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Incursionando-me por entre os dados do Censo de 2010, focaliza- reiuma tendéncia da religiosidade no Brasil, em consonancia com as constantes mudangas que vém se apresentando no cendrio religioso brasileiro nas ultimas décadas. Dados que, além de sua correspon- dencia com caracteristicas particulares da cultura brasileira afcita asincretismos ¢ interpelagdes mituas mostram-se em sintonia com 4 transformagées no universo religioso moderno, especialmente no Ocidente. Descrevo tal tendéncia com a expressao “cultura religiosa tirante” para sugerir praticas espirituais ¢ religiosas diferenciadas ¢ tm combinagdes variadas independente das definigdes ou insercoes tligiosas de seus participantes. Em minhas pesquisas qualitativas e tho privilegiando, ao invés do estudo de identidades religions seit sivas que emergem de uma estrutura cultural comrerea a an iota que ndo se mostra em um Gnico Me ae cull torial, nem se apresenta em um tinico templo ose a aca ™a cultura religiosa que se, constro! constan' Meecha € cOM- X40 de individuos auténomos, 4s yoltas rae ¢ nao religiosos, inages, por entre os diversos campos T° ie} m0 0s do entretenimento edo consumo: a ce diferen- Recortendo a.um instrumental.de pei um: isa da natureza 40s recursos metodoldgicos utilizados PO Digitalizada com CamScanner como a do Censo de 2010', nao pretendo, por Me “ Ee dos dados do Censo com os de minhas peseruieas ey ee a ee afins, chegar a uma conclusio definitiva a respeito pares ome argu. mento a ser exposto neste capitulo. A intengao See Rare lo Cen. so como um pretexto para instigar a imaginagao 8 sentido se gua flexes tei podero not int 0 camino toma, Para isto, recorro-me principalmente a tese de Gauchet (1984, 1985) — como eixo organizador do social ~ na referente a saida da reli i 3 sociedade ocidental, a partir do desencantamento do mundo com o de- saparecimento da “religidio de transcendéncia”, em funcao da constante afirmacao do mundo sensivel e da instauragao de um mundo sem qual- quer principio fundante fora dele mesmo. A ruptura radical com o funda- mento € a institucionalizagao da dualidade - como regra absoluta ~ esto, segundo Gauchet, na base do advento da sociedade moderna, fazendo parte de um mesmo movimento e com influéncias reciprocas. Processo no qual se dé também a emergéncia do individuo e sua autonomia engendrada pela dualidade religiosa. Ea separagao de Deus em relagio ao mundo que acaba por fazer emergir 0 homem como sujeito do conhecimento ¢ da acao. Ao final do movimento tem-se o fechamento da ordem da rea- lidade deste mundo sobre ela mesma e a afirmagdo da autonomia da es- fera do humano frente ao divino; distanciamento que, por sua vez, vem tornando a relagéo do homem com Deus mais acentuadamente pessoal, carregando consigo o germe da exclusao de toda mediacio institucional em proveito da experiéncia da subjetividade. Todavia, o alerta de Gau- chet esta no sentido de nos fazer perceber que tal movimento nio signifi- ca a superacao da religido no coracao de uma sociedade nao religiosa. A idade da religio como estruturante terminou; no entanto, seria ingénuo acreditar que terminamos com a teligiao como cultura: Em sintonia com a argumentacio tedrica de Gauchet relativa as li nhas mestras do desdobramento da religiosidade no contexto cultural da Modernidade, chamo também em meu apoio, > (1994) que sustenta a tese da tendéncia da rel as observagées de Beyer ligido em se tornat uma oe 1, Busca-se com a pesquisa do Censo de 201 da frequéncia das pessoas ern O.mapear a reli Sus insergies religiosas predefinid Digitalizada com CamScanner panei privada de comunicaggg Par; cecvit @ diversas mobilizacéeg ne 4 alstanse ive no 4 i; Soc cor gue? sao, necessariamente, rej io: "edade, wae T°CUNSO culty 23680 de Featherstone (1991) Sobre se Alio a Ct, ‘aS para Problem ja 6 as < as ara impossibilidade de o Social, no ea ‘ernidade : fimmites de alguma narrativa Segura, si ual conte quand Asestatisticas relativas ao ae : ce i rasilei midamente, UMA Movimentacig religin context cultural da Modernidad, Bisa de vag jalizag4o ou preceitos universais, E nesse sentido que gostaria de ressaltar podem nos apontar: para uma questio tedrica qultura religiosa errante, tomando sempre como ajuda para esta leitura. Uma cultura ‘que se constitui por meio d uma logica que aponta para o deslocamento de diferencas hibridas principio que nos impede de reconhecer nestas préticas um padrao uni- yersalizante ou claramente reconhecivel por seus agentes (por exemplo, os entrevistados do Censo). Neste sentido, é importante salientar que pessoas que fazem parte do “circuito neoesotérico” ou do que veio aser reconhecido como “nova era”, apesar de nao serem facilmente localizadas nas categorias propostas pelo Censo de 2010, fazem parte desta “cultura religiosa errante” e, portanto, um dos movimentos pos- siveis, mas nao 0 tnico, da atualizagao de sua logica - a do desloca- mento de diferencas hibridas. Em fungao desta minha proposta tomados por entre os dados do Censo qu lar neste meu percurso. O progressivo declinio numérico do ¢ ‘ais frequentadas nestas ultimas décadas. i A estagnacao da taxa dos “evangélicos O cescimento da populac4o evanggélica, &lica naio determinada”. . A significativa terceira posis0 °S Sem-religidio. destacarei os principais aspectos e considero significativo salien- ‘atolicismo entre as religides le missio”- : in especialmente da “eval ‘ ida pe- «ig religioso assum ping religi neste 14”! 197 Digitalizada com CamScanner ae proprios formuladores do Censo de ara o crescimento da diversidade dos ‘0 Brasil®. Significativo 4 ser notado ¢ e declinio do crescimento dos grupos evens aca almente nas ultimas duas décadas, assim como ‘tram de 1,3% da populagao (2,3 milhdes) em - ec um leve aumento do Segundo a avaliagio dos 2010, seus resultados apontam Pp: grupos religiosos n “catolicismo” € 0 giao ocorridos princip de espiritas - que pass % a 2000 para 2,0% em 2010 (3,8 milhdes) aes conjunto pertencente a outras religides, numa longa iste le 15 alter. nativas, onde estao incluidos a umbanda, 0 candomblé, © judaismo, o hindufsmo, o budismo, a Igreja Messianica Mundial, o islamismo, as tradigées esotéricas € as tradigdes indigenas. O Censo de 2010 ainda detecta 628,3 mil pessoas de “religiosidade nao determinada ou mal-definida” (0,33%) e 15,4 mil que se declaram de “miltipla religiosidade” (0,01%) — taxa contestada por Pierre Sanchis (2012) que aponta para outras pesquisas que detectam ntimeros acima dos apresentados no atual Censo. Apesar de majoritaria, a proporgao de “catélicos” vem seguindo uma tendéncia decrescente que fez com que o catolicismo visse sua proporcao cair de 73,6% (124,9 milhdes) em 2000 para 64,6% (123,2 milhdes) em 2010. Sendo que, em 1970, tinha atingido a marca de aproximadamente 92%. Isto significa uma perda de 28 pontos percentuais’. A populacao “evangélica” ultrapassou a marca de 15,4% de 2000 (26,2 milhdes) e atingiu em 2010 a proporgao de 22,2% (42,3 milhdes). Um aumento de cerca de 16 milhées de pessoas. Desse total 60% sao de origem pentecostal (25,4 milhdes de pessoas) e o segundo lugar é alcan- gado por aqueles 9,3 milhdes de Pessoas que se declaram “evangélicos nao determinados” (21,8%)', seguidos pelos “evangélicos de missio” com 18,5% (7,7 milhGes) dos declarantes. Esta iiltima alternativa - da gual fazem Parte as denominacées tradicionalmente reconhecidas com? protestantismo histérico”, aquelas que exigem maior rigor teoldgic? EE 2. Comunicagao Social, 2906/2012. {Dis noticias/noticia_visualiza.php?id_noticia. 3. Ibid. 4. Ibid, Ponivel em http: /avww.ibge.gov.br/homelpresidens =21708id_pagina=1]. : Digitalizada com CamScanner e doutrindrio de seus Seguidores _ queda significativa vem man £ importante destacay para 0 argumento, Em primeiro lugar, obsery de dos grupos religiosos no Bi na frequéncia daqueles que se APesar g eis tendo-ce esta, a ae SOM StS dadog, ge tltimos Aue, junt 36 jUNtO a6 ceases rasil, ass, esciment : I, assiste-se g ving td diversida. declaram «, Progressi timeros relati « ‘CatSlicog” va queda ingé| . la estz eT sna S0s 908 “erngn eS tu nag ranking dos evangélicos, Notadamente. Se lila ogi igi, 10 longa data fortes lagos com a socied.9 oe liBides qh jicismo”, religiio com as mai de 2010. Acrescento a estes dados, a infor, religides que mais se dedicam a fidelidade cor’, por longa e dedicada reflexao teol6gica em seus que, por sua vez, guardam um continuo esforgo as fronteiras identitarias e institucionais, Merece destaque o segundo lugar alcangado, entre a populagao evangélica, pelos que se declaram “evangélicos nao determinados”, os quais, de maneira muito apropriada, foram designados por Leo. nildo Silveira de “os desigrejados” (SILVEIRA, 2012). Chama-nos a atencdo a alta taxa desses evangélicos que, sem se filiar de maneira definitiva a alguma de suas denominagées, encontram-se disponiveis para os recursos religiosos em oferta, suscetfveis a trocas circunstan- ciais € a transitos efémeros. Mesmo que circunscritos no interior de teligides cristis, especificamente evangélicas, sem vinculagao a ne a circula- agio jwadros hierdrquicos Preservacio de suas nhuma igreja, mostram-se crentes potencialmente abertos Sao € 8 errancia. H Em terceiro lugar, voltemos nosso foco para “ stan eee Bido, categoria que apresenta um crescimento oo oie Obs 1970 e que se coloca na terceira posigao deste a : ue ei dot © que, no atual Censo, no total de 15.335.51 Ss i een se declaram sem religiao, apenas 615.086 nen wagstca”s 0 G0 declataram-se “ateu” e 124.436 pessoas (0:00 °" segundo 0s grupos d& abel reparads em agosto de 2 ee go do domitlio € 8x0 situagio do dome’ andlises € S-CE Tabela'1.4.1. Populagao residente, Por sic gins, not ‘Ciglao - 2010: tn: Dassié Censo 2010 ~ org da eae 0€ Be Névio Fiorin e Solange Rodrigues, cagbell "Deponivel em hetp: davwwiserassessor = Digitalizada com CamScanner nia com ideias ou praticas espirity. nao significa, portanto, falta de sinto as ou praticas es : P desde que nao sejam identificadag ais igiosas sem-religiao, dann identilade on iaituigBes religion tit Ste Tal crescimento vem chamando a atengao de todos nds; levando-nos acres, a principio, que nela estariam concentradas pessoas cujo perfi sociocultural teria maior afinidade com 0 proceso de modernizagio da sociedade. O curioso, neste caso, € que fomos surpreendidos pelos da. dos do Censo que nos apresentam uma oscilagao entre as varidveis que medem o perfil socioeconémico dos sem-religiio apontando Para uma relativa predominancia entre os de menor taxa de educacio e rendimen- to nominal. Assim, vejamos. Observando o cruzamento “Religiosidade ¢ Educagio”, realizado pelos formuladores do Censo, ao contrario do esperado, a alternativa “sem religido” vem apresentando a expressiva taxa de 6,7% de pessoas de 15 anos ou mais de idade sem instrugao ou Fundamental incompleto’, Os que se declaram “sem religiio” aproximam-se, assim, dos “catdli- cos” que apresentam, neste mesmo cruzamento, o percentual de 6,8%, e dos “evangélicos pentecostais” com 6,2%. Também so estes os gru- pos ~ “catélicos”, “sem religido” e “evangélicos” — que vém apresentan- do as maiores proporcées relativas ao Ensino Fundamental incompleto: 39,8%, 39,2% € 42,3%, respectivamente’. Se levarmos em consideragdo 0 cruzamento “religiosidade e rendi- mento” observa-se que sio os evangélicos pentecostais, junto com os sem-religido, os grupos com maior proporgio de pessoas nessa classe mais baixa de rendimento. Evangélicos pentecostais (63,7%), seguidos de perto pelos sem-religiao (59,2%)*. Pode-se observar também que, logo apés os estados da regido mais metropolitana da sociedade brasileira - Rio Grande do Sul, Sao Paulo, Rio de Janeiro, Minas Gerais, Bahia e Pernambuco — que concentram a maior taxa dos “sem-religido” com uma populacao declarante acima de 528.247 pessoas, segue-se.o Estado do Para, localizado ao norte do pais 6. Disponivel em http: /www.censo2010.ibge.gov.br/amostral 7, Somente a guisa de comparasao, cto, neste mesmo cruzamenta, a situagio dos espiritas com a8 menores porcentagens de individuos sem instruco (1,8%) e com Ensing F, i eto. (15,0%) [Disponivel em herp: Aw.censo2010.ibge gobuamoua ere ee 8. Disponivel em hrtp: /Awww.censo2010.i >ge-Bav.br/amostral 300 Digitalizada com CamScanner eee for do eixo mais Modernizady 928 247 declarantes’, Se comparatmos a opcao da soci Sem relipi covensentre 15 €29 q Blao dejoven 2708; Podemos conse !8680 a umg geclarantes sem religiao, 5.202.302 contabilizando uma significativa Propores, S Nesta A partir desses dados, obserng ; dos sem-religiao, apresentandg rita cs Perfil Sociocultural hetero, mais baixas da populacao, Observacg, i ; © qu rf porese~a set verificada em futuras peggy °° PoSsibilita levan declarantes dessa alternativa sem gem se vincular a nenhuma das rel circunstancias especificas e peso; mente, por atitudes e praticas espirituais ofereci recursos religiosos desse grande leque religi keira, especificamente, por afinidades eletivs, como 0s oferecidos pelas religides afro, religiao podem igides, podem, als, sentirem-; t rentes ‘080 em aco na cultura brasi- S Com aqueles mais populares ‘ catélica e pentecostais!!, Por sua vez, se levarmos em conta a relevancia da Propor¢ao de jovens entre 15 ¢ 29 anos entre os declarantes sem religido, podemos observar ai a presenga marcante do grupo etério que demonstra maior afinidade com expetiéncias variadas e multifacetadas nos diversos campos da cultura em geral e, por que nao, do religioso. Grupo etdrio que se deixa mais facilmente atrair por propostas e produtos entregues & visibilidade do grande piblico na forma de entretenimento ou do consumo de bens culturais e religiosos. O que podemos observar com esta nossa incurséo por entre os is do Censo de 2010 & uma tendéncia 4 consolidagao na cultura ae eS it em parale! de uma religiosidade bombardeada por muitas ofertas, em Pp: aA Ageite ans Al 9. bid, : Solan '0.Cl, Tabela~ Religiéo e juventude - preparada Por I Dossié Censo 2010. Op. cit. M. Poder-secia ‘apontar para a poss! oitos de jovens estudiosos do assunto ¢ Pies ‘Gisformasio, emergéncia do individuo e de sus* °° "Line ~ Revista do Instituto Humanitas Unisino® ge Rodrigues (ulholagosto de 2012) guns novos Jar” como suger as sia) em sa eis Purl, t cedidn a Thariis Magalies, ect, 2718/2012. Séo Leopoldo. fade de uma “nova era pop Pierre Sanchis ‘escolhas” ¢ 400, ano Digitalizada com CamScanner queda do “catolicismo” ¢ A estagnagio dos “evangélicos de misao, dentre as religides mais teadicionais da cultura brasileira, afeitas a identi- dades bem demarcadas e que trabalham em prol da definigao de fronte}. ras tigidas e de preceitos doutrinarios e teol6gicos fortemente instituidos e de validade universal. Ao incursionarmos por entre 08 dados do Censo de 2010, chama-nos a atengao a tendente consolidagio de uma religiosi- dade que se da num contexto marcado pela subjetividade do crente e sua autonomia em relagdo a valores imutaveis ¢ universals, aliados ao com- portamento tipico de consumidores em uma sociedade do espetaculoe do entretenimento na qual se di a oferta dos bens religiosos ¢ espirituais mente heterogéneo. dirigida a um piblico cultural e religiosat para sutilezas escondidas nos Para esta leitura - que nos aponta dados do Censo de 2010 - lembro os leitores, para além dos dados do Censo, de fatos j4 bem apresentados por pesquisadores brasilei- ros, entre os mais visiveis, o de uma religiosidade que opera Sint mneis de comunicagao, através de suas igrejas virtuais (CAMURGA, 2009; JUNGBLUT, 2000, 2010; CAMPOS, 2004; SILVEIRA, 2010) sujeitas 3 troca de canais conforme o interesse momentanco de ouvintes, teles- pectadores e navegadores da internet. Lembremos também dos produ: tos fartamente oferecidos e entregues & visibilidade do grande pablico nas pracas piblicas, igados ao mundo do entretenimento como shows, passeatas com Jesus, carnaval carismatico (SILVEIRA, 2008, 2011) ¢ evangélico (MESQUITA, 2012) € feiras de produtos misticos € esotéri- cos (SILAS, 2000, 2003). Vem-se apresentando também em alta a pro- dugao musical realizada por jovens adeptos como os das “cristotecas” (SILVEIRA, 2012), do funk e do “rock evangélico”, além da ampliagao do mercado fonografico que vem atraindo padres cantores (SOUZA, 2005) ¢ produtores de musica gospel (PINHEIRO, 2007), juntamente com a promogio de espetaculos musicais em teatros € grandes estadios. Alia-se a esses empreendimentos a ampliagio do mercado editorial (LEGOWY, 2004) dirigido ao publico religioso e espiritual em geral. Trazendo o pensamento teérico de Gauchet em nosso auxilio, assim como de formulagées de pesquisadores do campo religioso brasileiro, exteriores ao Censo, podemos deixar que nossa “imaginagao sociolégi- ca” veja nos dados do Censo mais do que simples “esqueleto”, permi- tindo-nos vislumbrar um pouco de sangue e de carne e, por que nao, de “espirito” na atual configuragao religiosa brasileira. 302 Digitalizada com CamScanner Jet eS i ‘ As estatisticas, como j& observei, aii de sua correspondéncia com os argur Beyer apontados no inicio deste capit dencia da religiao, no contexto da M modernidade. setornar um amplo leque de recursos culturais, Tendéncia item en consequéncia mais provavel a disponibilidade de individuos auténomos 4s voltas com sua subjetividade para realizarem uma experimentagao reli- giosa para além de seus limites institucionais, Temos aqui a oportidade para sugerir que aquelas pessoas que emigram das religides institucionais mais tradicionais € aquelas de religiosidade nao determinada ou mal-defi- nida, assim como as pessoas sem religiio, de acordo com a terminologia do Censo, sao aquelas que se apresentam, potencialmente, mais vulnerd- veis e atraidas por combinacées momentaneas ¢ transitos efémeros — inda que timtidamente, dio indicios mentos de Gauchet, Featherstone ¢ 'ulo que defendem a tese de uma ten- lodernidade ¢ da Pés- : i Poe um sincretismo que nao forma necessariamente uma sintese — a0 largo do grande leque de recursos religiosos a seu dispor. Lembremos como reforco ao argumento, que isto se di também, numa nova forma de religiosidade que vem se fazendo no espaco do entretenimento e do consumo. E nesse sentido que gostaria de sugerir que os dados do Censo ~ nos limites que thes so impostos — parecem-nos apontar, ainda que timida- mente, para uma questo tedrica mais geral, a de uma cultura religiosa que se constitui na errdncia, cujos principios mais sutis s6 poderio ser captados por estudos de natureza qualitativa. Lembremos, ainda, para além dos dados do Censo de 2010, em re- forco a pertinéncia da hipétese sugerida neste capitulo, da existéncia de um fendmeno fartamente estudado entre pesquisadores da religiosi- dade brasileira contemporanea: 0 “circuit neoesotérico” (MAGNANI, 1999) ou “nova era” (AMARAL, 2000)". Fendmeno, todavia, incapaz Cl « ” 9 “ncoesotéico” (MAGNANI, 1999) u similares como “nova era” (AMARAL, 200) apn alkernatvas” (MARTINS, 1999) eee aad frees autores brain» a ra com suns propos de comunidats dicursos ge coat 2) Or arent, na ase das propos tapes ada or expt alternativas. b) O do auodesenne dra conresponde as modemas ese cesta através de Encias misticas¢ Filnotos Pe feria.) O dos curiosos do ocultosinformados pelos mosiments exo- aproximagoes de ordem met com religides orienta, populares eindigenas. d) O discurso térieos do século XIX e pelo encontro Saico do sujeto com sua essencia e pereicho ud i reza e do encontro césn 4 ‘ é ecoldgico yaaa ape dessa espiritualidade centrada na perfeiglo interior através interior. e) O da reinte TP Me oreinamento de pstoal nos etores de recursos humanos, nis dos servigos new age oferecidos parse 3-20). Digitalizada com CamScanner ; Por um lado, devido a de ser eaptado pela atual formulagio do Censo. Por um lal ¢ . do dificuldade dos entrevistados que porventura ey onan se reconhecerem exclusivamente em uma das alternativas sugeridas eri andefinigiio de seus proprios seguido. seu questiondrio e, por outro, por indefinigao Ce ligiosi inigdo reconhecida de sua religiosidade, a neste campo, as pessoas deste cireui- .¢ reconhecem, necessariamente, como res que nao contam com uma defi De acordo com minha experiénci to nao se definem, muito menos s aes, “buscadores da nova era”. Na maioria das vezes, ificas para definir sua pratica religiosa “neoesotéricos” ou nem contam com expresses espec ou espiritual. Cabe-nos apenas arriscar a dizer que, pelos dados do Censo de 2010, aqueles que em nossas pesquisas académicas € qualitativas foram reco- nhecidos como “buscadores” do circuito “neoesotérico” ou da “nova era” encontram-se pulverizados por entre as diversas categorias identifi- cadas no Censo de 2010. De forma semelhante, alguns comentaristas do Censo, como Amanda Rossi", perceberam uma pulverizagao evang devido ao crescimento do ntimero de evangélicos sem lagos com uma igreja determinada, portanto, sem fidelidade a uma instituigao especifica, A pulverizacao “nova era” se diferencia, todavia, da pulverizagao “evan- gélica” na medida em que a “evangélica” se da, preferencialmente, entre as denominagées cristas, especificamente “evangélicas”. A pulverizagio a “nova era” se da, por sua vez, por entre praticas espirituais provenientes de diversas denominagées religiosas ou nao religiosas, as terapéuticas, por exemplo, atualmente em voga no circuito™. Se quisermos nos ater 4 terminologia do Censo, poderiamos arriscar a dizer que a pulverizagio “nova era” se da, preferencialmente, mas nao exclusivamente, por entre s “espiritualistas” (por reconhecerem suas Ppraticas como sendo mais espirituais do que religiosas no stricto sensu e por aproximagao de seu perfil sociocultural’), “as tradigdes esotéricas” (pela forte influéncia do 13. O Estado de S. Paulo, 07/07/2012 (Disponivel em http: Jvww.estadao.combtinoticiaskidades, S20-paulo-viu-pulverizacao-evangelica-na-ultima-decada-mostta-ccnso-201 0,897309,0.hem}. 14. CE. esp, 0s trabalhos de Martins (1999) e Tavares (2012) 3S. Segundo nossa pesquisa qualitativas c localizadas em regides especificas do Brasil, o creuito ang cok ccna averse espiritual destinado a um piiblico exigenté e bern-inforta” i Fa concent fan Cortespondéncia com o padtio econdmico, social e cultural Jt classes méiiae alta, concentradas nas regides mais utbaniandse (MAGNANI, 1999), : 3 s (MAGNANI, 1999). Digitalizada com CamScanner esoterisMo Nas praticas ¢ qi. reconhecimento do nig pei de alguns de seus “buscag, : lores”) Se continuarmos neste scurs, tenes net NOVA era é encimento g teligises «sem elivi esta pulverizacio «, ous: que 619 PUIVENZaGA0.“neoesotéricss Ot Sp POUCO: mais'é dives interior das préprias tradigoes religc Nova era” se ey, Sas das como as religides Crista, em geral ee ientidades Em meu livro Carnaval dq alma (2000) momentos: durante um dos enco; Comunidades Alternativas) eno Campina Grande, Este liltimo coy porém, receptiva 4 légica subjaci mas de pastores “evangélicos de mises 80 $6 de leigos, Pande para 9 bem demarca- »€M particular, ‘ar isto em dois onhecimento nacional Outros . § autor como Marcelo Camurca (1997), Anthony d’Andréa (1997), Pablo se. man (2003) e Emerson Silveira (2009) também jé discutiram 2 ciiddacs de tal identificagao. Marcelo Camurga, no artigo “A nova era diante do cristianismo histérico: interlocutor ou objeto de estudo?” (1997), pro- pée uma reflexdo numa perspéctiva dialégica, dirigida menos para os contrastes rigidos de identidade entre Nova Era ¢ 0 catolicismo ¢ mais para as interpelagées mtituas entre eles. Eu, pessoalmente, fui convida- da a participar do Encontro Internacional sobre Nova Era organizado pelo Conselho Pontificio para o Didlogo Inter-religioso, no Vaticano, em 2004, e levei esta contribuicao de Camurga. O objetivo desse encontro era o de oferecer reflexées para a feitura de um documento oficial a ser enviado para todas as Conferéncias Episcopais contendo coma pastorais para a forma de se lidar com esta estas. no ee be catolicismo, entre figis e membros da hierarquia catélica, 0 a jidade que tal identificagao vem ocorrendo. : tra o grau de visibi 16. Mas. é tegoria “tradigio esorérica” se refere em sua to- 1 i ligdo esotérica isto ndo nog autoriza a concluir que a cateBs nna medida em que © ‘i f besta do neoesoterismo, : talidade a este universo pouco definido do cexie, a ‘iniciados” em ritos e doutrinas servados term “esotrico” refere-s,em seu sentido clssica, 00 0A ogy, 19), a membros admitidos ém um cfrculo mais restr Digitalizada com CamScanner Este € 0 caso em que o transito religioso faz-se hey yer por dentro das religides instituidas, um caso entre outros como 0 da “pentecosta. lizago do catolicismo” (CARRANZA, 2009), fartamente ja estudado no meio académico, assim como a apropriagao de elementos de outras religides ¢ da cultura em geral, num contexto do entretenimento ¢ do consumo de bens culturais e recursos religiosos. Um caso possivel de po- rosidade e de contagio que se da no interior de religibes com identidades institucionais bem demarcadas, mas que 0s dados atuais do Censo nao nos possibilitam captar de forma mais sistematica ou conclusiva. Com essas observacdes quero apenas deixar aqui registradas algumas indagagées que possam contribuir para o aprimoramento das préximas pesquisas do Censo. Ao mesmo tempo, espero ter tomado seus dados atuais em fungdo de provocar em nés pesquisadores novas perguntas ¢ hipéteses que nos facam retornar a realidade num esforgo continuo de interpretacdo e andlise de seus diferentes aspectos e de suas sutilezas escondidas. Incursionando-me por entre os dados do Censo de 2010, eu os tomei mais como um pretexto (do que como demonstracao) para enfatizar um excesso de bens que se encontra em oferta como recursos culturais, neste cendrio religioso-espiritual da cultura brasileira. O que, a meu ver, pro- picia uma maior eficdcia do transito a seu ptiblico consumidor, indepen- dente da filiagao religiosa institucional que, num determinado momento, podem se reconhecer. Daj Pierre Sanchis, quando de seu comentario so- bre o mesmo Censo, preferic utilizar a expresso “pluralismo religioso” ao invés de “religiosidade plural” a fim de destacar uma tendéncia nao apenas para a existéncia de muitas religiGes, mas para atitudes de aber- tura, de didlogo e de predisposicao a certa relativizagdo em fungaio do encontro com 0 outro (SANCHIS, 2012). O “espirito” nao estaria ausente, portanto, por entre os dados esta- tisticos apresentados pelo Censo. Parece-me, apenas, que vem perdendo o aconchego de um lar estabelecido para se colocar no contexto de uma religiosidade que se faz na “errancia”, sugerindo uma carga de indefini- gGes € parcialidades; carga esta que nos permite perceber a presenca de uma cultura religiosa errante nos intersticios de quaisquer identidades religiosas. O que é central nesta cultura religiosa errante é a suspensao dos somprometimentos identitarios que possam se apresentar como: obstaculo para a experimentacao do sentido. Sem o.apoio exclusive Digitalizada com CamScanner eed icoes de uma da ica Oe eden a tradicdo ou crenga relig rT s um ies ii if . raricante mh sejo de linguagem™ nao conney ces ents Bess itas delas, gragas a tra el de mutt Ea . eas A quebra de suas ortodoxi Tas, mas por meio it Essa cul igi Se originais. Essa ura religiosa errante nao tas em seus cédigos ecengas existentes a0 colocar em evidénci Provoca uma negacao das itrdrias, a flexibili ie ¢ arbitrarias, xibilidade, a parcialidade e a relativi das religides prescritas. O que ela propici relatividade das regras tos de experimentacao de sentidos, q : uando certo: : se invadir pelo desejo de nov. $ praticantes deixam- ‘as combinacies, ara » Mesmo que ison earbitrarias, para se envolverem com a vida cotidiana, a ve » quando seus as- pectos mais ordinarios e também arbitrarios apresentam uma demand: imediata de sentido para além e acima do convencional ; (omnes 08. 022 éncia para um futuro nao muito distante é a evidéncia de uma operacio que coloca em jogo uma légica articulatéria, viabilizando uma das dimensées da religiosidade contempordnea: uma reacao relativizadora em contraposi¢ao a uma rea- cao fundamentalista. Como tendo a concluir, é essa dimensao da religiosidade contem- poranea que se apresenta como um espirito sem lar e nao as religides particulares — que se mantém como recursos culturais disponiveis -, di- mensio que adquire na cultura brasileira, regida pelo principio das “in- terpenetragdes miltiplas”””, um significado enriquecido. Enfim, 0 que se pode dizer é que esta cultura religiosa errante encontra no Brasil um terreno cultural mistico religioso e magico propicio a sua atualizagao numa dimensao demasiadamente grande. ™ REFERENCIAS AMARAL, L. “Um espirito sem lar: sobre uma di ee i de a 3 O. (org.). Cireut a teligiosi mpordnea”. In: VELHO, 2 A ae ie religides no Brasil, Argentina, Portugal, Franga ¢ tos: ¢ bese fos: comparagoes © 2 vAcgarlCNPq/Prone% 2003. Gra-Bretanha. Sao Paul Digitalizada com CamScanner < Carnaval da-alma — Comunidade, esséncia ¢ sincretismo' na Nova Era. Petrépolis: Vozes, 2000. BEYER, P. Religion and Globalization. Londres: Sage, 1994. 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