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Alice Casimiro Lopes Elizabeth Macedo TEORIAS DE CURRICULO 1 edigao 3? reimpressao Sei Orarens Alice Casimiro Lopes Elizabeth Macedo TEORIAS DE CURRICULO 14 edigao ¥ reimpressao Scone Orarens 19 Capitulo 1 Curriculo Embora simples, a pergunta “o que é curriculo?” nao tem encon- trado resposta facil. Desde o inicio do século passado ou mesmo desde um século antes, os estudos curriculares tém definido curriculo de formas muito diversas e varias dessas definig6es permeiam 0 que tem sido denominado curriculo no cotidiano das escolas. Indo dos guias curricu- lares propostos pelas redes de ensino aquilo que acontece em sala de aula, curriculo tem significado, entre outros, a grade curricular com disciplinas/atividades e cargas hordrias, o conjunto de ementas e os programas das disciplinas /atividades, os planos de ensino dos profes- sores, as experiéncias propostas e vividas pelos alunos. Ha, certamente, um aspecto comum a tudo isso que tem sido chamado curriculo: a ideia de organizacao, prévia ou nao, de experiéncias/situagdes de aprendi- zagem realizada por docentes/redes de ensino de forma a levar a cabo um processo educative. Sob tal “definigdo”, no entanto, se esconde uma série de outras questdes que discutiremos ao longo deste e dos demais capitulos, e que vém sendo objeto de disputas na teoria curricular. Nossa premissa na construcao deste livro é de que nao é possivel responder “o que é curriculo” apontando para algo que lhe é intrinse- camente caracteristico, mas apenas para acordos sobre os sentidos de tal termo, sempre parciais e localizados historicamente. Cada “nova definicgao” nao é apenas uma nova forma de descrever o objeto curri- culo, mas parte de um argumento mais amplo no qual a definicdo se 20 LOPES * MACEDO insere. A “nova definigao” se posiciona, seja radicalmente contra, seja explicitando suas insuficiéncias, em relacao as definigdes anteriores, mantendo-se ou nao no mesmo horizonte teérico delas. Esse movi- mento de criagao de novos sentidos para o termo curriculo, sempre remetendo a sentidos prévios para de alguma forma negd-los ou re- configura-los, permeara todos os capitulos e também este, no qual destacaremos alguns sentidos que 0 termo vem assumindo ao longo do tempo e que nos parecem mais relevantes. Estudos histéricos! apontam que a primeira mencao ao termo cur- riculo data de 1633, quando ele aparece nos registros da Universidade de Glasgow referindo-se ao curso inteiro seguido pelos estudantes. Em- bora essa mencao ao termo nao implique propriamente o surgimento de um campo de estudos de curriculo, 6 importante observar que ela j4 embute uma associacao entre curriculo e principios de globalidade estrutural e de sequenciagao da experiéncia educacional ou a ideia de um plano de aprendizagem. Ja nesse momento, 0 curriculo dizia respeito a organizar a experiéncia escolar de sujeitos agrupadas, carac- teristica presente em um dos mais consolidados sentidos de curriculo, Curriculo: selecao e organizacgao do que vale a pena ensinar O curricula é definido como as experiéncias deaprendizagem planejadas e guiades 05 resultados de aprendizagem nito descjados formulados através da reconstru- (do sistematica do conhecimento e da experiéncia sob os auspicios da escola para ocrescimento continuo ¢ deliberado da competencia pessoal ¢ social do aluno2 Talvez hoje seja Sbvio afirmar que 0 ensino precisa ser planejado e que esse planejamento envolve a selecao de determinadas atividades/ 1. HAMILTON, David. Sobre as origens dos termos classe ¢ curriculum. Teoria ¢ Educagio, Porto Alegre, n. 6, p. 33-52, 1992. ‘2. TANNER, Daniel; TANNER, Laurel. Curriculum development. New York: Macmillam, 1975. pS, TEORIAS DE CURRICULO 21 experiéncias ou contetidos e sua organizagao ao longo do tempo de escolarizagao. Nem sempre, no entanto, essa ideia foi tao Gbvia. Na segunda metade do século XIX, por exemplo, aceitava-se com tranqui- lidade que as disciplinas tinham conteddos/atividades que Lhes eram proprios e que suas especificidades ditavam sua utilidade para o de- senvolvimento de certas faculdades da mente. O ensino tradicional ou jesuitico operava com tais principios, defendendo que certas disciplinas facilitavam o raciocinio légico ou mesmo ampliavam a memédria, Ape- nas na virada para os anos 1900, com o inicio da industrializagao ame- ricana, e nos anos 1920, com o movimento da Escola Nova no Brasil, a concepgao de que era preciso decidir sobre o que ensinar ganha forca €, para muitos autores, ai se iniciam os estudos curriculares. Num momento marcado pelas demandas da industrializagao, a escola ganha novas responsabilidades: ela precisa voltar-se para a re- solugao dos problemas sociais gerados pelas mudangas econdémicas da sociedade. Independentemente de corresponder ou nao a campos ins- tituidos do saber, os contetidos aprendidos ou as experiéncias vividas na escola precisam ser titeis. Mas como definir o que € util? Util para qué? Quais as experiéncias ou os contetidas mais titeis? Como podem ser ordenados temporalmente? Por onde comegar? Nao tem sido facil responder a tais questdes e as muitas perspectivas assumidas ao longo do tempo tém criado diferentes teorias curriculares. Em comum entre elas, a definigao do curriculo como plane formal das atividades/expe- riéncias de ensino e de aprendizagem, a preocupagao com a adminis- tracao, em algum nivel centralizada, do dia a dia da sala de aula. Destacamos algumas das respostas oferecidas pelas teorias curriculares, comegando pelos dois movimentos surgidos nos EUA no momento em que as questdes surgem no horizonte de preocupagao: 0 eficientismo social e o progressivismo, este trazido para o Brasil pela Escola Nova. Nos anos 1910, na psicologia, o comportamentalismo, ena admi- nistragao, o taylorismo, ganham destaque na sociedade americana que se industrializa. As demandas sobre a escolarizagdo aumentam, como forma de fazer face 4 rapida urbanizagao e as necessidades de traba- lhadores para o setor produtivo. Surge, assim, a preocupagao com a *e] 22 LOPES « MACEDO eficiéncia da escola que tem como fungao socializar 0 jovem norte-ame- ricano segundo os parametros da sociedade industrial em formagao, permitindo sua participacdo na vida politica e econdmica, Pretende- assim, que a industrializagdo da sociedade se dé sem rupturas e em elima de cooperagao. A escola e 9 curriculo sao, portanto, importantes instrumentos de controle social. Ainda que o eficientismo seja um movimento com muitas nuangas, pode-se resumi-lo pela defesa de um curriculo cientifico, explicitamen- te associado & administracdo escolar e baseado em conceitos como eficdcia, eficiéncia e economia. Em 1918, Bobbitt defende um curricu- lo cuja fungao é preparar o aluno para a vida adulta economicamente ativa a partir de dois conjuntos deatividades que devem ser igualmen- te consideradas pela escola — o que chama curriculo direto ¢ as expe- riéncias indiretas. O formulador de curriculos deve, entao, determinar as grandes areas da atividade humana encontradas na sociedade e subdividi-las em atividades menores — os objetivos do curso. Tarefa certamente nada facil, na medida em que se estaria frente a um sem-ntimero de objetivos definindo comportamentos os mais diferen- tes, desde simples habilidades até capacidades de julgamento bem mais elaboradas. Um conjunto de especialistas, reunides num forum democratico, é 0 responsdvel pela identificagao das tarefas desejaveis e por seu agrupamento em categorias. A transferéncia desses pressu- postos para o ensino vocacional cria talvez 6 mais influente principio curricular da primeira metade do século passado, com fragmentos até hoje visfveis na pratica curricular. A partir da identificagao dos com- ponentes particulares da atividade de bons profissionais, compGe-se um programa de treinamento, com objetivos selecionados por seu valor funcional, sua capacidade de resolver problemas praticos. Como se pode perceber, o eficientismo social nao se refere, em nenhum mo- mento, a contetidos, ou a sua selegao, deixando de lado mesmo a discussao sobre se haveria alguma disciplina importante para a for- magao dos alunos. Para os eficientistas, as tarefas ou 0s objetivos sao 3. PINAR, William F; REYNOLDS, William; SLATERRY, Patrick; TAUBMAN, Peter. Lnder- standing curriculum. New York: Peter Lang, 1996. TEORIAS DE CURRICULO 3 centrais e podem, posteriormente, ser agrupados dentro das disciplinas que, neste momento, j4 compéem os curriculos. Rivalizando com o eficientismo no controle da elaboragéo de curriculos “oficiais”, o progressivismo conta com mecanismos de con- trole social bem menos coercitivos. Mas, também para os progressivis- tas, a educacio se caracteriza como um meio de diminuir as desigual- dades sociais geradas pela sociedade urbana industrial e tem por objetivo a construgao de uma sociedade harménica e democritica, Reconhecem, no entanto, em niveis diferenciados, dependendo dos autores, que a distribuigdo desigual do poder na sociedade nao é um fenémeno natural, mas uma construcao social passivel de mudanga pela acaéo humana. A educacao poderia, portanto, ser um instrumento para formar individuos capazes de atuar na busca dessas mudangas. O nome mais conhecido do progressivismo é o de John Dewey, cujos principios de elaboragao curricular residem sobre os conceitos de inteligéncia social e mudanga. Ele advoga que 0 foco do curriculo éa experiéncia direta da crianga como forma de superar o hiato que parece haver entre a escola e o interesse dos alunos. Nesse sentido, o progressivismo se constitui como uma teoria curricular unica que encara a aprendizagem como um processo continuo e néo como uma preparagao para a vida adulta. © valor imediato das experiéncias curriculares se apresenta como principio de organizagao curricular em contraposigao a uma possivel utilizagao futura. O foco central do curriculo para Dewey" esta na resolugdo de problemas sociais. O ambiente escolar 6 organizado de modo a que a crianga se depare com uma série de problemas, também presentes na sociedade, criando oportunidade para ela agir de forma democratica e cooperativa. As atividades curriculares e¢ os problemas sao apresen- tados as criangas para que elas, em um mesmo processo, adquiram habilidade e estimulem sua criatividade. O curriculo compreende trés miicleos: as ocupagies sociais, os estudos naturais ea lingua. Os con- tetidos — assuntos que se relacionam a problemas de satide, cidadania 4, DEWEY, John. Dewey an education: selections, New York: Teachers College Press, 1959. 24 LOPES * MACEDO e meios de comunicagao — deixam de ser 0 foco da formulagao curri- cular, tornando-se uma fonte através da qual os alunos podem resolver os problemas que o social lhes coloca. Em relagao 8 organizagao temporal das diferentes atividades ao longo do curso, Dewey defende que as experiéncias educacionais da escola precisam se conectar com as levadas a cabo em outras institui- des da propria sociedade, como, por exemplo, a familia. Como é importante que todas as experiéncias da crianga tenham unidade, Dewey argumenta que elas devem ser organizadas a partir das mais irgem de necessidades pra- contemporaneas. Os assuntos escolare ticas e apenas posteriormente devem assumir formas abstratas mais avangadas. Os principios de Dewey estao na base das reformas educacionais ocorridas nos anos 1920, em alguns estados do Brasil, levadas a cabo por educadores conhecidos como escolanovistas. Anisio Teixeira € Fernando de Azevedo, por exemplo, foram responsaveis pelas reformas ocorridas na Bahia (1925) e no Distrito Federal (1927), Mais recente- mente, a proposta pedagégica dos Centros Integrados de Educagao Publica (CIEPs) traz alguns elementos do progressivismo de Dewey. K importante ressaltar, no entanto, que o progressivismo ¢ o nome dado a um movimento com muitas divisdes internas, indo de corren- tes com uma forte preocupagao social a teorias centradas na crianga, mas que nao possuem tal preocupagao. Nesse segundo grupo, desta- ca-se o trabalho de William Kilpatrick, também muito presente nas experiéncias brasileiras. Kilpatrick’ ¢ 0 responsivel pela sistematizagao de projetos, utilizades por Dewey em diferentes experiéncias educa- cionais, visando a construcao de um método de ensino — o método de projetos — que, de alguma forma, hibridiza as ideias de Dewey com princfpios do comportamentalismo em voga. Ainda que definido ape- nas como método pelo autor, sua contribuigéo é intimeras vezes toma- da como uma teoria curricular progressivista, exacerbando um carter técnico que o progressivismo possui, masem niveis menos acentuados. 5, KILPATRICK, William. 0 niétade de projectos. Mangualde: Edicées Pedago, 2008. TEORIAS DE CURRICULO 25 Em 1949, a teoria curricular produz a mais duradoura resposta 4s questdes sobre selecdo e organizacao de experiéncias/contetides edu- cativas/os, Com uma abordagem eclética, Ralph Tyler se propde a articular abordagens técnicas, como as eficientistas, com o pensamen- to progressivista. Ainda que sua apropriagao do progressivismo tenha sido caracterizada como instrumental e que seu pensamento esteja muito mais proximo do eficientismo, sem dar conta da tensdo entre crianga e mundo adulto que caracteriza o pensamento de Dewey, a racionalidade proposta por Tyler se imp6e, quase sem contestagao, por mais de 20 anos, no Brasil e nos EUA. Os prineipios de elaboracio curricular de Tyler serdo detalhados no capitulo 2. Por ora, interessa-nos apenas entender como ele respon- de as questées sobre selego e organizagao das experiéncias de apren- dizagem. O modelo de Tyler’ é um procedimento linear e admini: tivo em quatro etapas: definigao dos objetivos de ensino; selecao € criagdo de experiéncias de aprendizagem apropriadas; organizacao dessas experiéncias de modo a garantir maior eficiéncia ao processo de ensino; ¢ avaliagdo do curriculo. Mas a racionalidadle tyleriana faz mais. do que responder as ques- toes até entdo centrais da teoria curricular. Estabelece um vinculo es- treito entre curriculo e avaliagdo, propondo que a eficiéncia da imple- mentacéo dos curriculos seja inferida pela avaliagao do réndimento dos alunos. Ainda que sua abordagem processual — objetivos /pro- cesso educativo/avaliacao do atingimento dos objetivos — tenha uma matriz comportamental, tem sido utilizada na formulagao de curricu- los com diferentes aportes teoricos, como veremos no capitulo 2. Tyler define, assim, uma nova agenda para a teoria curricular, centrada na formulagio de objetivas, com repercussées que, ainda hoje, podem ser vistas nos procedimentos de elaboracao de cu’ ulos. Ha alguns elementos comuns a essas trés tradigdes do campo do curriculo no que tange a definigao de curriculo. Em todas elas, € enfa- tizado o cardter prescritive do curriculo, visto como um planejamento 6. TYLER, Ralph. Principios txisicos de currfcula ¢ ensino. Porto Alegre: Globo, 1977. 26 LOPES » MACEDO das atividades da escola realizado segundo critérios objetivos e cienti- ficos. Todo o destaque é dado ao que veio a ser denominado mais tarde curriculo formal ou pré-ativo. E bem verdade que nao se trata de de- fender que tudo pode ser previsto. Tanto para Dewey e Teixeira quan- to para Tyler, a construcao curricular ¢ um processo do qual professores, emesmo alunos, podem ou devem participar em diferentes momentos. Mas ha um nivel de decisao curricular anterior a tal participagao que ja ocorre numa fase de implementacao do curriculo, quando o que é prescrito passa a ser “usado” nas escolas. A dinamica curricular envol- ve, entio, dois momentos integrados, mas distintos: a produgao e a implementagao do curriculo. Admitindo-se o carater cientifico de sua elaboracao, os insucessos sao, com frequéncia, descritos como problemas de implementagao e recaem sobre as escolas e os dacentes. O primeiro siléncio: sobre hegemonia, ideologia e poder as escolas estifo organizadas nao apenas para ensinar o conhecimento referente a qué, como e para qué, exigido pela nossa soviedade, mas esto organizadas também de uma forma tal que elas, afinal das contas, auxiliam na producdo do conhecimento técnico/ administrative necesstrie, entre outras coisas, para ex- pandir mercados, controlar a producao, o traballto ¢ as pessoas,*produzir pes quisa basica e aplicada exigida pela indtistria ¢ criar necessidades artificiais generalizadas entre a populagao.” Além de enfatizar o prescrito, separando concepgao e implemen- tacdo, as abordagens cientificas do curriculo sao criticadas por conce- berem a escola e 0 curriculo como aparatos de controle social. A im- portancia da escola para o desenvolvimento econémico do pais, ressaltada em miiltiplos momentos, é uma das expresses dessa cren- ¢a, assim como o destaque que a ela se dd como espaco de soc! dos sujeitos. Aprende-se na escola nao apenas o que é preciso saber para entrar no mundo produtivo, mas cédigos a partir dos quais se zagio 7. APPLE, Michael. Esducapia ¢ poder. Porto Alegre: Artes Médicas, 1989. p. 37 TEORIAS DE CURRICULO Pr deve agir em sociedade. Nessa perspectiva, a harmonia € © progresso social sao gestados também na escola. Uma das criticas mais incisivas da escola e do curriculo como aparato de controle social parte do que se convencionou chamar de teorias da correspondéncia ou da reprodugao, produzidas, principal- mente, nos anos 1970. Trata-se de teorias marxistas que defendem a correspondéncia entre a base econémica ¢ a superestrutura, indo de perspectivas mecanicistas, em que a correspondéncia é total e exata, a concepcées em que a dialética entre economia e cultura se faz mais visivel. Incluem trabalhos variados do campo da sociologia, alguns dos quais problematizando mais especificamente o curriculo escolar. Assim € que, ancorados na concep¢ao de aparelhos ideolégicos de Estado, desenvolvida por Louis Althusser* no livro Aparellios ideolégi- cos de Estado, em 1971, Baudelot e Establet e Bowles e Gintis, por exem- plo, analisam a atuagao do sistema educativo na preparagao dos sujei- tos de cada classe social para assumir os papéis que lhes sao destinados: pelo sistema capitalista. Althusser nao trata especificamente da escola, ou dos mecanismos através dos quais ela atua como elemento de reprodugio. Ao definir os mecanismos pelos quais o Estado contribui para a reproducio da estrutura de classes, cria o arcabougo bisico de conceitos com os quais a teoria da reproducdo opera. Aponta Althusser para o duplo carater de atuagio da escola na manutencao da estrutura social: diretamente, atua como elemento auxiliar do modo de producido como formadora de mao de obra, indiretamente contribui para difundir diferenciada- mente a ideologia, que funciona como mecanismo de cooptagao das diferentes classes. E esse cardter de aparelho ideoldgico ressaltado por Althusser que vai constituir 0 cerne da teorizagao criticaem eurriculo, considerado enquanto mistificagao ideolégica. O trabalho de Baudelot e Establet’ (A escola capitalista na Franca, 1971) assenta-se predominantemente sobre as ideias de Althusser, 8. ALTHUSSER, Louis. Aparelhos ideoldgicas de Estado. Rio de Janeiro: Graal, 1998. 9, BAUDELOT, Christian; ESTABLET, Roger. L'école eapitaliste en France. Paris: F. Maspero, 1971. 28 LOPES « MACEDO buscando explicitar a forma como o sistema escolar atua para garan- tir a diferenciagao social e denunciando a falsa propaganda da escola enquanto espacgo que garante oportunidades a todos. Por sua vez, 0 trabalho de Bowles e Gintis" (Escolarizagao na América capitalista, 1976) trabalha a funcao reprodutora da escola, chamando a atencao para a materialidade da ideologia, jd presente, como adverténcia, nos escri- tos de Althusser. Os autores estabelecem uma correspondéncia entre a estrutura social e a estrutura de producao, identificando como as diferentes divisées e hierarquizagdes necessdrias 4 participagao con- trolada do trabalhador no mereado sao construfdas a partir da orga- nizagdo das experiéncias escolares, numa correspondéncia bastante direta. Apesar de consistentes, ambas as andlises tém forte cardter determinista e nao se detém na andlise mais aprofundada da escola e do curriculo. Com uma abordagem menos determinista, centrada na importan- cia dos processos culturais na perpetuagao das relagGes de classe, Bourdieu e Passeron,” em A reproducio, datada de 1970, explicitam a complexidade dos mecanismos de reproducao social e cultural. Aagao pedagogica é descrita como uma violéncia simbélica que busca pro- duzir uma formacao duravel (habitus) com efeito de inculcagdo ou reproducao. Para os autores, a escola opera com cédigos de transmi sao cultural familiares apenas as classes médias, dificult&ndo a esco- larizagéo das criangas de classes populares, mas, principalmente, na- turalizando essa cultura ¢ escondendo seu carater de classe. Os sistemas dos arbitrari assim, definidos como legitimos e sua imposigao € ocultada pela ideo- logia. Nesse sentido, a reprodugao cultural opera de forma semelhan- te 4 reproducdo econémica: o capital cultural das classes médias, de- sigualmente distribuido, favorece aqueles que 0 possuem e, com isso, perpetua a desigualdade dessa distribuigio s culturais de uma determinada formacao social sao, 10. BOWLES, Samuel; GINTIS, Herbert. Schooling in capitalist America, Londres: Routledge, 1976 11. BOURDIEU, Pierre; PASSERON, Jean Claude. A reprodugio, Rio de Janeiro: Francisco Alves, 1975. TEORIAS DE CURRICULO =a Na trajetéria das criticas ao papel reprodutivo da escola, a socio- logia britanica dos anos 1970 explicita um conjunto de preocupagoes que se direcionam mais fortemente para questées que podemos chamar de curriculares. Em 1971, 0 livro Conhecimento e controle: novas direcées para a Sociologia da Educagilo, organizado por Michael Young,” langa as bases do movimento chamado Nova Sociologia da Educagao (NSE). Para entender como a diferenciacao social 6 produzida por intermédio do curriculo, os autores da NSE propdem questées sobre a selegao € a organizagao do conhecimento escolar. Diferentemente das perspectivas técnicas, tais questées buscam entender os interesses envolvidos em tais processos, compreendendo que a escola contribui para a legitima- cdo de determinados conhecimentos e, mais especificamente, dos grupos que os detém. A elaboracao curricular passa a ser pensada como. um processo social, preso a determinagdes de uma sociedade estrati- ficada em classes, uma diferenciacao social reproduzida por intermé- dio do curriculo. Ao invés de método, 0 curriculo torna-se um espago de reproducao simb6lica e /ou material. Surgem na agenda dos estudos curriculares quest6es como: por que esses e nao outros conhecimentos esto nos curriculos; quem os define e em favor de quem sao definidos; que culturas sao legitimadas com essa presenga e que outras sao des- legitimadas por ai nao estarem. Abre-se uma nova tradigao nesses estudos, qual seja, a de entender que o curricula nao forma apenas os alunos, mas o proprio conhecimento, a partir do momento em que seleciona de forma interessada aquilo que é objeto da escolarizagao. No capitulo 3, abordaremos mais detidamente a relagdo entre conhe- cimento e curriculo. E,noentanto, coma publicacao de Ideologia e curriculo, por Michael Apple" em 1979, que as andlises reprodutivistas passam a tratar espe- cificamente do curriculo com enorme popularidade na area. No Brasil, o trabalho de Apple ganha notoriedade nos anos 1980, tendo sido seus livros traduzidos poucos anos depois de publicados. Viviamos, entao, o processo de abertura politica depois de 15 anos de ditadura militar, 12. YOUNG, Michael, Knowledge and control, London: Macmillan, 1971. 13. APPLE, Michael. ldeologia e curriculo. Sao Paulo: Brasiliense, 1982, 30 LOPES * MACEDO marcada, no campo da educagao, pela valorizagao do tecnicismo e, no curriculo, por abordagens derivadas da racionalidade tyleriana. A redemocratizagao trazia novos governos estaduais ¢ reincorpora- va perspectivas marxistas aos discursos educacionais. Retornavam ao cenario as formulagdes de Paulo Freire, ao mesmo tempo que Dermeval Saviani langava as bases da Pedagogia Histérico-Critica ou,na formulagéo de José Carlos Libaneo, da pedagogia critico-social dos conteuidos, detalhadas no capitulo 3. Como todos os tedricos da reprodugao, Apple defende a correspondéncia entre dominagao eco- némica e cultural. No entanto, em didlogo, especialmente, com as quest6es apresentadas pela NSE, o autor retoma os conceitos de hege- monia e ideologia como forma de entender a agio da educagéo na reprodugao das desigualdades, rejeitando perspectivas excessivamen- te deterministas. De Bourdieu e Passeron, traz a ideia de que nas so- ciedades capitalistas nao apenas as propriedades econémicas, mas também as simb6licas (0 capital cultural) séo distribuidas de for- ma desigual. Defende que instituigdes como as escolas contribuem para a manutencao do controle social, na medida em que ajudam a manter a desigualdade dessa distribuigao de capital simbélico. Apple preocupa-se particularmente em entender como a educagao age na economia e, nesse sentido, articula reprodugao com producao. A re- producao econémica é, portanto, produzida também no interior da escola pela forma coma homens e mulheres vivem os mecanismos de dominagao no dia a dia de suas atividades, Isso nao quer dizer que a base da desigualdade deixe de ser econédmica, mas que as contradigdes econémicas (sociais e politicas) sao mediadas nas situacdes de vida concreta dos sujeitos da escola. No movimento de ampliar a nogao de reprodugao, de modo que ela dé conta de questes culturais, Apple langa mao de dois conceitos fundamentais, ¢ articulados, da teoria marxista: hegemoniae ideologia. A hegemonia é tomada na leitura que Raymond Williams" faz de Gramsci, referindo-se a um conjunto organizado e dominante de sen- 14, WILLIAMS, Raymond. The long revolution, London: Harmondsworth, Penguin Books, 1961 ‘TEORIAS DE CURRICULO 3 tidos que sdo vividos pelos sujeitos como uma espécie de senso comum. Algo que satura todo 0 espaco social e mesmo nossas consciéncias. Algo total que passa a corresponder a realidade da experiéncia social viven- ciada e que se torna mais poderoso como compreensio do mundo a medida que é vivenciado como sentido de realidade. Ideologia, na tradicdo marxista de que parte o autor, pode ser resumida como uma espécie de falsa consciéncia que obriga toda a sociedade a enxergar 0 mundo sob a éptica de um grupo determinado ou sob a 6ptica das classes dominantes. As ideologias sio um sistema de crencas partilha- das que nos permite dar sentido ao mundo, uma teia de argumentagao que visa a legitimar determinada visao de mundo. Nesse sentido, quando hegeménicas, ocultam as contradigées sociais. A partir desses conceitos, as preocupagées de Apple podem ser reescritas: como os curriculos escolares (re)criam a hegemonia ideo- logica de determinados grupos dentro da sociedade. Para entender como essa hegemonia é recriada, 0 autor advoga a necessidade de olhar mais detidamente para a escola, 0 que nao era feito pela quase totalidade dos reprodutivistas. Estudar as interagoes cotidianas nas salas de aula, 0 corpus formal do conhecimento escolar expresso no curriculo e a ago dos professores eram os elementos que permitiriam identificar como as relagées de classe sao reproduzidas econémica e culturalmente pela escola. Obviamente, tais preocupagdes $40 muito diferentes daquelas que deram origem as teorias curriculares cienti- ficas. A pergunta central nao € “o que ou como ensinar”, mas por que alguns aspectos da cultura social sao ensinados como se representas- sem 0 todo social? Quais as consequéncias da legitimacao desses aspectos para o conjunto da sociedade? Ou, posto de outra forma, quais as relagGes entre o “conhecimento oficial” e os interesses do- minantes da sociedade? Por conhecimento entenda-se nao apenas os contetidos de ensino, mas as normas e os valores que também cons- tituem o curriculo. No movimento de responder a tais questées, Apple reformula 0 conceito de curriculo oculto, definido por Philip Jackson, nos anos 1960, para dar conta das relagdes de poder que permeiam o curriculo. 32 LOPES * MACEDO. Defende que subjaz ao curriculo formal, e ao que acontece na escola, um curriculo oculto, em que se escondem as relagdes de poder que estao na base das supostas escolhas curriculares, sejam elasem relagao ao conhecimento (capitulo 3), sejam no que diz respeito aos procedi- mentos que cotidianamente sao reforcados pelas agoes curriculares. O curriculo oculto subjaz a muitas manifestag6es curriculares. Na perspectiva técnica do fazer curricular que descrevemos no inicio deste capitulo, ha um otimo exemplo de curricule oculto inscrito na prépria forma como os curriculos sao organizados e pensados. Ao optarem por modelos sistémicos para a definigao do que e do como ensinar, tais perspectivas assumem o fazer curricular como questéo técnica, cientifica, ocultando a dimensao ideolégica presente nessa selecao. E como se qualquer decisao sobre 0 que e 0 como ensinar nio envolvesse disputas ideolégicas. A hegemonia dessa visio de curri- culo elimina um importante aspecto do social: a contradigao. A cren- ga na harmonia social dai advinda é um importante principio que oculta as relagGes de poder e as desigualdades sociais. Em outras palavras, pode-se dizer que hd um curriculo oculto a todo curriculo organizado segundo os moldes sistémicos das perspectivas técni- cas. O mesmo movimento de ocultagéo da contradicéo é reiterado em muitas outras manifestacdes curriculares vividas nos curriculos de muitas disciplinas. r Antes de passarmos a outro grande siléncio da teoria curricular que, como acabamos de ver, produz sentidos ocultos, é importante destacar que as teorias da reproducao e, especialmente, as formulagdes de Michael Apple foram revistas nessas ultimas décadas. Mesmo de- fendendo a escola como espaco de producao (e nao apenas de repro- ducio), trata-se de uma producdo que somente se podia fazer no sentido de atender as necessidades do capital. Com a entrada em cena das teorias da resisténcia, denunciando o aprisionamento da conscién- cia da classe trabalhadora que esta na base do pensamento reproduti- vista e das categorias hegemonia e ideologia tal como utilizadas, 0 carater contraditorio da propria reproducao é acentuado. A resisténcia devolve ao sujeito a possibilidade, dificil e laboriosa, de mudar a his- TEORIAS DE CURRICULO 33 téria inviabilizada pelas teorias da reprodugao. Tal movimento sera. enfocado no capitulo 8. O segundo excluido: 0 que acontece nas escolas Deferndo que nao se pode, com sentido, desenhar uma experiéncia educacional [...J. Quais so minhas objegdes a essa ideia? Uma é que nao se pode predizer, com alguma certeza, a resposte daquele que nos escuta. A fala, e estou pensan- do nos professores aqui, ndo & escutada apenas no contexto no qual & falada (ainda que isso as vezes ocorra), mas tarubém nos contextos em que é owvida. Estes ailtimos sito os contextos das vidas individuais dos owvintes. Eles sao muito, ainda que ndo totalmente, diferentes daqueles dos professores. Até refle- x0es momentiineas revelam esse fato, o fato da individualidade.’* Nao sao apenas as perspectivas marxistas das teorias da reprodu- ao que criticam as abordagens técnicas de curriculo. Poder-se-ia mesmo dizer que os questionamentos a tais abordagens sao, em gran- de medida, fungi de um novo contexto social. Em fins dos anos 1960, o mundo explode numa série de questionamentos ao status que. Na Europa e nos Estados Unidos, surgem os movimentos de contracultu- ra que também ganham forca no Brasil ao longo da década de 1970, ainda no contexte da ditadura militar. Ha, no entanto, fragilidades proprias das abordagens técnicas. Ainda que marcadas por preocupa- ges de natureza eminentemente pratica — como fazer —, elas nio conseguem dar conta da realidade vivida nas escolas. A implementa- do dos curriculos continua a ser um problema para o qual essas abor- dagens no fornecem solugéo. Mesmo que desde Dewey se saliente que as experiéncias curriculares transcendem as atividades planejadas e planificadas nos documentos escritos, mantém-se o hiato entre os planos curriculares e sua aplicagao. 15, PINAR, William. Aulobiography, politics and sexuality. New York: Peter Lang, 1994. p. 124- -125. Texto original de 1979. 34 LOPES * MACEDO Crescem, assim, as criticas ao conceito restrito de curriculo como a prescricdo seja do que deveria ser ensinado, seja de comportamentos esperados dos alunos. Tedricos de matriz fenomenolégica argumentam em favor de um curriculo aberto a experiéncia dos sujeitos edefendem uma definigao de curriculo para além do saber socialmente prescrito a ser dominado pelos estudantes. Propdem que a ideia de um docu- mento preestabelecido seja substituida por uma concep¢ao que englo- be atividades capazes de permitir ao aluno compreender seu préprio mundo-da-vida. Em certa medida, essas preocupagdes também se fazem presentes no pensamento critico, no qual, no entanto, a énfase no social despreza o individual. Para os tedricos de matriz fenomeno- légica, essa énfase torna o pensamento critico desmobilizante, na medida em que enreda o individuo numa estrutura social da qual ele nao pode sair. Paulo Freire é, sem diivida, uma das importantes influéncias para as concepcoes de curriculo focadas na compreensao do mundo-da-vi- da dos individuos que convivem no espago da escola. Ainda que in- fluenciado pelo marxismo, Freire constréi uma teoria eclética para a qual muito colaboram a fenomenologia e o existencialismo, Na Peda- gogia da oprimido, seu principal livro, datado de 1970, Freire" parte da contraposigao classica do marxismo entre opressores e oprimidos para analisar a educagéo como bancaria ¢ antidialégica em raciocinio que oaproxima dos tedricos da reprodugao. PropGe uma pedagogia basea- da no didlogo e, nesse sentido, vai além da andlise das formas de funcionamento da ideologia e da hegemonia, defendendo a possibili- dade de a educacdo se contrapér a reproduc. Para tanto, é preciso repensé-la para além da transmissio hierdrquica e organizada de co- nhecimentos: como interagao entre sujeitos que se dd no mundo. Essa interacao comega na propria decisio dos contetidos em torno dos quais o didlogo se estabelece, Poder-se-ia dizer que, nessa obra, Freire apre- senta uma alternativa as concepgdes técnicas do curricula, propondo procedimentos para a elaboragao curricular capazes de tentar integrar 16. FREIRE, Paulo. Pedagogia do opriniida, Rio de Janeiro: Paz.e Terra, 1987, TEORIAS DE CURRICULO 35 co mundo-da-vida dos sujeitos as decisées curriculares. No capitulo 2, abordaremos tais procedimentos. No campo da teoria curricular em ambito internacional, o concei- to de currere, proposto por William Pinar” em 1975, 6a mais relevante contribuigao da fenomenologia para a ampliacao do conceito de cur- riculo. © curriculo como currere é definido, pelo autor, como um pro- cesso mais do que como uma coisa,como uma agao, como um sentido particular e uma esperanga publica. O curriculo é uma conversa com- plicada de cada individuo com o mundo e consigo mesmo. Conside- rando que a experiéncia educacional dos sujeitos ¢ parte de sua situa- cao biogrdfica, o curriculo deve proporcionar ao sujeito entender a natureza dessa experiéncia. E através dela, e nao apenas dela, que o sujeito se move biograficamente de forma multidimensional. Trata-se de um método constituido de quatro momentos — regressivo, pro- gressivo, analitico ¢ sintético — pelo qual se busca explorar a relagao entre o temporal eo conceitual. A experiéncia dos sujeitos é a fonte dos dados, gerados por associagao livre, com os quais a situagao educacio- nal deve lidar. O momento regressive é um retorno ao passado, ndo um passado concreto ou literal, mas abstrato, conceitual, subjetivo. No que respei- ta ao curriculo, implica regredir 4s experiéncias escolares com o obje- tivo de reviver o passado sem a preocupagao em ser légico au critico. Basta escrever as experiéncias, tornando-as presentes e conceptuali- zando-as. O momento progressivo € aquele destinado ao que ainda nao esta presente, um momento em que o sujeito lida com o futuro, associando livremente seus interesses intelectuais. No terceiro momen- to, o analitico, é feita a descricdo do presente que inclui a resposta do sujcito ao passado e ao futuro. Trata-se de uma fotografia do presente que, juntamente com a foto do passado e do futuro, permite a inter- pretacao do presente vivido. Essa interpretagao nao pode ser feita de forma racional, seguindo um esquema analitico hierdrquico ou tem- poral, mas visa a perceber as inter-relagdes complexas entre presente, 17. PINAR, William, Aufobiography, polities and sexuality, New York: Peter Lang, 1994. 36 LOPES * MACEDO passado e futuro. Por fim, o momento sintético, no qual o sujeito deve ser capaz de responder qual o sentido do presente para si, qual, por exemplo, a contribuigao da atividade escolar no seu presente como sujeito (intelectual e fisicamente falando). Do regressivo ao sintético, 0 sujeito desenvolve sua capacidade de arriscar, abrindo-se ao desco- nhecido. O conhecimente altera 0 sujeito ao mesmo tempo que 6 por ele alterado, significado, Do ponto de vista do curriculo, praticamente nao se pode falar de uma matriz fenomenolégica no Brasil, embora a obra de Joel Mar- tins possua algumas reflexGes que podem ser apropriadas pelo cam- po. O fato de tal matriz ter tido pouca penetracao nos estudos curri- culares no Brasil nao significa, no entanto, que a cultura produzida na escola ou aquelas trazidas por alunos e professores para 0 seu in- terior como parte importante do curriculo nao sejam objeto de atengao. Além da obra de Freire, jd destacada, as pesquisas sobre a escola de- senvolvidas em diferentes perspectivas, das etnografias da sala de aula e das instituigdes aos estudos no cotidiano, exemplificam a forga da dimensao ativa do curriculono Brasil. Tais pesquisas serao tratadas no capitulo 7. Ainda que muito diferente em suas concepgdes tedricas, 0 con- junto de abordagens que destacamos aqui explicita o quanto a nogao de curriculo formal ¢ insuficiente para dar conta da multiplicidade de experiéncias — internas e externas aos sujeitos, individuais e coletivas — que comp6em o curriculo. Em realidade, os autores que destacamos buscam reconceptualizar o curriculo, abandonar, portanto, as perspec- tivas técnicas para criar uma nova forma de pensar o curriculo. Pre- tendem superar a ideia de que o curriculo é algo formal ou escrito a ser implementado numa realidade escolar. Por diversas razdes, no entanto, ao invés de uma reconceptualizacao do curriculo, a advertén- cia de que nao ha lugar no curriculo para o mundo-da-vida dos sujei tos da lugar a uma concepcao dupla de curriculo: o curriculo é o proposto no nivel formal, mas também o vivido no cotidiano. Embora ligeiramente diferentes entre si, muitos nomes foram sendo propostos para o nivel vivido: em acao, informal, interativo, como pratica, ativo, experencial. TEORIAS DE CURRICULA a7 Curriculo: simplesmente um texto A norma para o curriculo, porlanto, no é o consenso, a estabilidade ¢ 0 acordo, mas 0 conflito, a instabilidade 0 desacordo, porque o processo é de construgaa seguida de desconstrugito seguida pela construgito."* Ocaminho que optamos por seguir neste primeiro capitulo nos Jevaa um conceito multifacetado de curriculo, mas, mais do que isso, A sensacao de que para descrever 0 curriculo é preciso falar do formal, do oculto e do vivido. Se tivéssemos feito referéncia a outras defini- ges como, por exemplo, curriculo nulo, a tarefa ficaria ainda mais complicada. O que pretendemos agora, para finalizar este capitula e ajudar na leitura do restante do livro, é tentar recuperar a preocupa-

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