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  • A Estranha História de Um Filicida Goitacá PDF

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    37 Documento: A estranha Histéria de um filicida goitaca. Manolo Garcia Florentino! José Roberto Gées* Abstract A criminal process, a case thal captures the social and symbolic aspects of parent-child relationships among staves. In thispacticular case, the infanticide perpetrated by a captive subverts the juridicel standards of the community, thereby precluding the use of legal and symbolic instruments normally utilized to deal with social deviance. ‘Keywords Juizde Fora kinship relations Resumo ‘Oanigo apresenta um processo-crime, exemplar paras captura da Forgasocialesimbs- Tica das elogdes parents entre os escravos. Trata-se de umcaso-Limite, no qual ofilicido perpe- ‘ado por um cativo subverte os paddies juridicos da comunidade, subtraindo-a do exercito dos instrumentos legais sinbélicos normalmente acionades por acasito dos desvios sociais. Pelavras-chave: Esravidio, Relagtesde Parenteseo. ‘Campos dos Goitacazes, tarde de 30 de junho de 1847. O inverno apenas comecara, ¢ 0 limpido azul do céu acentuava 0 lustroso de dois pequenos corpos negros que, serelepes, serpenteavam pelo canavial da fa- zenda do Partido. Na plena inocéncia de scus seis ¢ sete anos, ¢ como sempre, Paulina e Jozino acudiam ao chamamento do pai, Marcelino, para tomar-Ihe a bengo. O que depois sucedeu esta registrado em processo hoje pertencente ao acervo do Arquivo Nacional: TUniversidade Federal do Rio de Janeiro Universidade do Estado do Riode Janeiro 38 inte Onion ter et “Ll foram pare o ger onde xe achaveegucte plow ene, ele momar, qt ‘x conduc paraumat rogan vdhas da mesma ose, no pars scir saudades ‘ue porvestara esse des fio mas paracomtternestes0 mais horrores ass ato pos eu com ua fc gue ao dep le foi achadainda ensangentads, 0: Ito depot ce moreso oulow en una capoeira Pucos anos antes pa e filhos ainda eram escravos do capitdo Manoe! Aninio Barrozo que, as vésperas da morte, alforiara Marcelino, As cri- angas continuaram cativas, agora do herdziro Manoel Antnio da Costa, 2 quem também se legaraafazenda do Partido, Marcelino intalaa-se como lavrador nas paragens do Curral Falso, meis légua distante, Da auséacia dos dois pequenos notou-se as cinco da tarde. Quatro éscravns foram mandados ao Curral Falso em busca de noticias ¢ ouviram de Marcelino que as criancas nao estavam. A um deles, porém, Domingos ‘Congo, em quem mais confiava, confesscu havé-las maiado. Indicou 0 lo- «al em que se enccntravam of corpos, implorou que os enterrassee prome teu retibuirthe a lesldade. Ao final deste di. entre aturdidos € furiosos, hhomens e mulheres, livres ¢ cativos, brancos. negios se esgueiravam seb © manto da noite. Cerearam a casa onde 0 ex-escravo morava com a mulher ic, surpreenderam-no © o amarraram, Domingos Congo traira. ‘Marcelino dormia quando a muktidio chegou, © dono das teas em que vivia, Bento Antunes Barreto, foi o primeiro a indagar-Ihe da razao do duplo hiomicfdio. © liberto contestou-Ihe que, se os tina matado, estava com “0 juzo cortado”. © feitor do Partido, um pérdo, também quis saber dos motivos, Marcelino disse que ignorava, qu: ndo estava em seu juizo. Manoel José Alves, 0 Inspetor de Quartcirio para a casa de quem fora entio conduzido, também procurou uma resposta. O prisioneiro, como que perdido em si, respondeu: "ew ch équeseiporqed fe" acrescentou: “nd sei sefizbem ovals fz mal estsseuo™ ‘Ainda na casa do inspetor, um avrador, convocado para auxiliar no arres- ‘©, aproximou-se de Marcelino e, em um tom proprio a quem indaga as pedras imemoriais, perguntou: = "Pos ttiveste dio de maar teas los? Nem ao menos te arrependeste dois deer moro en poupar vide do cura? Ao que Marcelino, ainda amarrado, redargiiu += "Mai-o, meu senior pore ex nf enave em meio pees estou ere perdi No caminho até a prisio Marcelino ainda seria objeto da curiosidade de ‘um outro lavrador branco. Respondeu-the que era verdade 0 ter matado aos filhos.e que o fizera com um facio, Acrescertou nio poder precisar 0 Iceal ‘onde deixara as eriangas Pelo exame de corpo de delito soube-se que mao houvera Iuta. Os ‘ois pequens corpos nao apresentavam escoriagdes, exceto pelos furos de acne: Asim eum ee put 39 uma polegada que cada um leveva na clavicula. Uma morte réipida, as de Jozino ¢ Paulina. Brasileiro, nascido na propria fazenda do Partido, ‘Marcelino possufa outros dois filhos: José, escravo da mesma fazerda, € Luzi, liberta como ele. No primeiro interrogatério oficial a que respon- dou, negou tudo. Disse néo haver matado os filhos e acusou Domingos Congo de Ihe ter inimizade. Indagado se afirmara ter dado cabo de seus filhos para nfo vé-los cativos, negou mais uma vez. Quiserain saber se tinha Sdio por ver eseravas suas eriangas. Marcelino disse que “antes tem disto satisfagdo”. Domingos Congo afirmou em jutzo conhecer Marcelino desde quando ambos eram parcciros no Partido, Ressaltou “gue ndo era seu inimigo, que ao contrério, sempre se deram bem” Sobre as eriangas, ‘confirmou ter Marcelino a ele reservadamente contfessado que as matara para nio vé-tas escravas. Dois dias depois procedeu-se a acareagiio, oca- sido em que Marcelino confessou seu crime, culpando a bebida pela tragé- dia, O estado de embriaguez foi posteriormente negado por todas as tesie- ‘munhas, No interrogatério seguinte Marcelino resfirmou haver bebido “alguma aguardente” na manhi fatidica, acrescentando softer freqiientes acessos de deméncia desde que cafra de um cavalo. Na mesma sesso tor- ‘arama perguntar se no matara seus filhos por no suportar vé-los esc vos. Ele negou, Marcelino Francisco Ignécio foi conenado 3 morte em 28 de outubro de 1847 e teve a sua sentenga comutada para galés perpétuas em ‘novo julgamento, realizado sete meses depois. © ocarrido nao pertencia d ordem do humano, ao terreno da lingva- gem que por séculos permitia a cada um recorhecer 0 outro ¢ asi mesmo. Urgia encontrar uma explicagio plausive, forjar elementos

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