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O CONHECIMENTO ESTA JUNTO COM CADA PEGA DE ARTESANATO eas al Ailyry Waltp/ fo: Dominique Tiki Gallis LUIS DONISETE Vamos comegar nossa conversa falando do Fundo de Artesanato Wajapi que vocés criaram, sobre como foi a ideia de criar esse Fundo de Artesanato, como & que ele funciona... AIKYRY Deixa eu explicar. Essa ideia de criar um fundo de artesanato foi assim: quando néo tinha associagdo ainda, Wajapi fazia artesanato e dava para o nao indigena, karaik6, trocava e pedia coi- sas, Entio as vezes fazia muitas pulseiras, colares, akanytard?, cesto, tipit? e outro tipo de artesanato para trocar. Antigamente, na época do meu pai, tro- cava corea akanytard, rede, filhote de arara, papa- aio, com o pessoal do Pirawiri. Trocava uma rede com machado, com anzol. Foi assim nessa época de troca. Depois a gente ficou longe deles, nao estava, mais em contato com eles. Ns ficamos em contato com karaikd, nao indigena. Nessa época, nés Wajapi fazlamos cocar, rede, artesanato e entregava para 1 Coroa de plumas de papade rucano. Adorno confeccionae por homens eutilizado poreles no cotdiano cem fests. 2 Cilindsico extensive eto pelos homens com lascas de arums, utilizado pelas mulheces paras prensagem da massa de mandioca bravaraleda a FUNAI. Eu lembro de comprar do Joao Carva- Iho, do Fiorello’. A gente s6 fazia entregar, dizia “comprar”. A gente fazia um samere', para comprar munigdo, comprar camisa piri’, tecido, munigao, panela, faca, ¢ esmeril. Naquela época trocava, fazia artesanato para entregar para 0 pessoal da FUNAT ‘comprar as coisas para a gente, As mulheres faziam muito colares, ¢ pediam para trazer micanga para elas. E foi indo. Ai surgiu o Apina. Nés criamos 0 Conselho das Aldeias Wajipi. Mas antes de surgir 0 ‘pina, n6s temos experiencia de fazer o artesanato ¢ vender para o nio indio lé na cidade. Nessa época, uum akitrytard era 0 mesmo prego do produto, mes- mo valor da pilha, Uma caixa de pilha custa, vamos supor, agora, trinta reais, naquela época um akany- tard era trinta reais. A gente trocava pelo mesmo prego. Ai depois surgiu Apina, af nés comecamos a pensar em fazer o Fundo. A gente dava o artesa- nato para a associagao e 0 Conselho vendia para a gente. S6 que naquela época as pecas eram muito baratas e a gente vendia de qualquer jeito. Mesmo assim funcionou, a gente vendia muito. © Apina tinha uma porcentagem que quando vendia, tirava 3 Joie Carvalho e Forllo Parse sertanistas da FUNAT,atuaram centre oe Walp duranteos pimeirosanosde coniato. 4 Diadema confeecionado com penas de tacano, mutum ear, {eis wilizado pelos homens em fests. ‘5 Panovermelho, muito apreclad, utlizado paraa confecsio das ‘tangas masculinasessas emininas. a9 Karas Wiens nj n eto dorado / i Barr, 2008 a porcentagem e guardava para comprar envelope, saco para embalar, para mandar. Ai, naquela época, no pagava na hore, nao. Tinha que vender primei- ro ea gente esperava, Nessa época, nosso objetivo ssanato e ensinar para era vender, produzir mais os mais novos aprender artesanato, fazer bem aca- bado e nao somente para vender, fazer também para usar, doméstico, para esposa, pai. Entio, foi assim que aconteceu. Aio Fundo cresceu, ajudava a cada produtor ter dinheiro para poder comprar as coisas que precisava, Nao era muito dinheiro, mas dava. Nés tinhamos um depésito de artesanato no Arami- 14, onde produtores traziam e guardavam. L O Apina ajudava a comercializar, a vender esse artesanato que comprava nas aldeias? AE, 0 Apina comprava diretamente com os produto- res, pagavana hora e depois vendia aqui em Macapé, nos hotéis grandes, mandava lé para outros Estados, como para Belém, e outros lugares. E-vendia para co- nhecido, também. A gente pensou em criar o Fundo de Artesanato para fortalecer ¢ valorizar 0 uso ¢ a pro- dugio de artesanato nessa época, Artesanato, aquele, outensilio doméstico também. Porque quando Wajapi faz artesanato para suas esposas, para as familias, € di- ferente daquele artesanato que agente vende. Entio 2 gente chama aquilo de utensflio doméstico, aquilo que a gente usa nas casas, sabe? Af nessa época, nés, eu era presidente do Apina Consetho das Aldeias Wajépi, € quem estava nessa época administrando karakuri era eu 20 Cissio’, ele trabalhou muito com isso. Entio, como 6 quea gente pensou? Fazer mais artesanato eensinar os filhos jovens Id na aldeia para que ndo. ‘esquecessem de saber fabricar artesanato caprichoso, bem bonito, para vender e para usar também. Deu. certo porque alguma coisa que nao dava para vender, 6 Dinheiro, 7 Cfssia Noronha, antrapélogo, na época asessor do Programa ‘Wap / Centrode Teabalko Indigenista~ CT aquele que nao é bem caprichoso, enti a gente esco- Ihia, nessa época, a gente vendia s6 aquele bonito. E ev acho que deu certo porque cada Wajapi tinha di- nheirinho para comprar as coisas que precisava. Dew trabalho, mas mesmo assim dava pare pegar karakuri- zinbo para comprar as coisas que precisava. L Ecolocava um prego a mais, uma porcentagem? A Nio, do prego descontava 10% para o Fundo. Na- quela época nao tinha prego definido, sabe? L Ab. Quem dava o prego? Era o artesao? ‘A O Apina mesmo que dava, diretoria do Apina. Depois nés fizemos uma tabela de prego. Sé que as vvezes nao da certo porque a gente comprava tudo: artesanato feio, bonito, mal feito, ento nao funciona~ va bem direitinho como a gente queria. Funcionou, masa gente perdia muito no Fundo de Artesanato com as pegas que ndo vendia. D Eume lembro que voct, enquanto era pre- sidente do Apina e responsavel pelo Fundo, acontecen uma coisa muito dificil: as pesas mais bonitas saiam e ai dentro do depésito ficavam todas aquelas pecas mal feitas, e voce tinhaa coragem de dizer “a pesa mal feita tem que devol- ver para o produtor”. Mas isso era muito dificil para os jovens Wajipi dizerem para o seu sogro, por exemplo, “O, tua pesa esta feia, eu no vou vender”. E isso era um problema, porque na ver- dade voce sempre quis, se me lembro bem, fazer uma selesio de qualidade, que s6 entraria para o Fundo aquela pesa boa, aquela que estava torta, mal acabada, vocé queria deixar de fora, mas isso gerava polémica aqui dentro das aldeias, porque tinha que falar para alguns adultos, assim “Ah! voc® faz. um artesanato feio, nao vai vender”, mas, ndo vendia mesmo, né? Entio voce pode contar ‘um pouco como foi isso, essa dificuldade? A Teve esse problema mesmo, porque cria um tipo de discriminagao, um preconceito, uma desigualdade, sabe? Porque outro sabe fazer mais bonito, entio artesanato torto para Macapa. Apina avaliava aqui na aldeia mesmo, antes de pegar. Ais pessoas come- garam a entender, porque a gente explicava, Nés no vamos levar dele, mas vamos levar desse daqui. Esse aqui fica, esse aqui vai. Faziamos uma selegdo aqui naaldeia mesmo. Outro problema que deu naquela época foi que alguns Wajapi faziam muito artesanato e recebiam mais dinheiro que outros produtores que io produziam muito. D Bisso geron dificuldades? A Sim, Um falava “Por que 0 outro ganha mais?” © outro ganhava mais, porque fazia muito arte- sanato bonito, ¢0 outro produzia menos. Entio ew acho que foi bom vender artesanato, porque, naguela época, tinha Wajapi que trabalhava no garimpo, tirando ouro também. Af com a venda de artesanato, eles jd conseguiam dinheiro para com- prar as coisas que precisavam. Wajépi nao precisa de dinheirao, nao. Af Wajapi nfo foi mais garim- par. Quando precisava de dinheizo, fazia artesanato evendia para o Apina. D E voc acha que o dinheiro que tirava do pequeno ‘ouro que conseguia com o garimpo eo dinheiro que podia conseguir vendendo artesanato era parecido? AE, ecom artesanato vendia mais répido. D Edava menos trabalho? A E, artesanato é menos trabalho, porque ouro é ‘muito trabalho, no garimpo tem que cavar muito. Af por isso 0 pessoal parou, guardou, tipo uma poupan- 5a, esté lé guardado, Se um dia nossos filhos quiserem tirar, do jeito que n6s sempre explicamos, 96 tirar ouro, mas nao usar mercirio, vai dar. Onde cava, en- terra, depois faz plantagio de agal, cacau e outros. L_ Evocéacha que a proibigéo imposta por uma Portaria do Ibama de usar partes de animais, penas, ¢ fazer objeto para comercializar foi ruim? D Tem do lado bom, tem do lado negativo. Porque se eles nio proibissem, vai ter alguma pessoa que néo vai fazer manejo de caga, a pessoa vai matar muito, 6 para pegar pena, osso, para vender. Mas por outro lado, foi ruim porque a gente mata muita caga ea gen- ‘tendo aproveitava mais nada, nem pena, nem ossos, nem dentes de macaco. Tudo estraga, a gente no aproveita mais. LL Estdo virando onca? Eu ouvi que um Wajapi falou algo assim, que depois dessa proibisao do Tbama, que agora os Wajapi estavam virando onsa, Feed gy We Js, Naa, Tamar Sen, Wd et ‘comiam sé a carne e deixavam os restos. See fi Mi 2010 i | A [risos]. Nao. Porque tem lugar certo para jogar ‘ossos de caca. Quando proibiu vender pena de aves, sso daquele que a gente mata ¢ aproveitamos, isso quebrou o Fundo, porque af nao podia fazer mais muita coisa de artesanato. Quando o Ibama fez essa proibigdo, complicou mdo. A gente mata e come a came, mas a gente ndo aproveita mais outras partes ‘como as penas € ossos. Aproveita ainda para fazer e usar na aldeia, agora para vender para fora ficou difi- cil. Nao dé para resgatar isso? L Dé para tentar explicar para o Ibama... A Cancelara portaria? L Acho dificil. Talvez sugerir a criagao de novas regras. Explicar, por exemplo que tem época de ma- tar tucano € que além de comer, voces utilizam as penas, as plumas, a penugem, 0 bico. A Ena época de Agai. A gente come. Faz assado, gui- sado, cozidao, que € cozido com tucupi, juky, sopa de tucano. Bem melhor que carne de frango congelada. L Eo papo, o bico, as penas, a penugem: usam como? A Agente usa aquele papo amarelo, branco para fazer coroa akénytard. A gente usa ainda o ico para no cair raio na aldeia, relampago. A gente vé que tem ainda Wajapi que amarra.o bico ld na casa, em algum lugar para nao cair raio, ipo um para-raio, espanta. A gente usa também o bico do tucano para passar a dor. Entéo, a gente néo mata de qualquer jeito, a gente usa uma coisa para proteger a gente do inimigo, que a gente usa cocar para. gente ficar bonito, para nao ficar velho tao rapido. Carnes si0 nossa alimentagao, é assim. L Agora, vocé falou que quando tiveram a ideia do Fundo, que uma das propostas era também ensinar 08 jovens, para aprender a fazer do jeito bonito. E quando deixam de fazer 0 artesanato, assim, por exemplo, com essa proibicao do Ibama, vocé acha que as criangas estio perdendo, deixando de apren- der a fazer akanytara, porque antes fazia e vendia, ‘usava, ou fazia s6 para vender... E agora, esto fa- zendo menos, vocé achat A Bu acho que estio fazendo menos, porque nio tem troca. Por exemplo, antigamente, na época de toca com pirawiri wand® , os jovens se interessavam. em aprender, aprender a fazer akdnytard, as menines aprendiam a fazer a rede, tipoia, para poder levar para ‘trocar e usar também. Entéo com essa proibicio até quem faz artesanato desinteressou de fazer e acaba prejudicando 0 mais novo: ele ndo esté aprendendo mais, parou. Nao é que esqueceu, parou, enfraqueceu ‘a transmissio e como ensinar produgio de artesanato, tecnicamente. Quem sabe € 0 pessoal mais antigo da gente. Agora mais novo, pode ver, sé um pouquinho, so minoria, Entéo precisa repensar isso. L Entendo que se menos pessoas estio fazendo artesanato, menos gente est vendo como faz, ai as préximas geragOes vao acabar nao sabendo fazer, porque os velhos vio acabar morrendo. A Pode acontecer isso, viu. Por exemplo, se espe~ cialistas de artesanato, se a gente nao aproveitar roan eles, vao morrer levando todo aquele conhecimento 433 que ele aprendeu, L Ecomo ¢ la nas aldeias Wajapi: todo mundo sabe fazer de tudo ou tem umas pessoas que sio mais espe- cialistas, sabem fazer melhor, so mais reconhecidos? A Tem gente que é bom, que sabe: sao especialistas que sabem fazer melhor. Agora tem outro que nio sabe nada, L Nada, nada? ‘A Nada, nada. A pessoa assalariada vai comprar, en- comenda para outra e compra de outros Wajipi. $6 que io est interessado em aprender, porque tem salirio. Quando eu nao sei, eu vou comprar. Isso acontece muito. Por exemplo, as minhas duas esposas, elas si0 especialistas de arte de tecelagem, Blas fazem muito ‘bem tecer o algodao, Af as mulheres que gostam da tipoia delas, clas compram delas. Nao estio interessa- dasem aprender. Porque, como é que diz, cabeca das pessoas quando vé aquilo primeira vez é dificil para aprender. Tem que sentar com ela e aprender. Se as rmulheres se interessassem para aprender, iam apren- der com elas, mas nao esto, Porque o que faz a pessoa ficar desinteressada de aprender répido € 0 dinheiro, Porque o marido tem dinheiro, daf eu vou falar para ele comprar para mim. O que manda nos Wajapi hoje em dia é dinheiro, Ai nao vai estar interessado nisso. L Entio voct esté falando que o assalariamento muito ruim? ‘A Muito ruim. Quando o dinheiro entra na cultura ‘wajapi, estd mudando. Quantas vezes jé pedi para ‘Wajapi fazer artesanato, Nao faz. Porque quase to- dos, cada familia tem seu saldrio, aquele que ganha, i esté bom paraele, entendeu? Af, antes fazia muito artesanato, porque naquela época, no é todo mundo que era assalariado, Bu lembro muito bem quem era assalariado naquela época: era s6 o finado Kumai, ‘Kurapia, ¢ Tisaku. Safa muita produgio de artesanato naquela época. = L Por que era uma fonte de renda? A & Para ter um dinheiro, ter um karakuri. Agora, hoje em dia, nao, Tem saléio, Artesanato esta ficando ‘muito fraco para Wajapi. Para conseguir dinheiro, tem aposentadoria, deficiente fisico, saldrio de pro- fessor, de agente indigena de satide, AISAN [Agente Indigena de Saneamento] ¢ assim por diante. Entio ‘nds temos que pensar uma forma para poder rever como quea gente vai valorizare para os mais novos se animarem para poder valorizar o trabalho de pro- ducdo de artesanato, sendo, se a gente nao pensar, vai enftaquecer muito, L Ser que pode acabar perdendo o saber fazer al- ‘gumas coisas? A. Alguma coisa de tecnicamente pode acabar. Por- que eu viajo muito para a Guiana Francesa, onde ‘Walapi também vive, Lé s6 os mais velhos que s2- bem fazer; os novos, nio. Por isso que eu digo que é o dinheiro que manda nos Wajapi. La todo mundo tem dinheiro, af entio compra daquela pessoa que sabe fazer. Entdo, aqui pode acontecer a mesma coisa também. Jé esté acontecendo. Dentro da minha fa- miliz, por exemplo, eu tenho cinco filhos crescendo: dois sabem e trés nao sabem ainda. Tem meu irmao também, ele jé € adulto es6 sabe fazer 0 bisico.O basico de artesanato ¢ abano, tpiti, peneira. Quando jdaprende isso, jd sabe o que é bisico. Nao vai pensar de fazer mais coisa. Nao esté interessado de fazer mala karyr, mito”, rykyry"” € outro tipo de artesa- nato. Nao val fazer, nao val transformar capacidade para poder aprender. Entdo, mas principalmente para nds o bésico tem que aprender. Tem regra, quem no sabe fazer artesanato, mulher vai pedir artesanato 9 Esteica quadrangular trangada com folbas de palmeira bacaba © ‘liza para sent, colocar alimentos ou tampas recpiemtes com limentoreebidae, 10 Cestotrangade de trama aberta, com folhas de arumné oucips, sulizado pars eoleta de produtos da roga epara armazenamanto| emgeral para outro macho, Antigamente a gente ficava com med da mulher ter relagio sexual para trocar artesa- nato com ele. Entdo para nao ter chifre, todo mundo naquela época tinha que aprender. Tinha que saber fazer. Agora hoje em di, jd que sou assalariado, para nao ter chiffe, entdo eu vou comprar para minha es- osa. L Ecomo funciona o Fundo de Artesanato? A. Hoje em dia é diferente. Hoje em dia tem uma por- centagem: 10% do prego do artesanato fica no Fundo. Fizemos oficina e definimos um valor, um prego pelo trabalho. £ 17 centavos a hora, Por exemplo, para fazer um tipi, leva cinco dias, ou quatro dias, ou dez horas: af multiplica dezessete vezes dez horas. Ai, se leva vinte horas, af é mais caro. L Calcula-se o prego do artesanato pela quantidade de horas e de dias que a pessoa trabalha para fazer? A Isso, Hojeem dia, éassim, & diferente, nfo paga tudo na mesma hora, no paga tudo de uma vez. Che- ‘gaartesanato, af paga metade, se vender aquela peca, ‘af paga a outra parcela. E fica10% para o fundo, para poder ter sempre esse dinheiro. L Faz mais de 10 anos que vocé foi presidente do Apina. Vocé acha que entre aquela época e agora, 2014, tem mais ou menos gente que faz artesanato? A. Diminuiu, porque cada familia, ndo por pessoa, cada familia tem seu salério para ajudar. Algumas tem aposentado, algumas, professor, AIS, AISAN daquela familia e mesmo assim algumas pessoas fazem arte- sanato para vender. Comparando com aquela época, ‘que nés nao tinhamos o prego tabelado, é diferente. Hoje 0 pessoal criou uma nova tabela: é dezessete centavos por hora. A gente calcula que hora que vai buscar aruma, por exemplo, comega sair oito horas e que horas que vai voltar. Ai multiplica por dezessete centavos cada hora. A gente calcula todo o tempo que leva, quantos dias que vai trabalhar s6 para pintar, para fazer e aprontar. Entao se leva trés dias, quatro dias, a gente calcula, multiplica dezessete ve- zes, por exemplo, vinte e quatro horas, trinta horas, sessenta horas. D Entendi, a jé chega no prec. A E. Uma rede leva um ano, dois anos, fica muito caro. Entio isso af ajudow. D EntSo vocé acha que hoje em dia podia aumentar de novo a produgao de artesanato? ‘A. Bu acho que podia, porque hoje em dia tem di- nheirinho guardado. Pessoal encomenda muito, mas ‘Wajapi dé desculpa, diz que esté ocupado, com muita reunigo, muita roca, af no tem tempo de fazer. D Mas o trabalho com o Fundo, vocé avalia que é melhor do que cada um vender o seu artesanato separado ou é melhor trabalhar com o Fundo? ‘A Melhor trabalhar com o Fundo. Hoje em dia, por ‘exemplo, o produtor faz.artesanato, chega Id no Api- nae jd paga metade, 50% para 0 produtor. Quando ‘vende, paga o restante, a segunda parcela. D Eassim funciona? A Assim fanciona e diretoria que trabalha tem um. recibo, tipo nota fiscal, controlado, tudo controlado. Entio 0 Fundo de Artesanato é muito bom, porque, ‘vamos supor, quando a pessoa faz artesanato, cle vende e recebe 50%, metade, depois jé tem dinheiro garantido. Hoje o Fundo cresceu, nao ¢ muito nem pouco também. Consegue vender para outras lojas, ‘Museu do indio, Casa de artesanato de Manaus. Ha alguns anos, nés fizemos um catélogo que explica um pouco a légica de cada pega" L Eo prego que se paga de artesanato, vocé acha que € justo? 1 Catdlge do Arte Wajap Apina/Agerp, 8/8. Ver tambérn {ivr do Artesanato Wajapi, CTV/MECIREN, 1998. A. Eu acho que com esses dezessete centavos, o pre- go esté bom, Bu digo que ¢importante ter oficina, de artesanato, para ajudar para todo mundo a saber fazer artesanato, como um trabalho coletivo, na mesma hora, na oficina. Af um aprende, troca seu conhecimento de como produzir tecnicamente arte eartesanato, Eu acho que é uma solugio fazer mais oficina para outros poderem aprender. Bu dou aula de arte, tecelagem também, e aula de artesanato. Nesse momento, eu descobri que muitos Wajapi no sabem fazer, porque no tiveram tempo de aprender, tem que casat, tem que pescar... Essa pessoa dé desculpa, porque no aprendeu. Mas na verdade nao ¢ isso, nao, ele mesmo nao esté interessando em aprender, principalmente filho de assalariado. £ dificil apren- der. Porque o pai nao faz, aio filho nem aprende. LE, por exemplo, o akanytard, todo mundo sabe fazer? A Nao. Akénytard tem gente que nao sabe. Outro, ini, nfo so todas as meninas que sabem fazer. Ce- ramica, esse éum artesanato que ndo sabe mais fazer. Aquele pote turuwa” grande, tal, bonita, nio sabem fazer mais, porque est tendo interferéncia da panela dealuminio. Akinytard, por exemplo, para que vai usar hoje em dia? Antigamente, para enfeitar, hoje em dia usa boné: ¢ uma troca, se transforma. Panela de argila virou panela de aluminio, arco e flecha virou espingarda, panako" virou a mochila. L Entao, voct acha que daqui uns anos, os Wajapi podem nao saber mais fazer cerémica? A Pode. Até na minha idade agora, nio tem mais jovem que sabe fazer. Dificil, muito dificil. Tem que fazer algo urgente para recuperar isso. 12 Rede de fis algodso confeccianada pelas mulheres. 18 Recipientes divers, tor em barropelas mulheres 14 Cesto carguero tilizado para transportarprodutos da roga€| ‘outros, em viagensepercarsos pela Terra Indigena cei bland dems alii as Tre nip sg (APL Date ed Grape 2074 LE por que voce falou que tem dois filhos que sa- beme trés que nao sabem? A [risos]. Boa pergunta. L Por que vocé nao ensinou? A Porque eu nao tenho tempo de ensinar eles. As- sim, tem trés que ndo sabem porque eles sabem s6 0 bésico, néo sabem fazer husiwa, aquele bem bonito, kusiwa de andorinha, s6 sabe 0 bisico, mas o resto nao sabe, Mas para ensinar, eu tenho que sentar ld e eu tenho muitas coisas para fazer, entendeu? Quem tem muito filho, é muito dificil de ensinar todos. Até agora tenho dezenove filhos. O primeizo é facil de en- sinar, segundo, terceiro, af fica dificil. Wajapi que tem ‘muitos filhos espalhados por ai, tem un que sabe, tem um que nao sabe, também. Ai fica dependendo do sogro, da sogra, avé. L Mas vocé acha que os jovens ainda tém interesse em aprender? A Tém, Hoje em dia, tem que ter alguém que precisa se reunir com as pessoas que nio sabem e ensinar mais artesanato, Tem que fazer mais reuniGes. Co- locar preocupagao, mostrar preocupaséo, como que pode acontecer no futuro, daqui dez anos, quinze anos. Entio nds, Wajapi, estamos na hora de sentar « fazer mais reuntes. E fazer mais intercérmbio para ‘outros lugares pata ver pessoal que nio sabe mais fazer artesanato. Ai vai ver que pode acontec com Wajapi também. Por isso que eu gosto de in- tercambio, sabe? Intercdmbio é muito interessante. Por exemplo, ir no Oiapoque, com Karipuna, | 0 pessoal faz, usa tipiti, mas usa saco de trigo também, é ? [risos] Af isso jé esta come- sando a chegar aqui: eu encontrei Id no Tnipuku a {india tirando tucupi com uma saca. Por qué? Porque ‘do sabe, marido nao sabe. Mas podemos voltar, Porque tem jovem que esté interessado, sim. Dé 0 para ensinar. Por isso que é muito bom Apina ter Fundo de Artesanato, dinheiro para comprar, pot- {que pessoal vai se interessar em fazer artesanato. Hoje em dia esti fraco de fazer e no tem mais rédio de comunicacdo, porque no passado tinha ridio de comunicagio. “E artesanato, est pronto?” Ai comesa relembrar, “Nao, néo esté pronto, tal dia’, af comes “vamos fazer mais répido, filho”, af comega a fazer, trabalha junto. Hoje em dia tem até internet no Ara- mira, por exemplo, dé para fazer pela internet, de 1 mesmo Wajapi pode circular a informagao para fazer artesanato. D Entio, o Fundo ea venda de artesanato ajudam para continuar fazendo esses objetos? ‘A Ajuda muito, o Fundo ajuda muito Wajapi a praticar, a fazer mais, fazer na frente dos filhos, dos netos ¢ ajuda também quem nao ¢ assalariado a nao se preocupar muito com dinkeiro, porque quando precisar, faz artesanato e vende, pega dinheiro para comprar as coisas que precisa. Acontece que tem outro problema, também. Tem primeira geracio, segunda geracao, eu chamo agora essa geracao de terceira geracio. Ela sb quer estudar, estudar, estu- dar. O pensamento deles, a expectativa deles é ter salério para ganhar. O pai, a famflia daquele estu- dante diz: “Tu tem que estudar, tu esta vendo profes- sor Aikyry? Tem dinheiro, tu tem que ser assim no futuro”, “Ta esté vendo que Tapenaike tem dinheiro, tu tem que ser assim no futaro, se tu nfo estudar ‘muito, tw nunca vai ter salério”. Ai, ma idade desses rapazinhos, de dez anos, s6 fica estudando eo tempo vai passando e vai crescendo ¢ acabam nao fazendo, do aprendendo, Aprende pouca coisa, mas nao est aprendendo do jeito que era na minha época. D Com que idade vocé comesoua fazer artesanato, como tipiti, akiinytard? ‘A Na minha época, entre catorzee dezessete anos, 15 Né.aldeia Aramirs fancions o Centrode Documentagioe Fermasao Wajip,inaugurado.em seterbro de 2009 D E hoje em dia, quem vende para o Fundo, quem 437 ceatrega artesanato no Fundo? Tem rapaz.assim dessa idade? ‘A Nao, Sé velho. Rapaz ndo tem, jovemn nao tem. ‘Tem adultos da segunda geragao. Agora rapaz, nao, S6 querem escrever, aprender ler, escrever. A{acaba. Nao sabe seu conhecimento, nem sabe conhecimento de nao indigena: isso atrapalha, nao conhece a légica de artesanato, de cada pega, no conhece nada. Por isso que ¢ importante o Fundo: ele ajuda, se cobrarmos, vo fazer mais artesanato. Hoje em dia, nao dé para voltar mais no passado, porque a gente vivia s6 entre nés Wajapi. Hoje em dia tem karaiks, conhecimento de karaiké no meio da gente, Hoje em dia 0 que pode resolver é pa- lestra, professor trabalhando, pesquisador traba- Ihando, diretoria trabalhando. Tem que escolher, capacitar pessoas para fazer palestra nas aldelas sobre artesanato, sobre as gicas do conheci- ‘mento, a tecnologia, porque cada artesanato tem ‘conhecimento dele que & como se diz, dinamico. Por exemplo, 2 tecelagem vai se modificando, tipo uma tecnologia dos Wajapi. Se s6 faz modificando aquele desenho, kusiwa, se a pessoa s6 vé bonito, esse bonito nio resolve, nao. Nao é importante, 0 que é importante é 0 conhecimento que vem atris, entendeu? Isso é que ¢ importante, ndo podemos esquecer disso. L Voce comentou que artesanato para vender era diferente do que faz para uso doméstico. Como assim, no que é diferente? L Artesanato para uso doméstico ndo tem kusiwa Por exemplo, desenho de onga, desenho de sucuri, desenho de lagarta, desenho de peixe, osso de peixe, a gente nao faz isso, porque diz que jard esté com la quanto tiver desenho. Entdo a gente faz trangado normal, que nao vai prejudicar. Se woc# faz desenho de lagarta na peneira, dono da lagarta pode ficar com raiva e vai atacar, a gente vai ficar doente. E assim que a gente explica.a légica desse artesanato. = ana wap mma ccna ein Kp’ Tr dls Vie (AP) ‘Wi cand bane do aia fos Bo Mats, 2008 L Mas ai quando faz para fora, ai faz.desenho de lagarta? A Desenho de lagarta a gente faz.s6 para trocar, as- sim, por exemplo, se eu fizet uma peneira, eu sei que karaiké 96 vai guardar, nao vai usar para se alimentar, seu eu fizer estelra mitu, ndo vai bater algodao em ‘cima, entdo nao vai atacar. Aino tem problema, E fica mais bonito, até. L Turista e karaiko gostam mais? AE, Quando a gente faz para o karaiké, a gente nio pensa, a gente jf sabe que karaiko nao vai usar. Nao tem efeito para voces, entendeu? E assim. O da aldeia rio tem desenho, nio tem nada. Essas coisas com kusiwa a gente aprende com outra etnia, também, por exemplo, com Wayana, com Aparai, com Tiriy6, faz tempo a gente aprende a regra, a légica com eles, en- ‘doa gente nfo usava muito isso, a gente usa hoje em dia é para vender. Por isso que tu nao vé muito kusiwa lina Terra Indigena Wajapi L Eadorno com penas? Antes tinha mais tipos, nao? A Akanytard, Samere akira. Akdnytard soro. & dificil fazer. A gente fazia mais para troca, no passado, Por exemplo, quando eu era jovem, ndo tinha nio indio perto, a gente morava muito longe, a gente nio mora préximo da cidade. O Mariry era de acesso dificil, na década de 80. O acesso era pelo rio. Entéo a gente fazia troca com o pessoal do Aramird, com Taitetuwa, porque as pessoas Ié tinham machado, faca. Os mis- sionérios levavam para eles. Naquela épocaa gente fazia cocar, rede, e levava e trocava, tudo mundo se interessava para trocar, mas s6 entre Wajapi. A gente fazia muito para trocar com quem era assalariado como Tisaku, Kumai, Kurapia. Trocava por muni¢ao. L Ehoje, quando néo vende pelo Apina, consegue vender individualmente? A Eeificil. Até consegue vender algo, mas é dificil. Em Macapa ¢ dificil vender porque o pessoal do Apa- Iai vende muito barato lé, af pessoal vai mais lé. A. er EE gente vende mais para conhecido. Conhecido quer dizer, por exemplo, professores que vém dar oficina para Wajapi. Entdo essas pessoas compram mais, as vvezes as pessoas encomendam. Agora o que precisa melhorar éa diretoria do Apina trabalhar mais, di- vulgando através do ridio, fazendo cobranga: “E af, artesanato est pronto”, E af, atesanato est por ai?” Porque antes, com o ridio, fazia isso: “Como que esté artesanato?”. D Agora eu tenho uma outra pergunta sobre o Fun- do. A diretoria do Apina é que controla o Fundo, quando ela fala comos produtores, ela pede um tipo de artesanato ou qualquer coisa que o produtor quer fazer? £ o produtor que resolve que ele vai fazer tipiti ou brinco, ou é 0 Apina que diz “Precisa- mos de banco, precisamos de. A Tem encomenda certa que as vezes pessoal de ou- tra casa de artesdo pede. Entio tem uma lista: banco, dez bancos... Entio néo manda s6 para uma aldeia. “Qual aldeia que pode fazer banco™, pelo rédio ou na reunigo. Af outro diz “Eu, nds”, por exemplo Yoyra- reta, Mariry, Watura, Pinoty. Pessoal da aldeia Pinoty faz muito aquele karyru", uru karyru, kurua karyra, B assim quea gente distribui encomenda, perguntando. Como Fundo de Artesanato, adiretoria do Apina nao trabalha no particular, trabalha com todo mundo, para ajudar 0 Fundo a erescer. O produtor se anima ‘mais, Eu gostei daquela oficina de artesanato que teve. Isso é muito bom porque um que nao sabe, que do aprendeu, aprende com 0 outro. D Entao voce acha bom fazer oficinas de artesanato? A Tem que ter isso. Teve oficina de tipiti, de peneira rape, de ceramica. Isso € bom. Sé que nao funcionou ‘muito bem, porque muito répido, nao aprenderam 16 Cesto quadrangular confecionado pelos homens com folalos de palmeizacurus, com tampas que encaixsm e alga para carregar oa penduras. bbem para fazer, emendar aquele tipit. A cabesa de tipiti nao & facil, em que se adaptar. D Vocé acha que pode aprender essas coisas numa oficina ou sé na aldeia? ‘A S6naaldeia mesmo, Oficina ajuda para ter uma ideia de como fazer, como iniciar, para lembrar, para dar reforco para cada familia, que precisa mesmo fazer. Eu tenho uma experiéncia lé quando eu fiz universidade”, 14 teve uma oficina, trabalho de campo s6 de ceramica, Nés fomos lé na aldeia dos Palikur, nés, estudantes Wajapi, Karipuna, Apalai, Palikur, Galibi para fazer cerdmmica. Af eu lembrei do Fundo. Imagina se a gente fizer uma oficina assim juntando todo mundo trabalhando coletivamente e dar para o Fundo vender. Ai ele vai crescer rapido, L Bexiste algum apoio da FUNAI ou do governo do Estado do Amapé para comercializar artesana- to? A Nio, nao tem nenhum. Isso é com a gente mesmo. Eo quea gente vende mais éartesanato feito de aru- mae de algodao. Agora com pena, nao fazemos mais. ‘Nés temos medo. A gente troca ou vende s6 entre a gente, 1é dentro da Terra Indigena. L Vocé acha que com essa proibicio do Ibama, 0s Wajapi estado fazendo menos adornos? Porque centendi que antes faziam, usavam e acabavam tro- cando, vendendo, e agora que nao podem vender, podem pensar em nio fazer. A Antigamente fazia muito para usar, trocar e ven- der. Hoje em dia vocé nao vé muito porque a gente faz menos, s6 faz para usar mesmo. A gente respeita lei do branco. 17 Corso de Licenciatue Intercultural Indigena da Universidade Federal do Amapi em Olapoque L E vocés vendem artesanato novo ¢ usado? A. Usado e novo, 0s dois. Mas vende mais novo, porque o usado fica mais feio. Mas eu vou dizer que artesanato enffaqueceu hoje em dia. Os mais velhos ainda sabem, alguns jovens sabem, mas sio minoria, pois muitos nao esto interessados em fazer. Acho ‘que todos sabem um pouquinho, pelo menos o bési- co, Na Terra Indigena, tem regio que as pessoas n3o estdo interessadas em aprender. L Bafo que voct acha que precisava fazer? A Troca de experiéncia, fazer uma oficina, ensinar. Quem sabe ensinar para quem nio sabe. Essa é a tinica solugo, fazer oficina para eles, sea gen- te ficar esperando que eles ensinam outros, nao vo ensinar. Fizemos oficina de ceramica para as mulheres e funcionou. Teve Wajapi que veio falar comigo “aprendi na oficina’, coisa basica, € muito bom. Entao deu solusao. Comegou, agora precisa fazer mais. L Vocé comentou que é melhor fazer objeto mais bem feito do que fazer em grande quantidade mas mal acabado. Ser4 que muita gente acha isso tam- bém? A B.Com o Fundo de Artesanato a gente nio com- prava mal feito. A{ comesaram a se interessar em fa- zet artesanato bonito, bem feito, Demora para fazer, ‘mas sai mais bonito. O Apina Volante" ajuda muito. ‘A diretoria vai nas aldeias e fala que tem 0 Fundo que pode fazer o artesanato. L Entao vocé acha que os conhecimentos dos ‘Wajapi de fazer objetos, fazer adornos, nao esta acabando? ‘A Nao est acabando, Ainda nio esti acabando, esti 18 Modalidade de atuasto da organizagio indigens, quando rmecrbros ds dzetora te deslocam para diferentes alias pars realizar reunioes,dlecutirtemas ¢ realizar formagio. vvivo. Esti vivo, mas esta meio fraco. Precisa colocar mais comida para melhorar mais. L Varios povos ind{genas esto fazendo proje- tos para incentivar a produgio de artesanato, ensinar para as criangas ou para os jovens 0 que s6 alguns velhos sabem, para ndo perder aquele conhecimento. L Aqui, hojeem dia, também temos que ter um projeto para nao perder. Nao tem jeito, porque nés jd temos contato com 0s no indigenas, com a escri- ta. Todos os jovens sabem ler, escrever na lingua, porque tem professor ensinando, pago para ensinar todo dia. Mas tem crianga que nao sabe artesanato, mas ¢ capaz.de aprender. Eu acho que nés temos que pensar de outra forma, ao invés de aprender ler ees- crever desde pequeno, entéo vamos aprender a fazer artesanato primeiro, desde pequeno. Vamos aprender a técnica, producao de artesanato, por exemplo, de pote, pancla de ceramica, ipiti, rede, desde pequeno. Ea mesma coisa da pessoa quando sabe ler, tem que memorizar. Foi dificil para eu aprender as letras I, M, N. Eu memorizei tudo, entao é a mesma coisa com o artesanato, Se tivesse um projeto ia ajudar, porque se esperar dizer que o pai, o avé que vai ensinar, nao val do, O que esté destruindo é.a escrita. A escrita do- mina todo nosso conhecimento. Jé est dominando, a gente estd se adaptando coma escrita isso af vai fazer parte da nossa cultura hoje em dia, como a miganga de karaiké, a gente usava aquele de fruta, hoje em dia, é da fabica, faz parte da nossa cultura. Bato aia gente acaba esquecendo de fazer artesanato eo conhecimento de artesanato, porque quando a pes- soa aprende artesanato, tem o conhecimento que vai aprender junto. Porque quando a gente aprende a ler, por exemplo, letra K, letra O, nao tem outro conhe- cimento, nio tem logica atras. Agora, quando voce aprende um peneira, peneira pequena, por exemplo, tema légica por trés, tem suas histbrias, tem as te- gras, no pode usar na nossa cabeca, ndo pode pular dentro: tudo isso a escrita enfraquece. Se vocé faz, ‘uma peneira chamada panakari® crianga ndo pode ular dentro, senao vai levar a alma, #4, parao céu. Seria bom aprender artesanato primeiro, porque a escrita esté destruindo tudo, se meteu la, mexeu com todo nosso conhecimento. L Masse isso comegar a ser ensinado na escola, sora ‘que vai passar todos esses conhecimentos juntos? A. Acho que nao. Sabe por qué? Professor tem que estar capacitado, tem que ser pesquisador bom, que comhece, que respeita, que sabe a Iogica e 0 co- mhecimento de cada pega. Nao adianta dizer para qualquer pessoa “voce tem que ser professor de ar- tesanato”, que ele pode no conhecer toda a légica e co conhecimento daquele artesanato, Entio tem que ser uma pessoa que é especialista de seu conheci- mento, que sabe sistematizar conhecimentos tradi- cionais dos Wajapi. L_ Mas sera que dé para levar isso para a escola? A E, para escola é dificil levar, porque como eu digo, a escrita ndo tem l6gica, nfo tem nada. Qualquer pes- soa pode participar das aulas, mulher que est4 mens- truada pode estudar, homem que esta com filho novo pode estudar, mulher que esté com crianga pequena pode estudar, pode estar na sala de aula, quando tiver aula. Agora, quando eu estou ensinando como pro- duzir artesanato, como fabricar artesanato, nfo pode comparecer quem esté menstruada, nao pode com- parecer quem esté com filho novo, entdo tudo isso temos que pensar, de que forma podemos fazer. Tem que sistematizar primeiro quando que pode apren- der, quando que pode fazer, entéo tem época certa. E dificil, nio é ficl nso. A gente ensina nossos filhos as regras de noite, quando a gente vai contando histé- rias, porque tudo que a gente conta 19 Cesto quandrangular trangado com lascas de arumd, com bordas reforsadas com ci efxado em quatro pés de madeira, que € uslizad paraarmazenar amassade mandioca pensirad. com alguma coisa. Por exemplo, panakar, crianga ja sabe da hist6ria,rpiti tem regra, penelra tem regra, cesto tem regra. Entio quando contamos cada histéria vai aprender alguma coisa. O conhecimento est jun- to com cada pega também, porque nao é da gente, é de outros seres, de outra gente. A gente aprendeu com cles ¢ a gente que esta responsabilizando e transmi- tindo para nossas geragdes hoje em dia. D Mas sempre tem um que faz bem e outro que nao faz. Noe? A Hojeem dia tem... D Eantigamente? O que os teus pais falavam? Todo mundo fazia igual ou também era assim... A Era, Por exemplo, para fazer um pote warypy® nao qualquer famflia que faz. Tem familia que s6 sabe fazer aquele warypy mykurdpitawa, tem familia que 86 sabe fazer jawapiragu. Entio isso tem até agora: “aquela farnilia sabe fazer aquele jawapiragu”, ‘aquela familia sabe warypy mykurapitawa", daquele grande. D Mas ser que fazer warypy para vender, as pes- soas iam comprar? A Dificil. £ pesado, para fora nao d4. Aqui dentro, entre Wajapi, acho que da, Eu j4 encomendei muito para as pessoas e nao fizeram até agora. Entdo, enco- mendei para o Palikur, en comprei do Palikure trou- xe, esté 4 na minha aldeia. Mas tem mais, Artesanato de arte pluméria, akarytard. Wajapi nao esté fazendo mais para usar nem para trocar, porque ndo tem mais para quem vender, nem para trocar também. D Voct estd dizendo que mio faz mais para usarna aldeia? ‘A Muito pouca gente usa hoje em dia 0 akdnytard, 0 samere, por isso que eu estou fazendo encomenda, Eu 20 Recipente de cerdmica para armazenarégua ou bebida fecmentada, confeccionado com aigila peas mulheres. 4a Ald apy Taina sie AP) Tow: las Des Boe! Grp 2014 Pfr Alyy Vist no Crrade Forma Done ii. “ee nig Wap fs Brana Cri 2015 sei que na época de tucano vai morzer muito, ai eu en- comendei, Eu quero comprar muito akanytard, para ‘guardar para quando tiver festa. Eu estou pensando em organizar uma festa, para todo mundo usar aquele akérytard, ai depois da festa eu recolho e guardo ou eu posso dar de presente para eles usarem, L Legal. E vocé acha que esse Prémios Culturas Indfgenas ajuda a incentivar 0 processo de manter a produgio artesanal, de fazer pecas, de transmitir conhecimento? A Eu acho que é muito importante, cada prémio é importante. Quando a gente ganha um prémio, a gente se interessa: “Poxa, valew a pena”. A gente se anima e fica satisfeito. Nbs tivemos nosso kusiwwa reconhecido pelo IPHAN*. Os Wajapi comesaram a se animar e ficar satisfeitos, porque nosso kusiwa foi reconhecido. Entao cada prémio que a gente ganha, ajuda muito a gente a pensar ea transmitie nosso conhecimento, conhecimento em geral, nossa cultura, cultura material e imaterial. Cada ser, outra gente, tem seu conhecimento, entdo esse reconhe- cimento ajudou a valorizar nosso conhecimento wwalapi e conhecimento de outros seres que existem. Nao ajudou somente nosso conhecimento, ajudou a transmitir, recuperar e valorizar os conhecimentos de outros seres também, outras gentes. Para nés ‘Wajapi, nao existe sé Jangjard, sé um dono criador, (que fez primeiro surgir a humanidade. Nés temos nosso dono, nosso criador, Jangjara, mas outros se- res tem ard dele também. Péssaro é gente, ele tem criador deles. Caga também tem jard, tem dono, tem criador deles. Ent3o quando eu falo de outros seres, de outra gente, falo de gente-passaro, gente-caga, gente-peixe, gente-drvore, gente-sucuri, gente-terra, 21 Arte Kusiwa ~ platura corporal eartegrifica Wajpirecebeu 6 titulo de patrimbaie culoual do Brasil tendo sido inscica,em dezembro de 2002, no Livro de Registro das Formas de Expressio do Ministério da Culeura gente-lua. Cada outra gente tem seu conhecimento, sua Kingua, sua cultura material e imaterial, igual ‘n6s temos aqui. Entdo, outra coisa importante € conhecer 0 conhecimento de cada artesanato. Pana~ kari: tem regra, crianga nao pode sentar dentro do panakari, senio vai levar para 0 céu, Se colocar pa- neiro rykyry na cabeca da pessoa ou da crianga, ela vai ficar tonta. Entio tudo isso tem que ensinar jun- to. O Fundo de Artesanato serve para isso. O Fundo de Artesanato nio est preocupado s6 com lucro, 0 objetivo do Apina, quando criamos 0 Fundo de Ar- tesanato era ensinar esse tipo de coisa que eu estou falando agora. L Tudo isso é muito interessante, obrigado. ASS L Quer falar mais? A [tisos}. Nao, esté bom,

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