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ee LN Cr aacs IvAN DOMINGUES OFioe 6 irana tempo que passa e escorre sobre 8 eternidade que, insita em loco 0 fluir, permanece no émago do tempo. O tempo passa? Ou permanece? O Fio ea Tama levanta @ defende @ tose — uma tese forte —de que tempo & eternidade se constituem mutuamente. Ndo 6 86a eternidade, © eterno momento presente, que constitui o tempo, como ensinava Santo Agoatirho. Tambem vale 0 contrario: o tempo constitui a eternidade. Tempo e eternidade, num onmeiro momento, entram em oposigao se excluem, mas, logo depois, se entrelagar, se intergonetram e constituem @ tessitura de uma trama bem urdida. Tempo ¢ otornidade, juntos, indissociades, fazem a Historia em seu duplo sentido: Histéria como fluir ontolégico das coisas Historia como um modo especifico — Historiogratia — de conhecer as. coisas que fluem. Os Gregos j4 0 sabia, os Medievais 0 disseram; nds, ne Madernidade, duyidamos, hesitamos, mas continuames pressuponde tempo & etermidade ‘como elementos constitutivos do dia-a-dia qua, embora eterna, escorre e vai emibara. E eterno enquanto dura, Nao. e ura “contradigao? & sontracigao, fulguram, comp lafsens, no cunno histérico do tempo coro da inextiroavel tomporalidade que thes. © propria. As iddiae cle necessidade © 0 corar contingenty das coisas, ambos estao nernpie prasentes na tossitura de em que o fio do tempo se ennola sobre si mesmo e se consittul como etemidade. Unidade dos opostos? Dialética? Ivan Domingues no us a palavra, mas certamenle se insere na grance tradigao que nos vem de Herdclite e de Platév, do Cusarus @ de Hegel. Herdclito cizia que sé as criancas @ os sibies conseguiamn compreender como os polos opostes, alem de se exclu, também se constituiarn Mutuamente: a corda e © arco. Platao apresentava a filosotia em duas coutrinas. A doutsina exotdrica — para os principientes e para os de fora — yatava so dos opostos enquanto excludentes uns dos outros. A doutrina asotérica — pera 08 iniciados, para cs de dentro —, nunca escrita, Mostrava como @ por Que 08 apostes se conciliam, O Fio ea Trama trata disso; ¢ rico, sereno, caudaloso. has er sun Virani, Carlos Cime-Lima Sobre o autor Ivan Domingues é professor de filosofia da Universidade Federal de Minas Gerais. € autor do livro O Grau Zero do Conhecimento = 0 Problama da Fundamegtaoao des Ciéncia Humenas (Edigdes Loyola, 1991). Publicou varios artigos ligados & teoria do conhecimento e & epistemologia das ciécias humanas, sua area de especialidade. Capo: Marcslo Grord imeger Marcos Coelho Benjamin, Floda FlloSOFTA ; Ivan Domingues O FIO EA TRAMA Reflexées sobre o Tempo e a Histéria ) NX (x EDIT : U HAG ILUMIVURAS Copyright © 1996: Ivan Domingues Copyright © desta edigdo: Editora Huminuras Ltda. ¢ Editora UFMG Revisdo: ‘Ana Maria de Moraes Olga Maria Alves de Sousa César Correia Composi¢ao: TMuminuras ISBN da Editora lumninuras: 85-732 1-037-0 ISBN da Editora UFMG; 85-85266-10-4 UNIVERSIDADE FEDERAL DE MINAS GERAIS Reitor: Tomaz Aroldo da Mota Santos Vice-Reitor: Jacyntho José Lins Brando Consello Editorial: Ana Maria de Moraes, Angelo Barbosa M. Machado, Beatriz Alvarenga Alvates, Geraldo Norberto Chaves Sgarbi, Heitor Crpuzzo Filho, Joaquim Carlos Salgado, Monoel Otivie daCosta Rocha, Paulo Bernardo Vaz (Presidente), Wander Melo Miranda DADOS INTERNACIONAIS DE CATALOGAGAO NA PUBLICAGAO BIBLIOTECA UNIVERSITARIA/ UFUG Domingues, Ivan peri Ofioe a trama : ‘efloxtes sobre ¢ tempo © abstérie / Ivan Domingues. — S40 Paulo Huminuras ; Belo Horzente : =dtora UEMG, 1996, 256 p. 1. Historia - Filosotia. 2, Temgo (Flosofia) 1! Tiuro, cpp: 118.4 ODU: 115.4 “UNIVERSIDADE FEDERAL EDITORA ILUMINURAS LTDA, DE MINAS GERAIS Rua Oscar Ficire, 1233 Av. Ant6nio Carlos, 6627 01426-001 - So Paulo - SP 31270-901 - Belo Horizonte - MG Tel.: (01 1)852-8284 Tel: (03 1)448- 143/448-1354 Fax: (0! 1}282-5317 Fax: (031)443-6803 Biblioteca Registra, impral )- Doaca\y’- Permuta {) Para Telma Apresentagéio .. |. A Experiéncia do Tempo e da Histdria .... II. A Elaboragao da Experiéncia do Tempo e da Histéria Ill. A Ordenagio dos Acontecimentos Histéricos na Sucessiio ‘Temporal: Necessidade, Contingéncia e Liberdade. IV. Causalidade, Tempo e Historia.... V, Yerdade, Tempo e Hist6ria ..... 0 221 VI. As Aporias do Tempo e da Historia.......... Reteréncias Bibliograficas... 247 APRESENTACAO \ Este livro € wm conjunto de reflexdes filoséficas sobre 9 problema to tempo e da histéria, Sua origem estd ligada, quanto ao problema do tempo, a um curso (que segui na Sorbonne, em 1988, proferido pelo Prof, Desanti, em que 0 ilustre mestre abordou diferentes aspectos do mesmo, situando-os ao longo da histéria da filosofia e das ciéncias — do Timeu de Platio e da Fisica de Aristoteles, passando pelas Enéadas de Plotine ¢ as Confissdes de Santo Agostinho, até os Principia de Newton ¢ o Ser e ‘lempo de Heidegger. Quanto ao problema da histéria, origina-se ele de certos temas que desenvolvi em livio anterior, O Grau Zero do Conhecimento, publicado pela Loyola em fins de 1991, especialmente « tema do tempo da histéria, entéo associado a estratégia histortcista eresirito ao século XIX, agora dissociado daquela estratégia discursiva © sem restrigdo de época ou periedo. O titulo designa, por metdfora, dois aspecios do tempo da histéria bastante difundidos pelos fildsofos, historiadores ¢ literatos. De unt lado, o fio evoca o tempo e poe em relevo a subsiducia intangtvel com cuja ajuda a historia é tecida ou construlda: o fio do tempo. De outro, atrama designa a historia e seu artifice (0 proprio tempo, qual um deus; as moiras; « fortuna; a providéncia divina; 0 homem). Ao ligar estes dois aspectos, poder-se-d pensar — é ial vai ser em grande parte o esforco deste livra— duas figuras da temporalidade ao gosto dos antigos ¢ moderns, Uma delas é a figura do tempo da hisibria como algo substancial e endégeno (¢ 0 préprio tempo quem tece a histéria e ata os homens e os acontecimentos com seus fios invistveis, assim como a aranha tece a teia com a matéria que ela segrega e nela enreda sua vitima). A outra é a figura do tempo da histéria como consirugdo ou artefato (a histéria como estrutura; a narrativa hisiérica como trania, com principio, meio e fim; o tempo da histéria como artefato literdrio etc.). Emhora a livro tenha sido concebido sob a forma de um conjunta de captusios independentes, procure ndo obstante conferir-ihes uma espinha dorsal — o problema de tempo e da histéria—, de modo que ocorpus dos captiulos e seus respectivos itens tratam de desenvolver wn ou outro IL aspecto do mesmo, uns voltados para a problema do tempo, outros mais para o problema da histéria, outros ainda para ambos em conjunto. No primeiro capitulo, onde trato da experiéncia do tempo e da histdria, procure mostrar que a diade tempo/eternidade é constitutiva da experiéncia da temporalidade, para 0 que trabalho o sentido dessa experiéncia origindria nas sociedades primitivas, na Grécia antiga, na idade média e na modernidade. iste, ao tomar tal diasle como operador hermenéutico, nde sem ter o devido cuidado de evitar o anacronismo, em se tratando de experiéncias histéricas, a exemplo das comunidades tribais primitivas, em que soa um tanto anacrénico falar de histéria numa época e numa organizagdo social em que a experiéncia do devir era recalcada e onde o mito servia de anitdoto contra a histéria. Risco esse que, a meu ver, é afastado, pela razdo muito simples de que, no caso, fala-se da histéria (histéria como modo de ser das coisas ou devir) ¢ ndo da historiografia (histdria como modo de conhecimento das coisas). No segundo capitulo, onde trato da eiaboragdo da experiéncia do tempo e da historia, primeiro pela filosofia depois pela historiografia, procuro mostrar o que se perde dessa experiéncia origindria no curso da elaboragdo tedrico-conceitual empreendida por ambas. levando- as, quanto d diade, seja a sacrificar 0 tempo ao eterno, como nas mais das vezes é 0 caso da filosofia, seja o eterno ao tempo, como muitas vezes € 0 caso da histéria, mas néo sem antes imobilizar o tempo e suspender o devir, como ndo poucas vezes € 0 caso em cerias variantes da historiografia. Para tratar deste ponto — de grande interesse, a meu ver —, armei uma espécie de trilema, com vistas a mostrar quanto o problema da temporalidade é refratdrio & elaboragéo tedrico- conceitual, e assim a melhor avaliar o que se perde dessa experiencia quando ela vem a ser elaborada. Assim, estabeleci: 1) quando a filosofia fala do tempo da historia fala, na realidade, de tempo endo da hisiéria; 2) quando a historiografia fala do tempo da historia, fala da historia € ndo do tempo; 3) quando a hermenéutica da histéria, como a de Ricoeur, que opera na extensdo da filosofia ¢ da kistoriografia, fala do tempo da historia fala ndo do tempo da histéria inas do tempo da historiografia (tempo da narrativa) — em todas elas perdendo-se justamente o tempo da histéria enquanto tal, constituido pela dtade tempo/eternidade, No terceiro capitulo, onde trato da ordenactio dos acontecimentos histéricos na sucessdo temporal, proponhe uma abordagem que, conquanto ndo possa estar de todo isenta da perda dessa experiéncia 12 Ha tenporalidade, seria mais bem sucedida ua insteuragio histéria: a abordagem pratico-transcendental. Para tanto, Wileular os temas da necessidade, da contingéncia e da # con o intuito de mostrar 1) que a necessidade que governa histévicas é uma necessidade de tipo “fraco”: 2) que, sendo eixidade de tipo fraco, ela esté associada aa acaso ou a ela; 3) que a contingéncia é o fundamento da liberdade, a € pensdivel no horizonte da necessidade, como na alegoria da dmmanuel Kant. Também aqui mais uma vez abro oe capitulo iti «porta: a aporia do tempo e do acontecimento (é 0 Wiento anterior ao tempo ou, ao contrario, 0 tempo é anterior feciniento?). Aporia que, no caso, é pensada na extensdo das vs, de que eram vitimas a filosofia e a historiografia, porém, em visia da instauragdo de uma perspectiva ou abordagem que Hine @ mesma (aperia). quarto capitulo, onde trate da questéo da causalidade histérica, é pensada na esteira do problema da ordenagéo dos elimentos na sucesso temporal, proponho e enfraquecimento isaliude, & luz do que se fez no capitulo precedente, em que se jéciu a figura da necessidade de tipo fraco. Isto, de modo a Hilir-Ihe wn uso mais condizenie com a naiureza das matérias Ficus, para as quais a uma necessidade de tipo fraco deve onder unaforma soft de causalidade, assaciada ao acaso, aberta einipo ¢ afeta ao homem, E isto, sem prejutzo de outras conexées Wtipite atribuiveis as matérias histéricas e caracterizadas por serem ito ulheias ao principio da causalidade, inclutda a causalidade pe fraco, também esta demasiadamente dependente de existéncia Wi (intes e wn depois na sucessdo temporal — como, por exemplo, pnexOes genéticas, estruturais e mesmo simplesmente emptricas. No quinto capttulo, onde trato da articulagdo entre a verdade, 0 10 ¢ a histéria, mostro que a verdade histérica é tributdria do whos dos tribunais gregos e da veritas da tradigdo juridica latina, suas exigéncias de autenticagdo, de iestemunhos € de garantias. tanto, examino sua instaurapGo segundo duas perspectivas: 1) a ipeciiva objetivista, em que a verdade é do objeto, 0 tempo é do elo ¢ a hisidria é do objeto; 2) a perpectiva subjetivista, em que a lade é do sujeito, o tempo é do sujeito ea histéria é do sujeito. Isto, fa concluir, vo fim do capitulo, de um lado, pela necessidade de pir o objeto ¢ o sujeito da sua pretensa qualidade de fundamento do ihecimento e de métron da verdade; de outro, pela sua substituicdo, 13 na esteira de Borges, pelo préprio tempo que, ae herdar tais qualidades (fundamento e métron), passa a ser o verdadeiro ariifice do discurso e o verdadeiro mestre da verdade hist6rica enquanto tal. De modo que, ao fim e ao cabo deste processo, em que o regime da verdade é profundamente alierado, a veritas, em se iratando da histéria e dicendo respeito ao homem, na sua dupla qualidade de sujeito e de objeto da investigacdo, se revela, enfim, como filha do tempo e obra do homem, cujo sentido é verificagéo tGo-somente, a depender sempre de uma atestacao, que por sua vez se dé no tempo e é conduzida pelo préprio homem (verificag&o = verificare = verus + facere). No sexto capitulo, onde trato das aporias do tempo e da histéria, proponho uma abordagem que, bem conduzida, ficaria imune as mesmas, tanto as reveladas no infcio do livro, quanto aquela que, implicita e virtualmente, parecia nos levar, & guisa de concluséo, 0 capitulo consagrado a verdade. De um lado, as aporias relativas a4 natureza do tempo (é ele um ser ou um ndo-ser?), ao conhecimento do tempo (como conhecer um passado que foi endo & mais, um presente que é e ndo sera mais, e um futuro que serd e ndo é ainda?) etc. De outro, a aporia da verdade, que, numa via de médo dupla, passendo pelo objeto e pelo sujeito, nos conduz ao historicismo, em que a histé entendida como testenunha da verdade do tempo (cf. Cicero: “historia vero testis temporum”'}, depende do prdprio tempo em que a verdade do tempo é testemunhada e revelada. A estas aporias, relativas ao tempo @ associadas 4 filosofia, somam-se outras, relativas a histdria e afetas a historiografia: c narrativa das coisas que ocorrem no tempo depende do préprio tempo em que ocorre a narrativa, a narrativa do tempo depende do tenipo proprio da narrativa etc. Ora, para fazer face a elas, propus simplesmente derivar o tempo histérico da agdo, nos quadros de uma ontologia da ago, peasada numa perspectiva pratico- transcendental, a qual se encarregaria nao apenas de articular os elementos a priori e a posteriori ou mesmo de ajustar o emptrico ao transcendental da experiéncia do tempo e da histéria, mas também de operar os efeitos de distor¢do toda vez que a acdo, em que se enraiza a experiéncia da temporalidade, se transpde e se traduz em linguagem (a narrativa histérica), levanda & cistia da diade tempoleternidade - distorgao em relacdo & percepcdo, em relagdo ao vivido, em relagito ao pensamento, em relagdo a ago. tk 14 ‘Terminando essa apresentacdo, eu ndo poderia deixar de agradecer at todos aqueles que de uma maneira ou de outra me ajudaram na conposigdo deste livro: ao CNP@, por ter financiado parte da pesquisa que nele resultou; aos meus alunos da pés-graduagdo, com os quais dterante unt semesire discuti temas ligados a ele, que muito contributram para o amadurecimento de sua problemdtica; a Newton Bignotio, a quem devo a idéia do livro, bem como um conjunto de sugestOes que Ihe foram incorporadas; a Paulo Margutti e a Hugo Mari, com os quais discuti pontos espectficos ligados a légica, bem come problemas de metalinguagem, permitindo-me a supressao das imperfeigdes; a Cirne Lima, que foi quem me desafiou a pensar a instauragéo do absoluto no tempo ea quem dedico o primeira capitulo, consagrado aa assunto; a itiana Dutra e a José Carlos Reis, por me terem generosamente franqueado parte da bibliografia a que tive acesso; a Hugo Pereira do Amaral, pela leitura atenta dos manuscritas e pelas preciosas indicagées quanto as modificagdes a serem efetuadas; a Emilio Pereira Rezende, pela leitura das passagens relativas a Heidegger; a Hénnio Morgan Birchal, pela competente revisdo do verndculo, do grego e do latim; a Telma, pela compreenstio relativamente ao tempo inconidvel que sua vedagdo nos roubou, pele apoio constante e estimulo permanenie, pelas sugestées, intimeras, que direta ou indiretamente incorporei ao livro. © Autor. 15 CAPITULO I A EXPERIENCIA DO TEMPO E DA HISTORIA 1, A Expetiéneia do Tempo Na Introdugdo as Ciénctas do Esptrito, afirma Dilthey que a intuigao do efémero é a primeira forma de que se reveste a experiéncia humana do tempo e que como um enigma acompanhou ela a trajet6ria da humanidade desde as épocas mais recuadas, No limiar desta intuigao ‘ Psic capitulo € uma retomada do artigo que publicamos na revista Sintese - Nova Fase, no iimero especial consagrado A Culzura e Filesofia, em fins de 1993, Nessa nova ver inoxluzimos pequenas modificagdes que alterara‘n um pouce o centetidoc a forma da antige. Alterou-se 0 contedido, porque Houve aincluszo de varios parégrafos na sua primeira parte, deilicados 4 experiéncia do tempo na modernidade, bern como a mudanea de redagiio de ‘outras tantas passagens, nas dvas partes, com vistasa melhor precisara andliseempreendida, A forma, porque se modificou sua arquiteténica, agora consistindo em. duas partes (e no mais emitrés, visto que a terceira parte, enttio prometida mas n&o executada, foi transformada ‘num segundo capitulo independente) e, enquanto tais, vollando-se para um livre que tata {o-s6 daguestio dotempo e da historia, ao invés de abordar uma problernatica mais ample, como a anunciada em nota naquela oeasido. Contudo, 1s como aqui, foi mantidaa intengio de abordar tal questao fazendo recair 0 acento sobre sens aspectos antropoldgico-existenciais, ‘ao ressalzar as concepgdes © as atizudes da homem ante o tempo ea histéria em diferentes épocase civilizagées. Para compensarms esta amplitude, optarmos 1) porum enfogue tesrico- nistemitico de tais aspectos e atitudes (a0 contririo de histérico-empirico), 2) por sestriagic 0 campo da problemdtica 4 literatura nfo-filoséfica e nio-cientifiea, ainda que no exclusivamente (ao atermo-nos a veitos elementos oriundos do mito, da religiio, do senso- comum ¢ das diferentes formas de expressio literéria) ¢ 3} por reduzir 0 Ambito da andlise ‘cmpreendida ao nivel descritive da experiéncia da temporalidade (antes de sua retomada 2 Ullerior etaboragio pela filosofiae pela historiogcafia). Para trabalharmaos os diferentes aspectos dessa experiéncia “primitiva”, adotamos como operador hermenéutico a dfade tempo! dade (intuigio do efSmero e desejo da eteridade), tonuda come categoriaexistencial ¢ io propriamente metafisica, com 0 intuito ndo s6 de elucidar o sentido da experiéncia do tempo e da histéria nas diferentes épocas evocadas, como também de esclarecer o solo omtolégico-existencial origindrio em que ela se enratza, a saber: 0 mundo davvidae daagio, Por fim, depois de mostrarmos 0 lago de co-pertenca do efémero ¢ doeterno em seu solo origindrio, naexperigneia “primitiva” do tempo e da hist6ria, procuraremes aquilataro quo acontece com tal ago, quando essa experiéncia € retomada ¢ elaborada pela filosofiae pela historiografia, Este problema send tratado e desenvolvido nos eapitulos que seguem, 17 origindria, encontrava-se segundo ele a prépria experiéncia da corruptibilidade da natureza, da fragilidade da existéncia, da precariedade das instituigdes sociais, cujo conjunto atestava, mais além da caducidade das coisas, a acc implacdvel do tempo, com o ciclo de nascimento, crescimento ¢ morte. O resultado foi que os homens desde cedo, ao experienciarem a agiio do tempo, foram levados a buscar explicagdes que dessem sentido a essa experiéncia, sem que, todavia, o enigma do tempo fosse decifrado ou ficasse de todo resolvido O que é digno de nota, porém, nessa experiéncia — e ao que parece Dilthey nao o percebeu, muito embora tivesse destacado em outras ocasides 0 papel da idéia de ponto fixo na elaboragiio das categorias de substincia e de dtomo, para se peasar o elemento permanente que subjaz ao fluxo cambiante das impressdes —, nao é tanto a intuig&o do ef€mero, mas antes a sua negagiio, a procura de um elemento permanente, a busca de um ponto fixo que permitisse aos homens a evasiio do tempo e os colocasse ao abrigo de sua acéo corrosiva. Quer dizer: ao invés de aprofundar aexperiéncia do efémeroe de valorizar o tempoem simesmo e por si mesmo, 0 que os homens desde as épacas mais remotas fizeram, ao experienciarem a presenca fugaz do efémero ¢ a aco corrosiva do tempo, foi dar um jeito de esvazié-las e mesmo de negé-las simplesmente, ainda que soubessem que niio poderiam subtrair-se delas e colocar-se de todo a seu abrigo. Ao contrario do gue imaginava Dilthey, esta busca de um elemento estivel no tem que ver com a natureza do pensamento que precisa de um ponto fixo para pensar o mével e de um elemento permanente para pensar o cambiante, mas, sim, com a natureza profunda do préprio homem, que suporta mal a idéia do efémero, tem uma dificuldade imensa para lidar com o novo, o fortuito e o imprevisto, e fez de tudo para afastar 0 tempo com seu cortejo de sofrimento, decadéncia e morte. Por isso, ao tratar a experiéncia do tempo e da hist6ria, é preciso desfazer-se das idéias, caras aos modernos, de que a experiéncia da temporalidade & uma coisa tranqiiila, limitando-se os homens a assistir 4 acdo de Cronos, impassiveis e resignados; de que o tempo é uma espécie de marco vazio, meio neutro, © lugar onde as coisas duram e acontecem indiferentes a ele; de que a histéria brota da ago dos homens sobre o tempo e do tempo sobre os homens, como se a relagao fosse transiliva, o sentido de sua marcha co-natural e ambos, tempo e histéria, homogéneos. A julgar por uma ampla literatura que nos chegou através da antropologia e da histéria, o que caracteriza a experiéncia do tempo vivida pelos homens arcaico, grego e judaico-crist4o € seu lado trdgico 18 (v deus gue engole seus prdprios filhos: o tempo da queda. danacio € ; 0 fato de ser o tempo uma poténcia que em sua ago \nplacdvel corréi as coisas e tudo marca com o selo do provisério e do elémero; o fato dea historia ser mais uma poténcia que sobrepaira acima ilos homens e os enyolve, do que o meio neutro em que eles agem indiferentes a ele; o fata de o sentido de sua marcha ser menos desejado ilo que temido, experienciando os homens um verdadeiro terror panico histéria e se servindo de todos os meios para subtrair-se dela, se dela 2 refugiar-se num mais além dela, na eternidade, instalada ho lempo ou fora do tempo, pouco importa, onde estariam a salvo de sui agdo corrosiva. De sorte que, tanto quanto a intuigic do ef€mero, 0 desejo da eternidade é constitutivo da experiéncia humana da temporalidade desde as épocas mais recuadas, testemunhando que tal verigncia se dé ao modo de uma dfade ¢ nao propriamente como algo al@ncia tinica ou coisa parecida, a saber a dupla inserigaic do homem e dos negécios humanos no registro do tempo, assentada na caducidade dis coisas, ¢ também no registro do eterno, motivada pela busca do perene e da esiabilidade, que leva A evasiio do tempo ea procura de um Plano no real que se poria ao abrigo de seu campo de agio. A nosso ver, €com a ajuda destes dois operadores hermenéuticos iu tuicdo do efémero e desejo da eternidade — que a filosofia poder ser hem sucedida em sua abordagem da experiéncia do tempo e da historia em seu nivel mais imediato e primitivo, Para tanto, na falta de material disponivel trabalhado pela prépria filosofia com vistas a tal diade, bem chmo ao aspecto antropolégico-existencial da experiéncia da temporalidade, nio nos restou outro caminho senio buscar socorro alhures, No caso, no campo da antropologia e da hist6ria da religiao, numa obra que soube como poucas pér em relevo a ambivaléncia da experiéncia humana do tempo e da histéria, destacando o lugar do émero, o papel da evasao do tempo € o sentido ca busca da eternidade, i saber: O Mito do Eterno Retorno, de Mircea Eliade. As outras obras ‘| que recorreremos, pertencentes desta feita A filosofia, ainda que de indole distinta e de aplicacdo mais restrita, so O Desejo da Eternidade, dc Ferdinand Alquié, e A Ordem do Tempo, de Krzysztof Pomian. Em sua obra notavel, vigorosae de grande forca especulativa, Eliade nos Mostra que os homens de todas as idades e latitudes tudo fizeram para pér-se 8 margem do tempo e, A tinica excegdo talvez dos modernos, sempre olharam a histéria com desconfianga, vendo nela nao © meio indiferente as coisas que o habitam ou a sede de poténcias favoraveis aos homens, mas uma poténcia demonfaca, uma casa de horrores, um Morte ete evad 19 / poder terrificante que s6 lhes traz infelicidade, com seu cortejo de guerras, doengas, sofrimentos e morte. Esta experiéncia de terror panico face a historia, segundo Eliade, pode ser atestada em todos os quadrantes do planeta, sob todos os céus, em todas as idades ¢ em todos os lugares — nas chamadas sociedades primitivas, nos grandes impérios do oriente, na antigiiidade classica, no ocidente cristéo, no mundo islamico, nas Américas etc. Ora, tamanha extensio nos sugere algo mais do que uma simples resisiéncia hist6ria, um mero sentimento negativo ante o poder nefasto do tempo, porém uma disposicao profunda da natureza humana que, qual uma carapaga, esté aparelhada nao propriamente para integrar e assimilar o tempo, mas para barrd-lo e subtrair-se dele, sob pena de nele desintegrar-se por completo. Pode-se dizer que essa disposigdo da natureza humana, cujos 6rgios é mecanismos funcionam como uma carapaga para se proteger do tempo e da historia, é andloga a fixag&o dos indivicuos em espécies no mundo da vida e a instalagdo de estruturas no mundo das coisas. Integram esses dispositivos o instinto, o habito, a meméria, o esquecimento, e também a consciéncia. Como atuam e€ o que efetuam estes € cutros dispositivos é 0 que vamos ver na seqiiéncia. Comecemos pelo instinto e pelo habito. Se é verdade, como diz Alquié, que — diferentemente do instinto, que é um puro automatismo sem relag&o com o passado e a mera repeti¢o do presente — o hAbito é 0 passado pesando sobre o presente ¢ fixado no presente, nado é menos yerdade que a fungio de ambos € parecida na luta da vida contra o tempo: negando a mudanga, elevando-se contra o devir e insurgindo-se contra © novo e o imprevisto, ambos terminam por instalar uma certa continuidade na ordem do tempo, uma certa fixidez no modo de ser dos homens e uma certa permanéncia no curso das coisas humanas, dando origem ao que os gregos chamavam de éthes, uma espécie de segunda natureza em que os homens se p6em ao abrigo da agéio do tempo e da atividade desintegradora da historia. J&éameméria deve ser vista nao, sem mais, como o 6rgdo do tempo e do passado, como quer H. Arendt,’ mas, sim, como diz Alqnié, a faculdade do eterno e do presente, que conserva 0 passado no presente ¢ o faz aderir a nds, a ponto de se confundir conosco. E mais; uma faculdade que s6 mais tarde, nfo sem opor resisténcia, vai reconciliar- se com a hist6ria, dissociar-se do presente e abrir-se ao passado, Jomo quer Arendt, ¢ também Arist6teles, em que cla se apdia, que foi, a0 que parece, 0 primeiro a fixar os Ingos entre a memériao tempo. Sobre este ponto, ver VERNANT. Mythe et pensée cher tes grecs, p. 136. 20 iando um passado morto estranho a nds e procurando animd-lo e Ihe vida por si e em si mesmo, como viu muito bem Le Goff. Quanto ao esquecimento, € preciso ver nele antes de mais nada 0 0 di memoria, a faculdade que permite apagar 0 tempo ou, ao menos, impossibilidade de apagé-lo de todo, esvazid-lo ou empalidecé-lo, Mitiido aos homens, como diz Eliade, suport4-lo como umadimensiio existéncia, mas sem interiorizd-lo e transforma-lo em consciéncia. Preciso também yer em sua agio nfio uma atividade puramente uma espécie de esponja que apaga a meméria e desfaz as ‘cay do tempo, mas uma atividade positiva que instala o eterno e se Fe ao ser, animada pela sede do éntico ¢ pelo desejo de permanecer, Hino 1O-1o mostra.a atitude do homem arcaico que, com o mesmo fmpeto i que se esforga por lembrar-se dos gestos inaugurais dos seres Fijuetipais e guardd-los na meméria, se esforga também por se esquecer BApagar a memoria de tudo aquilo que cai no tempo e trazoselo de sua Aclio corrosiva: 6 novo, o imprevisto, o efémero. H:ique se destacar ainda, e sobretudo, a consciéncia, em que é preciso Yer, como o nota Alquié, a faculdade do eterno por exceléncia, com seu poder notdvel de se desprender da cadeia temporal e de se furtar agdo do tempo, sendo-Ihe indiferente marchar de frente para tris ou de tras pur frente, desafiando toda cronologia, pondo-se no passado, instalando- 46 no futuro, refugiando-se no presente. Por fim, & preciso assinalar o papel da linguagem, extensfio da eonsciéncia e também da meméria, cujo poder de instalar acontinuidade do \empo foi apontado por Gadamer, bem como também se deve pérem felevo 0 papel de instituigdes como a familia, o Estado, a economia elc., qué naéo somente se furtam ao tempo, mas ainda se voltam e se organizam contra ele, assegurando outros tantos elementos de permanéncia e de coesfo, sem os quais a humanidade ficaria desprotegida e nele se desintegraria, Embora nfo soja dotado de um érgao a nfvel dos sentidos para marcar © tempo, deficiéncia que é suprida pela consciéncia; ainda que a consciéncia do tempo seja algo tardia, adquirida pela crianga, como tostrou Piaget, na segunda infancia, em torno dos sete anos — o homem. desde as épocas mais remotas estava aparelhado para pensar a individualidade e a caducidade das coisas. Por um lado, os érgios dos sentidos dio aos homens a capacidade de notar a individualidade. Por outro, a consciéncia dé-lhes o poder de marcar a caducidade das coisas — poder e capacidade que, em verdade, nao sio infinitos, haja'vista que os homens nao podem representar o tempo, menos ainda a ago do tempo, 21 a nao ser indiretamente, por meio das coisas e dos efeitos do mesmo. sobre elas. Ora, assinala Eliade, o que é notdvel na meméria coletiva dos povos, em que pesem a esses poderes, é que ela dificilmente retém os acontecimentos “individuais” e personagens histéricos “auténticos”. Isto porque ela funciona de uma outra maneira, mediante estruturas diferentes: categorias ao invés de acontecimentos, arquétipos ao invés de personagens histéricos. Este trago da meméria dos povos, de no aceitar o individual e nio conservar senfio o exemplar, reduzindo os acontecimentos as categorias e preferindo as individualidades os arquétipos, pode ser atestado nio apenas na mentalidade arcaica, mas também em nossos dias, em comunidades mais avancadas em civilizagdo e cultura.’ Sintoma disso, segundo Eliade, € 0 fato de que a lembranga de um aconteeimento hist6rico ou de um personagem auténtico n&o subsiste por mais de dois ou trés séculos na meméria dos povos. Depois simplesmente se converte em mito, sendo o personagem histérico assimilado ao seu modelo arquetipal (herdi) e 0 acontecimento integrado na categoria de agao mitica (faganha), a exemplo do principe de Gozon, a quem a lenda atribui ter morto um dragio e em quem vé uma espécie de Sao Jorge.* Por isso, a0 contrério do que se pensa, a meméria coletiva é profundamente a-histérica: além de nao conferir nenhuma importéncia As lembrangas pessoais, ela néo retém os acontecimentos e as individualidades histéricas sendo na medida em que os wansforma em arquétipos, isto 6, namedida em que ele anula todas suas particularidades histdricas e pessoais.’ Nas sociedades arcaicas tudo se passa como se existissem dois tempos: um tempo “fraco”, povoado de acontecimentos e entes banais, no qual os homens levam uma vida anddina e sem importancia (tempo profano); um tempo “forte”, povoado de acontecimentos extraordindrios e habitado por poténcias sobrenaturais, cujos atos os homens devem imitar e cujos perigos devem conjurar (tempo sagrado). Mas nao € bem assim, pois estes dois tempos, longe de se escandirem em duas ordens separadas, sio na realidade um s6 e mesmo tempo, simultaneamente sagrado e profano, e trés sdo as notas que o qualificam: realidade, continuidade ¢ reversibilidade. Em seu livra Comentdrio da Lenda do Mestre Mano!o, Mircea Eliade nos dé elementos para pensarmas essas trés notas do tempo 3 Cf ELIADE, Le mythe de l'éternel retour, p. 58-59, 62-63, + Tbidem. p. 53. 5 tbidem. p.61-62 22 mitico, tal como ele é experienciado pelo homem primitivo, 4 luz de certos mitos cosmogOnicos de fundagao do mundo, a partir dos quais nosso autor tenta explicar os lagos entre 0 mito, 0 rito eo tempo. A nivel do mito, frisa Eliade, nds vamos encontrar subjacente cle uma espécie de teoria segundo a qual nada no mundo € real e pode durar se nao é animado, se nao esté dotado de uma alma que 0 anima e lhe da vida desde dentro.‘ No plano do rito, embora Eliade niio 0 explicite, pode-se dizer que se pressupde que o suplemento de alma indispens4vel 4 durag%o do real é obtido por meio de um ato (sacriffcio), que repete por imitagdo o ato primordial mediante © qual os deuses criaram o mundo e deram vida as coisas. No que lange ao tempo, admite-se que o tempo concreto e profano pode ter scu curso suspense € os acontecimentos podem ser revertidos com a ajuda de um conjunto de atos apropriados (ritos) que, ao repetirem © gesto inaugural cumprido pelos deuses quando da criacdo do mundo, nos instalam num tempo primordial, num tempo segrado situado in illo tempore, ab origine, no qual occrreu a criagHo do mundo.’ A assinalar que € através da forga magica do rito que esse tempo primordial é reatualizado e fica assegurada a continuidade do mundo no tempo. Tao forte é essa necessidade, que os deuses tém suas forgas exauridas em seu esforgo de criar 0 mundo ¢ de nele terem de intervir a todo instante, ao fim de cada ciclo, no comeco de cada ano, sob pena de o mundo desaparecer, se suas forgas nao sao renovadas ou reanimadas. Sendo assim, habitado por poténcias sobrenaturais que agem sobre 0 curso das coisas e o mundo dos homens, o tempo € uma realidade concreta e sua agio afeta os homens e as coisas; nutrido por forgas animicas que dao vida as coisas e permitem a continuidade do mundo, 0 tempo € um continuum e seu sentido duragdo; por fim, podendo ter Scu curso suspenso e revertido, ligando o fim 2 origem e o resultado ao comego, 0 tempo, além de continuo, é reversivel, repeticao do ciclo e elerno retorno. Destas trés notas do tempo mitico, a mais singular e talvez a mais desconcertante para nds, modernos, é a idéia de reversibilidade e a figura da temporalidade que a acompanha: a do tempo circular, A obra de Eliade abunda em exemplos deste jaez entre os povos primitivos. N&o nos sendo possivel determo-nos neles, limitamo-nos a remeter o Ieitor a estas piginas notiveis e a pér em relevo o papel * BLIADE. Le mythe de l'éternel retour, p. 32. ‘Ibidem. p. 33. 23 N86 instante; reintegré-la na unidade primordial da qual ela saiu; as palavras, voltar ao ‘caos’ (no plano césmico), a ‘orgia’ (no social), as “trevas’ (para as sementes), a ‘Agua’ (batismo no plano no, ‘Atlantida’ no plano histérico).”"” Podemos facilmente compreender o sentido dessa experiéncia da srttlidade vivida pelo homem arcaico, bem como o motivo que governa fiquctipos da repetigéo em todos os planos: césmico, bioldgico, leo, De um lado, a anulagio da caducidade das coisas pela regeneragaio daquilo que 0 nosso autor chama de arquétipos da repetic¢fa, com cuja ajuda o homem arcaico elabora a experiéncia do tempo e confere sentido 4 historia. Segundo Eliade, 0 trago que mais chama a atengao dos estudiosos da experiéncia da temporalidade das sociedades tradicionais € a sua revolta contra o tempo concreto quotidiano, sua nostalgia de um retorno periddico ao tempo sagrado das origens, ao Grande Tempo. E mais, prossegue Eliade na sua andlise da regeneragiio do tempo, levada a cabo no capitulo II: “Em tiltima instancia, nés deciframos em todos tunle do seu ser. De cutra, a anulagao da inreversibilidade do tempo estes ritos ¢ em todas estas atitudes a vontade de desvalorizagio do Fetorno cfclico ao seu comego, a sua origem. Na realidade, a anulagdo tempo. Levados a seus limites extremos, todos os ritos e todos os Paducidade das coisas e da irreversibilidade do tempo vao juntas: é pela comportamentos que assinalamos acima se susteriam no seguinte jersilo do tempo que a caducidade dos seres é anulada e é pela anulacéo enunciado: ‘se nfo lhe concedemos nenhuma atengo, o tempo nio eaducidade das coisas que o tempo € revertido. Segundo Eliade, é existe; ademais, 14 onde o tempo se torna perceptfvel (pelo fate do lainente isso que nos mostram todas as concepgGes césmico-mitoldgicas ‘pecado’ do homem, isto é, quando o homem se afasta do arquétipo e es: “Tudo recomega em seu infcio a cada instante. O passado niio é cai na duragdo) ele pode ser anulado’. No fundo, se a olhamos em sua a prefiguragao do futuro. Nenhum acontecimento € irreversivel e verdadeira perspectiva, a vida do homem arcaico (reduzida & repetigao huma transformagéo é definitiva. Num certo sentido, pode-se mesmo de atos arquetipais, isto ¢, as categorias e ndo aos acontecimentos, 2 izer que no se produz nada de novo no mundo, pois tudo & apenas a incessante retomada dos mesmos atos primordiais etc.), embora ela se jpelizdo dos mesmos arquétipos primordiais; esta repeti¢ao, ao atualizar desenvolva no tempo, nao carrega seu fardo, nao registra sua ‘A inomento mitico em que o gesto arquetipal foi revelado, mantémo mundo irreversibilidade, em outras palavras no tem nada que ver com o que é fi mesmo instante auroral dos comecos. O tempo somente torna possivel precisamente caracteristico e decisive na consciéncia do tempo (quer 4 uparigdo e a existéncia das coisas, Ele nao tem nenhuma influéncia dizer, na “nossa” consciéncia, moderna — ID). Como o mistico, come decisiva sobre essa existéncia— jd que ele mesmo se regenera sem cessar.”"" © homem religioso em geral, o primitivo vive num contfnuo presente.” Mais & frente mostraremos o lago que une a experiéncia do tempo e Um bom exemplo disso nos d4, segundo Bliade, uma série de mitos ila hist6ria nas sociedades arcaicas. Por ora cabe concluir, com Eliade, lunares que vamos encontrar espalhados em przticamente todas as five nos mostra que essa desvalorizagiio do tempo 6 acompanhada do Sociedades arcaicas, nos quais reconhecemos a mesma tentativa de lesejo do homem primitivo de evadir-se da histéria. Pensados do ponto estabelecer um paralelo entre as fases da lua (apari¢do, crescimento, ile vista do modelo dos arquétipos, tais aspectos da experiéncia arcaica diminuigao, desaparicao, seguida de reaparigéo depois de tres noites de Jo tempo e da histéria nfio podiam ser diferentes: do lado do tempo, 0 trevad) © 26 Eases da, humanidade (aparicno, desaparigt, reapanicho), inquétipo leva a idéia de queds; do lado da histéria, @ idéia de Sesempenhanda) me pel derisivong labo ragao das aoncenoes cicheas afastamento — queda e afastamento do arquétipo. Daf a desvalorizacao dla temporalidade. “Na perspectiva lunar” — escreve nosso autor — “2 pice et ecclesia Wt. montede homem, assim Samoa morte darbumanidade, al necesteias, Contudo, esta desvalorizacio e esta anulaciio nao levam & perda do tanto quanto 0 sao 0s trés dias de trevas que precedem o ‘renascimento’ si.6.8 etiniinNGAG Go temps, magi inslalacto de v lidadeed da lua, A morte do homem e da humanidade sio indispensdveis a sua ee re a aaa ln HEROS Ie Rerrae Ce y i uma temporalidade superiores: a ordem da eternidade, instalada nao regeneragao. Uma forma, qualquer que seja ela, pelo fato mesmo de fi ae ora do tempo, mas no tempo, no tempo sagrado das origens (“in illo que ela existe como tal e de que ela dura, se enfraquece € se desgesta; * pee ee at 2 para retomar seu vigor, é preciso reabsorvé-la no amorfo, nem que seja (empore, ab origine” — dird Eliade). Platonismo avant Ia lettre, por " ELIADE. Le mythe de i'éternel retour, p. 107-108. * ELIADE. Le mythe de érernel retour, p. 9. 3 . " Ibidem. p. 198-199. "Thidem. p. 104-105, 24 3 trés dos arquétipos temos, portanto, niéo um gosto extravagante pela imitagdo indefinida de entes irreais (os arquétipos), mas algo bem mais profundo ¢ bem mais visceral: o desejo firme do homem areaico de manter 0 contacto com o ser, a sede insacidvel do real, o medo de se “perder” deixando-se invadir pela insignificncia da existéncia profana. Escreve Eliade: “Pouco importa se as {6rmulas e as imagens pelas quais 0 ‘primitivo’ exprime a realidade nos parecem infantis e mesmo ridiculas. Fo sentido profundo de seu comportamento que 6 revelador: este comportamento é regido pela crenga numa realidade absoluta que se opde ao mundo profano das ‘irrealidades’; em tiltima insténcia, este Ultimo nao constitui um ‘mundo’ em sentido préprio; ele é o ‘irreal’ por exceléacia, o nio-criado, 0 ndo-existente: 0 mada.”? A intuigdo do efémero e a evasio do tempo, por certo, também caracterizam a experiéncia grega da temporalidade, e essa ambivaléncia poderia nos fazer acreditar, com razfio, que 6a mesma a experiéncia da temporalidade e que é a mesma a atitude diante do tempo, no havendo, portanto, maiores diferengas entre o homem arcaico € rude © o homem grego e civilizado a este respeito. Esta é a convicgao de Eliade, que v8 disseminada em todo o mundo helénico, a excegdo de uma meia diizia de filésofos e bem-pensantes, a presenga desses mesmos arquétipos da repeticio, que leva & desvalorizacao do tempo e a recusa da historia: apresencada mesma figura da temporalidade, se nao circular, ao menos cfclica, que leva 4 suspensio do devir ¢ 4 anulacHo da irreversiblidade da histéria;" a presenca da mesma sede 6ntica do perene, do mesmo desejo de manter 0 contacto com © que existe desde todo o sempre e por todo o sempre, da mesma vontede de instalar um ser estavel, eterno e sem lacunas, que leva a evasdo do tempo ea saturar todas as formas do devir pela co-presenga sempiterna do ser." Em seu afa de reduzir e aplainar as diferengas, seduzido pela fertilidade de sua descoberta (arquétipos da repetigao), vitima de sua nostalgia dos tempos em que imperava inclume a crenga no sagrado e a forga constringente da eternidade, Eliade nZo hesita em ver na experiéncia grega do tempo a presenga do mesmo “regime ontolégico do arquétipo”, a ponto de dizer que “a teoria grega do eterno retorno & a variante tiltima do mito arcaico da repetigio de um gesto arquetipal, da mesma forma que a doutrina platOnica era a Ultima verso da " BLIADE. Le mythe de téternel retour, p. 111. "Sqbidem. 9.41. bide. p. 145. 'SThidem. p. 146. G80 do arquétipo, e a mais claborada.”'® hora a ressonancia da doutrina arcaica dos arquétipos em Platiio ‘fiosnu ser negada; ainda que o desejo de anular a caducidade das © a fentativa de evasio do tempo caracterizem tanto a atitude do aicaico quanto a co grego civilizado — nflo se pode dizer que a ‘énvia da temporalidade vivida pelo mundo helnico sejaa mesma, que, se o regime dos arquétipos ainda impera, a experiéncia do rilretanto acompanhada de novas e importantes modalizagoes. Eom efeito, em que pesem as dificuldades not6rias de se falar da Fléncia de algo que j4 passou, sobretudo de algo tio abstrato e foricinte como o € a experiéncia do tempo, cujas tentativas de HHMiLuig&o, por mais timidas que sejam, esbarram em dificuldades ¢ Hatigos de toda sorte, a comegar pela falta de documentaciio e de fps ubundantes € confidveis, pode-se ndo obstante dizer que, mais Wi) da continuidade apoatada por Eliade, hé um conjunto de dililicagdes na experigncia grega do tempo que no podem ser eligenciadas ea que Bliade nao parece atribuir a devida importancia. io reservamos ao segundo capitulo a claboragdo da experiéncia do po e da histéria pelos historiadores e fildsofos, incluidos os gregos, fos nos ater aqui ao que se poderia chamar de concepgdes nado- los6licas e nao-cientificas da temporalidade. Para tal, buscamos apoio i cminente helenista inglés, G. E. R. Lloyd, que no ensaio Le Temps duns la Pensée Grecque, publicado pela Payot em 1975, como parte de fife obra coletiva patrocinada pela Unesco, dirigida por Paul Ricoeur e iitulada Les Cultures et les Temps, nos oferece preciosos elementos fra pensarmos a experiéncia grega da temporalidade, permitindo-nos iitizar as afirmagdes de Eliade, ainda que sem contradizé-las por Pompleto. A comegar pela figuragfio do tempo, com a introdugdio de um conjunto ilo inovagdes ligadas ds nogdes ou idéias que Ihe dao estofo, bem como fom o acréscimo de um elenco de formas, esquemas e artefatos que Ihe fo cxpressGo, os quais terminam por incidir de uma maneira ou de ‘Huta sobre a concepgdo mesma do tempo, franqueando novos elementos do devir temporal e ratendo aspectos do mesmo cuja existéncia, em parte pelo menos, a mentalidade arcaica sequer suspeitava. InovagGes importantes, com efeito, conforme veremos na seqiiéncia, das quais se porle dizer, sem exagero, que, se nfio levam todas elas, em seu conjunto, A instalagdo de algo absolutamente novo, pois parte delas consistiu na " ELUADE, Le mythe de l'éterne! retour, p.146, 27 reelaboragéo da experiéncia arcaica, jd sedimentada na tradi¢ado, pel menos desautorizam-nos falar de continuidade pura e simples entre experiéncias grega e a arcaica, como quer Eliade. Eliade que, de resto, confunde 0 ciclo com 0 circulo e faz mengao ao eterno retorno como st estivesse diante de uma seqiiéncia de ciclos, e nado de um cfrculo imagem de um anel simbolizado pela serpente enroscada. Assim, por exemplo, a introdugao da nogio de idades, por Hesfodo, nos quadros de uma narrativa mftica racionalizada leva a transformagio, do efreulo, em que se encerrava 0 tempo arcaico, em uma seqiiéncia di ciclos com intervalos fechados que por assim dizer se lineariza em uma série de tempos distintos entre si, impedinco uma repetigio no sentido préprio da palavra, pois se é verdade que as idades se sucedem para formar um ciclo completo que recomega uma vez acabado, a repetigio pode se dar seja na mesma ordem, seja na ordem inversa.”” Assim, também, leva a linearizagiio do tempo a introdugio da nogio de irreversibilidade do envelhecimento, pela literatura grega desde Homero, na qual, segundo Lloyd, abundam passagens comoventes sobre © cardter transitério da juventude, a aproximagdo da morte inelutavel e a marcha inexordvel do tempo, isto bem antes do cristianismo e mais ou menos contemporaneo do judafsmo, porém sem qualquer ligagéo com a tradig&o judaica. Assim, enfim, a introducio da nogio de quantificacio do tempo, junto com outros povos, pela invengao do calendario, da clepsidra etc., que conduz & instalagao de uma métrica fundada na combinagiio dos esquemas lineares e circulares, mediante os quais se confere expressio as regularidades da natureza e do préprio tempo considerado in abstracto (os ciclos da natureza que se repetem, a existéncia das coisas na linha do tempo, o tempo que se abstrai, se adiciona e flui sem cessar para a frente etc.). '7Cf. ATTALL. Histoires dit temps, p. 28. Cf. também VERNANT. Mythe ef penseé chez es grees, p.23, onde oautor, aproximando Hesfodo de Platio, faz as seguintes observagdes arespeito das ragas (“idades”) no poeta em sua conexio com o problema da temporalidade e da decadSneia dos homens: “La succession des races dans le temps repreduit un ordre hi¢ravchique permanent de I’ univers. Quant’ la conception d’une décheance progressive et continue, que les commentateurs s’acordent & reconnaitre dans le mythe, elle n’est pas seulement incompatible avec I’épisode des héros (on admettra difficilement qu’ Hésiode ne s‘en soit pas apercu); elle ne cadre pas davantage avec la notion d'un temps qui n'est pas linGaire, chez Hésiode, mais cyclique. Les figes se suecdent pour former un cycle complet qui, achevé,recommence, soit dans le méme ordre, soit plut6t, comme dans le mythe platonique du Politique, dans ordre inverse, le temps cosmique se déroulant alternativemnent dans un sens puisdans l'avire.” 28 De modo que nada é mais erréneo do que a idéia de que os gregos s6 flicciam a figura do tempo circular, a exemplo dos povos arcaicos, ¢ cilerenga dos judeus e dos cristdos, que lidavam com a figura do feinpo linear. Além do circulo, lidavam com 0 ciclo ¢ a linha, e a Foexist€ncia um tanto conflitiva destas trés figuras da temporalidade fos «i uma primeira idéia do aprofundamento da experiéncia do tempo jperada pelos gregos, a qual se verticaliza, ganha profundidade e adquire densidade tal que a idéia de continuidade face as sociedades arcaicas Mo resiste a uma andlise mais detida dos poucos testemunhos que sheparam as nossas maos. Uma segunda idéia do aprofundamento da experiéncia da lemporalidade nos € dada pelas inovagGes introduzidas pelos gregos no ‘ipo semantico do tempo e, enquanto tais, afetas a linguagem. Se o homem arcaico se satisfaz com pontuar 0 tempo em um tempo fraco ¢ lim tempo forte — profano, um; sagrado, 0 outro —, os gregos, nao anlisfeitos, tratam de ampliar o léxico do tempo, com a introdugao de fermos que traduzem novos aspectos da experiéncia da temporalidade 6, assim, modalizam o tempo. O primeiro ¢ mais importante deles ¢, sem dtivida, chrénos," grafado vom chi, termo introduzido por Homero, como nos lembra Lloyd, para designar os intervalos de tempos em seus diferentes aspectos.’” Outro terme € 0 discutido Krénos, grafado com kapa, introduzido por Hesfodo na Teogonia en’ Os Trabalhos e os Dias, para designar “o «cus de pensamentos funestos”, “‘a divindade que devora seus préprios lilhos”, “‘o mais temfvel filho dos céus”, sobre o qual se instalou a polémica de se Krdnos é ou nao é o deus do tempo. No entanto, mesmo «ue se admita que Hesfodo n&o tenha feito de Krdnos o deus do tempo ilas to-s6 um “‘deus astucioso” e que, a exemplo de Homero, ele emprega para designar o tempo 0 termo chrénos, que nunca aparece propriamente como nome préprio (personagem) ou assumindo a fungio gramatical de sujeito, na tradicdo deu-se livre curso a divinizacao do tempo, levando assimilagdo de um e ée outro termo, quando, & nogio de intervalo ritmado por ciclos e cadenciado por rupturas na série de ciclos, sugerida pelo mito das racas, se acresce um fundo trdgico ao fluxo temporal (por 'S Bete pardgrafo sofreu pequena, mas significativa alteragio com respeito & red: apareceu originariamente na revista Sintese - Nova Fase, id citada, com yistas a corrigic imprecisbes histéricase eonceituais, notadamente em relagiio « Homero e a Hesfode, ‘Cf. LLOYD. Le temps dans Ia pensée geecque, p. 136. que 29 que nasci nesta época, na idade de ferro, em meio a tantos sofrimentos, © nao antes ou depois?, perguntava o poeta, desconsolade, n’Os Trabathos ¢ 0s Dias).” Outro termo relativo ao tempo, aparentemente sem qualquer relagio com Homero ¢ Hesfodo, € 0 Chrénos da teologia érfica,” introduzido depois, este, sim, um deus, que deu origem 4 nogao de um tempo que nfo envelhece, imortal, imperecfvel e eterno, simbolizado por uma serpente gue, qual um anel, se fecha em cfrculo ao se enroscar sobre si mesma, €, como tal, um tempo nao franqueado aos homens, que nascem, crescem ¢ morrem, sem conseguirem juntar ocomeco e 0 fim do tempo.” Foi com a ajuda destes termos de ressonfncia mitolégica que os gregos organizaram sua experiéncia da temporalidade em seus aspectos qualitativo e quantitativo, constituindo-se numa espécie de nucleo semantico primitive, em torao do qual vo gravitar as outras nogées. Niicleo um tanto contraditério e confuso, é verdade, pois termina por fundir duas tradig6es que pouco cu nada tém que ver entre si, Uma, a homérico-hesiddica, falando de um tempo que ¢ co-extensivo ao mundo e & de alguma forma filho dele; outra, aGrfica, de um tempo que preexiste ao mundo e esté na origem dele, como 0 pai na do filho. A estas tradigGes se junta uma outra, também de origem mitoldgica, ligada a Okéanos, 0 rio do tempo que escoa sem cessar e arrasta tudo atrés de si, em seu leito insacidvel de morte, figura que terminou por associar-se ao Chrénos * A respeito da Teugonia de Hesfodo e do problema da temporalidade, ver 0 estado de Jan Torrano, publicado como introdugio a ediedo brasileira da Ed. Iuminuras, Sao Paulo, 1992, especialmente as pa:tes VI, Ville VIIL A respeite da telagio (falta de) entre 0 Krénos de Hesiodo ¢ o problema do tempo, ver ROMILLY. Le temps dans la tragédie grecque, notadamente, 41, onde a autora faz cruditas observacées sobre a natureza a-temporal de Krdnos e sua “personificaciio” (deus do tempo), ocortida depois, malgrado Hesfodo. A respeito do problems do tempo em Hesfcdo e nos gregos, cf. VERNANT. Mytfte et persed chez les grecs, especialmente os cap. I(p. 22 et seq., 40, 42, 48-55, 78-79) ¢ II (todo), onde. o autor dedica atengiio especial adifezentes espectos do mesmo, desde o mito das mgas até os aspectos mitico-temporais cla meméria Sobre adivinizagio do tempo na teologia drfica, suaaproximagio coma tradigdio hesiédica 0 papel de Ferécides, ver JAEGER, La teologia de los primeros fildsofos griegos, p. 72- 73, onde 0 autor faz preciosas observacdes a respeite da assimilagio de Krénos a Chrdnos, quando o “deus astucioso” da poeta se converte em “deus do tempo”, por simples jogo etimolégico. Sobre 0 significado de Chirdnas na tradigdo drfica cem Ferécides, ver também VERNANT. Mythe et penseé chez es grecs, p. 127, ondeo autor mostra que, aexemplo do mesire de Fitagoras, Chrdnas desempenha nasteogorias drficas « mesmo papel de principio das coisas. Scbre 0 Chrdnos dos 6rficos ¢ de Ferécides, o Krinos de Hesiod 0 tempo-deus dos iranianos (Zervan), ver ROMILLY. Le temps dans fa tragédie grecque, p. 36-37, ondea autora, apoiando-se em Jaeger, afirma queo ‘empo-deusde Ferécides é, em verdade, menos expressiio de uma tradigéio viva doquea invengéo brilhante de um pensador original. # ATTALL Histoires du temps, p. 33-34. 30 OY. Le temps dans la penseé grecque, p. 136. Grfica, como lembra Vernant.” Tais tradigdes, ainda que ei sua indole, foram sintetizadas por Cicero numa maxima | cuijo fundo tr4gico marcou definitivamente 2 concepgfio antiga wfalidade, dos gregos aos romanos. Ei-la: o deus que engole (08 Hilhos — escreve Cicero — é “o proprio Tempo, o tempo el de anos, que consome todos que nele se escoam”.™ eates termos e figuras bastante conhecidos, Lloyd cita aidn, que acabou por designar, segundo ele, a duragdo da vida, a A gergéio, © que em Plato € outros pensadores posteriores 4 designar também a eternidade.* Por fim, duas palavras das por Homero, igualmente importantes: émar, utilizada para #0 dla, ¢ Adra, usada para designar seja as estagdes do ano, seja filo que convém a uma ago ot a umaatividade, como o momento F Lim relato ou oO tempo do casamento.”* Poder-se-ia acrescentar, # lermo kairds, de uso corrente nos sofistas, designando o instante giado, 0 momento mais oportuno para tomar uma decisio ¢ adear uma agio.” aa jnovagoes (as figuras da temporalidade e o campo semantico ipo), além de nos ajudarem a compreender o aprofundamento da Fifiicin da temporalidade, permitem-nos esclarecer também o «i evasio do tempo empreendida pelos gregos, sem que, ainda s@ possa falar da presenga de um mesmo arquétipo da repetigao, | quer Eliade, fique avtorizado algo como uma linha continua a 4) tiundo grego as sociedades arcaicas. A idéia de ef8mero, por fiple, é conhecida dos gregos, que tém inclusive palavras apropriadas Hlesignd-la, como ephemérios e epheméros (0 que dura um dia), i10-se tanto aos homens quanto as coisas. Lembra-nos Lloyd que de Chrénos esua aproximagio a Okéanos, ver VERNANT. Mythes et Jes grees, p. 127-128, onde aparece a seguinte observagio: “Il ne faut pas se suvla portée de cette divinisation de Clirénoset sur importance nouvelle pietée ips dans ce type de théogonie. Ce qui est sacralisé, c'est le temps quine viellit pas, le Hymortel et impérissable chanté dans les po&mes orphiques sous Je nom de Chriénos das, Semblable Aune autre figure mythique, le fleuve Okéanos, quienserre tout univers equrs infatigable, Chrénos.a aspect d'un serpent fecmé en cercle surlui-méme,d’un i et liant le monde, fait du cosmos (,..} uae sphére unique étemelle.” lo por ATTALL, Histoires du remps, p. 33. | bailigo de TORDESILLAS. L’instance temporelle dans!’ argumentation dela premigre He la weconde sophistique: la notion de kairds", p.31-61 31 Jes teria uma existéncia superior, lembra-nos Lloyd, que cita 0 amano de Aquiles, proclamando que é preferivel ser escravo na fi ser rei entre os mortos.* tra forma de evasio do tempo igualmente buscada é a evasiio na ena 0, vale dizer na obra de arte ¢ na acao moral e politica, § hse na idéia de que os homens passam e as obras ficam, e de que Homero compara a geragfo dos homens ao crescimento e queda das folhas e sustenta que a oposicao fundamental entre os homens e os deuses reside no fato de que aos homens estao reservadas a velhice e a morte odiosas, ao passo que aos deuses, n&o.* Por sua vez, Hesfodo diz que os homens da raga de ferro ja nascem velhos e cansados, em meio a toda sorte de doengas e males, condenados A fadiga do trabalho, e que suas penas s6 terfo fim no dia em que Zeus anigiiilar esta raga, no A Teputacao ou exceléncia da ag3o pode resistir ao tempo e durar tempo em que eles nascerem com as témporas brancas. Por fim, Séfocles, mente.” Este desejo de imortalidade, que é visto como a na pega Edipo em Colona, 130 6 menos eloqtiente ao pr na boca de seu gio da eternidade no tempo, além de ter dado origem a esta idéia desafortunado herdi duas frases que exprimem com raro vigor © poder: ic perfeigao da obra e do agente, a exemplo do ideal de destruidor do tempo, do qual s6 escapam os deuses. Diz Edipo: “Somente (a, que sé realiza aqui e agora na existéncia temporal do varaio os deuses estio livres da velhice e da morte; todas as coisas, afora eles, dna raiz do nascimento da crOnica e da historia enquanto esto envoltas pelo tempo soberano. A forga da terra se esgota, 0 vigor do 108 lilerdrios — a primeira com fins laudatérios; a tltima com corpo se esgota; a confianga enfraquece, a desconfianga floresce.. 22 Por 4 perenizar 2s ages e as obras dos homens naquilo que elas t&m sso, cnscios embora de que 0 tempo € 0 pai de todas as coisas, de que Hligno de ser lembrado e legado & posteridade, dependendo, pois, naio nada pode contra sua poténcia soberana que faze desfaz, semeando por § do indivfduo poderoso que a encomenda, mas do revonhecimento toda a parte os males bem como os remédios capazes de repard-los, lieo dit potis e dos seus concidad: como a morte e 0 esquecimento, os gregos ainda assim, com medo de} ‘Tul é, pois, o sentido da experiéncia do ef@mero e da evasio do seu poder destruidor, tudo fizeram para evadir-se do tempo e, tanto: PO par. o homem grego: da mesma forma que para.o homem arcaico, quanto 0s arcaicos, também se puseram em busca de um plano superior inero deve ser anulado e perenizado; porém, 0 ponto de evasio ea da realidade em que se pudessem por ao abrigo de suas penas e fadigas: Idade esto diante de nés, aqui ¢ agora, no presente atual, nao a ordem da eternidade. fs le nds, no passado, no comego ou inicio do tempo. A primeira forma de evasio que buscaram, e talvez a mais eficaz de A exemplo do homem arcaico e do heleno civilizado, a intuigio do todas elas, é de tipo religioso, fundada na crenga da transmigracao da © o desejo da eternidade séo os dois modalizadores que alma, alma que depois da morte renasce em outro homem, num animal, A am a experiéncia do homem medieval relativamente ao tempo, numa planta. Porém, esta doutrina, em que pese instalar a reversibilidade etn um Conjunto de inflexdes oriundas das tradigdes judaica e crista do tempo, esta longe de ser uma fonte de consolo — escreve Lloyd.”” conformaram a mentalidade dessa época desautoriza-nos falar de Por um lado, ao invés de ser a redengao do homem que enfim se livra Hilinuidade de experiéncia e de atitude. Tanto 6 verdade que mesmo dos males deste mundo e do fantasma da morte, 0 ciclo de renascimentos ‘nie uma figura se reitera, uma palavra se repete, um termo dé lugar ereencarnagées € visto como um ciclo de infortinios e afli¢des. A prova: " disso é que os gregos esperam, em recompensa de uma série de vidas Vii (ue se revela, um tempo novo que se instaura., Daf a necessidade santas, ndo tanto o prosseguimento do ciclo das reencarnagSes, mas 0 precaucdes para afastar o risco nao apenas de aplainar as diferengas fim dele, quando, a exemplo dos deuses, vao fruir nao somente da re do as épocas anteriores, como também de nivelé-las em relacao imortalidade, porém de uma imortalidade imével, segundo Lloyd.” Por diferentes fases de um vasto perfodo que se estende por mais de 1000 outro lado, nem sempre é certo que aquelas almas que descem em diregao arca povos 180 diversas. ‘Talvez o primeira risco a ser evitado seja o pecado de anacronismo, (jue Eliade é vitima. Nao contente de ver em agdo o mesmo regime 281, LOYD. Le temps dans la penseé grecque, p. 138. * Tpidem., p. 143. Idem. Idem, LLOYD. Le temps dans la penseé grecque, p. 138. thidem. p. 143. 32 3 dos arquétipos no mundo grego, estende-0 agora para o mundo medieval e cristo, no qual ele acomoda, nao sem esvazid-la, a reafirmagao, numa | escala jamais vista, da figura do tempo linear, desconhecendo que a introdugdo desta figura e a experiéncia da temporalidade que Ihe d4 estofo puseram fim exatamente ao regime dos arquétipos e colocaram no seu lugar o regime da historia: a histéria da salvacao. F, pois, com vistas a matizar e a retificar a interpretagdo de Eliade, que chamaremos a atengZio em seguida para trés pontos fortes dessa nova experiéncia e dessa nova atitude relativa ao tempo, Para tal, restringir-nos-emos por ora is chamadas concepgGes nio-filoséficas € nio-cientificas da temporalidade, visto que também aqui ficam : a reservadas ao segundo capftulo a elaboragao da experiéncia do tempo e Hiaito tais, a serem lembrados pelo crente quotidianamente, a se da hist6ria pelos historiadores e fildsofos, incluindo-se a dos medievais, fos relatos do Livro Santo: “1)Fundadores, porque (...) falam Na seqiidncia, aludiremos 1) s figuras do tempo na idade média; 2) ao HagAo los homens, da fundacdo da Naciio de Israel com 0 chamado campo semantico da temporalidade; 3) & evasiio do tempo ea instalagao alifio, dai revelagao da Tabua das Leis a Moisés, da Enearnagao da eternidade. il, dt [undacao da Lgreja etc, 2) Unicos, porque os acontecimentos Comecemos pelo primeiro ponte, as figuras do tempo na idade média. pelem e seu sentido radiva em sua diferenga e individualidade: Acredita-se, e Eliade esta disposto a concedé- lo, que o divisor de dguas i haver outra Encarnagdo, outras Tabuas da Lei, outra queda de que separa a concepgao do tempo da tradigdo judaico-cristé da concepgiio fe. 3) Irreversiveis, porque se eles fundam, eles comecam, da tradicao helenistico-romana e mesmo das sociedades arcaicas, nada fai) wina nova era: no tempo do xodo os judeus nao possufam mais € do que 0 fato de que a primeira lida com um tempo linear, Palio de terra, mas eram fiéis a Javeh; depois o povo se distanciou enquanto as uiltimas com um tempo ciclico ou até mesmo circular. Nada’ 6 @ As despragas se multiplicaram, até que o crime de Juda e seu mais certo, e também nada mais inexato. Isto porque, se é verdade que, § provocaram o desastre nacional.” Por outro lado, além daordem quanto & figura do tempo, na idade média a linha prevalece sobre 0 a eternidade, morada do Senhor e abrigo do homem circulo, nfio é menos verdade que nessa época, afora os eruditos, fildsofos do com Deus no fim dos tempos — na tradicZio. e doutores da Igreja, os quais — diga-se de passagem — nem sempre a redengéo ocorrendo no mundo, na espera sempre continuada sao claros € coerentes a este respeito, os homens lidavam com outras 4 prometica; na tradigao crist, dentro ¢ fora do mundo, pois figuras da temporalidade, como 0 ciclo e até mesmo 0 circulo, como de dla no tempo (Cristo) e consumada na eternidade (transcendéncia). resto 0 admite 0 préprio Eliade. eso, Se a figura da linha presia-se para marcar os acontecimentos Segundo nosso autor, dos primeiros séculos da era cristi até uma @ liveversfveis de que nos falam as Sagradas Bscrituras, dotando data bastante avangada da idade média segue vigendo a crenga, muito fii di salvagao de trés pontos fixos: a Criagéio, a Encarnagiio e 0 acaigada nas massas populares, na Tenovagaio periddica do mundo e do te, © mesmo nZo se pede dizer quanto A eternidade, que ndo tem tempo™. A coexisténcia destas figuras da temporalidade é posta em relevo By nem (im no tempo, ¢ anterior ao tempo, estd fora do tempo, também por Jacques Le Goff no seu vigoroso artigo sobre a “Hist6ria’”” fin wo tempo ¢ esté acima de todo e qualquer tempo, finito ou na Enciclopédia Einaudi, onde ele escreve que “um certo tipo de tempo . Tulvez a figura do cfrculo fosse mais apropriada, mas esvaziada circular, 0 tempo litirgico, Gssempenta nele (no cristianismo — ID) jas de duracdo e de infinitude, com cuja ajuda os gregos pensavam um papel de primeiro plano” e qlie sua supremacia é tal que levou oO c, instalada no tempo, nao fora do tempo ou mais além do cristianismo “a datar durante muito tempo apenas os meses e os dias, ficionar © ano, de maneira a integrar os acontecimentos no {unlo, ndo nos deixemos levar pelas ilusdes continufstas. Por 44, PONG soe ocorrer com todos os acontecimentos que se repetem valos regulares, o circule pode dar lugar ao ciclo e 0 ciclo a tle modo que os acontecimentos celebrados pelo calendario 1) Lambém podem ser lidos nume perspectiva linear, e é pelo linha, ¢ nao do cf-culo ou do ciclo, que melhor podemos avaliar Wifivado profundo da experiéncia crist& do tempo, visto que nos ile A freniecom acontecimentos fundacares, tinicos ¢ irreversfveis OFT, Membiia-histocia: histéria, p. 196, x i ythe de V'éternel retour, p. 152. SEUSS Tin a le tenon IMINGUES. 0 grau zero do conhecimento, p.281. 34 35 tempo, como querem os cristiios; ou ento, numa outra perspectiva, se fazemos da eternidade um atributo de Deus e a pensamos como um tempo infinito, limitando o tempo finito dos homens e do mundo a uma fragiio limitada da duragio ilimitada do tempo de Deus, a exemplo de Germano Pattaro,” poder-se-ia figurar a eternidade como um circulo abrigando em seu interior uma linha; mas na verdade nao se sabe ao certo o que se ganha com isso. Passemos a0 segunto ponto, o campo seméntico da temporalidade. Trés palavras latinas conhecidas dos eruditos e retéricos romanos sio retomadas pelos pais e doutores da [greja. Com elas procura-se designar certos aspectos ¢ modulagdes do tempe de que nos falam as Sagradas Escrituras, no apenas interpondo matizes nas nogdes recebidas, mas | instaurando outras tantas acepgdes novas, de modo que também aqui dificilmente se pode falar de continuidade. O primeiro termo é tempus, que tem uma significagdo muito vasta, utilizado para designar desde a idéia de tempo no sentido genérico (duragéio) até as fragdes ou porgdes do tempo, tais como as nogdes de poca, perfodo, hora, instante, estagdo do ano, e especialmente momento favordvel, oportunidade, ocasiao, nesta tiltima acepcao num sentido muito préximo do kairds grego, O segundo termo ¢ acternitas (subst.) ou aeternus (adj.), empregado para designar a eternidade na acepgio de duragdo indefinida no tempo, como em Cicero, mas que € utilizado pelos pensadores cristéios para designar uma ordem transcendente ao tempo, conforme vimos anteriormente. Oterceiro termo € aevun, préximo de tempus, termo que 0s romanos empregavam para designar desde 0 tempo em sua duragdo continuada e ilimitada (Horacio) até as fragdes ou partes do tempo, como a duragio da vida (Cicero), época, idade, gerag&o (Tito Lfvio), e que os cristdos reseryam para designar uma ordem intermedidria entre 0 tempo e a oternidade, a exemplo de Sio Toms, que alojava no aevum os anjos. Além destes tr&s termos latinos, um termo grego vai desempenhar um papel de primeiro plano na economia cristé do tempo: kairds, empregado por Sao Joao para designar nao propriamente 0 momento primordial, a ocasido favordvel para a tomada de uma decistio e a deflagragio de uma agao, como nos sofistas gregos, a depender de uma escolha e de uma deciséo humanas, mas um instante primordial a 7 PATTARO. La conception chrétienne du temps, p. 198, 36 dea escolha e da decisdo de Deus, como okairés do nascimento, fessurreigfo de Jesus Cristo, kairds no qual se juntam o tempo Midice na atualidade do presente, mas que se abre ao Futuro, que Mpo escatolégice da espera, porém um futuro j4 decidido no sile © uma espera j4 antecipada e de certo modo realizada no te, em Cristo. Importancia deste ultimo termo, kairés, no Ambito da idade média, mo depois, € destacada por Germano Pattaro no artigo jai citado ado A concepgao crista do tempo, onde ele nos mostra que, ao Jo do que se pensa, o cristianismo ndo anula a experiéncia do ® Kequer esvazia © presente a favor do futuro: além de conferir ao po © maximo de potencialidade, o tema do kairés evidencia que 6 feiipo presente que € preciso tirar proveito” e que “(...) toda a yllo acerca da virtude a praticar neste tempo deve ser lerada como uma disposigio ativa e ndo torna vio 0 kairds de aK s, por fim, ao terceiro ponto, a instalagdo da eternidade. com Le Goff que o cristianismo se esforgou por centrar a Jos homens no presente.” Pode-se dizer também com Germano, 8 (We o kairds nada mais é do que a instalagdo da eternidade no }6 que 0 kairés de Cristo é 0 ponto central da histéria da salvagio, Hil que se dé na linha do tempo e esté toda ela voltada para 0 inte, conferindo & experiéncia da temporalidade uma densidade e Profundidade tais que interditam 2o crente toda ascese visando Bicupar.” Todavia, em que pese a proceder o cristianismo sobre a do tempo € procurar tirar do presente todo 0 proveito, ele esti e do valorizar o tempo por si mesmo e, assim, autorizar uma agem que faria do tempo o horizonte tiltimo do ser no qual se larin a cternidade,*" Evidentemente, 0 tempo nfo pode apagar o passado, também nao upapara si proprio, por isso € itreversfvel.* Mas, sendo sua duragaio SFTARO. Laconception chréticnne du temps, p. 196€ 203, Memoria - histéria: passado/presente, p. 302. TPTARO, op. cit. p. 196. bre ome ponto, ver LE GOFF. Pour w autre Moyen Age, p. 52, nota 1, onde o autor, ilo-se em Bloch ¢ Rousset, observa que aos homens da Idace Médin faltava toda peetiva tcrmporal ¢ quea vontade de ignoraro tempo é tal que aparece, por exemplo, na ailas Cruzadas, quando “les chevaliers veulent, supprimant le temps etk espace, frapper Philiriemux du Christ” (a frase 6 de Rousset, citada por Le Gott). \stituigGes, as guerras entre os povos etc.,— vai junto 2) da fila, moderna por exceléncia, do dominio ou do controle do Sobre o tempo, propiciado por uma profusao de intrumentos de i numa escala e€ numa precisdo outrora inimagindveis, jonado pelo desenvolvimento da civilizagio urbano-industrial e Io pela necessidade de racionalizar o rendimento do trabalho ¢ Amizar os ganhos do capital, quando uma fragao considerdvel do {émporal se determina como um meio neutro a disposigao dos #, le que a maxima “tempo € dinheiro” ¢ 0 nervosismo dos Jorex da Bolsa nos dio sua expresso mais emblemdtica. Quer Mma experiéncia contraditéria e dilacerante, que escande 0 fluxo limitada na duracio ilimitada do eterno,” um dia ele teré fim, com 4 tim dos tempos; em conseqiiéncia, ao contrario do que pensa Pattaro, eternidade n&o se instala no tempo, mas fora do tempo, e se define peli auséncia de tempo." E poderia ser de outro modo? Afinal, segundo Sagradas Escrituras, o tempo foi criado, antes do tempo nao havia tempo, mas Deus a eternidade; depois do tempo, com a queda do homem, é danago, e a vida na terra um vale de ldgrimas: “17, E a Adio dissej} Visto que atendeste a voz de tua mulher, ¢ comeste da drvore que ell ordenara nfo comessses: maldita é a terra por tua causa: em fadigat obterds dela 0 sustento durante os dias de tua vida. (...) 19. No suor dé teu rosto comerds © teu pao, até que tornes a terra, pois dela foste ic ‘ formado: porque tu és pd e a0 pé tornards.""* Contudo, se nada p Apo ein uma fragiio que osyai e escapa ao governe dos homens, contra. tempo om sua marcha irresistfvel, nem o homem nem o proprid Hails (jue cles tentem barri-lo ¢ assujeit4-lo — 0 tempo do mundo, tempo, Deus, onipatente e misericordioso, pode e muito: nfo sé intervé BNO, «Ite escoa por entre as mAos & foge sem cessar para a frente— no curso do tempo (a revelacio da Tabua das Leis a Moisés, o chamadg Fa fragiio dominada cu controlada pelos homens, que flui, porém se de Abrahio © a Alianga com Israel, a Encarnagio ¢ a Ressurreigtio dé ti, se instrumentaliza e se contabiliza — o tempo da ciéncia e da Cristo), mas abole o tempo é assim pée fim aos suplicios e males que Mas também do trabalho, dos negdcios e da administragéo —, e, afligem os homens, passando a dividir com eles o mesmo taberndculo} Nlo tal, algo dissociada do tempo do mundo (tempo quotidiano), a eternidade (Apocalipse, XX1). Aehite domesticada e absolutamente previsivel.* Portanto, é bem da evasao do tempo com seu inforttiaio que se trata! He outro lado, a modecnidade é também a época em que se afirma, a eternidade; porém, & diferenca do homem arcaico e do heleng fe com menos forga, a inscrigio do homem ¢ das coisas no civilizado, o ponto de evasio nao esti atrés de nés ou antes de nés, no Ho do absoluto ou do eterno, experienciado nfo como a negactio passado, nem ante nés ou diante de nés, no presente, mas & frente de uiéncia do tempo, mas como a duracao indefinida ou o infinito n6s ou depois de nds, no futuro, quando passado, presente e futuro zAmento do tempo, levando a um estado de dilaceramento em revolvem, se superpdem ¢ se abrem, ao se anularem, a eternidade. firm do eterno no temporal — no presente — vai junto com Finalmente, na modernidade, também ao contrério do que sé gagilo pelo proprio t2mpo, visto que a instancia que o abriga— 0 imagina, aexperiéncia da temporalidade é constituida pela mesma diade ile — se revolve, dele se descola ¢ abre-se ao tempo que flui, sem do tempo ¢ da eternidade, porém o sentido dessa experiéncia ¢ dessa ho, em diregao ao infinito imperscrutével. co-pertenga nfio € 0 mesmo. hs experiéncias silo pare das e tém mais de um ponto de contato Deum lado, a modernidade é a €época em que adensa-se a consciéncia dlos gregos e dos medievais, é verdade, mas, nao obstante, delas da inscrigéo do homem e das coisas no registro do tempo, cujo horizonte) pemem diversos aspectos e em outros tantos pontos, atestando wn é dilatado, em extensfio e em profundidade, numa escala jamais vista, into de inflexGes e rupturas, de que resulta algo novo e, como tal, levando a.um estado de paroxismo em que 1) a experiéncia, j4 conhecida 4 cr, totalmente desconhecido de ambos, a saber: a laicizagao dos antigos, da fuga do tempo — do tempo que flui, escapa pelas maos BMMipo, oO esvaziamento de Suzs poténcias “noturnas” e a transferéncia dos homens e traz em seu leito toda sorte de imprevistos, males ¢ sa pociees aos homens; a imanentizagéo do eterno ao tempo e a sofrimentos, como os cataclismas naturais, a decadéncia do corpo, a) MaGAo do absoluto na histéria; u emergéncia do prometeismo Ble ponto, cf. LE GOFE especialmente os capitulos Au Moyen Age: temps de |’église edly marchand e Le teraps du travail dans ta ‘crise’ du X1V°siécle: duvtemps médiéval pi moderne. PATTARO, Laconception cliétienue: dutemps, p. 198. 4 Thidem. p. 197. 45 BIBLIA sagiada. Genesis, TM, Ges, as guerras entre os povos etc., — vai junto 2) da limitada na duragio ilimitada do eterno," um dia ele tera fim, com a x bia, moderna por exceléncia, do dominio ou do controle do fim dos tempos; em conseqiléncia, ao contrério do que pensa Pattaro, eternidade nfo se instala no tempo, mas fora do tempo, e se define pelf J sobre o tempo, propiciado por uma profusdo de intrumentos de auséncia de tempo." E poderia ser de outro modo? Afinal, segundo funa escala e numa precisiio outrora inimagindveis, Sagradas Escrituras, o tempo foi criado, antes do tempo nao havia tempo ado pelo desenvolvimento da civilizagao urbano-industrial e Hip pela necessidade de racionalizar ¢ rendimento do trabalho e inlzur os ganhos do capital, quando uma fracio considervel do Mporal se determina como um meio neutro 4 disposigaio dos , de que a maxima “tempo é dinheiro” e o nervosismo dos fies di Bolsa nos d&o sua expressio mais emblemética. Quer fii experiéncia contraditéria e dilacerante, que escande 0 fluxo em uma fragao que esvai € escapa ao governo dos homens, ais que cles tentem barré-lo ¢ assujeité-lo — 0 tempo do mundo, Hidii0, (jue escoa por entre as mios e foge sem cessar para a frente — fracho dominada ou controlada pelos homens, que flui, porém se ita, Se instrumentaliza e se contabiliza — o tempo da ciéncia e da fas também do trabalho, dos negdcios e da administragfio —, e, Ato tul, algo dissociada do tempo do mundo (tempo quotidiano), ante domesticada ¢ absolutamente previstvel.“ 6 outro lado, a modernidade é também a época em que se afirma, que com menos forcga, a inscricz#o do homem e das coisas no Isto do absoluto ou do eterno, experienciado nao como a negagaio flikéncia do tempo, mas como a duragio indefinida ou o infinito ANzAMento do tempo, levando a um estado de dilaceramento em fi iflrmagéo do eterno no temporal — no presente — vai junto com. ‘Aepacio pelo proprio tempo, visto que a instincia que o abriga — 0 ite —- se revolve, dele se descola e abre-se ao tempo que flui, sem Eansio, cm diregéo ao infinito imperscrutdvel. Tals experiéncias sao parecidas e tm mais de um ponto de contato Has dos gregos e dos medievais, € verdade, mas, nao obstante, delas ere cm diversos aspectos e em outros tantos pontos, atestando um junto de inflexdes e rupturas, de que resulta algo novo e, como tal, se dizer, totalmente desconhecido de ambos, a saber: a laicizagio tempo, o esyaziamento de suas poténcias “noturnas” ¢ a transferéncia Beus poderes aos homens; a imanentizagio do eterno ao tempo e a alilnciio do absoluto na histéria; a emergéncia do prometefsmo mas Deus ¢ a eternidade; depois do tempo, com a queda do homem, é danagio, e a vida na terra um vale de lagrimas: “17, E a Adao disse Visto que atendeste a voz de tua mulher, e comeste da drvore que ordenara comessses: maldita & a terra por tua causa: em fadiga obterés dela o sustento durante os dias de tua vida. (...) 19. No suor d teu rosto comerds 0 teu pao, até que tornes a terra, pois dela fost formado: porque tu és pd ¢ ao pé tomaris.* Contudo, se nada pod contra o tempo em sua marcha irresistivel, nem o homem nem o propri tempo, Deus, onipotente e misericordioso, pode e muito: nao s6 intervém no curso do tempo (a revelagdo da Taébua das Leis a Moisés, o chamadg de Abraho e a Alianga com Israel, a Encarnagio e a Ressurreicao de Cristo), mas abole o tempo e assim poe fim aos suplicios e males que afligem os homens, passando a dividir com eles 0 mesmo taberndculoy a eternidade (Apocalipse, XXT). Porianto, € bem da evasdo do tempo com seu infortinio que se trata; a eternidade; porém, & diferenca do homem arcaico e do heleng” civilizado, o ponto de evasio nfo est atras de nds ou antes de nds, no: passado, nem ante nds ou diante de nds, no presente, mas & frente de nos ou depois de nds, no futuro, quando passado, presente e futuro se revolvem, se superpdem e se abrem, ao se anularem, i eternidade. Finalmente, na modernidade, também ao contrério do que se imagina, a experiéneia da temporalidade € constituida pelamesma dfade do tempo e da eternidade, porém 0 sentido dessa experiéncia e dessa co-pertenga nao € 0 mesmo. ‘De um lado, a modernidade € a época em que adensa-se a consciéncia da inscrigdo do homem e das coisas no registro do tempo, cujo horizonte é dilatado, em extensao e em profundidade, numa escala jamais vista, levando a.um estado de paroxismo em que 1) a experiéncia, j4 conhecida dos antigos, da fuga do tempo — do tempo que flui, escapa pelas maos dos homens e traz em seu leito toda sorte de imprevistos, males e sofrimentos, como os cataclismas naturais, a decadéncia do corpo, a 43PATTARO, Laconception chrétienne dutemps, p. 198, sewe ponto, cf, LE GOFF especialmente os capftulos Au Moyen Age: temps de église Athiders, p. 197 nips cla marchand e Letemps du travail dans la ‘crise’ du XIV* sidcle: du temps médigval Jemps moderne. *S BIDLIA sagrada. Génesis, IIL. Mps moderne. 38 enfim, os rel6gios eletrGnicos de nossos dias, com a invencao do relogio Hilogia bem mais médica de 75.000 anos, de medo aie scus a quartzo, a partir dos anos 50.” Mporaineos no fossem Capazes de imaginar uma antigilidade tio Em seguida, para o controle do tempo ultracurto, fora do alcance: ada (1), como bem observa Pomian.* dos aparelhos mecanicos, tornado possfvel pela utilizagao de certag. to sentimento de perplexidade, associado & dilatagéio do tempo € & técnicas eletrénicas, para medir as fragdes do segundo (até 10"), bem, ificagiio da consciéncia da temporalidade, no sé aumenta ainda como do raio laser, para medir unidades mil vezes mais curtas, em i com a descoberta dos relégios biolégicos e com os paradoxos da todas elas tomando-se como pardmetro 0 segundo, cuja definigao fot Hf (la relatividade, como também leva a um estado de vertigem, introduzidaem 1967 ¢ permanece em vigor até hoje, a saber: “O segundo hilo 6 homem moderno, ap6s explorar os confins do universo ¢ da é a duragiio de 9.192.631.770 perfodos da radiagio correspondendo A jporalidade, descobre que o esforgo por medir e controlar o tempo transi¢do de dois niveis hiperfinos do estado fundamental do dtomo de’ iz nio ao dominio sobre ele, mas & tirania do tempo e & maior das césio 1332"* AilGes. Para se convencer disso basta perguntar, como o faz Pomian, Por fim, para o controle do tempo ultralongo, tornado possfvel pela fue 0 contexto ndo sejao mesmo, o que aconteceria se um dia, de introdugdo de um conjunto de métodos de medicao, como a técnica do” Bite, os reldgios parassem de funcionar ou nado mais se carbono 14, que permite datar materiais até a idade de 40-50.000 anos} WFOnizassem. Nada mais facil do que imaginar a resposta: toda a a datagao pela racemizagiio dos dcidos amineos contidos nos ossos, que’ etlace sogobraria — 0 sistema de transporte inteiro (2éreo, ferrovisrio pode atingir até 100.000 anos ou mais; a datagiio pela fissio espontinea aritmo) entraria em colapso; as redes elétricas e de comunicagdes do urfnio 238, que permite segundo Pomian um confortavel intervalo) fariam em pane; as indtistrias, 0 comércio, os bancos ¢ a bolsa de aplicacao de até 4 bilhdes de anos.” Huriam de funcionar; a alfandega, o exército, a policia, os hospitais, O resultado disso, além do domfnio ou controle do tempo, do tempo lado, a vida privada e a pablica, a cidade e 0 campo, enfim tudo de quantitativo, é a intensificagao da consciéncia da temporalidade, se desarticularia e seria levado de roldio — na falta de uma associada @ dilatagao do tempo e da historia, cujo horizonte aumenta ina a coordenar as atividades (os relégios) e naimpossibilidade em extensao e em profundidade, numa escala capaz de deixar os espiritos fjustar, pelo fato de ter-se enlouquecido, 0 medium em que tais estupefatos. Primeiro, descobre-se, quanto aos homens, que eles n&o Hidades oconrem (0 tempo)" Tempo que, ao invés de ter-se assujeitado passam de um elo da cadeia dos antropéides, que eles j4 dominavam o ‘homem e deservir a ele, revela-se na realidade sen senhor, instalando, fogo h4 500 mil anos e que os antropdides apareceram na terra hé 6 ial 0 destino antigo, seu poder absoluto sobre a vida e sobre a morie milhdes de anos” — e isto quando os egfpcios, com suas genealogias: toda a parte, porém desta feita, na modernidade, época em que fantasiosas, remontavam sua descendéncia, a se acreditar em Herédoto, Bem, atuam e ganham vida um tempo laico, um conjunto de poténcias acerca de 11.340 anos (341 geragdes) e sequer desconfiavam de que 0 tlirais c uma histéria secularizada, revestindo-se da forma de um homem vinha do macaco, Enfim descobre-se, quanto a vida, a terra ¢ fino secularizado e de uma poténcia histérica. ao universo, que a vida tem a idade de trés bilhdes e quinhentos milhGes: Daf porque, junto com a afirmaciio do tempo, do tempo que tudo de anos, a terra um bilhdo a mais, e o universo inteiro algo entre 13,8 e 10) c marca a fundo as coisas com 0 selo da finitude, da provisoriedade 24 bilhdes de anos"! — ¢ isto quando os egipcios atribuiam ao Cosmo. a fugacidade, conduzindo a um estado de vertigem e A experiéncia segundo Locke a idade de 23.000 anos ¢ a Biblia 5.639 anos, ¢ mesmo pal do nibilismo em suas mais diversas formas (nihilismo ontolégico, Buffon, um modemo, conferia a Terra a cifra de trés milhdes de anos, ocial, politico etc.), afirma-se igualmente, na modernidade, como porém a guardou para si, substituindo-a, ao publicar sua obra. por uma. contrafaticamente, a exigéncia do absoluto, que leva & evasdo do mpo c, de volteio, reinstala o eterno em sua indefinida durag%o no ir temporal, no mundo das coisas e dos homens (hist6ria). * POMIAN. L'ortire du temps, p. 261, 265-266. # Thidem, p. 229, 231-232. * Ibidem, p.229-230. . ® Ibidem, p.230. pian. L'ordre du temps, p. 296-297. 5 Idem. fe 42 43 Tal experiéncia do absoluto, na modernidade, a exemplo da experiéncia do tempo, tem mais de um ponto de contacto com as épocas arcaica, antiga e medieval, porém delas se distingue em dois pontos capitais: primeiro, porque a exigéncia do absoluto vem associada a descoberta da infinitude do universo, que se dilata até deter-se na curva de um espago e de um tempo em cujo anverso s6 hf 0 vazio ou o nada; segundo, porque as modalidades de evasdo do tempo, ainda que derivadas das antigas, j4 assinaladas, como a evaséo mitica, a mistico-religiosa, a ascético-intelectual, a ético-politica (evasfio na ag%io — ag&o moral e agdo politica) e a poiético-artistica (evasdo na obra — obra de arte: artes titeis ¢ belas-artes), revestem-se na modernidade de formas laicas e secularizedas, motivadas pelo recolhimento da fé, que se esvai, pela perda da transcendéncia, que se imanentiza, pelo esvaziamento do sagrado, que se laiciza. Ora, na auséncia de uma morada fora do tempo e do préprio mundo a dar-lhe abrigo (afinal, acredita-se, fora do tempo e do mundo s6 hao vazio e o nada), a eternidade com seus sistemas de permanéncia sé pode ser instalada no tempo e no mundo, através de um conjunto de experiéncias e de meios “mundanos”. Quer dizer: experiéncias ¢ meios que, conquanto se dem na linha do tempo, estao organizados contra ele e sao como que a-temporais ou trans-temporais. Um bem exemplo desses sistemas de permanéncia na modernidade sfio os chamados artificialia do mundo da técnica ¢ do trabalho, constitufdos por um conjunto de artefatos, de instrumentos e de engenhos que sao tao efémeros, descartaveis e contingentes em sua concretude e individualidade, quanto permanentes, perenes e necessdrios em sua estrutura e motivagac profunda, relativamente ao conjunto de disposig&es, caréncias € coagdes que os motivam, os conformam ¢ os obrigam. Outro bom exemplo so as instituigdes socials, as tradigSes culturais e histéricas, as formas de organizacao da mem6ria coletiva etc., que, como os artificialia, sio na modernidade potenciadas numa escala jamais vista, ainda que acompanhadas da experiéncia da anomia, da quebra de identidade e do esfacelamento dessas mesmas entidades. Esses sistemas de permanéncia, experienciados como formas de inscrigdo do absoluto no tempo, estéio associados a um conjunto de formas de evasio do devir temporal, formas essas, dizfamos, derivadas ou transformadas das antigas — das modalidades mitico-religiosas, como as utopias e as ideologias milenaristas; das modalidades ascético- intelectuais, como a ciéncia ¢ a filosofia; das modalidades ético-politicas © mesmo poiético-artfsticas, como o Estado, a técnica e a literatura. por’ ineio desses elementos e dessas formas, mercé do avango da 6 da (écnica, animado por um prometefsmo ainda mais senhor i lo que o antigo ¢ desligado completamente des poténcias Seiulentes que aprisionavam povos inteiros em épocas passadas, é ‘s8¢S esquemas, portanto, que © homem moderno acredita eI i finalmente, se nao suspender o devir e barrar o tempo, o tempo- 8, Evisu tida como impossivel, 20 menos controld-lo e pé-lo a seu 46, WN pouco como ja tinha feito com a natureza e com 0 prdprio #0, percnizando assim as agdes, as obras ¢ os feitos dos homens. ainda que os sistemas de permanéncia nfo recubram todo 0 tempo i) ifastem de todo o efémero do devir temporal (afinal, as qualidades perene c do efémero sio menos qualidades do tempo do que da jes léncia do tempo ou dascoisas temporais), e mesmo que estas formas ANAS Sc revistam de uma roupagem sagrada, a exemplo do Estado, fi despeito de seu desencantanento no mundo moderno, foi visto Hobbes, na pessoa do soberano, como um devs mortal e, por Hegel, fp A propria instalacdo do Absoluto no altar da histéria. Quanto ao ponto de evasio do tempo, ao fim e ao cabo deste percurso, {4 situado agora nao antes de nds ou atrés de nds, no passado, nem eile de nés ou depois de nés, no futuro, mas ante nds ou diante de fio presente, presente que se dobra sobre si, alonga-se ¢ abre-se de # 40 polpe ao tempo, que sucede, ¢ ao eterno, que dura —eis o sentido afundo da co-pertenca do efémero e do eterno na modernidade. Concluindo a primeira parte destas reflexes, chamarfamos a atengdo Jeltor para trés aspectos das experiéncias arcaica, antiga, medieval e derma da temporalidade, que vao marcar profundamente a atitude homens de diferentes épocas ante a hist6ria, conforme veremos na qliBncia de nosso estudo: 1) o tempo nao é algo chapado, uma espécie S fico vazio onde as coisas duram e acontecem indiferentes a ele, jas algo espesso, dotado de profundidade, uma espécie de poténcia envolve as coisas e as marca com o selo de seu ser (E 0 que sugere a etifora do rio que escoa, que nos vem do mito de Okéanos); 2) a cidade de o tempo afetar as coisas ou faz dele proprio uma poténcia ii Feqjuer ser cle mesmo habitado por poténcias que com seus poderes e iprichos intervém no mundo e mudam o curso das coisas: poder brenatural, destino, fortuna, providéncia, forga natural ou histérica @l-lus em aca desde as sociedades arcaicas até a modemidade; 3) do cle préprio uma poténcia ou um instrumento de poténcias, 0 tempo 0 apenas regula o mundo e muda o curso das coisas, mas cria um indo ¢ instala um novo plano no real, plano que é uma espécie de 44 45 poténcia a pairar sobre a cabega dos homens com seu poder ameacador, espalhando por toda parte as guerras, a morte ¢ o sofrimento: a histéria (0 tempo do destino cego, senhor absoluto da vida e da morte; o tempo da roda da fortuna que, com seus caprichos, leva aos homens a boa ¢ a md sorte; 0 tempo escatoldégico da providéncia — tempo da danacio depois da queda, tempo da esperanga depois da encarnagao de Cristo, tempo do resgate e da reconciliagéio com Deus no jufzo final; o tempo do destino secularizado ou histérico, na modernidade). | A seguir, & luz dessa experiéncia originéria, vamos examinar a articulagdo do tempo ¢ da hist6ria na época arcaica, na antigitidade classica, na idade média ¢ na modernidade. 2. A Experitncia da Historia Sendo o tempo uma poténcia e a historia 0 prolongamento dessa poténcia no mundo dos homens, pode-se compreender que a mesma necessidade experienciada pelo homem arcaico, grego e medieval de evadir-se do tempo e refugiar-se na eternidade, ao se deparar com a agio nefasta de Cronos nos diferentes planos da natureza (secas, inundagées, terremotos, usura dos tempos, decadéncia docorpo, morte), reaparecera com maior forga ainda no plano da histdria. | ‘Antes de mais nada, a historia é o terreno em que as poténcias noturnas do tempo causam estragos terr{veis, espalhando por toda parte adecadéncia das instituigdes e dos costumes, a guerra, a fome, a miséria e outros tantos suplicios. Por isso, conscientes de seus poderes terrfveis e também de suas agdes reparadoras frente aos males que ela mesma provoca, os homens desde a noite dos tempos foram levados a colocar a questo, aflorada | no bojo mesmo da experiéncia do tempo, de saber qual é, afinal, 0 sentido da histéria, por forga de que necessidade as coisas se corrompem € por que tantos males perfilam em meio de seu caminho? . Varias foram as vias percorridas pelas mitologias, religides filosofias de diferentes épocas ao tentarem responder a esta questao. Em todas elas, ou quase todas, 0 caminho consistiu em postular um plano trans-hist6rico ou supra-histérico que nos desse nfo apenas uma espécie de métron a partir do qual os acontecimentos poderiam. ser avaliados ou medidos em fungéio de sua maior ou menor proximidade em relagiio ao meétron (arquétipo), como também uma sorte de chave de leitura com cuja ajuda o sentido da histéria poderia ser decifrado e fixado em sua necessidade intrinseca. 46 O imperative de buscar a chave de leitura e, mais ainda, de procurar fiélvon num plano meta-hist6rico residia no fato de que ambos nao Poderiam ser encontrados no fluxo dos acontecimentos, de vez que do Pbnto de vista do fluxo os acontecimentos ou se desintegram na fiultiplicidade das ocorréncias ou se equivalem em sua unidade, 0 sentido fifo se comunica ¢ nenhum evento pode se erigir em métron e medir o Biitto. Div a experiéncia do efémero e a evasaio do tempo (desejo da Blernidade) irem juntas também no plano da histéria: o efémero é da Bile do tempo e relativo a histéria; o eterno é da ordem do trans- temporal ou supra-temporal e dé sentido ao tempo e 2 histéria. Eliade poderia simplesmente ter percorrido este caminho, pensada ue é sua obra, O Mito do Eterno Retorno, como uma introdugao 4 Hlovofia da historia (ct. Ant-Propos), Mas nfo o fez. Talvez porque fereditasse que enfrentar a questo do sentido da histdria em sua feicralidade, com a ajuda de elementos puramente a priori, nao fosse “in bom caminho, a julgar pelo fracasso das intmeras filosofias da historia, de Santo Agostinho a Hegel. Estimou que seria mais bem Alicedido se interrogasse o sentido da histéria na linha de algo como tia fenomenologia da experiéncia vivida do tempo eda histdria. Porém, em sua “fenomenologia”, ao invés de perquirir o sentido em sua Ueneralidade, com a ajuda da reduco eidética ou algo equivalente, a #xemplo do fildsofo, Eliade preferiu tomar um atalho e abord4-lo sob {im Angulo bem mais concreto e mais préximo das afligdes dos mortais, His que nunca deixou de exasperar os tedlogos, filésofos e moralistas jue se dispuseram a enfrenta-lo, a saber: a partir do prisma do problema to mal, do mal na histéria ou do mal da histéria. Este atalho levou-o a tratar o problema do sentido da histéria num jefreno que a primeira vista tem mais que ver com a ética ¢ a metafisica do que com a filosofia da historia propriamente dita, a julgar pelas perguntas a que nosso autor se propds responder: Como a histéria com seu cortejo de males, dores e sofrimentos era suportada pelos homens eaicos, pelos helenos ¢ romanos, e pelos judeus ¢ cristaos? Como o homem moderno, com a perda da transcendéncia e a imanentizagio do sentido da hist6ria, lida com o problema do mal? Contudo, assim formulado, o problema de fato é mais afeto a teologia # i mitologia do que propriamente A filosofia, a qual sempre se viu um tanto impotente ao tentar soluciond-lo, preferindo esvazié-lo ou Aimplesmente ignord-lo, acreditando que é 0 supremo Bem que regula 4 vida dos homens (Platao) ou que o mal é reparado por Deus na econo- 47 mia cdésmicado melhor dos mundos possfveis (Leibniz). Convencido disso, Eliade trata pois de buscar no mito € na religiao os elementos com que pensar na sua “fenomenologia” © problema do mal em seus diferentes aspectos, seja dos males ca histéria, seja do mal na historia. O que ele nos mostra, com efeito, é que, a diferenga do homem moderno, que perdeu 0 sentido da transcendéncia e, por isso mesmo, se vé desamparado ante as forgas da histéria e os males que elas provocam, o homem arcaico, antigo e medieval nao estava desamparado ante tais forgas ¢ tinha no mito ¢ na roligidio um elemento poderoso para explicar e justificar seus males. Por isso, outra eraa experiéncia do mal e outra era a experiéncia da hist6ria: 0 mal tinha uma origem fora do homem, na histéria, nas poténcias que a habitam, ea propria histéria, integrada na economia césmica € nos designios da providéncia divina, era consideradaa um tempo como o lugar dos males e também dos remédios capazes de reparé-los: a regeneragéo do tempo, o eterno retorno, 0 jufzo final. Comecemos pelo homem arcaico.* Se ha um ponto que chama a atengZo dos estudiosos da mentalidade arcaica € a idéia, compartilhada por todos os povas primitivos, de que a existéncia atual do homem no Cosmos é uma quedaea historia, decadéncia (afastamento do arquétipo). A idéia de queda é facilmente atestada, segundo Eliade, pela ocorréncia de uma série de mitos em numerosos povos que fazem alusio a uma época paradisfaca, in illo tempore, em que os Geuses viviam em meio dos homens, até que um dia, por causa do crime dos homens, os deuses sé retiram para longe e os homens s40 abandonados a prépria sorte, condenados 2 fadiga do trabalho e a levar uma vida miserdvel, cheia de penas e infortdnios.* E entZo que comega a histéria. Ja a idéia de decadéncia é atestada — podemos formuld-la assim, sem risco de trair nosso autor — pela crenga de que em seu livre curso a histéria mais nao & do que um afastamento progressivo do arquétipo, sendo suas penas castigo dos deuses, razdo por que 0 homem arcaico alimenta face a ela cia da histéria nas sociedades arcaieas pode parecer anacrénico, na medida em queso comunidades cue vivem sob o regime do mito, ¢o mito é uma espécie deantidoto ria, Tal anacronismo, contudo, é apenas aparente, pois 0 que esté em jogo nfo éa éria como modo de conhecimento (historiografia), masa hist6ria coma moda de ser das coisas (devir). O interesse de falar de uma tal experiéncia consiste menos em nos permitir jsolar positividades, clas mesmas a-hist5rieas, do que em mostrar que cla dé estofo 2 virias formas de hist6ria, desdea circular, cfctica e repetitiva dos antigos, até a lincar, vetorial irreversivel dos modernos. B a que procuramos fazer ao longo deste estudo, nos quadres de uma abordagem que pretende que, para a inteliggncia da histéria, é preciso articular os esquemas da mudanga ¢ da repeticao, nao tomd-Jos comoalgo absolutoe excludente. S$ BLIADE. Le mythe de !’éterel retour, p. 110. 48 a forte desconfianga e uma atitude de denegacdo, tentando por todos fielos aboli-la e esforgando-se por todos os meios por conjuré-la.* Fatal, volta. as costas ao tempo, trata de esquecer sua aco corrosiva, litle todos OS Comportamentos desviantes, cuida de viver em estrita iencia As leis, procura observar todos os ritos que assegurem a peligho do ciclo — do dia, da noite, das estacdes, do ano —, tudo faz fA Expulsar O NOVO e apagar oO impreyisto e o inesperado. Porém, por mais que se esforce, cedo 0 homem arcaico descobre que A Kenipre pode conjurar a histéria e afastar seus males: “Por exemplo” — eve Lliade — “ele nao pode nada contra as catistrofes c6smicas, os Beasties inililares, as injustigas sociais (...) ou os infortinios pessoais *' Por isso, cabe perguatar, e é 0 que faz nosso autor, “como esta stat a suportada pelo homem arcaico; iste 6, como ele suportava ealamidades, o infortinio e os ‘sofrimentos’ que fazem parte do Hililio de cada individuo e de cada coletividade”?* Em outras palavras: Algnificam a dor e o sofrimento para o homem arcaico? come sao ie tolcrados? qual € o seu sentido, se é que ha um sentido para essas jean’? Responde Eliade que tais sofrimentos puderam ser suportadas pelo jem arcaico precisamente porque eles nao [he pareciam “nem altos nem arbitrdrios (...). O primitivo que vé seu campo devorado , Scu gado dizimado pela deenga, seu filho sofrendo, ele préprio wil ou cugador demasiadamente desafortunado ete., sabe que todas conjunturas nfo sio devidas ao acaso, mas a certas influncias 9 gicas ou demonfacas (...).”” Quer dizer: so suportados porque nao iv absurdos & nZo sZo absurdos porque sao motivados. Pouco importa se na origem dos males est4 uma falta coletiva, um Jii0 pessoal ou a maldade de um vizinho invejoso. Qualquer que seja a ni, 0 softimento € atribufdo & vontade dos deuses, seja que os deuses shai intervindo diretamente para provocé-lo, seja que o tenham feito iitetumente por meio de fargas ou pesscas interpostas. Na mentalidade Finiliva simplesmente no hé lugar para o acaso ou o fortuito. Tudo & Hotivico. De modo que — escreve Eliade — da destruigao da colheita a seca, passandlo pelo saque da tribo pelo vizinho hostil, até a perda da nade e da vida imposta pelo inimigo — tudo tem “sua explicacdo e BLIADE, Le nythe de l'éternel retour, p. 113. Thidem, p. 115, 49 sua justificacdo no transcendente, na economia divina”, Tal é pois a idéia-forca da mentalidade arcaica: fonte dos males, os deuses so tambérh seu antidoto ou seu remédio. Por isso, devem ser invocados para reparé-los. Por isso, o mal tem um sentido (castigo dos deuses) ¢ também a propria histéria: integrada na economia césmica, ela é o lugar dos males e também a fonte reparadora, por meio das forcas que nela atuam. Por isso, a eternidade é o antfpoda e 0 complemento necessdrio do tempo para restaurar o equilfbrio do universo: sem ela, os deuses imortais no teriam morada, os entes sobrenaturais nfo teriam abrigo, as almas des bem-aventurados nado teriam para onde ir, 0 Cosmos nfo renovaria suas forgas, 0 homem seria abandonado sua propria sorte, o tempo terminaria por tudo tragar, nio haveria como conjurar a histéria e reparar 0 mal. A exemplo dos arcaicos, também para os gregos a existéncia atuel do homem no Cosmos é considerada como uma queda e a histéria como decadéncia (afastamento do arquétipo). As idéias de queda do homem e de decadéncia da historia estio presentes em Hesiodo, por exemplo, que nos fala la “idade de ouro” de Cronos no comeso, em que os homens viviam em comunidade com os deuses, afastacos dos males, e da perda destes tempos paradis{acos depeis, acompanhada da degradagio progressiva da condigaio dos homens (“idade de ferro”). Condenados & fadiga do trabalho, expostos as mazelas do tempo, experimentando em seu corpo toda sorte de males que sé terao fim com a morte, esta histéria s6 nio adquire cores mais pessimistas e nao leva a uma atitude de paralisia face a cla, porque hi a acio reparadora dos deuses, que deixaram misturados aos males alguns bens ¢ socorrem os homens quando sdo invocados, remediando um pouco sua condigio. E 0 que nos mostra o tema do destino, tio caro a Hesfodo e aos tragicos. Em Hesfodo este tema aparece nos mitos das Moiras ¢ de Pandora. Filhas de Zeus (claridade) e de Justiga (Lei), as Moiras conferem aos homens a felicidade ¢ a miséria, como 0 quinhao de cada um, e sob este aspecto até mesmo os deuses esto aquinhoados, submetidos a sua dura necessidade. J4 Pandora foi o castigo reservado pelos deuses aos homens, por terem, com Prometeu, se insurgido contra eles, pondo-se a escalada do Olimpo: ¢ castigo foi o envio de uma mulher, Pandora, que traz numa caixa (jarro) a infelicidade, espalhando pelo mundo, ao abri-la, os males e os infortinios, e deixando guardado, ao fecha-la, longe do alcance dos mortais, um sentimento que poderia estragar toda a vinganga. ®! ELIADE. Le mythe de ['éternel retour, p. 119. 50 fletses — a Bsperanga (Expectagdio). Nos tragicos, 0 tema do destino ganha cores mais dramiticas ainda fos falarem da agdo dos deuses no mundo dos homens como fruto de fa (luna necessidade que confere a cada um o seu quinhio, forga de Bagi que traz a dor ¢ o sofrimento e também forga reparadora que jcUcia os males e restaura a ordem cOsmica. Como se sabe, este tema Ui Imortalizado nas figuras de Bdipo e de Agamenao, de quem Sofocles Huripedes nos deixaram paginas inesquectveis (nado dé para “explicar” irque Edipo fez o que fez, mas depois do que ele fez seu “destino” é ‘ado; Agamendo deseja 0 sacrificio de sua filha Ifigénia, vitima maldigio ancestral, paga por faltas que nao cometeu, senhor de los, paga por crimes pelos quais 6 responsdvel). Daf a natureza Biya do destino: arbitrério, do ponto de vista da cantingéncia los individuos, o destino € cego, leva os males a inocentes e culpados e Mio poupa nem mesmo a descend&ncia; necessdrio, do ponto de vista da fiilem cdsmica, o destino restaura 0 equilibrio das coisas e € 0 remédio Papaz de conjurar os males e expiar as faltas. Quanto a relago do tempo com a hist6ria, a julgar pelo pouco que hos foi legado pelos antigos, 0 tema do destino nos mostra duas coisas. Por um lado, a articulagao de duas ordens de tempo diferentes, porém fssociadas: © tempo dos deuses ¢ o tempo dos homens, cuja uniao e confrontagao constantes revelam a irrupg&o de sagrado na ordem do mundo — um tempo “profano” que flui na exist8ncia quotidiana dos homens, banal, sem grandes acontecimentos, ao sabor da allernancia do dia e da noite e do ciclo das estagies (o tempo do “trabalho ¢ dos dias” de Hesiodo); um tempo “sagrado” que flui num mais além da vida dos homens, num plano, como diz Vernant, “divino, onipotente, que abrange a cada instante a totalidade dos acontecimentos, ora para oculta-los, ora para descobri-los, mas sem que nada escape a ele, nem sc perea no esquecimento”." Por outro lado, 0 limite dos homens face a0 tempo: se os deuses onipotentes podem pouco contra o tempo, ele préprio um deus (podem mudar o curso das coisas futuras, mas nio podem alterar 0 passado, a0 qual estado presos como a hicra is suas cabegas), os homens podem menos ainda — livres, podem moldar 0 lempo e se servir dele como thes convém; atados a cle pela mais dura necessidade (destino), véem sua aco limitada e fragilizada pela aciio dos deuses, de modo que nada € mais estranho 2 mentalidade grega do VERNANT. ct al, Mito ¢ tragédia na Grécia antiga, p. 36. 51 a que a idéia de uma agdo prospectiva para controlar o tempo e dominar a historia. Em que pesem as poténcias “noturnas” do tempo terem ficado cada vez mais “diurnas” com a descoberta do /dgos e sua extensio & histéria, €a partir de um fundo mitolégico de um tempo habitado por poténcias ou ele préprio uma poténcia (0 destino primeiro, que tudo rege) que os gregos pensam ndo apenas a articulagio do tempo com a histéria, mas também o problema do mal na histéria. A exemplo do homem arcaico, © grego faz de tudo para abolir da historia o devir, na expectativa de, ao aplacar o tempo, conjurar 9 mal que ele provoca. A diferenga do homem ctistéo, 0 grego nao busca o sofrimento, nao lida com a idéia de pecado (o mal esté no mundo, ndo em mim) ¢ néo vé nos males uma provagao A qual & preciso dar um contetido positive de purificago, a prova de edificag¢do moral e o testemunho de elevacio espiritual. Nao obstante, 0 mal tinha para ele umm sentido, no era visto como arbitrério ¢ devia ser suportado com a alma resignada: polug&io com que os deuses marcaram os homens. mancha transmitida de geragao em geracao, castigo imposto a toda a descendéncia — o mal ¢ falta; 0 sofrimento, expiagio da falta; por isso, tem um sentido e deve ser suportado. Integrada na economia cdsmica, a histéria é 0 lugar do mal (castigo) e também o meio capaz de repard-lo pela ago das forgas que nele atuam (justiga) — tal é a conviegio profunda da mentalidade helénica. Sabemos quanto na mentalidade grega estavam misturadas as for¢as cdsmicas, as agGes das divindades ¢ o comércio dos homens, ¢ também quanto estavam associadas as experiéncias do tempo e da eternidade. Habitada por poténcias e sendo ela propria uma poténcia, a histéria era o lugar da agdo dessas forcas e os homens ficavam 4 sua mercé, devendo pois ser conjuradas. Um bom exemplo disso nos dao os temas do eterno retomo e do grande ano. Menos conhecido do que o eterno retorno, 0 tema do grande ano estava nélo obstante associado a ele ¢ fundaya-se na idéia, de origem caldéia, segundo a qual uma determinada configuragao astral que se repete de tempos em tempos (o n° de anos varia) é acompanhada de uma série de calamidades césmicas (dildvios, secas, inc€ndics de grandes proporgGes). Ora, a simples associacao das dois temas é suficiente paca afastar a idéia de um otimismo facil a permear a concepgio cfclica do tempo c da hist6ria, pois a espera do cataclismae da derrocada final tem um qué de tragico, nada de réseo ou paradisfaco, algo de escatolégico, e como tal obcecou profundamente os gregos e, mais ainda, os romanos. Eliade conta, com base em estudo de Jean Hubaux, que os romanos, 52 les «le acreditarem que sua cidade era eterna, experimentaram um Verdacdciro terror panico quanto a seu fim iminente, decidido no momento jesmo de fundagao da cidade, quando Romulo avistou as doze dguias. cle os comegos de vida da cidade, os romanos tentaram por todos os @los decifrar 0 significado dessa aparigao e descabrir quanto tempo fies restava ainda, vendo em cada expedigo guerreira e em cada ilamicade natural os signos da iminen‘e catastrofe. Mas logo o tempo envurregou de desmentir esses temores, tranqiiilizando os espfritos, i nia época muito avangada: 120 anos se passaram e... nada, ipreendeu-se que as doze dguias vistas por Rémulo nao significavamn 20 anos de vida para a cidade, Depois acreditou-se que o ntimero fatal 1200, composto de 12 meses de 100 anos... mas era preciso esperar juito tempo. Enquanto isso Céser ultrapassou 0 Rubicdo, sem que a alistrofe final pressentida por Nigidius Figulus se consumasse. Em juida veio Augusto que, apés uma seqliéncia interminavel de longas Aanyrentas guerras civis, instaurou a Pax Romana, os poves das sete Jinas continuaram tranqiiilamente dominando o mundo e Virgilio udou a cidade eterna ao dirigir a seus conterraneos as palavras de pit ‘Eo império sem fim que eu Ihes dei” (“His ego nec elas rerum nec tempora pono: imperium sine fine dedi”). Por fim, foi avez de Alarico, que tomou de assalio a cidade, parecendo cumprir a profecia das doze dguias ¢ a crenga de que a data fatidica era composta le 12 meses de 100 anos: Roma tinha entrado no seu 12° e ultimo culo de exisiéncia, perfazendo exatos 1200 anos!... .* Segundo Eliade, naquela época em que praticamente todos os Bipiritos se renderam a tamanha evidéncia, “s6 Santo Agostinho se ‘Ssforgou por mostrar que ninguém podia conhecer o instante em que Deus se decidiria a pér fim & histdria, ¢ que, em todo caso, embora as eidacles tenham por sua natureza uma duracio limitada, a tnica cidade Bier ndo ade Deus, nenhum destino astral pode decidir a vida ou a Morte de uma nagio"® Na verdade, a perspectiva de Santo Agostinho néo podia ser bompartilhada nem por um grego nem por um romano: mais do que um Bosto desmesurado pela fatalidade, estes temores vividos pelos romanos Bomo uma verdadeira obsessao traduzem em realidade uma outra relagio GoM o tempo, a eternidade e a histéria. Testemunham uma consciéncia fguda quanto & caducidade das coi © Po.a o presente relata, ver ELIADE, Le npythe de U’érernel retour, p 157-160, # Ibidem. p. 160. humano, mas também espelham o desejo firme de evadir-se do tempo, de defender-se contra a histéria e elevar-se a eternidade. Este é, 20 que parece, o significado da hist6ria como eterno retorno: lugar do efémero e também do eterno, a figura do anel que liga 0 comego ao fim do tempo, 4 imagem da serpente enrolada sobre si mesma (eterno retorno), nada mais é do que a instalacdo da eternidade no tempo e do tempo na eternidade (infinita duragao), porém, envoltos pelo anel, o tempo ¢ a eternidade devem ser destrufdos para serem de novo recriados, sob pena de as forgas césmicas nao serem renovadas, as poténcias divinas nao serem revivificadas, o homem ser abandonado a sua prépria sorte e nao haver como conjurar o sofrimento e reparar o mal. Por seu tumo, na tradicao judaico-cristé o laco cosmico que une as forgas sobrenaturais, o homem ¢ o mundo é desfeito ¢ substituido por um lago histérico (histéria da salvagio), ainda que mais uma vez a histdria deva ser abolida e o tempo anulado, A substituigdo do lago leva ao fim do regime dos arquétipos, ficando em seu lugar © regime da hist6ria (histria da salvacdio), porém é mantida a idéia de que a existéncia atual do homem no mundo ¢ uma queda (perda do parafso) ¢ a hist6ria, decadéncia (afastamento de Deus). Todavia, se 6 mantida a idéia, mesmo a idéia de arquétipo (Eden etc.), nio é a mesma a experiéncia que Ihe da estofo, nem sio as mesmas as motivagGes que fazem os homens acreditar numa ¢ noutra. Para os gregos e€ os arcaicos, na origem da queda e do afastamento estava a falta, e esta era mais a obra de uma fatalidade (destino) do que fruto da liberdade; para os homens medievais, formados dentro da tradig&o judaico-crista, a falta, ao contrario, era devida 4 liberdade, dom de Deus aos homens, mais uma perfeigio do que a auséncia dela, mas que os levou & queda e & danagdo, Com a introdugio da idéia de liberdade, uma liberdade que é limitada pela agaio da providéncia divina e que por si s6 nao garante a salvagdo, mas que dé aos homens o espago pr6prio do agir, para o bem e para o mal, o problema do mal na histéria adquire uma nova significagao. Quer dizer: nao tao nova assim, a ponto de romper de todo com a experiéncia arcaica e grega, porém a ponto de acrescentar-Ihe um novo aspecto capaz de transfigur4-lo completamente: se para um grego o mal esté no mundo antes de estar no homem (foi Pandora quem o espalhou pelo mundo ao abrir a caixa), para o homem judeu ¢ cristiio — é preciso insistir sobre este ponto — o mal est4 no homem antes de estar no mundo (por causa do pecado), e desde logo no é uma coisa, fruto de uma fatalidade e obra do destino, thas algo interior 20 homem, fruto de uma livre-escolha e obra da liberdade. Obra da liberdade dos homens, a falta ao ser introjetada leva i tiamatizagdo do mal (pecado) e acarreta uma nova relag3o do homem 60m Deus, a hist6ria ¢ a eternidade. Do lado da tradigdo judaica, Eliade poe em relevo a alianga de Deus com 0 pove judeu, uma alianga (historica) tantas vezes feita e desfeita, mas que deu origem a uma nova fititude cm relagao a histéria, a qual passa a ser vista como o lugar da Manifestagio de Deus nos quacros de uma teofania que procura dar Aentido aos acontecimentos histéricos, “considerados como presenca fitiva de Javeh” no mundo." Do lado da tadigao crista, Germano Pattaro Hlestaca nessa teofania nao propriamente a intervengio de Deus no mundo Mas coisas, aexemplo do mito, mas sua intervencio ativa no mundo dos homens, dando origem a uma histéria na qual os acontecimentos sao Grdenados segundo um esquema origem-fim, que explica os fieontecimentos ¢ os justifica, dando-lhes um sentido global, histéria que nada mais € do que a historia da salyacdo, nao de um povo eleito (0 ovo judeu) — acrescentamos nés — mas do homem, constituida de 8 tempos fortes: a criagfo, a encarnagio e o resgate. Do exposto pode-se compreender como o sofrimento era suportado pelo homem formado dentro do espirito da tradigéio judaico-crista, ¢ {ual era o seu sentido. Ora, segundo Eliade, os acontecimentos histéricos G0 seu cortejo de dores, provacdes e sofrimentos foram suportados pelo povo judeu precisamente porque “de um lado, eles eram queridos 1 Javeh, de outro porque eles eram necessarios A salvagio definitiva povo eleito”.* Algo parecido vamos encontrar entre os povos cristaos, lambém formados dentro da tradigfio messianica dos profetas, a que se 46m a dos evangelistas, com base nos testemunhos da vida de Jesus, le préprio considerado um Messias, povos que s6 puderam suportar as Perseguigées impiedosas de que foram vitimas por acreditar que essas fito S cessatiam um dia e que.a histéria seria abolida num futuro Muito breve. 0 que nos mostra Eliade numa passagem notdvel em que nos dé os Pontos fortes da concepgio messifinica do mal e da histdria, mas que wem ser facilmente estendidos aos povos cristéos, ao menos antes {jue o cristianismo se convertesse em religido de Estado ¢ uma histéria trlunfalista se instzlasse no lugar de uma hist6ria de perseguidos, ‘onlundindo os espiritos. Segundo nosso autor, da mesma forma que as — BLIADE, Le mnythe de (’étemnel retour, p. 126. ® Cr. PATTARO. La conception chrétienne du temps, p. 194-195. #ELIADE, op. cit. p. 127. crengas em uma regeneragio periddica do tempo professadas pelos gregos e arcaicos, a crenga messianica numa regeneracao final do mundo encerra também uma atitude anti-histdrica: “Se o hebreu nfo pode mais ignorar ou abolir periodicamente a historia, ele a suporta na esperanca de que ela vai cessar definitivamente num momento mais ou menos afastado. A irreversibilidade dos acontecimentos histéricos ¢ do tempo & compensada pela limitagao da histéria no tempo. No horizonte espiritual messianico, a resisténcia a histéria aparece como sendo mais firme que no horizonte tradicional dos arquétipos e das repetigdes; se aqui a histéria era recusada, ignorada ou abolida pela repetigao periddica da Criagdo e pela regeneracgao periGdica do tempo, na concep¢ao messidnica a histéria deve ser suportada porque cla tem uma fungito escatol6gica, mas ela 6 pode ser suportada porque ele sabe que ela cessara um belo dia. A histéria é assim abolida, nao pela consciéncia de viver um eterno presente (coincidéncia da revelagao a-temporal dos arquétipos) nem por meio de um ritual periodicamente repetido (por exemplo, os ritos do comeco do ano), mas é abolida no futuro. A regeneragéo periddica da Criagdo é substitufda por uma regeneragiio Yinica num in illo tempore que hé de vir. Mas a vontade de pdr fim A historia de uma maneira definitiva é ainda, ela também, uma atitude anti-histérica, tanto quanto as outras concepges tradicionais.”” Tudo isso é verdadeiro. Exceto que — e Eliade deveria t8-lo acrescentado — a eternidade se instala agora nao no tempo, nem num in illo tempore no passado, sequer num in illo tempore alojado no futuro, mas fora do tempo, depois do tempo, no fim dos tempos. Habitada por poténcias e sendo ela mesma uma poténcia, a histéria é o lugar do mal ¢ também o meio onde atuam os remédios capazes de repard-lo: a fé, a orag&o, a vida santa, a graga e a presenga ativa da providéncia divina. Mas os males s6 terfo fim com o fim da histéria, no fim dos tempos, quando passado, presente e futuro se revolverem e se abrirem a uma nova ordem do real, até entéo recuada nos confins da transcendéncia, mas que agora se estampa na plenitude de seu ser, sem qualquer risco de contaminagSo pelas poténcias corrosivas do tempo: a ordem da eternidade — tal é a convicgio profunda do homem judeu e cristao. O que é digno de nota nessas mentalidades, escreve Eliade, € que, por mais diversas que sejam as experiéncias arcaica, grega e judaico- crist@ do tempo e da histéria, e elas de fato o sao, elas encerravam, nio obstante, um ponto em comum: “A histéria podia ser suportada, nao S BLIADE. Le mythe de I’éternel retour, p. 132-133. 56 jiientc porque ela tinha um sentico, mas ainda porque ela era necessaria ff iiltina andlise."” Pouco importa se a historia era regida pela marcha ' ou pela lei do ciclo que leva & sua destruig&o e recriagiio ou pela vontade imperscrutavel da providéncia que intervém Eurso do tempo e acode aos homens. Pouco importa, pois, malgrado iA’ difcrengas, o resultado aque conduziam erao mesmo: “Nenhuma A calastrofes que a histéria revelava era arbitraria.” Em Hikeqtiéncia, se Os impérios se erguem e se afundam; se as guerras Hyocam fomes, mortes ¢ sofrimentos; se a imoralidade, a Gissolugiio costumes ea injustiga social anmentam sem cessar - tudo isso devia fuportado porque “necessério”, isto é, segundo Eliade, porque Hejado pelo riuno césmico, pelo demiurgo, pelas constelagées ou li vontade de Dens” ‘Tal 6, pois, o sentido da experiéncia da hist6ria nas mentalidades eu, antiga e medieval: habitada por poténcias ¢ sendo ela mesma A poténcia, a histdria é destino e seu sentido andnke (necessidade), a i € fortuna e seu sentido acaso (boa ou ma sorte), a histéria & Widéncia e seu sentido salyagao (escatologia). E tal é, portanto, 0 ido da experiéncia do mal que tem lugar nos quadros dessas eiitulidades: independentemente de sua fonte ou origem, mesmo ando dcevido as agées da fortuna, ficando a depender dos caprichos iletisa de olhos vendados, o mal pedia ser suportado, tinha ele mesmo sentido e havia como repar4-lo, sendo o remédio fornecido pela Opria histéria através des forgas que nela atuam (a lei do ciclo, a iBnicin dos deuses, a vontade da providéncia). Ora, ao se chegar & modemidade, essa experiéncia do tempo e da Orla scdimentada em povos e culturas to diversas, é profundamente ilada, se nZo rompida. Por um lado, 0 tempo vé-se esvaziar de suas Bncins para se converter numa espécie de marco ou forma vazia iiferente as coisas que o habitam. Por outro lado, a historia deixa de Uma poténeia e de ser habitada por poténcias, para se converter espécie de lugar ou meio (medium) onde as coisas duram e Piilecem. Porém, ao screm esvaziadas, as poténcias do tempo e da Gila, em vez de desaparecerem de vez, séio simplesmente transferidas 6 proprio homem que, ao recolhé-las e fazé-las suzs, qual um deus, iMugina agora suficientemente poderoso para pér o tempo a seu servico BLIADE. Le mythe de !'éternel retour, p. 155. e a histéria a seu dispor. Estas mudancas que iriam marcar a fundo a mentalidade do homem modemo se dao no rastro do projeto de dominagiio da natureza anunciado por Bacon e Descartes, de modo que € bem do mesmo prometefsmo de que nos fala Gusdorf que se trata, porém agora estendido a hist6ria, terreno em que nao se tinha aventurado o antigo e sofrido tita. Primeiro, 9 novo Prometeu trata de dominar o tempo do mundo, cria os rel6gios e inventa instrumentos de precisdo para todos os fins e por todos os meios, numa escala que deixaria os gregos com suas clepsidras e quadrantes solares humilhados. Depois, cuida de controlar e dominar a histéria, com a ajuda da ciéncia e da técnica, instalando algo como a acdo prospectiva sobre o tempo histérico, a vista do planejamento consciente do futuro nos planos econémico, social e politico, numa escala capaz de deixar os gregos em pinico, eles que consideravam sacrilega a idéia de dominar a natureza, o tempo © a histéria. Nao os modernos que, mais confiantes do que os helenos, qual um novo Prometeu, nao hesitaram em de novo, conhecedores dos segredos da natureza, do tempo e da histéria, pOr-se a cscalada do Olimpo para impor-se aos deuses, imaginando que agora seriam mais bem sucedidos na empreitada, pois eram mais fortes e poderosos do que eles. Tais mudangas de atitude ante o tempo ¢ a histéria esto associadas aum conjunto de modificagGes com respeito & maneira de avaliar um conjunto de cbjetos, concepgées e condutas afetos 2s mentalidades e as tradigdes, provocando uma verdadeira revolugio, a comegar pelo tema do mal, de que Eliade soube como poucos pintar com sensibilidade as alteragdes, bem como assinalar com preciséo o jogo das causas e dos efeitos. As alteragées: o esvaziamento das poténcias do tempo, a imanentizag4o do sentido da hist6ria, o esvaziamento do problema do mal; as causas: o desaparecimento do sagrado, a perda do transceadeate, 9 recuo do absoluto; os efeitos: a dessacralizagio da histéria, a secularizagio do tempo, a banalizagao de mal. Esta banalizagao de fato significa impoténcia ante as forgas do mal, as quais, sem nenhuma poténcia transcendente a barrd-las, disseminam sem peias toda sorte de afligdes, infortinios e suplicios, mas cujo significado e importincia o homem moderno recalca e diminui, opondo-Ihe a disposigdo natural do homem para o bem assim como a capacidade de aprimoramento do género humano. Daf, asscciada a esse recalcamento, a atitude otimista dos modernos face ao homem e & histGria; por um lado, se a fonte do mal nao é mais a divindade mas o homem, est4 em seu poder eviti-loe repard-lo; por outro, se a morada do homem é a histéria, a histéria ha 58 The ofercer os meios capazes de reparar os males que ela mesma rretu, sendo sua acdo tao mais eficaz, que nao depende da ajuda de kjucr poténcia transcendente, mas tio-sé da humanidade, a qual He de todo o tempo para a empreitada. Fis as idéias-forca das imeras idcologias do progresso que grassaram ao longo da adlerniciade, desde as diversas modalidades do iluminismo do século II até diferentes formas de positivisrno, historicismo e evolucionismo Seoul XIX. Ausim, ainda que seja temerdrio falar de descontinuidades e rupturas histdria, pois na mesma proporgo em que sio assinaladas encontrar- 0 Outros Lantos fatos que as desmentem € apontam para continuidades mentos, pode-se dizer que o traco que Gefine aépoca moderna, Oposigao As anteriores, quanto experiéncia do tempo e da hist6ria, mu inversdo de perspectiva e de valores que termina por lever ao jal desaparecimento de duas notas com cuja ajuda as civilizagées jea, helenfstico-romana e judaico-cristé pensavam 0 homem e a ria, a saber: as idéias de queda e de decadéncia. Isto porque, se antes a existéncia atual do homem no Cosmos era fiderada como queda em relagaio a um estado de perfeicgo original du do wrquétipo), na modernidade essa existéncia, ainda que lacunar impereita, & vista como ascensio, ¢ mesmo como superior a antiga, tioridade que s6 tende a aumentar, com o avangar do tempo, levando iN nperfeigoamento maior aindado homem. Demais, se antes a historia vista como decadéncia (afastamento do arquétipo), com infcio ¢ fim tempo (a idade de ouro, o grande ano etc.), na modernidade, em trapartida, € vista como progresso e lugar do aprimoramento do om, num tempo indefinido e num futuro aberto. Na raiz desta inversiio de perspectiva encontra-se uma inversaio tolégica na escala do ser, a qual levou os modernos a considerar que Hue vem depois na ordem do tempo é superior ao que vem antes, ¢ nao InVerso, como imaginavam os antigos. Mudanga capital, ainda que go ingénua, a julgar pelo otimismo fécil dos iluministas e lucionistas, mas suficientemente poderosa para alterar a fundo a Ali de valores no plano axiolégico, especialmente no que diz respeito homent ¢ & historia. Antes de mais nada, no homem passa a ser valorizada nao priamente a imitago e a repetigao dos arquétipos (deuses, herdis e Atos), mas a criagdo e a inovagdo enquante tais, totalmente prendidas dos arquétipos, quaisquer que sejam eles. Jé na histéria iit a ser valorizado nao o que permanece ¢ nao-muda (o mesmo) 59 segundo 0 modelo dos arquétipos da repetigZio, mas a mudanga e a diferenca (0 outro), dissociadas de todo e qualquer arquétipo, salvo 0 do progresso, se é que se pode falar de arquétipo ainda, visto que o modelo € buscado e atingido no futuro, niio no passado, ao contrério do que se imaginava antes. Desprendido dos arquétipos ¢ de sua ago limitadora ¢ paralisante, os quais levaram os homens antigos a bloquear por milénios sua capacidade de criacdo e a abafar a propria histéria, é um novo homem que irrompe: um homem que se sabe ¢ se quer criador da histéria; um. homem que, ao quebrar de vez o invélucro em que o mito encerrava os personagens e os acontecimentos historicos (herdis, faganhas etc.), libera as forgas da histéria, empurra o tempo para a frente (uma vez livre dos arquétipos que 0 puxavam para trés), transformando-o de ciclico em linear (linha ascendente), e permite o surgimento do acontecimento histérico como tal, sem nenhum invélucro, simplesmente histérico; um homem que reconhece na histéria seu préprio modo de ser de homem (homem histérico) e vé no acontecimento histérico, com seu selo do novo e do efémero, o préprio modo de ser da histéria como tal. Resultado: onde os homens arcaico, antigo e medieval viam na novidade do acontecimento a falta, 0 pecado, algo como uma transgressio a ser combatida e abolida do comércio dos homens, o homem moderno vé 0 signo do seu poder de criagSo e algo a ser celebrado e valorizado como tal, como acontecimento, como novidade, como a histdriaem seu infinito poder de inovagio e transformagio. Isto, mesmo que a experiéncia da histéria venha acompanhada de uma forte sensagio de vertigem, come a evocada por Tocqueville ao se referir aos tempos novos que a revolucio francesa parecia instalar, niio tendo nada de sdlido e de antigo em que se apoiar, a nao ser 0 novo. Pois a maioria dos espiritos, contagiada pelo entusiasmo pelos tempos novos que aera das revolugdes teria inaugurado, preferiu de fato ver nos seus passos rapidos e irresistiveis uma nova e radiosa aurora. Embora irresistfvel, como soe acontecer com as coisas humanas, sempre marcadas por ambivaléncias e ambigtiidades, esse modo de ver as coisas nao prevaleceu por muito tempo. Sintoma disso é que no caso. da passagem do regime dos arquétipos, ja fraturado pelo cristianismo, ao regime da histéria propriamente dito, por obra da modernidade, passagem que leva ao abandono das idéias de queda e de decadéncia em favor das idéias de perfei¢do e de progresso, muitos viram algo comoa dessacralizagdo da histéria e a secularizagéio da providincia cristi, pondo-se 0 homem no lugar de Deus e a raz4o no lugar das forgas 60 ais das poténcias edsmicas. Cedo, porém, percebeu-se que nfo assim, pois t4o logo as poténcias da histéria foram devolvidas ao #) ceste, qual um deus, se imagina com o poder de criar e controlar feldria, pondo suas forgas a seu servico, esta, a histéria, como que Hire wulonomia, suas forgas levam o homem de roldao, e ela propria prada como o novo deus do homem. Com isso, nfo apenas seus snilapens sio divinizados, mesmo que para cairem em desgraca logo ais (Stalin, Hitler, Mussolini, Mao-Tsé-Tung, o aiatolah Komehini), também o préprio acontecimento em sua fugacidade 6 santificado &i iesmo e por si mesmo, assim como 0 ef€mero é entronizado no da historia e a este titulo é reverenciado, a ponto de Hegel fazer da lla dos jornais a cragio tipica de homem maderno. Cabe pergunter, com Eliade, uma vez. afastado o transcendente, sem quer arquétipo a remontar, tendo ante si apenas 0 novo e o efémero jii@ Se reportar, 1) se de fato a histéria tem um sentido na modernidade i¢ senticlo & esse, 2) se de fato o homem moderno esta “equipado” a lidar com o problema de mal na histéria e em que medida pode ele oftur © terror da histéria, de que de tempos em tempos € vitima. ‘Ofimista, o homem moderno, mesmo esmagado pelas botas do tirano los tanques do invaso1, acredita um tanto ingenuamente que ahist6ria um sentido intrinseco (progresso) e que ela propria, fonte dos males, daria o remédio € repararia o mal. Esta idéia, partilhada pelos Ministas, historicistas ¢ evolucionistas, € também professada por Kaat, melhor do que ninguém soube formular o problema do mal consoante Pxigéncias da modernidade, Atribuindo a origem do mal ao homem, 0 4 Deus ou as forgas sobrenaturais, falando de um mal radical como lado de raiz constitutivo da natureza humana, dizendo que esta é a. de nascenca, precisa da lei moral para ser endireitada e da histéria i ser aperfeigoada, o solitdrio de Kénigsberg nao acredita que o mal omau ser de todo afastado ou abolido, mas mantém a idéia de que a Historia é o lugar do aprimoramento do homem, onde ele da livre curso liberdade. Pessimista, 20 analisar o problema do mal sob a ética do historicismo, Hacle tem fortes razGes para acreditar que nfo: a perda do absoluto, a ligio do transcendente, a imanenti do sentido da histéria ao OMem e aos acontecimentos... Com efeito, desde 0 inicio da modernidade, 2 humanidade assisti cira dos esforgos por dominar 0 tempo, nao A domesticagzo das foryas da hist6ria, mas A sua autonomizagio e expansiio numa escala vista. O resultado disso foi, 20 contrario do que imaginavam 61 Voltaire, Hegel e Marx, os quais trataram de suspender o devir num determinado “momento” da hist6ria (a idade das luzes, a unificacio da Alemanha € 0 surgimento da burocracia, 0 comunismo...), a dilatagao maior ainda da sua esfera de aluacao, 0 aumento maior ainda da sua cadéncia, o aumento maior ainda do Peso dos acontecimentos na vida dos homens, o qual, livre dos arquétipos, resvalaos limites do insondavel, De um lado, a aceleragdo da histéria num ritmo vertiginoso, impulsionada pela eclosao de uma série de TevolugGes em todos os planos €niveis (economia, politica, ciéncia, técnica, comunicagao, informacgao etc.) que se estende aos quatro cantos do planeta; de outro, o aumento brutal da pressio dos acontecimentos sobre a consciéncia dos contemporaneos, sem que nenbuma forma de evasdo Ihes fosse franqueada ou permitida. Assim, pergunta-se Eliade, como poderiao homem moderno suportar ® justificar os males da histéria sem se reportar a uma ordem trans- historica ou supra-historica, com base apenas na absoluta imanéncia do sentido aos acontecimentos, que se convertem em “bem” pelo simples Tato de existirem e de ocorrerem? Impossfvel, responde: simplesmente, Sem um plano supre-histérico, atado ao intra-mundano e colado aos fatos enquanto tais, tais como eles ocorrem em sua total imanéncia a si mesmos, nao hd como transcendé-los, ndo hé como fixar um métron capaz de “medi-los” ou avalid-los, no hé como dar-Ihes sentido, nao ha como se orientar por eles, opor-lhes resist8ncia e mesmo deté-los, Eliade é um romeno, filho dos bales, vizinho dos Pafses balticos, dos eslavos e dos povos do sudeste da Europa; quer dizer, povos a contra- mao da historia, que durante séculos sentiram o peso das botas dos INvasores e sofreram toda sorte de. desgracas e humilhacdes pelo simples fato de se encontrarem no caminho da histéria, na rota de pafses em Xpansdo, na linha de invasores asidticos e na vizinhanga do império Otomano.” Segundo ele, os homens arcaico, antigo e medieval puderam Suportar as desgragas e os sofrimentos infligidos pela histéria Precisamente porque essas provacdes tinham um sentido meta-histérico (Sinais da ira dos deuses, do declinio da “idade”, da vontade da Providéncia etc.). Nao o homem moderno que, sem nenhum plano meta- histérico a que se reportar, est mal equipado para suportar os males de uma histéria que mais ¢ mais foge de suas maos, 4 mercé do anmento brutal da pressiio dos acontecimentos que n&o permitem mais nenhuma forma de evasfo, e desamparado ante os massacres coletivos de povos "BLIADE. Le mythe de 'éterMel retour, p. 174, 62 feiFoy, os campos de concentragio, os goulags... Coin certeza o homem moderno também tem suas formas de evasio fisca escapar do efémero e da press&o da histéria. Nao tendo mais a fixccndéncia, 0 absoluto deve ser instalado no tempo, nfio fora do ei), O ponto de evasao nao esta nem atrés de nds, antes do tempo ou ‘omege dos tempos, nem depois de nés, no fim dos tempos ou depois Hi tempo, mas ante nds, no tempo, no presente. Uma das formas de Evasiio ¢ a arte, de que a literatura é tao rica em exemplos, aiticularmente as obras de James Joyce e T. S. Elliot, nas quais Eliade 6 uma profunda nostalgia do eterno ¢ um cesejo inabalével de abolir o flipo.”* Pode-se acrescentar ainda Proust, que nos deu uma obra-prima eyasdo do tempo na obra de arte. A evasio da arte acresce a da Bncia, cujo poder de sublimagio foi assinalado por Freud. Também a Hieolopia, aexemplo do marxismo,com sua idade de ouro: © comunismo. Por lini, o desejo de permanéncia do Estado ¢ de outras tantas instituicdes plais, que é uma outra forma do desojo da eternidade ¢ em que Hegel pria instalago do Absoluto no tempo (espitito objetivo). Bliade reconhece nessas formas de evasdo, mais do que uma \Nténcia & histéria, algo como uma revolta contra o tempo histérico, fi Como uma tentativa, levada a cabo em diferentes Ambitos da vida ‘#p homem moderne, de reintegrar 0 tempo histdrico no tempo césmico, eivlico ¢ infinito.” Exemplos desta natureza é que nao faltam. Para enn literatura, da ideologia e da filosofia, essa tentativa de feinlcgragdo leva, em diferentes campos das ciéncias do homem, a aubitituigdio do tempo linear pelo tempo ciclico, desmentindo um pouco idéia de que na modernidade imperou o primeiro As expensas do Segundo, que nao pode opor-Ihe nenhuma resisténcia. & assim —escreve Bille — que em economia politica assiste-se a reabilitagao das nogdes fle ciclo, de flutuagSes, de oscilagdes periédicas; que em histéria (ou filosofia da histéria como ele prefere) um Spengler ou um Toynbee ecuperam o tempo efelico ao enfrentarem o problema da periodicidade, pi win Braudel — acrescentamos nés — trabalha a longue durée da inioria como um tempo cfclico parecido com os grandes ciclos oligicos da geografia." A questi é saber se estas formas de evasiio do tempo e de resist@ncia A hist6ria so eficazes e se substituem com igual forca as formas antigas, PELIADE, Le mythe de "éternel rewur, p. 177. F |bidem. p. 176-177. * Ibidem. p. 169; BRAUDEL. Ls longue ducée, p. 41-83, 63 como 0 mito ¢ 4 religido. Para Eliade, nao. Sintoma disso € 0 nihilis: © a secura éspiritual do homem de nosso tempo. Este mais uma v precisa ser regenerado. Na encruzilhada em que se encontra hoje, hd di escolher entre duas alternativas: ou o desespero ou a fé. Eliade escolh asegunda. Como fim dos arg ustipos, o surgimento da liberdade interi ea queda do homem no tempo (ser hist6rico), s6 uma religiao da histéria, da liberdade e da “queda” poderd salvar e regencrar 0 homem: a Cristianismo, que, segundo ele, é a religido do homem moderno — un ser histérico, livre e decaido.”* Mas serd esta evastio eficaz? Nao serd essa uma safda subjetiva (fé)? Subjetiva por subjetiva, hé quem prefira, para fugir das penas do trabalho, das frustagdes da vida moderna e do inferno do outro, simplesmente evadir-se em viagens, fazer compras em Shoppings ou ficar sé em casa. diante da TV. Decididamente é muito pouco. De nossa parte, preferimos acreditar que ha ainda remédio para o homem e que talyes © melhor fosse reafirmar com vigor a evasdo pela obra e pela agio 20 modo dos eS Ds abil se ndo se pode ser grego hoje, é melhor ler Borges ou Em seguida vamos examinar como os historiadores e os fildsofos elaboraram essa experiéncia milenar do tempo e da hist6ria e como fidaram eles com esses dois modalizadores: a intuig&o do efémero e 0 desejo da eternidade. Por fim, indagaremos se a hermenéutica, ao usar seus operadores para trabalhar a experiéncia do tempo e da histéria, estatia equipada para decifré-la e compreendé-la, ou se, a0 contcério, deveria abrir-se auma ontologia do tempo histérico, para além do tempo da narrativa, como quer Ricoeur, CAPITULO II HLABORAGAO DA EXPERIENCIA DO TEMPO E DA HISTORIA Nas piginas que seguem vamos examinar como a experiéncia do 19 e da histéria foi elaborada pela historiografia e pela filosofia, como © que se perdeu dessa experiéncia no curso dessa claboragéo. ‘amando por ponto de partida a diade tempo/eternidade, Hinando o conjunto dessas elaboragées e voltando nossa atengéo um corpus de questoes afetas ndo s6 a natureza do tempo in Hacto (o tempo pertence ao ser ou ao nao-ser? € afeto a duragio A sucessio?), mas também, mais especificamente, A natureza e mo i textura Go tempo da histéria (0 tempo histérico € corpéreo invorpéreo? € pegajoso e adere As coisas, ou 6 poroso e as deixa asar?), trés so as hipdteses de trabalho que procuraremos aniinar com vistas a elucidar o sentido de tais elaboracdes — i pussando pelo esquecimento do tempo, outra pela perda do {drico, outra, enfim, pelo sacrificio do tempo histérico enquanto . 1) quando a historiografia fala do tempo da historia, ia da histéria e nao do tempo; 2) quando a filosofia fala do tempo histéria, fala do tempo e nao da hist6ria; 3) quando a Finenéutica, na extensdo da filosofia e da historiografia, como Ricoeur, fala do tempo da histéria, fala do tempo da historiografia jempo do discurso ou da narrativa) e no do tempo da histériz. No fim da nossa exposicao, vamos propor uma nova abordagem tempo histérico que, instrufda por esse trfplice fracasso da Flexi, devera voltar-se para a questio da natureza do tempo da niria e instalar algo como uma ontologia do tempo histérico. ma ontologia suficientemente “fraca” para evitar a reificagio do mMpo num tempo endégeno tinico substancial, a exemplo do mito das tragédias antigas; uma ontologia suficientemente “forte” para Vilar o esvaziamento do tempo e seu esfacelamento numa uultiplicidade de tempos empfricos particulares, como nas ciéncias ositivas. SCE. ELIADE. Le mytie de léteraet retour, p. 184-187. 64 65 1 Comecemos Pela historiografia,' 0 que mais chama a atencio n: abordagem dos historiadores relativamente a0 tempo da histéria Za Empttico é irrefletido que fazem dos conceitos de tempo e de hi sda valendo-sedeum conjunio de nogdes, convengGes ¢ pardmetros orhalion Ss, cronologias, ciclos, datas etc., para falar de thados por ele, assii ‘ pp fesemuta » Assim como de relatos que erent por ouvir dizer”, a exemplo das narragoes que ouviu doe sae . es egipcios ou que acolheu de conterraneos predecessores 'S. Isto, sem que ambos Perguntassem, Herédoto e Tucidides, se ‘uma abordagem do problema do Purticularmente da Escola dos Anais, contribuigio de Febvre, Bloche Braudel, obra me ‘Oproblemada “marcagic” dotempo ein’ Tucidides, ee i Neveron, que 6 grande historiador nunca dé uma data no scatide forte emseus tieeetes ce tineideun ee de Mme, Romilly pour définir Ja nature du temps T hologue comme M. Meyerson note que " ide, qui \ t ue "Thucydide, a ppt voles des précisions aumériquesettopographiques quand clles renee Thueytite Teed ne date’ conch ‘La sucesson es fails et leche se de aot dans son histor, ext consirustion et méme constation ‘igporeise Le lenpede Tne i vee eachtenloggue:e'ssl'on peut divans un temps liga f : Mythe etpenseé chez les grees, p. $3. As eitacbe foin n eéchez 5p. 53. ices em questio int me nieon due portale "temps tantnokwelT teas con ee pelo Jounal de Psychologie, nui ni i Bice Uae gi nilmero especial consageado aLa construction cin temps 66 ipo hist6rico instala algo diferente do tempo do calendério, voz porque acreditassem que o tempo da hist6ria, 0 tempo do jlo e © tempo vivido (quotidiano) fossem os mesmos. B com base nessas constatagdes que os a nossa primeira ptese de trabalho segundo a qual a historiografia, quando fala do po da histdria, fala da histéria, nao do tempo, vale dizer, de leniclivios, cronologias, ciclos, datas etc., niio enquanto relativos a uma lem que serve de quadro para inserir os acontecimentos hist6ricos — a , hd o ano, afeto ao Estado e ao rei, e ha também o dia, greja ¢ a0 clero; na cronologia, o inicio de uma série de eventos wracos pode ser 0 comego do mundo, de uma cidade, de um cla, de tin clinastia etc., jd o fim pode ser a eclosfo sibita de uma guerra, a pansio paulatina do comércio com outros povos, a seqgiiéncia de secas dle chuvas prolongadas espalhando a fome, a doenca e a morte etc, — juer dizer, acontecimentos referidos a ordem da historia e ndo 4 ordem tempo enquanto tal). Ao que parece, a falta de uma distingdo claramente estabelecida tre a ordem do tempo e a ordem da historia ndo comprometeu o ttabalho dos historiadores, assim como a pouca ov nenhuma atengio fledicada ao exame da natureza do tempo hist6rico igualmente pouco Oi nada afetou o conjunto dos trabalhos por eles desenvoividos. Pode- ‘86 dizer que a preocupagao de todos eles, antes de se ocuparem da ‘Higinizagao das matérias historicas em unidades aut6nomas, consistia fin estabelecer cronologias exatas e datas precisas das mesmas, ¢ para fal era-lhes indiferente lidar com um calendério lunar ou solar e mesmo. suber se o cémputo do tempo era feito com base na enumeragéio das 6limpfadas ou na sucessfo de arcontes e de cénsules. O que importava ef instalar uma narrativa em que a mencio ao tempo fosse controlada por relatos e testemunhos circunstanciados. A diferenga dos logégrafos, ctijos temas preferidos eram a fundagio de cidades e as genealogias de herdis que de pronto nos levavam até os deuses, Herédoto detinha sua eronologia da guerra entre os gregos ¢ os persas numa época bem mais fecente, sem nos levar aos deuses, cobrindo um periode de mais ou menos 100 anos. J4 Tucfdides em seus cito livros consagrados a guerra lo Peloponeso se restringia. a um perfodo de 20 anos (431-411 a.C). Por fim, Polibio tem por tema a histéria dos 75 anos que se passaram entre 0 infcio da segunda guerra piinica (221 a.C) e a tomada de Corinto pelos romanos (146 a.C), Cabe, entiio, perguntar o que elds relatavam em suas histGrias; qual era 0 objetivo que eles perseguiam nesses relatos; 67 como os elaboravam e quais parimetros seguiam. A se acreditar em Herddoto, Tucidides e Polibio, 0 relatado eram as ages e os feitos dos homens; 0 objetivo era evitar que seus vestigios se apagassem com 0 tempo; o modo como eram redigidos os relatos consistia em eXpor 08 motives das acdes e dos feitos dos homens, por exemplo os motivos que levaram os gregos ¢ os barbaros a fazer a guerra uns acs outros (Herédoto), os motivos que levaram ao embate dos atenienses ¢ dos espartanos na guerra do Peloponeso (Tucfdides), os motivos que levaram a decadéncia dos gregos ¢ & ascens&o dos romanos (Polibio). Examinemos agora 0 primeiro ponto: 0 que os historiadores relatavam em suas historias. Tuefdides dizia que em histéria os estudiosos devem voltar sua alencdo para o grande eo magnifico, e simplesmente ignorar 0 mitido € © anédino, cxatamente porque banal e indigno de ser lembrado. Porém, de fato, toda vez que se véem ante 0 extraordindrio, a atitude dos historiadores varia: podem simplesmente registrar o diferente ¢ 0 inusitado e deter sua andlise na constatagdo da relatividade dos habitos © costumes dos homens, a exemplo de Herddoto, que se espanta de que ho Egito os homens urinavam agachados e as mulheres em pé; podem, cientes do perigo que o inusitado representa, insurgir-se contra ele e realgar com cores fortes a ameaga, na esperanga de os homens se afastarem e nio seguirem o exemplo, como na imagem dos tiranos passada por intimeros historiadores, que nos falam de uma verdadeira besta-fera, sedenta de poder e mais poder, capaz de devorar a mde 2 os filhos; podem, enfim, reconhecedores do bem feito & humanidade, por em relevo os feitos dos grandes homens, na expectativa de o comum dos mortais adotar o exemplo, como nos perfis de Sdlon e Péricles tragacos por Herddoto e Tucidides. Tal variedade de atitudes ante 0 diferente e 0 inusitado nao impede, no entanto, que haja nos relatos dos historiadores um ponto em comum no que tange a relagzio com o tempo e, mais ainda, A prépria avaliagio do tempo: em todos esses modos de “contar” a histéria, em vez de o tempo aparecer como um poder ameagador ¢ de a diferenga instalada pelo tempo ser vista com temor ou medo, como no mito, o tempo ea diferenga, ao serem integrados e “racionalizados”, aparecem como naturais (“normais”) © constitutivos das relagGes humano-sociais enquanto tais. No fundo, nos diferentes planos do mundo da vida e da aio —o mundo da histéria—, a avaliagio do tempo pode ser positiva, negativa ouneutra, a depender da atitude face a ele. B neutra na primeira atitude, 68 4 constatagdo da diferenga se esgota na constatagiio, sem que as do tempo que produzem a diferenga inspirem temor ou medo. E ailva 1 segunda, onde os feitos dos tiranos sao mal-feitos e a fama fid-lama, mas esté ao alcance dos homens opor-lhes resisténcia e far sua ameaga. B positiva na terceira, onde as agdes e feitos dos jsf no (empo so exemplos (exenmpla) a serem seguidos. Todas cssas possibilidades wansparecem nos relatos dos dorladores, t8m a ver com o “qué” da narrativa (contetido narrado) finem o campo das perspectivas, cujo sentido ou diregao esti ilo a um conjunto de atitudes e avaliagdes dos préprios siorladores, dependendo, pois, de como eles reagem aos fitecimentos, os elaboram e os dispdem em seus discursos. Se na jieira altitude o diferente ¢ 0 inusitado so acomodadbs, integrados bsorvidos e podem dar lugar A relativizagdo do “meu” costume, e podia ser diferente. é na segunda e na terceira atitudes que a jn de controle ou dominio do tempo aparece com toda sua forga, flpade logo autoriza-nos a falar de uma domesticac’o das forcas § fempo c mesmo de uma sublimagdo, de um recalcamento, de evasdo pura e simples do tempo enquanto tal, Examinemos em seguida 0 segundo ponto, o objetivo perseguido Jos historiadores em seus relatos. Acredita-se que 0 escopo ou a finalidade dos relatos consiste em lar que as acdes e og feitos dos homens se apaguem com o tempo e mbem na morte e no esquecimento. Este € 0 objetivo de Herddoto, dizia que ao escrever a sua Histéria teve em mira evitar que os ipios das acSes desencadeadas pelos homens se apagassem com 0 Ho. Liste € também o objetivo de Tucidides, que tinha em vista na i Histdria da Guerra do Peloponeso fixar na meméria dos homens is fatos relativos 4 guerra, na esperanga de as geragGes futuras, pf eles, nao cometerem os mesmos erros das anteriores. Ao que parece, foi com vistas & consecugao deste duplo objetivo — fitar a meméria e barrar a agdo corrosiva do tempo — que os historiadores de diferentes épocas mobilizaram toda sorte de calendarios, “#laboraram cronologias, instalaram ciclos ¢ periodos, fixaraim datas, pslabelcceram fatos e documentos, perscrutaram anais, decifraram. jacrigSes, analisaram monumentos etc. Pouco importa se Herédoto, ao Jjaborar seus relatos, incorre num sem-numero de imprecisGes que cedo foram salientadas por historiadores que lhe sucederam, como as relativas A conversacdo entre Creso e Sélon, que de fato nunca ocorreu, como as tronologias ¢ os relatos fantasiosos dos sacerdotes egipcios, que cle 69 acolheu sem nenhuma critica, a exemy teis, que remontavam a 341 geragbes @ a cerca de 11.340 anos antes, ou dos relatos que diziam que Por duas vezes para o periodo e 0 evento considerados 6 sol se levantou a oeste. também se Tucidides em suas arengas idealiza os personagens, permanece algo infiel aos eventos relatados © nos fala de uma maneira esquisita do tempo histérico ao aludir a época em que o trigo estd vigoso ou maduro, c assim bor diante.* Pouco importa por fim se Tacito, ao se referir ao intervalo de 300 anus que separa a sua época da de Deméstenes, subverte o tempo e toma Deméstenes como contemporineo seu, vivendo no mesmo ano € no mesmo més que ele.’ Pouco importa, pois 0 que conta é que com a ajuda destes expedientes © artificios, estimulados Per seus contactos com as Civilizagdes do oriente, do ocidente ¢ do préximo-oriente, gregos e fomanos tomaram conscigncia da extensio, da continuidade e da profundidade do passado, e assim cuidaram de fixd-lo na meméria € salva-lo da morte e do esquecimento, Nesse esforgo de fixacao, se é verdade que a tentativa de salvar 0 passado foi acompanhada do sentimento de a humanidade carregar um peso — © fardo do passado —, UM sem-ntimero de acon- tecimentos anénimos, porém reais, vividos Por camponeses, artesfos. € notdveis de diferentes épocas, foi simplesmente relegado ao esquecimento, assim como uma infinidade de acontecimentos de especial relevo foi banida da memoria, expurgada dos arquivos e Varrida da hist6ria oficial, Para nos convencermos disso basta nos reportarmos aos exemplos das tevolugGes francesa e russa, que cedo cuidaram de apagar os vestigios de uma pléiade de Personagens ilustres e eventos incémodos, com a esperanga de, assim, melhor controlar 0 tempo © governar a historia. Tudo isso sugere que memoria e esquecimento siio as duas faces de uma mesma moeda e ambas constituem igualmente a historia; que tempo ¢ histéria ndo se recobrem (hd um tempo forte relativo & hist6ria; ha um tempo fraco afeto a cronica, ao diario intimo e & conversacgao); € que fixacio e evasio da tempo vao juntds, sendoa fixagHo uma forma de evasdo do tempo (evasao do tempo inexordvel que flui ¢ arrasta tudo atras de si) ¢ a evasfo uma forma de fixagiio * Pouco importa “LLOYD. Le temps dans la pensée grecque, “CROISET, CROISET, Histoire de la lites SLE GOFF. Meméria- hisidria: historia, pla, rature grecque, v.1N, p. 122. p.224.225, 70 plo das genealogias de seus dp tempo (a fixagio do tempo que dura desde todo 0 sempre e por joo o sempre: a eternidade). [xuminemos por fim 0 terceiro ponto: o modo como eram elaborados 6 relatos dos historiadores — a exposigao dos motivos das agdes e dos feitos dos homens. Se a abordagem dos historiadores com respeito aos acon- lecimentos se detivesse na elaborago de cronologias, na confesgao ile ciclos, no estabelecimento de datas etc., com vistas a organizar {it quadro temporal no qual seriam inseridos og personagens e os acontccimentos, tal abordagem em nada se distinguiria da dos fronistas, Estes também falam do tempo da hist6ria como se fosse 0 tempo do calendario, elaboram cronologias, ainda que parciais ¢ Miscretas, criam ciclos, ainda que de uma famflia ou de um cla, e lida também com datas, ainda que restritas a um individuo ou a Uma casa ilustre. Todavia, as diferengas comegam logo a aparecer quando o historiador, mais do que estabelecer conexdes e fazer #Omparagdes ao seguir a sucessdo dos acontecimentos no devir temporal, procura apontar os motivos tiltimos ou as causas profundas {le peraram esses acontecimentos. Com certeza nfo si pouces os cronistas que nas suas narrativas a omtecimentos incorporam a ocasifo, 0 pretexto ou a origem de wm acontecimento: Froissart, por exemplo. Algo parecido vamos encontrar nos historiadores, os quais so todos um pouco cronistas, © ainda algo mais e distinto: a inclusio de causas, para além dos Motivos, como em Tucidides, o qual distingue as causas imediatas das causas mediatas; como em Polfbio, que diferencia a causa de um acontecimento daquilo que foi sua ocasifo, o pretexto ou himplesmente a origem, na medida em que na ocasitio ha tdo-sé una coincidéncia fortuita, ao passa que na causa o Jago que a liga 40 cfcito € intrinseco ¢ necessério; como em Montesquieu, que distingue a causa de um evento do mével de uma agiio e a assimila f Ici, pensada como uma conexao constante entre termos varidveis, fom a presenga de elementos volitivos e conscientes, Ora, a simples inclusao das causas nos relatos dos historiadores leva 4 distingao do tempo da histéria do tempo chapado do calendario © A separagao da histéria da crOnica: por um lado, o tempo da historia passa a ser dotado de uma espessura e de uma profundidade que escapam ao calendario, exigindo outros pardmetros para ser upreendido; por outro, ao enveredar-se na ordem profunda da histéria, onde agem as causas dos acontecimentos, a histéria é 71 ciéncia e nfo @penas cronica ou algo Parecido,° 2 experiencia humana, pul eae identifica o tempo da histéria ao tempo do calendério, chamando este titi nen a4 nica (4 i .. Sitomavcament de empocrénico temps eronigue", uate ere niveladose igualados imine ne cr6nica ¢ o tempo do calendatio enquanto tal, Distinto : tempo ifsico (continuo, uniforme, infind é j : Sn ees 19, NO, Segmentavel & vontaik tearo ¥ : lo (anidirecionate irreverstvel) edo tempo lingtistico (centrado no sere = Benen £28 instncia do diseuro), o terupo do calenditio wa ch encerca sceund tres tragos fundament: iS, Que lhe so, eiprios e que nao compartilha consethane eo 0 tempo crGnico é ‘intemporal,. Jimitando-se g, Tegistrara série de unidades ° : ii sates cons Games mo compat do calenditio ignoraa distingdo passado/presente/fuuuro, 0 a stranho 20 tempo vivido e no pode esinet . ‘ z ‘idir com ele, De um lado, Ric ‘firma com Benveniste, quanto 20 trmpo extaice, ite nada no caiendsrio diz que um tal dia ; ia siaasa te referencias escolhido pelo observader. De outro, Ricoeur afirma com K Aa uae aotempo deninde, «que 0tempo fsico, onsiderato do pontade vista ay svsa/ dade, commporta uma diregdo entre 9 antes o depei ime 2 ois, nn a Spestifo caleo passado co futuro, Ora, no éexataments aimpatagéo dereayoes ocala cel int osacontecimsnts que Sucedera no curso da historia que confere umaespesn a fun ieee eames ‘20 tempo histdrico, fundadas na distingzo quattatieg ec ults (Causa) ¢0 depois (efeito), assim como nairevers bi n F idade dos acontccis qgarsromidos entre oantes(passado}e 0 depois (fauto) ede uma mmanciratal que dstinges Simultaneamente o tempo histérico do tempo “plat” do eclenditio do tempo vivide te, orSniea? (RICOUER, Temps et récit,v. I, p. 72-73 159, 157-158, en 72 fli ¢ a convicgfio de Polibio, por exemplo, a0 esctever no livro I laa [dividrias; “Quando se escreve ou 1é histéria, deve dar-se menos Flincia & narragdo dos fatos em si, que ao que precedeu, panhou e se seguiu aos acontecimentos; porque, se se retirar da 40 porqué, o como, a finalidade da exisi€ncia dum acto, ou a sua Al, 0 que resta no € mais que espetaculo € nfo pode tomar-se objecto #stilo; distrai por momentos, mas néo tem aplicagio nenhuma no i... Alirmo que os elementos mais necessdrios & histéria sZ0 as eeq(inicias, as circunstancias que rodeiam os factos, e principalmente BUAN Causas.”" Digno de nota nos relatos dos historiadores quanto ao seu eeclimento ou ao “como” imputavam as causas aos acontecimentos & falo (ie que, a0 postularem o Iago causal, eles nao se sentiam harusados com a presenca por demais evidente do acaso na histéria taram logo de assimilé-lo. A estratégia adotada via de regra consistiu fecluzir 0 acaso, como nos lembram Barreau e Alquié, ao encontro -voncertado de uma série de causas e efeitos independentes,’ ou, amo, em tomd-lo sem mais como causa, se no como componente mento) das ConexGes causais, Foi um pouco isso o que fez Tucidides, ie acreditava que necessidade e acaso vio juntos. Assim também agiu Polibio, que segundo Le Goff pde em primeiro plano na causalidade jetoriva a nogao de fortuna’ e cuida de mostrar a seus Ieitores, num 6 aciro, os meios pelos quais a fortuna executa suas intengdes ecaprichos fiundo dos homens (I, 4). Foi, enfim, algo parecido com isso 0 que # Maxjuiavel, que, além da virti, vé na fortuna uma forga poderosa da slOria, ea toma como uma forma da causalidade histérica, a exemplo ie Polibio, Cabe entaio perguntar se a causalidade histérica se Presta para a Aprecisdo do tempo da historia, ou se mais uma vez nos leva 2 perdé- lo, Sabe-se quais sio as condigdes para a claboracdo de um quadro fempoval conforme as exigéncias da hist6ria, o qual permita a imputacao fe Lagos causais entre os acontecimentos gue se sucedem no tempo: 1) a Pliticdio da série temporal em intervalos regulares com pontos de iWlentificagao (antes e depois) ¢ orientaggo definida (sucesso: comeo ¢ fim); 2) acomunicacao dos acontecimentos no interior desses intervalos, * Cludo por LE GOFF. Meméria - histéria; histéria, p. 224, * Cl BARREAU, Modéles cireulaites, lingaires et ramifiés de la représentation du temps; cf. lanubcm ALQUIB, Le désirde ’érernité, p. 79, * LL: GOFR op. cit, p.224 73

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