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Claude Mossé PERICLES (© INVENTOR DA DEMOCRACKA Tradugéo ae Luciano Vieira Machado Thecio Liadads “Tilo onginal: Penclts, Linventeur de la démocraite Copyright © Eeitions Payor & Rivages, 2005 (© Editors Estaglo Liberdade, 2008, para esta eraduga0 Prepavacdo de eo. Isabella Marca Reusdo Mana Alice Ribeiro Composigdlo Johannes C. Bergmann / Estagio Liberdade Diagramacio ‘de mapas Antonio Kehl SUMARIO Capa Nuno Bittencourt / Letra & imagem Iustracées da capa uswo de Péncles, segundo original de Crésita, mismore, 440 AC, Roma, Museu do Vaticano, © Cori/tatnstack beworeleve, vor 3 pn Jo cece asad INTRODUGAO 9 Eetores Angel Boadsen e Eéibeno F Vers Primera parte [ATENAS ANTES Dz PERICLES B 1, Os Alcmeénidas 15, A TENA BE con 16 ‘GP-BRASIL~ CATALOGACKO Na FONTE eee . Sina taconl Gov Ecos de es, AccuzOMASE PSTRAMDAS 2 vp 2. O nascimento da democracia: de Sélon a Clistenes 29 ‘Meas, caoe, 328 ross ates DE 36108 30 Perle o senor a Gemocra / Cis Most taducto Lueano Views Machado. ~ Sto Paulo SOLON LEGISLADOR 31 Saco Uotcde 208 ep 1S HHFORWUAS bE CuSTENES 36 mp 3. As guerms médicas e os primérdios da Teco de: Paces: renter dea democrate hegemonia de Atenas 8 Ancaes as URI neoveas 8 Inclui indice 05 PRIMORDIOS DA HEGEMONIA ATENIENSE 49 incl bots en sre 7sia326 Segunda pane 1. Pcs, 49-429 6 2, Beans - Gre - log DEMOCRACIA E IMPERLALISMO 57 Oe error rere 4. As reformas de Efiaites ¢ a estréia de Péricles 08-0396. CDD 925.2495 ‘na vida politica 59 CU 9391 3495) ‘AS REFORMAS DE EFIALTES oo A RIVALIDADE CLMON/ PERICLES 62 ‘A APOIGAO BA AUTORDADE DE PERICLES 65 5. Ademocracia pericliana o A soseeania Wo Deo 6 ater 4 TOUALDARE BOS cIDADKOS 74 SETA ia 4 PEETENGA A COMUMIDADE CICA a ou Dom Elia 16 | 6115500 | Sio Pauo-SP 6. Péncies © 0 impenalismo ateniense 87 ‘etl 30682661] Fan (111 3825 4259, 4S EIAMS 00 DESEIVOLMMEWTO DO INPERIO 88 ‘wermestacaoiberdade.cor.be ‘ (© IMPERIALISMO ATENIENSE NA EPOCA DE PERICLES 93 Péricles € as origens da guerra do Peloponeso 15 casos DE Conca E DE FOTIDELA AS ULTMAS NEGOCGOES & O ROMPINENTO (5 PREMORDIOS DA GUERRA ‘Terceira pare A ATENAS DE PERICLES 8. Economia e sociedade |A-VIDA ECONOMICA DE ATENAS NO SECULO Y 1 SOCIEDADE aTENTENSE NO SECULO ¥ Lives E NKO-UNVRES EIDADAOS E NAO-CIDADAOS. 1cOs & roanes A MARGEM DA SOCIEDADE: AS MULMERES 9. A Acrépole ‘8 ORGANIZAGKO DOS TRABALHOS (95 MONUNENTOS 10. Atena e Dioniso 1S PANATENEIAS ‘AS GRANDES DIONISIAS | 1. A escola da Grécia E-SOCRATICOS E SOFITAS (9 "NASCINENTO" DA HISTORIA Quarta parte ERICLES OU O POLITICO 12, De Tucidides a Anstételes: orador e/ou demagogo 13. © Péncles de Plutarco 14, A imagem de Péncles na posteridade CONCLUSAO ANEXOS Cronologia Glossino BIBLIOGRAFIA INDICE ONOMASTICO INDICE DOS MAPAS 103 104 108 110 uy 123 23 128 129 131 134 140 145, 146 350 157 157 161 a1 172 178 185 189 201 a7 27 245, 27 253 INTRODUGAO © “século de Péncles". Poucos homens deram seu nome a um momento da Hist6na, Na Franga, pensamos, naturaimente, no "século de Luis XIV" E, de fato, poder-se-tam encontrar analogias entre 0 século V ateniense e o século XVII francés, Analogias culturais em primero lugar, em que Versalhes corresponde aos monumentos da Acrépole, Moligre, a Anst6fanes, Corneille ¢ Racine, aos tiés grandes poetas trigicos atenienses, como se um século se definisse primordial mente no plano artisico, quer se trate das artes plastcas quer do teatro, Resta dizer que uma tal analogia deve parar por ai. Isso porque, nos dois exemplos considerados, 0 “século” na verdade cobriu ape- nas algumas décadas. O reino pessoal de Luis XIV inicia-se em 1661. Quanto ao “governo” de Péricles, durou pouco mais de trinta nos, ainda que se acimita que sua primetra eleicio para as Fungdes de estratego"! se situe entre 465-464 a.C., 0 que nto esta de modo algum provado. Na verdade, € somente para 0 ano 455-454 que temos 0 testemunho inequivoco de Tucidicies (, 121, 2). Mas, como vveremos, alguns anos antes, a partir de 462-461, Péncles i tem um papel ativo na vida politica de Atenas, papel que iff durar wé x sus morte, em 429. TO amenaco om algumaspalavas 20 longo deste texto tem por obesvo renter exo fp glossino no Bs oo leo, p. 247 segues. INE Cumpre ressaltar, por outro lado, que nio se yustifica nenhuma comparagdo entre © monarca absoluto de direito divino que reina na Franca da segunda metade do século XVII ¢ o “magistrado” ateniense | que deve sua eleigto & assembléia dos cidadios, Temos de presumus,) pois, que também se considers outros elementos nessa analogs E nfo podemos densr de pensar no que consti 2 base de apo1o desea preeminéncia cultural da France de Luis XIV e da Atenas de Péricles: uma hegemonia da qual um € outro foram os iniciadores, he- ‘gemonit a principio militar, mas que assumiu também, em ambos os casos, formas diversas, sobre ab quais nfo podemes nos estender aqui Dexxemos de lado, « parar daqus, a Franca de Luis XIV. Bla s6 nos interessou para efero deste breve paralelo e para. a conctusio proviséna A qual ele nos levou: se Péncles deu seu nome a0 século V atensense, 'ss0 se devena, em primeizo lugar, a0 fato de ter sido © primexro chefe, se no iniciader, pelo menos defenser perainsz da hegemonia exercida pela cidade sobre umd grande parte do mundo egeu, nfo hesitando, : para manté-a, nem mesmo em dar inicio a uma guerra que haven de i Curae mais de um quanto de séculoe terminar com a desiaigto da obr : consumada, Uma hegemonia que ele pisificou nos 18s célebres discur | {80S reconstituidos por Tucidides, nossa fonte principal e o primesro a ‘considerar Péncles a figura mais proeminente da histéra de Atenas, E exatamente af que reside 0 problema com © qual se depara o fustonador que busca reconstinur a personalidade € o lugar na husténia da mais célebre personalidade politica da Anughidade grega. Porque de Périces, excetvando-se esses trés discursos que so tanto dele quanto de s*Tucidides, nfo temos nenium testemunho direto, Nem um Gnico decreto, j1dos que chegaram até n6s, az seu nome, ainda que as fontes tterinas Ihe auibuam grande niimero deles. & pos, a parur apenas dessas fontes literdnias de sua Epoca (Tucidides, os Cémicos) ou posteriores (Platio, “enofonte, a Consiga de Atenas, avibuida a Aristételes,¢ 0s cestemu- "hos usados por Plutarco em sua Vide ce Pértcles) que devemos tentar \reconstitur a brografia de um homem que em muitos aspectos continua mistenoso, nfs 2 quem a posteridade considerou responsive! nfo apenas \ pelo poderio de Atenas no mundo grego, mas também pela su posic2o ~- excepeional no plano euitural € antisco, e enfim, € sobrenido, 0 “in: ventor" de um regune politico desconhecido até entio, a democracta 10 swmnopvcio ‘Tecemos, poss, de tentar entender como € por que Péncles pode ser?" invesido desse papel excepcional. E, portanto, comegar por situs-lo numa sociedade cujas estruturas s6 podemos adivunhar auavés do que ‘os revelam os préprios textos, Mas também num contexto politico, © do surgumento de uma cidade cujas instinungdes se estabelecem a partis do século VI a.C. Ora, nesses dois plans, um texto nos serviri de ponto de parda: wata-se do relato feito por Herédoto, no liveo VI de suas His- Jnas, do casamento da filha do Urano Clistenes de Sicione. Cl pertencia aos Onagéridas, familia anstocsitca que, aproveitando-se da crise pela qual passavam muitas cidades gregas no século VIL, tomou © poder ein Sicione, cidade do Peloponeso vizmha de Corinto. Ao que parece, Oniigoras, o Fundador da dinastia, contou com 0 apoio do démes* dia plebe, para se assenhoreat da cidade. Clistenes era sobnaho de Or: goras. Apesar das imprecisBes da cronologia, costuma-se situar OS pn- mérdios de sua tan sido marcados por medidas especialmente hosts 3s velhas familias ans- tocritieas de origem déna, a ponto de, algumas vezes, se ter atribuido 3 sua trania um mata "éinico"? O que nos deve chamar a atengio aqui é © carter espetacular que assumuram as npoas de sua filha Aganste. Como um heréi da epopéia, ele organizou competicdes para as quais convidou representantes das familias aristocriticas de toda a. Gr * 90 alvorecer do século VI, primérdios que terain competigées que se estenderam por um ano inteiro, 20 término do qual ele escolheu o seu geno. No fim de um banquete em que estavam todos 6s pretendentes, ele proclamou: “Declaro novos minha filha, Aganste, © Co filho de Aleméon, Mégacles, de acordo com as leis dos atenienses." De fra Heredono (V7, 67-69) cots que, sanhor da edad, Clixenes tena ape os nemo dit te uses Bénove com nome denvades das do porco, do bun ¢ co leo, 20 paso que or membros desis tbo reediam rome de Arcbelas,"acuees ‘que comandain 0 povo" Dai a ver nesss medida uma paiiea de Posthdade “aca ‘como 0 faz A. Andrewes (The Greot Tyran, 2d, Londres Hutchinson's Unvesy Librry, 1958, p54 a? 269. #26 um pata, ee E. Wil (Danensefonons. Bat sur rita entre athe angi ads de tre oe a ean Recaus Exasburgo, Baller Lanter, 1996, 3-44) se ecusava a dar A seu vor, ssa media inactevnte m pollen de hostiade cootm of argos deienvosids por Cisenes Sobre ce problemas suscados pela sia sxonlaea, ver C. Mess, Za Tammie das fa Grice at, Pas PUR, 200, p. 37-7 4. A.desengio das comoeugtes arganncas por Clisenes oars easamenta de sua fis ‘gate toma née captor do ro Vi de Herecoxo (126-129) e i testermuno do es blendor eco fusto da core do rane de Scone. ct Desse casamento nasceu Cistenes, aquele que estabeleceu, entre o$ ae nienses, 26 tibos" & 0 regime democritico; seu nome vinha de seu av8 ma- temo, 0 Siconsano; além dele, Mégacies weve outro filho, Hipéerates. De Hipscrawes nascerim um outro Mégicles ¢ uma outra Agariste, cwyo nome Provém do da filha de Clistenes; ela desposou Xantipo, flho de Asiioa; quando estava grivia, teve uma visio num sonho: pareceuthe que ela dava PRIMEIRA PARTE ‘luz um leto; e poucos dias depos ela dava Pericles a Xanupo (V1, 131). © sonho premonitério da jovem mulher, cuja av6 era filha do u- TENAS ANTES DE PERICLES rano de Sicione, nos leva para bem longe do "século de Péricles" e do “racionalismo" de Tucidides. Mas ele nos convida comecar esta pes- quisa pela histéna da familia dos AlcmeOnidas, que parece ter ocupado | rims : De fato, Mégacles era ateniense, e Herédoto conctut: \ ' Prag ee ater Ge geo ck sce vi gv \ i { | { | i | 1 OS ALCMEONIDAS Era, de fato, a uma familia um tanto excepeional que pertencia © pretendente atenense de Agariste, Mégacles, bisav materno de Péncles. Definamos em primeiso lugar 0 que se entende aqui por "familia" No século V, para designar os Alcmednicas, emprega-se 0 termo genos* Durante mutto tempo, os antropélogos consideraram esses géne como “cll ciedades grogas arcaicas. Atualmente, abandonou-se essa interpreta cio, privilegiando-se, no genos, 0 cariter aristocrético.‘ Sabe-se, com feito — e quanto a esse aspecto os arquedlogos trouxeram intimeros testemunhos —, que depois da destruicao dos pakicios micenianos, quando se reconstitulram agrupamentos de onde viria a nascer a ", que revelanam uma estrutura gentilica das so- cidade, estes se organizaram em torno de uma ou vinas “familias” atribuindo-se freqlentemente, mas no necessanamente, um ances tral “her6ico" * No caso dos Alcmednidias, embora essa tradi¢io 36 se encontre nos autores tardios, 9 ret de Pilos. Por outro lado, muitas vezes essas fami ancestral herdico terma sido Nestor, © aristocréticas 7 Sobre gener a cbr dereference. de F Bournoe, ReeDercbes srk naare ros, Pans: Honore Chartoon, Le: Aster Reprodscuon de Theses, Universe de Lil, 1978 Sores tibos ese lugar na rgantacto da exdade acca, ver D. Roussel, Tb 21 eu, Pais elles Lees, 1576. Sobre 2 cansnico da cidade depos do desmoranamento dos pleas mens, ver 1 Sehnapy Goutbellon, aus ongmes de a Gree IEW ses aunt nore ee _genere ce pole, Pars Bes Lees, 2002 5 srexas aise recs estavam ligadas 2 um culto, o culto do her6i fundador do genosou de uum her6i local sobre a rumba do qual se reuninam os membros 60 zgenos. No que diz respeito aos Alemednidas, nao se encontra o menor sunal de tal culfo. &, pois, a um Aleméon, ancestral distante de quem nada se sabe, que a familia deve seu nome A TENTAIIVA DE GILON Qualquer que seja sua origem,o fato € que essa familia pertencia \20 grupo dios eupdtndas, “nobres* que parilhavam as fungbes que arantiam a diregao dos negécios da cidade, e cue linha de frente era formada pelo arcontado. No relato que compée a primeira parte da < Constituacao de Atanas, 0 autor, Arit6teles ou um de seus diseipulos, {conta que © arcontado denvara da divisio do poder real pamitvo FE |e ona nena a noe, ae, Spa cnc * dida por dez anos, tornando-se, finalmente, anual, Assim, a cada ano esignavam-se tés arcontes*; 0 rei, encarregado principalmente dos assuntos Teigiosds, 0 polemarco*, comandante supremo do exéreto, i «¢0 arconte epénimo, que dava seu nome a0 ano e presidia 0 Conse- Jha. do Areépago’, formado de ex-arcontes. Aos tés arcontes dos | primeiros tempos acrescentaram-se, posteriormente, sets tesmotetas’ guardides das thesmor, as regras comuns ae Foi como arconte que © primeito_ aleme \ camente, Mégacles, velo a desempentar um papel importante, O pe- rfodo de seu arcontado situa-se no ilumo tergo do século Vil, sem | 28 | que se possa precisar melhor (636/635; 632/631; 628/627; 624/6232). Como muitas cidades gregas, Atenas passava entio por uma crise que 3 se relacignava, pelo menos do que se depreende dos relatos posterio- res, com fendmeno do monopélio das melhores terras e, no caso de Atenas’ endividamento de uma parte do campesinato, Como acon- teceu em determinacas cidadedSgqueles que buscavam tomar 9 poder procucaram trae vantagem dessa crise. Dai o desenvolvimento da tite nia -no curso do século VI4 Mencionou-se a dos Ortapéricas de| Sicione. Poderse-am car também os Cpsélidas de Connto ou ainda tum centoTedgenes de Mégara. Foi justamente com 0 apoio desse ‘Tedgenes, de quem era gearo, que Gilon, que fora 0 vencedor em ‘Olimpia ¢ gozava de grande prestigo em funedo dessa vténaentou dssenhoreanse de Atenas, apoderando-se da Aciépoe, Herédoto(V, 72) fala somente de teniauva, mas 6 relato de Tuciides, muto ma com pleto, dé entender que Cfion nao apenas se apoderou da Acrépoe, thas também resisuu a um iongo cerco. Os atemenses, convocadcs pelo areont, veram em massa dos campos para tentar desalot-lo, ‘Como passirdo tempo, a8 atemtenses fearam cansados do sito € muutos deles foram embora, passando a guards aos nove arcontes, 408 quats deram também plenos poceres para resolver © c1so como melhor lies parecesse Inaquele tempo, com efeto, os nove arcontes wnlham em suas mos a maior parte da adminstagio publica, Cilen ¢ seus homens, suados como estavatn, cencontrivam-se suma sitagio difell, porque thes faltwvamn 4gua e viveres Cilon ¢ seu ume conseguiram escapar. Os outos, porém, desespericos, alguns st€ momendo de fome, instslaram-se como suplicantes no altar da Acropate, Os atensenses encartegades de guards do templo, venco ai santuirio, obngaram-nos 2 tain uraram-nos de Ii com a promesss cle no Ihes {azer mal, depos 08 mataram, no trajeto, houve alguns que se puseram a0 lado das Deusas Venerives ¢ foram executados. Por aquele ato, tanto ose catregados da guarda quanto os seus descendentes foram declarados maldios «© pecadores conta @ deusa (f, 126, 811), O relato de Tucidides, da mesma forma que 0 de Herédoto, nto faz referéncta nominal aos Alcmeénidas. Mas tanto um quanto outro, consideradas em seu contexto, no clettam margem a nenhuma di vida, Herddoto situa © seu {ogo depois de expor as reformas de Clis tenes € a peticio, formulada pelo ret espartano Cleémenes, chamaclo por Iségores, para que os “impuros" fossem expulsos de Atenas (¥, 70) Quanto a Tucidides, ele explica, no relato da tentatwva de Cilon, exigéncia dos lacedeménios, as vésperas da eclosio da guerra do Peloponeso, de que 0s atenienses “afastem a desonra cometida contra a Deusa", aqueles facedeménios que “sabiam que Péricles, filho de Vv Xantipo, estava implicado na maldigao pelo lado materno” (I, 127, 1) ‘Somente Plutarco, em sua Vida de Solon (XI, 1), eta 0 arconte Mégactes como sendo, juato com os outros arcontes, responsivel pelo sacri légio cometico contra os sequazes de Cilon. Mas, nessa mesma Vida de Sélon (XII, 1), Plutarco, baseando-se nos arquivos do santuino de Delfos, lembra que o estratego que comandava o contingente ate- niense quando da primeira guerra sagrada era Aleméon. A pnmeira guerra sagrada para defender o santudrio de Delfos teria ocorrido no ‘comeco do século VI, ¢ esse Aleméon seria 0 filho de Mégacles. O que nos permite super que 0 exilio dos “sacrilegos" foi relativamente breve. No entanto, esse mesmo Aleméon também ina inaugurar uma politica de alianca com Delfos, que ndo deixaria de ter conseqiiéncias para os Alcmednidias. 0S ALCMEONIDAS © DELFOS ‘Aqui se coloca um outro relato tomado de emprésuimo a Herdoto, que figura no livro Vi, pouco antes das niiperas de Aganiste. A anedota se situaria, cronologicamente, pouco antes da guerra sagrada, 0 que rio desea de implicar um problema, porque se trata do encontro en tre Aleméon, filho de Mégacies, e o rei da Lidia, Creso. Ora, 0 reino de Creso se inicia pelo menos tnnta anos depois. Imagina-se, por tanto, que, se a husténa € verdadeira, tratarse-ia antes de Aliato, Herédoto conta, pois, que "Creso" tena convidado Aleméon para tra Sardes a fim de agradecerthe, com um magnifico presente, por ele ter ajudaco, em Delfos, seus enviados que tinhiam ido consultar 0 ordculo. © presente consistia em levar tanto ouro quanto pudesse carregar sozinho, cle uma s6 vez, A Lidia, como se sabe, era muito 11ca em ouro, trazido pelas fguas do Patol Para aprovettar-te do presente dado nessas condigdes, Aleméon empre- {ou este engenhoto estratagema: vestu um grande chifor iinical, desando {que se formasse um bolso bem grande na cintura:ealgou botas alts, a8 mais larga que péde encontrar, ¢ penetou assum na sala do tesouro, pars onde © Tevaram, Lf cle se fangou sobre um monte de ouro em po, comegou por 18 0 atenentons colocer 20 longo de sans pernas 2 maior quantidade de Ouro que coubesse fem suas bots, encheu completamente 0 belso da tina, polvilhou os cabelos com ouro, 2s mass ym :ango em sua boca e satu da sala do tesoura mal con- seguinde arrasar o€ pés, parecendo-se com qualquer coisa, menos com Um ser humano, 2 boca chew € 6 corpo todo inchatlo. Ao ver aquilo, Creso teve tom acesto de no. Ble dew a Aleméon nido o que ele tnha apanhado, ¢ the du outros presentes de menor valor. For assum que aquela casa ficou pode- rosamente nca, de forma que Aleméon manteve os anumais de uma quadaga ganhou o prémio em Olimpia (VT, 125). Nao se sabe que crédito se pode dar a essa histéns edificante, talvez divulgada pelos adversérios da familia, quando els se tornou poderosa na cidade. Nao obstante, ela revela certos tragos que indl- cam 2 posigio original dos AlemeSnidas na histéria de Atenas. Em primeiro luger, observem-se as lacos com Delfos. Fou por ter servide como uma.espécie de fiaclor a0 rei "birbaro” da Lidia Ce pouco im porta que se tratasse de Aliato ou de Creso), junto aos sacerdotes “de Delfos, que Alem@on em seguida veo a se beneficir, numa I6gica que € a do contradom, da generosicade dele. Isso € de su preender, uma vez que os AlemeOnidas tinham sido expulsos de ‘Atenas como sacrilegos. Temos de admitir que a “politica” de Delfos podis levar em conta circunstincias outras que nao as estritamente religiosas. E se, como se supée, © Aleméon da anedota ¢ 0 mesmo ‘Alcméon que comandou 0 contingente ateniense quando da pri- “mira guerra sagrada, hd menos motivos para se espantar de uma val influéncia. Sabe-se, aliés, que os lacos da familia com os sacer dotes de Delfos foram se tomando mais estreitos nas décadas seguintes. Quando o templo de Apolo for destruido por um incén- dio em 548, foram os Aleme6nidas que financiaram, em parte, a reconstrugio — talvez com 0 ouro do rei licio, F fot também depors de consultar 0 ordculo de Delfos que Gistenes,ofilho de Mégacies fe de Aganiste, do qual jd falamos, sniciou sua grande reforma das instituigdes acemienses. Conseguindo, assim, © apoio do mass snfluente sanudrio oracular do mundo grego, os Aleme6nidas conquistavam uma posicio, de certo modo "internacional", que thes permiuria atuar em Atenas, 9 we Gespetto dos obsticulas levantados contra eles, mesmo quando a lem- brranga do “sacsilégio" os condenava momentaneamente a0 exilio. © que se deve guardar da histéria de Aleméon é a conseqiiéacia material desse belo golpe: 2 posse de recursos em metal precioso, 0 ouro em pé que carregou em suas raupas. Sabe-se que certamente © oure permitiu"d reconstrugao do templo de Apolo, E também a compra de aliancas, e, qustamenié por isso&3 déempentio de um papel relevante durante a crise por que passa Atenas no século VI. Herédoto nos informa, como vimos, que esse fortuna permite a ‘Alcméon partcipar com uma quadriga das competigdes de Olimpia. E greaso lembrar que naquela época 56 aqueles que unham uri posigio de destaque em Sua cidade, A coma de catros, em especial, era reservada 2 uma munonia, Conhiece-se tam bém, pela poesia de Pindaro, a glénia a que faz jus os vencedores das grandes competigoes pan-helénicas. Supde-se ter sido no ano de 592 que Alcméon ganhou o prémio. Era o momento em que, em Ate~ nas, Sélon empenhavase em Superar a grave crise que ameacava a “anidade da cidade. Os Aleme6nidas logo estariam envolvidos nos acontecimentos. uc Nao se sabe se © Mégacles que agora apareceré como chefe da faccao dos paratianos, habitantes da costa, é o Mégacies que conquis- tou a mao da filha do urano de Sicione. Alguns duvidam disso, mas a ‘maioria dos histonadores acetta tal identidade. A cronologia € especialmente dificil de estabelecer. Nossas duas _.| fontes pnncipais sio Herédoto © © autor da Consttuigdo de Atenas. | Herédoto (1, 59-64) evoca a siasts que contrapunha os habitantes da {costa 20s da planicie, os pedianos, e nomeia os chefes das duas fac G8es: frente dos paralianos, Mégacles, flho de Aleméon; a frente dos \pedianos, Licurgo, filo de Anstoleides. Para vencer os dois, Pisistato, \o filho de Hipécrates, formou uma terceira faego, a dos hiperacrianos, habitantes da montana. Esses nomes figuram na narratva da Consti- Tuigdo de Atenas, mas © autor acrescenta uma anotagio bem prépria vamn da compeicio_ (0 acenzerons de um homem do século TV: os paralianos, cujo chefe era Mégacles, pareciam ser partidinos de uma mésé politéia’, de uma consutuicao moderada, enquanto que os pedianos.de Licurgo preconizavam a ol _garquia, © os diacnanos de Pisistrato (termo um pouco diferente do que € empregado por Herédoto), 0 regume demotikotatos, mais favo- rival A plebe, Esses trés nomes encontravany-se iualmente na Vida de Sélon, de Plutarco, com a mesma unterpretacdo “politica” que na Cons- ‘itusgdo de Atenas, ea qual, sem sombra de dlivida, se inspua.* © que, na verdade, representam essas facgBes? E por que elas se inscrevem num contexto “regional!” Essas questdes suscitaram nume- rosos debates entre os modernos. Alguns, perfilhando, de certa forma, andlise do autor da Constitugdo de Atenas, procuraram justficar tanto os nomes como as op¢des politicas de cada uma das trés fac- oes pelo lugar que ocupavam na sociedacle ateniense. Assim, 08 habitantes da planicie seriam os grandes proprietinios de terras par- tidartos da oligarquia; os habitantes da costa, os negociantes dedicados a0 comércio maritimo, ricos, mas desconfiados tanto dos oligarcast quanto dos democratas, partidos, portanto, de uma “constituicio mediana”, finalmente, os habitantes da montanha, camponeses po- bres partidérios da democracia. E preciso apenas ressaltar 0 quanto tal anélise “modernista” desconsidera totalmente o que devia ser a ‘Atenas da primeira metade do século VI, uma Atenas aunca bem dlis- tante da “eidade comercial” do século TV. Nao se sabe praticamente nada desse Licurgo, chefe dos pedianos. Em compensacio, sabe-se que 05 Aicmednicas, pelo menos.na-sécuia V-ponavam demoricos? que revelavam estarem seus bens iocalizados nos demos de Alopece, de Agrile e de Xypete, isto &, numa regio ao mesmo tempo proximna ‘do centro usbano ¢ da, costa, ng lado sul de Atenas. Sabe-se também que os bens de Pisistrato se situavam na regio de Maratona, ¢ fot li que ele desembarcou quando tomou o poder pela terceira vez, de- pois de ter sido expulso por seus adversérios coligados contra ele (Constituigdo de Atenas, XV, 2-3; Herddoto, I, 62). Ou seja, na regiao: SL Anssiten, Comtton dehones, Nil 4 ed, bras: Consttngdoa Atenas, wad. Pan ‘sco Murae Pires, Sto Paulos Huctes, 1995 Phutaro, Solon, 29, Demsuice: eiero denvedo do some do demo* aque se perencis IN. Tl none da Anca, além das colinas, Pode-se, pois, supor, com toda raz40, ue as ws faccbes que lutavam pelo controle da cidade denvavam seus nomes da influéncia local exercicla pelos seus chefes, Infiuéncia sobre uma “clientela" de camponeses mais ou ainas dependentes, {que & egalecdo de Sélon haa protegido comm n amseaga de sereat reuzidos & senvidio, mas que nem por 1ss0 desxavam de estar fr gacos 20 grande proprievino vizinho. E interessante, também, que Herédoto se dé a0 trabalho de distinguir caso de Pisistrato do de seus adversénos. Este também usa sua inluéncia regional, mas, face ao descontentamento daqueles que se frustraram com a recusa ie se faz de- fensor do_démos, colocendo-se como pretenso,chefe dos.habutantes da montanha (1, 59). f Sabe-se que Pisistato consegui disor de uma guarda, que the for concedida pelo povo, ¢ se apaderar da AcrOpole, Para fazer isso,” ele se aproveitou do prestigio obtido no camgo de batalha, principal- mente na guerra contra Mégara. Mas a0 cabo de alguns anos, diz Herédoro, 0 sexto ano depois que tomou o poder pela primeira vez 2 acreditar no autor da Constituigdo de Atenas, ele fol expulso por seus adversiinos, frente dos quais se encontravam Licumgo © Méga: “des. No se sabe © que se passou nos anos seguintes, Mas, 20 que parece; for Mégacles quem tomou a iniciauva de negociar con Indo (Herédoto, 1, 60; Constitugdo de Atenas, XIV, 4). Ele rena agido assim porque sua propria facco se separara dele. Pelo menos é 0 que afirma Herédore, O mesmo Herédoto, porém, a0 evocar, bem mais adiante em seu relato, « maneira como 0s Alemednidas conseguiram, sracas ao estratagema de Aleméon, ocupar prienesro lugar na Grécia, afirma varias vezes que eles eram por tradi “inimigos dos iranos* de Sélon em proceder a uma nova divisio da terra, Mas essa afirmagio visava eximir os Alemednidas da acusacio de apoiar 0 Grande Ret: “Admira-me, e no passo acimitir a afirmagio de que os Alcmednidas, depois do acordo com os persas, nunca acenaram para eles levantanco um escudo, porque prefeririam que os atenenses, fFossem submeucos aos biirbaros e a Hipias" (VI, 121). Esea alirmagio se fazia na conclusao do relato da batalha de Maratona, e é preciso situé-la no clima de exaltagao do patriotismo atemense logo depois as guerras médicas, Nao hi diividas de que em meados do século VL 2 (05 ALAEOMDAS as cossas eram diferentes. Nas cisputas entre as grandes famnfias ansto crxitcas,aliangas circunstanciais podiam se fazer e se desfazer Nao dena de ser interessante 0 fato de que.o sinat de alianca entre Mégacies ¢ Pisfsrato tenha sido a unifio matrimonial entre 0 irano € a filha do alemednida, Fazendo de seu genro o senhor da cidade, Mégacies contava conseguir ser ele prépno 0 verdadeiro dono do poder, A forma como os dois cimplices agiram — fantasiar de tenia uma camponesa e fazé-la levar Pisistrato até a Acrépole — deve ter suscitado a indignagio de Herédoto diante da acestago de uma tal mascarada por parte dos atenienses, “considerados os primeiros enue 1s gregos, por seu espirio” (I, 60) Os cAlculos de Mégacles mam se revelar in6cuos: 0: ode {ato se sealizou, mas nunca chegou a ser consumado. Com efeto, “Pisistrato ndo haveria de querer ter filhos de uma mulher cuja famtia fora considerada *maldita’ A hustéria contada por Herédoto € coisa de comédia de costumes: a jovem mulher, questionada pela mie, ter- Ihe-ia confessado que 6 tinha com o esposo relagdes superficiais. Dai a fina do par quando soube, e a ruptura com o genro, 0 qual for obngado a um novo exilio. Quando tomou o poder pela tercemra ver, apoiado por um exército de merceninos, ¢ depois de uma vitéria contra seus adversirios perto do templo de Atena Palénis, efe conde- nou ao exilio uma parte deles, entre os quais os AlcmeSnidas Mas esse exilio iria terminar antes mesmo do fim da tuamsa. Na lisca de arcontes que figura numa inscrigio encontrada hd meio século, Ie-se 0 nome de um ceno Clistenes, flho de Mégacles, isto é, 0 futuro reformador. fsso significa que 0 exitio dos Alcmednicas, dessa vez ainda, fora relativamente curto, © que os membros da grande familia Jogo tnham recuperado, em Atenas, seus bens € sua influéncia, E conhecido, também, © papel que tiveram os Alemednidas na queda dos tiranos, Uma primeira tentatva, fomentada por eles, resultou fem fracasso. Eles foram expulsos da fortaleza do Lipsidro, no monte Parnes, onde tinham reunido seus sequazes. O autor da Constitsizao ae Atenas cta, a propésito, a cangio de mesa’ que comemorava essa F Ganelo de mess, do orginal, chanion de table fa teeréea 3 oratcn sneer documentsda desde 2 epoea romana e gicgs, cukivads em cenos pases, como ma Fraga do seulo XIX, de a cantar a masa apd as referee (2 23 dlertota: “Que desgrasa! Lipsidro, traidor. Quantos homens fizeste pere- cet, bravos © nobres, que na ocasi2o mostraram de quem descendiam!” (SUX, 3). Hlesteriam, entio, se aproveitado da influéncia adquiria em Delfos para fazer que. oriculo nsugasse os lacedeméni =, com efeto, fo @imtervengio de um exército lider pelo ee ep ino CleGmenes que, em 510, obnig senhor da cidade depois do assassinato de seu smo Hiparco —a fuger Herder, 1, 62-65). A queda dos Pisistritdas, que haviam dominago a vida da cidade de meio século ¢ contribuido para sua expansio no mar _Egeu ¢ em direcio a0 Ponto Euxino — sobretudo ao apoiar a em- presa de Milciades, chefe do genos dos Filuclas, no Quersoneso da Tricia —, havena de se segusr, desde a retirada das topas lacedem6- hias, uma disputa de influéneia entre as grandes familias ristocraticas cie Atenas, ¢ especialmente enite seus principals representantes, entre u Hipias — que se tornara o tiaico cos quais Isigoras e o alemeOnida Clistenes. Fos optando por buscar 0 apoio da plebe da cidade, cuja populagao crescera gracas a0 desen- _voivimento do artesanato e das construgées piblicas, que vencets; nto sem que, mais uma vez, tenha voltado 4 baila a “micula", pretexto para afastar por algum tempo os Alemeénidas € Laqueles que fazmm parte de sua hetera™. Chamado pelo dézios, em ‘ircunstiincias sobre as quais falarémos mais adiante, Clistenes haveria de empreender uma prnfunda refo € fundar, se nto uma democracia, pelo menos us ssa faclitar 0 desenvolvimento desse regime no s€culo seguinte. Ele tena imaginado também, para evitar qualquer possibilidade de retomno a tirana, um. progedimento, o ostracismo, que no entanto 6 vina a ser aplicado uns vinte anos depois, e que atingtria no apenas 6s “amigos dos tranos’, isto &, os membros da familia dos Pisisttdas, mas também dos Alemednidas infelizmente temos pouquissimas informacSes sobre os anos que precedem 2 primeira guerra médica nna organizagio social da cidade sistema politico que Ignora-se, em especial, o que aconteceu com o prépno Clistenes. Nao 6, porém, mmprovavel que, apesar das insttuigées criadas pelo alemeé rida, a5 nvalidades entre as grandes familias tenham recrudescido, Herddoto, que € nossa principal fonte no que se refere a todo esse pe- riodo € que sem chivida reflete a versio das acontecimentes defendica pelos Alemednidas, manifesta, como vimos, a maior indignagao a props- silo do “caso do escuddo". Os persis derrorados tomnaram a embarcr ‘Sua intengto era chegara Atenas antes des atentenses. Afirmou-se entto cem Atenas que eles pensar om fazer iso snctades pelos Alemesnicas que, tendo entrsdo em acordo com os pers, Ihes tenam feito um sinal erguendo © exeudo, quanco eles jé se encontravam em seus bareos (VI, 115). (© que se seguiu € bem conhecido: os atentenses os ultrapassaram © 0s persas, a0 chegarem diante do Falero, desistiram € retomaram 0 caminho da Asia. Herédoto conclu Bu repudio essa caliniz de que aqueles homens rennam dado wi sual levantando 0 escuo — eles que, durante fodo © tempo em que reiaram os tiranos, iveram no exo e que, com suas manobras,Forgaram os Pissratidas 2 sur do poder. Assim, em minha epinizo foram eles os ibenadores de Atenas muto mais que Harmédlo e Anstogiton... (Vi, 121-123) Harmédio ¢ Arstogiton eram aquela cupla.de-anstocraias que pla- _nejou 0 assassinato bem-sucedido de Hiparco, mao caguir de Hipias, 514, Ra época de Herédoto, em meados do século V, eles eram ‘objeto de um verdadeiro culto em Atenas, na qualidade de “traniciéas” aqueles que tnham |i a ci 3s. Enigiram-lhes uma estitua, da qual os persas se apoderaram quando tomaram Atenas emt 480, No entanto, ela for subsuituida pelo grupo célebre, de autona dos _escultores Na verdade, 0 assassinato de Hipasco ‘nao pusera fim a Urania. Como vimos, foi necessfira a.intervengao.de __Gleémenes para por Hipias em fuga. Refugiado em Sigeu, e va com a ajuda do rei dos persas para vol stabelecer em Atenas, fg esse era tim dos objeuvos da expedicao de Danio que fracassou em Maratona, Podemos supor que os Aicmednidas, por motivos que des- ‘conhecemos, teriam sido favordveis a essa restauracdo de Hipias? Sera que eles viam na intervengio persa um meio de por fim & influéncia crescente do genos dos Filaidas/Ciménidas, a que pertenceriam Mil- ciades, 0 Velho, e seu sobrinho, o vencedor de Maratona? E quase ¢ Nesote impossivel responder a essas perguntas. Em compensagio, nto hé diividas de que, nos anos rranscorridos fentce a primera e a segunda guerra médica, as dispuras por influéncia ‘entre as chefes das grandes familias ateruenses recrudesceram, € estes untam utilizar um instrumento cuja cragio se atribuia a Clistenes, isto €. 0 ostracismo, Se, como diz @ autor da Constituigdo de Atenas, 2 primeira pessoa a sofrer essa pena (em 488-487) foi Hiparco, filho de Charmos ¢ neto,do lume twano de Atenas, a segunda, no.ano se guinte, fot Mégacies, filo de Hipécrates, um alemednida, neto do _Mégacles que desposara a filha de Clistenes de Sicione e inmio_da- {quela outra Aganste que haveria de dar & (uz Péricles, Agariste casa- ra-se com Xantipo, filho de Arfron, que, por sua do ostracismo em 485-484, "tendo sido © primei ostracismo entre os que nada tinham a ver com a tania” ¢fo de Atenas, XXII, 6), mas que aio desxava de ter um parentesco, devido ao seu casamento com a irma de Mégacies (submetido ao os- tracismo trés anos antes), com o genos dos Alcmeénidas. © ostracismo implicava a condenagio 2 um exilio de dez anos. As vésperas da segunda guerra médica, porém, todos os que cum- priam essa pena foram chamados d tips a ‘tego: fol ele quem comandou 0 contingente ateniense na batalha de Micale (Herédoto, VIII, 131). © homem forte de Athas éra entio ¢ chefe do ramo.mais jovem do genos dos Licémidas, Temistocies, filo de Néocles, que viria 2 organizar a vit6na e dar a Atenas o poder —marluma.que primeiro Cimon, filho de Mileiades, depois Péricles, fi- tho de Xamtipo, inam estender a toda a regito do Egeu. Voltaremos a ‘esse assunto, (0s Alcme6nidas, em compensacio — a nao ser de forma indireta, ppor suas praticas matrimonials — no tm um papel de destaque na hustéria de Atenas, E verdade que se encontram membros da familia ocupando cargos oficiais e conquistando vitérias olimpicas, prova de que a fortuna da familia continuava considerivel Mas a umportincia 7. Sobre 3 fenans dos Alemaéaidss, yer J. K Davies, Adbeman Proper Fai, (Oxford Oxford Univesity Pres, 1971, p. 368-384. O ulino Alemednids que const dis Fontes, Mégaces (V, aura nha condigdes de aprenente uma pareiha ns coca de tos em 36 Mas Una alusto da Anstefanes (Or armani, vreo 635) A conta do tendivdamento cesse mesmo Ségcls, Ea fortuna faa parece (eras scabnde depos da guora do elopanero, or aucune politica dos Alemeénidas, como, de resto, a das outras grandes fami: lias aristocrdticas de Atenas, no pararia de declinar no contexio de uma democracia ateniense cada vez mais consol era ele prépno filho de um alemeénida - Cujo imiciador 2 © NASCIMENTO DA DEMOCRACIA: DE SOLON A CLISTENES considerava-seSélon opal da democraca dos ane patres domclrala. Eo gue afrmava.o oradorateniense 1s- cratea.no Areopagiice: Clsenes, 0 Alemeénida, apenis Festabelecers, depois do episédio da tiranta, o regime Soloniano.' [di se tratava, a0 que parece, do pono de vita de alguns dos oligaeas que, em 421, tomam 6 poder. Um certo Cliofon fez, acrescentar uma emenda ao decreto um dos chefes do movimento, determinando que 0s comissirios elestos para fazer a revisio da const tuiglo “examunassem a5 leis dos ancestrais estabelecidas por Clistenes consideragio e que se decidise pelo melhor" E o autor da Consutu- slo de Atenas acrescenta: “Presurnindo-se que 2 politéia de Clistenes rio era de loga A de Solon" XIX, 3). E preciso, pois, procurar examiné-la mais de perto, para melhor compreender a natureza do regime a partir do qual Pénicles “inven- tou" a democracia. Taoemies, drecpagitique asecoagiico, 16 | q ATENAS ANTES DE SOLON Quando se pretende resgatar 2 natureza do regime politico ate- niense antes de Solon, dispde-se apenas de reconstruigées posteno- res € de dados arqueolégicos que podem dar ensejo a intespretagoes contraditérias. Na Constitnigdo de Atenas encontra-se uma descrigio da archaia politéia, que no deve ser considerada um documento baseado em dados objetivos, mas antes uma reconstrugio a posterior £ verdade que podemos aceitar, assim como © autor, que 0s cargos, 98 arcbas, eram atribuidos a03."melhores" € aos “mais ricos”, isto 6, ‘20s membros.das-velhas familias aristocriticas. Pode-se também imagi- Sjnacque as tes funcies.mais elevadas, as de re, arconte e palemarco, XQ denvavam dos poderes que eramm dos antgos "=i poderes relia” $05, judicidnos miliaes, de que a iadiclo guardava a lembranga Pode-se finalmente admiur que. quando se crow um pameir " redo", insuuiramse os sels wesmotetas, encaregados de conservar a8 theston, cus decsbesfaiam paisprudéncia para o& confltos pose gee eo eee ede ou ge cargos eram vialics, depos aribuidos por dez anos, para fnalmente se tornarem anusis. Na verdade, sua existéncia Certamente consticui ~~ um indicio do enfraquecimento do poder teal, um poder real que se _mantivern depois da destrsiglo dos grandes palicios micenianos — 1endo 0 “palécio” ssuado na Acropole escapado a essa destnigao. Mas temos de nos render A evidéncia: nfo saberemos jamais como foram estabelecidas as instiwigdes deserts pelo autor da Constitiigio de Ate- ‘nas: nove magistrados eleitos anualmente e um Conselho de Ancidos, como 2e Ié em Homero, sediado na colina do AreGpago © que, a certa altura, passou a ser constituide por ex-magistrados. Essas insuruigées garantiam_o funcionamento de uma sociedade ‘paseada em estrururas de parentesco mais ou menos reas: as tibos © 5 ‘ramag. As vibos eram quatro, e no seio de cada uma delas seus mem mais limitados, sem divide constitdos em torno de uma ou vanas fa- milias anstocriticas € reunindo sua “clientela" ¢ seus depende No obstante, nas utimas décadas do sécuio Vi fex-se umipe- ‘meira tentativa, ligada a0 nome de Dricon, de substituir a justica 30 “familial” por uma lei comum, referente ao homiciio, destinada a por fim as vingangas privadas, Essa legslagao de Dricon anunci © nasci menco de um pensamento jurdico, ainda bastante impcegnado do espirito religoso, mas que dé testemunho da afirmacio dessa comu- nidade constituida pela cidade Em contrapartida, hi ra20es para se duvidar da autenucidade dessa consutigio de Dricon” descnta na Constitutgae ce Atenas. A masons dos historiadores a considera uma falsificagZo, que teria sido Foraca ro final do século V. E, de fato, algumas disposigées, como as que se referem is multas aplicadas acs membros de um conselho escolhidos por sorteio € que se recusassem 2 dele partcipar, denvam antes de certas elaboragdes teéricas da época clissica que de uma realidade qualquer, no seio de uma sociedade que ainda ignorava 0 uso da moeda, Em compensacio, pademos aceitar a tese de que 0 exercicio dos “diretos politicos, limtado, de resto, a eleicio dos magstrados, tera reservado apenas 108 membros da comunidade que pasticipavam de sua defesa, isto é, que dispusessem de recursos para se equipar de hhoplitas’,soldados com armaduras pesadas. a Falamos da tentanva de Gilon de apoderarse da tirana, relacionando-a com uma crise por que passava a cidade. € tempo de volt 20 assunto, pois essa tenta- tiva € 0 pretidlio das leis atribuidas 2 Solon SOLON LEGISLADOR Nossa principal fonte relauva A crise que precedeu a eleigio de Sélon ao arcontado é, mais uma vez, a Constiturgdo de Atenas, que cata passagens de poemas do legislador para ilustrar sua demons- tracao. E dela que provémm muitas explanagées da Vicia de Sélon de Plutarco, Mas 0 biégrafo da época imperial também péde recorrer a tradigdes que no devemos negligenciar, ainda que algumas revelem antes 0 uso postenor da figura do legistador que sua bia rea ‘Sobre pascimento do pensameto urdco ma Gréaa, consute-se = notivel aie de Te Gevnet Rocberches sure diveloppement dela ponsce pridque et morale en Gre, Pans: Eres teroun, 1917, obra rcdeada recentemente com umm prefleso de Eva Ca ‘aces, Pane albin Michel, 2002 31 E no inicio do texto que chegou até nés que o autor da Consttur- so de Atenas evoca o estado da sociedade atentense antes de Sélon ¢ as raades da cnse que amearava a unidade da cidade. Ele contrapée aqueles a quem chama de “pobres" (hot penetes) aos “nicos” (hot plow- s10i), afirmando que aqueles eram *servos" destes. Em seguida ele explicta « natureza dessa “servidio” (douleia) ¢ os nomes pelos quais esses “pobres" eram cesignados: chamavam-nos de pelaias e hecte- moroi — este thtimo termo evoca 0 censo (rmistbasts) a que estavam obnigados os camponeses que trabalhavam nas terras dos ricos (Il, 2. E 0 autor esclarece que aqueles que no podiam pagar esse censo eam escravizados, juntamente com seus filhos. Essa descricio da sociedade ateniense as vésperas da reforma de ‘Solon suscitou muttas discussdes quanto a condigio real desses pelatat © desses bectemoroi. A existéncia de dois termos diferentes parece andicar duas condigdes diferentes. Os pelata: tinham condigio andloga a daqueles que em Roma eram chamados de “clientes", pessoas que se encontravam numa situagao de dependéncia, sem um cariter real mente juridico, Essa dependéncia revelava lagos de natureza moral € religiosa que uniam os membros das familias anstocréticas a seus “viz nnhos", os quais paricipavam dos culos dessas furnllias e daf obunham beneficios. Podemos ter uma idéia de como devia ser esse tipo de re- laglo pelo exempio de Cimon que, no século V, mantinha as pessoas de seu “demo”, com 2 diferenca de que jd nto se tratava de uma clien- tela "familial", mas “politica A questio dos bectemoroi, por outro lado, é mais complexa. 1ss0 porque, nesse caso, a dependéncia se manifestava pelo pagamento de um censo, O préprio nome indicava 0 montante deste: um sexto do produto da colheita, Nao se deve ver nesse “arrendamento” uma con- seqéncia da evotucio do regime da propriedade. Cabe antes imag nar una situagio de fato, pois a mistbasis era a contrapartca de uma protecao concedida pelo proprietirio tode-paderoso. Em compensa- (ao, podeinos acemar a tese de que o nao pagamento do censo podia acarretar escravidao do “devedor", sem imaginar um fenémeno de endividamento compardvel aquele que se verificou no mundo grego do sécuto IV e da época helenistica, Alias, depois de ter exposto as diferentes “leis" de Solon, sobre as quais voltaremos a falar, o autor da 32 Constituicdo de Atenas cita, para ilustrar sua andlise, versos de S6- lon. Um desses poemas evoca uma reivindicagio & qual Sdlon se recusa a responder: a da divisio igualitaria da terra (isomoira). Tra- tase de uma informagao valiosa, porque revela ao mesmo tempo uma aspiragio 2 igualdade e 2 reivindicagao dessa igualdade aum plano preciso, posse da terra. Sabe-se que, em outra regito do mundo grego, € 2 partir dessa reivindicagao, e para atendé-la, que alguns conseguiram assenhorear-se da tirania. For justamente a 1850 que Sélon s¢ recusou. Bleito arconte em $94 — data mais comumente aceita —, sus primeira medida consistiu em acabar com a dependéncia dos campo- neses, ordenando a reurada dos sinais de demarcago, 08 Horoi, que constitufam seu simbolo, € proibindo que se “fizessem empréstimos, tomando as pessoas como penhor" (Constituigéio de Atenas, V1, 1) ‘Aqui, mais uma vez, € num grande excerto de sua obra poética que 0 legislador evoea 0 esseneial de sua agzo: ‘Sim, © objewo pelo qual eu reunu © pove — algum dia eu pater antes de to aungicc? Bla, melhor que quelquer outro, pode me servr de teem ‘ha no tibunal do tempo, « venesvel mie dos olimpranos, 2 Tera negra a qual arvanques o8 marcos plantados por toda part; cutoe eserava, agora fa € live, Bu ceconduzi 2 Atenas, a sua pdt fundads polos deuses, mutas pessoas tratadas com maior ov menor justica, umas obrigadss a0 exilio o uma necessidade tenivel, if no falando a lingua duca de tanto terem vagado 85, OUIEOS que sOfFiam aqui mesmo uma servo indigna, tremendo diante da uniiacio de seus senliores — eu os libere. Um pouco mais adiante, Sélon acrescenta: “Eu redigt leis seme: lhantes para 0 bom e para o mau, fixando para cada um uma justica imparcia” Por agathas (bom) ¢ kakos (mau), Solon pretendia disungur as pessoas modestas das pessoas de bem, aqueles que mais tarde vi riam a scr chamados de kalot kagatbo? (beloc ¢ bone), entre oF quais os *melhores" (ansto’) se tornario os dingentes. O importante aqui que, embora ele tenka recusado a parilha iqualitiria das terras que tert Tea naga ters hipoteca (os marcos erm de peda negra) (NT ‘nado uma soctedade igualitirta, S6lon concedia a igualdade juridica, uma vez que as leis por ele promulgadas seriam iguais para todos. ‘A enumeracio dessas leis, feita pelo autor da Consttuigdo ate Aienas, apresenta muitos problemas, Se dewamos de parte a proibi- so, rermndicada por Sélon em seus poemas, de tomar as pessoas como penhor, e também a preocupagio de nao favorecer um grupo ‘em detamento de outro, elas dizem respeito & organtzagio da comu- nidade civica, s mnstituigdes, & pustiga, aos pesos e medidas. E em pnmeiro fugar 0 estabelecimento de classes censitinas, abordado logo depois da seisachteia, a supressio de toda forma de dependéncia no seio da comunidade. Sélon tena, pois, dividido os atenienses em quatro classes: pentacosiomedimnos*, hipeus", zeu- gitas* € tetest; apenas os membros das trés primeiras classes podiam feder aS magistraturas, a0 passo que Os tetes tinham somente o di- reiio de particpar das assembléias e dos tribunals. Essa divisto tenia sido fetta em funcio da renda obuda em medidas de produtos secos ou liquides: quinhentas medidas para os pentacosiomedimnos, tre- zenlas para os hipeus, duzentas para os zeugitas, © os tetes eram aqueles cuya renda era inferior 2 duzentos medimanos.* Dessas quatro denominacdes, duas sto inequivocas, ¢ seu uso € bem anterior a Solon. Nos poemas homénicos, os tetes sio aqueles que s6 dispu- inham dos préprios bragas, os miserdvess que, para viver, alugavam-se como trabathadores agricolas nas terras dos poderosos, Quanto s03 hipeus, 08 cavaleiros, so aqueles que possuem um cavalo ou uma parelha e que com isso podem concorrer em Olimpia ¢ participar de ‘outros jog0s pan-helénicos. Na verdade, a cavalaria tem um papel secundario em Atenas, se & que no se limita 208 corteios, em que elt representa 05 jovens nobres da cidade. Muitos comentadores relacio- naram 0 termo “zeugita” a0 jugo (zeugos) da parelha de bois ou de burros do camponés. Quanto ao termo " denva da renda exigida para fazer parte da primeira classe (a dos guinhentos medimnos) — com apenas um sendu: 0 fato de que o autor rentacosiomedimnas", ele a Constiturgao de Atenas fala de medidas (metra) e no de medimnos. E verdade que esses termos se encontram em alguns raros, 1" Nedinno: medida pata slides equiveleme 2 $3 lvos. NT textos do século V. Mas seu uso parece nao se ter difundido. Aliés, 0 autor da Constituigdo dle Atenas 05 relaciona com 0 recrutamento das rmagistraturas, recrutamento baseado num sorteio, depois de uma pri meira sclegio que se conhece bem no século seguinte — prova disso 6 a let sobre os tesoureiros mencionada em VIII, 1 —, mas € de se duvidar que tenha funcionado no come¢o do século VI. E tanto mais que no mesmo parigrafo explicta-se que € funglo do Arespago “levar os mats capazes a0 poder, por um ano, distribuindo-lhes 0s cargos”. 0 que € muito mais provével. Da mesma forma, € dificil smaginar quais seriam as fungées desse Conselho de quatrocentos membros, supostamente crtado por Sélon, visto que 0 Conselho do Arespage 2 Tueidies 1, 102, Placa, Cimon, XV, XVI, 3. E durante sua auséncia, ¢ antes da volta do contingente atenuense — acusado pelos espartanos de cumplicidade com os revaltosos —. que tem lugar 0 que o autor da Constituiedo de Atenas chama de sé- tuma metabolé da constituicio dos atentenses, ¢ que ele stribu: a um certo Bfaltes, filho de Sofénides, que se tormou “chefe" do démes. E-essa “revolugo" que haverd de matcar os verdadeiros primOrdios da democracia, essa democracta 4 qual est ligado o nome de Pericles. AS REFORMAS DE EFLALIES Além do nome de seu piu, nilo se sabe praticamente nada sobre esse Efiaites. © autor da Constituigio de Atenas diz que ele parecia incomuptivel € justo em relagdo a politéia, o que se waduziu como “dotado de espinto civico"* Podemos nos perguatar 0 que significa- vam tais julgamentos no século TV, isto €, na época da redacio de nossa principal fonte. Certamente devemos ver aqui a preocupagio de distinguir Efialtes dos “demagogos" de sux época. Mas a que isso comrespondia um sécuilo antes? Ja se salientou 0 quanto, apesar da afirmacao cada vez maior da soberania da assembléia, subsistiam as relagbes “clientelistas” que garantiam aos membros das velhas familias uma-autondade sobre 0 démos, Bfaltes pertencia 2 esse meio ou, 20 contricio, devemos ver nele um *homem nove”, que teria escolhico, como Clistenes numa época antenor, ser o “chefe” do démos, mas com a intengio de retrar os privilégios daqueles que. como Cimon, aporavam-se em sua “clientela particular"? O autor da Gonstituigéo de Atenas 0 di como aliado de Temistocies, com o qual teria preparaclo um ardil para arruinar © Gonselho do Are6pago. Mas sabe-se que, & época, Temistocles estava exilaclo e que se pode duvidar da vera- cidade dessa tradicto. Plutareo, que recorreu a outras fontes para es: crever sua Vida de Pércles, fax de Bfaltes um amigo e companheiro (Dortos kar hetaires) de vericies, que de algum modo © tenia usado para rebamar 0 Are6pago (Pércles, VII, & IX, 5). Mas Plutarco relata também uma caltnia de Idomeneu de Lampsaco, autor de um tratado So Aaoiis, Connon atones XXV, 60 5 Usenet { i q Sobre os demagogos, acusando Péncles de ter mandado assassinar Efialtes “por ter inveja de sua populanidade” (Péncles, X, 7). Plutarco refura essa acusaclo, mas acrescenta que Efiales era eno um fto- mem temido pelos partidinos da oligarquia, e “impiedoso na perse- guicio que fazia contra aqueles que tinham lesado © povo". De sim: ples instrumento nas mics do jovem Péricles, Efaites se transforma em um personagem poderoso e temido, o verdadeiro iniciador das medidas tomuidas contra 0 Areépago, (© que parece constituir 0 essencial dessa metabolé que haveria de reforgar © poder do démos &, de fato, 0 rebaixamento do velho conselho aristocritico. Segundo 0 autor da Constituigao de Atenas, 0 ‘Areépago tinha visto seus poderes aumentarerm logo depois cas guesras médicas, Provavelmente, devido ao fat de ter sabado assumir a orga puzagio da evacuacao da cidade ante o avango persa, tomando poss vel, assim, a vitona de Salamina. Nao se dispoe de nenfuma prova concreta de tal aumento de poder — dificil, alts, imaginar em que consistina, E verdade que as reunides da assembléia ainda nio esta- vam estabelecidas de forma estrita e, por 1880, 08 poderes da bule clisteniana continuavam limitades. O autor da Constituigdo de Atenas fala de “poderes acrescentados" (ta epitheta) que tentam dado a0 ‘Arespago a "guarda da constituigio” (pbylaté tés poltéias). O que se deve entender com isso? O poder de abrir um processo contra alguém que pudesse representar uma ameaga as unsutuigSes? Aqui, cabe fazer uma comparago com uma inscrigio do século IY, que registra um de- crete especido logo depois da derroxa de Queronéia, determinando que, se 8 democracia fasse derrubada em Atenas, os membros do Conse Iho do Arespago estan proibidos de tomar toda e qualquer decisao. Devemos concluir que 0 velho conselho aristocriuco estana investido de poderes especias? Nao se faz mengo ao Areopago, porém, por cca sito dos acontecimentos de 411 e 404, quando, por duas vezes, a demo- cracia foi suprimida. Cabe supor que essa supressio tenha denvado justamente das medidas tomadas por Bfialtes em 462-4617 E que no curso do século TV 0 Areépago recuperou essa phylaté tés poitéias? Sera como for, no que diz respesto ao papel pessoal e as medides tomadas por Bfiates, sua orientago , em esséncia, pelo enfraqueci- mento do conselho aristocrético. Conseqentemente, isto se traduz, a num aumento dos poderes da bile dos Quinhentos e des tribunats populares que herdam essas prerrogativas "acrescentadas". Or, trata, aqui, de Srgios cujos membros sio escolhdes por sorteio entre todos 0s aidadios, ao passo que 08 sreopagitas eram membros vitelicios do Conselho, ¢ seu recrutamento, entre exarcontes, era limitado aos membros das duas primeuras classes solonianas. $6 alguns anos de- pis se abnu 0 arcontado aos cidaclios de classe dos zeugitas (Cons- tinuigdo de Atenas, XXM1, 2 Mats adiante voltaremos @ falar sobre os poderes da bule € dos F preciso considerar, no entanto, que, a0 pavar © Arespago de uma parce de seus poderes para coloci-los nas mes ibunais da Hel de érgios que emanam diretamente do démos, Bfaltes fez a cidade dar um passo enorme em diregio a0 estabelecimento de uma verda- deira democracta Embora nossas fontes nio sem muito eloqiientes no que tange fis circunsiincias que envolvem essa “revolugio", é evidente que isso no se deu sem distirbios e agitagio. O autor da Constitiigaio de Ate- nas evoca uma série de processos que tertam sido movidos por Efialtes contra areopagitas. Ele descreve também uma cena — da qual faz pamcipar, como jé vimos, Temistocles — cuja interpretagio nto ‘muito inteligivel, mas que, em todo caso, supse ajuntamento popular e imtervengio da bule dos Quinhentos. E, principalmente, hi 0 assasai- rato de Efialtes pouco depois, prova de que os conflitos nto cessaraim imediatamente € de que Atenas ainda iria viver um periodo de agita- clo. taivez dominado pela nwvalidade entre Péncles € Cimon, A RIVALIDADE CIMON/PERICLES. ‘O autor da Constituigde de Atenas no nos ajuda muito na andlise da nvalidade entre Cimon € Péricles. No mésumo, ele esclarece que, logo depois das reformas de Bfaltes, Cimon era o chefe das “pessoas hhonestas",e lembra que Péncles comegara a adquinrinfluéncia fazen- dorse acusador de Cimon quando da prestagao de contas da estratégia ‘em cujo curso ele teria poupado 0 rei Alexandre da Maced6nia. Sabe- mos que Cimon foi inocentado, e, em sua Vide de Cimon, Plutarco @ 1s OTOWAS DF THATES& 4 STIEIA OE PERICLES NA WD PoutCR afirma que 1850 se deu porque Péricles se mostrou especialmente dis- cereto no processo (Cimon, XIV, 5). ‘A hostilidade entre os Filaidas/Ciménidas ¢ os Alemednidas era anuga. E possivel que a acusagio formulada contra estes tltimos de ter levantado o escudo para adveruir 0s persas na batalha de Maratona tenha sido divulgad por gente do circulo de relagbes de Milciades. © que as nossas fontes apresentam como uma twalidade baseada em opdes politicas deve ser visto com cautela. No maximo, poder-se~am descobni !agos que uniam algumas dessas grandes familias @ esta ou aquela cidade, Quanto a iss0, é possivel que Cimon fosse favorivel a {que se continuasse a manter relagdes estreitas com Esparta, num mo- mento em que o desenvolvimento do impénio de Atenas, do qual ele era um dos artfices, coma 0 nsco de comprometer a equilforio esta- elecido logo depois das guerras médicas, Dito isso, se a versio de Plutarco tem algum fundamento, a maneira como Cimon usava sua fortuna podia afastar de si aqueles que temiam que ele a usasse para adquins uma ascendéncia sobre 0 dénios. De qualquer modo. fos provavelmente quando ele voltava da ex- pedigio de socorro aos lacedeménios que seus adversirios manobra ram para que fosse condenado ao ostracismo. Teria sido @ acusagao Formulada por Péricles, que, segundo Plutarco, acusou Cimon de ser “amigo dos lacedemSnios € inimigo da democracia"”* Também aqui se adivinha uma aproximaglo que sé teria sentido algumas décadas depois, quando os lacedeménios se Fariam, contra as democracias defendidas por Atenas, 0s defensores dos regimes oligésquices. Nio se sabe exatamente quando se dé esse ostracismo. Mas temnos ‘motwvos para relacioni-lo 20 rompimento com Esparta, que aconteceu em 462-461, E nada prova realmente que Péricles tena sido 0 inst gacior. Como observa Edouard Will, em vez de ver nisso a influén’ de Péncles, "seria melhor conuinuar 2 reconhecer nas iniciativas atenienses, bem-sucedidas ou nilo, 0 anonimato que lhes atribuem ossus wellivies Fontes” (Le Moride gree of POrtemt, tomo I, p. ISD. Com efeito, Pénicles, & época, no passa cle um homem jovem, € se é possivel que tenha apotado a politica de Bfiaites, ele parece ainda no T Plraees Bln, D5 6 cer um papei politica importante. O autor da Constitusgio de Atenas 6 0 cita nominalmente a propésito da lei de cidadania de 451. Antes, descrevendo as medidas que contribuiam para reforgar 0 cariter democritico do regime depois das reformas de Bfialtes, ele se refere 08 atenienses coletivamente: quando fala, por exemplo, da abertura do arcontado aos zeugitas (XXVI, 2) em 457-456 ou do restabeleci- mento dos juizes dos demos. E s6 no fim de sua exposicao ele evoca © papel cada vez mats importante de Péricles no curso dos vinte anos seguintes (XXVIL, D. Em compensagio, Plutarco insiste na umportincia da nvalidade entre os dois homens. O exilio de Cimon acabara antes do prazo legal Cuntosamente, tena sido de Péncles a iniciativa de chamé-lo de volta, em 456, pouco depois da derrota sofrida pelos exéreitos atenienses ‘Tanagra, na Beécia, contra os lacedeménios ¢ seus aliados, Sem- pre segundo Plutarco, o objetivo era fazer as pazes com os lacedems- ios, e a trégua cena sido negociada por Cimon Na verdade, essa trégua 56 se fez alguns anos depois, e Tucidides, quando a ela se re- fere, no faz mengdo ao nome de Cimon.‘ Mats que isso, a interven¢ao de Péncies em favor da convocactio de Cimon, se € que de fato acon teceu, prova que a rivalidade entre os dois homens no era to evi- dente, E a propésito disso, aliés, que Plutarco evoca ma intervencao da irma de Cimon, Elpinice, dingica a Péricles, ¢ a réplica, no minimo nsolente, do joven politico: "Yoo esté velha demas, Elpinice, para levar a bom termo negécics de tanta gravidade" (Péricles, X, ©). Sabe-se, além disso, que Cimon desposara uma alcmeénida, Isodiké. Ha razdes, poss, para desconfiar das tadigdes relativas a essa nvali- dade. Nao deixa de ser curioso que sefa por ela que o autor da Constituigao ae Atenas explica 2 cragao da mistoforia* — pagamento os jules — por Péricies, episédio relatado por Plutarco na Vida de Cimon, Voltaremos 2 esse assunte. De tode modo, Cimon estava reabilitado, pois foi a ele que se confiou 0 comando de uma expedigao contra Chipre. Ble haveria de seco, Caran, XV, 8; Pel, ok “Tuldies |, 12,1. Fox pouco antes que Perle ez sua prea apane0 no esto do Thatonado, 3 Gente de uma expe conta Sieoee “4 | RRZORIAS OE EFALTS E 4 EsH Oe FENCLES nH IDA OUETICA ld perecer em 451, exatamente no mesmo ano em que Pénicles pro- punha @ lei sobre a cidadania. Péricles unha se tornado, incontestavel- mente, o homem mais influente da cidade. A AFIRMAGAO DA. AUTORIDADE DE PERICLES A Constitugao de Atenas no avs diz grunde coisa sobre © pe- riodo que vai da morte de Cimon, em 451, ¢ © inicio da guerra do Peloponeso. Informa apenas que sob a autonidade de Péricles © poder do demos s6 aumentou. A explicagio dada pelo autor é sumétia: "Ele dieu grande estimulo a cidade para que aumentasse sua poténcia ma rita, 0 que deu & multiio (bot polo’) aucicra de chamar para s, cada vez mais, da a vida politica” OXKVIL, 1). Encontramos af uma idéia cara a Anst6teles, que definiu a democracia atentense como uma democracia de manners. Em visia disso, devemos buscar outras fontes. O relato de Tuci- dices, porém, fala pnncipalmente das relagdes exteriores de Atenas com seus aliados, a Eubéia, snciaimente, depois Samos. E se Péncies aparece em primeiro plano, € enquanto estratego que comands as, clferentes expedigdes marfumas para disciplinar os aiados. Cumpre, pos, mais uma vez, reconrer a Plutarco para esclarecer a husténa interna de Atenas e a consolidagio da autondade de Péncles, especialmente no conflito com Tucidides, flho de Melésias. Esse Tuck dides € mencionado pelo autor da Constituacio de Atenas, que, 0 arvolamento dos grupos que se contrapuseram desde Sélon até Cléoa, aponta Tucidides como o rwal de Péncles e chefe dos “outras” sto é, aqueles 2 quem ele chama ora de “ricos* (euporod, ort de “pessoas de destaque” (epipanoi) (XXVIII, 2-3). Plutarco, na Vida de Pérsctes, lembra que ele era parente por afinidade de Cimon (alo hi divida de que era seu genro). Ele Ihe atribur 0 ménto de ter reuniddo em tomo ie S109 que eiain chamaclos de halor-tagatbor, oF “belos @ bons”, # ce se ter contraposto a Péncles, na tibuna da assembléia, gracas 20 seu. talento de orador? A observaslo € interessante, porque da testemunho Fhe, Poa, Mi, 50,13. de uma evolucio importante na vida politica. Diante do poder cada ‘vex maior da assembiéia, formavam-se grupos em torno de politicos de destaque, e os voros populares deviam, a partir de entio, desempa- tar as opgdes politicas diferentes. Os membros das velhas familias, que até aquele momento podiam tirar partido de sua snfluéncia pessoal para orientar a politica da cidade, agort viam 0 poder thes escapar. Voltaremos a fatar sobre esse novo aspecto da vicia politica ateniense De todo modo, e a despeito dessa nova realidade, for ainda a pena do ostracismo que vitimou Tucidides. Em que data terta sofndo © ostracismo aquele que © autor da Constituigao de Atenas e Plutarco apresentam como 0 chefe dos “bem-nascidos” Ele ainda esté a frente cde um esquadrio ateniense no inicio do cerco de Samos, o que situa- ria esse ostracismo por volta de 441, A menos que se suponha que, como outros antes dele, Tucidides 56 tenha sido exilado por alguns meses, caso sua condenagio tenia se dado em 443, como se sugertt algumas vezes. Fato que, mais uma vez, relativizaria a importineia dessas tivalidades pessoats. De resto, aps o esmagamento da revolta de Samos, 2 posicio de Péricles parece se consolidar definitivamente, Cumpre-nos agora abandonar 0 relato dos acontecimentos para apresentar essa demo- cracia de que Péricles teria sido, 20 mesmo tempo, 0 fundador € a personificacio. 66 A AGORA NA EPOCA DE PERICLES SS 2, CTA, ee, ne ie kone, fe 5 A DEMOCRACIA PERICLIANA NNosso regime police Cpalkia) nto se prope tomar como matdelo as lets de outros: antes somos modelo que imiaderes, Como sido nesse regime depende no de poucos, mas da maiona, seu nome é democraes, Nela, en- {quanto no tocante as leis todos s80 iguats para a solugto de suas divergéacise paruculares, no que se refere @ auribuigio de honrarias 6 cnténo se basest no ririto € no ne categoria a que se perience; inversamente, 0 fato de um ho mem ser pobre € de condigio humilde ni o impede de prestar semncos 20 Estado, desde que tenha capacidade para tanto (i, 37, 2) Essa célebre profissdo de fé na democracia que Tucidides atribui a Péricles. quando este faz a Oraedo fiznebre dos mortos do primero ano da guerra do Peloponeso, nos servird de guia nessa andlise da cemocracia atentense durante os vinte anos do “reinado” de Péncles, A SOERANIA DO DEMOS Lepors de ter afiemado a originalidade do regime politico at muense, Péncles apresenta, em primeiro lugar, o principio sobre o qual ele se baseia, isto &, a soberania do démos, 0 que implica a palavra democracia, orgulhosamente reivindicada. Esclarepamos desde jf que © emprego desse termo é relativamente recente no momento em que 6 Péricles pronuncia a Oragio fiinebre. Ble é composto de duas pala- vas: démos, cuja tradugio € “povo", € o verbo kratern, que se refere 20 exercicio da soberania. Ambas as palavras encerram uma certa ambigiidade, Démos, como de resto o francés pouple Ipovel, pode designar 0 conjunto dos cidadlios — € 0 caso dos decretos que ema- nam da assembléia do povo —, mas também, por oposigo 20s "no- taveis", a arraia-mitida, O regime chamado democracia assume, entio, ‘uma significacio dupin, segunclo designe um sistema politico em que a soberania reside na comunidade dos cidadios ou um sistema no qual € a arraia-mitida (os pobres) que controla a cidade. E este dlimo sentido que parece ter sido escolhido por Péricles, quando ele diz que as decisdes dependem “da maioria", do mator nimero (plein). Por- que ¢ evidente que a arrata-mitida em geral compunha essa maiona.' Alids, esse € 0 sentido que the atribuiriam os teénicos politicos do fim do século Ve do século TV. O terme kratern também & ambiguo, pots implica a idéia de forca (inclusive a forca fisica), de dominacio. E logo se percebe que nisso ele se distingue do termo que define o exercicio do poder nas outras formas de sistemas politicos, isto é, arqué*, de que derivaram monar- quia e oligarquis. A arqué & 2 autondade delegada pela cicade aos magistrados. O fato de se ter preferido “democracia" a “demarquia” revela as circunstincias em que se estabeleceu esse regime, ou seja, © recurso a forca, E € dificil acreditar que o termo tenha sido usado inicialmente com uma conotagao negativa. Esse jf no € mais 0 caso no discurso de Péricles, que, a0 contrd- rio, justifica a soberania da maioria. Num primeiro momento, ela se exercia no seio das assembléias, Ignoramos a parur de quando 0 ca- lendiino das reuniées fot fixado de forma precisa. A referéncia & wibo que exercia a pritanta, nos decretos que chegaram até nds, nos faz supor que se trata de fato consumado no momento em que Péricles comega a dingir os negécios da cidade. Com efeito, 0 ano era dividido. cus Uee pritantas, durante a5 quais os cinquenta membros da bule da tribo em exercicio deliberavam quase permanentemente. Todo dia s2 1. Sobre eas problema da matona, ver F Rut, “Peas, aux ongines de a rayon oa ‘ugue', me size ongines de Mellusme. Hommage a H. Van Effeters, Pans. Centre 6G: Glee/Publcauons de bs Sorbonne, 1964, 247-263, 70 sorteava um presidente, epistata’ dos pritanes*. Sabemos pelo autor da Constinuigdo de Atenas que havia quatro sessbes regulares da as- sembléia por pritansa, isto & quatro sessbes anuais, cada uma com uma ordem do dia precisa CKLIIT, 4-6). A assembléia principal “con- firma, levantando as mos, 03 magistados, quando juiga que eles desempenham bem suas fungdes. Ela delibera sobre as questées de abastecimento ¢ da defesa do ternténo. E nesse dia que todo cidade que o deseje deve apresentar as acusacdes de alta traigho. Ai'se dé um relat6no sobre a situago dos bens confiscados ¢ das instncias empe- nhadas na atribuicio cle uma heranga ou o reconhecimento de uma jovem herdeira tinica de um bem, para que ninguém ignore a vacin- ‘cia de um bem... uma outta assembléia ocupa-se das petieSes... duas outras, dos demais assuntos.” £ dificil crer que uma organizacio tho precisa tenha existide desde meados do século ¥. De resto, essa assembléia, & quat podiam assists, fazendo uso da palavra, todos os cidadios atenienses, detinha o poder de decisio sobre todos os as- suntos referentes & cidade, as relagdes com 0 resto clo mundo grego, 40s problemas de aprovisionamento de Atenas, a orgamizacio da vida religiosa e & regulamentacio das heraneas. E, além disso, ela dispunha de um controle constante sobre os magistiados aos quais era dele- gado o poder de executar as decisdes tomadas. © texto do autor da Constitwigao de Atenas indica também a forma como essas decisées eram tomadas: erguendo-se as mos para votar. Isso no dena de ser intrigante. Com efeito, como era possivel contar os votoy Isso supunha, numa assembléia que podia reunur vanos milhares de pessoas, uma disciplina extraordiniria. Cumpria nito neg sgenciar nenhuma das opinides expressas, pois a decisio era tomade ‘pela maiona, Ora, nao € descabldo supor que essa maioria nem sem: pre era evidente, © que podia mouvar contestacio ¢ questionamento da decisio tomada, Conhece-se pelo menos usm exemplo desse ques- tionamento, embora alguns anos postenor & época de Péncles: 0 voto sobre que destino dar @ populagao de Midlene, que venta, em 427, abandonar a alianga atensense, Inicialmente 0 povo votara pela morte de todos os homens de Mitilene, depois recuou dessa decisdo no curso de uma nova assembiéia em que a proposta de poupar os mtilenenses venceu por uma pequena maiona CTucidides, 11, 49, 1. na Saberse ainda que, para que se pucessem tomar determinadas deeisoes, era preciso um quorum de seis mil pessoas. Isso valeria para a decisio sobre 0 ostracismo ow a atribuicio de direito de cidadanta No que se refere a0 ostracismo, como se sabe, no se votava levan- tando as mios: cada um dos presentes & assembléia extraordinéia reunuda na Agora devia depositar um caco de cerdmica no qual figu= ava 0 nome daquele que se considerava pengoso para a cidade € que preciso afastar por um exilio de dez anos. Por outro lado, 0 titulo dos decretos permite reconsttur 0 pro- cedimento de tomada cle decisio. A fSrmula inicial revela 0 papel respectivo do démos e da bule dos Quinhentos: "Aprouve & bule @ 20 démos° Com efeito, era 0 Conselho que preparava as propostas (probuiewnrata’) sulbmetidas 20 voto dos cidados reunidos em assem- biéia, Mencionavam-se entao 2 tribo que exercia a pritania, o nome do secretin que redigira 0 texto, 0 nome do epistata dos pritanes que submetiam a proposta & votacao ¢, finalmente, 0 nome caquele que fizera a proposta e a defendera diante da assembiéia. Casos havia em ue, tendo um cutro orador proposto uma emenda ao texto primitivo «© conseguido sua aprovagio, seu nome também era mencionado. (Os moderns se perguntaram sobre Funcionamento dessa assem bléia, endossando as criticas dos adversinios da democracia ateniense, que questonavam a validade das decisdes tomadas em meio & agitacio aos gntos da “multidio" manpulada pelos oradores e pelos demagogos. De fato, nessa civilizacio da palavra, o papel do orador era fun damental, E se tvermos de nos indagar sobre a natureza da autori- dace exercida por Péricles, na medida em que ele era um dos dez estrategos elettos anualmente, no ha como duvidar de que ele a de- via no apenas ao fato de ter sido reeleito estratego por quinze vezes consecutivas, mas também, € no minimo em igual medida, & magia de sua palavra. Nao é de surpreender, pois, que Atenas tenha atrafdo aqueles que se vangloriavam de ensinar a arte da persuasio, indis- Pensavel a quem queria ter um papel poliuco. Voltaremos a falar esse aspecto da vida cultural atentense no tempo de Péricles e sobre ‘ mportincia desses homens a quem chamavam de sofistas. Peio menos um deles, 0 célebre Protégoras, haveria de participar do entot- rage co grande estratego. n Mas € evidente que se 0 sistema péde funcionar, como 0 mostram 08 decretos emanados da assembléia, foi gracas a0 papel que tinha a bule dos Quinhentos nesse dispositive. Recrutados a cada ano por sorteio entre todos os cidadiios com mais de trinta anos, os membros da bule representavam a totalidade dos cicadaos. E como no se po- dia ocupar esse cargo mans de duas vezes, grande niimero de cida- do cargo de membro da oule, sobre a qual voltaremos a falar, possibilitou, as- ‘sim, que todas as camadas da comunidade civica neta es representadas. Ora, a bule dispunha de um poder de controle sobre 08 negécios relatives & cidade. Ela procedia ao exame (dotunasie) nao apenas dos magistrados elettos ou sorteaclos, mas também, © so- bretudo, de sua prestagio de contas 20 final do exercicio. Por outro fado, comissdes formadas no seio da bule controlavam um certo ni mero de atividades piblicas. O autor da Constituigao de Atenas enu- mera longamente esses poderes: daos podia chegar até ele. A esse respelto, a remunera fesse [A oule cuida também para 2 manurenco das tirtemes i constrailas, ‘dos equipamentos ¢ abrigos para as belonaves. Es faz consruir navies nove, ‘com tés ou quatro ilewas de remadores, segundo 0 povo tena decidido por ‘uma ov ovtra opeto, assim como os respecuves equipamentos ¢ abrigos ara a consirigio dos navios, 2 ble escolhe dex comssénos entre seus me bros. Ela inspectona também todos 6s edficios publices...CLYI, 1-2). Reunida praticamente de modo continuo, seja com todos os mem= bros, seia com parte deles, a bule era, pois, 0 Srgio essencial pelo ‘quai se podia exercer essa soberania popular gabacia por Péricles em seu discurso. Preparando 0s projetos a serem submetidos @ assem- biéia, ela garantia 0 bom funcionamento das reunides desta, sob a presidéncia dos cinqlienta membros da tribo em exercicio. Ela organi- zava também 2 eleico ou o sorteio dos magistrados no inicio de cada ano. Além disso, exercia, desde as reformas de Bfialtes, um poder judicidnio que partithava com os tribunais populares da Heliaia. [A Heliaia constitufa o terceiro Srgao pelo qual se exercia a sobe- rania popular, Todos os anos se sorteavam seis mil nomes de cidadios ‘com mais de trinta anos, Nao se sabe muito bem como funcionaya B wibunal em meados do séeulo V, porque nfo € certo que a descrigio feita pelo autor da Constituigdo de Atenas seia valida para a época de Péncles. Mas 0 proprio niimero dos heliastas sorteados dé bem uma mostra do quanto 2 Heliaia, mais ainda que a bule, era representativa da totalidade do corpo civico. Tendo herdado o essencial dos poderes judicifrios do Arepago, os tribunais saidos da Heliaia, os dikasteria, uinham de examinar todos 08 processes, tanto os relacionados 20s negécios dos cidadios privados como os que envolviam a cidade, ¢ Funcionavam como instfincias de apelacao de todas as decisdes toma- clas pela assembléia ou pela bule. Assim, por exemplo, unt magistrado condenado pela bule, quando de sua prestacio de contas, podia apetar aos tibunais, Também ali, as decisdes eram tomadas por voto majon- tino, um voto que no era dado, como na assembléia, levantando-se 485 mos, mas com certeza expresso, desde 0 princpro, colocando-se tum jetom numa urna, sendo que © ntimero dos que eram chamados a reunirse para julgar determinado processo raramente excedia 501 © que tornava mais Facil a contagem dos votos Mais uma vee, 56 no que se refere a século seguinte pocemos fazer uma sdéin mais precisa do funcionamento das insutuigdes de- mocriuicas de Atenas. No entanto, 0 que podemos entrever através, das fontes que chegaram até nds (relatos dos historiadores, teatro, insergBee) confirma a realidade da soberania do démos baseada no principio da matoria afirmado por Péricles. Esse principio denvava da sgualdade dos eidados. A IGUALDADE DOs crpADAOS Com efeuto, era esse 0 segundo fundamento do regime apresen- ‘ado por Péricles em seu discurso. Surge, entio, um duplo problema: 19 das bases juridicas dessa igualdade e o da contradigio entre estas € a realidade de uma sociedade nao igu: Jd mencionamos essa questio a propésito das reformas de Sdlon. Como vimos, ele se vangioriava, em seus poemas, de ter estabelecido leis semelhantes “para 0 bom © para o mau", designando assim os dois grupos que se enfrentavam no momento em que ele fo chamado ania. 74 a resolver a crise que ameagava cindir a cidade. Mas, em outra passa- jgem, ele afirma também: "Ao povo (démos) eu des tanto poder que ¢ bastante, sem que seia necessirio acrescentar ou reurar nada de seus direitos, No que fange Aqueles que deunham a forga e a impunham pela riqueza, também cuidei para que nto softessem nada dle indigno, Eu Aquei de pé, cobrindo os dots partidos com um forte escudo, € * (Constitus- no deixe: que nenhum dos dois Vencesse injustament ao de Atenas, XU, 1). E mais adiante ele volta a afirmar sua neutra- lidade: "Como entre dois exércitos, me mantive tio firme como uma bacreira™ (XII, 5). Mas ele diz também que nfo quis ceder a determi- nadas resvindicagdes € que se recusou a “dar aos bons € aos maus ‘uma parte igual da rica terra da patna” CM, 3). Portanto, Sélon no quis, como certos tiranos, conquistar a sim- paua do démos atendendo suas reivindicagdes de que se fizesse a partlha igualiténa da terra. Além disso, ele teria dado a essa desigual- dade de fato uma sangio juridica pelo estabelecimento de classes censitinas, a fim de reservar 0 acesso &s magistraturas aos cidadaos abastados que formavam as duas primeiras classes. ‘Nilo cabe aqui discuur problemas suscitados por essa classificacio censitiria, Raramente nossas fontes fazem aluslo a i880, €, 20 que pa- rece, ela atendia, de mio, a preocupagdes de ordem militar, O autor da Constituigdo de Atenas menciona, porém, uma medida 2 qual jf aludira: a abercura do arcontado aos zeugites (XXVI, 2). Doravante, safam também dentre os cidados da terceira classe do censo 05 can. didatos ao sorteto para as fungdes de arconte. Mas os tetes, que eram 8 mais pobres, continuavam exciuidos dessas Fungoes. Junidicamente, portanto, nao havia igualdiade total entre os cida~ dos, ainda que a abertura do arcontado aos zeugitas represemtasse lum progeesso no sentido de uma diminuigio cas desigualdades. Mas cessas desigualdades refletam também as desigualdades reais no se.0 da soctedade, Nem a tirania de Pisistrato, nem as reformas de Clts- 10 da propnedace fundidria tenes questonaram a validade da divi E verdade que a socedade certamente evolu, desde 2 Sélon, no que diz respetto ao crescumento da populacio urbana, Mas a nrraia-mitda de Atenas, composta de artesios e de modestos comer- ‘antes, daqueles que se véem nas pecas de Aristéfanes, for antes jpoca de 5 lengrossar as fileiras da classe dos tetes. Também nesse caso, nilo te- ‘mos informagées suficientes para avaliar a importincia de cada uma das diferentes classes censitirias. Se consideramos, porém, as incica- @6es dladas por Tuctdides sobre 0 niimero de hoplitas de que a cidade podia dispor no comego da guerra do Pelopaneso, podemos maginar que eles pertenciam miajontariamente & classe dos zeugitas. Assim seado, supde-se também que os tetes compunham pelo menos me- lade do corpo civico. £ provivel, pois, que eles tenham constituido a maioria do démos urbano e, portanto, 2 maioria dos que participavam das sessoes da assembléia, 1550 justificava a afirmatwva de Péricles de que a pobreza néo impedia um homem capaz de prestar servigo 3 cidade, de dedicarse a ela, ainda que apenas participando das deci- ses tomadas em comum. E, por outo lado, visto que a let era a mesma para todos, essa igualdade era real para tudo o que se referisse as desavencas particulares: diante dos juizes do wibunal popular, os Ficos € 08 pobres gozavam das mesmos direitos. No entanto, quando Péricies afirmava que “para as provas ce es- 56 se levava em consideragio 0 mérito, ele aludia implicitamente aquilo que, aos olhos da posteridade, haventa de ser a caracteristica essencial da democracia, e 2 qual the atribusiam a responsabilidade, isto €, a mustoforia, a remuneragao das fungées pUblicas. Com efeto, ¢ evidente que, para poder dedicar uma parte do tempo 20s assuntos da cidade, em preciso estar livre de um trabalho coudiano do qual dependia © prépno sustento e 0 da familia, Esse pelo menos, € 0 sentido que nos inclinamos a atibuir 20 estabelect- mento de um salino para remunerar as fungdes de juiz.¢ de membro da bule. No entanto, é interessante levar em conta a explicagio daca POF autores antigos para essa medida que tera sido iniciativa de Pericles. A hist6ria é contada na Constituic@a de Atenas e retomada, na Vida de Pércles, por Plutarco. Péricles teria procurado nvalizar com Gimon, na busca de apoio do cémos. Cimon, de fato, gracas a sua ‘mensa foruna, digna de um trano, unha condigbes nfo apenas de arcar facilmente com as despesas, com as liturgias — os tributos que ineldiam sobre os mais ricos ¢ garantiam a realizacio das grandes fes- {as relipiosas e clos grandes banquets publicos —, mas também de se responsabilizar pelo sustento de todos os que pertencram ao seu demo: um: 76 “Cada um des laqutadas podia, todos os diss, ir procuri-o ¢ dele obter 9 seu sustento; além disso, nenhuma de suas propriedades era cer- cada, para que as pessoas que 0 desejassem ptidessem usufuir seus frutos” (Constituigdo de Atenas, XXVII, 3). Péricies, cuja fortuna era bbem mais mociesta, nto podia nwvalizar com ele. Por isso, a conselho de tum certo Damonides de Oe, “que se supunta inspirar quase todos 05 SeUs st0s e que por 1850 Vina, mais tarde, a softer a pena do ostra- cismo” GOK, 4), ele resolveu distibuir 20 démos dinheiro pablico s0b a forma de compensagio para os juizes, © primeiro mustot (ns- thos), que posteriormente fot estendido a outras fungées puiblicas, pncipalmente a de membro da bule. E endente que a remuneracio de uma atividade civica una um sentido bem diverso da gencro- sidade pessoal de Cimon. De resto, ¢ € alsso que devemos arena, para os anugos essa distingio no tinha 0 valor que Ihe atrbuimes sxualmente, Ela revelava a importineia das relagoes cientelistas, Mas revelava também que numa democracia direta como 2 democracin atensense, uma medida de alcance muto diferente, como a rernune- ragao das fungbes pilblicas, podia parecer denwvar do mesmo upo de relagoes. E podemos avaliar, pela leitura das apologias que se faaiam no século [V, a importincia que assumiam, em suas relagdes com 0 déms, 0s manifesiagdes de “generosicade’ da pare dos politicos, prncipaimente sob a forma das diferentes liugias. De todo modo, & mistoforia continuaria a ser um dos tracos caracteristicos da demo- cracia ateniense € se estenderia até o século IV, remunerando 0 com- parecimento As sessdes das assembleias. © autor da Gonstiuigdo de Atenas conetui seu relato assuminco os argumentos dos adversénos do regime: “A acreditar na justeza das reclamagbes de alguns, for depois disto que tudo prorou, porque ha- via uma correna, ce que nilo participavam as pessoas honest, para se apresentar pars 0 someio {dos juizesl"® Sabe-se que Anstofanes explorou esse tema em As vespas para mostrar os atenienses, princ- palmente 0s mais pobres, ansios0s por serem sortesdos, preciptan- do-se para conseguir receber © precioso triébolo que lhes garantiaa subsistence “esictles, onston athanes, YO, 5 E improvével, porém, que a mstofona fosse bastante para permi- tir aos eidadios mais pobres viver as expensas da cidade, Em com- pensagio, ela permiua a todo cidadiio dedicar uma parte de seu tempo 205 negéci0s pilblicos. E possive! que o salino dos membros da ble (cinco dbolos* por dia durante o ano de seu mandato, elevados a seis SSbolos quando sua tibo exerci 2 pritania) cena modificado a com posicio soctal do Conselho, Naturalmente, faltam-nos dados precisos que nos permitam avaliar quanto os mistos fmasiborlrepresentavam na renda dos atenienses € dai arar conclusdes sobre sua participago efetwa nos negécios da cidade, Contudo, é significative que quando os adversénos do regime tomaram © poder uma primes vez, em 411, (e= ham supnmido os mistos, a excegio dos que eram pagos 40s nove arcontes, reduzindo os mistos dos membros da bule a ts Sbolos? ‘Tratva-se, na realidade, de fazer economia, mas também de retirar & maioria dos membros do cémas a possibilidade de exercer seus direitos de cidadio. E quando estabeleceram uma consttuigio “definstva", suprimicam pura e simplesmente 2 mistoforia.' Restabelecida com a restauragio da democracia, foi novamente suprimida ¢ restabelecida depois da seguaida revolug3o oligdrquica, ¢ estendida, como jf dissernos antes, 8 parucipagio nas sessbes da assembléia.* “Tuco isso nos leva a concluir que, qualquer que fosse a intengio inter de Péricles a0 instituir 0 salino dos juizes, depois o dos mem- bros da bule , river, dos arcontes ¢ outros magistrados, a remunera- lo das funcbes piblicas, 8 excecao das de estratego e de tesoureiro, permite a uma grande parte do démos partcspar efetivamente da vida pblica ¢ adquinr uma conseiéneia poliuca que explica 0 duplo fra- casso das tentativas de revolugdes oligarquicas do fim do século V. Dito 180, quando Pénicles se arrogava 0 “mérito” pelo acesso as “honras", estava enfeitando um pouco a realidade. Com efeito, as ma- sistraturas mais importantes, aquelas que implicavam o gerenciamento de fundos, estavam reservadas aos mais ricos. Estrategos € tesoureiros ‘eram obrigados a prestar contas das somas recebidas, ¢ podiam ser 5 abide, 4. tiem, 30%, 2 5. idem, 20, 3 levados a responder por elas a custa de seus préprios bens. Temos poucas informagSes precisas no que tange 20 século V. Mas quanto a0 século seguinte, os discursos dos oradores mostram os estrategos utilizando sua fortuna pessoal para pagar seus soldados, prncipal- mente quando se tratava de mercenirios estrangeiros. Por outra lado, ainda no que diz respeito aos estrategos, © exercicio do comando implicava, se n8o uma certa comperéneia em assuntos militares, pelo menos uma seguranga que s6 2 nqueza ou uma posicio de destaque na-cidace permitiam. £ verdade que se elegiam todo ano dez estra- egos, ¢ entre esses ha alguns que para nés nde passam de simples nomes, Nao obstante, a possibilidade de reeleiglo para essa magis- tratura — 2 Péncles, como vimos, tera sido eleito quinze vezes con- secutivas — fazia da estratégia uma funglo a qual aspiravam todos, aqueles que ambicionavam ter um papel na vida politica da cidade, Nao por acaso, aqueles de quem a hist6na guardou os nomes ocupa- ram esse cargo, [Além disso, verifica-se que, até 0 inicio da guerra do Peloponeso, cesses estrategos influentes pertenciam, em sua maioria, 8s velhas fa iiflias atenienses. E provavel que a posse de iméveis fosse entio in- dispensével para aceder a esse cargo. De outro modo nao se podena entender 0 escdndalo que representou, aos olhos de alguns, 0 acesso do curtidor de peles Cléon a0 cargo de estratego, principal aivo dos poetas cGmicos até a sua morte diante de Antipolis, em 421. As coisas havenam de mudar a parur do fim do século V. Mas, se muitos da- queles cujos nomes aparecem nos relatos dos histonadores ou nos discursos dos oradores pertenciam @ meios sociais préximos do arte- sanato ov do comércio, no era menor 0 ntimero de homens ncos. Em outras palavras, se 0 *mérito" permitia aceder &s mass altas fungées, esse ménto, a principio, era propno daqyeles aos quais a fortuna permia a aquisigio de uma certa educagio ¢, a0 mesmo tempo, 0 "lazer" indispensével para dedicar-se intesramente aos negs- ios da cidade, Plutarco, em Vida de Pericles, conta uma aneduta seve fadora. Péricles, nto desejando preocupar-se com explorar e valorizar dda melhor forma os bens que herdara do pat, "imaginara uma maneira de admimstrar sua casa que Ihe pareceu mais cOmoda e mais eft ‘oente. Mandava vender de uma s6 vez toda a sua colheita do ano, 9 depois comprava no mercado tudo aquilo de que necessitava; tal era seu estilo de vida" (XVI, 3). Pouco importa a veracidade da histéria © do que ela pode eventualmente revelar sobre as novas condicdes a vida econdmica de Atenas. Fica-nos © sentido que Ihe atribur Plutarco, isto é, a preocupacao em garantir 0 tempo livre necessiirio para cuidar dos negécios da cidade, ainda que em detrimento de seus préprios interesses. Assim, essa igualdade perante a ler € pela lei, ‘isonomia, era compativel com a realidade das desiguaidades sociais ¢ com uma certa desigualdade politica. Mas esta tiluma era limitada, Isso porque, embora os mais pobres no pudessem aceder as alas, Fungdes, 0 controle que 0 dénos, de que eles compunham a maiona, exercia sobre essas fungdes restabelecia o equilibnio politico. Quanto a0 equuilfbno social, ele era garantido nao apenas pela mistoforia, mas também, e talvez sobretudo, pelos encargos financeiros que os mais hicos assuimiam em nome da cidade € de que os mais pobres, em parte, se Deneficiavam. Na Oragéto fiimebre, depois de lembrar as van- tagens da igualdade ¢ da liberdade com obediéncia as leis, Péricles faln dos "tomneios e festas religiosas que se sucedem ao longo de todo ano”, assim como das instalagdes luxuosas em que Unham jugar Voltaremos a falar mais deudamente desse aspecto da politica de Pén- cles. Mas ¢ impressionante encontrar um paralelo daquilo que Péricles credita & democracia num panfleto anénimo de um adver rado do regime, que se supbe ser da mesma época, isto €, dos meses ue precedem a eclosio da guerra do Peloponeso. © autor desse panfleto atribuido a Xenofonte, as vezes chamado de o Velho Oli- garca, nao tem a menor chivida de que os mais pobres sio benefici- nos do regime: intetizada no termo rio decla- Reconhecendo nio ser mais possvel a cada um dos pobres celebrar s- crificios ¢ banquetes, ter tempos © tudo © que faz a beleza e a grandeza da cidade em que mora, © povo umaginou um meio de conseguir essas vanta- gens. A cidade sactifca, 2s expenses do tesouro, uma grinde quannidade de vitinas, € € 0 povo que desfruta dos banquetes © das vitimas, sorteanco-os (Repitbica dos atemenses, 1,9). 80 a E 0 autor andnimo menciona também as instalagbes fuxvosas {gindsios, banhos, palestras) construidas as expensas da cidade, a que 0 pobres tém tanto acesso quanto os ricos (Il, 10). Ora, eram justamente as linurgias, contribuigdes volunténas clos mais nc0s, que girantiam a realizagio de festas e banquetes pablicos. Contribuicoes voluntinas de que denvava o prestigio daqueles que as davam. Tanto € que, como sabemos, principalmente no que se refere & coregia", que gurantia o financiamento das representagdes dramsvicas do culto de Dioniso e as manifestagoes musicais presentes em intimeras festas, havia uma espécie de disputa entre os coregos, ¢ quem desse mostras de maior generosidade era recompensado pela cidade. € & anda essa generosidacie que Péncles exalia na Oragdo fitnebre, ‘Ainda no esgotamos nossas referencias 20 texto no qual Tuciddes

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