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Para meu amigo Alvaro de Moya, que me ensinou que sonhar é possivel. Waldomiro Vergueiro (Shtsse- cxtunoigionsmmucscio SROHTOSAGONAL SOS OM BELMOS.RS Diretora Financeira Esllene Lopes de Lima Projoto e Diregao Editorial Carlos Rodrigues ‘Autor Waldomiro Vergueiro Diretor de Arte Marcial Balbés Revisio René Ferri Or Impresso na Inverno de 2047 PTY A lecrrmacio cutturat e COUTTS PUMA Z TSC) PCC NCCC g Pits! ULE MCT cer QUADRINHOS NO BRASIL Eee edd ENTUSIASTAS DO METO pe ee gece Eyre rare Corny 3.2 AENTRADA DOS QUADRINHOS Ra eesr td POE errant CIOL G7 cE eared COC CCN Peet PECTS CST e Cr CLres Pocrnn ty Poe Pe eeenTCL nytt eee TTS PUT Peary ea nCe CCL aes Re PSC tea creer Pee CN PO rer chee Citrricrs POR rea CSC BERS OCT in Leas AMERICA LATINA PEYOTE Una Prac Buoy OL RU rents TEXTOS ACADEMICOS SOBRE HISTORIAS EM COC ont rg FIT] seu set. voct sae? Bee Ue Cred mS Ponce Vi 3 223) if 1 Peete KO) ANTES E DEPOIS DE FULANO DETAL DRC ee eens FEY] 5.5 waranvo a copRA E MOSTRANDO 0 PAU 143 ee PESGUISA ACADEMICA ov HISTORIAS ty QUADRINHOS: INTRODUGAO Em sua obra Reading comics: how graphic novels work and what. they mea Douglas Wolk (2007, pag, 10) arguments, em relagio & evolugao das histor cm quadrinhos, que “se existe tal cofsa como uma idade de ouro dos quads nos, ela esté acontecendo exatamente agora” (tradugao nossa)! Analisando g Produsdo atual ¢ 0 nivel de qualidade de imagens e roteiros enconteados mites produgSes quadrinisticas, néo se pode deixar de concordar com est autor. Estamos, sim, vivendo uma grande época no que concerne as histérias ‘em quadrinhos, Por outro lado, ndo se pode deixar de reconhecer que produdo industria lizada continua massiva e massifcante, ainda que tolhida em limites mais amplo: do que os de vinte ou trinta anos atris. Mas ela tem, & certo, evidentes Limitagoes, A oferta de quadrinhos como um todo, considerada a produco industrial, continu dsponibilizando, em proporsées bastante exageradas ~ cerca de 80 ou 90 Por cento, dependendo do ponto de vista de quem realiza a anilise-, aquilo ‘que poderia ser que rarcou. dizer e hos te- Ds gibis ia, que ma das ‘PANORAMA OA PESOUTEA SOBRE MISTORIAS EM QUADRINHOS NO BRASIL Fgura 35 ~ Dibo Cow, paliao cade por Angele Agstn, rndpalinterse de pesquisa de Arion Wz grin quadrinhos no Brasil. Nessa instituiglo, liderada por José Marques de Melo, os xirinhos passaram a ter mais um espago privilegiado para discussio académica pals. Esse espaco foi formalmente ocupado a partir de 1995, quando, no XVII ongresso Anual da entidade, em Aracaju, foi criado o Grupo de Trabalho (GT) de que grande parte dos membros do GT era composta por académicos com péna produgio de histérias em quadrinhos, como Flavio Mario de Alcantara ans, Edgar Franco, Gazy Andraus e Ivan Carlo Andrade de Oliveira, Com 0 dos anos ¢ diferentes coordenagdes, até sua juncdo 20 Grupo de Pesquisa de B Pesquisa AcAD MICA: HISTORIA sn QUADRINHOS foi se dispersando, podendo-se notar o aparecimento cada vez mais frequente pesquisas desenvolvidas sob a égide dos Estudos Culturais, esp. Latinoamericana, ‘municago, concentrando a grande maioria de suas orientagdes na temitica hi las em quadrinhos, foi um grande alento para a drea. Posteriormente,com a do Observatério de Histérias em Quadrinhos da USP, em 1990, com meu in como orientador na Pés-Graduagéo, também oferecendo oportunidade para 0 senvolvimento de pesquisas sobre istérias em quadrinhos, o nimero de peso ‘resceu de forma significativa. Muitos de nossos alunos ingressaram como dace em outras universidades do Brasil, passando também a orientar pesquises sll quadrinhos. Mas o crescimento das pesquisas ndo se restringiu a érea de Comunicag © interesse pelo tema comegou a aparecer também em outtas éreas de conhecimna to ¢, paulatinamente, outros cursos de pés-graduacio do pals passaram a ‘alunos interessados em desenvolver pesquisas sobre histérias em quadrinhos 4 nivel de mestrado doutorado. Timidamente de inicio, alguns professores 4 seram-se a orientar trabalhos esparsos sobre o tema ¢, vendo que o resultado satisfatério e, ao mesmo tempo, na medida em que ficavam mais familiatizados ele, passaram a oferecer novas vagas € tar pesquisas sobre histérias em quadrinhos. Minha experiéncia pessoal na & Participando em bancas de defesa de mestrado e doutorado no Brasil inteiro, trou-me que nas tltimas trés décadas ocorreu um crescimento vertiginoso de_ gra vutras Faas > hos, é eToDoLOGIA PARA © sTUDO DAs MsTOnTAe EM QUADRIKNOS : stra em quads qe nsprauo tld ie de Unbox, epee que ta ospesonageesrecher tas ein efranen ocasional, nao possa ser realizado com a mesma seriedade e profundidade de Outros mais familiarizados com ¢ drea. O pesquisador italiano Umberto Eco, Por exemplo, tratou de quadrinhos apenas esporadicamente em sua longa carrera de pesquisador, mas trouxe uma contribuigdo inestimavel &drea. Al- guns de seus textos, como “O mito do ‘Superman’, “O mundo de Minduim” e “Leitura de Steve Canyon’ reunidos no livre Apocalipticos e Integrados (1979) tornaram-se antolégicos; ele até chegou a utilizar sua relagdo com os quadti- ‘hos como tema de um romance, o livro A misteriasa chama da rainka Loana (ECO, 2005), cujo titulo € emprestado de uma aventura de Tim e Tom — titulo original Tim Tyler’s Luck -, personagens da tira de aventuras criada pelo nor- ‘te-americano Lyman Young (1893-1984), em 1928 (Figura 42). Independentemente de qual seja a motivasio do pesquisador de quedri- importante - eu diria, até mesmo, essencial -, que este se dedique & pesquisa at ‘EsqUIsA ACAREMICA ty HISTORIAS o1 QUADRINHOS: com a mesma seriedade e profundidade que outros pesquisadores se dedica ‘a suas dreas. Por um lado, eu acho muito interessante que o pesquisador quadrinhos tenha uma relacio afetiva com 0 seu objeto de pesquisa, de forme a nfo realizar a sua anélise como um pesquisador da drea de ciéncias biolé cas se debruca sobre a parte do corpo de algum animal ou mesmo de um humano, sem que haja uma relagao de proximidade entre o pesquisador € : objeto pesquisado. Nao gosto da ideia de estudar quadrinhos como se estudd tum cadaver, com o qual néo se tem qualquer relagéo emocional. E isso € vil ‘mesmo quando o pesquisador esté abordando as hist6rias em quadrinhos d maneira ocasional. ‘No entanto, se nao é desejével uma relagao mecinica com o objeto p quisado, tampouco & admissivel que 0 pesquisador de quadrinhos se deixe cg por seu entusiasmo e produza um relatério cientifico panegirco, laudatério, que ‘vé 08 aspectos positivos dos quadrinhos, de seus produtos, autores e personage preferidos, nao conseguindo enxergar as limitagdes e falhas que estes possuem. J pesquisador deve saber, em determinados momentos, ter 0 distanciamento criti de seu objeto, de forma que possa analisé-lo de sob o ponto de vista critic. J ty ram exatamente para realizar uma pesquisa sobre cles; em alguns casos, ainda q com pesar, tive que desestimulé-los, pois senti que nao conseguiriam ter 0 distal ciamento critico para realizar uma pesquisa cientifica naquele tema, Alguns preenderam e mudaram o foco de sua investigagaos outros desistiram do ‘lentifico ou buscaram desenvolvé-lo com outros orientadores cientificos. Pro ‘mente, jamais me perdoaram. Falarei mais sobre isso no capitulo 5. Como objeto de pesquisa, as histérias em quadrinhos estao sujeitas ts ‘mas normas, préticas ¢ procedimentos cientificos de qualquer outro objeto. sentido, alguns autores tém proposto abordagens e métodos a serem emp pelos pesquisadores desse produto cultural, E 0 caso de Thierry Groensteen (2 1. 40-46), que formulou quatro princfpios para criar uma pedagogia das his ‘em quadrinhos, de forma a que estas possam ser vistas como um objeto de esti ‘METODOLOGIA PARA O ESTUDO DAS HISTORIASEM QUADRINHOS a) embora existam convergéncias entre a linguagem dos quadrinhos ea linguagem, cinematogrifica, é preciso fazer a distingao em relagéo & linguagem especifica dos quadrinhos. O autor alerta, inclusive, que “muitos procedimentos utiliza- dos pela histéria em quadrinhos - por exemplo, aqueles que traduzem 0 movi- mento ou 0 som, ou ainda a operacio, fundamental, da composigio da pagina ~néo tém equivalente na tela” (GROENSTEEN, 2004 p. 43). Nessa mesma linha de raciocinio, outro estudioso francs, Benoit Mourchard vai afirmar catego camente, em relagZo aos quadrinhos, que [..J seu parentesco com o cinema nfo é mais que ilusério. Certamente, essas duas formas de expressio pertencem a esse departamento particular da narracio que sio as nartativas em imagens. £ verdade que os dois meios uti zam convengées comuns, tais como os grandes planos, 08 planos americanos, 0s planos de conjunto, ete. Portanto, © cinema ea histéria em quadrinhos dao testemunho de uma relagio diferente no tempo e no espago. Desta forma, ¢ organizacéo da pagina determina para © leitor uma relagdo com o relato bem diferente da- quela que o espectador tem com um filme, Nao sati feito de descobrir uma a uma as vinhetas que formam os instrumentos da nartativa, o leitor langa incons- cientemente um olhar de conjunto sobre aqueles que vvém em seguida. As duas paginas que se espelham em um album de histéria em quadrinhos oferecem uma primeira impressio que condiciona necessariamente a Ieitura ¢ the oferece uma certa antecipasao sobre a ordem da narrativa. (tradugao nossa"”) b)_torna-se necessério livrar-se dos lugares-comuns sobre as relagées entre texto e imagem. Para Groensteen (2004, p. 44), Jets parent avec cea scutes es dears xpresnsappartennent ce depart est partial etaraaion quotes cts aetés em images, Cates, ces dex més tient des cannons cermanes, ‘es queles gpa es plans amir, des plans nsemble ec. Perautant enema ela bande desde oigent un ‘yprtanteps et epaedsenblabe, is, ganization de place determine ore ecteur un rapport 2 ben diet de cele quent Ie specateor ‘aecun fi. Non content de dou une 3 ees cases que foment les malls ea nara le eter ete abr incon seamen un regard ensemble sur cel ql vont suv es day planes qui se fo face dns un ib bande desing efter ure rele pression gu condemn néessaemet alee en ul ofan une ete antpacon su rte du. 3 Prequts ACADEMICA ov HISTORIAS s¥ QUADRINHOS. {.-] agirfamos mal em concluir que as imagens de uma his- torla em quadrinhos precisam necessariamente do texto. para adquirir inteligibilidade; & em principio a disposicio em uma sequéncia icénica que firma a significagéo de cada ‘uma entre elas. E nas articulacées internas em elos de ima- {gens que se fixa 0 sentido, jogando o texto, por este Angulo, frequentemente, apenas um papel complementar. ] € imprescindivel considerar a histéria intrinseca dos quadrinhos enquan- to disciplina artistica. Os quadrinhos tém pelo menos cento e oltenta an de historia, se considerarmos as primeiras produgées de Rodolphe Tépfier (KUNZLE, 2007, Figura 43); isso significa que, para se compreender a his Pat RODOLPHE TOPFFER DAVID KUNZLE Figura 43 ~ Limo sobre 0 artista sige Rodcpke Titer, recnhecid como o cad dss istasem quainos 84 ‘WeTODOLOGIA PARA.© EETUDO DAS HISTORIAS £4 QUADRINNOS téria em quadrinhos atual, é preciso ter um olhar para o que foi realizado na area nesses anos todos. Cada artista vai beber de produgdes anteriores de quadrinhos, da mesma forma como os artistas plisticos e os miisicos sto herdeitos do processo de evolugéo de suas éreas artsticas respectivas, sendo {nfluenciados por correntes e tendéncias que os antecederam, também ¢ indispensivel formar o gosto do piiblico para a apreciacio do desentho, das qualidades expressivas e dinamicas do trago. A esse respeito, Groensteen (2004, p. 46) vai actescentar que 3s préprios criticos observam frequentemente um quase- -mutismo sobre a questéo do desenho, ao se prender ape- nas & historia (tao facil a parafrasear), como se fosse indi- ferente que tal dlbum surja da mao de Giraud ou de Tardi, de Reiser ou de Franquin ~ quando precisamente tudo de- pende disso, desde o enquadramento e a composicao das imagens até os cédigos gestuais e fisiondmicos, pasando pelas qualidades expressivas e dindmicas do traco. Por sua vez, Christiansen e Magnussen (2000) identificam quatro perspec- vas para os estudos das histérias em quadrinhos: a) Perspectiva estruturalista e de analogia com o cinema ~ iniciada na déca- da de 1960, com grupos de pesquisa como o Club des Bandes Dessinées, za Franga. Foi basicamente o inicio do estudo formal de quadrinhos na Franga, com a predominancia do estruturalismo e da semiologia. Seu ob- jetivo primétio era a abordagem estética dos quadrinhos, com a ajuda da Semiologia, empregada naquele periodo, especialmente na Franca ena Ité- lia, como metodologia da pesquisa da midia em geral. Sob ponto de vista estruturalista, o estudo das histérias em quadrinhos pode ser classificado sob dois ramos, sendo o primeiro “[..] 0 estudo da narrativa dos quadri- nnhos, frequentemente analisados como sistemas mitolégicos e 0 outro 0 estudo dos quadrinhos como um sistema de linguagem grifica” (CHRIS- TIANSEN, MAGNUSSEN, 2000, p. 12, traduco nossa'®) pasquisa AcaDENiCa 1 HISTORIAS tx QUADRINHOS b)_Perspectiva da Psicandlise e da Enunciagao ~ a terminologia psicanalil ‘usada nos estudos dedicados & atragio que os quadrinhos exercem, palmente sobre as criangas; Visdes negativas (conservadoras, marxistas ou dos Estudos Cult sio perspectivas contrérias & cultura de massa em contraposigio & ou que percebem os quadrinhos como difusores da ideologia domi da sociedades Perspectiva pés-moderna ou pés-estruturalista - € uma visio da ct ‘massa fundada em instabilidade, oposicies ¢ heterogeneidade, que; que a polissemia dos produtos culturais exige uma atitude ative por do receptor. Com o mesmo objc norte-americano Charles Hatfield realizou um diagnéstico sobre os estudos. t6rias em quadrinhos nos Estados Unidos na atualidade e constatou que ele presentam um “campo acadlémico nascente de grande produtividade e prome (HATFIELD, 2009, p.3-5, tradugao nossa”), mas, que, no entanto, ainda d ser considerados apenas em um estado embrionétio. Segundo ele, 08 fatorest ponsaveis por essa situacdo so, por um lado, a falta de apoio institucional, se constata pela ndo realizagao de eventos anuais que resinam os pesquisadore por outro, a falta de identidade como disciplina, explicada pela natureza het genea dos quadrinhos, o que leva seus estudos se situarem no cruzamento eg virias disciplinas, desafiando a“[..] compartimentalizagéo do conheciment a ‘ocorre na academia” (HATFIELD, 2009, tradugio nossa*), A solucdo para i segundo o autor seria tirar vantagem dessa natureza multidisciplinar dos q nhos para formar grupos de discussio e desenvolver projetos com a colaboragi diferentes disciplinas. B dificil discordar des avaliagbes desses autores. De fato, a pesaui quadrinhos é ainda um espago em construgio ¢ cabe aos pesquisadores defi {orescence fel of ret productivity and promise 28-campartnenalg of lnowledge that cus witinacadere 96 ‘MaToDOLOGIA PARA © EETUDO DAS HTOTORIAS EM QUADRINNOS | de Lombard e col. (1999), que adoto neste capitulo, representam um conjunto de Airetrizes disposto em trés niveis, que pode embasar as decis6es a serem tomadas em uma pesquisa sobre quadrinhos, Esses niveis se relacionam, basicamente as se- | 4.1 O QUE PESQUISAR SOBRE HISTORIAS EM _QUADRINHOS Bo.que Lombard e col. (1999, p. 17-18) denominaram de nivel do topico (topic e- 1€), envolvendo a definigdo daquilo que se deseja pesquisar dentro do assunto geral “histérias em quadrinhos”, Nesse sentido, tenho presenciado a dificuldade que os | Interessados na pesquisa apresentam para definir o assunto sobre qual desejam se __ debrugar. Muitas vezes, tenho sentido que os alunos que me procuram com a inten- __ slo de estudar quadrinhos chegam com uma nogao bastante vaga do que querem | fuer. Fico sempre muito feliz com a motivagdo que os trouxe até mim, mas, logo _em seguida, sou obrigado a perguntar: “Mas exatamente o que vocé quer pesquisar sobre quadrinhos?? Bé ai quea coisa pega. Nem sempre o estudante tem uma ideta muito clara sabre o que ele tem por objetivo conhecer mais a fundo. Nem se dé conta, inicial- ‘mente, que “historia em quadrinhos” é um tema bastante amplo, aborda virios as- __suntos, tem varios aspectos que poderiam ser enfocados e tem relagdes com varias _ reas do conhecimento. © primeiro passo na pesquisa, entio, é tentar restringir 0 "sssunto, focar melhor o que se deseja fazer na érea. PESQUIEA ACADEMICA HISTORIAS o4 QUADRINHOS. A lista de possibilidades, na realidade, parece ser praticamente i ta. E possivel estudar as diversas tematicas dos quadrinhos (super-he fantis, adultos, erdticos, de aventura, autobiograficos, etc.); seus diversosif matos (tiras de jornal, revistas, dlbuns, graphic novels, fanzines); defini abordagens sobre temas especificos (envolvendo questées de género, as politicos, étnicos, ideolégicos, filoséficos, artisticos, ete.); o impacto dos quadrinhos (leitura, reflexos na educasio, influéncia no deseavolv psicolégico, censura etéria, relagéo com a literatura, ete.); produgdes de i sgeograficas especificas (quadrinhos brasileiros, argentinos, latino-americd ‘europeus, japoneses, etc) ¢ assim por diante. ‘Mas isso seria s6 0 comego. Dentro de cada um desses grandes, -chuvas, outros menores, mais especificos, precisarao e deverio ser dos, de forma a “isolar” um objeto que seja vidvel no nivel de pesquisa aqui produzido, 4.2 - QUE PERSPECTIVA ADOTAR AO PESQUIS: HISTORIAS EM QUADRINHOS lar de uma complexa expressio cultural” (LOMBARD et al, 1999, p. 18). A de-se olhar as histérias em quadrinhos sob o ponto de vista sociol6gico, psicol artistico, econdmico, histérico, filosético, ete. WETODOLOGIA PARA © ESTUDO DAS HIETORLAE EM OUADRINHOS sa que se | em nivel } Imberto | “quanto J trata-se \ qual se drinhos, para os pecifico | gra istrias doX Men ede nando pace ser araltadao8 o pont de vita stcliged PEsQUIEA ACADEMICA m HISTORIAS o1 QUADRINHOS. Figura 5 ~ Batman ses niga parece fee ete ate pan apa da pespecta pia Na perspectiva sociolégica, o pesquisador enfoca os virios agentes dasf is e como eles moldam e estruturam a sociedade. Assim, analisar as histés em quadrinhos sob o ponto de vista da sociologia leva o pesquisador a“[..] descrigbg dos virios grupos sociais e seus componentes, como sexualidade, poder, e autoridad (LOMBARD et al, 1999, p. 19, traducéo nossa”). A perspectiva sociolégica tambérl ‘permite verificar como as histérias em quadrinhos refletem normas sociais, atitu em relagdo a grupos minoritérios, conflitos de valores ou lutas de poder. Uma pes que busque analisar como as histérias em quadrinhos de super-herdis refleten conflitos raciais existentes na sociedade, por exemplo, estaria dentro da perspectt socioldgica (Figura 44). No Brasil, o professor Nildo Viana (2013), da Universidail Federal de Goids, uilizou essa perspectiva para analisar 0 universo ficcional do nagem Ferdinando (Figura 45), criagao do norte-americano Al Capp. esquisadores que optam pela perspectiva psicolégica estio basicamentell teressados em verificar como os quadrinhos retratam ou afetam os individuos qua eles interagem com o meio ambiente. Essa perspectiva vai analisar os pensamen! sentimentos ¢ comportamentos dos personagens. Um estudo dos senti ‘goes que o levaram a determinadas caracteristicas comportamentz { uso dessa perspectiva de anzlise. Autores como Danny Fingeroth (2004) e Rosen (2008) aplicaram essa perspectiva aos super-herdis, B___Laltoportyas ofvaroussodal groups nde cemponentes such 5 seit, pone and autho 90 ‘MeroDOLOGIA PARA. ESTUO DAS HISTORIAS EH QUADRINOS A perspectiva artistica, também chamada de estética, € facilmente com- preensivel. Afinal, em esséncia, ela busca identificar nas histérias em quadrinhos 0 seu status de obra artistica, Assim, qualquer obra em quadrinhos pode ser ana- + lisada a partir das técnicas artisticas utilizadas para sua elaboragdo, que podem ir desde desenhos bem simples a representagbes gréficas sofisticadas, que envolvem a | influéncia de diversas escolas artisticas ¢ literdrias. A perspectiva artistica buscaré, | inuitas vezes, relacionar a obra em quadrinhos com as influéncias recebidas pelos autores. Lombard e col. (1999, p. 20) vao apontar exemplos como se dew a influéncia dos autores surrealistas, cubistas e expressionistas no trabalho de quadrinistas como _ Winsor McCay (Figura 46), Lyonel Feininger (Figura 47) e Will Eisner (Figura 48), respectivamente. Qualquer histéria em quadrinhos pode ser analisada sob esta perspectiva, pois ela possibilita que o pesquisador estude 0 uso do espago, das som- bras, da cor, formatos, os estilos graficos ou escolas de desenho, e outras técnicas as pelos diversos artistas dos quadrinhos. Ao pesquisar os super-herdis sob ‘A perspectiva econdmica e financeira direciona o pesquisador s instituiges eco- nomicas e problemas relacionados. Assim, pode levar & pesquisa de como deter- minados segmentos da indiistria de quadrinhos se organizam, os elementos que os sfetam, o mercado consumidor e distribuidor, a evolugao das publicagdes, o mundo do colecionismo, ete. Essa perspectiva permite, por exemplo, que um pesquisador analise como 0 sistema de produgao ¢ distribuigdo de quadrinhos de super-herdis, concorre, muitas vezes, para sufocar induistrias nativas, que nfo conseguem fazer frente as demandas financeiras que envolvem a produggo ¢ manutengio de titu- pesquisa AcaDBHICA HISTORIAS #x QUADRINHOS Figs 4,47 48 UitleNeo in Sabet de Winsor ay Aaya eae ea, Spi ei ss aba pode pec ganceseetes acess eb post deta Jos nas bancas, ou como os super-herbis se selacionaim com questbes financ « econdmicas (Figura 49). Minha experiéncia tem me mostrado que néo ¢ perspectiva muito utilizada na abordagem académica das historias em ‘quadrinhig no, em minha opiniao, um hiato ainda a ser preenchido nessa 1s publicagbes existentes no mercado que wtilizam ess4 Pe rmalmente de autoria de profissionals da dres, que elaboram obras mals pr a manuais de auto-ajuda do que abordagens cient norte americana Lurene Haines (1994, 1998), quadrinista ¢ autora de do th com essa perspectiva. METODOLOGIA PARA. FSTUDO DAS HIETORIAS EM QUADRINNOS, _ Five 9 ~ Soba amatre do oem de Fem et Tey Sark, um indo qu, alr de adnsrr sia empresa tacoma, D unbinsededisocanbetezocime A perspectiva histérica contempla, obviamente, pesquisas sobre o desen- _solvimento das hist6rias em quadrinhos em geral, bem como nos diversos ‘segmen- ‘tose géneros narrativos (de super-heréis, de aventuras, roménticos, autobiogréficos, Adaptagdes literdrias, et.), bem como por regides especificas. A perspectiva hist- fica também permite ao pesquisador das histérias em quadrinhos retratar certos. istéricos, bem como personalidades histéricas especificas, _Nesse sentido, segundo Karin Kukkonen (2014, p. 132), deve-se considerar espe- Gialmente a utiizagso da perspectiva histérica quando se deseja saber mais sobre | condicées de producio sob as quais os quadrinhos foram escritos e o piblico © qual eles foram originalmente elaborados. Atualmente, os quadrinhos de uper-herdis produzidos durante a chamada Guerra Fria (Figuras 50 ¢ 51), perfodo _Hstorico de disputas estratégicas e conflitos indiretos entre os Estados Unidos e a lo Soviética, que se estendeu do fim da Segunda Guerra Mundial (1945) & de- eto de pesquisa para futuros historiadores. De especial interesse, como exemplos pesquisas realizadas sob a perspectiva histérica, sdo os livtos de Joseph Witek (1989) e William W. Savage, Jr. (1998). No Brasil, especial contribuicdo em estudos ‘PESQUISA ACADEMICA oy HISTORIAS 11 QUADRINHOS. Figs S051~ Hult eo Drama Yemen so renal sper estperv que srgam dre a Guer ‘ci deostidade econ aoraentita ene as dus grandes rasmus mesmo pode set afirmado em referéncia ao trabalho do cartunista Lailson anda Cavalcanti (2005) sobre o humor gréfico no Brasil, publicado na Esps refletem “[..] maneiras de pensar, valores, normas ou senso de ética” (LO! et al,, 1999, p. 21, tradugo nossa”). Os super-herdis so especialmente pert ‘a essa perspectiva, uma vez que todos refletem uma visto de mundo es que pode ser relacionada com determinados pontos de vista filosdficos (Fi Existem, no mercado, obras que procuram ver varios desses super-heréis sl perspectiva (MORRIS, MORRIS, 2005; WHITE, ARP, 2008; SKELTON, 2006);5 como de outros personagens dos quadrinhos (SHORT, 2001, Figura 53). J Existem varias outras perspectivas sob as quais as histérias em qued podem ser enfocadas, mas acredito que as aqui apresentadas jé sao sufficient dar uma ideia da variedade de pontos de vista possiveis no estudo de quadti partir da definicio da perspectiva passa-se, entdo, para a andlise propriamen que pode langar mao de diversas técnicas. Tel apt lus nds erasers of is. 4 MrToDoLOCIA PARA © ESTUDO DAS HISTORIAS £H QUADRINHOS BLAK! TopA VEZ QUE A. GENTE TEM UMA FESTA NO ESCRTTORIO Eu BEBO MUITA 4.3 - QUE TECNICA UTILIZAR PARA ANALISAR AS. | HISTORIAS EM QUADRINHOS Muitas técnicas de pesquisa utilizadas nas reas de ciéncias sociais e huma- | idades podem eer aplicadas na andlse de histérias em quadrinhos. O conteido ea = como anilise semiética, de discurso, literdria, retérica ede contetido, Pode-se também ter como objetivo uma andlise de maior envergadura sobre a producio de quedrinhos “ese consumo ou efeitos, caso em que técnicas de pesquisa como anilise histérica, “estudos de caso, questionarios, entrevistas experimentos so mais apropriados. A seguir, discuto mais detalhadamente cada uma dessas possibilidadee. ‘Aanilise semidtica tem sido muito utilizada no estudo de quadrinhos. Ela mite descobrir “[..] os significados manifestos e latentes de um texto pelo exame “Gos signos e seus relacionamentos” (LOMBARD et al., 1999, p. 22, tradugio nossa ica é um método bastante complexo de interpretacéo de signos [thera ad ltent meaning ofatet through xaination of gs andthe eis. 95 rsouieA ACADEMICS w1 HISTORIAS «¥ QUADRINHOS. elementos sio passiveis de anélise semiética. Um trabalho muito interessante linha, j4 mencionado anteriormente, foi a andlise realizada por Umberto Eco (1 p- 129-179) da primeira pagina dominical do personagem Steve Canyon, publ originalmente em 1947, em que o autor, Milton Caniff, vai aos poucos apres © protagonista, ¢, pelo contexto dos quadrinhos ¢ pela relagéo com os perso sivas principais caracteristicas (Figura 53). ‘A andlise do discurso permite aprofundar tanto a linguagem escrita ca 2 falada, conforme ela aparece nos quadrinhos. A anilise do discurso é im para entender o contetido da mensagem de um produto cultural. Segundo. (2005, p. 305), essa técnica favorece a interpretagao do sentido, que “deve conta que a significacio é construida no interior da fala de um determinado su ‘ritamente linguistica. Referimo-nos a aspectos $04 € ideolégicos impregnados nas palavras quando ela pronunciadas. Assim, observamos, em diferentes ‘goes de nosso cotidiano, sujeitos em debate e/ou di géncia, sujeitos em oposigao acerca de um mesmo) ‘As posicées em contraste revelam lugares socioidedh ‘cos assumidos pelos sujeitos envolvidos, e a lingu a forma material de expressao desses lugares. dos personagens, a voz do autor, ¢ 0s elementos discursivos exclusivos dos rnhos, como as expressbes onomatopaicas eas convengées proprias da 9 Arte, 10s balées e as linhas cinéticas. Para a andlise do discurso, todas as mani 96 alin- agao adri- omo goes stura ando vsuas: Fria, WeToDOLOOIA PARA EeTUDO DAs HsTORIAS EH QUADRIKHOS Fa Gera Gi de Manel Com Damesma forma, uma saga quadrinistica como Guerra Ci pela Marvel em 2006 é recheada de r vivido pelos Estados Unidos, ainda sob a s meas, em Nova York, ocorrido em 11 de s irinhos envolve a investigacég E do: podem ser comparados com a literatura clissica, contos folclorico também envolver a identificagdo de géneros literéri Nos iltimos anos, um segmento da produgio de quadrinho: ligado a literatura vem se desenvolvendo de forma bastante significativa no Bra de adaptagbes de obras literdrias para a linguagem dos quadrinhos. M incentivos governamentais, pela distribuicéo de quadrinhos a escolas public METODOLOGIA PARA © 6S7UDO DAS HIGTORIAS EM QUADRINHOS | meio do Plano Nacional Biblioteca na Escola (PNBE) ¢ pela maior penetragao das érias em quadrinhos no ambiente escolar (VERGUEIRO, RAMOS, 2009), mui- “tas editoras tém ampliado a oferta de obras desse tipo, com produgdes quadrinis- ticas dos mais variados niveis de qualidade (Figuras 55, 56, 57). Assim, a andlise "iteréria tem sido utilizada para a comparacéo das obras em quadrinhos com as obras de literatura que as originaram, buscando encontrar pontos de contato entre as duas formas de manifestacio artistica, Exemplos das possibilidades da andliseli- | teréria podem ser encontrados no livro Quadrinhos e Literatura: Didlogos posstveis } (RAMOS, VERGUEIRO, FIGUEIRA, 2014). : ‘A anilise retérica é bastante semelhante & anilise semiética, do discurso eliterdria, na medida em que também se debruca sobre aspectos linguisticos em busca do uso de simbolos. Ela procura desvendar os argumentos de persuasio de um determinado discurso, preocupa-se com as mensagens que influenciam pensa~ | mentos e acées, identificando o que deve ser considerado “|...] como verdadeiro ou __provével, bom ou desejavel, importante ou obrigatorio” (LOMBARD et al, 1999, p. 23, tradugdo nossa“). No caso das histérias em quadrinhos, a andlise retérica vai © buscar no texto quadrinistico figuras retéricas delinguagem ou visuais, tais como fi- | guras de linguagem, metéforas ou trocadilhos. Uma utilizagao bastante interessante | daanilise ret6rica foi realizada por Thorsa Ghosal no artigo intitulado “Books with bodies: narrative progression in Chris Ware's Building Stories’, salientando como _ “todos os personagens-narradores de Building Stories (figura 59) constroem arcos. - denarrativa monoliticos que focam em seu desconforto com seus préprios corpos fim de atingir a empatia, mas eles terminam desconectados uns dos outros ¢ até mesmo dos leitores” (GHOSAL, 2015, p. 87-88, tradugao nossa’). Uma possibilidade muito interessante do uso da andlise retérica nas his- [ tGrias em quadrinhos de super-heréis pode contemplar, por exemplo, a anélise da | pagina inicial da historia de surgimento do Super-Homem (Figura 60), quando os [autores Jerry Siegel (1914-1996) e Joe Shuster (1914-1992), apés utilizarem varios __ quadrinhos para descrever os poderes do protagonista e estabelecerem sua condi- {Jest oct, ood oc desl importante oer. ‘ofthe characte nats of Balding Stes bud mali nara ar focusing te dco withthe ow ees nertoecermpaty.huthey eed pdconeced oman anther even with thereat 99 FRANZ KAFKA AMETAMORFOSE PETER KUPER ‘MerODOLOGLA PARA.O ESTUDO DAS HISTORIAS 2m QUADRINNOS io de herdi - afirmando que ele ¢ o “campeio dos oprimidos... que jurou devotar sua existéncia a ajudar aqueles que necessitam”™), - langam mao de um discurso | cientifico como estratégia de convencimento do leitor sobre as possibilidades da existéncia real de um ser com aquelas caracteristicas e poderes de tal mag- | nitude. Assim, fazendo uso de uma explicagio (pseudo) cientifica, os autores [ conseguem passar para os jovens leitores da época uma primeira imagem de “credibilidade do novo herdi. Essa estratégia narrativa desenvolvida visual- | mente nas paginas da histéria, em que os autores vao acrescentando, um a um, exemplos de atos heroicos praticados pelo Super-Homem - salva da cadeira " elétrica uma mulher condenada 4 morte, forcando o governador a assinar 0 | perdéo e entregando a verdadeira culpada; intimida um marido que bate na imalher; persegue e prende sequestradores; e desmascara um lobista que est ‘corrompendo um politico -, certamente auxiliou na accitagdo do novo herdi ¢ no incrivel sucesso de puiblico que teve o lancamento do primeiro nimero da revista Action Comics, em 1938. Mais que isso até: como explica Sevan Michael Paris, “[..] 0 argumento utilizado por Siegel ¢ Shuster permitiu que o heréi se tornasse tao influente que ele na realidade transformou completamente um meio” (PARIS, 2011, p. 66, traducao nossa”). ‘A anélise de contetido & algo que fazemos quase que naturalmente | quando submetidos a produtos da midia, mas nem sempre de maneira sistem’- | tica e planejada. £ comum, por exemplo, ouvirmos amigos, colegas ou familia res se manifestarem a respeito da violéncia presente nos noticidrios ou seriados televisivos, mas em geral essas afirmacdes séo baseadas em sensagdes pessoais, fruto de observagées casuais de programas apresentados na televisio, Como | técnica de pesquisa, a andlise de contettdo vai muito além dessas observacoes ‘casuais, buscando construir uma documentagao cuidadosa que sustente objeti- _vamente as conclusdes a que se chegou. Formalmente, a andlise de contetido foi definida por Bernard Berelson E na década de 1950, no livro Content analysis in communication research; segun- Be __[.Jeampioefthecppressed..swem to dete hisexstenceto helping ton need 171. Meteghering wey Segeland Shsteralwedteheotobecomeso inlet eacualytrnsfomedan entered. 101 PESQUIGA ACADEMICA 2» MISTORIAS ex QUADRINHOS Figura 59 Cap de Bug Stories, de Chis We do ele, trata-se de “uma técnica de pesquisa para a descric ca, ¢ quantitative do contetido manifesto da comunicacéo” (apud STEMPI i ©1981, p. 120, traducdo nossa), Nesse sentido, 08 pontos mais importante Considerar para melhor utiizacio da técnica sio a selegéo da unidade de af Uise, a definigdo das categorias, a amostragem de conteiido e a confiablidal 28 Cntetarasiarezh cng rte eth tema al quanti escent te mane eter onm ETODOLOGLA PARA OFeTUDO DAS HIGTORIAS 24 QUADRINOS Figura gd - Ouse dua expla cei para os pode do Sipe tome 103 pesquisa AcAnEHICA 1 HISTORIAS m QUADRINHOS Ler FALK xs Ray Moore uatro, a definica: WerovoLocte Pana OSTUDO DAS HISTORIAS EM QUADRINHOS sejam pertinentes aos objetivos do estudo que se pretende realizar, sejam fun- cionais e que o sistema de categorias seja administravel. Esses trés requisitos so inter-relacionados, ou seja, quando um deles nao é atendido, os demais, prova- velmente, tampouco 0 serdo (STEMPEL, c1981, p. 123). Encontra-se tradicionalmente a utilizacéo da anilise de contetido em relagdo aos produtos da imprensa (coberturas de campanhas eleitorais), publi- cidade e propaganda (representagao de géneros ou grupos sociais) e programas de televisio (nivel de violéncia, erotismo, etc.). Em relagéo as historias em qua- drinhos, é correto afirmar que o mais famoso libelo contra o meio baseou-se grandemente na anélise do contetido das revistas em quadrinhos publicadas durante a segunda metade da década de 1940 e inicio da década de 1950. Como © proprio Dr. Fredric Wertham (1972), explica em Seduction of the Innocent, originalmente publicado em 1954, seu método de trabalho consistiu em ler, por anos a fio, muitas revistas de histérias em quadrinhos, anelisando-as e classi- ficando-as em quantos pontos de vista fosse possivel. Ou seja, pura e simples anilise de contetido. E possivel encontrar muitas outras pesquisas que utilizaram a técnica da anilise de contetido para o estudo de quadrinhos, como, por exemplo, pesquisas que se dedicaram a andlise de como as revistas Archie, The Fox and The Crow, Uncle Scrooge e Richie Rich representaram temas materiais, especialmente a ri- ‘queza (BELK, 1987); a desigualdade de géneros em tiras de quadrinhos (CHA- ‘VEZ, 1985); a natureza dos temas encontrados em quadrinhos pornogréficos (PALMER, 1979); 08 valores, objetivos e composicéo étnica das hist6rias em 4quadrinhos publicadas aos domingos (KASSARJIAN, 1983); a imagem do indio nas revistas de histérias em quadrinhos de faroeste (GREEN, 1974); € a identifi- cagéo de momentos heroicos nas revistas em quadrinhos dos personagens Bat- ‘man ¢ Capito América (RUSSELL, 2013), entre outras abordagens possiveis. No Brasil, 2 primeira pesquisa sobre historias em quadrinhos, realizada sob a soordenagio do prof, José Marques de Melo (1970), j& mencionada, utilizou exatamente a metodologia da andlise de contetido de vinte revistas de histérias em quadrinhos selecionadas aleatoriamente entre as publicagées regulares das 105 Pescuis, AcanEica ow HISTORIAS 1 QUADRINHOS. editoras entéo em atividade no pais, aprofundando-a na andlise de trés histor Ppositivas: enfrentam as situacdes, Hd uma irrealidad no Fantasma, sendo que ele sempre vence e tem ut forga descomunal, (MELO, 1970, p. 232) A anilise histérica utiliza documentacéo priméria devidamente reunida| autenticada, muitas vezes dispontvel em acervos de colecionadores ou dos prépr artistas de quadrinhos. Também ird se basear em testemunhos recolhidos de pe ‘as que participaram dirctamente dos fatos relatados, realizando, entio, a pat desses dados, a reconstituicéo dos acontecimentos como eles acorreram, da fo ais fidedigna possivel. Como argumenta Murray Murphes, 0s fatos histéricos ‘so muito parecidos com as particulas subatémicas: so constratos teéricos postulados para explicar os dad atuais. Neste sentido, ao menos, historiadores sio mut parecidos com cientistas. Bles estudam a evidéncia di nivel eelaboram “teorias” para explicé-la. As “teorias' il realmente um construto teérico que os historiad apresentam para explicar a existéncia dos dados NORD, NELSON, c1981, p. 279-280, tradugéo nossa) 2B Tar very machi subatorc parties the re theoreticl constructs postulated explain resent data nthe 106 WETODOLOOIA PARA @ ESTUDO DAS HIETORIAS EH CUADRINHOS Figur 62 acento de lepayo aprouda na amganha cata os quaiths deter no Fro Une, uz por Martin Barer em sua obra Fonte BARKER, Martin p16) 107 esoursa acatHICA ov HISTORIAS t QUADRINHOS. ” A andlise histérica tem sido constantemente utilizada no estudo de qua drinkos, especialmente para a descrigdo ¢ anilise de épocas pretéritas, discu- tindo tendéncias entéo predominantes ¢ fatos marcantes no desenvolvimento do meio. A literatura da 4rea disponibiliza hoje dezenas de obras que utiliza tam essa metodologia, com maior ou menor rigor cientifico, para reconstitui © desenvolvimento das histérias em quadrinhos no mundo. Assim, no Brasil, 0 jornalista Gongalo Junior (2004, 2010) utilizou depoimentos de editores, listas ¢ artistas, bem como documentacao priméria (publicages, cartas, oficios. administrativos) cuidadosamente analisada para narrar a hist6ria da indiistria de realizaram, em seus pafses, autores como Gerard Blanchard (1972), Martin Barker (1991, figura 62), Amy Kiste Nyberg (1998), Gerard Jones (2006), David Hej (2008). Por outro lado, a pesquisa hist6rica tem também sido utilizada para nat- rar a epopeia de editoras especificas, como a Marvel (HOWE, 2013; BELL, VAS- SALLO, 2013) e DC Comics (DANIELS, 2003). Estudos de caso sio um “exame intensivo de uma pessoa, unidade ou ocorréncia especifica de um objeto ou fendmeno” (LOMBARD et al, 1999, p. 24, traducdo nossa)", Eles tém sido utilizados extensamente em mt do conhecimento, como Administraao, Medicina, Ciencia da Informagio, Co- municagio, Educagio, etc. O estudo de caso é mais pertinente como técni de pesquisa quando se busca responder “tanto 2 uma questao descritiva (0 que aconteceu?) ou uma questo explanatéria (como ou por que alguma coisa acon- teceut)” (YIN, 2004, tradugio nossa)" ‘ ici tes are vey whe es They sd he wail ieee dfn "here expat The "tere arent nthe ietepetatonsbat eth as hese eer the ep erge shige” sal att ical costct hat istas feta exp the eaten of reset ta, sucha decane eters, ates, meses Mou eon htt ere ashton acy ed nbe erated inte lay -en wheter spt, parma hewistly wl ard s0en Ts, cr ace te ats bid elo empl ender, bt real ferent inte yal hes arena 30- [an tev enantio pesn nit ovocarere oF ane phenomenon 31 [...]eithera descriptive question (what happened?) or an explanatory question (how or why did something happen?) 108 METODOLOGIA PARA O ESTUDO DAS MISTORIAS EM QUADRINNOS Bur ver DU TP rasKen (PB: ote vers dasr Taixs| a ON HARRY ‘OSBORN'S Fura ~ Hay Osta soe com os fts das dogs na revista do omen Aan, hits gu ato a fora cao as fists em quads repesertavam o consumo de ges No caso das histérias em quadrinhos, eles podem abranger a anilise da vida, obra e produgdo de um artista, de uma tira ou série especifica, de um tipo especifico dos quadrinhos (super-herbis, quadrinhos femininos, quadrinhos policiais, et), bem como das politica préticas ¢ status das histérias em quadrinhos em um determina do pais ou regido. Pode-se, inclusive, utilizar 0 estudo de caso para analisar formas de representacéo de fendmenos especificos nos quadrinhos, como, por exemplo, a representacio do indio nas histérias de Corto Maltese (do italiano Hugo Pratt) ou do Tenente Blueberry (do francés Jean Giraud, também conhecido como Moebius). Outra aplicagdo bastante interessante da metodologia do estudo de caso para anli- se de histérias em quadrinhos é o trabalho desenvolvido por Cary D. Atkinson, da Fayeteville State University, que enfocou como a publicagéo dos niimeros 96 a 98 da revista The Amazing Spider-Man, pela Marvel Comics, em 1971, desafiou diretamente 05 antigos padrdes editoriais da industria no que dizia respeito & representacio de cri- me, delinguéncia, manutencio da ei e droga conforme estipulado pelo Comics Code Authority ¢, a0 fazé-lo, questionow as fundagdes da ideotogia da justiga criminal nos quadrinhos mainstream (ADKINSON, 2008, p. 242, tradugio nossa). 321 ety calgon standing nde etal ands concern the pera fine el 109 PEsQUIEA AcADENICA ov HISTORIAS o4 QUADRINHOS Nesses niimeros da revista do her6i aracnideo, a editora abertamen- ‘© apresentou, contratiando os regulamentos definidos pelo Comics Code Authority, um episédio em que um Jovem afto-americano, tendo se excedi- do no uso de drogas,tenta se atirar do alto de um prédio, sendo talvo pelo Homem-Aranha, que 0 entrega 20s policiais, que Ihe aplicardo os primet. ‘0s socorros necessérios para sua recuperacio, Posteriormente, apresenta. 4 também cenas em que um dos melhores amigos do jovem her Harry Osborn, aparece retratado sob o efito de drogas, azendo uso delase igual ‘mente sofrendo uma overdose que o leva is portas da morte (Figura 63) Questionérios ¢ entrevistas séo bastante utilizados em pesquisas na area de Ciencias Sociais, especialmente em comunicecio, principalmente quando se deseja investigar as caracteristicas sociais ¢ comportamentais, atitudes, valores ¢ crencas de grandes parcelas de individuos, Avaliagoes de sudiéncia de programas televisivos, por exemplo, sio normalmente reali. 2adas por meio dessas técnicas, estando a escolha entre elas dependente do rnimero de pessoas que se pretende atingir e do quanto se pode gastar na coleta de dados. E possivel afirmar com seguranga que 0 uso de questionérios, ‘éenlca genericamente conhecida como survey, é uma forma relative, mente barata de obter informacdes, pois por meio desses instrumentos S¢ pode obter feedback representativo ¢ confidvel de grandes grupos de Pessoas a tum custo relativamente baixo, quando comparado com outras modalidades de obtengio de informagoes. Diferentemente de um censo, ue obtém resposta da populagio como um todo e por isso s6 é vidvel Sconomicamente, para o pesquisador individual, quando se busca atin- Sit Pequenos grupos, surveys lancam mao de amostras representativas da populacio, selecionadas de forma criteriosa e estatisticamente eos. fidvel, que permitem, a partir delas, generalizar a resposta obtida para todo o universo da pesquisa. E620 ere an das spt the ais Gade any and dog stone then ‘onsof mansteamciinal justice ideology. M0 ‘METODOLOGIA PARA OESTUDO DAS HISTOALAS EM OUADRENHOS Estudos de recepedo de historias em quadrinhos, ou seja, avaliagées de como as hist6rias em quadrinhos sdo lidas e consumidas pelos leitores, ue reflexos tém em suas vidas, que motivagoes existem para sua leitura, etc,, tio necessérios no panorama brasileiro dos quadrinhos, sao beneficié- tos diretos dessas técnicas de pesquisa. No entanto, € preciso sempre ter determinados cuidados quando essas técnicas sdo utilizadas, especiaimen- te no que diz respeito a questées de populagio pesquisada e representati- vidade da amostra que utilizou para obtencao dos dados da pesquisa, bem como no que diz respeito a prépria elaboracio do instrumento de pesquisa. Uma atengio especial deve ser dada ao nivel de familiaridade dos leitores, com 0 objeto de pesquisa, que tanto pode estar além como aquém do de- sejado. Leitores mais assiduos de hist6rias em quadrinhos compreendem perfeitamente 0 uso de jargies da érea ow referéncias a personagens espe-

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