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Léotexto. ‘Amo, pelas tardes demoradas de vero, 0 sossego da cidade baixa, e sobretudo aquele sossego que 0 contraste acentua na parte que o dia merguiha em mais bulicio. A Rua do Arsenal, a Rua da Alfandega, o prolongamento das ruas tristes que se alastram para leste desde que a da Al- findega cessa, toda a linha separada dos cais quedos - tudo isso me conforta de tristeza, se me insiro, por essas tardes, na solidio do seu conjunto. Vivo uma era anterior Aquela em que vivo; gozo de sentir-me coevo de Cesario Verde, e 1 tenho em mim, no outros versos como os dele, mas a substancia igual 4 dos versos que foram dele. Por ali ar- rasto, até haver noite, uma sensagio de vida parecida com adessas ruas. De dia elas sio cheias de um bulicio que nao quer dizer nada; de noite so cheias de uma falta de bulicio que nfo quer dizer nada. Eu de dia sou nulo, ¢ de 15 noite sou eu. Nao ha diferenca entre mim e as ruas para o lado da Alfindega, salvo elas serem ruas e eu ser alma, o que pode ser que nada valha, ante o que é a esséncia das coisas. Ha um destino igual, porque é abstrato, para os homens ¢ para as coisas — uma designagio igualmente indiferente na algebra do mistério. ‘Mas hé mais alguma coisa... Nessas horas lentas ¢ vazias, sobe-me da alma & 20 mente uma tristeza de todo o ser, a amargura de tudo ser a0 mesmo tempo uma sen- sago minha e uma coisa externa, que nao estéem meu poder alterar. Ah, quantas vezes os meus préprios sonhos se me erguem em coisas, néio para me substituirem a realidade, mas para se me confessarem seus pares em eu os nao querer, em me surgi- rem de fora, como 0 elétrico que di a volta na curva extrema da rua, ou a voz doapre- 25 goador noturno, de nao sei que coisa, que se destaca, toada drabe, como um repuxo stibito, da monotonia do entardecer! fe Fernando Pessoa, Livro do Desassossego, edicdo de Jerénimo Pizarro, Lisboa: Tinta-da-China, 2024, pp. 734-235, ‘Nas respostas aos itens de escolha miltipla, seleciona a opgio correta. 1. Aexpressio “o sossego da cidade baixa” (linhas 1-2) desempenha a fungao sintatica de Oo (A) sujeito. Oo (B) complemento obliquo. Oo ©) sujeito. oO (D) complemento agente da passiva. 2. _ Aexpressio “em mais bulicio” (linha 3) desempenha a fungao sintética de o (A) modificador. Oo (B) complemento indireto. a © complemento cbliquo. Oo (D) predicativo do sujeito. Oooo ooooF * BODOG? OG Aah Bese el - A expresso “com a dessas ruas” (linhas 12-13) desempenha a fungao sintitica de (A) complemento obliquo. (8) complemento do nome. (© complemento do adjetivo. (D) modificador. ‘No contexto em que surge, 0 sujeito de “e de noite sou eu” (linhas 14-15) 6 (A) simples. (B) composto (C) (aulo) subentendido. (@) (nulo) indeterminado. As expresses “de dia” e “de noite” (linha 13) (A) desempenham a fungio sintatica de complemento obliquo. (B) desempenham a fungao sintatica de modificador. (©) desempenham as fungées sintaticas de complemento obliquo e de modi- ficador, respetivamente. © desempenham a fungio sintatica de predicativo do sujeito. Occonstituinte destacado em “néo para me substituirem a realidade” (linhas 22-23) desempenhaa fungio sintatica de (A) Sujeito (8) Complemento direto. (©) Complemento indireto. (D) Predicativo do sujeito. Em “avoz do apregoador noturno” (linhas 24-25), a expresso destacada desem- penhaa fungdo sintatica de (A) sujeito. (B) complementodonome. (C) modificador do nome restritivo. (D) predicativo do complemento direto. Identifica a fungao sintatica desempenhada pelas expressbes seguintes: a. “quese alastram para leste” (linha 5); b. “umbulicio que ndo quer dizer nada” (linha 13); c. “maisalguma coisa” (linha 19); d. “Nessas horas lentas e vazias” (linha 19). 10 18 20 5 30 35 40 Léotexto. Se te quiserem convencer de que é im- possivel, diz-lhes que impossivel é ficares calado, impossivel é niio teres voz. Temos di- reito a viver. Acreditamos nessa certeza com todas as forgas do nosso corpo e, mais ainda, com todas as forgas da nossa vontade. Viver 6 um verbo enorme, longo. Acreditamos em todo o seu tamanho, nao prescindimos de um Ymico passo do seu/nosso caminho, Sabemos bem que é¢ imtitil resmungar contra 0 ecra do telejornal. O vidro nao res- ponde. Por isso, temos outros planos. Temos voz, tarttas vozes; temos rosto, tantos rostos. As ruas hio de receber-nos, serfio pequenas para nés. Sabemos formar marés, correntes. Sabemos também que nunca nos foi ofere- cido nada. Cada conquista foi ganha milime- tro a milimetro. Antes de estar a vista de toda a gente, pratica e concreta, era sempre im- possivel, mas viver é acreditar. Temos direito a esperanga. Esta vida pertence-nos. Além disso, é magnifico estragar a festa aos poderosos. Fi divertido, saudavel, faz bem a pele. Quando eles pensam que jd nos distribuiram um lugar, que jé est tudo decidido, que nos compraram com falinhas mansas e autocolantes, mostramos-lhes que sabemos gritar, Envergonhamo-los como as criangas de cinco anos envergo- nham os pais na fila do supermercado. Com a diferenga grande de nao sermos crian- gas de cinco anos e com a diferenga imensa de eles néio serem nossos pais porque os nossos pais, hé quase quatro décadas atrs, tiveram de livrar-se dos pais deles. Ou, pelo menos, tentaram. O tnico impossivel é o que julgarmos que n&o somos capazes de construir. Temos mios e um ntimero sem fim de habilidades que podemos fazer com elas. Ne- nhum desses truques é deixa-las cair ao longo do corpo, guarda-las nos bolsos, es- tendé-las 4 caridade. Por isso, néo vamos pedir, vamos exigir. Havemos de repetir as vezes que forem necessarias: temos direito a viver. Nunca duvidamos de que somos muito maiores do que o nosso curriculo, o nosso tempo ndo é um contrato a prazo, nao hd recibos verdes capazes de contabilizar aquilo que valemos. Vida, se nos estas a ouvir, sabe que caminhamos na tua diregao. A nossa liber- dade cresce ao acreditarmos e nés crescemos com ela e tu, vida, cresces também. Se te quiserem convencer, vida, de que é impossivel, diz-Ihe que vamos todos em teu resgate, faremos o que for preciso e diz-lhes que impossivel é negarem-te, camufla- rem-te com ntimeros, diz-Ihes que impossivel é nao teres voz. ‘José Luts Peixoto, Abrogo, Lisboa: Quetzal, 2011, p. 221. Agora, nas respostas aos itens de escolha milltipla, seleciona a pedo correta. rp Aoragiio “Se te quiserem convencer de que é impossivel” (linhas 1-2) é subordinada (A) adverbial condicional. (B) adverbial concessiva. (©) substantiva completiva. © “que 6 imitil resmungar contra o ecr4 do telejornal” (linhas 10-11) é uma orago adverbial consecutiva. (A) coordenada explicativa. (8) subordinada substantiva completiva. (©) subordinada substantiva relativa. (D)_ subordinada adjetiva relativa restritiva, A oragdo “mas viver 6 acreditar” (linha 20) classifica-se como (A) coordenada copulativa. (B) coordenada adversativa. (©) coordenada disjuntiva. ©) subordinada adverbial concessiva. Aoraco “Quando eles pensam que jé nos distribuiram um lugar" (linha 23) 6 (A) subordinada substantiva completiva. (8) subordinada adverbial condicional. (©) subordinada adverbial causal. (©) Subordinada adverbial temporal. “como as criangas de cinco anos envergonham os pais na fila do supermereado” (li- nhas 25-26) é uma oracio (A) coordenada conclusiva. (B) subordinada adverbial causal. (©) subordinada adverbial comparativa. 9S DOO? BBE heya ayeo (D) subordinada substantiva completiva. Sb Bee A oragiio “porque os nossos pais, ha quase quatro décadas atrés, tiveram de livrar- -se dos pais deles” (linhas 27 ¢ 28) 6 (A) coorde (B) coordenadaconclusiva. (C) subordinada adverbial causal. (D) subordinada adverbial consecutiva. ada explicativa. Eo eo Divide e classifica as oragdes presentes na seguinte frase complexa: “As ruas hao de receber-nos, sero pequenas para nés” (linhas 14-15). Classifica a oragio “ends crescemos com ela” (linha 38). Indica o valor da oragao subordinada adjetiva relativa presente na linha 31.

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