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Expresséo e Comunicagao idéia romantica segundo a qual a arte é a linguagem das emogdes possui uma histéria longa complexa que remonta a crenga em feiticos e encantamentos. Freqiientemente atacada e questionada, sobretudo pelos defensores da estética for- malista, continua a manter o seu dominio; na verdade, é possivel que esteja muito mais firmemente entrincheirada hoje do que estava antes. © propésito desse texto é inda- gar como se pode conceber uma linguagem das emogoes que funcione ¢ onde estariam dos. No meu entender, esses equivocos sio exemplificados, convenientemente, no se- 0s principais equivocos que tornaram essa teoria passivel de ataques justi guinte trecho extraido de uma conferéncia de Roger Fry': Usando uma analogia com o telégeafo sem fio ~ 0 artista é 0 transmissor, a obra de arte © meio ¢ © espectador o receptor [..] para a mensagem chegar, o receptor deve estar mais ou menos sintonizado com o transmissor[..] nisso reside adificuldade, porque de modo geral a mensagem da obra de arte € imensamente complexa, sumariando, a meu ver, oda uma massa de experiéncias escondidas no subconsciente do artista. E essa complexidade torna provavel que cada receptor capte apenas uma parte da mensagem total [...] muitas. pessoas $6 possuiem instrumentos de 1ecepyao muito imperfe soes extremamente violentas de tipo tosco ¢ elementar m, instrumentos que sé respondem a et Nunca é bom tomar uma analogia ao pé da letra, ¢ certas passagens na mesma conferéncia mostram que Roger Fry nao quis absolutamente sustentar essa compara- cio. Além disso, se alguém tinha o direito de pensar que mento sensivel, esse era o grande critico. Mas a forca de Fry reside muito mais intensidade e sutileza de sua resposta do que na clareza de sua anilise, ¢ o paladino da idéia da “forma significante” certamente esposou alguma teo ral. Era isso 0 que a analogia com as transmissdes sem fio pareciam implicar. Ela suge- sua mente era um instru- na ia da ressonancia natu- re que o artista irradia sua mensagem na esperanga de atingir a mente de alguém que vibraré em unissono com a sua prépria, e que esse meio de comunicagio (a obra de arte) é meramente um veiculo para alcancar esse objetivo. Qualquer falha de nossa parte em responder deriva, em tiltima andlise, da incapacidade de captar as vibragdes que nos chegam por intermédio do meio de comunicagio. A idéia de que a arte realiza algum tipo de contégio emocional serviu de base a toda estética expressionista desde que Horacio escreveu seu famoso verso: si vis me flere, dolendum est primum ipsi tibi (Ad Pisones, 103/104) No entanto, qualquer que seja o valor dessas injungées como recurso técnico para 0 poeta, esta claro, como Susanne Langer deu-se ao trabalho de apontar, que nenhuma teoria da arte poderia ser construida sob a suposigio de que, ao compor uma sinfonia, um miisico teria de aguardar um momento alegre para escrever 0 scherzo e um senti- mento de melancolia para inventar 0 adagio. Susanne Langer defende firmemente, porém, © pressuposto expressionista de que as formas ou tons sio andlogos dos ‘Texto escrito originariamente para abrir um simpésio com a professora Ruth Saw sobre Art and Langua: ge of Emotions, realizado, em 1962, na Sessio Conjunta da Aristotelian Society ¢ da Mind Association. 56 Expresso e Comunicagao 57 ’, O trans- sentimentos ¢ transmitirio, portanto, uma experigncia emoc missor pode ser operado por um engenheiro que deseja “apresentar” um “padrio de sensibilidade”, mas o espectador continua a ser um mero receptor que passari pelo onal especific mesmo “progresso de excitagio” se ele estiver sintonizado e responder tanto quanto Ihe permite o mecanismo de sua mente. Com efeito, se entendo corretamente a premissa da teoria expressionista, a razio € que a expressio esta de algum modo radicada na natureza de nossas mentes, ¢ que portanto nao tem qualquer necessidade de sinais convencionais. A tabela seguinte pode esclarecer melhor essa prete sa Oposicio. Comunicagio nogio Informagio Sintoma Codigo Natural Convencional > opera por meio de sintomas (como o rubor ¢ 0 riso) que sio naturais ¢ nao-aprendidos; a comunicagio da informacio, por intermédio de sinais ow . Esta claro, desde 0 inicio, que ambos os lados dessa tabela representa extremos, ao passo que a m eM convengoes. cédigos (como a linguagem ou a escrita) que se base maioria dos meios de comunicagio ¢ expressio em nossas vidas cotidianas estio em alguma parte de um espectro entre esses pélos. Nossa fala faz uso de simbolos con- vencionais que tém de ser aprendidos, mas 0 tom da voz ¢ a velocidade da elocu servem de meio para dar vazio a alguns sintomas de emogdes que sio captaveis até mesmo por criangas pequenas ou por animais. Do outro lado da escala, nossos gestos € expressdes que acreditamos ser “naturais” continuam sendo filtrados por meio das convengdes de nossa cultura; o sorriso da aeromoca menos um sintoma de alegria do que um sinal convencional de boas-vindas, e, quando lemos romances vitorianos, po- demos suspeitar que até mesmo o rubor da empregada é passivel de alguma estilizacio. Se quisermos olhar a arte do ponto de vista da comun ‘agao e expressao, devere- mos primeiramente colocé-la em algum lugar entre esses extremos. Os simbolos ¢ emblemas tradicionais que encontramos na pintura religiosa pertenceriam a um as- pect i outro. E verdade que os expressionistas tendem a considerar 0 aspecto convencional 5 08 tomas de emocio que acreditamos detectar nas pinceladas do pintor, a menos essencial, menos artistico do que o outro. Seja como for, eu gostaria de susten- tar aqui que certamente teremos muito maior probabilidade de avancar na discussio de toda essa area se, antes de considerarmos sua possivel interdependéncia dos dois extremos, 0s analisarmos como separados artificialmente um do outro. -se, se € que o pode de algum modo, aos extremos de simbolos “naturais”. Bocejos sio capazes de produzir bocejos € Claro esta que a teoria da “ressonincia” s6 pode apli itada. Todavia, nem mes- sintomas de pinico podem ser contagiantes numa multidio es mo 0 expressionista mais extremo gostaria de restringir os efeitos da arte a tais reagoes biolégicas. Sua tese sempre repousou na crenga de que, para além desses sintomas ime- diatos de emogoes, existe aquilo que se chama de reagdes naturais. Ele aponta os “efei 58 Meditagoes sobre um Cavalinho de Pau tos” das formas, dos tons ¢ das cores sobre © homem ¢ 0 animal, efeitos que sugerem que a cor vermelha é excitante e a misica lenta, tranqiiilizante. O bebé, ele diria corre- tamente, para adormecer nao precisa aprender o significado da cangio de ninar, e nao hi necessidade de dizer ao jovem que as cores vivas sio mais alegres do que as pardacentas. Sei que algumas pessoas se preocupam com o sentido exato da enunciagi 10 de que uma cor é melancélica ou um tom é triste. Devo admitir que sabemos 0 que isso significa, Aos indecisos recomenda-se que pensem naquelas cruéis anedotas em que se pede a um gago, excessivamente excitado, que cante seu recado ¢ que conta uma est6- ria de afligio e desastre no mesmo tom de uma “piada” alegre. Sabemos muito bem por que isso nos faz rit. E que existe essa coisa de melodia alegre ¢ cor prazenteira. JA discuti em varios lugares essa equivaléncia natural entre os estados emocionais ¢ 68 sons, as cores ¢ as formas, ¢ chamei a atengio, nese contexto, para a ferramenta experimental que C. E. Osgood desenvolveu para investigi-los. Nas pesquisas de Os- good’, o sujeito € colocado diante da pergunta: por exemplo, se o preto é mais triste do que alegre, mais pesado do que leve, mais poderoso do que fraco, mais velho do que jovem. Por irracionais que possam parecer essas alternativas, aparentemente as respos- tas nio sio aleatérias, Existe em todos nés alguma disposigio inata a identificar deter- minadas sensagdes com determinados tons sentimentais', Osgood dispds essas escalas em trés dimensoes para fazer 0 grafico do que ele denomina nosso “espaco semantico”. Mesmo que esse método implique uma exe -lo va simplificaga 0, proponho simpl ainda mais ¢ apresenté-lo, em favor de meu argumento, numa forma bidimensional: Sensagiio Visio | Sons Agudo Alto Rapido Vermelho Leve Quente Amigivel Hostil Triste Fria Pesada Escuro | Azul | Lento 1 Baixo. Este diagrama sugere um cédigo natural de equivaléncias que representa, a meu ver, 0 niicleo do argumento expressionista, Toda cor, som ou forma tem um tom sentimental natural assim como toda sensacio tem uma equivaléncia no mundo da visio e do som. Expresso e Comunicagao 59 Imaginando que nossas reagées basicas estejam fundamentadas no instinto biolé gico de sobrevivencia, podemos dizer que aquilo que sentimos ser hostil nos deixar tristes, aquilo que se nos afigura amigavel tem uma disposigio alegre. Avangando na escala das experiéncias sensérias, chegamos sensagio fisica de mudanga de tempers tura, onde sentimos que a amizade é quente ¢ o calor é amigavel, a hostilidade ¢ fria e 0 frio é hostil. Ao longo da linha das sensagdes visuais, a escuridio € triste ¢ hostil, a luz é quente ¢ amigavel. Entre as cores, sentimos facilmente que o vermelho, por ser mais vivo do que 0 azul, é equivalente ao calor ¢ & alegria; ¢ 0 azul, ao frio e & tristeza. E assim chegamos a escala de sons, dispostas de acordo com a altura, a velocidade ¢ o volume, onde o lento, 0 baixo ¢ o suave é mais adequado para a marcha funeral ¢ 0 ripido, o tinido ¢ o agudo para a danga triunfal. Tenho consciéncia de que esse modelo ¢ extremamente tosco € nao sonharia em sobrecarregar alguém com a teoria nessa forma. Esta claro, por exemplo, que nossa miisica ocidental tem, além daquelas que foram inseridas no diagrama, outras dimen- ses, das quais a mais importante € a exis ente entre tensio e solugao baseada na distancia em relagio a tonica’. Mas refinamentos dessa espécie, por interessantes que sejam, nao derrubariam minha alegagio basica: apenas acrescentariam mais uma esca- Ja, dessa vez a escala dos intervalos ¢ acordes, do “quente” ¢ relaxado ao “frio” e tenso uma tentativa que Deryck Cooke realizou sem diivida, em seu recente livro, A Lin- guagem da Musica’. O mesmo se poderia mostrar com relagio as escalas de linhas ou ma is parecido com qualquer outro entendimento. Pres artista, mas pressupde igualmente o que os romanticos chamariam de empatia natural. Sem o trato com as potencialidades do meio de comunicagio do artista e da tradiga dentro da qual ele trabalha, essas equivaléncias naturais que interessam ao expressio- nista nao poderiam ser postas em jogo. O que nos parece uma dissonancia em Haydn poderia passar despercebido num contexto pés-wagneriano e mesmo o fortissimo de um quarteto de cordas pode ter poucos decibéis a ma s que 0 pianissimo de uma gran- de orquestra sinfénica. Nossa capacidade de interpretar o impacto emocional de um ou do outro depende de entendermos que esta é a extremidade mais dissonante ou mais aguda da escala dentro da qual 0 compositor operou. Esse é um dos motives pelos quais a concentragio nas propriedades fisiondmicas da visio ¢ dos sons nunca fornecers uma teoria da expressio ar tica, a menos que venha a das condig6es estruturais da comunica- companhada de uma clara consciénc 0. Certo de que as cores, as formas ou as harmonias podem ser sentidas como expressivas, 0 artista s6 pode usar essas qualidades com alguma confianca numa situ- agio limitada de escolha. Os criticos que estio preocupados em descobrir como & nao € ao acor- possivel chamar um acorde de “triste” estio desculpados num aspecte de, mas a escolha do acorde dentro de um meio organizado de comunicacio que deve- mos responder dessa maneira. O artista que deseja expressar ou transmitir uma emogio nao encontra apenas seu equivalente natural adequado em termos de tons ou de for mas. Antes, ele procede como procede quando retrata a realidade — escolheré em sua paleta, entre os muitos disponiveis, aquele pigmento que para sua mente seja mais parecido com a emogio que deseja representar. Quanto mais conhecermos sua paleta, mais probabilidade teremos de avaliar sua escolha. E claro, desse ponto de vista, que os meios tradicionais de comunicagio da arte talvez tenham sido criados por acidente, Em teoria, nio ha razio pela qual nio deves- Expressao e Comunicagéo 63 sem ser criados outros meios de comunicacio ow escalas que exergam uma fungio analoga. Os experimentos dos pintores contemporineos com texturas sto um caso em questio, Tenho poucas diividas de que € possivel construir uma resposta com essas escalas novas. A minha davida, aqui e em outros casos semelhantes, € t20-so- mente a de que essa resposta possa ser uma ressonancia imediata. Teriamos novamen- te que aprender, antes de tudo, a considerar que o grau de maciez e de rugosidade € parte da mensagem ¢ a familiarizar-nos com a escala na qual o artista opera. Enquanto julgamos o piblico ideal do artista menos em termos de mentes miste- riosamente sintonizadas uma com a outra do que em termos de pessoas prontas a avaliar a escolha mutua de alternativas, podemos indagar mais uma vez até que ponto tais decisdes sao interpretaveis como emogdes comunicativas. Retornando ao nosso modelo extremamente simplificado, talvez. valesse a pena exa- minar até onde a mais simples forma de alternativas eqiiiprovaveis poderia ainda atrair- nos. Nas artes que se est ndem no tempo, esse principio é facilmente encontrado; é que temos aqui o exemplo dos métodos do engenheiro. Tudo © que teriamos de fazer é adotar alguma convengio de acordo com a qual toda mensagem apresenta uma escolha bindria articulada por uma mensagem subseqiiente. Se estivermos cansados desse “ping” “pong”, poderemos usar o contraste entre claro e escuro (b ¢ nio-b). A primeira mensagem nos diria para olhar para o lado mais claro da es ala; a subseqiiente, se por acaso fosse nio-b, para a metade mais escura desse lado mais claro; e a seguinte, talvez, para o oitavo mais claro. Visto que as dimensdes originais da escala sio indeterminadas, © processo careceria de uma precisio quantitativa, mas poderiamos imaginar que, sendo uma progressao relacional, ele poria em acao distingoes cada ver mais refinadas. Volte- mos ao nosso exemplo de ‘Teseu: uma vela branca devia anunciar o sucesso; uma preta, © fracasso. Se ele tivesse antevisto a possibilidade de fracasso no sucesso, poderia primei- ramente ter igado a vela branca e somente depois a preta para indicar que fora vitorioso mas estava triste, ou, melhor ainda, poderia ter mantido a vela branca mas modificada por uma bandeirola preta. Por tosco que possa ser, o exemplo pode continuar ilustrando a possibilidade de métodos mais sutis de articulagio que devem desempenhar seu papel nas artes da época, tais como a rica linguagem da miisica ocidental. Que outra coisa é a modulacio senao a modificagio em progressio da tonalidade estabelecida antes? dentemente, na misica a bandeirola preta que modifica a vela branca pode, por uma espécie de magica, tornar-se a mensagem principal quando as relagées basicas mudam. Certamente, a linguagem da miisica nao permitiria qualquer aplicagio mecanica do prin- aa ad infinitum. Mas, entio, nem a misica nem qualquer outra arte trabalhou alguma vez com um ipio da subdivisio e modificagao progres cédigo bindrio. A miisica ocidental, como vimos, combina as escalas de ritmo, altura e volume com as de tensio (recapitulando, apenas aquelas que jf mencionamos): a pin- tura ocidental faz. uso de formas, cores, textura — sem falar da matéria. Mesmo que imaginassemos, a bem do argumento, que cada uma dessas permitia apenas uma esco- 64 Meditacoes sobre um Cavalinho de Pau tha de alternativas, 0 néimero de combinagdes ¢ permutagées possiveis aumentaria rapidamente, Em virtude das muitas escalas de que dispomos, a complexidade que se pode alcangar com esse vocabulirio simples é bastante respeitavel. E que cada uma dessas escalas paralelas pode ser usada para apoiar ou, se for necessidrio, reforgar ow enfraquecer 2 mensagem enviada ao outro canal. No final das contas, até mesmo 0 pintor de nossa tela monocromica, que ele sente ser “pong”, pode reforcar o efeito se usar o efeito expressivo de uma pincelada pesada, para baixo, para denotar um novo sintoma de seus humores melancélicos ou, alternativamente, pode salpicar a tinta com um toque “ping” tio leve que neutraliza a impressio de melancolia. Grande parte da estética tradicional esté envolvida com a doutrina do reforco miituo das varias modalidades ¢ escalas de sentido, tratadas freqiientemente sob Jecoro” (ou juste? da estoria, o quadro deve descobri-lo totalmente, seja ele alegre, melane nome um tanto enganoso de “ “Qualquer que seja 0 cariter geral lico, grave, terrivel, etc. O natal, a ressurreicgio e a ascensio deveriam ter o colorido genérico, os ornatos, o fundo, ¢ tudo neles que é risonho ¢ alegre, ¢ © contrario numa crucifixio, num enterro, ou numa pieté”, diz Jonathan Richardson"? no século XVIII. A critica consiste muitas vezes em apontar a observancia ou nao-observancia dessas regras de “reforco mtituo” — assim como as vogais de um poema ou seus ritmos variam de acordo com sua disposigao de animo", ou como um compositor realca um texto pela escolha de harmonias, dinamica e mesmo orquestragio. Na linguagem fria dos engenheiros, essa duplica itulo denominado io de mensagens provavelmente seria incluida no ca das “redundancias”’. Todavia, até os engenheiros sabem da importancia da redundan- as para eliminar 0 que eles chamam “ruido”. A pratica, que tém, de repet mensagens importantes € apenas 0 exemplo mais simples. Nossa fala, como bem sabemos, usa livremente 0 recurso da redundancia para ajudar nossas interpretagées, aitil onde nao conseguimos atender a cada parte de uma mensagem. Afigura-se a mim bastante poss! vel que aquilo que chamamos forma na arte, simetrias ¢ simplicidades de estrutura, poderia muito bem estar associado a facilidade e ao prazer de apreensao que anda junto com as redundancias bem colocadas. A instabilidade psicolégica de nossas escalas individuais deve fazer que essa possi- bi modelo. No entanto, em virtude dessa ancoragem, a possibilidade oposta de modifica- jade de reforco mituo e de ancoragem seja obviamente importante para 0 nosso cio mtitua é muito mais atraente. Uma olhadela nos espectros de som pode ilustrar meu argumento. Sugere a tendéncia de que as dimens6es de mais agudo, mais répido mais alto podem ser experimentadas como paralelas. Na miisica existem passagens memors is, como o climax da Leonora Ne 3, de Beethoven, nas quais essas dimensdes, sio usadas para reforgar uma 4 outra, ¢ 0 volume, a velocidade e a altura suscitam uma tremenda tensao. Os misicos praticantes sabem que essas trés dimensdes tendem na verdade a fundir-se, que a tentagio natural do executante “expressivo” & transformar um crescendo também num accelerando e tocar uma nota alta. Mas a misica nio seria o Expresso e Comunicagao 65 instrumento sutil de expresso que se tornow nas mios de nossos mestres se essa cone- xio fosse, de fato, observada sempre. © crescendo que permanece disciplinado dentro do compasso do movimento é muitas vezes o mais impressivo por causa de seu senso de controle. Nenhum artista é digno de sua arte se nao conseguir manter & parte as virias dimensdes de sua linguagem ¢ usi-las para articulagoes diferentes. Afinal de contas, se 0 “esperado” ea coisa “6bvia” é um aumento ao longo de todas essas dimen- le s0es, 0 dominio que tem desse aumento the granjeara o prémio de fazer o improv tudo 0 que for mais convincente. Temos aqui talvez um vislumbre da diregio em que nos: primitiva e admitissemos as diferencas de probabil esgotaria as possibilidades que podem ser tragadas em palavras. Nao penso também que 10 modelo seria facilmente enriquecido se abandondssemos a estrutura ping-pong idade. No entanto, tal tentativa logo sgotamos as possibilidades até mesmo de nosso tosco modelo binsrio Mesmo nesse modelo essas possibilidades de modificagio mtitua aumentariam con- sideravelmente 0 aleance ¢ a sutileza do artista. Imaginemos, em favor do argumento, que nosso “ping” “pong” seja jogado na impress negrito. De acordo com a teoria do “decoro”, “pong” obviamente teria de ser impres- ©. com dois tipos de letra, normal e so num tipo pesado e “ping” em normal, mas nosso modulador teria liberdade para inverter a ordem e fazer um “pong” modificado por uma impressio mais leve e um “ping” carregado com algum peso. Temos liberdade, se quisermos, para acrescentar outras possibilidades, como escrita gétiea ¢ latina, Além disso, nossa tendéncia seria usar um gético negrito para “pang”, mas é exatamente por esse motivo que um “pong” gético normal poderia parecer-nos inesperado e sutil. Talvez o efeito dessa modificagio reciproca nao seja mais previsivel do que é na culinéria, mas suas possibilidades devem aumentar enormemente a cada dimensao nova acrescentada as escalas do artista. alas Mas esta claro também, pelo menos intuitivamente, que um aumento nas es: ou meios de comuni ago nfo sera necessariamente um ganho para esse tipo de “lin guagem”, Deve chegar um instante em que a mensagem é abafada por causa dos mui- tos sinais a que supostamente temos de atender. Ja nao sabemos qual deles tem o intuito de modificar o qué, e assim aumentam a ambigitidade e a obscuridade, O tinico meio de sair desse impasse seria o estabelecimento de alguma hierarquia comparivel A hierarquia temporal das mensagens subseqiientes. Se soubéssemos qual era a escala dominante, por assim dizer, ¢ quais as modificagdes subseqiientes, poderiamos conti nuar a atendé-las uma a uma em sua ordem intencional. Em nosso exemplo de Teseu, a primeira mensagem com a vela chamar-se-ia o classificador, indicando a classe de mensagem a que teremos agora de atender, enquanto a bandeirola seria chamada de modificador. E claro, em hierarquias maiores esses seriam termos relacionais, cada modificador poderia ser um classificador para uma modificacao subseqiiente. Entendo que esta proposta parece abstrusa, mas acredito que seja importante sa- ber qual de duas distingdes € considerada a dominante. Pode-se mostrar facilmente que isso acontece com as distingdes da fala, Tomem a momentosa pergunta que Tovey 66 Meditagées sobre um Cavalinho de Pau formulou: A misica boa r a ruim boa? Exami- im cra melhor ou pior do que a misi nando o exemplo, vemos que a lingua inglesa garante essa distingio quando fax do adjetivo mais préximo do substantivo o classificador dominante; do outro mais afas- tado, 0 modificador subordinado. Nao deixa de ser instrutive examinar exemplos se- melha ntes, como a diferenga entre um politico da direita esquerdista e seu rival da esquerda direitista, ou, mais simplesmente, a existente entre um azul avermelhado um vermelho azulado. Por desconcertantes que sejam essas distingdes, a psicologia da percepgio sugere i S P Sao sug que, pelo menos no campo da visio, somos todos maravilhosamente adeptos de jogar © jogo dos “classificadores ¢ modificadores”. Nossa capacidade de separar da cor da iluminagio © que se chama a cor local das coisas se baseia nessa habilidade. Reconhe- cemos com muita facilidade a diferenga entre uma parede branca na sombra e uma parede cinza 4 luz do sol; mais do que isso, mesmo onde possa ser idéntica a luz. que vem de ambas e chega até nossas retinas, as duas paredes “parecerio” bastante dife- rentes 3 nossa mente interpretadora. E. assim acontece com todas as modalidades de sentido. Todos sabem que 0 mesmo cheiro ou gosto nos afeta de maneira diferente de acordo com a nossa interpretagio de sua fonte, Nao € tanto uma questio do gosto qui tem um prato quanto de qual prato € modificado por esse sabor particular. Plutarco observa em algum lugar que o peixe que parece carne é 0 que tem melhor aparéncia e melhor sabor, e que a carne que parece peixe ¢ a que tem melhor aparéncia e melhor sabor, Nao testei essa idéia, nem gostaria de fazé-lo. Mas todo mundo jé sentiu quio estreitamente estio relacionados 0 “que” ¢ 0 “como” de nossas mentes. O “haut gorit” da carne de veado nos desagradaria em forma de bite. O motivo dessa digressao era oferecer mais uma razio da importincia do contex- to ¢ da estrutura em nossa interpretagio da expressio. E que, se se pudesse mostrar que as hierarquias desempenham scu papel na linguagem das emogdes, elas nos permiti- riam distinguir entre graus de entendimento ¢ mau-entendimento. Uma experiéncia comum a todos nds € a inesgotabilicade das grandes obras de arte, Contrariamente aos nossos modelos toscos, a textura das relagdes dessas obras é tio rica que nunca nos cansamos de explori-las. Mas existe uma diferenga, eu afirmaria, entre essa sensa- gio de entender uma obra cada vez. melhor, sem mudar a interpretagio basica da pes- reditamos soa, e uma outra experiéncia, mais desconcertante, quando descobrimos, ou a descobrir, que a interpretamos erroneamente ¢ temos de partir do nada porque obt entendemos vemos as hierarquias de sentido as avessas. Para dar um exemplo simple corretamente (talvez) que Don Quixote € um romance cémico com matizes trégicos, os quais, obviamente, tém seus aspectos cémicos ¢ assim por diante, ad infinitum. Tomar 0 caminho inverso ¢ lé-lo como se fosse uma obra tragica com toques de comi- cidade 6 0 tipo de mau entendimento que eu distinguiria do entendimento incomple- to. E possivel que essa leitura seja até mais intensa, mas é também mais obstinada no erro do que uma leitura superficial que apenas inclui os cabecalhos dos capitulos. Expresséo e Comunicagao 67 Chegamos assim um pouco mais perto, apesar de tudo, dos tradicionais proble- mas colocados pelo Hamlet ou pela Ronda Noturna, de Rembrandt. Podemos ver por que faz diferenga saber se 0 Hamlet deve ser entendido primordialmente como uma tragédia de vinganga ou como um estudo de uma indecisio neurética, ou se Ronda Noturna € antes de tudo um retrato de grupo ou uma pintura histérica. Dilemas dessa espécie apenas realcam a orientacio firme que a tradigio © a expe- riéncia costumam nos oferecer. Nas formas tradicionais de arte, a categoria ou o género fornece o primeiro indicador. O scherzo ligubre, a valsa melancdlica, mesmo a estéria absurda do cachorro peludo, nao entregaria sua “mensagem” sem esse contexto firme. unto costumam estabelecer o classifica- Na pintura, evidentemente, as tradigées do a dor dominante mesmo onde elas foram modificadas a ponto de nio mais as reconhe- cermos. Os Britadores de Courbet apresentavam ao ptiblico uma figura de “vida humilde” numa escala herdica. As paisagens da tiltima fase de Turner modificaram a pintura aca- démica tradicional no sentido do esbogo. Cada uma dessas aleancou parte de sua forca “expressiva” pelo que, num sentido estritamente téenico, poderia chamar-se quebra do decoro. Se a histéria de uma arte tem alguma relevancia para a estética, & justamente porque nos ajudara nessas primeiras classificagdes rudes ¢ eficazes das quais todo 0 nosso entendimento subseqitente pode depender. Presumindo-se que uma grande obra de arte € tio ric: em es rutura que permanece poderosa mesmo quando é mal entendi- da: se estamos realmente empenhados em receber sua “mensagem”, nio podemos fazé- lo sem todas as ajudas contextuais que o historiador puder descobrir. Aqui um exemplo deve bastar. Sua relagio com 0 nosso argumento é tanto maior quanto diz respeito a uma obra de um pintor expressionista que recentemente foi usada com muito sucesso para clucidar a teoria expressionista da arte. Em sua Con- feréncia Charlton sobre a pintura de Kandinsky, Em Repouso (Rube) (Fig. 34), 0 professor Ettlinger mostrou, de maneira convincente!, como o pintor usava cores desestruturadas e formas geomeétricas na crenga de que estas estavam inerentemente carregadas de forga emotiva. Os escritos tedricos do artista atestam seu interesse por todas as idéias de ressonancia espiritual, desde as dos rominticos as dos teoso- fistas ¢ antroposofistas. Ao que parece, também interpretou as pesquisas da psicolo- gia da Gestalt & luz dessas preocupagées. O professor Ettlinger esclarece que para Ima ou de re- Kandinsky as proprias formas sugerem e transmitem a sensacio de ¢: pouso. Alude 4 semelhanga da configuragio com um “porto com barcos a vela e um navio a vapor”, mas est4 convencido, a luz dos objetivos declarados de Kandinsky, de que tal interpretagio est tio fora do alvo quanto estao os diagramas notérios que transformam as pinturas de Rafael no sistema de triingulos ¢ quadrados. Na termi nologia desse ensaio, poderiamos dizer que é possivel que Rafael tenha pintado Ma- donas modificadas para tridngulos, mas Kandinsky, quando muito, pintou triingulos modificados para uma cena de porto. O professor Ettlinger nao faz segredo de sua opiniao segundo a qual o experimento de Kandinsky nio se realizou totalmente. 68 Meditagoes sobre um Cavalinho de Pau Certamente duvido que mesmo 0 espectador mais sensivel se sentisse “em repouso” diante desse quadro. Ocorre, porém, que, colocando a composigio de Kandinsky em seu contexto his- toric, podemos devolver-Ihe um claro significado expressivo. Durante os anos 20, 0 artista trabalhou lado a lado com Paul Klee no Bauhaus, ¢ ambos eram amigos. Num famoso instantineo de 1929, posaram juntos como o famoso monumento geminado a Goethe ¢ Schiller. Ora, em 1927, Klee, que nunca se afastou da representagao, fizera senho experiéncias com a sugestio de movimento em embarcacées, primeiro num d de barcos a vela levemente baloucantes e depois numa cena portuaria maior, 3 qual deu o nome de “Atividade do Porto” (Aktivitit der Seestadt) (Fig. 33). Trata-se de um experimento humoristico em transmitir a azéfama e a agitagio do porto por meios grificos novos. O que é pertinente ao nosso contexto é apenas o quanto a obra de Kandinsky; pintada um ano mais tarde, ganha em inteligibilidade quando é colocada a0 Indo da de Klee. De stbito, as formas retangulares macigas adquirem realmente as dimensdes de peso ¢ tranqtiilidade, sto 0 “pong” para o “ping” de Klee. E bastante possivel que o artista renha pensado, do mesmo modo, que esse quadro fala por si mesmo. Si ticos ou pintores, todos estamos prontos a esquecer que nem todo mundo compartilha nosso conhecimento ¢ nossa experiéncia passada, Mas, sem tal compartilhamento, as mensagens morrerio no caminho do transmissor “sintonizado: a0 receptor, nao por nao estarmos ”, mas apenas porque nio ha nada que se relacione com elas. Nem a comunicacio nem a expresso funciona no vécuo. Contudo, essa refutacio da teoria da ressonancia dificilmente teria merecido nos- apli missio. Acredito que os exemplos estudados devem também ter relagio com 0 extremidade receptora da trans- so esforco se os resultados s ssem apenas 4 entendimento do papel da linguagem das emogées para o proprio artista. Com certe- za, dificilmente 0 ponto de partida de Kandinsky foi uma sensagio de tranqilidade que ele esperava “codificar” em formas. Tivesse ele conhecimento disso ou nao, de qualquer modo sua imaginagio foi despertada pelas experiéncias de Klee. A descober- ta do quanto se podia transmitir por meio de linhas e formas deve t@-lo estimulado a pesquisar até que ponto tais meios podiam ser simplificados ¢ continuarem sendo usados para expressdes diversas. Foi o desafio de modificar uma configuragio existen- te. Jogando esses jogos, 0 artista se torna o seu préprio piblico, por assim dizer. Fica enlevado com as possibilidades de escolha e de variagao dentro de um meio de comu- nicagio restrito, nao s6, como o entendiam os formalistas, por causa do fascinio da estrutura como tal, mas também, como vimos, porque somente sentimentais. Nenhuma ssa restrigio é que 0 capacita a equiparar sua escolha ao “ping” e “pong” dos tons emogio, por forte ou complexa que seja, pode ser transposta para um meio de comu- cio desestruturado, Tanto o transmissor quanto o receptor necessitam do grau correto de orientagio por meio de um conjunto de alternativas dentro das quais a escolha pode tornar-se expressiv Expresséo e Comunicagdo 69 Depois de me envolver bastante com jogos ¢ modelos, gostaria de concluir com uma sugestio sobre 0 modo de substituir a analogia de Roger Fry, ¢ permanecer ao mesmo tempo na drea da comunicagio. 2. de seu simile dos transmissores, imagi- nemos um correspondente que escreve regularmente cartas para 0 outro lado do oceano a0 preco atual de postagem de seis centavos. Um dia, num estado mental receptivo, € atraido pela cor roxa insipida do selo de seis centavos ¢, como esté de bom humor, procura em volta outras combinagdes que pudessem expressar seus sentimentos de ma- neira mais adequada. E desnecessario dizer que o receptor talvez nunca tivesse observa- do esse desvio da norma se nao Ihe informassem do surgimento de uma nova forma de arrumado © ce! arte, No entanto, uma v fio, nossos jogadores podiam comegar o sd. (dinheiro), zul; 1¥% d., verde; 2 d., marrom; 2’ d., vermelho; 3 d., roxo; 4 d., azul- 0 cor jogo. Seu meio de comunie: itui-se de dez classes de selos — laranja; 1 d., a claro; 414 d., vermelho-claro; 5 d., marrom-claro; 6 d., roxo-claro. A prudéncia financei- .€ um senso da forma impoem a regra de colar a quantidade correta. Mesmo dentro dessa regra limitante, porém, nio ha menos de seis escolhas de cores uniformes (12 laranja, 6 azuis, 4 verdes, 3 martons, 2 roxos, | roxo-claro) que podem refletir totalmen- te varios tipos de humor ~ isto & “refletir” para o parceiro que achasse que a mensagem de trés selos marrons fosse a mais monétona que se podia escolher. Em virtude do parceiro que tem, ele esperaria segura e corretamente um monte de noticias espléndidas quando visse o envelope decorado com o maximo de variedade, por exemplo: um laran- ja, um azul, um vermelho, um verde, depois outro laranja, mantendo os contrastes 20 depois para o vermelho e depois do azul para 0 verde, a tensio diminui embora o humor continue bastante alegre. Evidentemente, os maximo. Se combinar os dois laranja ¢ dois podem também concordar com o sentido da leitura, fazendo que selo do lado. esquerdo represente 0 “classificador” que simboliza o humor dominante, enquanto os outros se ligam a ele em sucessao. Talvez. grande raiva e uma certa tristeza levasse a dois vermelhos, ¢ a um selo azul, Somente um acesso de ftiria precipitada, porém, quebraria totalmente as regras ¢ colaria trés selos vermelhos, com o gasto gratuito de 1’ d. Mas num acesso de extremo abandono expressionista, nosso correspondente correria o risco de estragar definitivamente seu meio de comunicagao. Uma vez. quebrada a regra, nao existe uma razdo vilida para nao cobrir o envelope de cores. Além disso, seria extrema- mente dificil retornar as regras, pois isso implicaria agora que suas emogoes arrefeceram mais do que ele gostaria de indicar. Como um verdadeiro artista, portanto, nosso cor- respondente nao cederi a essa tentagio de “romper a forma”, pelo menos até que tenha esgotado todas as suas possibilidades. O que desafia a sua imaginagio é antes o proprio jogo, a riqueza de combinagdes que se somam aos seis centavos que o leitor é convidado a explorar. Talvez aqueles que se absorverem realmente no jogo tentario ajustar seus humores a combinagées interessantes, em vez. de fazer a mensagem adequar-se a0 hu- mor, Acredito que somente aqueles que o fazem podem ter o verdadeiro temperamento artistico — mas isso é uma outra historia,

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