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CAPITULOUM O CIRCULO SE ABRE Sou passadista, confesso m seu “Preficio imteressantissimo”, de 1922, Mitio de Andrade di pis tas do que pretendia com o seu modernismo: (.) Livro, evidentemente impressionist (Ora, segundo modernos, erro graveo Impressonismo. Osarquitetos fogem do gétivo como daarte nova, fiiandosse,raraalém dos tempos histricos, nos volumes elemenares:cubo,esfera, et. Os pintores des denham Delacroix como Whistler, para se apoiarem na calma consrutiva de alae de Tagres do Greco. NaccculturaRRdin é vim, os imaginrias alcano sio bons, Os misicos desprezam Debussy, genuflexos diante da polifonia catedralesade Palestrina Joo Sebasiio hhomem de todos os seus spectos contingenteseefemeros, para apanharnelea shomanidade”... Sou passadist, confeso (..). ch. A poesia... “tendeadespojar 0 Opondo aos modernos o Impressionismo, Mario de Andrade nio est} fazendo blague a0 escre que é passadista. Ou melhor: em saa blague 2 mentira tem um fando de verdade. (© autor aponta, em seu “Preficio”, via um discurso iriico,a hada em que se encontrava 0 movimento modemo internacional no prime ro pos-guerra, Apds o aparente rompimento das regras estéticas stabelecidas a énfase & individualidade absoluta dos artistas, certos grupos tendiam, na- quele perfodo, a reintroduzir no discurso da modernidade algum grau de estrutura ordenadora, para fazer a arte contemporinea voltar a dialogar com atradigio, ampliando seu sentido, sem nunca mais igor Dentro deste quadro, o Impressionismo era entendido conto o ponto crucial do desgarramento da arte em relagio 3 tradigio, fato que deveria ser combatido? Se o movimento havia sido importante como o primero sinal da necessidade da arte se libertar as formulas revelhas que, apesar de iiéncia de sew tudo, continuavam tolhendo a personalidade do artista, a conse empreendimento nas geragdes seguintes fora nefasta: evara 3 radicalizagio do puro individualismo, onde era impossivel qualquer julgamento critico. Urgia assim uma revisio dessesvaloresindividualista das vanguardas, para rcinstaurar algum tipo de solugio ordenadora Neste universo de problemas, embora Mirio de Andrade afirme no “Preficio” que sua obra era “impressionista” - ¢ ele, por conseqiiéncia, “passadista”-, estava chamando a atencio para a novidade do periodo: aquele sentimento ordenador que surgia em todas as reas da arte e do qual cle seria sum dos principais porta-vozes no pafs. © proprio Mirio de Andrade teve a oportunidade de demonstrar a necessidade de revisio dos postulados das vanguardas um ano antes do lan samento de Paulista Dersainads, quando, em 1921, publicou na Revista de Braid © ensaio “Debussy c o Impressionismo”. Ali, problematizando a facil ligagio ‘quea critica musical faziaentrea obrado misico francés como Impressionismo, Andrade tentava demonstrar, em primeiro lugar, a dificuldade de se definit aguele movimento, justamente pelo viés profundamente individualista que o (.) Reino do Impressionism... seh4 uma endéncia artstica dificil de since tizar,esa€ por certo oImpressionismo. E a expressio insulada, aliberdade de credos, a sensagio mais primitiva do eu, sem coordenagbes, sem anise, em critica, Assim sendo, chegamos a esta enormidade verdadeira, perfeitamente ~erifcdvel, mas para aqual émpossivelachar wr lema concreizador: cada artista uma escola, A norma geal que congrega todos os impressionists nio chega siqueradar a minima ideia do que fez cada um deles (3 Notasse neste texto algumnas das posturas que 0 autor manteré sobre os movimentos que transformaram aarte do inicio do século XX, estabelecidas a partir de sua leitura do Impressionismo: essas tendéncias, devido ao franco individualismo que pregam, transformam os artistas em ilhas, impedindo coordenadas generalizadoras e dificultando, portanto, uma comunicagio mais direta com 0 piblico. ‘Tentando reforgar esse seu ponto de vista, Andrade chega a citar 0 teérico alemio Hermann Barr que, comparando o Impressionismo ¢ 0 Expressionismo, enfatizava que o primeiro era fandamentalmente retiniano, Para Barr, o artista impressionist (Jabandona tudoo que é pensamento posterior sensaro visual, temendo deturpsla, © olbar atentoj‘teoretia’, porque nio contém mais unicamenteo {que o atraiu, mastambém umacolaboragio humana; 0 impressionist descon fia do homem como 0 homem primitivo desconfia da natureza Assim o impressionista quer surpreender anatureza, antes mesmo que ela seja modi da pela percepcio humana e desce & primeira sensagio visual para apanhar 0 «exterior, quando penetra em nds, no momento em que fere a nossa retina, no instante da sensagio.”(..).* Este entendimento do Impressionismo como uma arte apenas depen dente do olhar, supostamente sem a intermediagio da razio ou da racionalidade, levari Mario de Andrade a afirmar, em outro momento de seu enszio, que o Impressionismo pictérico, preocupado apenas com a “primeira impees “descamba naturalmente para o mais aberto realismo”. © movimento tinha sido “o supra-sumum do descritiv Essa compreensio do Impressionismo como um ponto de exacerbax io do realismo - alifs, muito comum na épocat -, segundo o ponto de vista do autor, estaria levando a arte moderna a uma reagio contriria - a0 “expressionismo”. Este, se tenta por um lado refrear o descambar do Impressionismo rumo ao realismo, por outro afasta a arte da natureza, “exa- gerando is vezes propositadamente certas formas para um efeito simb puramenteespiritual”? © autor possui uma visio dibia quanto a esse “expressionismo” que foge da natureza. A produgio de vanguarda, negando o realismo “descambado” dos impressionistas, mas herdeira ainda do seu cariter indivi ualsta vinha se fechando num hermetismo igualmente mio desevel. Andrade uum Boccioni um Archipenko, em éncia a alguns dos artistas ligados a reflete:“(..) essas teorias deram um Picasso, Marco Chagall..”."Fica nitido nesta re ccorrentes mais radicais das vanguardas, o quanto Mério de Andrade era reti cente a eles es sua propostas, Na continuidade, percebe-se que o que Mario propunha como are moderna em 1921 era uma modernidade como aquela que no fundo en: xergava na obra de Debussy. A historiadora Annateresa Fabris sintetiza bem esse seut pensament: (+) Aidéia de arte moderna buscada por Mitio de Andrade concreti fim, em Debusy, cujo sjto parece ser o seu trajeto:conhecimento lasclissias afastamento delas constituigio de uma novaest (9 Assim, a partir da reflexio sobre os posicionamentos de Mirio de Andrade em relagio ao Impressionismo e ao perigoso afastamen:o da na. tureza percebido no “expressionismo”, entende-se 0 quanto o autor foi irénico naquele trecho do “Preficio Interessantissimo”. Proclamando set lisro como sendo “impressionista” e, portanto, proclamando-se a si mes- mo como “passadista”, afirma sua adesio a uma modernidade que busca dialogar com os “volumes clementares”, com a “calma coustrutiva” de Rafael, Ingres e El Greco, com a polifonia de Palestrina e Bach, afastando- se dos aspectos contingentes e efémeros da vida, para buscar a humanidade “para além dos tempos histéricos”. Para dar lugar ao recém-chegado Philadelpho Menezes, em seu livro A ave do passa, sintetiza o debate que cerca a diferenciagdes entre os artistas eintelectuais modemnistase aqueles ligados propriamente is vanguardas histdvicas. Tal sintese poder’ ausiliae nurna caracterizagio inicial do posicionamento de Mirio de Andrade na cena artis tica intelectual da primeira metade do século passado, como literato e crtico de arte Inclusos no mbito da modernidade do inicio do sfculo, modernistas ¢ vanguardistas se diferenciariam rusia nnd pelo apego dos primeiros ao pas- sado (protegendo-os do confronto com a realidade transitéria da contem- poraneidade moderna) e, no caso dos segundos, por sew interesse em relagio a0 experimental e na énfase da intervencio deste experimentalismo na trans formacio do presente, Para Menezes, nos modernistas (..) opassado aparece novamente como op¢io complementarao presente, 0s antigos reforcam sus autoridade e a revisio da tradigio € antes de tudo una revializagio da tradi, eferuada no bojo do projeto de instauragio de uma ordem sélida e permanente quedefenda o escrtor da transitoriedade dos valores da vida moderna, 0s quais insistem em equaliza as diferengas dos criadores na ‘masa amoria do consumo (..). Por sua ver, escrevendo sobre as relagées particulares de TS, Eliot com atradigio literati, o estudioso inglés Terry Eagleton estabelece algumas con: sideragdes sobre o cariter de construgio ficcional e/ou instrumental, que as- sume 2 tradigio para os modernistas. This consideragdes poderiam embasar as reflexbes sobre a agio de Mario de Andrade dentro desta mesma questio. Assim se refere 0 irdnico Eagleton as relagdes de T'S. Eliot com a tradigior (.) Como qualquer outra a tradigio literitia de Eliot & de fat, altamente seletiva seu principio orientador parece no ser tanto as obras do passado,cuja validade€ eterna, massim as que sjudario TS. Fliotaeserever suapripria poesia ama awtoridade absolute. As grandes obras da literatura formam, entre si uima ‘ordem ied, ocasionalmente redefinids plo ingreso de urna nova obreprima. Orcs exsensdanodo exp Tran cde ror anigam suas posigSes para dar lugar ao recém-chegadh, i sual adquirem acparnca cree Ms omo erence priniramere dete So enguadrado, de alguma forma, na Tiadicio~ isto para que lhe fesse perm tido o ingresso ~, sa entrada serve para confirmar os valores cenvtais dessa “Teadigi. Em outa palavras, a Tradicio nunca € pega de surpresa: de alguma forma, clapreviu mistriosamente a grandes obras ainda no escritay eembora sais obras, uma vee produzidss, provoquem uma reavaliagio da progria Trad io, serio absorvidas sem esforgo porela(.)." Como seri visto, Mario de Andrade fundar 0 set modernismo dentro do campo da critica de arte, construindo um determinado conceito de tradigio artstica brasileira. Ou melhor, das varias camadas de obras e artistas que foram sedimentando o solo da cena artistico-cultural do pais até 0 advento do moder nismo, Mario de Andrade selecionara certas figura iam”, no passado, determinacas obras e/ow atitudes ; Neste processo - como Miirio de Andrade nfo era apenas um critico nas obras que “prem odernistas dearte, mas igualmente um litera ~, se perceberi como ele acaba incorpo: rando na sua linguagem certos atributos “autéctones", que detecta na arte brasileira do passado. O critico que busca uma raiz nacional (um tradisio} para a arte modernista, acaba encontrando-a primeiramente na obra do Alei- jadinho, e sua identificagio com a produgio do artista mineiro contamina por tum perfodo, sua propria linguagem critica Mais tarde, tentando encontrar na cena contemporinnea brasileira artistas ‘que fagam emergir em suas produgées indices daquelas raizes, iri encontrar na obra de Candido Portinari este padrio méximo. Para Mirio de Andrade, Portinari faria nas artes visuais o que Aleijadinho ji fizera, eo que cle proprio tentava realizar com sua obra literéria: constituir uma arte conectada com & cena internacional contemporinea, mas detentora de valores nacionais etradi- cionais puros, tendente ao coletivo e contra qualquer individualism. Com questées nacionais tio arraigadas, preso a esta busca cut constr io de uma determinada tradicio brasileira, Mario de Andrade, niio poderia s de vanguarda, se se tomar a definigio de artista de vanguarda proposta por erteza, caracterizado como um literato ou mesmo como um critico Charles Russell como parimetto: (.)aqueles ese uumalinguagem ext cores artistas que afirmam no sé quesejanecessrio achar ca para exprimireste sentido de novidade, mas também de acharse de algum modo jf 3 vanguards de uma sit futura, da arte ¢ da ajudardo a fazer naseer(..).? (Comentando esta citagio, Philadelpho Menezes escreve: (2) Ainds que incompleta como qualquer definigio, essa de Russel serve (..) pparaidentificar dois elementos caracteisticns da busca séticadetodo movimento cist, que o diferent mnexderidadequetem po vumainederiniadradachrana eae sr, histcesé exert indole dap ura concer proce do presets, comin formal enum mete despots dese devirplaranforngio aa daredevil)” aqui laboragio A complexidade de Mario de Andrade Retiradas de obras que estabelecem sistemas gerais de compreensio das virias questés que enformam os conceitos de snalernidade, modernismo e vanguardas, esas citagées de Menezes e de Eagleton num primeiro momen: totalver paresam genéricas demais para serem wilizados como instrumentos de caracterizagio das pecu sridades do discurso de um autor tio complexo ‘como Miirio de Andrade ~ intelectual que viveu num ambiente sdciocultural menos complexo e contraditério como aquele brasileiro do inicio do século passado, Porém, ao se analisar seus textos sobre ante, ficars nitida sua adesfio mais a0 espirito modemista, do qu uele ligado is vanguardas histé Hicas, apontados pelos autores citados, Além desea sua adesio, outra questio ficard clara: que messe proceso o autor muitas vezes se esqueceu da modernidade que professava, deixando que seu pensamento fosse infiltrado por uma estética fortemente devedora de principios do século XIX, sobretudo. Antes porém de iniciar esta andlise, creio que seria necessério estabelecer como parimetro, ou como guia desta mesma anilise, o balango final que proprio Mirio de Andrade fez do movimento modemista brasileiro ou, pelo menos, balanco do modernismo brasileiro feito através de sua ética, Penso que, tendo-o como horizonte primeiro das reflexdes que se seguirio, as con sideragdes vindouras tenderio a se tornar mais explicitas, Cuidado com o abstrato: o direito A pesquisa estética Em sua famosa conferéncia de 1942, Andrade afirma que 0 modernis to propiciou a fusio do “direito & pesquisa estética; a atualizagio ca intel: gfncia artitica brasileira; e a estabilizagio de uma consciéneia eriadora nacio- nal”, “Num primeiro momento, no territério das artes visuais,tais principios io se comportaram no sentido de romper com os postulados da arte que antecederam o mod Em relagio ao direito da pesq impunha limites para o seu aprofundamento. Como ainda sera visto, a pes mo. sa estética, 0 modernismo co autor «quisa estética dos artistas ligados a Andrade podia gravitar ao redor da defor douso decores ni analégicas magio expressiva da representacio da realid da estruturacio mais sintética das formas, Nunea, porém, o seu modernis- mo privilegiou ou incentivou pesquisas que rompessem com o referencial da realidade circundante, ou menos ainda com as modalidades consagradas da arte ~ experiéncias tipicas das tendéncias de van E possivel definir 0 autor como modernista, primeiro pela propria problematizagio que faz das jum momento primeiro de adesio ao modernismo, que devia ser ra te superado, Numa carta & p ranguardas historias, entendidas por ele como idamen. ntora Tarsila do Amaral, datada de 1923, Misio de Andrade aconselha a entio jovem artista, deshumbrada com as novidades de Paris: “(..) Creio que nfo cairis no cubismo. Aproveita deste apenas os ensinamentos. Equilibrio, Constructo, Sobriedade, Cuidado com o abstrat. AA pintura tem campo préprio (.)” Do Brasil, portanto, Mario de Andrade aconselha Tarsila a nfo deixar se seduzir pelos perigos do cubismo que poderiam levitla, como a certos “expressionistas” ”, a se afastar em demasia da natureza, correndo o risco de “cait” no abstrato, Para Mario de Andrade, que sempre a dade do producio corriam sérios riscos em Paris. ® sta manter um vinculo com o real, de fato, a amiga Tarsilae sua Em 1932, eserevendo sobre a produgio de Di Cavalcanti, percebe-se de novo a visio instrumental que Mirio de Andrade possufa das vanguardas histéricas (.) Também essa fidelidade a0 mundo objetivo, e esse amor de significar vida humanaem alguns dos seus aspectos detestiveis,salvaram Di Cavaleant de perder tempo ese esperdicar durante as pesquisas do Modernism, As tearias cubistas, puristas, futurstas, passaram por ele, sera gue o desencaminhassern iCavaleanti soubeaproveitar dlaso que he podiacnriquecer atécnicaea faculdace de expressara sua vsio aida do mundo (.) Nacionalizou-se conosco na tse nacionalista, & sempre o mais exato pintor das coisas aacionais. N3o confundia o Brasil com paisigemy; em vez de Pio de Asgiear nos di sambas,em vez de caqueleos, mulatas, pretos ecarnavais(.). (.) Sem se prender a nenhw pintor é saudado por Andrade por ter retirado das tendéncias con temporfineas apenas certos elementos formais que o ausillaram a constituir um imaginirio mais de acordo com as proposigbes da arte moderna: ou seja, o estigio de Di Cavaleanti junto as v iguardas, apenas “atualizou” 0 seu discurso em termos téenicos e expressivos, sem no entanto retirar um dos clementos contra qual a arte de vanguarda mais lutou, que era 0 tema, 0 assunto da obra. Para Mirio de Andrade, Di era moderno porque substitutra © género paisagem ~ muito forte na cena brasileira que antecedeu o moder- nismo -, por cenas de gnero, ou “retratos de género” (euatas, negros).O “assunto brasileiro” continuow. ® Em 1927, em carta para Prudente de Moraes Neto, tendo como pre texto o fato do missivista estar interessado no surrealismo, Andrade se posiciona frente Squele movimento (que ele chama de sobrerrealismo), che- gando A conclusio que, se o surrealismo era uma vertente “natural”, mum pais, como a Franga, pouco poderia signiicar no contesto do modernismo brasi- Kero, A citagio é longa, mas valios: (.)O sobrerrealismo & uma arte quintessenciada que me araria fatalmentest csuniorvessedado uma fungi de acordo maiscom acivilizasio eo lugarem que vivo, Porque incontestavelmenteacivilizagio em que a gente vive aqui no Brasil no éa mesma dos franceses no acha mesmo? aconseqiiéacia log Sonsidero 0 sabrerrealismo jcade are dum pais que nem a Franga, No Brasil acho que 80 momento stual,pros que esto de deveras acomodados dentro da nossa realidade, dle nioaiantanada. Nioadianta porque nio ajuda, Todas asquiesSes que sio de vida ou de morte pra organizagio definitva da realidad brasileira.) nos levam praumaarcede cariterineressdo que como todas asaresdefixag pode ser esencialmente religiosa (no sentido mais largo da palavr:(é pra unizo nacional, psicolégies familar social eligiosa sexual). Eereio que voc# bem sabe os sacrilicios enormes de mim que fiz nsse sentido. Eu, Prudentico, sou um indivt ional dkio desabusad e eli, com uinaautoeriicasevera que jamais no me perms o apublicago das bras que fago porque las sio obrasagies. Em vee de prepare f4¢0(.) (.) Repare também que nfo aniculo aqui nenhum ie) centradigio de valor esético contra sobrerrealismo. Tenho vrias, orém cas no importam agor3. (que meimpontaédo ver vod! marcae paso nem se manifestarseguindo uma char um bom valor arstico aumachraminhae ques ju {adiga (consideroo sobrerrealismo um fenome (ic) defadign aids perfetamente psicolégico na Franca) que si voxéesta (i) acomodado coma vida de aventura (jem quea gente est vivendo aqui mio em lgica nem éconseqiiéncianecessic riaou natural. Porque nem de longe posso imaginar voc€sendo quem éfag iso apenas por moda (.)." O surrealismo, portant, era uma arte “natural” para um pals latigade (leiase decadente) como a Franca. Para o Brasil, um pafs nov. coma organizacio definitiva de sua realidade, s6 devia servir uma arte “inte- ressada”, “religiosa”, “de f€ para a unio nacional”, Em 1927, a arte, para Mirio de Andrade, nfo devia servir apenas 3 busca de suas especificidaces ou > € preccupado do cariter psicolégico do artista. Ela possuia uma missio maior, “esencial mente religiosa”: a missio de unir os homens através da fixagio do nacional Tais questdes, fundamentais no pensamento estético andradiano, o acompa har ane, > até 0 final de sua trajetdria como imtelectual ¢ exitico ‘A visio instrumental eseletiva que Mio de Andrade possula das das ~, como conseqiiéncia, da ealidade atistica e cultural internacional em rela fo A brasileira -, fica explicita num teecho da resenha que 0 autor faz, para a revit Bits 1 das obras recin-publicadas de Blaise Cendrars. Ali porceb além dessa visio instrumental, um certo cariter antropofigico aan ar (.) Le Farmaie& muito milhore rata do Brasil, senhores. Eu confesso que fo cada vex. me interessando menos. Povos tio fos emboabas em geral cesteanhos, tin com outros desis... E modos de sentir... Com asm -ventespreocupasies ando meio xen6fobo. Todos esses orientais da Europa so has absor- ime interessam pelo bem que vir deles. Tro e depois deixo de lado 08 tai, smulambos ripidos que ficaram, Nem pra resguardar desta garos servem salt) Os conselhos & artista amiga, o enaltecimento do carster instrumental do experimentalismo das vanguardas (Di nio “perdeu tempo” com: 0s mo- vimentos modernos), ¢ 0 sentimento de inadequagio das tendéncias estét cas européias mais radicais para o Brasil, comprovam o quanto era imitada agarantia ao direito & pesquisa estética no modernismo de Mario de Andrade Este direito estava cerceado por questdes que reintroduziam no debate mo- dernista discussdes fundamentais para Mirio de Andrade e que cada vez ‘mais ganhariam corpo em seu pensamento estético: 0 “assunto brasileiro” e aarte de participagio = questdes mais proximas do idesrio estétieo do cas de va slo XIX que continuaram no séeulo XX, apesar das guarda Continuidade/ruptura/continuidade Negando o cariter experimental das vanguardas como um valor em si ‘mesmo, ¢ sua capacidade de instituir um presente transformado pelo mergu tho na realidade moderna (uu ‘xos numa sociedade como a realidade que ganha contornos mais comple asileira do inicio do stculo passado), 0 que 0 autor afirmara como medida para a produsio que os artistas plisticas brasi- leiros deveriam seguir? (Os textos citados dio algumas pistas, Neles fica claro que, para o autor, a obra de arte brasileira deveria ser de fundamentagio classica (carta a Tarsila) «, a0 mesmo tempo, com indices de brasilidade (texto sobre Di Cavaleant) Essa busca de uma arte concomitantemente atemporal e com marcas inegiveis de sua origem, éa nica do pensamento critico de Mirio de Andrade. Seri, portanto, na contradigio desta busca de uma arte sem tempo, incon- taminada pelas circunstincias histéricas e pelas tendéncias fugidias das van guardas ¢ ~ concomitante -, impregnada pelo desejo de fixagio de um sa vum lugar determinado, que a proposta para uma visualidade brasileira de Mirio de Andrade ir se constitu Mas esta contradigio, por sua vez, traz mais um item de complexidade para seu pensamento estético: é 0 primeira fndice que denuncia a aproxima- sio problemitica de sua estética com o Realismo/Naturalismo de século XIX, um dos dois comprometimentos da estéiea de Mirio de Andrade com a arte do passado. ® A historiadora norteamericana Linda Nochlin, em um de seus ensaios, sobre arte e sociedade no século XIX, afirma que o pintor realista Courbet e seus seguidores,além de enfatizarem a necessidade de que todo artista devia pertencer a seu tempo ¢, portanto, pintar cenas contemporfineas ~ em contraposigio ao cariter ahistorieo da arte tradicional ou historicista do r0- mantismo-, fatizavam igualmente a necessidade deles explicitarem em suas obras o lugar de onde vinham: (.) Ser de um lugar determ valores msisduradouros, com um cero tipo de cena natural ssociadacom a vida rural e 0 es. De fato, pode-se dizer de Courbet que nenum otro pintor, com excesio de Const i, tvesse um papel to seminal em seu trabalho. Um sentido vivido de lugar écenseal para empreendimento de Courbet.).* io implica um comprometimento maior com nes popu z.com ques regiio onde nascera, bers conhecida e bem-am Se, entio, o pensamento estético de Mitio de Andrade aproxima-se do programa realist, devido 3 necesidade de explicitagio do lugar de origem da obra de arte, ao mesmo tempo rompe com a outra necessidade daquele movimento: a necessidade da producto denunciar o proprio tempo Esta coexisténcia, no pensamento do autor, de um desejo de constitu «fo de uma arte atemporal tendente ao “clissico” e, a0 mesmo tempo, com sinais inequivocos de uma cultura visual antdctone (um legado “realista"), como {oi dito, éo primeiro indice da complexidade das relagGes de suas propostas estéticas com 0 realismo. Sem chivida, ela enfatizara sempre suas predilegBes por uma arte pautada no real, porém com um grau de abstragio que rompe ‘oxima da arte iio formal bem com a mimese, alcangando uma ide “cléssica”. No entanto, tal predilecio niio impedirs que, em virias oportuni dades, o autor também aplauda produgties muito mais proxinas de estética realistanaturalista mais convencional, dependendo do artista e da qualidade da obra que este apresenta. “Todas essas peculiaridades, por sua vez, nfo tornam Miirio de Andrade uum ctitico isolado dentro do debate artstico da época, sobretudo aque internacional. Muito pelo contrisio, essa tendéncia *elisico/ realists” do au- tor brasileiro era con Go nas Américas e sobretudo na Europa sartilhada com varios artistas e eriticos com fer Alias, em 1922 — ano da eclosio oficial do modernismo brasileiro ~ a arte ocidentaljé vivia em pleno clima de retragio das vanguardas, rum mo ‘mento em que ~ como jf foi salientado ~, artistas e intelectuais modernistas buscavam reorganizar a estética ea arte do século XIX, através da superag do cariteressencialmente experimental, “anirquico” ¢ universalista daquelas tendéncias, ¢ através igualmente da recuperagio de um estado de ordem € disciplina. Est “chamado 4 ordem” ou “tetorno & ordem”. lima restaurador ficou conhecido imernacionalmerte como Neste sentido, inclusive, 0 modernismo brasileiro, visto pela ética de Mirio de Andrade, de fato alcanca aquele seu segundo propésito, emunciado em 1942. O modernism, aliandose Squele momento de reacio que vivia grande parte da arte internacional, significou em certa medida, “a atualizagio da inteligéncia artstica brasileira”. Uma atualizacio conservador. © retorno 3 ordem promoveu em diversos paises a revalorizagio das culturas vsuais locaistradicionais. Assim, o modernismo de Miriode Andrade, ‘mesmo reivindicando o “assunto brasileiro” para as obras aqui realizadas, ~~ ' estava colocando a arte brasileira no mesmo campo estético-ideologico de putras nagbes, naquele momento. E, no que diz respeito ao terceiro propésito modernista ~ “a estabiliza sfo de uma consciéncia criadora nacional” -, por mais hetmética que seja a forma com a qual foi enunciada, o modernismo, através do seu “retorno & ordem” particular, amb :m logearia alcancflo, No entanto, esta afirmagio coloca um problema que sera discutido mais detalhadamente etn outros momentos deste estudo#, mas que pode ser enunciada agui, Refiro-me & “desordem” que antecedew 0 modernismo no Brasil, a arte do século XIX. O modernism teria como missio restabelec “ordem” existente na arte brasileira anterior aquele séclo, um carter ~ se- gundo Mirio de Andrade ~ mais orginico entre arte ¢ percebia no periodo colonial brasileiro Porém, ant Ow, que 0 cxhticg sde entrar nesta questio, seria importante propor una série de outros pontos do pensamento de Mario de Andrade em rel: tas brasileiros e & cena internacional, fundamentais para o encaminhamento deste estudo. Para iniciar, levantaria a problemstica jé enunciada do “classicismo/rea lismo” do critico e suas relagSes com o retomno & ordem internacional. A. apenas para situar as idéias de discussio deste problema sera importante ni Andrade no contexto geral da arte do periodo, mas trari a necessidade de discutircertos conceitos que se tor na io cada vez mais comuns neste estudo. Orealismo sob o retorno 4 ordem O estudioso francés Jean Clair, em seu ensaio Domser dn prob, refle- te sobte 0 caso do retorno 4 ordem internacional, dizendo que para a historiogtafia artistica mais accita do século XX, 0s anos en Segunda Grande Guerra foram o momento de surgimento e a Primeira ea ou apogex dos movimentos artisticos ¢ estéticos niofiguratives como 0 De Siji, 0 o lirica, 0 Dada e o Surrealismo, No entanto, para dle, naquele mesmo periodo,a arte, restringindo o campo apenas 3 cena fran: Construtivismo, a Abstra esa, contava com prod Lhote, Léger, Picasso ¢ v te, ele poderia s fundamentais de artistas como Bonnard, Matisse, jos outros que no trilhavam mais (ou tio somen- ito) os caminhos das vanguardas Para o autor, tais artistas produziam uma arte “realista”, de observagio do real, Nio, porém, uma observagio escrupulosa, fiel ao modelo represen: tado, mas uma observagio que adaptava o real percebido as necessidades de autonomiia da obra de arte, Segundo Clair, eles: (..) seja como continuidade, seja como ruptura com as aquisigées da modernidade (..), se inscrevers numa corrente que, entre as duas gierr reago is vanguardas, fz 0 retornoao real, 20s géneros tradicionais(.).™ Esta definigio do retorno & ordem possui a qualidade aparente de ser chara e objetiva. Porém, cla aponta um problema para quem deseja penetrar no fulcro da questio do retorno 4 ordem: justamente aquela relativa ao reals ‘mo do entre guerras, que o autor nio define de maneira a contemplar toda a sua complexidade Ao classificar a produgio do periodo como “realista”, Clair oblitera a vvariada gama de “realismos” que separam art diferentes - embora do mesmo perfodo e “realistas” igualmente - como, por exemplo, uma pintura de Derain com outra de Picasso; ou uma deChristian Schad com outra de Mario Sironi. © que permite a Clair agrupar abras tio ica cesteticamente obras muito dispares, éo fato que todas elas, em filtima anil, guardam analogias com as, formas aparentes esto contra a “abstracio". Mas como é apenas esse “reals mo” geral que as une, talvez fosse interessante ampliar tal conceito, detectan do com mais precisio as-variagtes que pode ter este termo e suas implicagbes no periodo em debate O histotiador inglés Paul Wood, em seu estudo sobre a arte do entre guerras, entendendo a complexidade que envolve o termo “realismi0”, pro cura definilo justamente dentro daquele contexto e em relagio mais profun- da com aquela situagio social, politica e aristica, Para 6 autor, o reaismo na arte do século XX, antes de ser apenas um simples assunto de interese, foi na verdade um espaco de contestagio. Assim, a primeira tentativa para defini-lo comegaria com a necessidade de distinguir o “realismo” {..) daquilo que o senso comum entende como sendo uma pintura "realist Ser ‘realista”~ produgio de urnailusiofigurativa verossimil de algunas pesoas objetos da maneira como eles ocorrem no mundo -,é sempre idemificado como “realismo”. O problema é que tal fusio ~ de “realismo” com *realsta’ ~ ormalmente surge como algo que se define conta alguma outra cos, especi ccamente contra “abstragio" naarte(.)",? Aqui, como se percebe, o autor parte justamente da definigio de Clair ara ampliar sentido mais complexo que o termo “realismo” a centre guerras: (2) Neste sentido, “Realismo e Abstragio” orna-se uma das grandes opost s8es informando ~ out melhor, desinformando ~ idéias ortodoxas sobre os propésitos da rte do século vinte. Mesmo a propria nogio de arte “abstra to problemética quanto anogio de umaarre “realsta”. Ene par de presungbes convencionais (que egializa “realismo” com “realsta",¢ o conseqiiente sentido de'“realismo” como oposigio de alguma coisa chamada “absteagio") obscurece qualquer possibilidade de densidade, ede interesse real sobre o debate historico da questio, Ele desviaos problemas que os varios atores deste debate histo tentaram encarar de frente (.). Problematizando assim o sentido comum do termo “realismo” enten- dido como uma arte puramente analdgica contritiaa uma outra nio-analégica, Wood expandiri sua definigio de reais (..) Realismo, pode-se dizer, nio corresponde necessariamente ao “naturals mo”—um termo que vem sendo usado freqiientemente desde o século dezenove para denotara producio de uma aparéncia “realista” na arte, partcularmente quando o assunto da obra foi retirado da vida cotidiana. A mera desrigio de corpos reconheciveis reaizando atividades reconheciveis no €o quetorna wma arte realsta’. Alm disso, muitos artistas pds Primeira Grande Guerra volta ram os valores que haviam sido desafiados pela prépria guerra, assim como por potas anrquicas 2 ela, como 0 Dada (.). Mesmo assim nem todo esse abalho de busca pode ser entendido como “realista". So realismo no pode ser entendido com também ni pade se aplicado para certas pinturas figurativas que emergiram no trabalho de porguerra de Gino Severini ou André Derain..) principalmente por causa de suas “dlasicizantes’ Seo realismo nio pode se reduzid &realizagio naturalistada figuracio,essas mesmas propriedades que o fizeram parecer proximo demais do aturalismo—tal como uma preocupasio com as vivénciasdo cotidiano ~foram las que tornaram o termo “realismo” uma designagSo inapropriada para uma arte construda sobre a idéia de valores universe imutives, como 0 “Clissieo”(.).? sindnimo de “navuralisny Axé este trecho, embora o antor ainda nfo tenha definido propriamente ‘© que significa para ele 0 termo “realismo”, j& apontou a existéncia de duas tendéncias que, embora nio pertencentes a0 seu proprio conceito de “realis: ‘mo’, jf ajudam a comegar 2 ampliar o conkecimento de suas varlagdes: 0 “naturalismo”, oriundo de um contexto do século XIX e que talver fosse interessante chamar de “realismo naturalista”; ¢ 0 “Clissico”, que Wood de: tecta primeiramente na obra de Derain e Severini, uma tendéncia na historia da arte. Antes de tentar esclarecer melhor esses termos, seria in portante continuar acompanhando o raciocinio do autor para tentar aleangar outras variagdes do “realismo” (.-) Da mesma forma, na Alemanha Nazista dos anos 30, um estilo figurati +o, classcizante,aprovado ofcalmente fo colocado no lugar ds ob guarda, condenada como “dk estilo cas descrto pelos nazistas como “realismo”, mesmo quando foi usado para repre sentarassuntas modemos, Podemoseneo tomarmos 0 outro termo pelo qual os nazstas se rferiam 3 vanguarda ~ Kuitbochnimns(bolchevismo co) Seaartede vanguard fo vista como algo ligdo 3 Revolu la ua “degeneresc subsegtiente busca por uma arte de realismo, por aque metidos em constuir uma nova sociedade aps a revolusio, era suiiente para desqualfcar o “realism” como um termo de aprovasio para os naristas(.).™ zante nfo fot aquia chave paraestemistériose que estavar compro- © “retomo ao real” de Clair significou o aparecimento — ow a recupe- ragio, melhor dizendo -, de trés grandes tipos de “realismos” na cena inter- nacional do entre guerras: primeiramente 0 do lugar, 0 “realismo clissico” e em terceito o realismo propriamente dito, segundo Wood. © “realismo naturalist”, como bem atestou o autor, teria surgido no ealismo n em segurt século XIX, preocupado com a tradugio do entorno, independente de qual- O realismo propriamente dito pode ser ligado ao realismo engajado de Courbet, que teria tido sua sobrevida no realismo socialista, na Nova Objeti- vidade, ¢ em outras tendéncias internacionais. Dentro deste contexto poderia ser adicionado aquele realismo engajado que, para enfatizar seus posicior Iogic imentos ideoldgicas e/ou existenciais, muitas vezes se vale de certo0s expedientes estilisticos do expressionismo histrico, como a deformagio dos compos, a gestualidade, etc. Este “realismo” poderia ser chamado de “realis ‘mo expressionista” Jio “Clissico”, comporta algumas subdivisdes, Existe u ferenca entre 0 “classicismo” de Derain, Severini, Sironi eaquele na grande di- reo! al do nazismo e mesmo do fascismo, tanto do ponto de vista estético, quanto sos com o papel da arte na sociedade. Os primeiros, tentando romper com os “excessos” experimentais das vanguardas, ao invés de voltarem ao realismo natural de seus compro: do shculo passado tentam recuperar os supostos valores “eternos” da arte baseadlos na sintese formal e nos assuntos escolhidos para as obras. Do ponto de vista da busca desta sintese, existio variagbes, caso se entenda esta busca como estratégia para o afastamento do real apacente. Al- uns artistas “cldssicos” ou “neoclissicos” deste periodo iro tentar formular imagens ideais e prototipicas, nio contaminadas pelos indices de Zo propriamen- te especificas (ou seja, sem procurarem determinar 0 “lugar” e o “tempo” individualizasio das figuras, sempre colocadas em sivuagd aque suas imagens habitam). Outros, dentro desse mesmo espirito, apesar de deixario de trabalhar com indices tum forte idealismo na composigio, nio que especifiquem certos elementos mais descritivos. ‘Uina comparagio ripida entre os trabalhos citados de Picasso e Sironi com os de Saliger ou de Edson Motta, pode demonstrar bem essas diferengas formais, embora demonstre igualmemte a predilegio por temas “arcidicos”, sem conotagdes com o cotidiano, Esta tendéncia temitica, erabora muito re- corrente neste tipo de pintura, poders ser substitulda em muitos casos por uma contamina¢io maior por assuntos ligados ao trabalho e outras atividades. * Embora sempre tenha demonstrado uma maior predilec$o por um reals ‘mo mais distanciado da apreensio mimética ~ como nas obras de Lasar Segll clos principais trabalhos de Candido Portinas, por exemplo -, Mii de Andrade aceitaria anstas realistas impregnados de uma aderéncia maior & reaidade do entorno, desde que respetassem a supr a dos “valores plésticos” icias de Mario de Andrade 0 co- loca nitidamente no Jimbito do retorno 4 ordem internacional. Estudar sua produgio de eritica de ante é estudar o proprio retorno 4 ordem nas singula- ridades que ele assumiu no pals. Essa caracteristica notada nas pre Nio se decidindo entre o realismo “eléssico” e o realismo “realista”, Mitio de Andrade parece ter obtido espago para solidificar um conceito acional para o Brasil, ransformando-se aqui num dos balu- artes contra a ane nio-figurativa proprio de arte Valores culturais, tradicionais e de métier Comp aponta Jean Clair, a preservacio da autonomia da obra de arte, {foi um elemento significativo do retorno 3 ordem. A consciéncia de que a arte é uma linguagem com compromissos com sua propria materialidade e seus cédigos e que, portanto, 0 artista deve subor- dinar o que seus olhos percebem 3 realidade estrutural de seu meio nfo surgi com algumas tendéncias de vanguarda, embora elas possam ter radicalizado A tradigio pictdrica ocidental hd séculos vinha estruturando esses cédi- {0s que pressupunham sempre um determinado grau de abstragio na capta: fo da forma de um objeto real paraa sua simulagio no plano bidimensional retorno & ordem manteri a obediéncia a esses c6digos e a esses valores plisticos que antecedem, em muito, as vertentes mais formalistas da arte do inicio do séeulo XX. Complementando a caracterizagio do retorno 3 ordem, poderiam ser citados aqui mais trés de seus elementos distintivos, levantados por outro ia do estudioso francés, Jean Laude, que ampliam ainda mais a abrang assunito em questio, constituindose em dados importantes para a ccmpreen: sic do pensamento estético de Mirio de Andrade Laude detecta no retomo & ordem as seguintes caracteristicas: 3) reabil ; b) reablitagio do gosto pela obra bem: tasio dos valores culturais nacion: acabada e pelo meter ¢) reabilitagio do gosto pela tradigio. Como se petcebe, tais posturas estavam repletas de um sentico restau rador de uma experiéncia arstica anterior is vanguardas ~ das quais s6 salva vam a obra exemplar e de certa forma “restauradora” de Cézanne, * Para Mario de Andrade, os trés quesitos propostos por Laude serio sur utes, Seu sniodernisao, como jad possivel vislumbrar até aqui, ex re da necessidade de reabiltarcertos valores culturais e artisticos brasleiros Por outro lado, a énfase no mer e no conbecimento que todo artista deveria possuir dos aspectos artesanais da arte seria para Mirio de Andrade talvez.o maior antidoto contra o “excesso” de experimentalismo ¢ individ alismo que percebia na cena artistica de seu tempo. Em sua preocupagio com a “técnica da arte” ®, a questio do mei, do cariter artesanal e material da obra de arte seri um aspecto estruturador. Ainda como antidoto acs elemen- tos que via como negativos na arte de seu tempo, Andrade tentaré reabiltar uma concepcio no propriamente tradicional da arte, mas uma concepgio “ancestral”. Sua proposta, a ser analisada ainda neste estudo™, muitas vezes tentard buscar nos egipcios, nos gregos ena cultura popular andnima o senti do que a arte vinha perdendo ~ segundo ele ~ desde o Renascimento. Mergulhado neste contexto do retorno 4 ordem por meio das varias leituras que fez de publicagdes curopéias impregnadas desses valores, desde o inicio dos anos de 1920, Mirio de Andrade formulari seus conceitos estéti- cos tendentes sempre ao restabelecimento de valores supostamente eternos daarte~ seus principios “imutéveis” ~ ea necessidade da mesma emenunciar sempre sua origeme lugar O espirito novo ‘Uma das principais publicagdes européias impregnadas desse clima res- taurador, e que Mario de Andrade colecionou e estudou, foi a revista francesa L Esprit Noueaa, fundada em 1920 pelos artistas Amédée Ozenfant e Charles: Edouard Jeanneret (Le Corbusier), em circulagio até 1925. ° Segundo estudiosa norte-americana Su L. Ball, emseu liveo Ozenfant and Parivo *, a criagio de L'Esprit Noeau pode ser emendida como uma espécie de estratégia de seus idealizadores para contextualizar melhor uma determinada tendéncia estética concebida por eles em 1918, etornada piblica ainda naquele ano, através do manifesto escrito por ambos, Apis le Cubism, publicado no catélogo da “Primeita Exposigio Purista”, ocorrida em no- vembto no atelié de alta costura de Mme. Bongard. A filosofia purist, ain a segundo Ball, determinou o encaminhamento editorial da revista, repleto de um otimismo idealista, confiante no surgimento de uma nova era e um novo espirito no apés guerra, quando a ciéncia e a técnica engendrariam uma nova arte. ” Como © purismo embasou toda a concepgio de L'Eypnit Noweau e, consegiientemente, algumas das idias mais significativas de Mario de Andrade sobre as artes visuais, citar suas principais formulages ampliard o entendi ‘mento sobre as concepgbes estéticas do autor em questo, como também tomar’ mais extensa a compreensio do clima de retorno 4 ordem que se vivia na Europa, desde os iltimos anos da I Guerra Mundial: (.) © Cubismo tornou-se uma artedecoraiva de ornamentalismo romintico. Huma hierdrquica nasartes;aarte decorativaesténabase, figura humana no topo. A pinturaéboa quando as qualidades de seus lementos plisticos 0 0, nio pelassuasposibilidades de vepresentagio ou de narrativa OPURISMO expresszo invariance, io asvatiagSes, O trabalho nfo deveser acidental, excepcional, impressionist, inorgiaico, protesador,pitoresco, ms, pelocontritio, eral exttic, express OPURISMO quer conceber claramente, executarlealmente, sem flsidades cle abandona concepgies desordenadas, execugSes Sspera,sumérias. Uma arte siria deve bani toda técnica que nio for fel ao real valor da concepgio. A Aneconsistenaconeepeio antesde qualquer outra coisa A Técnica éapenasuma feramenta, ssbordinads aservigo daconcep¢io. OPURISMO teme obizarto eo “original”. Eleprocura o elemento puro no sentido de reconstruir pinturas organiza que devem ser elas proprias fats da Ométodo deve ser corretoo suficiente para nfo obstr OPURISMO nie aereita quer Eleadmite que toda deformagio é justifcada pelaprocurado invarisvel. “Todas.asiberdades So acetas na arte excero aquelas que nio sto chras.® viraconcepeto, rezasigniiquecopiar anatureza, histo (pris bb Cubise Concebido como uma superacio imediata do = Apés o Cubismo) ~ ¢ de todas as outras tendéncias de vanguaréa que 0 antecederam ~ o “purismo” propunha uma arte pautada em valores plistcos absolutos nio propugnando, porém, o afastamento total do referencial da natureza Posicionando-se a favor de uma arte que afio admitia 0 contingente, 0 circunstancial, a experimentacio técnica e estética, tal movimento tendia para ‘uma proposta de arte “clissica” racionale cartesiana que, em ‘iltima inscncia, significava recuperar aquilo que se acreditava ser a grande tradigioda visualidade francesa, o cariter nacional da arte daquele pais. Para os putistas, seus segui dores, ¢ para outros artistas e crticos parisienses do perodo, a nova arte qu surgiria, sobretudo no pés guerra, devia tentar revtalizar a arte francesa, vol tando ao trilho formado por artistas que engrandeciam a tradigio da arte daquele pais: entre outros, Poussin, Chardin, David, Ingres, Courbet, Cézanne, Seurat eos cubistas Na Franga, segundo 0 estudioso norte-americano Kenneth E, Silver, ficou sempre uma busca desse “classicismo” na arte a partir de 1914 sign busca de identidade nacional, apés 0 excesivo cariter cosmopolita que & produc aristica francesa teria assumido a partir de 1870. Este caniter “clissico” do purismo fica evidente j na primeira edigio de LFsprir Nonweax, quando seus editores publicam uma pagina com seis fotos de obras colocadas na vertical, em duas colunas contendo txés eprodu- ses. Ao lado das duas reprodugdes que encabegam as coluunas (a repeodugio de uma pintura de Monet e de uma escultusa de Rodin), est escrita« palavea ‘maui (ma). Ao lado das reprodugSes de pinturas de Juan Gris e Georg Seurat e das reproduces de uma ese srega esti escrita a palavea dvr (boa). Confirmando sua apreen a africana e de uma esculturs arcaica instrumental dos conceitos e tendénciasesté vieas internacionais e, a0 mesmo tempo, seu entusiasmo pela recuperagio/ revitaizagio da tradigio, Mirio de Andrade logo iia mesclar as influéncias que reoebeu do purismo (via suas leit tes do retomo 3 ordem europeu (como 0 Noten italiano e a Nova Objetiv sdo L Esprit Noweeas)*, com outras verten- dade alem’), tornando-as mais diluldas. No entanto, a preocupagio com 0 rigor da concepeio plistica da obra de arte, sua obediéncia a valores forms intelnsecos, a tonica de toda sua critica de arte e, como sexi visto, um anteparo 3s vezes salutar & sedugio do “assunto” da obra de arte Conseqiiéncia dessa preocupagio com os valores formais da obra de arte, 0 autor ind incorporar do purismo também a nocio de que ~ preserva dlo pela preponderincia da concepcio plistca e pelo rigor téenico -, nio intetessava para a valoragio de uma obra de arte, que esta estivesse presa ow nio as tendéncias entendidas como “modernas”, Cubista, expressionista, rea lista reaistanaturalista. fato no era fundamental. O que importava e averiguar se 0 tema da obra, o anedético, o circunstancal, ou 0 seu cariter descritivo, nfo estava obstruindo os valores estruturas da linguagem plistica que deviam suportar. Uma atitude, em ltima instincia, purist Porém, esta preocupacio com os valores plisticos, ea condescendéncia com a persisténcia do assunto na obra de arte, como seri visto, abriei a pos sibilidade para que em suas eriticas permanecam critérios de anilise forte mente presosa valores estéticos ainda do século XTX, sobretudo a questio des nacional Antes porém de entrar nesta questio tio crucial em Mivio de Andrade, seria interessante analisar alguns momentos de sua produgio como eritico de arte que, nio tratando especificamente da questio do nacional na arte, apon- tam outros elementos de interesse para este estudo, Em primeiro lugar, a base purista de sua estética, direcionando seu olhar sobre a produsio presente no circuito paulistano da época (¢ As vezes também carioca); em segundo, as peculiaridades mesmas de seu texto erltico, 's vezes preocupado com o seu direcionamento pritico de orientar 0 piblico e/ou o artista em foco, is vezes voltado apenas para especulagtes estéticas CAPITULO DOIS O CIRCULO SE EXPANDE O CRITICO, O AMIGO Entre o pintador € 0 artista oO. ntato com a critica de arte de Mirio de Andrade nio & capaz de crazer apenas dados ¢ referéncias sobre seus critérios estéticos, seu cui- dado em nio se deixar evar pelo assunto na are, etc, Ele possibilita lagrilo elaborando ou exprimindo seus conceitos etéticos frente a propria obra que esti observando, ou sobre a qual esté refletindo. Mais: faz. com que se perceba como os elementos de linguagem que o escritor percebe na obra analisada e que considera positives vio sendo introjetados pelo eritico em seu priprio texto, re 0 observador eo objeto observado. criando asim uma especie de simbios A parte essas especificidades, a critica andradiana tende a se aproximar das peculiaridades gerais da critica de arte paulistana do inicio do sécalo. Seus textos quase sempre se configuram como tipicas “eriticas de servigo”, co- muns nos jornais paulistanos da época, onde o redator sempre procurava orientar o artista nas marchas e contramarchas de sua produgio, ¢ orientar igualmente 0 pablico consumidor, indicando, por exemplo, as possibilidades promissoras que 0 investimento em determinadas obras de determinados antistas analisados poderiam teazer para um eventual comprador. Embora nunca tenha sido um tipico critico militante, engajado em fazer proselitismo intenso de suas erencas estéticas (como seu antecessor imediato nacrtica paulistana, Monteiro Lobato), percebe-se que o discurso de Andrade se modifica quando escreve sobre artistas mais idemtificad dernismo, os artistas que mais 0 interessam (Malfati, Di Cavalcanti, rexcos sobre sn comparagio com aqueles “independentes” inarie poucos outros), seu texto tende a ser mais afirmativo, menos eritico. Semprelonge de qualquer militincia mais explicia, parece nfo restar divida que quando Mario de Andrade escreve sobre os “seus” artistas, tende a obliterar qualquer ditvida que por acaso atravessassea sua conscinciaestéica.*

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