen-

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to do material. As tensões responsáveis pelo crescimento das fissuras, que,


muitas vezes, levam ao colapso estrutural, podem ter origens em solicita-
ções diretas, como a aplicação de carregamentos ao elemento estrutural, ou
podem decorrer de deslocamentos impostos, a exemplo dos recalques dife-
renciais ou, ainda, das deformações termo elásticas. Por outro lado, fatores
como a fragilização química atuam no sentido de mudar o regime de ruptu-
ra do material, modificando, consequentemente, as suas características de
resistência ao fraturamento. Essa mudança de regime pode levar à instabi-
lidade, como, por exemplo, uma fissura inicialmente estável.
A propagação de fissuras pode ocorrer sob diferentes regimes. O cres-
cimento subcrítico ou estável subentende o crescimento da solicitação ex-
terna, para que haja um avanço adicional da fissura. Cessada a carga, a
fissura permanece estável na nova posição.
Esse tipo de crescimento é usualmente verificado em materiais de
comportamento dúctil ou em elementos estruturais que apresentem eleva-
dos níveis de plastificação na região à frente da ponta da fissura, a exemplo
de elementos metálicos delgados e das chapas finas. Ocorre também no con-
creto, nas argamassas e rochas, uma vez ultrapassado o “limite de elastici-
dade” e antes que se atinja a carga crítica que leva o elemento à ruína.
O crescimento instável da fissura é aquele que se verifica uma vez atin-
gida a carga crítica, ou a carga de colapso. É característico nos materiais
de ruptura frágil, que usualmente rompem sem apresentar plastificação
apreciável. Os diferentes regimes de propagação da fissura são abordados
com mais detalhes ao longo deste capítulo.

9.4.3 Limitações da Mecânica do Dano e da Mecânica da Fratura


Na realidade, a Mecânica do Dano e a Mecânica da Fratura são ciên-
cias que se complementam. A Mecânica do Dano preocupa-se com o proces-
so de danificação do material, desde a sua condição de absoluta integridade
até o grau máximo de degradação, caracterizado pela nucleação de uma fis-
sura discreta no material. Portanto, a formação ou iniciação de uma fissura
é explicada pela Mecânica do Dano.
Por outro lado, a Mecânica da Fratura lida com a verificação da estabili-
dade de uma fissura pré-existente em um meio não degradado por mecanismos
de dano, assim como com a instabilidade dessa fissura até o colapso estrutural.

Livro Materiais na Construção Civil 9


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Dessa maneira, tudo faz indicar que o divisor de águas entre esses dois
ramos da Ciência é, de fato, a localização da deformação.

9.5 Mecânica da Fratura


Definida por Kanninen (1985) como um tópico da Engenharia funda-
mentado na Mecânica Aplicada e na Ciência dos Materiais, a Mecânica da
Fratura ganhou impulso como ramo da Engenharia Estrutural somente há
algumas décadas, motivada pela necessidade de interpretação de acidentes
catastróficos que envolveram obras de Engenharia.
Quando o foco do estudo se refere à integridade estrutural, esse ramo
da Mecânica contribui para a análise da formação, propagação e arresta-
mento3 das fissuras, com vistas ao desempenho adequado dos materiais e
estruturas. Em outras situações, os conhecimentos podem ser aplicados na
formação e propagação intencional e controlada de fissuras, a exemplo do
fraturamento hidráulico em rochas destinado à estimulação de produtivida-
de em reservatórios de petróleo.
Broek (1986) observa que estruturas construídas com materiais de alta
resistência normalmente apresentam baixa resistência ao fraturamento,
podendo romper em níveis de tensão muito abaixo daqueles para os quais
foram projetadas. Segundo o autor, a ocorrência de fraturamento a baixos
níveis de tensão em estruturas construídas com esses materiais induziu o
desenvolvimento da Mecânica da Fratura como disciplina da Engenharia
Estrutural.
Em contínuo desenvolvimento, a Mecânica da Fratura faz parte da
base dos fundamentos do projeto estrutural, de modo a complementar os
critérios de resistência utilizados, uma vez que interessa à Engenharia o
conhecimento do processo de formação das fissuras, de forma a preveni-las
ou, eventualmente, a produzi-las intencionalmente.
Uma vez que as falhas ou fissuras são inevitáveis nos materiais, do
ponto de vista prático, as obras da Engenharia devem ser necessariamente
avaliadas quanto à sua segurança e vida útil, especialmente sob os enfoques
da preservação e da conservação, que são premissas essenciais do mundo
moderno. A Mecânica da Fratura oferece técnicas eficientes para a avalia-

3
Entende-se por arrestamento, o impedimento da propagação da fissura.

10 Livro Materiais na Construção Civil


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ção da Tolerância de Dano, com base no conhecimento prévio de parâmetros


resistentes associados à fissuração e ao colapso do material.
Os tópicos a seguir apresentados têm por principal objetivo a apresen-
tação dos principais conceitos relativos à Mecânica da Fratura, guardando,
no entanto, características de um texto introdutório.

9.5.1 Considerações sobre o fraturamento de materiais frágeis


De modo geral, a formulação da Mecânica da Fratura Elástico-Linear
(MFEL) é aplicável à análise de materiais que apresentam ruptura frágil e
que usualmente rompem por clivagem. A clivagem é a forma mais frágil de
fraturamento que pode ocorrer em materiais cristalinos. Nos metais, ocorre
por separação direta ao longo dos planos cristalográficos, devido à ruptura
das ligações atômicas4.
Sob condições normais de solicitação ao fraturamento, nos materiais
frágeis, a dissipação energética envolvida com a plastificação do material é
nula ou desprezível, e o crescimento da fissura usualmente é instável. Isso
quer dizer que, uma vez iniciada, a fissura propaga-se sem que haja neces-
sidade de aumento do carregamento externo, o que é sinônimo de colapso
catastrófico.
Esse tipo de ruptura é usual nos materiais com estruturas cristali-
nas cúbicas de corpo centrado, como o tungstênio, o molibdênio e o cromo,
que se caracterizam pela sua elevada resistência. É comum também entre
materiais com estruturas cristalinas hexagonais compactas, como o zinco,
o berílio e o magnésio. Muitos aços de alta resistência utilizados na cons-
trução civil também apresentam ruptura frágil, requerendo, assim, atenção
especial no que diz respeito à sua utilização.
Da mesma maneira, diversos materiais compósitos, a exemplo dos con-
cretos de alta resistência, apresentam regimes de ruptura muito próximos
ao da fragilidade quando solicitados ao fraturamento. A ruptura por propa-
gação de fissura, nesse caso, é majoritariamente transgranular, o que, de
certa forma, justifica a baixíssima quantidade de crescimento subcrítico da
fissura, que se verifica antes da ruptura.

4
Para mais informações sobre os regimes de ruptura dos materiais, sugere-se uma consulta ao
Capítulo 6.

Livro Materiais na Construção Civil 11


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Outro caso de interesse é o fenômeno denominado transição dúctil-


frágil que ocorre com determinados aços de comportamento dúctil. Esses
materiais, se submetidos a diminuições bruscas de temperatura, passam a
romper de maneira frágil (FERREIRA, 2015).

9.5.2 Modos de solicitação ao faturamento


Os modos de solicitação ao fraturamento são diferenciados de acordo
com os deslocamentos relativos das faces da fissura, produzidos pelas so-
licitações externas (pontos A e A’, Figura 1). Os três diferentes modos de
solicitação ao fraturamento, caracterizados pelas componentes de desloca-
mento, u, v e w, que se associam respectivamente aos eixos ortogonais x, y
e z apresentados na Figura 1, são:
■ Modo I, modo de abertura (u=0; v≠0; w=0);
■ Modo II, modo de escorregamento ou de cisalhamento plano
(u≠0; v=0; w=0);
■ Modo III, modo de rasgamento ou de cisalhamento antiplano
(u=0; v=0; w≠0).

Figura 1 – Modos de solicitação ao fraturamento: Modo I (A), Modo II (B) e Modo III (C).

(a) (b) (c)

No entanto, na prática, os sólidos e os elementos estruturais fissura-


dos são usualmente solicitados ao fraturamento em circunstâncias em que
os diferentes modos ocorrem simultaneamente. A combinação (ou intera-
ção) de modos e intensidade de cada um deles determinará, dentre outras
coisas, a trajetória da fissura até o colapso estrutural.

12 Livro Materiais na Construção Civil


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9.5.3 Campo de tensão à frente da ponta de uma fissura


As regiões de descontinuidade em um sólido deformado, usualmente,
provocam aumentos rápidos dos níveis de tensão. Esse é o caso, por exem-
plo, de um simples furo em uma placa tensionada. Em regiões situadas na
periferia desse furo, as tensões atingem valores três vezes maiores do que
aquele da tensão aplicada.
Ao abaular-se o furo, dando-lhe o formato de uma elipse, a concen-
tração de tensões crescerá substancialmente, e as tensões resultantes se-
rão amplificadas, relativamente à tensão aplicada, de um fator igual a
(1 + 2a/b), em que a e b são os semieixos, maior e menor da elipse. Essas
situações são ilustradas na Figura 2.

Figura 2 – Concentrações de placas de grandes dimensões com furos circular (a) e elíptico (b).

(a) (b)

Numa situação real, em que b é praticamente nulo, ocorre o que se de-


nomina configuração de fissura. Nesse caso, a relação a/b tende ao infinito
e, matematicamente, a tensão também tenderá a crescer infinitamente, ou
seja, a tornar-se singular. A Figura 3 ilustra esquematicamente a distri-
buição de tensões à frente da ponta de uma fissura de extensão 2a, em uma
chapa de dimensões “infinitas”, solicitada biaxialmente por tensões remo-
tas, s. Esse caso clássico é denominado “problema de Griffith”, em homena-
gem ao precursor da Mecânica da Fratura5.

5
GRIFFITH, A. A. The phenomena of rupture and flow in solids. Philosophical Transactions
of the Royal Society of London, series A, v. 221, p. 163-198, mar. 1920.

Livro Materiais na Construção Civil 13


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Figura 3 – Diagrama de distribuição de tensões à frente da ponta da uma fissura interna.

A presença da singularidade na ponta da fissura afeta diretamente os


campos de tensão e de deformação à sua frente, de tal modo que a determi-
nação analítica do estado de tensão, em um dado ponto nessa região, requer
considerações especializadas.
De maneira geral, nos problemas planos de elasticidade linear, a ques-
tão central é encontrar uma função de tensão de Airy (F), que satisfaça à
equação bi harmônica:

(1)

Para a solução do problema de Griffith, adota-se uma função de vari-
áveis complexas (UNGER, 1995) que satisfaz também às condições de con-
torno estabelecidas no problema. Assim, todas as componentes de tensão,
em qualquer ponto próximo à ponta da fissura, ficam determinadas em fun-
ção da distância r e do ângulo q (Figura 3). Para o Modo I de solicitação ao
fraturamento, as tensões são dadas por:

(2)

14 Livro Materiais na Construção Civil


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(3)

(4)

Nas equações anteriores, a variável KI recebe o nome de Fator de In-


tensidade de Tensão para o Modo I de fraturamento, que representa a “am-
plitude” da singularidade de tensão na ponta da fissura. Em outras pala-
vras, o Fator de Intensidade de Tensão, KI, pode ser entendido como o fator
que associa o campo de tensão à frente da ponta da fissura com a singulari-
dade. No caso geral, escreve-se:

(5)

Uma vez conhecido o tensor de tensão para o modo de fraturamento
de interesse, as tensões principais podem ser calculadas em conformidade
com as equações clássicas da resistência dos materiais. Para o caso plano
tem-se:

(6)

(7)

A Figura 4 ilustra a distribuição das tensões sxx, syy e sxy, além das ten-
sões principais s1, s2 e tmáx para o Modo I de abertura. Para tanto, adotou-se
KI = 100 daN.cm-1,5 e a distância r= 1.00 cm à frente da ponta da fissura. As
tensões apresentadas são expressas em daN/cm2 (FERREIRA, 2015).

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Figura 4 – Gráfico da distribuição de tensões na região à frente da ponta da fissura


(caso bidimensional).

Para o Modo II de fraturamento, o estado de tensão em um ponto ge-


nérico é determinado pelas equações:

(8)

(9)

(10)

O estado de tensão para o Modo III de fraturamento é dado por:

(11)

16 Livro Materiais na Construção Civil


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(12)

Nesse caso, sx= sy= sz= txy= 0.
Observa-se, finalmente, que os Fatores de Intensidade de Tensão de-
pendem das dimensões do sólido fissurado, das condições de contorno do
problema (tipo/forma do carregamento e vinculação externa) e da extensão
da própria fissura (BROEK, 1986). Para o Modo I, por exemplo, tem-se que:

(13)

em que s é a tensão externamente aplicada, a é a extensão da fissura e
W é uma dimensão significativa do sólido fissurado. A função adimensional
de dependência geométrica e de condições de contorno f(a;W) é usualmente
determinada para geometrias específicas utilizando-se técnicas numéricas,
como os métodos dos elementos finitos ou dos elementos de contorno. Para
as geometrias comuns submetidas a carregamentos usuais, as funções de
dependência são facilmente encontradas na literatura.
Seja, por exemplo, uma viga bi apoiada com base B, altura W e vão S,
solicitada à flexão em três pontos por uma carga P (carga concentrada cen-
tral), que apresenta uma fissura de extensão a no centro do vão. Nesse caso,
a tensão nominal na região central da viga é dada por:

(14)

A profundidade da fissura, a, normalizada relativamente à altura W
da viga, é a=a/W. A altura W é a dimensão significativa do sólido fissura-
do, uma vez que (W-a) define o que se denomina ligamento, ou seja, a ex-
tensão que ainda está sujeita à fissuração. Combinando as Equações 13 e
14 tem-se:

(15)

Para a determinação do fator de intensidade de tensão, a função f(a)
deve ser calculada para a relação S/W particularmente analisada, uma vez

Livro Materiais na Construção Civil 17


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que KI é uma grandeza que depende da geometria. Para tanto, utiliza-se a


Equação 16 juntamente com os coeficientes computados pelos autores por
meio do método dos elementos finitos (WAWRZYNEK; INGRAFFEA, 1987),
apresentados na Tabela 1 (FERREIRA; HANAI; BITTENCOURT, 2008):

(16)

Tabela 1 – Coeficientes para a função adimensional de dependência, f(a).

O cálculo da função f(a) para relações S/W intermediárias, por exem-


plo, S/W =4, pode ser procedido por meio de interpolações lineares entre
dois valores (S/W=3 e 6), ou quadráticas, entre valores próximos (2, 3 e 6 ou
3, 6 e 9).

9.5.4 Critério de estabilidade da fissura e tenacidade ao


fraturamento
Em uma estrutura previamente fissurada, ao elevar-se o nível da soli-
citação externa ao fraturamento no Modo I, por exemplo, o Fator de Inten-
sidade de Tensão, KI, cresce proporcionalmente.
Para um material de resposta linear-elástica ao fraturamento, o cres-
cimento de KI ocorrerá até que se atinja um nível crítico, a partir do qual
a fissura passa a propagar de maneira instável, isto é, sem que haja cres-
cimento da solicitação externa. Nesse caso, tem-se uma situação limite de
resistência, ou seja:
KI = KIC (17)

em que KIC é a tenacidade ao fraturamento do material. O subscrito C tem


o significado de crítico.

18 Livro Materiais na Construção Civil


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Entende-se por tenacidade ao fraturamento a propriedade que o ma-


terial apresenta de absorver e dissipar energia antes e durante o processo
de fraturamento.
Pode ser igualmente entendida como a propriedade apresentada pelo
material de resistir ao avanço da fissura.
Assim, a Equação 17 representa um critério de estabilidade que é am-
plamente utilizado em atividades de projeto. Analisando-se dimensional-
mente a Equação 13 para KI (e, consequentemente, KIC) e observando que a
função f(a) é adimensional, tem-se:
⎡F ⎤
⎡ K ⎤ = ⎢⎣ ⎥⎦ ⎡ L ⎤ = ⎡ F ⎤ ⎡ L ⎤ 2
−3

⎢⎣ I ⎥⎦ ⎢ ⎥ ⎢ ⎥⎢ ⎥ (18)
⎡ L⎤ ⎣ ⎦ ⎣ ⎦ ⎣ ⎦
2

⎣⎢ ⎦⎥
Para a utilização de unidades de medida do S.I., resulta da equação
anterior:

−3
K I = Pa m = Nm 2

Entretanto, as unidades usuais para KI e KIC são MPa , MPa ,


kN m-3/2 e daN cm-3/2, dando-se preferência à primeira e última formas para
concretos, argamassas, rochas e outros materiais menos resistentes, e à
segunda, para materiais metálicos. A Tabela 2 reúne valores típicos de KIC
para alguns materiais.

Tabela 2 – Valores típicos de tenacidade ao fraturamento, para materiais de


diferentes naturezas.

Livro Materiais na Construção Civil 19


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9.5.5 Campo de deslocamento à frente da ponta da fissura


O campo de deslocamento para o Modo I de fraturamento (abertura)
pode ser determinado pelas expressões que seguem (Broek,1986):

K I ⎡⎢ r θ ⎛⎜ ⎞⎤
2 θ ⎟⎥
u= ⎢ cos ⎜1− 2ν '+ sen ⎟⎟⎥ (19)
G ⎢ 2π 2 ⎜⎜⎝ 2 ⎟⎠⎥
⎣ ⎦

K I ⎡⎢ r θ ⎛⎜ ⎞⎤
2 θ ⎟⎥
v= ⎢ sen ⎜ 2− 2ν '− cos ⎟⎟⎥ (20)
G ⎢ 2π 2 ⎜⎜⎝ 2 ⎟⎠⎥
⎣ ⎦

em que u e v são as componentes de deslocamento nas direções x e y, res-


pectivamente; G é o módulo de elasticidade transversal do material, e n’ o
coeficiente de Poisson. O campo de deslocamento para o Modo II de fratura-
mento (cisalhamento plano) é dado pelas equações:

K II ⎡⎢ r θ ⎛⎜ ⎞⎤
2 θ ⎟⎥
u= ⎢ sen ⎜ 2− 2ν '+ cos ⎟⎟⎥ (21)
G ⎢ 2π 2 ⎜⎜⎝ 2 ⎟⎠⎥
⎣ ⎦

K I ⎡⎢ r θ ⎛⎜ ⎞⎤
2 θ ⎟⎥
v= ⎢ cos ⎜−1 + 2ν '+ sen ⎟⎟⎥ (22)
G ⎢ 2π 2 ⎜⎜⎝ 2 ⎟⎠⎥
⎣ ⎦

Para análises em estado plano de deformação, n’= n. No caso de estado


plano de tensão, adota-se n’=n/(1+n).
Para o Modo III de fraturamento (cisalhamento antiplano), tem-se:

K III ⎡⎢ 2r ⎤
θ⎥
w= ⎢ sen ⎥ (23)
G ⎢ π 2⎥
⎣ ⎦

As últimas cinco equações são úteis para a simulação do processo de fratu-


ramento pelos métodos dos elementos finitos e dos elementos de contorno,
uma vez que permitem o cálculo de KI, KII e KIII, assim como o ângulo q que
define a trajetória da fissura. Para tanto, são utilizados os deslocamentos
nodais (u, v e w) que resultam das soluções numéricas.

20 Livro Materiais na Construção Civil


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9.5.6 Taxas críticas de liberação de energia


Até o presente, os parâmetros de fraturamento foram abordados em
termos locais, isto é, pela análise dos fatores de intensidade de tensão para
os diversos modos de solicitação à fratura. Por outro lado, um sólido que
apresente uma fissura pode ser analisado a partir do seu comportamento
global. Nesse caso, o sólido é estudado relativamente à variação da sua fle-
xibilidade durante o processo de propagação da fissura, utilizando-se técni-
cas que se fundamentam em princípios energéticos.
Suponha-se um sólido (não fissurado) deformado e em equilíbrio, su-
jeito à ação de um conjunto de ações externas. O equilíbrio pode ser escrito
na forma:
F = U (24)

em que F é trabalho realizado pelas forças externas, e U a energia potencial


elástica ou energia de deformação acumulada no sólido.
No caso de um sólido deformado em equilíbrio, que apresente uma fis-
sura de extensão inicial a, o crescimento desta fissura somente ocorrerá se a
energia necessária para formar uma fissura adicional de extensão da puder
ser liberada pelo sistema. Por outro lado, a condição necessária para que o
sólido permaneça em equilíbrio durante a propagação adicional e estável,
de extensão infinitesimal ∂a, é que a primeira derivada (taxa de variação)
da energia potencial elástica total, P, relativamente à extensão a da fissura
seja nula (SHAH; SWARTZ; OUYANG, 1995). Nesse caso, o equilíbrio pode
ser escrito na forma:

F = U + W (25)

em que F é o trabalho realizado pelas forças externas, U a energia poten-


cial elástica e W a energia requerida para a propagação estável da fissu-
ra. Entende-se por propagação estável da fissura o crescimento da fissura
necessariamente associado ao aumento da solicitação externa. Em outras
palavras, uma vez cessado o aumento da solicitação, cessa também o cresci-
mento da fissura. O potencial energético, nesse caso, é dado por:

Π =U − F +W (26)

Livro Materiais na Construção Civil 21


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A condição para que o crescimento da fissura seja estável, será:

∂Π ∂
=
∂a ∂a
(
U − F +W = 0 ) (27)

e
∂ ∂W
∂a
(
F −U = )
∂a
(28)

que é a condição para o equilíbrio energético. O primeiro membro da equa-


ção anterior, designado por G, é a parcela que solicita ao fraturamento, e
o segundo, a sua contraparte resistente, R. Para um sólido deformado, de
espessura B, solicitado por uma força P que, por sua vez, produz um deslo-
camento v, tem-se:

1 ∂

G= ⋅
B ∂a
(
F −U

) (29)

que é a Taxa de Liberação de Energia. Considerando-se o deslocamento


v produzido pela carga ao realizar o trabalho, a equação anterior pode ser
rescrita na forma:

1 ∂ 1 ⎛ ∂v ∂U ⎞⎟
G=
B ∂a
( )
F −U = ⎜⎜⎜ P − ⎟⎟
B ⎜⎝ ∂a ∂a ⎟⎠
(30)

Considerando também o conceito de flexibilidade, C = v/P ou v = C.P,


tem-se que:

1 1 (31)
U= Pv = C P 2
2 2
e
∂ν ∂ ∂P ∂C
= (C P ) = C +P (32)
∂a ∂a ∂a ∂a

Com o equacionamento anterior, as duas diferentes maneiras de soli-


citação ao fraturamento (por meio de forças aplicadas ou de deslocamentos
aplicados) podem ser estudadas separadamente. No caso de força constante
aplicada, tem-se:

22 Livro Materiais na Construção Civil


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1 ⎛⎜ ∂v ∂U ⎞⎟ 1 ⎛⎜ ⎛⎜ ∂P ∂C ⎞⎟ 1 ⎛⎜ ∂P ⎞⎞
2 ∂C ⎟⎟
G= ⎜⎜ P − ⎟⎟ = ⎜⎜ P ⎜C + P ⎟⎟ − ⎜2CP + P ⎟⎟⎟⎟ (33)
B ⎜⎝ ∂a ∂a ⎟⎠ B ⎜⎝ ⎜⎜⎝ ∂a ∂a ⎟⎠ 2 ⎜⎜⎝ ∂a ∂a ⎟⎠⎟⎟⎠

Sendo P constante, decorre que ∂P/∂a = 0 e:

P 2 ∂C
G= (34)
2B ∂a
Da mesma maneira, pode-se escrever que:

1 ⎛⎜ ∂v ⎞⎟ 1 ⎛⎜ ∂U ⎞⎟
G= ⎜P ⎟⎟ = ⎜ ⎟⎟ (35)
2B ⎜⎜⎝ ∂a ⎟⎠ B ⎜⎜⎝ ∂a ⎟⎠

No caso de deslocamento constante aplicado, tem-se v constante e


∂v/∂a = 0 . Procedendo de forma análoga, obtém-se:

1 ∂P 1 ⎛ ∂U ⎞⎟
G =− v = − ⎜⎜⎜ ⎟⎟ (36)
2B ∂a B ⎜⎝ ∂a ⎟⎠

O equacionamento anterior permite concluir que o valor de G é cons-


tante, tanto para carregamentos prescritos como para forças prescritas. É
importante observar que G tem um caráter global (ao contrário de KI), pois
decorre da análise de variação de flexibilidade do corpo (antes e após a pro-
pagação da fissura).
Observa-se que, para um material frágil e de comportamento elástico
-linear, quando a taxa de liberação de energia, G, atinge um valor crítico,
GC, a fissura propaga de maneira instável. Assim, GC é um parâmetro resis-
tente do material, ou seja, uma propriedade mecânica e é conhecido como
Taxa Crítica de Liberação de Energia ou Energia de Fraturamento.
A energia de fraturamento é uma medida da tenacidade ao fratura-
mento do material, portanto, um critério de resistência.
Mesmo que obtidos em análises de diferentes naturezas (local e glo-
bal), o fator de intensidade de tensão K e a taxa de liberação de energia
potencial elástica G são parâmetros de tenacidade que se relacionam.
A relação entre K e G é obtida por meio de análises inversas, nas quais

Livro Materiais na Construção Civil 23


Instituto Brasileiro do Concreto

se procura determinar a energia necessária ao fechamento da fissura, apli-


cando-se uma tensão às duas faces da mesma. Essa tensão é denomina-
da tensão de fechamento (BROEK,1986). O raciocínio exposto conduz às
relações:

(37)

em que E’=E para o estado plano de tensão (EPT) e E’=E/(1-n2) para o estado
plano de deformação (EPD). Para o Modo III:

(38)

Para o caso de solicitação múltipla ao fraturamento:


(39a,b)

A Figura 5 ilustra a sequência laboratorial e analítica utilizada para a


determinação de KIC de materiais metálicos, por meio da técnica de variação
da flexibilidade.

Figura 5 – Determinação de KIC por meio da técnica de variação de flexibilidade.

24 Livro Materiais na Construção Civil


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As equações para G, anteriormente deduzidas, bem como a relação


existente entre G e K, são de grande utilidade para a determinação da te-
nacidade ao fraturamento dos materiais, a partir da análise da variação
de flexibilidade de corpos de prova, quando solicitado ao fraturamento em
laboratório. De maneira geral, toma-se:

(40)

e

(41)

Ao leitor interessado em um aprofundamento no assunto, recomen-


da-se o estudo de outras formulações baseadas em princípios energéticos,
a exemplo das integrais de caminho independente (integrais “J”), que se
aplicam à análise tanto de problemas lineares, quanto de problemas elas-
toplásticos.

9.5.7 Extensão da zona de processos inelásticos e limitações da


Mecânica da Fratura Elástico-Linear
Define-se como zona de domínio de K a região circunferencial à frente
da ponta da fissura, dentro da qual o campo de tensão e de deformação é
descrito (e governado) pelo Fator de Intensidade de Tensão. Tendo em vis-
ta as limitações inerentes à resistência do material fissurado dentro dessa
zona circular e imediatamente à frente da ponta da fissura, ocorre o que se
denomina Zona de Processos Inelásticos, conforme se ilustra na Figura 6a.
No caso dos materiais de ruptura quase-frágil, como os concretos, as arga-
massas e certas rochas, a zona de processos inelásticos é caracterizada por
uma “banda” microfissurada, que acumula o processo de dano decorrente
da amplificação das tensões .No caso de sólidos fissurados constituídos de
materiais dúcteis, quando as tensões na região próxima à ponta da fissura
excedem o nível de resistência elástica, o material passa a escoar.

Livro Materiais na Construção Civil 25


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Figura 6 – Zonas de domínio de K e de processos inelásticos.

(a) (b) (c)

Sob o enfoque da possível redistribuição da tensão excedente, a exten-


são da zona de processos inelásticos pode ser calculada, com certa aproxi-
mação, utilizando-se a seguinte expressão (BROEK, 1986):

(42)

em que a é a extensão da fissura, s a tensão aplicada e fy a tensão de escoa-


mento do material. O valor de rp assim calculado é utilizado para a correção
da extensão da fissura, como se discute a seguir.
Como estudados, os conceitos gerais da MFEL são baseados em aná-
lises elásticas do campo de tensão, para pequenas deformações (UNGER,
1995). Assim, para que a formulação da MFEL seja aplicável à análise de
um determinado problema, essa premissa deve ser observada.
Naturalmente, no interior da zona danificada, as soluções elásticas
perdem a validade. A extensão da zona de processos inelásticos influencia-
rá diretamente a extensão da zona de domínio de K, dado que as soluções
elásticas foram deduzidas para regiões muito próximas à ponta da fissura.
Portanto, para que os princípios elásticos lineares tenham validade, é
necessário que a condição de plastificação (ou danificação) em pequena es-
cala se verifique. Uma determinação mais rigorosa da extensão rp da zona
de processos inelásticos é procedida analisando-se o estado de tensão à fren-

26 Livro Materiais na Construção Civil


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te da ponta da fissura, comparativamente à resistência apresentada pelo


material, considerando-se todas as componentes de tensão s1, s2 e s3. Para
tanto, é necessário que se utilize um critério de escoamento ou de ruptura
que descreva satisfatoriamente o comportamento do material.
Nesse sentido, materiais que apresentem ruptura associada ao cisa-
lhamento, a exemplo dos metais, podem ser analisados através dos critérios
de Tresca ou de von Mises. Outros materiais, cujas rupturas vinculam-se
mais fortemente à tensão hidrostática, como os solos, as rochas e materiais
assemelhados, são frequentemente estudados pelos critérios de ruptura de
Mohr-Coulomb e Drucker-Pragger (CHEN E HAN, 1999). Na sequência, o
critério de von Mises passa a ser analisado.
De acordo com esse critério, o escoamento terá lugar quando a tensão
efetiva ou tensão equivalente de von Mises, seq, atingir o valor da tensão de
escoamento, fy, do material (LEMAITRE; CHABOCHE, 2002). Assim:

(43)

(44)

e observando que a tensão efetiva de escoamento, seq, é dependente do grau
de confinamento, pode-se proceder às análises dos diferentes estados pla-
nos. Para q = 0, as tensões principais são dadas por:

(45)

Adotando-se o coeficiente de Poisson, n =1/3, e manipulando-se as


equações anteriores (FERREIRA, 2015) decorre, para o estado plano de de-
formação, que FCP= 3.
Assim:

(46)

De maneira análoga, estuda-se o estado plano de tensão. Nesse caso,
a tensão s3 será nula, implicando que FCP= 1. O equacionamento anterior

Livro Materiais na Construção Civil 27


Instituto Brasileiro do Concreto

permite rescrever a Equação 40 de forma a considerar o fator de confina-


mento plástico, como segue:

(47)


As Figuras 6b e 6c ilustram, esquematicamente, a distribuição de tensões
para EPD e EPT, bem como as extensões da zona de processos inelásticos
em cada um dos casos. Para considerar a transição entre EPT e EPD à fren-
te da ponta da fissura, dado que, na superfície do sólido o EPD não pode ser
totalmente assumido, adota-se , o que conduz a:

(48)


A Equação 47 permite inferir que a extensão da zona de processos inelás-
ticos para o EPT (chapas finas, por exemplo) é várias vezes maior em com-
paração ao estado plano de deformação (Figuras 6b e 6c). Permite concluir
também que, em estado plano de tensão, a dissipação energética associada
à formação da ZPI (Zona de Processos Inelásticos) é muito superior.
Nesse caso, a resistência ao fraturamento também o será, dado que grande
parte da energia potencial elástica ou energia de deformação será dissipada
com a danificação prévia do material, antes mesmo que a propagação da
fissura tenha lugar. Com efeito, a tenacidade ao fraturamento avaliada em
EPD é menor que aquela avaliada em EPT.
Por outro lado e devido ao confinamento do material, em EPD, as tensões
na região à frente da ponta da fissura podem alcançar o triplo da tensão de
escoamento. Decorrência disso, a resistência ao fraturamento, nesse caso,
será menor.
A Figura 7 ilustra corpos de prova do tipo compact tension (CT) en-
saiados na Faculdade de Engenharia Mecânica da Universidade
Estadual de Campinas.

28 Livro Materiais na Construção Civil


Instituto Brasileiro do Concreto

Figura 7 – Corpos de prova ensaiados em EPD e EPT.

Os dois corpos de prova apresentados na Figura 7, com proporções ge-


ométricas diferentes, foram ensaiados ao fraturamento em abertura direta,
por meio da aplicação de esforços de tração (Modo I).
O primeiro deles, à direita da imagem, é mais espesso. Assim, o pla-
no de fraturamento é relativamente plano e a seção transversal apresenta
certa regularidade, indicando que as condições de EPD foram majoritaria-
mente atingidas. O segundo, à esquerda da imagem, é apresentado em sua
forma íntegra e em estado de completa ruptura. Nesse caso, condições opos-
tas são verificadas. Dado à pequena espessura do corpo de prova, o estado
plano de tensão é predominante, promovendo, portanto, plastificação gene-
ralizada do mesmo.
Para considerar esta questão e por razões inerentes à segurança de
projeto, a tenacidade ao fraturamento é correntemente avaliada em EPD.
Nesse sentido, algumas considerações que objetivam limitar a extensão da
zona de processos inelásticos, assim como assegurar as condições de confi-
namento da região à frente da ponta da fissura, são adotadas nas principais
normas técnicas.
A ASTM (ASTM, 2011), por exemplo, faz as seguintes exigências rela-
tivamente às dimensões de corpos de prova destinados à avaliação da tena-
cidade ao fraturamento de materiais metálicos (em EPD):

Livro Materiais na Construção Civil 29


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2
⎛ K ⎞⎟

( )
a; B; W − a ≥ 2,5⎜⎜ IC ⎟⎟⎟
⎜⎜ f ⎟
(49)
⎝ y ⎠

condições que se verificam no corpo de prova ilustrado na Figura 7, à direita


da imagem.
Observa-se finalmente que, muitas vezes, torna-se necessária a corre-
ção da extensão a da fissura, para a utilização da formulação da MFEL, o
que só é possível fazer, dentro de certos limites. Para tanto, utiliza-se uma
extensão efetiva que pondera a extensão da zona de processos inelásticos.
Essa extensão, para uma fissura com somente uma ponta, é dada por:

aef = a + rp (50)

9.6 Mecânica da Fratura Elastoplástica e Não-Linear


9.6.1 Considerações sobre o fraturamento de materiais dúcteis
Como se comentou anteriormente, problemas de fraturamento que
envolvem a elasticidade não-linear ou a plastificação em larga escala não
podem ser analisados com a formulação da MFEL, uma vez que a mesma é
fundamentada no campo elástico-linear de tensão, em condições de peque-
nas deformações.
Por outro lado, quando o material apresenta comportamento plástico
ou visco plástico, envolvendo quantidades substanciais de deformações irre-
versíveis (e consequente dissipação de energia), a zona de processos inelás-
ticos deixa de ter extensão desprezível, em comparação a outras dimensões
significativas do sólido fissurado ou à extensão da própria fissura.
Nesses casos, o crescimento da fissura usualmente é estável, isto é,
para que haja crescimento da fissura, há a necessidade de se aumentar o
nível do carregamento externo, comportamento desejável do ponto de vista
da segurança estrutural. O desempenho progressivo do material é um indi-
cador de que a tenacidade ao fraturamento do material, nesses casos, não
tem um valor constante. Na realidade, a resistência ao fraturamento cresce
com o crescimento da fissura.

30 Livro Materiais na Construção Civil


Instituto Brasileiro do Concreto

Para a análise de problemas de fraturamento nessas condições, diver-


sos modelos não-lineares foram desenvolvidos, dando origem à Mecânica da
Fratura Não-Linear (MFNL).
Os conceitos da MFNL são aplicáveis à análise de materiais com es-
truturas cristalinas cúbicas de face centrada, que apresentam ruptura dúc-
til. Com esses modelos são analisados ao fraturamento os metais puros, a
exemplo do ouro, do cobre e de certas ligas de alumínio. Da mesma manei-
ra, modelam com naturalidade o fraturamento de componentes estruturais
esbeltos e chapas de pequena espessura, elementos estruturais sujeitos a
elevados níveis de plastificação, usualmente fabricados com aços de baixo
teor de carbono ou outros materiais.
Aplica-se também a MFNL, porém com a utilização de enfoques pró-
prios, à análise de materiais de ruptura quase-frágil, como os concretos, as
argamassas, as rochas e certas cerâmicas. Nesses casos, a zona de processos
inelásticos não é caracterizada por uma região plastificada, mas por uma
região microfissurada de extensão considerável.

9.6.2 Modelos de análise do fraturamento elastoplástico


Os principais modelos não-lineares desenvolvidos para a análise do
fraturamento elastoplástico são:
■ Modelo de Dugdale/Barenblatt;
■ Modelo de Wells;
■ Integrais ‘J ’ de Caminho Independente;
■ Modelo HRR (Hutchinson, Rice e Rosengren);
■ Deslocamento Crítico de Abertura da Fissura, CTODC;
■ Ângulo Crítico de Abertura da Fissura, CTOAC;
■ Módulo de Rasgamento;
■ Curvas de Resistência ao Fraturamento.
Por questões inerentes à natureza do próprio texto, no presente traba-
lho somente o modelo de Dugdale/Barenblatt é abordado, ficando os demais
modelos indicados aos leitores que desejarem um maior aprofundamento no
assunto.
Modelo de Dugdale
Esse modelo considera a existência de uma fissura efetiva, cuja exten-
são é maior que a da fissura real e que engloba a zona plastificada na ponta

Livro Materiais na Construção Civil 31


Instituto Brasileiro do Concreto

da fissura. Supõe-se que a extensão adicional, r, à frente da ponta da fissu-


ra esteja solicitada por uma tensão de fechamento de valor igual à tensão
de escoamento do material.
A determinação dessa extensão é procedida considerando-se a super-
posição de efeitos dos fatores de intensidade de tensão decorrentes do car-
regamento externo, , e da tensão de fechamento que atua ao longo da
extensão r, . Assim, a singularidade na ponta da fissura é cancelada, ou
seja, KI = 0, conforme ilustra a Figura 7.

Figura 8 – Fissura efetiva do modelo de Dugdale.

A superposição de efeitos é dada por:

(51)

que conduz a:

(52)

As expressões para os fatores de intensidade de tensão devidos às ten-
sões de fechamento e ao carregamento externo podem ser encontradas na
literatura (Broek, 1986). A consideração dessas expressões nas Equações 51
e 52 conduzem a:

(53)

32 Livro Materiais na Construção Civil


Instituto Brasileiro do Concreto

que representa a extensão adicional a ser considerada na ponta (ou nas


pontas) da fissura, para a aplicação da formulação da MFEL. Observa-se
que:

(54)

resultado bastante parecido com aqueles obtidos com as Equações 42 e 47


para estado plano de tensão, comprovando, como esperado, que, no fratura-
mento elastoplástico, a região de dano é bastante significativa.

9.6.3 Fraturamento com localização e amolecimento


Nos itens anteriores, foram abordados os principais conceitos relativos
à mecânica da fratura elástica-linear e do fraturamento elastoplástico. Ob-
servou-se, também, que a aplicabilidade dos conceitos clássicos da MFEL
à análise dos problemas de fraturamento vincula-se à extensão da zona de
processos inelásticos à frente da ponta da fissura.
No caso dos materiais de ruptura quase frágil, a exemplo dos concre-
tos, das argamassas, de certas rochas e das cerâmicas, a zona de proces-
sos inelásticos é caracterizada por uma “banda” microfissurada (BAZANT;


OH, 1983; SHAH; SWARTZ; OUYANG,1995).
A banda ou região de microfissuração é usualmente modelada pela
adoção de uma simples interface, dita coesiva, cuja principal característica
é a habilidade de transmissão de tensões entre as faces da fissura.
Essa propriedade, de certa maneira caracteriza a ruptura quase frágil
e espelha o ganho de tenacidade do material, dado que uma parcela com-
plementar de energia deve ser dissipada para a redução progressiva (no
sentido de destruição) da interface coesiva durante a ruptura, o que serve
de fundamento para o modelo de amolecimento adotado para o concreto
(HILLERBORG,1985).
Em tese, a extensão dessa interface é uma propriedade intrínseca do ma-
terial e associa-se a parâmetros específicos da sua estrutura. Entretanto, a
extensão total da fissura (fissura visível acrescida da extensão da interface
coesiva), em princípio, é indeterminada, o que torna o problema fortemente
não linear.

Livro Materiais na Construção Civil 33


Instituto Brasileiro do Concreto

Para equacionar-se a questão, diferentes estratégias, como aquelas


já abordadas na elastoplasticidade e que envolvem o conceito de fissura
efetiva, podem ser aplicadas satisfatoriamente para a solução de diversos
problemas.
Os principais conceitos relacionados à modelagem do fraturamento
quase frágil passam a ser analisados em seus principais aspectos.

9.7 
Análise da ruptura do concreto e de outros materiais
cimentícios
Para o estudo da ruptura quase frágil, analisa-se inicialmente um só-
lido pré-fissurado, solicitado ao fraturamento, bem como o diagrama car-
ga versus deslocamento decorrente do procedimento, conforme se ilustra
na Figura 9.

Figura 9 – Sólido pré-fissurado solicitado ao fraturamento e diagrama P x d


(ou P x CMOD) da ruptura.

Ainda, supõe-se que a solicitação ocorra em ciclo fechado em que as


respostas de deslocamento controlam a aplicação da carga. Dessa maneira,
a adoção de uma taxa constante de deslocamento fará com que o sistema de
ensaio monitore sistematicamente a carga aplicada, carregando ou descar-
regando o sólido e evitando o colapso brusco.
Esse tipo de ensaio é denominado ensaio controlado, ou ensaio sob
condições de controle de deslocamentos, e pode ser levado a efeito sob con-
dições de controle de deformações, dos deslocamentos verticais da linha de

34 Livro Materiais na Construção Civil


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carga, d, ou do CMOD (crack mouth opening displacement ou deslocamento


de abertura da entrada do entalhe), o que é mais comum.
Para a análise de resultados do ensaio, o diagrama de ruptura é subdi-
vidido em três fases distintas. Dentro da primeira fase, a microfissuração é
dispersa no volume do sólido e, para todos os efeitos, a resposta é considera-
da elástico-linear. Na segunda fase, com o crescimento da carga, a partir do
ponto a, a microfissuração passa a ficar mais pronunciada, especialmente
no plano preferencial de fraturamento.
Durante o crescimento da carga, inicia-se a formação de uma banda
de microfissuração, ou seja, de uma zona de acumulação de danos. Assim,
a resposta de deslocamentos do sólido começa a desviar-se gradativamente
da linearidade até que se alcance o ponto b. A partir desse ponto, as mi-
crofissuras passam a reunir-se para formar uma fissura maior, dentro de
um processo conhecido como coalescência, caracterizando a localização da
deformação.
Até o ponto c, ou seja, até a carga de instabilidade, o crescimento da
fissura é estável (ou subcrítico). Em outras palavras, para que a fissura con-
tinue a crescer, há a necessidade de crescimento do carregamento externo.
A partir da carga de instabilidade, ou seja, a partir do ponto c, a fissu-
ra passa a propagar de forma instável, e a fase III do diagrama só poderá
ser obtida experimentalmente se os níveis de carregamento puderem ser
gradativamente diminuídos, para que a ruptura brusca não ocorra. Isso
pode ser alcançado por meio do controle de um parâmetro de deslocamento
(ou de deformação), como explicado.
O ramo descendente do diagrama P - d é conhecido como amolecimento
e caracteriza a ruptura dos materiais quase frágeis.

9.7.1 Modelagem da zona de processos inelásticos


A zona de processos inelásticos é inicialmente modelada pela conside-
ração de uma tensão de fechamento, que atua em ambas as faces da fissura.
Esse procedimento é análogo àquele adotado nos modelos elastoplásticos de
Dugdale, conforme Figura 10.
A tensão de fechamento, usualmente chamada de “pressão” coesiva,
s(w), é uma função monotonicamente decrescente do deslocamento de aber-

Livro Materiais na Construção Civil 35


Instituto Brasileiro do Concreto

tura da fissura, w. Ou seja, quando w = 0, tem-se que s(w) = ft e quando


w = wC, s(w) = 0.
Na Figura 10, o comprimento da fissura inicial é designado a e a ex-
tensão da zona de processos inelásticos, ou seja, a extensão da interface
coesiva, é designada lp, de tal maneira que a extensão total da fissura será
aef = a+ lp. Essa consideração é análoga àquela feita nos modelos elásticos
efetivos, a ser abordado mais à frente.

Figura 10 – Tensão coesiva de fechamento das faces da fissura quase frágil.

A tensão de fechamento tem origem em diversos e complexos mecanis-


mos que atuam nas faces da fissura e espelha a principal propriedade da
interface coesiva, ou seja, a sua capacidade de transmissão de tensões entre
as faces da fissura.
Assim, para que a fissura propague, há necessidade de dissipação de
uma parcela adicional de energia, muitas vezes predominante, para supe-
rar a ação inibidora da propagação, provocada pelos mecanismos de fecha-
mento. Como exemplos desses mecanismos, citam-se:
■ o intertravamento dos grãos;
■ o desvio da direção de propagação;
■ a fricção interfacial;
■ os arrestamentos localizados devido à presença de vazios;

36 Livro Materiais na Construção Civil


Instituto Brasileiro do Concreto

■ a bifurcação do caminho de propagação;


■ o arrancamento dos grãos entre as faces da fissura.
Devido aos diferentes mecanismos de dissipação de energia que se
verificam no fraturamento quase frágil, o processo de ruptura pode ser
modelado de diferentes maneiras. Quando é modelado usando-se unica-
mente o mecanismo de Dugdale, a fissura quase-frágil é usualmente cha-
mada de fissura fictícia, e o modelo utilizado para tratá-la denomina-se
Modelo Coesivo.
Quando é modelado considerando-se o mecanismo de dissipação de
Griffith-Irwin, que fundamenta a MFEL, a fissura quase frágil é chamada
de fissura efetiva, e a abordagem é denominada Elástica Equivalente ou
Elástica Efetiva. Nesse último caso, a modelagem é procedida para a deter-
minação de parâmetros de tenacidade ao faturamento e é abordada no item
seguinte.
Uma terceira classe de modelo é o proposto por Bazant e Kazemi


(1990), denominado Modelo do Efeito de Escala. Esse modelo considera a
extrapolação das respostas da Taxa Crítica de Liberação de Energia, a es-
truturas de dimensões infinitas e relaciona essa taxa à escala estrutural
(FERREIRA, 2015).
Dentre os modelos denominados coesivos, o que ganhou maior popu-
laridade foi o modelo idealizado por Hillerborg (1976, 1985), denominado
Modelo da Fissura Fictícia.
Nesse modelo, uma questão importante reside na escolha adequada da
relação tensão-abertura s-w. As relações s-w mais simples são as relações
lineares e as bi lineares, ilustradas na Figura 11. Para o fraturamento no
Modo I, de abertura, tem-se (SHAH; SWARTZ; OUYANG, 1995):
Relação Linear

(55)

com wC variando entre 0,01 e 0,04 mm.

Livro Materiais na Construção Civil 37


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Figura 11 – Relações tensão-abertura para o modelo fictício.

Relação Bi linear
w
σ (w) = ( )
f − σ 1 para w ≤ w1
w1 t
(56)

e
⎛ w −w ⎞⎟
σ (w) = σ 1 ⎜⎜⎜ 1 ⎟
⎟ para w ≤ w1 . (57)
⎜⎝ wc −w1 ⎟⎟⎠

Essa relação é recomendada pelo CEB-FIP (1990). Nesse caso, wC va-
ria em função da dimensão característica do agregado, Fmáx, de acordo com
a Tabela 3.

Tabela 3 – Valores de wC e da constante kd, em função de Fmáx.

Na relação bi linear, tem-se:

σ 1 = 0,15ft (58)

38 Livro Materiais na Construção Civil


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0,95
⎛ G ⎞⎟

GF − 22wc ⎜⎜ F ⎟⎟⎟
⎜⎝ kd ⎟⎠
w1 = (59)
0,95
⎛ G ⎞⎟

150⎜⎜ F ⎟⎟⎟
⎜⎝ kd ⎟⎠

com:
GF = kd fC0,7 (60)

em que GF é a Energia de Fraturamento (detalhada no próximo item). Nas


Equações 58 e 60, as resistências à tração e à compressão são dadas em
MPa e GF em N/m (ou J/m2).
Outras relações, a exemplo da tri-linear, da função de potência ou das
relações exponenciais, podem ser igualmente adotadas.
No caso em que se considera a solicitação mista ao fraturamento, re-
lações tensão-abertura análogas às anteriores, mas que utilizam também
as tensões de cisalhamento e os deslocamentos de escorregamento (crack
sliding displacement, CSD) são necessárias para que se possa realizar a
análise de maneira acoplada.

9.7.2 Fraturamento do Concreto


9.7.2.1 Parâmetros de tenacidade associados ao modelo da fissura
fictícia
Pela utilização do modelo coesivo, torna-se possível não só a reprodu-
ção do colapso estrutural computacionalmente, como também a determina-
ção de parâmetros de tenacidade ao fraturamento que interessam, do ponto
de vista prático, às atividades de projeto. Dentre os diversos parâmetros
de resistência ao fraturamento até aqui abordados, os principais, e que se
associam ao modelo fictício, são a Energia ou “Trabalho” de Fraturamento,
GF , e o comprimento característico do material, lch.
A metodologia utilizada para a determinação desses parâmetros de te-
nacidade, assim como as limitações e as dificuldades inerentes à sua imple-
mentação experimental, é discutida a seguir, dando-se foco às metodologias
recomendadas pela RILEM (1985).

Livro Materiais na Construção Civil 39


Instituto Brasileiro do Concreto

Energia de fraturamento, GF
A determinação da energia de fraturamento faz uso de uma técnica
bastante simples que consiste na determinação do trabalho necessário à
completa ruptura de uma secção transversal entalhada. A energia de fra-
turamento, em termos unitários, é obtida dividindo-se o trabalho realizado
pela carga até a ruptura do corpo, no sentido dado por Clapeyron, pela área
da seção fraturada.
O método foi proposto na década de 1980 por Hillerborg (1985), um
dos precursores da Mecânica da Fratura do concreto. Por sua simplicidade,
a metodologia proposta foi largamente aplicada, tendo sido sugerida pela
RILEM (1985) para determinação da energia de fraturamento como parâ-
metro de resistência dos concretos e das argamassas.
Posteriormente, com o desenvolvimento mais acelerado da Mecânica
da Fratura do concreto, diversos pesquisadores concluíram que a energia de
fraturamento assim obtida é fortemente dependente de escala, o que invia-
bilizaria, ao menos em tese, a aplicação irrestrita do método.
Fundamentação do método
Para o estudo do método proposto por Hillerborg (1985), analisa-se o
colapso de um sólido fissurado submetido a um ensaio de tração uniaxial,
no qual o carregamento é aplicado em ciclo fechado com as respostas de
deslocamento. Para tanto, duas posições distintas são monitoradas ao longo
da ruptura, utilizando-se dois transdutores de deslocamentos. A primeira
dessas posições, designada A, situa-se na região não fissurada do sólido, e
a segunda, designada B, situa-se na região da fissura, como ilustrado na
Figura 12.
Na posição A, os deslocamentos são simplesmente registrados. Os des-
locamentos registrados em B servem também para controlar a aplicação da
carga.
A resposta global dos deslocamentos do sólido ao longo da ruptura
também é apresentada na Figura 12. Essa resposta refere-se às aquisições
do transdutor posicionado em B. Nessa posição, observa-se o crescimento
dos deslocamentos com o aumento da carga, até que se alcance a carga de
instabilidade, ou seja, a carga máxima do ensaio.
Durante o processo de carregamento até a carga máxima, o transdutor
posicionado em A registra os deslocamentos, que também são crescentes.

40 Livro Materiais na Construção Civil


Instituto Brasileiro do Concreto

Figura 12 – Decomposição da resposta global de deslocamentos no ensaio de


energia de fraturamento.

Na posição A, os deslocamentos são simplesmente registrados. Os des-


locamentos registrados em B servem também para controlar a aplicação da
carga.
A resposta global dos deslocamentos do sólido ao longo da ruptura
também é apresentada na Figura 12. Essa resposta refere-se às aquisições
do transdutor posicionado em B. Nessa posição, observa-se o crescimento
dos deslocamentos com o aumento da carga, até que se alcance a carga de
instabilidade, ou seja, a carga máxima do ensaio.
Durante o processo de carregamento até a carga máxima, o transdutor
posicionado em A registra os deslocamentos, que também são crescentes.
Após atingir-se a carga máxima, tem início a propagação instável da
fissura. Como o ensaio está sendo executado em ciclo fechado, o sistema
passa a diminuir paulatinamente os níveis de carregamento, de tal ma-
neira que a taxa de deslocamento inicialmente imposta é respeitada. Com
o início do descarregamento, observa-se que os deslocamentos elásticos (e,
consequentemente, as deformações elásticas) na região A passam a ser re-
cuperados.

Livro Materiais na Construção Civil 41


Instituto Brasileiro do Concreto

Durante esse processo, o transdutor situado em B evolui a aquisição,


registrando o ramo de amolecimento, conforme ilustram os diagramas da
Figura 12. Com a diminuição da carga até zero, a parcela elástica da defor-
mação em A é recuperada, recuperando-se, por consequência, a energia de
deformação correspondente (área 1). A parcela irrecuperável (área 2) espe-
lha a densidade de energia de deformação dissipada no volume do sólido.
Essa parcela da dissipação energética é relativamente pequena, comparati-
vamente àquela que se verifica em B.
A área 3, registrada pelo transdutor B, é, muitas vezes maior e reflete
a quantidade de energia dissipada na zona de processos inelásticos durante
a ruptura. Essa dissipação de energia está fortemente relacionada à redu-
ção progressiva da interface coesiva (que inibe o crescimento da fissura) e
justifica o comportamento quase frágil do material, ao longo da ruptura.
Ao dividir-se o trabalho realizado pela carga, pela área da seção fra-
turada, normaliza-se o problema e define-se, assim, a energia de fratura-
mento como sendo a quantidade de energia necessária para a propagação
de uma fissura unitária.
Naturalmente, abstrai-se desse raciocínio toda a energia dissipada de
forma espúria, quer no volume do corpo de prova, quer com a danificação do
material nos apoios e no ponto de transmissão da carga.

Generalidades sobre os procedimentos de ensaio


Para a determinação da energia de fraturamento GF, são utilizadas
vigas com entalhes centrais, submetidas à flexão em três pontos, como se
ilustra na Figura 13a. No caso dos concretos, as dimensões do corpo de
prova são determinadas em função da dimensão característica do agregado
graúdo, Fmáx.

Figura 13 – Vigas entalhadas, submetidas à flexão em três pontos.

(a) (b)

42 Livro Materiais na Construção Civil


Instituto Brasileiro do Concreto

A execução do entalhe central tem por objetivo a fragilização da se-


ção transversal nessa região e a criação de um plano preferencial de fratu-
ramento, de tal maneira que a dissipação energética seja, o tanto quanto
possível, planar
Os ensaios são conduzidos em ciclo fechado, onde o carregamento é
controlado pelas respostas do deslocamento vertical da linha de carga. A
taxa de deslocamento imposta é da ordem de 0,05 mm/min.
O deslocamento de 0,05 mm é obtido para os concretos usuais na carga
máxima, a qual se pretende atingir em um minuto. Muitas vezes, os deslo-
camentos verticais são tomados na face inferior da viga, região que não re-
flete, porém, o conceito de trabalho realizado pela carga externa, no sentido
dado por Clapeyron e Castigliano.
Esses deslocamentos são medidos com o auxílio de um transdutor fi-
xado a um dispositivo denominado Yoke, cujos pontos de apoio (localmente
isostáticos) encontram-se situados sobre os apoios do corpo de prova, à meia
-altura da seção (e não sobre o corpo de prova) e, nunca, externamente a ele.
Os corpos de prova são ensaiados saturados com água, até a total rup-
tura ou até que se atinja a carga zero. A saturação das amostras é necessá-
ria em virtude do fato de que a totalidade dos parâmetros de fraturamento
do concreto e de outros materiais assemelhados é diretamente influenciada
pelo teor de umidade do material.
Determinação da energia de fraturamento
A energia de fraturamento é obtida dividindo-se o trabalho realizado
pela carga externa, para total ruptura do corpo de prova, pela área da seção
transversal fraturada, ou seja, a área do ligamento, AL, projetada sobre o
plano da seção transversal.
De acordo com a metodologia, o trabalho externo é dado pela área sob
a curva Pxd. Assim:

1 δ
GF =
AL ∫ 0
P(δ )dδ (61)

Para a consideração de outras parcelas intervenientes, a Equação 61 é


remodelada, da forma que segue:

Livro Materiais na Construção Civil 43


Instituto Brasileiro do Concreto

W0 +W1 +W2
GF = (62)
AL

na qual W0 é o trabalho realizado pela força externa, W1 o trabalho parcial


realizado por uma força adicional, F1, decorrente da consideração do peso
próprio do corpo de prova e do peso dos acessórios de transmissão de carga,
posicionados sobre o corpo de prova.
O trabalho W2 é o trabalho complementar realizado pela força F1,
considerada concentrada no centro do vão e que daria origem ao mesmo
momento fletor que aquele decorrente do peso da viga e dos acessórios de
transmissão de carga.
Essa carga tem valor igual à metade do peso próprio, acrescido do peso
dos acessórios. As diversas parcelas que compõem o trabalho total estão
na Figura 14.

Figura 14 – Parcelas de trabalho que compõem o trabalho total de fraturamento.

As parcelas W1 e W2 consideram a situação de carregamento prévio


dos corpos de prova, que ocorre antes do início do carregamento externo e
que decorre da ação do peso próprio e do peso dos acessórios.
A rampa de amolecimento que se utilizaria para a determinação de
W2 tende assintoticamente ao eixo dos deslocamentos. Como simplificação,
adota-se W2 ≈ W1.

44 Livro Materiais na Construção Civil


Instituto Brasileiro do Concreto

Determinação do comprimento característico, lch.


O comprimento característico do material, como definido por
Hillerborg (1976), é dado por:

EGF
lch = (63)
ft2

em que E é o módulo de Young, GF a energia de fraturamento e ft, a resis-
tência à tração do material.
Essa grandeza decorre de uma aproximação do fraturamento elástico
-linear, em que a relação entre K e G é considerada, ou seja:
K12 σ 2a
G= = (64)
E' E'
ou
E 'G (65)
a=
σ2

Observa-se que as Equações 63 e 65 têm a mesma forma dimensional.


A grandeza lch, inicialmente definida como uma propriedade do material é
proporcional à extensão da zona de processos inelásticos. Para o concreto,
essa extensão varia entre 0,3lch e 0,5lch.
Na realidade, o comprimento característico é um índice da ductilidade
do material. Por decorrer de uma aproximação da MFEL, essa grandeza
também é intrinsecamente dependente de escala.
Determinação do Modulo de Young, E.
A determinação do Módulo de Elasticidade ou Módulo de Young, E,
não foi prevista pela RILEM (1985) nessa metodologia. Entretanto, com
as informações da rampa ascendente obtidas no ensaio (Pi e di ) dentro da
fase resiliente, torna-se possível a determinação desse parâmetro elástico
do material.
Para tanto, utiliza-se a0 = a0/W, onde a0 é a profundidade do entalhe
inicial, W a altura da viga e B a sua largura. O módulo de Young é determi-
nado com o auxílio das equações para vigas entalhadas (FERREIRA, 2007),
da maneira que segue:

Livro Materiais na Construção Civil 45


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3
P ⎛S⎞
E = i ⎜⎜⎜ ⎟⎟⎟ ν α 0 ( ) (66)
4δ i B ⎝⎜W ⎟⎠

em que Pi e di são valores quaisquer da carga aplicada e do deslocamento
correspondente.
A utilização de um conjunto de pontos que se situe dentro do intervalo
linear, o que se obtém por meio da realização de uma regressão linear, con-
duzirá a resultados mais consistentes para o módulo E. O intervalo linear é
comumente definido em função da carga máxima do ensaio, Pmáx.
As respostas inferiores a 10% de Pmáx, usualmente são descartadas em
virtude das acomodações sofridas pelo corpo de prova na fase inicial do en-
saio.
Da mesma maneira, descartam-se os valores superiores a 30 ou 40%
de Pmáx, a depender da natureza do material, dado que, nesse estágio, as
respostas Pi - di, via de regra já ocorrem na fase não linear do ensaio.
A função de dependência na geometria e condições de contorno, v(a0) é
dada pela Equação 67:

ν (α 0 ) = a + bα 0 + cα 02 + dα 03 + eα 04 + f α 05 (67)

Os coeficientes a serem utilizados com a equação anterior, computados


pelos autores com o auxílio do método dos elementos finitos (FERREIRA;
HANAI; BITTENCOURT, 2008) são apresentados na Tabela 4.

Tabela 4 – Coeficientes para a função adimensional de dependência, v(a0).

46 Livro Materiais na Construção Civil


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A dependência da energia de fraturamento na escala estrutural


Estudou-se que a energia de fraturamento é obtida dividindo-se o tra-
balho realizado pela carga externa, pela área da seção fraturada. Essa área
é tomada no sentido estritamente geométrico, não se considerando, portan-
to, as irregularidades da superfície fraturada.
Na realidade, a área da superfície fraturada é, muitas vezes, superior
ao produto da largura B da viga, pela extensão do ligamento W-a0. Ao am-
pliar-se o campo da observação, é possível notar que a topografia da super-
fície rugosa é constituída por inúmeros picos e vales, com características
fortemente fractais.
Na realidade, a rugosidade da superfície fraturada está intimamente
relacionada à fragilidade do material. Quanto mais frágil for o material,
mais plana será a superfície fraturada, uma vez que o fraturamento passa
a ocorrer por clivagem, ou seja, por corte claramente uniforme.
Nesse caso, a área fraturada terá valor mais próximo do produto
B(W-a0), e o erro no cálculo da energia de fraturamento, relativamente à
área de projeção, será menor.
No caso de materiais de comportamento relativamente dúctil na rup-
tura, a separação das partes tem características intergranulares mais acen-
tuadas. Isso justifica uma superfície maior, ou seja, um maior afastamento
da área real, relativamente ao produto B(W-a0).
Consequentemente, o erro no cálculo da energia de fraturamento, re-
lativamente à área de projeção, será muito maior. Observa-se, entretanto,
que a análise não deve ser procedida considerando-se apenas eventuais er-
ros no cálculo da área da seção fraturada.
Ocorre também que, em ambos os casos, os diagramas P-d serão signi-
ficativamente diferentes.
Em sólidos que apresentam ligamentos de pequena extensão, em rela-
ção à extensão da zona de processos inelásticos, os efeitos da supressão da
tensão de fechamento são proporcionalmente mais acentuados, e a energia
de fraturamento resultante será maior.
Com o crescimento progressivo da escala, a energia de fraturamen-
to será paulatinamente menor, até que se alcance um nível assintótico de
constância. Nesse nível, a energia de fraturamento passa a ser independen-

Livro Materiais na Construção Civil 47


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te de escala e, somente assim, pode ser entendida como uma propriedade


mecânica do material.

9.7.2 Parâmetros de tenacidade associados aos Modelos Efetivos


A principal estratégia adotada nos modelos efetivos ou modelos elás-
ticos equivalentes é a determinação de uma extensão efetiva para a fissura
aef ou a, que possa representar adequadamente o crescimento subcrítico (ou
estável) da fissura real, ou seja, que possa considerar implicitamente o de-
senvolvimento da interface coesiva.
Isso é feito pela identificação de uma fissura “livre” das tensões de
fechamento e elasticamente equivalente à fissura real, de tal maneira que
os conceitos da MFEL possam ser utilizados. Essa fissura equivalente é
ilustrada na Figura 15.

Figura 15 – Fissura elástica efetiva ou elástica equivalente.

A formulação geral dos modelos efetivos baseia-se na técnica de varia-


ção de flexibilidade, pela consideração da variação de um dos deslocamentos
significativos (d ou CMOD), monitorado ao longo da ruptura.

48 Livro Materiais na Construção Civil


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Por consequência, é implicitamente aceita a hipótese de que a variação


de flexibilidade seja um parâmetro suficiente para a determinação da quan-
tidade de avanço (ou crescimento estável) da fissura no sólido deformado.
Os principais modelos que se enquadram nessa categoria são o Modelo
dos Dois Parâmetros devido a Jenq e Shah (1985), e o Modelo da Fissura
Efetiva, proposto por Karihaloo e Nalathambi (1989).
No presente texto, apresenta-se o mais conhecido deles, o Modelo dos
Dois Parâmetros (JENQ; SHAH, 1985; RILEM, 1990; SHA et al., 1995).
O modelo proposto permite a determinação de dois parâmetros de fra-
turamento aparentemente independentes de escala, que são a tenacidade
ao fraturamento, KSIC, e o CTODC (deslocamento crítico de abertura da pon-
ta da fissura).
As grandezas mencionadas são obtidas no mesmo ensaio, usualmente
de flexão em três pontos, conforme ilustrado na Figura 16.
Decorre também dos procedimentos do ensaio, a determinação do mó-
dulo de Young, E, do material.
Conceitualmente, o modelo admite que as respostas elásticas e inelás-
ticas da deformação podem ser analisadas carregando-se o corpo de prova
até a carga máxima e executando-se, na sequência, um ciclo completo de
descarregamento e recarregamento, como se mostra na Figura 16.

Figura 16 – Rampas, inicial e de recarregamento, utilizadas na determinação d


a variação de flexibilidade.

Livro Materiais na Construção Civil 49


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Das rampas, inicial e de recarregamento, pode-se obter a variação de


flexibilidade do corpo de prova e, então, determinar-se as parcelas elástica
e inelástica do CMOD.
Para tanto, o ensaio deve ser levado a efeito em ciclo fechado, dentro
do qual o carregamento quase estático é aplicado ao corpo de prova em ciclo
fechado, sob condições de controle do CMOD, o que se faz por meio da utili-
zação de um transdutor de deslocamentos, do tipo clip gage.
Fundamentação do método
Embasam o modelo as seguintes considerações:
■ o deslocamento de abertura CMOD, na carga crítica, é composto por
uma parcela elástica e outra inelástica, da forma que segue.

CMODC = CMODCE + CMODCP (68)



■ o deslocamento crítico de abertura da fissura, CTODC, determina-
do a partir da extensão elástico-efetiva da fissura, utilizando-se as
equações da MFEL, decorre da parcela elástica do CMOD, na carga
crítica, CMOD EC .
Com o valor da flexibilidade inicial, Ci, ou seja, ainda dentro da fase
em que as respostas podem ser consideradas lineares, determina-se o valor
do módulo de Young, E, do material. Para tanto, utiliza-se com a Equação
69 a = a0 e a0= a0 /W , onde a0 é a profundidade do entalhe inicial e W a altu-
ra do corpo de prova. O módulo de Young é determinado com o auxílio das
equações para vigas entalhadas:
6PiSa0
E=
CMODi BW 2
( )
g α0 (69)

Considerando-se que

Pi 1
= (70)
CMODi Ci

decorre
6Sα 0
E=
Ci BW
g α0 ( ) (71)

50 Livro Materiais na Construção Civil


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A função de dependência geométrica e de condições de contorno para


CMOD pode ser calculada com o auxílio da Equação 72 e coeficientes apre-
sentados na Tabela 5, computados pelos autores com o auxílio do método
dos elementos finitos (FERREIRA; HANAI; BITTENCOURT, 2008):


( )
g α = a + bα + cα 2 + dα 3 + eα 4 + f α 5 (0,05 ≤ α ≤ 0,65)

(72)

Tabela 5 – Coeficientes para a função adimensional de dependência, g(a).

A determinação da flexibilidade inicial é procedida por meio de um


ajuste linear aplicado a um conjunto de pontos situados no intervalo de car-
gas que varia entre 10% e 30% da carga máxima do ensaio.
Esse limite superior pode ser estendido a 50% de Pmax, de acordo com o
grau de fragilidade do material.
Considerando-se a invariabilidade do módulo de Young, E, pode-se de-
terminar, iterativamente, o valor de ai que conduz ao valor de E, quando a
flexibilidade passa de Ci para Cu, ou seja:
6Sα i
Ei =
Cu BW
( )
g αi (73)

O valor de ai deve ser incrementado lentamente, para que boa precisão


possa ser atingida. O processo iterativo termina quando Ei ≈ E, dentro de
uma tolerância pré-estabelecida, por exemplo, 0,001. Quando isso ocorre,
tem-se que:
α i = α C ⇒ aC = α C ⋅W (74)

Livro Materiais na Construção Civil 51


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A extensão crítica da fissura, ac, é a extensão da fissura elástico-equi-


valente, aef:
α ef = α C ⇒ aef = α ef ⋅W (75)

A tenacidade ao fraturamento, KSIC , é obtida fazendo-se:

3 S πa
S
K IC =
2
(
Pmax + 0,5w
BW 2
)
f α ef ( ) (76)

em que w é a soma do peso próprio da viga, entre os apoios e dos acessórios


posicionados sobre a viga durante a realização do ensaio.
O deslocamento crítico de abertura da fissura, CTODC, pode ser de-
terminado com o auxílio da formulação da MFEL, utilizando-se a extensão
efetiva da fissura, aef, da maneira que segue:

(
6 Pmax + 0,5w Saef) ⎛ a a ⎞⎟

CTODC =
EW 2 B
( )
g α ef h ⎜⎜ 0 ; ef ⎟⎟⎟
⎜⎜ a W ⎟
(77)
⎝ ef ⎠
1
⎛ a a ⎞⎟ ⎡ ⎛ ⎛ a ⎞⎟⎞⎟ ⎤ 2

⎜⎜ 0 ef ⎟ ⎢ ⎜⎜ ⎜ ⎥
( )
2

⎜⎜ a W ⎟ ⎢ (
⎜⎜ )
h ⎜ ; ⎟⎟ = ⎢ 1− β0 + ⎜1,081−1,149⎜⎜ ef ⎟⎟⎟⎟⎟⎟ β0 − β02
⎜⎜ W ⎟⎟⎟


(78)
⎝ ef ⎠ ⎢⎣ ⎝ ⎝ ⎠⎠ ⎥⎦

e
a0
β0 = (79)
aef

Generalidades sobre os procedimentos de ensaio


A determinação experimental da tenacidade ao fraturamento, KSIC, é
procedida utilizando-se corpo de prova com a relação S/W igual a quatro.
Essa relação é bastante usual, uma vez que as principais equações para as
funções adimensionais de dependência geométrica encontram-se disponibi-
lizadas na literatura. Isso não implica, entretanto, que outras relações não
possam ser utilizadas.

52 Livro Materiais na Construção Civil


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Para o concreto e outros materiais assemelhados, as recomendações


da RILEM (1990) apontam o valor de 1/3 para a profundidade normal do
entalhe inicial (a0= a0/W).
Os ensaios são conduzidos em ciclo fechado, e o carregamento é contro-
lado pelas respostas do deslocamento de abertura do entalhe inicial, CMOD.
A taxa de deslocamento imposta é da ordem de 0.05 mm/5 min, o que
faz resultar um carregamento com características quase estáticas.
Os corpos de prova, em número mínimo de quatro, são ensaiados sa-
turados. As dimensões dos corpos de prova sugeridas para os concretos va-
riam em função da dimensão característica do agregado, Fmáx.
O entalhe central é usualmente serrado, com largura da
ordem de 3 mm.
A Figura 17 ilustra um corpo de prova devidamente instru-
mentado para a aquisição do CMOD e dos deslocamentos verticais
da linha de carga, d.

Figura 17 – Ensaio de flexão em três pontos: Corpo de prova instrumentado para aquisição do
CMOD e d. Ensaio de fraturamento realizado pelos autores na EESC-USP.

Determinação do comprimento característico Q


O modelo proposto permite também a determinação de um compri-
mento característico do material, designado Q.

Livro Materiais na Construção Civil 53


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Teoricamente, esse comprimento relaciona-se com a extensão da ZPI e


é análogo ao comprimento característico, lch, definido por Hillerborg (1985),
fundamentando-se, entretanto, nas relações de abertura da fissura efetiva.
O comprimento característico é dado pela Equação 80:
2
⎛ E CTOD ⎞⎟
⎜ C⎟
Q = ⎜⎜ ⎟⎟ (80)
⎜⎝ S
K IC ⎟⎠

Para a pasta de cimento, Q varia entre 12,5 e 50 mm. Para as argamassas,
entre 50 e 150 mm. No caso dos concretos usuais, esse número está compre-
endido entre 150 e 350 mm.

9.8 Conclusões
No presente trabalho, que se caracteriza pela natureza essencialmente preli-
minar, procurou-se abordar os conceitos fundamentais da mecânica da fratu-
ra para que fosse possível, subsequentemente, um entendimento também pre-
liminar dos conceitos básicos dos mecanismos de fraturamento do concreto.
Mesmo que se tenha procurado guardar certo equilíbrio entre esses temas,
os quais se entrelaçam, seria virtualmente impossível exaurir ambos os as-
suntos (ou mesmo um deles) em um capítulo de livro.
Com esse entendimento, aos leitores interessados, os autores sugerem uma
leitura preliminar da bibliografia apresentada, com vistas a um aprofunda-
mento posterior nesse campo, o qual parece bastante promissor em futuro
bastante próximo.
Se, realmente conseguirmos entender os mecanismos de danificação,
fraturamento e colapso, certamente estaremos avançando consisten-
temente na direção que possibilita o projeto de estruturas seguras e,
ao mesmo tempo, econômicas.

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