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FERDINAND DE SAUSSURE CURSO DE LINGUISTICA GERAL Organizado por Crarces Batty e ALBERT SECHEHAYE com a colaboragio de Auaent RIEDLINGER Prefécio a ediglio brasileira: Isaac NicoLav SaLUM. (da Universidade de S. Paulo) > EDITORA CULTRIX ‘Sto Paulo QUADRO BIOGRAFICO 26-11-1857 — Seu nascimento em Genebra, 1867 — Contacto com Adolphe Pictet, autor das Origenes Indo-européenes (1859-1863) 1875 — Estudos de Fisica e Quimica na Univ. de Genebra, 1876 — Membro da Soc. Ling. de Paris. 1876 — Em Leipzig. 1877 — Quatro memérias lidas na Soc. Ling, de Paris especialmente Essai d’une distinction des diffé- rents @ indo-européens, 1877-1878 — Mémoire sur les voyelles indo-europtenes (pu- blicada em dezembro de 1878 em Leipzig). 1880 — Fevereiro — Tese de doutorado: De Pemploi du genitif absolu en sanskrit, Viagem & Litua- nia. Em Paris segue os cursos de Bréal 1881 — “Maitre de conférences* na Ecole Pratique des Heute: Etudes com 24 anos, 1882 — Secretério adjunto da Soc. Ling, de Paris e di retor de publicagio das Memérias. Fica conhe- cendo Baudoin de Courtenay. 1890-1891 — Retoma os cursos da Beole Pratique des Hautes Biudes, 1891-1896 — Professor extraordinirio em Genebra, 1896 — Professor titular em Genebra, 1907 — 1.8 Curto de Lingiistica Geral. 1908 — Seus discfpulos de Paris e de Genebra oferecem- she uma Miscelénea comemorativa do 30." ani- versirio da Meméria sobre as vogais. 1908-1909 — 2. Curso de Lingifttica Gera 1910-1911 — 3%Curto de Linguistica Geral 27- 2-1913 — Seu falecimento em Genebra. carfruzo. ut OBJETO DA LINGUISTICA $1. A aixoua: sua vervigio. Qual & © objeto, ao mesmo tempo integral € concreto, da Lingiistica? A questo é particularmente dificil: veremos mais tarde por qué. Limitemonos, aqui, a esclarecer a di- ficuldade, Outras cigncias trabatham com objetos dados previamen- te © que se podem considerar, em seguida, de vérios pontos de vista; em noso campo, nada de semelhante ocorre. Alguém pronuncia a palavra nu: um observador superficial sera tenta~ do a ver nela um objeto lingtiistico concreto; ut exame mais atento, porém, nos levard a encontrar no caso, uma apés outra, trés ou quatro perfeitamente diferentes, conforme a ma- neira pela qual consideramos a palavra: como som, como ex- pressio duma idéia, como correspondente ao latim nudum etc. Bem Jonge de dizer que o objeto precede o ponto de vista, dirla- mos que é 0 ponto de vista que cria objeto; aliés, nada nos diz de antemao que uma dessas maneiras de considerar 0 fatd ‘em questio seja anterior ou superior as outras. Além disso, seja qual for a que se adote, o fenémeno lin- Siiistico apresenta perpetuamente duas faces que se correspon- dem e das quais uma nio vale senfo pela outra. Por exemplo: 1 As silabas que se articulam sZ0 impresses acisticas percebidas pelo ouvido, mas os sons no existiriam sem os ér- ios vocals; assim, um n existe somente pela correspondéncia esses dois aspectos. Nio se pode reduzir entio a lingua a0 B som, nem separar o som da articulagio vocal; reciprocamente, io’ se podem definir os movimentos dos éngiios vocais se se fizer abstragio da impressio actistica (ver p. 49 ss.) 29 Mas admitamos que © som seja_uma coisa simples: € ele quem faz a linguagem? no passa de instrumento do pensamento e nfo existe por si mesmo. “Surge dai uma nova «¢ temfvel correspondéncia: © som, unidade complexa actstico- vocal, forma por sua vez, com a idéia, uma unidade complex, isiolégica e mental. E ainda mais: 3." A Tinguagem tem um lado individual e um lado social, sendo impoisivel conceber um sem o outro. Finalmente: 4A cada instante, a linguagem implica ao mesmo tem- po um sistema estabelecido ¢ uma evolugio: a cada instante, cla € uma instituigo atual e um produto do passado, Parece facil, & primeira vista, distinguir entre esses sistemas ¢ sua hie ‘ria, entre aquilo que ele é e 0 que foi; na realidade, a relagio que une_ambas as coisas é to intima que se faz dificil sepa- éclas, Seria a questio mais simples se se considerasse 0 fend- ‘meno lingiistico em suas origens; s¢, por exemplo, comegassemos por estudar a linguagem das criangas? Nao, pois € uma idéia bastante {alsa crer que em matéria de linguagem o problema das origens difira do das condigées permanentes; nfo. se sairé mais do circulo viciow, entdo, Dessarte, qualquer que seja o lado por que se aborda a ques- tio, em nenhuma parte se nos oferece integral o objeto da Lit tica, Sempre encontramos o dilema: ou nos aplicamos a um lado apenas de cada problema ¢ nos arriscamos a no perceber as dualidades assinaladas acima, ou, se estudarmos a linguagem sob vérios aspectos ao mesmo tempo, o objeto da Linguistica nos aparecerd como um aglomerado confuso de coisas heterécli- tas, sem liame entre si, Quando se procede assim, abre-se a porta a virias ciéncias — Psicologia, Antropologia, Gramética normativa, Filologia etc. —, que separamos claramente da Lin- siiistica, mas que, por culpa de um método incorreto, poderiann reivindicar a linguagem como um de seus objetos, Hs, segundo nos parece, uma solugéo para todas esas dificuldades: é necessério colocarse primeiramente no terreno da lingua ¢ tomésla como norma de todas as outras manifesta- 6 ses da linguegem. De Sato, entre tantas dualidades, somen- te a lingua parece suscetivel duma definigéo auténoma e for- nnece um ponto de apoio satisfatério para 0 espirito, Mas o que é a lingua? Para nés, ela no se confunde com 4 linguagem; 6 somente uma parte determinada, essencial dela, indubitavelmente, £, a0 mesmo tempo, um produto social da faculdade de linguagem © um conjunto de convengées necessi- tias, adotadas pelo corpo social para permitir o exercicio dessa facukdade nos individuos. ‘Tomada em seu todo, a linguagem € multiforme ¢ heteréclita; 9 cavaleiro de diferentes dominios, ap mesmo tempo fisica, fisioldgica e psiquica, ela pertence além disso ao dominio individual ¢ a0 dominio social; nio se deixa classificar cx nenhuma categoria de fatos humanos, pois no se sabe como inferir sua unidade. A lingua, ao contrério, € um todo por si e um principio de classificagio, "Desde que lhe demos o primeiro lugar entre os fatos da linguagem, introduzimos uma ordem natural num con- junto que nio se presta a nenhuma outra classificagio, A esse principio de classificagéo poderse-ia objetar que o ‘exercicio da linguagem repousa numa faculdade que nos & dada pela Natureza, ao passo que a lingua constitui_ algo adquirido € convencional, que deveria subordinar-se ao instinto natural em ver de adiantar-se a ele. Bis 0 que pode se responder, Inicialmente, no esti provado que a funsio da lingua- gem, tal como cla se manifesta quando falamos, seja inteira- ‘mente natural, isto é: que nosso aparelho vocal tenha sido para falar, assim como nossas pernas para andar. Os lin- gistasestio longe de concordar nesse ponto. Assim, para Whitney, que considera a lingua uma instituigéo social da mes- rma espécie que todas as outras, & por acaso e por simples ra de que nos servimos do aparelho vocal como instrument da lingua; os homens poderiam também ter esco- Ihido © gesto e empregar imagens visuais em lugar de imagens acisticas, Sem diivida, esta tese é demasiado absoluta; a gua ndo € uma instituigéo social semelhante as outras em to- dos ot pontos (ver pp. 88 e 90); além disso, Whitney vai longe de- mais quando diz que nossa escolha recaiu por acaso nos érgios a voeais; de certo modo, jé nos haviam sido impostas pela Na- tureza, No ponto essencial, porém, o lingiiista norte-americano nos parece ter razio: a lingua € uma convenglo e a natureza do signo convencional é indiferente, A questio do aparelho vocal se revela, pois, secundaria no problema da linguagem, Gerta definig2o do que se chama de linguogem articulada poderia confirmar esta idéia, Em latim, articulus significa “membro, parte, subdivisio numa série de’ coisas”; em maté- ria de linguagem, a articulagio pode designar nio 36 a divisio da cadeia falada em silabas, como a subdivisio da cadeia de significagGes em unidades significativas; € neste sentido que se diz em alemio gegliederte Sprache. Apegando-se a esta segun- da definigio, poder-se-ia dizer que ndo € a Tinguagem que ¢ natural ao homem, mas a faculdade de constituir uma lingua, vale dizer: um sistema de signos distintos correspondentes a idéias distintas. Broca descobriu que a faculdade de falar se localiza na terecira citcunvolugéo frontal esquerda; também nisso se apoia- ram alguns para atribuir & linguagem um cardter natural. Mas sabe-se que essa localizago foi comprovada por tudo quanto se relaciona com a linguagem, inclusive a escrita, e essas verifi Ses, unkas as cbsreages fits obre ax diversn formas de por lesio dessts centros de localizagio, parecem indicar: eae perturbagées diversas da linguagem oral esto enca- deadas de muitos modos as da linguagem escrita; 2", que, em todos os casos de afasia ou de agralia, € atingida menos a facul- dade de proferir estes ou aqucles sons ou de tragar estes ou aqueles signos que a de evocar por um instrumento, seja qual for, os signos duma linguagem regular. Tudo isso nos leva a crer que, acima desses diversos érgios, existe uma faculdade mais geral, a que comanda os signos ¢ que seria a faculdade lin- Biistica por exceléncia, E somos assim conduzidos mesma conclusio de antes. Para atribuir a lingua o primeiro lugar no estudo da line guagem, pode-se, enfim, fazer valer 0 argumento de que a fa- culdade — natural ou nfo — de articular palavras nfo se ‘exerce seniio com ajuda de instrumento eriado © fornecido pela coletividade; néo €, entéo, ilusério dizer que & a lingua que faz a unidade da linguagem. 18 § 2. Lvoar Da LINGUA Nos FATOS DA LINGUAGEA. Para achar, no conjunto da linguagem, a esfera que corres: ponde lingua, necessério se faz colocarmo-nos diante do ato Individual que permite reconstituir 0 circuito da fala, Este ato supée pelo menos dois individuos; € 0 minimo exigivel para que 0 circuito seja completo, Suponhames, entio, duas pesoas, Ae B, que conversam. © ponto de partida do circuit se situa no cérebro de uma delas, por exemplo , onde os fatos de consciéncia, a que cha- maremos conceitos, se acham associados as representagées dos sig- nos lingifsticos ou imagens acisticas que setvem para exprimi- sles. Suponhames que um dado conceito suscite no cérebro luma imagem actstica correspondente: € um fendmeno inteira- mente priquico, sequido, por sua vez, de um processo firiolégico: © cérebro transmite aot Srgios da fonagdo um impulso correla- tivo da imagem; depois, as ondas sonoras te propagam da boca de A até 0 ouvido de B: processo puramente fisico, Em seguir do, o circuito se prolonga em B numa ordem inversa: do ouvi- do. ao cérebro, transmissio fisiolégica da imagem acistica; no ‘cérebro, astociagio: paiquica dessa imagem com 0 conceito ‘cor- respondente. Se B, por sua vez, fala, este novo ato seguir de seu cérebro 20 de A — exatamente 0 mesmo curso do pri meiro © passara pelas mesmas fases sucessivas, que representa: remos como segue: 19 Audigao Fonagio C= Conceito Fonagio Audigéo Esta andlise ndo pretende ser completa; poderse-iam distin- sguir ainda: a sensagio actistica pura, a identificagio desta sen- sagéo com a imagem acistica latente, a imagem muscular da fonagio etc. Nao levamos em conta seniio os elementos julga- dos essenciais; mas nossa figura permite distinguir sem dificul- dade as partes fisicas (ondas sonoras) das fisioldgicas (fonagio € audigio) e psiquicas (imagens verbais e conceitos). De fato, é fundamental observar que a imagem verbal nio se confunde com o préprio som e que € psiquica, do mesmo modo que © conceito que the esta associado, © circuito, tal como o representamos, pode di ainda: 2) numa parte exterior (vibragie dos sons indo da_ boca a0 ouvido) ¢ uma parte interior, que compreende to- do o resto; 4) uma parte psiquica ¢ outra néo-psiquiea, incluindo a segunda também of fatos fisiol6gicos, dos quais os ér- ios so a sede, © os fatos fisicos exteriores a0 in- dividuos ¢) numa parte ativa e outra passiva; é ativo tudo 0 que vai do centro de associrgio duma das pestoas a0 ouvi- do da outra, € passivo tudo que vai do ouvido desta a0 seu centro de associa finalmente, na parte psiquica localizada no cérebro, pode- se chamar executive tudo 0 que é ativo (¢ > i)e receptivo tudo © que é passive (i > ¢). Cumpre acrescentar uma faculdade de asociagio ¢ de co- ‘ordenagio que se manifesta desde que nZo se trate mais de sig- nos isolados; é essa faculdade que desempenha 0 principal pi pel na organizago da lingua enquanto sistema (ver p. 142 a.) Para bem compreender tal papel, no entanto, impée-se sair do ato individual, que no € senfo 0 embriéo da linguagem, ¢ abordar o fato social Entre todos os individuos assim unidos pela linguagem, es lableersed ina epi de, eio tem; Modo "reproduce — nfo exatamente, sem diivida, mas aproximadamente — os ‘maesmos signos unidos aot mesmos conceitos. ‘Qual a origem dessa cristalizagdo social? Qual das partes do cireuito pode estar em causa? Pois & bem provavel que to- dos no tomem parte nela de igual modo, ‘A parte fisica pode ser potta de lado desde logo. Quando ‘ouvimos falar uma lingua que desconhecemos, percebemos bem ‘on sons, mas devido 4 nossa incompreensio, ficamos alheios a0 fato social, A parte psiquica nfo entra tampouco totalmente em jogo: © lado executivo fica de fora, pois a sua execugio jamais é feita pela massa; € sempre individual ¢ dela o individuo ¢ sempre senhor; nés a chamaremos fale (parole). Pelo funcionamento das faculdades receptiva e coordena- tiva, nos individuos falantes, & que se formam as marcas que chegam a ser sensivelmente as mesmas em todos. De que ma- neira se deve representar esse produto social para que a lingua aparea perfeitamente desembaragada do restante? Se semos.abarcar a totalidade das imagens verbais armazenadas fem todos of individuos, atingirfamos o Tiame social que consti tui a lingua, Trata-se de um tesouro depositado pela pratica da fala em todos os individuos pertencentes & mesma corau- nidade, um sistema gramatical que existe virtualmente em ca~ da cérebro ou, mais exatamente, nos cérebros dum conjunto de individuos, pois a lingua no esté completa em nenhum, ¢ % ‘na massa ela existe de modo completo, 2 Com o separar a lingua da fala, separa-se a0 mesmo tempo: 1, 0 que & social do que & individual; 29, 0 que é essencial do que € acessbrio © mais ou menos acidental. A lingua no constitui, pois, uma fungio do falante: € © produto que 0 individuo ‘registra passivamente; no supe jamais premeditagio, ¢ a reflexdo nela intervém somente para a atividade de classificagao, da qual trataremos na p. 142 A fala é, ao contrério, um ato individual de vontade teligéncia, no qual convém distinguir: 1.%, as combinagées pelas quais 0 falante realiza 0 cédigo da lingua no propé- sito de exprimir seu pensamento pessoal; 2.%, 0 mecanismo psico- lisico que the permite exteriorizar essas combinagies, Cumpre notar que definimos as coisas © nio os termos; as distingdes estabelecidas nada tém a recear, portanto, de cer- tos termos ambiguos, que no tém correspondéncia entre duas linguas. Assim, em alemao, Sprache quer dizer “lingua” ¢ ““iinguagem”; Rede corresponde aproximadamente a “palavra”, mas acrescentando-the © sentido especial de ‘idiscurso”, Em latim, sermo significa antes “linguagem” ¢ “fala”, enquanto lingua significa a lingua, e assim por diante, Nenhum termo corresponde exatamente a uma das nogées fixadas acima; eis porque toda definicgéo a propésito de um termo € va; € um mau método partir dos termos para definir as coisas, Recapitulemos os caracteres da lingua: 1 Bla € um objeto bem definido no conjunto heteréeli- to dos fatos da linguagem, Pode-se localizé-la na porsdo deter- minada do circuito em que uma imagem auditiva vem asso- clare a um conceito, Ela € a parte social da linguagem, ex- terior a0 individuo, que, por si s6, nfo pode nem erif-la nem modificé-la; ela nfo existe senfo em virtude duma espécie de contrato estabelecido entre os membros da comunidade. Por outro lado, © individuo tem necessidade de uma aprendiza~ ‘gem para conhecer-lhe 0 funcionamento; somente pouco a pou- co a crianga a assimila. A lingua € uma coisa de tal modo dis- tinta que um homem privado do uso da fala conserva a lingua, contanto que compreenda os signos vocais que ouve. 2% A lingua, distinta da fala, € um objeto que se pode ‘studar separadamente.” Nio falamos mais a8 linguas mortas, 2 podemos muito bem assimilar-Ihes o organismo lingiistico, 136 pode a citncia da lingua prescindir de outros elemen- da linguagem como %5 se torna postivel quando tais elemen- 10s no estéo misturados. 3.2 Enquanto a linguagem & heterogénea, a lingua assim delimitada € de natureza homogénea: constitui-se num sistema de signot onde, de essencial, s6 existe a unido do sentido e da imagem actistica, € onde as duas partes do signo sio igualmen- te psiquicas. 42 A lingua, no menos que a fala, é um objeto de na- tureza concreta, © que oferece grande vantagem para o seu estudo. Os signos lingiisticos, embora vendo essencialmente ptiquicos, nfo sio abstragées; as asociagéet, ratficadas pelo con- sentimento coletivo € cujo conjunto constitui a lingua, sZo rea- lidades que tém sua sede no cérebro. Além disso, o8 signos da Hingua io, por assim dizer, tangiveis; a escrita pode fixé-los fem imagens convencionais, a0 passo que seria impossivel foto srafar em todos of seus pormenores os atos da fala; a fonagéo duma palavra, por pequena que seja, representa uma infini- dade de movimentos musculares extremamente dificeis de dis- tinguir e representar, Na lingua, ao contrério, no existe se- ‘nfo a imagem acistica e esta pode traduzirse numa imagem visual constante, Pois se se faz abstragio dessa infinidade de movimentos necestérios para realizi-la na fala, cada imagem acistica nio passa, conforme logo veremos, da soma dum nime- ro limitado de elementos ou fonemas, suscetivels, por sua vez, de serem evocados por um niimero correspondente de signos na cxcrita. £ esta possibilidade de fixar as coisas relativas & lin- ‘gua que faz com que um dicionério e uma gramética possam representi-la fielmente, sendo ela o depérito das imagens acisti- cas, ¢ a escrita a forma tangivel dessas imagens, tft $3. Lucan oa uinaua Nos Faros HUMANOS, ‘A Semtotoon. Ewas caracteristicas nos Jevam a descobrir uma outra mais importante. A lingua, assim delimitada no conjunto dos fatos de linguagem, € classficével entre os fatos humanos, enquanto que a linguagem néo o & 23 Acabamos de ver que a lingua constitui uma instituigio social, mas cla se distingue por tragos das outras institu ses politicas, juridicas etc. Para compreender sua natureza Peculiar, cumpie fazer intervir uma nova ordem de fatos. A lingua & um sistema de signos que exprimem idéias, ¢ é comparavel, por isso, & escrita, ao alfabeto dos surdos-mudos, ‘08 rites simbélicos, as formas de polidez, aos sinais. milita: tes etc, ete. Ela apenas o principal desses sistemas, Pode-se, enti, conceber uma ciéncia que estude a vida dos signos no seio da vida social; ela constituiria uma parte da Psicologia social e, por conseguinte, da Psicologia geral; cha- méla-emos de Semiotogia® (do grego sémeion, “signo”). Ela ros ensinard em que consistem os signos, que leis os regem. Como tal cincia nio existe ainda, no se pode dizer o que ser; la tem direito, porém, & existencia; seu lugar esté determina. do de antemio. A Lingiistica nio é sendo uma parte dessa cigncia geral; as Ieis que a Semiologia descobrir serio aplici- veis a Linglifstica e esta se achard dessarte vinculada a um do- minio bem definido no conjunto dos fats humanos Cabe ao psicélogo determinar o lugar exato da Semiologia ®; a tarefa do lingiista € definir o que faz da lingua um sistema es: ppecial no conjunto dos fatos semiolégicos. A questio sera reto- mada mais adiante; guardaremos, neste ponto, apenas uma coi- sa: se, pela primeira vez, pudemos assinalar & Lingiifstiea um lugar entre as ciéncias foi porque a relacionamos com a Se- mio Por que nao é esta ainda reconhecida como citncia auté- noma, tendo, como qualquer outra, seu objeto proprio? £ que rodames em cireulo; dum lado, nada mais adequado que a lingua para fazer-nos compreender a natureza do problema se- rmiolégico; mas para formulé-lo convenientemente, necessirio se faz estudar a lingua em si; ora, até agora a lingua sempre (a) Bers ct de eo Sem aque tata at aeragbes de slgfcado © nes : oso. metidcs, sharsed, porén, © prinipl. fundamental fonmulads ments (ret (2) Ch A. Nevis, Clastiction der scene, 2° ed, p. 106 38 fF 5 2 m foi abordada em fungio de outra coisa, sob outros pontos de vista, Hi, inicialmente, a concepcio superficial do grande pi Dlico: ele vé na lingua somente uma nomenclatura (ver p. 79), © que suprime toda pesquisa acerca de sua verdadcira natureza, A seguir, ha 0 ponto de vista do psicdlogo, 0 qual estuda ‘¢ mecanismo do signo no individuo; € 0 método mais facil, ‘mas nao ultrapassa a execugio individual, no atinge 0 signo, que € social por natureza, Ou ainda, quando se pereebe que 0 signo deve ser estudi do socialmente, retém-se apenas os caracteres da lingua que a vinculam as outras instituigdes, as que dependem mais ou me- nos de nossa vontade; desse modo, deixa-se de atingir a meta, negligenciando-se as caracteristicas que pertencem somente aot temas semioldgicos em geral e a lingua em particular, O sig- no escapa sempre, em certa medida, & vontade individual ou social, estando niso o seu cardter essencial; é, porém, o que ‘menos aparece & primeira vista Por conseguinte, tal catdter s6 aparece bem na lingua; mani- festa-se, porém, nas coisas que sio menos estudadas e, por outro lado, no se percebe bem a necessidade ou utilidade particular duma citncia semiolégica, Para nés, ao contrério, © problema Lingilstico é antes de tudo, semiol6gico, e todos os nostos de- senvolvimentos emprestam significagdo a este fato importante, Se se quiser descobrir a verdadeira natureza da lingua, serd mister consideré-la inicialmente no que ela tem de comum com todos os outros sistemas da mesma ordem; ¢ fatorcs lingist- (cos que aparecem, & primeira vista, como muito importantes (por exemplo: 0 funcionamento do aparelho vocal), devem set considerados de secundaria importineia quando sirvam somente ara distinguir a lingua dos outros sistemas. Com isso, nfo apenas se eiclarecerd 0 problema lingiistico, mas acreditamos que, considerando os ritos, os costumes ete. como signos, esses fatos aparecerio sob outra luz, e sentirte-é a necewidade de agrupi-los na Semiologia e de explicd-lor pelas leis da cigncia. 2 Primema Parte. PRINCIPIOS GERAIS capfruto 1 NATUREZA DO SIGNO LINGUISTICO G1. SicNo, stowtricano, sioNteicaNre. Para certas pessoas, a lingua, reduzida a seu principio es- sencial, é uma nomenclatura, vale dizer, uma lista de termos que correspondem a outras tantas coisas.” Por exemplo: Tal concepgio € criticével fem numerosos aspectos. Supe fidéias completamente feitas, preexistentes as palavras (ver, ARBOR sobre isso, mais adiante (p. 130) ; ela no nos diz se a pa- lava € de natureza vocal ou psiguica, pois arbor pode ser considerada sob um ou outro aspecto; por fim, ela faz su- zquos por que o vinculo que une um nome a uma coisa cons- titui uma operagio muito sim- ples, o que estd bem longe da verdade. Entretanto, esta visio simplista pode aproximar-nos da verdade, mostrando-nos que a unidade lingiistica é uma coisa dupla, constituida da unigo de dois termos. Vimos na p. 19 s., a propésito do circuito da fala, que ot implicados no ‘signo lingiiistico so ambos psiquicos © 79 ae. esto unidos, em noso cérebro, por um vineulo de asociagio, Insistamos neste ponto, (© signo lingiistco une nio uma coisa e uma palavra, mas ‘um conceito © uma imagem actistica. Esta nio é 0 som ma- terial, coisa puramente fisica, mas a impressio (empreinte) pai quica desse som, a repretentagio que dele not di o testemunho de nossos sentids; tal imagem € sensorial e, se chegamos a chi mé-la “material”, € somente neste sentido, e por oposigio 20 cutro terme da atsociagio, o conceito, geralmente mais abstrato, © cardter psiquico de nossas imagens acisticas aparece cla- ramente quando observamos nossa prépria Jinguagem. Sem movermos os Iébios nem a lingua, podemos falar conosco ott recitar mentalmente um poema. | E porque as palavras da lingua sio para nés imagens acisticas, cumpre evitar falar dos “fonemas” de que se compdem. Ese termo, que implica uma iia de agio vocal, nio\ pode convir vende’ &palava.falada, & realizagio da imagem interior no discurso. Com falar de sons ¢ de silabas de uma palavra, evita-se o malentendido, des- e que nos recordemos tratar-se de imagem actistica, © Signo lingiiistico é, pois, uma entidade psiquica de duas faces, que pode ser representada pela figur Esses dois elementos estio in- timamente unidos e um reclama 0 (Coresio outro. Quer busquemos 0 sentide da palavra latina arbor, ou a pa- lavra. com. que o latin’ designa 0 conceito “arvore”, esté claro que fomente as vineulagées ‘consagras ddas pela lingua nos parecem con- formes & realidade, ¢ abandonamos toda e qualquer outra que se possa imaginar. SID Esta definigio suscita uma importante questio de termino- logia, Chamamos signo a combinagio do conceito e da ima- gem actstica: mas, no uso corrente, esse termo designa geral- mente a imagem aciistica apenas, por exemplo uma palavra (arbor etc.). Esquece-se que se chamamos a arbor signo, é somente porque exprime o conceito “‘érvore", de tal maneira que a idéia da parte sensorial implica a do total. ‘A ambigiidade desapareceria se designéssemos as trés no- ges aqui presentes por nomes que se relacionem entre si, 20 mesmo tempo que se opéem. Propomo-nos a conservar o termo signo para designar o total, © a substituir conceito © imagem acistica respectivamente por significado © stgnificante; ees dois termes tém a vantagem de assinalar a oposicio. que 0: s¢- ppara, quer entre si, quer do total de que fazem parte, Quanto a sign, se not contentamos com éle, € porque mio sabemos por ‘que substituilo, visto nfo nos sugerir a lingua usual nenhum outro. © signo lingiiistico assim definide exibe duas caracteristi- cas primordiais, Ao enunciilas, vamos propor os prineipios ‘mesmo: de todo estudo desta ordem. $2. Pxrstemo PRINGIPIO: A ARBITRARIEDADE DO sIONO. © Iago que une o significante a0 significado é arbitrério ‘ou entio, visto que entendemos por signo o total resultante da asiociagio de um significante com um significado, podemos dizer mais simplesmente: 0 sign lingiistico é arbitréri. Assim, a idéia de “‘mar” nfo esté ligada por relagio algu- ima interior A seqiiéneia de sons m-a-r que Ihe serve de signi te; poderia ser representada jgualmente-bem por outra seqiiéncia, a1 ‘io importa qual; como prova, temos as diferengas entre as linguas © @ propria existéncia de linguas diferentes: o significado da palavra francesa boeuf (“boi”) tem por significante b-6-f de um Jado da fronteira franco-germénica, e o-k-s (Ochs) do outro. © principio da arbitrariedade do signo nio € contestado por ninguém; as vezes, porém, & mais fécil descobrir uma ver- dade do que Ihe assinalar 0 lugar que Ihe cabe. © principio enunciado acima domina toda a lingtiisica da lingua; suas conseqiiéncias so inimeras, f verdade que nem todas apare- cem, & primeira vista, com igual evidéncia; somente ao cabo de varias voltas € que as descobrimos , com elas, a importancia primordial do principio, Uma observagio de passagem: quando a Semiologia estiver organizada, deverd averiguar se os modos de expressio que se baseiam em signos inteiramente naturais — como a pantomi- ma — Ihe pertencem de direito, Supondo que a Semiologia os acolha, seu principal objetivo nao deixaré de ser 0 conjunto de sistemas baseados na arbitrariedade do signo. Com efeito, todo meio de expresso aceito numa sociedade repousa em principio num habito coletivo ou, o que vem a dar na mesma, na convengdo, Os signos de cortesia, por exemplo, dotados freqiientemente de certa expressividade natural (lembremos os cchineses, que satidam seu imperador prostemanclo-se nove vezes até 0 cho) nio esto menos fixados por uma regra; € essa re agra que obriga a emprogi-los, nio seu valor int Pode- *e, pois, dizer que os signos inteiramente arbitrériot realizam melhor que os outros o ideal do procediménto semiolégico; eis Porque a lingua, o mais completo eo mais difundido sistema de expressio, € também o mais caracteristico de todos; nesse sentido, a Lingiifstica pode erigirse em padréo de toda Semio- logia, se bem a lingua ndo seja senéo um sistema particular. Utilizow-se a palavra simbolo para designar o signo lin- ilistico ou, mais exatamente, o que chamamos de significante, Hii inconvenientes em admitico, justamente por causa do nosso primeiro principio. O simbolo tem como caracteristica nio ser jamais completamente atbitrério; ele no esta vazio, existe um rudimento de vinculo natural entre o significante e 0 sig- nificado. © simbolo da justia, a balanga, nfo poderia ser subt- tituide por um objeto qualquer, um carro, por exemplo, a ‘A palavra arbitrério requer também uma observagio. Nio deve dar a idéia de que o significado dependa da livre eseo- tha do que fala (verse-4, mais adiante, que nio esté ao alcance do individuo trocar coisa alguma num signo, uma vez que esteja tele estabelecido mum grupo lingiistico); queremos dizer que © significante € imotivado, isto é, atbitrério em relagdo a0 significado, com © qual néo tem nenhum Jago natural na rea- Tidade. ‘Assinalemos, para terminar, duas objegdes que poderiam ser feitas a este primeiro principio: 1 © contraditor se poderia apolar nas onomatoptiar para dizer que a escolha do significante nem sempre & arbitré- tia, Mas elas nio sio jamais elementos orgiinicos de um sit- tema lingiistico, Seu ntimero, além disso, é bern menor do se cré. Palavras francesas como fouet (‘‘chicote”) ou glas (“dobre de sinos”) podem impressionar certos ouvidos por sua sonori- dade sugestiva; mas para ver que nfo ttm tal eardter desde a crigem, basta remontar as suas formas latinas (fouet derivado Ge fagus, “Taia”, glas = classicum) ; a qualidade de seus sons ‘tuais, ou melhor, aquela que se Ihes atribui, ¢ um resultado fortuito da evolusio fonética, ‘Quanto as onomatopéias auténticas (aquelas do tipo glu- -atlu, fietac ete.), no apenas slo pouco numerosss, mas sua ee Colha é jé, em certa medida, arbitréria, pois que no pasam de imitagio aproximativa ¢ j& meio convencional de certos rui- dos (comparese o francés ouaoua ¢ 0 alemio wauwen), Além ddiso, uma vez introduzidas na lingua, elas se engrenam mais fou menos na evolugio fonética, morfolégica etc. que, sofrem ‘as outras palavras (cf. pigeon, do latim vulgar pipid, derivado também de uma onomatopéia) : prova evidente de que per- deram algo de seu cardter primeiro para adquirir 0 do signo lin- stico em geral, que & imotivado, 2° As exclamagées, bastante préximas das onomatopéias, dio lugar a observagées andlogas nio constituem maior amea- ‘ga para a nossa tese, E-te tentado a ver nelas expressOes espon- ineas da realidade, como que ditadas pela natureza. Mas, para a maior parte delas, pode'se negar haja um vinculo neces. étio entre 0 significado © o significante, Basta comparar duat Tinguas, sob esse aspecto, para ver o quanto tais expresties va- riam de uma para outra lingua (por exemplo, ao francés aie! corresponde em alemio au! ¢ em portugués ai!). Sabe-se tam- bbém que muitas exclamagies comegaram por ser palavras com sentido determinado (cf. diabo!; ou em francés, mordiew morte Dieu etc.). Em resumo, as onomatoptias ¢ as exclamagies sfo de im- portincia secundéria, e sua origem simbélica € em parte contestavel 43. Seounvo princfpio: CARATER LINEAR DO SIONIFICANTE, © significante, sendo de natureza auditiva, desenvolve-se ‘no tempo, unicamente, ¢ tem as caracteristicas que toma do tempo: a) representa uma extenséo, e b) essa extensio & men- surdvel numa 36 dimensio: € uma linha. Este prinefpio evidente, mas parece que sempre s€ ne genciou enuncié-lo, sem divida porque foi considerado dema- sladamente simples; todavia, ele & fundamental e suas conse qiigncias so incalculdveis; sua importincia é igual a da pri- meira lei. Todo 0 mecanismo da lingua depende dele (ver P. 142). Por oposisio aos significantes visuais (sinais marti ‘mos etc.), que podem oferecer complicagées simultineas em varias dimensGes, os significantes acisticos dispem apenas da linha do tempo; seus elementos s apresentam um apés outro; formam uma cadeia, Esse cardter aparece imediatamente quane do os representamos pela escrita e substituimes a sucessio do tempo pela linha espacial dos signos grificos. Em certos casos, isto niio aparece com destaque. Se, por cexemplo, acentuo uma silaba, parece que acumulo num 36. pon- to elementos significatives diferentes, Mas trata-se de uma ilu- sio: a silaba © seu acento constituem apenas um ato fonatério; do existe dualidade no interior detse ato, mas somente opoti- ces derentes com 0 que se,acha a seu lado (ver sbre ie to, ap. 151). carfruco IMUTABILIDADE E MUTABILIDADE DO SIGNO § 1. Inurasnpane, Se, com relagio idéia que representa, o significante apa- rece como escolhido livremente, em compensacéo, com relagio A comunidade lingiifstica que © emprega, nao é livre: € im-, posto, Nunca se consulta a massa social nem o significante escolhido pela lingua poderia ser substituido por outro. Este fato, que parece encerrar uma contradicio, poderia ser chama- do familiarmente de “a carta forcada”. Diz-se & lingua: “Es- colhe!"; mas acrescenta-se: “O signo serd este, nio outro.” Um individuo nio somente seria incapaz, se quisesse, de mod car em qualquer ponto a escolha feita, como também a propria massa no pode exercer sua soberania sobre uma tinica palavra: extd atada a lingua tal qual é A lingua no pode, pois, equiparar-se a um contrato puro ¢ simples, ¢ € justamente por esse lado que 0 estudo do signo linguistico se faz interessante; pois, se se quiser demonstrar que a lei admitida numa coletividade € algo que se suporta © niéo ‘uma Tegra livremente consentida, a lingua € a que oferece Prova mais concludente disso, ‘Vejamos entio como o signo lingiistico excapa & nossa von- tade, e tiremos em seguida as conseqiéncias importantes que decorram desse fenémeno. ‘A qualquer época que remontemos, por mais antiga que seja, ‘a lingua aparece sempre como une heranga dav époce precedente. © ato pelo qual, em dado momento, os nomes te- 85 riam sido distribuidos as coisas, pelo qual um contrato teria sido ettabelecido entre os conceitos ¢ as imagens acisticas — esse ‘ato. podemos imaginé-lo, mas jamais foi ele comprovado. A jdéia de que as coisas poderiam ter ocorrido assim not é sugeri- da por nosto sentimento bastante vive do arbitrério do signo. De fato, nenhuma sociedade conhece nem conheceu ja- mais a lingua de outro modo que no fosse como um prodiito herdado de geragdes anteriores ¢ que cumpre receber como tal. Eis porque a questio da origem da linguagem nao tem a im. portincia que geralmente se Ihe atribui. Tampouco se trata de uma questio a ser proposta; o ‘inico objeto real da Lingiis- tica € a vida normal ¢ regular de um idioma jé constituido, ‘Um dado estado de lingua € sempre 0 produto de fatores his: A6ricos ¢ sio esses fatores que explicam porque o signo & imu- ‘avel, vale dizer, porque resiste a toda substituigio, Mas dizer que a lingua é uma heranca nio explica nada, © nfo se for mais longe. Nao se podem modificar, de um mo- ‘mento para outto, leis existentes e herdadas? Esta objegio nos leva a situar a lingua em seu quadro 10- cial e formular a questio como a formulariamos para as outras instituigdes sociais. Como se transmitem as instituigies? Eis ‘& quettio mais geral, que engloba a da imutabilidade, Cum- pre, primeiramente, avaliar a maior ou menor liberdade de que amas outras instituigdes; verse-4 que para cada uma delas existe um equilibrio diferente entre a tradigio imposta ¢ a acho livre da sociedade. A seguir, investigarse-é por que, fem uma categoria dada, os fatores de primeira ordem si0 mais ‘ou menes poderotos do que os de outra. Por fim, voltando a lingua, perguntar-se-4 por que o fator histérico da transmis- sao a domina totalmente e exclui toda transformagio lingtisti- a geral e repentina, Para responder a tal pergunta, pode-se atribuir validade a virios argumentos dizer, por exemplo, que as modificagies da lingua nio esto ligadas & sucessio de’ geragéex que, Jonge de se sobrepor umas a outras, como as gavetas de um mével, se mesclam ¢ interpenetram e contém cada uma individuos de todas as idades, ‘Serd mister lembrar também a soma de esforgos que exige o aprendizado da lingua materna para coneluir pela im- possibilidade de uma transformagao geral. Curmprira acrescen- tar, ainda, que a reflexio néo intervém na prética de um que os individuos em larga medida, no tém conscitncia das leis da lingua; ¢ se no as percebem, como poderiam modi- dificé-las? Ainda que delas tivessem consciéncia, preciso lem- brar que 0s fatos lingiisticos no provocam a critica, no sentido de que cada povo geralmente est4 satisfeito com a lingua que Baas comderagfes slo importantes, mas nko so expec ficas; preferimos as seguintes, mais emenciais, mais diretas, das quais dependem todas as outras: 1. — caréter arbitrério do signo. Vimos acima que ‘0 cariter arbitrério do signo nos fazia admitir a possiilidade teérica da mudanga; aprofundando a questio, vemos que, de fato, a prépria arbitrariedade do signo pée a lingua a0 abrigo de toda tentativa que vise a modificé-la. A massa, ainda que fosse mais consciente do que ¢, nao poderia Foto Pains para que uma coisa ja posta em questo, & oe Petadic numa norma ragodvel."Pedess, ‘por exemplo, i cutir se a forma monogimica do casamento € mais razod- vel do que a forma poligimica e fazer valer raades para uma ¢ outra. Poder-se-ia, também, discutir um sistema de simbolos, pois que o simbolo tem uma relagio racional com o significado (ver p. 82); mas para a lingua, sistema de signor arbitré- rios, falta essa base, e com ela desaparece todo terreno sblido de" ahcuado; io cxbte motivo. aigum para, prefer soear & Sua, ou 0 lta, oohe 0 boonf ou beh 2. — A mullidéo de signos necessdrios para constituir qualquer lingua. A importancia deste fato & considerivel. Um dstema de egcrita composto de vinte a quarenta letras pode, a gor, ser substituido por outro. O mesmo poderia suceder & lingua se ela encerrasse um nimero limitado de elementos; mas ‘or signos lingisticos a0 inumerdveis, 3. — 0 cardter demasiado complexo do items, Uma lingua constitul um sistema. Se, como veremos adiante, ewe fs lado pelo qual a lingua nio’é completamente arbitra onde impera uma razio relativa, é também o ponto onde avul- ta a incompeténeia da massa para transformécla, Pois tal sis tema é um mecanismo complexo; s6 te pode compreendé-lo pela reflexdo; mesmo aqueles que dele fazem uso cotidiano, a ignoram-no profundamente, Nao se poderia conceber uma trans- formagio que tal sem a intervengéo de especialistas, graméti- cos, logicos etc,; a experiéncia, porém, mostra que até agora as intervengses ‘neste sentido nio tiveram éxito algum. 4. — A resistincia da inércia coletiva & toda renovagéo A lingua — e esta consideragio sobreleva todas 4 a cada momento, tarefa de toda a gente; difun- dida por u'a massa ¢ manejada por ela, € algo de que todos os individuot se servem o dia inteiro. Newe particular, no se pode estabelecer comparagio alguma entre ela e as outras ins- fituigdes. As prescrigies de um cédigo, os ritos de uma reli sido, of sinais maritimos etc., nfo ocupam mais que certo nime- 20 de individuos por vez ¢ durante tempo limitado; da lingua, ao contrério, cada qual participa a todo instante © é por isso que ela sofre sem cessar a influtncia de todos, Exe fato capital basta para demonstrar a impossbilidade de uma revolugdo. A lingua, de todas as instituigées sociais, € a que ‘oferece menos oportunidades as iniciativas. A. lingua forma uum todo com a vida da masta social e esta, sendo naturalmen- te inerte, aparece antes de tudo como um fator de conservagio. Nio basta, todavia, dizer que a lingua € um produto de forgas sociais para que se veja claramente que nio € livre; a par de lembrar que constitui sempre heranga de uma época pre- cedente, deve-se acrescentar que estas forgas sociais atuam em fungo do tempo, Se a lingua tem um cardter de fixidez, nio € somente porque estd ligada ao peso da coletividade, mas tam bém porque esté situada no tempo, Ambos of fatos sio inse- Bardveis. A todo instante, a solidariedade com 0 passado pe fem xeque a liberdade de escolher. Dizemos homem e cachorro porque antes de nés se disse homem € cachorro. Isto nio im que exista no fenémeno total’ um vinculo entre estes dois fato- res antindmicos: a convengio arbitréria, em virtude da qual a evcolha se faz livre, ¢ 0 tempo, gracas a0 qual a escolha se acha fixada, Justamente porque o signo € arbitrdtio, nfo. co- mhece outra lei senfo a da tradigio, e ¢ por batearse ma trax isl que pode ser arbitrario, § 2. Murasnipane, © tempo, que assegura a continuidade da lingua, tem um outro efeito, em aparéncia contradit6rio com 0 primeiro: o de alterar mais ow menos rapidamente os signos lingiisticos e, em certo sentido, pode-se falar, ao mesmo tempo, da imutabilidade ¢ mutabilidade do signo'. Em tltima andlise, os dois fitot so solidériot: 0 signo exté ‘em condigées de alterar-se porque se continua. O que domina, ‘em toda alteracio, é a persisténcia da matéria velha; a infic delidade ao pastado ¢ apenas relativa. Eis porque o principio de alteragao se baseia no principio de continuidade, A alterago no tempo assume diversas formas, cada uma das quais fomeceria matéria para um importante capitulo de Lingiistica. Sem entiar em pormenores, eis o que & mais im- ortante destacar. Em primeiro lugar, no nos equivoquemos sobre o senti- do dado aqui a0 tere altercdo,, Poder-sesia {aver screditar {que se tratasse especialmente de transformagées fonéticas sofri- das pelo significante ou entio transformagées do sentido que afetam 0 conceito significado. Semelhante perspectiva seria insuficiente. Sejam quais forem os fatores de alterago, quer funcionem isoladamente ou combinados, levam sempre a um deslocamento da relagdo entre 0 significado ¢ 0 significante. Eis alguns exemplos: 0 latim necdre, “matar", deu em francés noyer, “afogar”. Tanto a imagem acistica como o conceito mudaram; & inétil, porém, distinguir as duas partes do fenémeno; basta verificar in globo que © vinculo entre idéia € signo se afrouxou e que houve um deslocamento em sua re- lagdo. Se, em ver de comparar necdre do latim clissico com © francés noyer, 0 contrapusermes 20 necare do latim vulgar do steulo IV ou do V, jé com o significado de “afogar”, 0 caso é jum pouco diferente; mas aqui também, embora nao tenha ocot- (Ses nha cena « F. de Seunre 0 sr sign ou pas {dots temor marants, cle que somes deca una vende oe ‘gat se wunorne tm gut on adds pws anand a Podese dizer também que ela € intangivel, mas nio inalterivel (Org.). 39 ido alteragio aprecidvel do. significante, houve um desloca- mento da relagio entre a idéia © 0 signo. © antigo alemio drittel, “o terceiro”, tornou-se, no alemio modemo, Drittel. Neste caso, conquanto’o conceito tenha pe manecido 0 mesmo, a relagio se alterou de dois modos: 0 sig nificante foi modificado no #6 no aspecto. material como tam- bém na forma gramatical; nfo implica mais a idéia de Teil, “parte”; € uma palavra simples, De um modo ou de outro, ‘ata-se sempre de um deslocamento de relagio, Em anglo-saxio, a forma pré-literdria f5t, “o pé”, perma neceu f6t (inglés moderno foot), enquanto’ que seu plural * oti, “os pés", se transformou em fét (inglés modemno feet), Sejam quais forem as alteragdes supostas, uma coisa € certa? cocorreu deslocamento da relagio; outras correspondéncias sur- giram entre a matéria fnica ¢ a idéia ‘Uma lingua & radicalmente incapaz de se defender des fa- tores que deslocam, de minuto a minuto, a relagio entre o sig- nificado ¢ o significante. £ uma das conseqiiéncias da arbitra- riedade do signo. ‘As outras instituigdes — os costumes, as leis etc. — estéo todas baseadas, em graus diferentes, na relaglo natural entre as coisas; nelas hd uma acomodacio necesséria entre os meios empregados eof fins visados. Mesmo a moda, que fixa nos ‘modo de vestir, no € inteiramente arbitriria: ‘nfo se pode ic além de certos limites das condigées ditadas pelo corpo huma- no. A lingua, ao contrério, nfo estd limitada por nada na excotha de seus meios, pois nio se concebe o que nos impediria de associar uma idéia qualquer com uma seqiéncia qualquer de sons. Para mostrar bem que a lingua é uma instituigfo pura, Whitney insistiu, com razio, no cardter arbitrério dos signs; com isso, colocou a Lingiistica em seu verdadeiro eixo, Mas tle nfo foi até o fim e ndo viu que tal caréter arbitrério se- para radicalmente a lingua de todas as outras instituigées. Is 20 4 vé bem pela mancira por que a lingua evolui; nada mais complexo: situada, simultineamente, na massa social ¢ no tempo, ninguém lhe pode alterar nada e, de outro lado, a arbi trariedade de seus signos implica, teoricamente, a, liberdade de estabelecer no importa que relacdo entre a matéria {6nica 90 ¢ as idéias, Disso resulta que esses dois elementos unidos nos signos guardam sua propria vida, numa proporcio desconhe- cida em qualquer outra parte, e que a lingua se altera ou, me- Ihor, evolui, tob @ influéncia de todos os agentes que possam atingir quer 05 sons, quer os significades, Essa evolugio é fatal; wsio hd exemplo de uma lingua que lhe resista. Ao fim de certo tempo, podem-se sempre comprovar deslocamentos sensiveis. Isso € tho verdadeiro que até nas linguas artificais tal principio tem de vigorar. Quem eria uma lingua, a tem sob dominio enquanto ela nio entra em circulago; mas desde o mo- mento em que ela cumpre sua misséo e se torna posse de todos, foge-the ao controle. © esperanto & um ensaio desse género; se triunfar, escapard a lei fatal? Passado o primeiro momento, a Iingua entraré muito provavelmente em sua vida semiolégica; ‘ransmitirse-4 segundo leis que nada tém de comum com as de sua criagéo reflexiva, ¢ no se poder& mais retroceder. O hhomem que pretendesse criar uma lingua imutivel, que a pos- teridade deveria sceitar tal qual a recebesse, se assemelharia a ga linha que chocou um ovo de pata: a lingua criada por ele seria arrastada, quer ele quisesse out no, pela comrente que abarea todas as linguas, ‘A continuidade do signo no tempo, ligada a alteragio no ‘tempo, € um principio de Semiologia geral; sua confirmagio se encontra nos sistemas de escrita, na linguagem dos surdos- smudos etc. ‘Mas em que se bascia a necessidade de mudanga? Talvez lo tlo explicitos nesse ponto quan to no principio da imutabilidade: € que nio distinguimos os diferentes fatores de alteragio; seria preciso encari-los em sua variedade para saber até que ponto so necessérios, ‘As causas da continuidade esto @ priori ao alcance do observador; no ocorre 0 mesmo com as causas de alteragio através do tempo, Melhor renunciar, provisoriamente, a dar conta exata delas, ¢ limitar-se a falar, em geral, do desloca- ‘mento das relagSes; 0 tempo altera todas as coisas; nio existe Fario para que a lingua escape a casa lei universal, Recapitulemos as etapas de nossa demonstracio, reportan- do-not aot principios estabelecides na introdugio, a 1 Evitando estéreis definigdes de termos, distinguimos primeiramente, no seio do fenémeno total que representa a lin- sguagem, dois fatores: a Hngua e a fala, A lingua é para nés 44 Linguagem menos a fala, & o conjunto dos habitos lingiisti- cos que permitem a uma’ pestoa compreender ¢ fazer-se com- preender. 28 Mas esta definigio deixa ainda a lingua fora de sua realidade social; faz dela uma coisa irreal, pois no abrange ‘mais que um dos aspectot da realidade: o individual; € mister uma massa falante para que exista uma lingua, Em nenhum momento, contrariamente A aparéncia, a lingua existe fora do fato social, visto ser um fenémeno semiol6gico. Sua na- tureza social é um dos seus caracteres internot; sua definigio completa nos coloca diante de duas coisas insepardveis, como © demonitra 0 esquema: Mas, nessas condig6es, a lingua é vidvel, nko vivente; levamos em conta apenas a realidade social, nfo o fato his ‘rico. * Como o signo lingiistico & ar- Ditrério, pareceria que a lingua, assim definida, € um sistema livre, organizé- vel & vontade, dependendo inicamente de um principio racional. Seu carder social, considerado em si mesmo, nio se ‘ope precisamente a esse ponto de vitta. Sem diivida, a psicologia coletiva nio opera sobre uma matéria puramente 15- ssica; cumpriria levar em conta tudo quanto faz ceder a razio rras telagées priticas de individuo para individuo. E, todavia, rio & isto que nos impede de ver a lingua como uma simples convengio modificével conforme 0 arbftrio dos interessados, € a ago do tempo que se combina com a da forca social; fora do tempo, a realidade lingiistica nfo € completa e nenhuma con- clusio' se faz possvel. Se se tomasse a lingua no tempo, sem a massa falante — suponha-se 0 individuo isolado que vivewe durante varios séculot — nio se registraria talvez nenhuma alteraglo; o tem- po nio agiria sobre ela, Inversamente, se se considerase a 92 massa falante sem o tempo, no se veria o eftito das forgas sociais agindo sobre a lingua. Para estar na rralidade, & ne- cessirio, entio, acrescentar ao nos $0 primeiro esquema um signo que ‘Tempo. indique a marcha do tempo: A lingua j& no & agora livre, porque o tempo permitiré. ax for- {a5 tociais que atuam sobre ela de- senyolver seus efeitos, e chegase assim a0 principio de continui- dade, que anula a liberdade, A continuidade, porém, impl cessariamente a alteracdo, 0 deslo- ‘camento mais ou menos consider vel das relagies, 93 carfruuo v RELAGOES SINTAGMATICAS E RELAGOES ‘ASSOCIATIVAS $1. Dermagdes, ‘Assim, pois, num estado de lingua, tudo se baseia em rela- ‘98e83 como funcionam elas? AAs relagies e as diferengas entre termos linglisticos se de- senvolvem em duas esferas distintas, cada uma das quais € ge- radora de certa ordem de valores; oposigio entre estas duas ordens faz compreender melhor a natureza de cada uma, Cor- respondem a duas formas de nossa atividade mental, ambas in- dispensiveis para a vida da lingua. De um lado, no discurso, o8 termos estabelecem entre si, em vvirtude de seu encadeamento, relagées baseadas no carster linear da lingua, que exclui a possbilidade de pronunciar dois elemen- tos ao mesmo tempo (ver p. 85). Estes se alinham um apés outro na_cadeia da fala, ais combinagdes, que se apéiam za extenslo, podem ser chamadas de sintagmas*, © sintagma se compée sempre de duas ou mais unidades consecutivas (por exemplo: reser, contra todos; a vida humana; Deus é bom; s¢ fiser bom tempo, sairemos ete.). Colocado num sintagma, uum termo s6 adquire seu valor porque se opée ao que o pre- cede ow a0 que o segue, ou a amber. Por outro lado, fora do discurso, as palavras que oferecem algo de comum se associam na meméria e assim se formam grux por dentro dos quais imperam relagdes muito diversas. Assim, 2 palavra francesa enseignement ou a portuguesa enzino fark surgir inconscientemente no espirito uma porgéo de outras pa- lavras (enseigner, renscigner etc. ou entdo. armement, change- ment, ou ainda éducation, apprentissage) 3; por um lado ou ppor outro, todas tém algo de comum entre si Ve-se que essas coordenagées sio de uma espécie bem dife- rente das primeiras. Elas nio tém por base a extensio; sua sede ‘sth no cérebro; elas fazem parte desse tesouro interior que cont fitui a lingua de cada individuo, Chamé-las-emos.relagées ‘ssociativas. ‘A relagio sintagmtica existe in praesentia; repousa em dois ‘ou mais termos igualmente presentes numa série efetiva. Ao con- ttirio, a relagio associativa une termos in absentia numa série mneménica virtual. Dese duplo ponto de vista, uma unidade lingiistica € com- pardvel a uma parte determinada de um edificio, uma coluna, por exemplo; a coluna se acha, de um lado, numa certa rela- Go com a arquitrave que a sustém; essa disposigo de duas uni aces igualmente presentes no espago faz pensar na relagio sin- tagmitica; de outro lado, se a coluna é de ordem dérica, ela evoca a comparagio mental com outras ordens (jéniea, corin- ia ete,), que sio elementos no presentes no espago: a relagdo & associative, ‘Cada uma dessas duas ordens de coordenagio exige algu- mas observagies particulaes $2. As Reagdes sinracmAricas, ‘Nostos exemplos da p. 142 dio ja a entender que a nogio de sintagma se aplica no 36 s palavras, mas aos grupos de palavras, as unidades complexas de toda dimensio € de toda TNo cito dt plavta portuguesa ensino ou ensinamento, as pa lavas sein sto sina depls manent, desfisramete, et. 13 espécie (palavras compostas, derivadas, membros de frase, frases inteiras) Nao basta considerar a relagio que une entre si as diversas partes de um sintagma (por exemplo, contra € todos em contra fodos, contra ¢ mestre em contramestre) ; cumpre também le- var em conta a que liga 0 todo com as diversas partes {por exemplo: contra todos oposto, de um lado, a contra, e de outro a todos, ou contramestre oposto, de um lado, a contra e de outro a mestre), Poder-se-ia fazer aqui uma objegio. A frase € 0 tipo ‘Geelincig de sintagma.” Mat cla pertence fala nfo 3 lingua (ver p. 21); no se segue que o sintagma pertence a fala? No. pensamos asim, & proprio da fala a liberdade das combinagdes; cumpre, pois, perguntar se todos os sintagmas slo igualmente livres. Hi, primeiramente, um grande nimero de expresses que Pertencem lingua; sio as frases feitas, nas quais o uso proibe qualquer modificagio, mesmo quando seja posivel distinguir, Pela reflexdo, as partes significativas (ef. francés: & quoi bon? allons donc! etc.) *. © mesmo, ainda que em menor grau, ocor- re com expresses como prendre la mouche, forcer la main a quelg'un, rompre une lance, ou ainda: avoir mal a (la téte), @ force de (soins ete,), que vous ensemble? pas mest besoin de... ete.} eujo cardter usual depende das particularidades de sua significagio ou de sua sintaxe. Esses tomneios niio podem ser improvisados; sio fornecidos pela tradiglo. Podem-se também citar as palavras que, embora prestando-se perfeitamente ani- lise, se earacterizam por alguma anomalia morfoldgica mantida unicamente pela forga de uso (cf. o francés diffieulté em com- aragio com facilitd etc.; mourrai em comparagéo com dor. rirai etc.) 3 (1) Evemplos equslentes em portuguts sriam de que adits? om que erisos ee. TN dan (2) Que eortesponderiam, por exerplo, em portoguts, a expreses somo estar de In forearm guebrarlencas"Cem deleea a lg, ter d6 (de aiguém), 2 Jace Ge (cldadon, ec), ote Jae misters Ge moa (alguna cis) ete (Now (3) Exemplosequivtentes em portgués: difculdade comparsds com Juitdade, free poder (N. don). 4 Mas isto nio € tudo: cumpre atribuir A lingua e no & fala todos 06 tipos de sintagmas construidos sobre formas regu- lares, Com efeito, como nio existe nada de abstrato na lingus esses tipos 36 existem quando a lingua registrou um néimero su: ficientemente grande de espécimes. Quando uma palavra como © fr. indecorable ou port. indeclindvel surge na fala (ver p. 194), supe um tipo determinado ¢ este, por sua vez, 36 postivel pela lembranga de um mimero suficiente de palavras se- melhantes pertencentes A lingua (imperdodvel, intolerdvel, infa- tigdvel etc.) Sucede exatamente 0 mesmo com frases e grupos de palavras estabelecidos sobre padres regulares; combinagées como @ terra gira, que te disse ete, respondem a tipos gerais, que tém, por sua vez, base na lingua sob a forma de recordagGes concretas, Cumpre reconhecer, porém, que no dominio do sintagma do hé limite categérico entre o fato de lingua, testemunho de uso coletivo, € 0 fato de fala, que depende da liberdade indivi- dual, Num grande mimero de casos, € dificil classificar uma combinagao de unidades, porque ambos os fatores concorreram para producicla e em proporgées impossiveis de determinar, $3. As ReLAgGEs Assocrarivas. Os grupos formados por associaggo mental nfo se limitam 4 aproximar os termos que apresentem algo em comum; o espi- sito capta também a natureza das relagdes que os unem em cada caso € cria com isso tantas séries associativas quantas relagées diversas existam. Assim, em enseignement, enseigner, enseignons ete. (ensine, ensinar, ensinemos), ha um elemento comum a to- dos os termos, 0 radical; todavia, a palavra enseignement (ou ensino) se pode achar implicada numa série baseada em outro elemento comum, o sufixo (cf. enseignement, armement, chan- gement etc.; ensinamento, armamento, desfiguramento etc.) a associagio pode se fundar também apenas na analogia dos sig- nificados (ensino, instrugéo, aprendizagem, educagdo etc.) od, pelo contrério, na simples comunidade das imagens actisticas ( exemplo enscignement ¢ justement, ou ensinamento e lento) } (1) Bate timo caso € taro e pode passat por pois 0 es pirto descarta naturalmente as assoclagbes capezes de M5 Por conseguinte, existe tanto comunidade dupla do sentido © da forma como comunidade de forma ou de sentido somente. Uma palavra qualquer pode sempre evocar tudo quanto seja suscet- vel de ser-Ihe associado de uma maneira ou de outra. Enquanto um sintagma suscita em seguida a idéia de uma jordem de sucesso e de um mimero determinado de ele- aswciativa nfo se apre- nem numa ordem deter minada, Se astociarmos desej-os0, calor-os0, medr-o50, ete» ser-nos-& impossivel dizer antecipadamente qual sera 0 nimero de palavras sugeridas pela meméria ou a ordem em que apare- cero, Um termo dado é como o centro de uma constelagio, © ponto para onde convergem outros termos coordenados cuja soma é indefinida (ver a figura a seguir). Entretanto, desses dois caracteres da série astociativa, or- dem indeterminada ¢ nimero indefinido, somente 0 primeiro se verifica sempre; o segundo pode faltar. E 0 que acontece num tipo caracteristico desse género de agrupamento, os para- digmas de flexdo. Em latim, em dominus, domini, domino ete, temos certamente um grupo associative formado por um clemen- to comum, 0 tema nominal domin.; a série, porém, no € inde- finida como a de enseignement, changement ete; 0 ntimero esses casos é determinado, pelo contrétio, sua sucesso no est ordenada especialmente, e € por um ato puramente arbitrario ‘que 0 gramitico os agrupa de uma mancira e néo de outra; ara a conscigncia de quem fala, 0 nominativo nio & absolu. tamente o primeiro caso da declinagio, e os termos poderio sur- ir nesta ou naquela ordem, conforme a ocasio. 1

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