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OBSERVAGOES SOBRE O ESTUDO DA PALEOGRAFIA EM PORTUGAL Por ANTONIO CRUZ «owihe 0 nome de Observagbes, para {que se me nio posta exigie 2 Erudigio, fque & alheia do mesmo fim, que me proponho; nio me obrigando a mais, que f produair os Documentos e raz6es, que Jevam a estabelocer certa Tegra...» Jolo Pedro Ribeiro, no prologo das Observagtes Histérieas ¢ Criteas para erirem de Memérlas ao Sistema da Diplomitica Portuguesa. Sao td0 informes quanto desambiciosas as Obsereagies que vio ser feitas nas paginas seguintes. Ditow-as apenas 0 propésito de facilitar 0 estudo, servindo-Ihes de guia, a todos os alunos da dis- ciplina de Paleoyrafia ¢ Diplométiea da Paculdade de Letras do Porto. Na falta de um compéndio ou manual, devidamenie actualizado, de auior portugués, ¢ sendo dificil a aquisigio de obras de autores estrangeiros que se consagram a esta especialidede, até porque, na quase totalidade, estdo esgotadas, julgamos necessirio proceder assim e desde jd pelo que dis respeito ao estudo da Paleografia ¢ da Diplométiea em Portugal. Ao menos, a sistematizagio ha-de sere para mais fécil orientagio de consultas a efectuar, ¢ consequente- mente, como auxiliar do trabalho pessoal ¢ esforgo do préprio aluno. Fé assinalou 0 Prof. Rui de Azevedo (*) que os estudos da nossa (©) Rui de Azevedo, Estudos de Diplomirica Portuguesa. I. Documentos falsos de Santa Cruz de Coimbra (Lisboa, (1932). 173 Diplométion —e também, por afinidade, os de Paleografia, devemos acrescentar — tiveram auspicioso inicio com Jodo Pedro Ribeiro, 4 quom ido fatiow saber e pendor docente para oriar escolar, Porém, 0 precioso espdtio do Mestre, dado o contributo de estudos posteriores trazido a espeoialidade destas ciénoins, apresenta-se hoje como um. conjunio de rudimentos carecidos, num ou noutro ponto, de aclaragies ¢ que também devem ser completados, na medida em que 0 mesmo contributo 0 permita ou imponha, Hi, de investigadores portugueses, estudos dispersos que sito do foro da nossa Diplomitica ¢ da Paleografia. No lugar competento, serio recenseados, a0 menos, 08 principais. Complementaree dos Wwabathos de Jodo Pedro Ribeiro, interessam sobremaneira neste Particular. Todavia, sendo muitos desses estudos a prova bastante dos conhecimontos, do aturado esiudo ¢ até da natural inclinagao dos seus autores, nem um 36, no sew conjunto ¢ sistematizagiin, 6 ainda aquela wbra cientifiea € didéctioa portuguesa em que nos Possamos apoiars, como também ancia o Prof. iui de Azevedo. De tao dispersos ¢ de tio fragmentados que sao, obrigam a trabalho de pesquisa muito demorado ¢ impdem uma sclecgio posterior dos ensinamentos recolhidos, através do seu confronto e pela via da ‘utilidade. Ao cabo, tem de se concluér que é imprescindivel também @ consulta de autores estrangeiros, fazendo-o, no entanto, sob 0 riseo de nem sempre as suas.conclusdes corresponderem ao que se observa ‘nos diplomas ¢ eddices portugueses, ¢ ainda ¢ sempre com a maior das difiewldades, uma vez que a bibliografia sobre a matéria, nio tendo nas ibliotecas piiblicas uma representagio condigna, difteil- mente pode ser, hoje, actuatizada ow completada, pela razito jé. avima epost, Supomos ceplicado ¢ justificado 0 propésito que nos moceu, quando nos decidimos a coligir estas informes ¢ desambiciosas notas Para servirem de introdug@o ao mesmo estudo da Paleografia, Hi ndo serd preciso dizer, ao que julgamos, das razdes que esto na origem de certo desenvolvimento que foi dado, ainda que em broves Observagdes, & parte dedicada aos estudos da Diplomética ¢ da Paleo- ‘grafia em Portugal, depois de esquematizada a origem ¢ evolugdio dos mesmas estudos, antes ¢ apés Madillon. 1. A Diplométiea, na definigio de Joso Pedro Riboito, «6 a Ciémeia dos Diplomas, isto é, a que nos ensina & avaliar com exactiddo os antigos Diplomas, distinguindo os verdadeiros dos 174. —~ falsos, ou duvidosos (1). Considera-a Manaresi como si ciéncia quo tei por objecto as atestagdes eseritas, de contetido e signifi- cado juridico (documenti)» (*). Recentomente, Georges Tessier, professor da Heole des Chattes, de Paris, ao ocupat-se do objecto da Diplomatica, precisou que lhe cabe deserever ¢ expliear a forma dos actos oscritos, para assim julgar a autenticidade on verosi- milhanga de todas as modificagies exibidas por esses actos ¢ que tiveram origem nas circunsténeias inerentes & sua elaboragho, na qualidade das pessoas » quem coube redigi-los ¢ oscrevé-los, nos modelos acessiveis aos notéries ou. escribas, e na propria cultura do meio, susceptivel de infuenciar as disposigoes neles contidas. © labor diplomético de uma sociedade pode assim reflectir, de ecrta mancira, 0 seu partienlar grou de civilizagio (*). 6 o mais amplo o conceito de Diplomética, na definigso de ‘Tessier, de passo que no Ihe ao atribuidos, quanto ao seu objecto, ‘0s limites de um quadro puramente histérico, uma ver que, no tempo © no espage, © considerando também a propria forma de ‘que se revestem o8 testemmnhos que a Diplomética tem de julgar, eles niio so os limites consagrados. ‘Para mellisr nos apcrcebermos da evolugao do conceito ¢ objecto da Diplomética, balizada por meio das definighes que The foram dadas om trés Gpocas diferentes, & de Teferir a propria etimologia da palavra Diploma (que quer dizer, ensinava Joso Pedro Ribeiro, scousa dobrada’ em duase) bem como a mesma evolug“o que eonheceu 0 respective significado. Na primitiva acepgio, era o diploma 0 conjunto de duas tabui- nhas ou, on tempo future, de duas placas de bronze ligadas entre si, nas quais os romanos transcreviam o texto das constituigées (©) Joie Pedro Ribeiro, Dissertagdes eronoligieas criticas, tomo 1V (Lisboa, 1867, 2. edigio). Foi este portuense © primeiro investigador a dedicarse ao estudo da Diplomética ‘como ciéncia suxiliar da Histéra, considerando como ramos da mesma ciéncia, © incluidas no seu &mbito, a Paloografia ¢ a Esfragstica (@) Manaresi, artigo Diplométice, na Brclclopédta alana, vol. XII. Giacomo Bas ‘eapé, também diplomatista italiano, considera esse artigo, consagrado & Diplomética feral € especial, como a mais moderna e apurada exposigio sobre a matéria da parte de um autor italiano. Assim 0 afirma no preficio da edisio de 162 do Tratado de ‘Cesare Paoli inttulado Diplomdrica. (©) Georges Tessier, La Diplomarique, Paris, 1982. Coleosto «Que sai;je?. 175 imporiais, de toda a vez que era atribuide o direito de cidadania @ um militar que se distinguira pelos sous feitos homosos. Sue- ténio classifica j6 de diplomas todos os actos imperiais. Por seu lado, Cicero designa assim as cartas partieulares. Daqui se infere que o diploma, por esse tempo, era 0 documento dobrade om dois. Com os alvores do Renascimento, os humanistas, sobretudo 08 historiadores, ressuxcitaram um voesbulo que a Tdade Média igaorou. A palayra Diploma pussou a servir ent&o para designar, num sentido genérico, todo 0 acto escrito que assenta num for- mulirio © que dimana de uma chancelaria, eclesidstica ou eivil, ‘ou que foi lavrado por determinagio ou com a intervengio de pessoa qualificada. 2. Foi o benediting francés D. Bernardo de Montfaucon, om 1708, 0 primeiro a usar, mesmo no titulo de uma obra, a palavra Paleografia, quando intitulon de Palacographia Gracca sive de ortu et progress} titerarum o sen estudo de diversos eddies gregos que, para o efoito, agrapou cronoldgicamente (4). Porque assinalou, rolativamente a cada um desses cédices, o tipo de letra por ele exibido, porque cuidou de identificar o respectivo autor ¢ porque junton, a todas estas, algumas outras informagies de natureza varia, o sibio beneditino Iangou assim os fundamentos de uma nova ciéncia, delimitando & Paleografia um campo de accio bem, estremado do quo eabe & Diplomética, posto que, por vezes, a parecer incluso neste. Tniciava-se, por este modo, 0 movimento que devia condusir & antonomia da Paleografia como citneia, desintegrando-a, tal © qual como veio a acontecer depois ¢ rolativemente a outras ciéneias, dos domfnios da Diplomatiea. 1 se através da etimologia vimos conclair que ela s0 refere a escrita antiga, das deduzimos que 4 mesma palavra designa aquela ciéneia que se consagra 20 estmdo de qualquer escrita antiga e de todas elas, sem restrigaio (© Refere Aiphoose Daia, no capitulo Introduction a la Paléographie do volume L’Histolre et ses méthodes (Pais, 1961) que Montfaucon emprega, © entao verdadeira- ‘mente pela primeira vez, o termo Paleografia numa carta sua de 14 de Janeiro de 1708, a0 refer © titulo da obra que foi publicada neste mesmo ano. ‘© autor, como haveri 0 ensejo de referir outro lugar, era monge da congregasio de S. Mauro: Presbyter & Monachus Benedictinus é Conerepatione S. Mauri —actes- ‘centava ele a0 seu nome, na dedicatéria da sua Paleographia Graeca 176 — do lugar ou tempo ¢ também independentemente do proprio suporte da mesma esetita, Nesta acepoio, havia de ser considerado como mais amplo © objecto da Paleografia: tanto Ibo cabia o estudo, em ordem & sua interprotagao © transcrigdo, de um papiro, de um pergaminho ou de um texto manuscrito sobre papel, como de um outro fixado sobre placas de madeira ou bronze ou cinzclade no mérmore; de um texto grafado em sinais euniformes, como de outros que © tenham sido em hierdglifos ou sobre tabuinhas enceradas. Todavia, sompro foi determinada alguma restrigso a0 campo da Paloografia, ainda que mais de ordom subjectiva do que por outra razdo. B assim, jé 0 portuense Joio Pedro Ribeiro a definia como saquela parte da Diplomética que polo caticter ou letra, ein que 80 acham escritos 05 Documentos antigos, nos ensina a julgur da sua idade © veracidade, © ainda a determinar o torri- trio on Nagdo a que pertencems (8), Porque teve om atengo 0 prinefpio de que & Puleografia, como ciéncia, cabin o estudo de toda e qualquer eserita, Munoz ¥ Rivero estabeleceu que esso mesmo estudo visava dois fins principais: er © interprotar as escritas antigas © ainda conhecer de todos aquelos elementos, relativamente a cada perfode, que permitam Julgar da autenticidade ou falsidade de um documento, assinalando também uma data a todos os que a no exibam, Compreendendo assim o estudo de toda a classe de monuments escritos — quer so trate de documentos, quer de moedas, medalhas, inscrigdes, selos, ete. —a Paleografia, segundo Mufioz y Rivero, poder-ve-4 dividir 8) clementar— quando analisa os elementos gréficos de cada época @ pais, em ordem a rounir os elementos necessérios para a sua interpretagio; ou b) erftiea —se, partindo desses elementos, julga da autenti- (DV. Joito Pedro Ribeiro, Disseriagdes, na disseragio. XV:Sobre a Paleografia de Portugal. A resttglo fundamenta-se na prépria nogio de Documento que o autor exprime, fazendo-o nestes termes: «0 Monumento ¢ Documento & acompanhado de leras, ¢ a sua matéria 0s distingve entre si, endo a dos Documentos ordinariamente as peles dos animais eo papeb. 17 cidade ou falsidade dos documentos respectivos, assina- lando-lhes wna data a partir do canicter da escrita, “Atendendo ainda ao seu objecto, a Paleografia pode também sor classificada por esta forma, de acordo com o pensamento de Muon y Rivero: a) Diplomética — quando estuda a escrita prépria dos diplo- mas ou documentos, nao devendo, porém, confundir-se com a Diplomatica na acopgao da ciéneia gue se ocupa do estado das caractorfsticas dos mesmos diplomas ou documentos; b) Bidliogrdfiea — quando estuda a escrita propria dos eédices © outros livros manuscrites, podendo onto considerar-se como um ramo da Bibliografias ¢) Numismética — quando estuda as legendas ou inserigdes das moadas ¢ das medalhas, devendo entiio considerar-se uma parte integrante da mesma Numismética, na acepgso de ciéncia dedicada a tal especialidades 4) Lpigrdgica — quando estuda a excrita das inserigdes antigas, gravadas om matéria dura, devendo considerar-se, como fal, um ramo da propria ciéncia da Bpignafia (*). Justifieando a sua teoria, no particular das divisdes ¢ elassifi- cages quo estabeleceu, 0 tratadista eepanhol Muiioz ¥ Rivero faz uma obsorvagiio expressa nestes termos: aiista divisio da Baleografia, posto que tenha sido com- batida por alguns (que supder que no estudo paleogrificn no cabe estabelecer distingsio entre a eserita de uma lapide, de um documento ou de um livro da mesma época @ nacio- nalidade) encontra-se devidamente justificada pela cireuns- ‘tincia, quase constante na historia da eserita, de ser muito diferente a eserita do documento, do livre, da mooda © da insetiggo contempordneos. Assim, observe-se, por exemplo, que na época romana é sada a letra capital para as lépides, () Mutioz y Rivero, Manual de Paleografia Diplomatica Expafola, Madrid, 1917, 28 edigdo. 178 — prodominando a uncial nos eédices ¢ 2 mintiseula nos documen- tos; que nos séculos VII a XI, a forma assentada da letra visigética redonda predomina na Espanha, nos eddices, sobre @ cursiva, que 6 de uso mais frequente nos documentos; © que nos séculos XVI a XVIT sio usadas, nestes, as letras processual © cortesd, assim como a itdlien nos livros manus~ crits, Numa evolugtio posterior do conceito que dominava no seu tempo 0 assim foi expresso por Mufloz y Rivero, entendeu-se como ‘objecto da Paleografia a leitura ¢ interpretagio da escrita dos textos de carficter diplomitico on literfrio (documentos ¢ eédices), ‘tendo em consideracio a lotra, a8 abreviaturas, os sinais auxiliares, ete.; a localizagdo dos mesmos textos no tempo e no espago; © ainds a cities de quaisquer erros on adulteragdes por eles exibidos. A Paleografia conquistava assim, gradualmente, os foros de verdadeira ciéncia das escritas antigas. Resultou desta evolugdo, como j4 foi sublinhado por Alphonse Dain (*), que a Paleografia tem, hoje, um sentido mais geral, uma ver que 0 seu objecto passon a ser tudo quanto interessa 20 conhecimento da origem, natureza e desenvolvimento da eserita. A Paleografia tem de estuda, portanto, 0 suporte da propria eserita, ou seja a matéria sobre a qual se fixou um texto, bem como 68 instrumentos que permitiram essa fixagio, B ainda como cigneia que viu amplindo © seu campo de acgio, cabe-the estudar todo € qualquer documento escrito, © assim também os manus- critos existentes, regra geral, nas bibliotecas. Nesta acepgio, que.ndo conhece, a bem dizer, quaisquer limites, quer no tempo, quer no espago, a Paleografia hi-de estndar todos ‘08 sinais convencionais que permitem a fixacio © conservagio do lingua de um povo. I assim a lingua falada como a cantada —pois que também hé a ciéneia denominada Paleografia Musical. Dain admite, por fim, que 0 proprio Ambito da Paloografia, por forga da evolugdo sofrida, agora 20s poucos se restringe, uma vex que a mesma evolugio vai contribuindo. para @ génese de outras ciéncias. Ao lado da ciéneia da esorita ¢ seu suporte, que ©) Alphonse Dain, cap. ¢ obr. citados. 4 a Paleografia, suxgiu, hé pouco mais de vinto anos, uma ciéneia nova, a Codicologia —eabendo-lhe 0 estudo do cédice ‘ou livro manuserito © considerando-0, para o efeite, na sua origem, no uso que teve, na coleegao em que se integrou ou integra, ete. Poder-se-4 dizer quo 05 precursores da Diplomitiea, mesmo na acepgdo em que hoje a consideramos como ciéncia, foram todos aqueles que algum dia e antes de Mabillon careco- yam de analisar qualquer documento, nas suas caracteristicas internas como nas externas, para averiguar da sua autenticidade. Impondo-se combater as falsifieagdes, que se multiplicam, sobrotudo, desde os séeulos XIT ao XTV, quom tentado ou obri- gado a fagé-lo tinha de empreender esse exame e por tal via iniciar-se no conhecimento de pormenores em que haviam de assentar, depois, certas normas, quando de um exame posterior. Despertava assim, se no uma ciéncia, ao menos o sentido exitico. Coincidin com esse despertar a renovagio dos métodos de inves- tigagio @ a retorma da prdpria construg3o histériea. ‘0 mesmo espirite eritico, depois de incidir sobre documentos de antenticidade duvidosa, foi origem do diseussdes que se travaram, nos fins do s6c. XVI ¢ prineipios do seguinte, quando se recortia i; por sistema, As fontes documentais © era necessério inter- preté-las, para bem as utilizar, Foram essas as chamadas Bella diplomatica, que tendo sido iniciadas com as disputas de carictor juridico ou gonealégico, logo se transferiram ao campo da Histéria, Entretanto, ¢ na. sequéncia de toda uma obra que visava o renascimento da propria Ordem Beneditina, foi criada a congre- gagio de Sio Mauro, que tinha a casa-mie em S. Germain des Prés, onde os maurinos inieiaram a pesquisa ¢ interpretagio daquelas fontes que interessavam ao estudo da Histéria, da Paleo- grafia e da Hagiografia, submetendo-as & critica. Por outro lado, & Companhia de Jesus iniciava, simultineamente, a recolha de subsidios que'se destinavam a escrever e ilustrar os Acta Sanc: torum, gragas i iniciativa do Padre Jodo Bolland. Reunidos outros jesuitas A volta do culto sacerdote, para de colaboragio empreen= derom a magna empresa, logo formaram escola © vieram a ser conhiecidos como bolandistas. Pelo seu espirito erftico, destacou-se, no grupo dos bolandistas, 180 — ‘© Padre Daniel Paponbrock. Foi ele 0 verdadeiro iniciador da critiea cientifies, no seio da escola do Padre Jo%o Bolland. Nao hesitou em distinguir, sempre que havia Ingar a tanto, as lendas, ainda que piedosas, dos factos averiguados © comprovades. B porque nas suas investigagdes deparou com documentos con- temporineos dos reis merovingios, levou ent para além dos limites do aceitével @ mesmo espirito eritico, quando, apoiado nole, conclui pela pretensa falsidade de todos esses documentos, e também logo ¢ por extensio de todo e qualquer outro documento antigo. O seu racioeinio conduzia a uma suspeita, relativamente & autenticidade dos documentos existentes nos cartérios dos mosteiros. Suspeita essa que abrangia, portanto, os diplomas que tinham sido utilizados pelo beneditine Doublet para eserever, em 1624, a Histoire de Pabbaye de Saint-Denys en France. Entro- tanto, 0 mesmo Papenbroek tornava piiblicas as suas conchusées, ditvidas ¢ suspeitas, através do estado intitnlade Propyleum antiquarium cirea ¢ aori falsi diserimen in vetustis membrania, impresso em 1675, 3.1, Coube a D. Jo%o Mabillon a tarefa de contraditar as aprossadas infundadas conelusdes de Papenbroek, aelarando-lhe também as diividas © removendo de ven as suspeitas que ele levantou. To sbio quanto humilde—o 0 mais douto de todos 08 escritores da Franga, na opinido de Richelieu —esse monge de Saint-Germain des Prés inieiou o seu trabalho © consumin nele seis anos: Com paciéneia, com serenidade, com austeridade, 86 obedionte & sua conseiéneia, domino todas as quostdes, ainda as que 80 arrastavam hé longo tempo, @ logo estrumron, desde 08 seus fundamentos, uma nova ciéncia, fazendo-o através da sua obra definitive De re Diplomatica libri VI, impressa em 1681. E uma ciéncia, consoante a explicagio dada no mesmo titulo da obra do Mabillon, que se ocupava da antiguidade dos ins- tramentos ou documentos, da matéria, escrita ¢ estilo que Ihes cram préprios, dos selos, monogramas, subserigdes ou notsis cronolégicas que exibiam, ¢, assim, ums ciéneia que interestava sobremaueira a tudo quanto era pertinente & disciplina forense ou histories, As regras a que Mabillon julgava necessirio submeter um — 181 documento, em ordem a ajuizar da sua autenticidade, eram as seguintes (#): 14 —0 eritico deve agir com cautela ¢ erudigao, moderagio © prudéncia, nfo intentando a apreciaglo ¢ julgamento de um documento sem 0 eonhecer de modo suficiente. Bo basta 0 cardeter paleogréfico de um dioloma on qualquet outro elemento, singularmente considerado, para bem ajuizar da sua autenticidade, 38—Som prova em contrério, 6 de coneluir sempre pela auten ticidade de um documento, nomeadamente quando ela 6 consagrada pelo tempo. —Qualquer erro ou variedade que se verifique na redacgio de win diploma, uma ver que nao 0 afeete apreciavelmente, om nada contribui para negar a sua autenticidade, pois quo se tornaram correntes omissGes ou lapsos do género. 58 — Adigdes breves ou interealagdes, quando destinadas a aclarar e que figuram nas eépias dos diplomas, ou nos sous originais, ainda, que inoportunas ou equivocas, podem néo obstat & legitimidade do texto ¢ nao deve 0 critica, portanto, consideré-las como importante: 68 — Quando 6 evidente a diferenga entre o texto de wm diploma € & igo dos historiadores ou de inscrigdes contempo- rimeas, seré de proferir 0 testemunho do diploma. 74—Porque so ordinévios e préprios da condigéo humana, niio se deve dolo on falsidade de amamuenses @ copistas 08 eros acidentais exibidos pelos diplomas. 2a A obra de Mabillon atendia, portanto, a todo e qualquer aspecto ofetecido pelo documento, pelo que foi também a origem da Paleo- srafia como cigncia, em oposigio & arte empfriea da leitura de textos antigos que foi dominante nos tempos anteriores. Porém, ainda a Paleografia, nessa obra, niio 6 mais do que um ramo da Diplomatica, sua directa e primeira auxiliar no exame 6 eritica dos textos. E assim, num conceito global da Diplométiea 5° ( Mabitlon, De re Diplomarica libri VE [..]] Balvio secunda ab ipso Auctore reccgnita, emendata & aucta, Paris, 1709, 182 — incluiam, ¢ logo se estudavam, a téonica paleogrifica, a morfo- logia © a evolugio histériea das formas grificas, bem como a cxitiea do toda a espécie de caractoristieas de umn texto, como anotou, apds outros tratadistas, 0 Prof. espanhol Antonio Floriano Cumbrefio. Néo tardaram, no entanto, 08 primeiros sintomas de libertagao da Paleografia, como jé houve ensejo de referir — ea propésito do Tratado de Montfaueon. Acentua-se a separagio no Leicon Diplomatioum, de Walter (1745-1747) © mais ainda, posteriormente, no Novo Tratado dos mauristas Dom Toustain © Don Tassin. 3.2. Sob o dominio de novos conhecimentos adquiridos através do estudo a que se dedicaram 5 sous continuadores e também, por essa via, conduzidos a outro conceito que néo 0 seu, reco- nhecernos hoje alguma imperfeigo na obra de Mabillon. Todavia, uma tal conclusio om nada concorre para a diminuir, pois que mais no ambiciona do que completé-la ou esclarecé-la num ou ‘outro pormenor. Néo foi outra, de resto, a preocupagio dos bene- ditinos, apés a publicagio do De re Diplomatica, Para bem ava- Viar das tarefas a que se consagraram, apenas no sée. XVII, 08 monges de Sio Mauro ¢ outros da mesma congregasiio, bastaré referix, pela ordem cronolégica das edigies respectivas, algumas das obras que publicaram: Palacographia gracca sive de ortu et progressu lterarum, yt Bernardo de Montfaucon. Paris, 1708. LArl de verifier lee dates des faite historiques, des chartes, des chroniques, et autres anciens monumens, depuis la naissance de Notre-Seigneur... Paris, 1750. Nouveau raité de Diplomatique... Por Dom Toustain © Dom Tassin. Paris, 1750-1766. Dictionnaire raisoné de Diplomatique... Por Dom de Vaines, Paris, 1773-1774. Mabillon inieiara, na verdade, uma escola de diplomatistas, definindo-Ihe amo. B niio apenas no seio da congregagio a que pertencia ou no sou pais, uma vez que Ihe seguiram 0 exemplo, aproveitando-se da sua lig, investigndores ingleses, como Madoy © Hickes; italianos, e assim Maffei e Muratori; alemes, estes — 183 deveras preocupados em apliear os prinefpios da, Diplomética aos ostudos da Histéria do Diroito; © também espanhéis © por- ‘tugueses. © Conesito do Diplomstica manteve-se 0 mesmo, de infcio € da parte dos diseipulos ou continadores de Mabillon. Cortigindo, num ou noutro pormenor, 0 mostre © patriarea, todos se man- tinham fiéis ao programa delineado: ¢ assim, cabia no ambito da Diplomatica o estudo de todo o pormenor relative & forma gréfica ou técnica paleogrifica da sua interpretagio, $6 08 novos tratadistas, designagiio esta que foi dada aos autores do Nouveau Traité de Diplomatique, vieram a seontuar a separagio que havia entre a Diplomitica © a Paleografia, separagio essa j4 esbogada por outros autores que 0s precederam. Dobrado 0 séoulo XVIII, & evolugéo completava-se, vindo a conceder & Paleografia foros reais do ciéneia auténoma. Coube a um francés, Natalis de Wailly, com os seus Eléments de Paledgraphie, publicados em 1838, essa missiio, que consagrou o seu labor de mestre da Beole des Chartes, fundada em 1821. Com 0 trabalho de Wailly, operou-se como que uma renovagio da escola francesa, fundada por Mabillon, Na verdade, a partir da publicagiio dos seus Fléments de Paléographie, esta ciéncia interessa sobremaneira aos investigadores franceses, mas 6 & Diplométiea a ciéncia que serve de tema por exceléneia & prosse. eugio de estudos especiais. Marea, sem diivida, evolugio notivel, ness campo, 0 Manuel de Diplomatique, do Giry, publicado em 1894 © ainda hoje considerado a obra classica por exceléncia, nesta especialidade. Trinta anos decorridos, aparecia 0 Manuel de Paléographie latine et frangaise (Paris, 1924) do Maurice Prou: obra fundamental, tom de ser indicads, ainda om nossos dias, como aquela a que sempre hé-de recorrer todo o que estiver interessado em estudos da especialidade. Finalmente em 1929, aparecia, péstumo, o primeiro volume do Manuel de Diplomatique Sraneaise et pontifieale, de Bouara Os mais recentes dos trabalhos da escola francesa sto 0 pequeno volume La Diplomatigue, do Prot. Georges Tessier (Paris, 1952, colecgao «Que sais-jo%s) © 0 estudo fundamental La Paléographic Romaine, do Prof, Jean Mallon (Madrid, 1952). Um © outro destes autores publicaram ainda outros trabalhos da especialidade, dos quais importa roferir, ao menos, os eapftulos que subscrevem 184 — no volume J'Histoire et ses méthodes (Paris, 1961, colecgio aBneyelopédie de la Pleiade 3.3. Com fundamento no elevado mimero de especialistas que na Tidilia se tém consagrado aos estudos da Paleografia ¢ da Diplo- métiea © ainda na originalidade e variedade dos trabalhos que Thes sio devidos, remontando uns @ outros ao século XVITT, tem do se reconhecor a existéncia de uma escola neste pais. Como iniciadores dessa escola italiana, devem ser citados Maffei ¢ Mura- tori. Os sous continuadores, nomeadamente Angele Fumagoli, Signorelli, Pellica © Paoli, conquistaram ¢ firmaram uma desta- cada posigio, ainda hoje ma Scipionne Maffei, no sua Istoria diplomatica (*), apenas se ‘ecapo de documentos anteriores ao séeulo oitavo © nem toda @ sua obra contém, exclusivamente, matéria relacionada com a especialidade, Muratori, por seu turno, ineain no tomo terceiro das suas Antiquitates Italicae Medii Aevi (2°), duas dissertagées {as 348 ¢ 35.) particularmente consagradas ao estude da Diplo- mitica, porque analisam os temas seguintes: De Diplomatis & Chartis antiquis dubiis aut falsis © De Sigillis Medi Aevi. Coube, porém, a Scipione Maffei a missio de esclarecer que todas as escritas de origem latina sio apenas formas de evolugio da escrita romana, estabelocendo assim wma wnidade de origem para esses vitios tipos das chamadas eseritas nacionais, Permi- tinclhe uma tal conchisfio o exame de eddiees, datades do sée. V 20 X, quo encontrou na biblioteca eapitular de Verona © qué haviam side recolhidos num eseondetijo, onde fiearam esquecides, ‘possivelmente quando das inundagdes do 1575, no Adige © estudo de Paoli, inieialmente publieado, em 1833, com 0 titulo de Programme di Paleografia ¢ di Diplomatioa, © entio roduzido a escasso mimero de paginas, foi ampliado nas edigées seguintes © dosdobrado em volumes de acorde com as matérias. A iiltima edigio do tomo da Diplomdtica, datada de 1942, foi (Logo no proprio titulo da sua obra, o diplomatista 0 anuncia: Istora diplomarica che serve dintroducione allarte erica # tal materia con raccolta de’ documenti non lancor dindlgati che rimangono in papiro egizio @ ragionamentt sopra gt Italia primltiva (Mantua, 1727) (08) Fate obra de Muratori foi publicada, em seis volumes, de 1738 a 1742 e mais tarde (Are220, 1777-1780) reeditada em dezassete volumes. — 185 preparada ¢ actualizada pelo Prof. Giacomo Bascapé, que a enri- qnecen considerivelmente com anotagies. Os mais recentes trabalhos da escola italiana, citendo-so apenas aqueles que, embora de valor desigual, de algum modo podem interessar para o estudo da evolugéo da Diplomsitiea e da Paleo- grafia, silo 08 seguintes: Barone, Paleografia latina, Diplomatica ¢ nozioni di scienze ausiliarie, Napoles, 1923 (3.4 edigio), Bascapé, Corsi di paleografia ¢ diplomatica, -Milio, 1940. Schiaparelli, La Serittura latina nell’etd romana, Come, 1021, © lvoiamento allo studio delle abbreviature latine net medievo, Florenga, 1926. Ladolini, Hlementi di Diplomatica ta scienza ausitiaria dela Storia, Milo, 1926. Vittani, Nozioni elementari di Paleografia ¢ Diplomatica, Milo, 1930, Battelli, Levioni di Paleografia, Cidade ao Vatie (3 edicdo; reimpressa em 1964). Federici, Paleografia latina, dalle origini fino al secolo XVIII, Roma, 1935. ‘Thompson — Paleografia greea € latina, Sep. da «neyelo- pedia Britannica», Milo, 1940, Cencetti, Lineamento di storia della Serittura latina, Bolonha, 6. 10, 1949 19 3.4, Os estudos da Paleografia ¢ da Diplomitien remontam na vizinha Bspanha, de certo modo, @ épocas anteriores 4 escola que teve Mabillon como iniciador. Na verdade, afloram j4 nos séculos XVI ¢ XVIT alguns sintomas que denotam, pelo menos, ‘uma especial propensio para esses estudos, pois que outra con- clusio nie permitem quer um ensaio de Jodo Baptista Cardona sobre a bibliotees do Escuriel, quer # publicagio de um facsimile, posto que incorrecto, que Garibay y Zamalloa empreenden (") Todavia, 86 no século XVIII © sob a infinéneia directa dos estudos () A obra de Cardona, que é uma memriadirgida a Filipe 2°, inttulase De Regia ‘Sancti Laurent Bibliotheca (Tarragona, 1578). Zamzalloa publicou o facsimile n0 se Compentio kstorial de las ehronicas.. (1573). 186 — inicindos pelo sébio maurista, ¢ que sio desenvolvidos aqueles esindos que estéo na origem da escola espanhola, impondo-se aqui a explicacdo de que s¢ trata, efectivamente, de uma escola auténtica no dominio da Paleografia © da Diplomatiea, pois que so devidos a investigadores © tratadistas espanhéis decisivos contributos para 0 eselarecimento de pormenores ainda sujeitos ‘a dtivida e para 0 conhecimento de outros que também interessam sobremancira & estruturagio do uma téeniea, Bm obediéneia ao critério anteriormenite estabelecide, enume- ramos, de seguida, pela origem cronolégica da sua publicagio, alguns dos prineipais estudos que nos dizem da evolugio da escola espanhola (#2): 1738: Bibliotheca universal de la Polygraphia espaiiola, de Cristobal Rodriguez, publieada, postumamente, por Blas Antonio Nassarre y Fertiz. 1755: Paleographia espaficla, apresentada como de autoria de Esteban Verreros y Pando, havendo, no entwnto, quem mencione, fundadamente, como seu autor, © Padxe Burriel. 1188: Bsouela de leer letras eursivas antiguas y modernas, do Padre Andres Merino. 1880: Manuat de Paleograjia Diplomatica Bspaftola, de D. Jesus Muiioz y Rivero. Também do mesmo autor: Paleografia ‘Visigoda (1882) ¢ Nociones de Diplomatica espafiola. (1880). Paleografia Espaiiola, do Padre Zacarias Villada. Con- sagrada, especialmente, ao estudo da escrita denominads Fisigitica, posto que também se ocupe da paleografia latina © das escritas posteriores ao sée. XII. 1929: Paleografia espafiola. de Augustin Millares Carlo (1929). Do mesmo autor: Lratado de paleografia espaiiola (1932), que 6 wm desenvolvimento do trabalho anterior. E tam- Dé: Contribution al Corpus de Cédices Visigoticos (Madrid, 1931) Nuevos estulios de Paleografia Espaitola (México, 1941) © Manusoritos Visigdtioos (Madrid — Bareslona, 1963). 1923: (C2) Sobre a chamada escrita visgdtic, v. 0 apendice que é publicado no final destas ‘ObservagBes — 187 1941: Nociones de Diplomatic, de Bugenio Sarrablo Agua- reas, 1948: Curso General de Paleografia y Paleografia y Diplomatica Espatolas. de Antonio Vloriano Cumbrefio. 4. Também remonta a tempos bem. recuados, om Portugal, 8 aplicagdo do processos tendentes a concluir pela autenticidade ou falsidade, quando um documento estava em causa. Dai a possibilidade que hi de se falar da Diplomética em plena Idade Média portuguess — quando era j4 uma ciéncia a balbuciar as primeiras recomendagies ou normas, de toda a ves que se esmiu- gava 0 pormenor susceptivel do tornat suspeito um diploma. Nilo serd deseabida ou inoportuma, pelo que ficou alegado, a Jembranga do exemplos que ilustram @ mesma alegagdo © serve de prova bastante a essa remota aplicaglo dos processos da Diplo- mitica. E ao fazé-lo, néo pode esquecer-se que muitos outros exemplos haviam de somar-se aos que vio ser agora enunciados, uma ver que se prosseguisse, om extonsiio ¢ em profundidade, © exame tondente & sua recolha. Sendo as bastantes, serio também assaz concludentes as preo- cupagdes que denotem, em cada um dos casos, 08 oficiais régios € outros intervenientes, quando chamados a identificar um. ins- ‘trumento ou a dizer da sua autonticidade. Ki verificamos nés que eles se apoiavam, sobretudo, na Bafragistica, solicitando-lhe a Prova de que careciam (28), 4.1. Bem destro ¢ circunspecto se afirmava ja, no dizer de Joio Pedro Ribeiro, o procurador régio Domingos Paes, qnando no reinado de D. Dinis invocava razées do foro da Diplomética para declarar que determinadas Cartas, interessando aos ‘Tem- (9) Jodo Pedro Ribeiro, (Disseriagdes, tomo IV, diss. X) refere exemplos, alguns dos quais vio citados no texto, que abonam cuidado posto no julezmento da validade os diplomas, mesmo em plene Idade Média. Anotemos aqui o exemplo do foral de ‘Sanguinhedo. Quando o procurador régio recsbex © documento apresentado pelos ‘moradores daquele reguengo, alegando estes que se tratava de uma caria dada por D. Sancho I, logo mostrou, por rouitas raz6es, que ele m0 eta valioso: e entre estas rasoens disia que essa Carta, nom avla seello nem sinal de Tabelliom, nem reds nem silllo, como am as outras Cartas do tempo onde esta Carta falava, e que era rata e feria de duas mis. plérios, multipliciter erant suspecte, pelo quo aludiam, Ainda no tostermunho do sibio diplomatista portuense, no menos pericia denotam 08 inguitidores de D. Afonso 3.9 e de D. Afonso 4%, quando roquerem dos possuidores, no decurso da tarefa que Thes fora confiada, 08 sous instrumentos de doacio ou _privilégio, ‘apressendo-se a trasladi-los na mimicia de todo 0 pormener que habilitasse a uma perfeita identificagao ou contra-prova. B isto a0 ponto de haver sido exarada na inquirigao do couto de Refoios de Bast, no ano de 1334, esta declaragéo bem explicita na sua individualizagao e relativa & Carta do mesmo couto: «Pinha huum seelo pendente de chumbo em maneira de escudo longo, 6 em cada huuma das partes tiinha senhas crures, 6 de huuma parte as letras dizian sigilum Domini Alfonsi © da outra parte dizian Regis Portugalensis, pero queen a corda, en qne ese seelo siia, era britada e legnda de guise, que a poderiom, deslegar: mas en a carta ¢ na letra parecia toda sen suspeita...» (14). ‘Também nao foi outro © euidado de Vasco Anes, Tabelio geral dos reinos de Portugal e do Algarve, quando registou, a 4 de Junho de 1354, instrumentos do procuragio, de compromisso © outros relativos &s demandas do Bispo do Porto D. Pedro com ‘08 homens do governo do coneclho, Pois que referindo-se a0 primeito dessos instrumentos, logo consignou que era assinado, no fundo, pela mio «do dito senhor Bispo ¢ selado do seu selo pendente em fita miscradas, qual selo— pormenorizava ainda © Tabelitio — cera longo e tinha om si uma imagem de Sancta Maria, quo sin en sua cadeira com seu filho no colo. K a fondo da dita imagem sua uma figura de Bispo revestide de vesteduras pontificais com sua mitra em sua cabega. F da ums parte ¢ da foutra da dita figura estavam senhos eseudetos poquenos com sinais de eruzes em meio segundo mais compridamente era con- teudo © parecia no dito estormeuto de compromissom @ no dito selo...2 (4) 4, Jolo Pedro Ribeiro, obra ¢ local citad, pags. 8 (2) Arquivo Municipal do Porto, Autos e Sentenca de duridas ¢ jursiicedo entre 2 Bispo e ¢ Cidade. Publicado 10 Corpus Codtcurs latinorum et portaglensium, vol. 1 @Porto, 1917. — 189 © esmiugar do pormenor relative aos selos vem a manter-se da parte do tabeliéo, sempre que novo instrumento era exibido. B® assim acontece quando os cénegos Martim Viegas @ Afonso Peres apresentam procuragéo bastante da parte do Cabido do Porto. ensio consignado que ela era selada do solo do mesmo Cabido ependente em fita miserada, © qual selo era pequeno, Tedondo © tinha em si hua figura de angio com suas asas ¢ aos pés dele jazin hua figura de serpe pela boca da qual serpe tinha © dito angio metuda hua langa... Por outro lado refetindo-se, dessa vez, ao instrumento que habilitava Gongalo Anes, Afonso Lourengo © Nicolau Esteves como procuradores do eoncelho do Porto, de nove 0 tabeligo so revela preocupado na descrigio do selo, pendente de um cordio vermelho, do mesmo concelho, fazondo-o nestes precisos termos: +O qual solo era grande em cora verde ¢ tinha em si figura de duas torres ¢ om cima de antre ambas um eapitel e antre uma © a outra torre estava hla imagem de Sancta Maria com seu filho em o colo e da hila parte e da outa da dita imagem, estavam figuras de senhos elerigos com cipos nas milos. 1 de cada hia parte das ditas tomes estavam senhos eseudetes pequenos com sinais delRei de Portugal @ antre © capitel ¢ us torres senhios angios com senhos tabulos nas mos ¢ a fondo das ditas torres antre hia ¢ a outra estava hile figura de porta e parecia. que estava aberta... (#"), Embora na aparéncia mais do foro da Estragistica, néo podemos inferir, todavia, que essas minudéncias dos registos j4 referidos interessam menos & Diplométies. Da autenticidade ou suspeigto 4) Arquivo Municipal do Porto, oSdice referido na nota anterior. Esta descrigio do selo do concelho do Porto é diferente da que apresentou José Fslio Gongalves Coetho no seu optisculo Nowre-Dume de Vendome et les armoiries dela ville de Porto (Vendome, 1907) © que melhor se adapta & reprodugio ou revonstituigko do mesmo selo que ilustra esse opisculo, Sabemos da existincia dos restos doselo pendente do concelho do Porto num documento hoje integrado nas coleceées da Biblioteca Publica e Arquivo Disrtal de Braga (Gaveta dos Sinodos ¢ Concilos, n.° 2), que reproduzimes num dos capitulos, da nossa autora, a Hisiiria da Cidade do Porto (vol. ). Porém, niko & j4 possivel conhecer da forma legenda do selo, através desse fragmento, 190 — de um instrumento, quanto o consentia a prética dessas eras —cabe repetir aqui — havin de so julgar, antes do mais, através do selo exibido, duvidando-se com sérias razées sempre que ele faltava, Por tal motive ¢ muito a propésito, uma sentenga do juizo dos feitos da Coroa, Iavrada aos 12 de Setembro de 1411 proferida em causa eneaminhada pelo requeredor dos reguengos do clrei no termo do Porto, quando alude & carta de doagao de ceria ormida consagrada a Santa Ovaia, logo precisa que esse documento, tresladado, como outros, num caderno que foi exibide, nio parecia anténtico nem fazia £é, sporque parecia que a dicta Carta nom era selada com selo do dicto Rei [D. Afonso] nem sinada...» (7). De resto, onsinava jé 0 Mestre Joao Pedro Ribeiro que eram estes 08 meios diversos de que se serviarn 08 nossos maiores quando desejavam autenticar escrituras piiblicas: @ deelaragio de dia fe ano; 08 sinais piblicos; os recortes nos instrumentios; 08 selos rodados, pendontes ou de chapa; as assinaturas, ete. Se eram tais 08 processos de autenticar, forgosamente se tinha de recorrer ‘ao seu conhecimento para veneer toda a suspeigéo. B assim aconteein. Menos avisados ou precavidos, om, séculos futuros, sio muitos dos eronistas a quem interessou suber das memérias que 08 habili- tassem a compor seus livros, Certo 6 que © primeiro ¢ 9 maior do todos confessou 0 cuidado © diligéncia com que vire, para além dos agrandes volumes de livros, de desvairadas linguagens fe termass, as pubricas excripturas de muitos cartarios ¢ outros Togares (#8). Certo 6 que Fernfo Lopes, apés esta confisséo, logo declara também que depois de longas vigtlias © grandes trabalhos nio pudera haver mais certidao do que ® contedde na sua obra. Todavia, foi outro 0 proceder da parte daqueles que tiveram 0 encargo, apis cle, de escrever as erénieas do Reino. F se houve excepgies, que 0 foram ao conjunto dos textos deturpados fon mesmo falseados, ess0s dovemos averbé-las & conta dos lou- vores que sio devidos todo aquele que viven a divide, por (Joo Pedro Ribeiro, obr. © loc. citados () Peindo Lopes, Crénica de D. Jodo I, primeira parte, ed. do Arguivo Histdico Portugués, pigs. 2 (Lisboa, 1915). 191 amor da certeza: assim 9 Doutor Joio de Barros, 0 moralista © portuense, que se deu a consumir algum tempo no exame dos cartérios dos mosteiros de Moreira 6 de Pedroso, e assim um Frei Manuel da Ksperanga, também portuense, a quem devemos a cr6niea dos Frades Menores (2°) Nos prinetpios do séc. XVIT, o8 estudos do foro da Diplométiea foram da predileedo do eénego regrante de Santa Cruz de Coim- bra D. José de Cristo: assim o revelam alguns manuscritos seus, hoje ineorporados na Biblioteca Pribliea Municipal do Porto, duer no pormenor de anotagdes relativas a documentos que copiou ou extractou, quer nas reflexes que faz, por exemplo, a propésito no nexo XL (X+) e do seu real valor (#8) 4.2. A influéncia dos propésitos e da esquematizagéo dos estudos da Diplomatica, segundo os preceitos do beneditino Mabillon, 6 bem notéria, da parte de estudiosos portugueses, logo pelos finais do primeiro quartel do século dezoito, Todavia, se 6 do apercober o reflex daquele preceito, 0 certo é que bem eseassas veres 6 referido o nome do grande diplomatista, como j@ sublinhou Pedro do Azevedo (+), A propria Academia Real da Histéria Portuguesa, a partir da sua fundagéo, em 1720, define uma directriz aos esimdos acadé- micos ¢ desde logo Ihes assina um complemento natural, que no é alheio as exigéneias da Diplomitica. B assim, expressamente Fecomendava que no termo de cada memévia distribuida aos aeadémicos fossem apensados, como provas as mais seguras, ") Frei Manuel da Esperanga, Historia Serafica da Ordem dos Frades Menores de 8. Francisco na Provinca de Portugal. (Lisboa, 1656 ¢ 1666: 2 vols). Dizendo do método a que obedecet, confessa 0 autor Comecei a eavar aid o centro da mesma antguidade descobrindo muitas minasprecosas, ‘que ela nos ocultava. Revolri muitos cartrlos(...1 Em a revista dos nostos andava tag advertido, que ndo buscava somente os papeis, & pergaminkos, mas tambem os livros da loraria comm, refetérioe coro, onde encontrel com memirias de ma, que esereviam, 2% frades quanto 0 ser curios ndo era avaliado por ofensa da virtude. 9) Codices 84, 86 ¢ 9 da Biblioteca Pablica Municipal do Porto. V. Anténio Crus, Santa Cruz de Colmbra na cultura portuguesa da Idade Média, vl. 18, Porto, 1964), (2) Peto de Azevedo, Linkas gerais da Hiséria da Diplomtica em Portugal (Colm bra, 1927). V. também Jodo Martins da Silva Marques, De Ihixoire dela. 192 — aqueles titulos dos arquivos que corroboravam os textos. Entre- tanto, alguns académicos denotavam conhecimento directo dos conselhios © tegras de Mabillon, a ponto de wm deles, o ilustrado Conde da Ericeira, poder exprimir-se, quando jul do Conde do Vimiciro, de modo a eoncluir que eles nfo continham sanacronismos, ou outras faltas de chronologia, ¢ regras de que esereverdo 03 authores da re diplomatica, da Paleographia e da ceriticas (22), Nao obstante, reconhegamos que nem as recomendagies da Academia Real da Histéria, nem 0s conhecimentos ou preocupa- Ges que exam manifests da parte de certos académicos — embora estes em ntimero diminuto —concorreram pata que se fizesse com a devida exactidio a leitura de documentos extractados ou copiados na integra, por esse tempo. I um s6 académico, o cisterciense Frei Manuel da Rocha, depois de reconheeer que se podiam fazer suspeitas a todo o eritico demasindo escrupuloso © 86 inclinado a acreditar no que via, aquelas eserituras que abonavam o texto do seu Portugal Renascido, dado que exam desconhecidas, logo adianta que o livraram de todo susto, dando-Ihe fidelissimo crédito, os mesmos pergaminhos © sua antiguidade ¢ letra —afirmando-se ento € por esse modo, logo em 1730, um diplomatista observante da nova regra (%). Mas nio 6 de raros exemplos como o de Frei Manuel da Rocha ¢ outros académicos, mas sim da orientagdo geral esbogada © bem manifesta, que se cothe uma certeza: a menos que cireunstineias fortuitas no viessem impedi-lo, como também a concorrer pars que fosse comprometida a aceo meritéria da propria Academia, 08 estudos da Diplomética teriam sido entéo instaurados em Portugal, ainda no decutso da primeira metade do séeulo dezoito. ‘Todavia, se 0 no foram por entdo através de diploma bastante, nem por isso deixaram de interessar a particulares, agasalhados debaixo da protecedo de conventos para af colherem 0 favor do estimulo. Renovada a séeulos do disténcia, ota a mesma tradigiio que levara um, dia & interpretaciio do textos dos cléssicos, cha- €2) Documentos e Memérias da Academia Real da Hiséria Portuguese, Lisboa, 1723, vol. 1. (9) Frei Manuel da Rocha, Portugal Renaseido, tratado hlstirleo-erlieo-chrono- Iogico.., Lisboa, 1730, — 193 mando-o8 8 uma actualidade exigida pela propria alma medieval. A ser possivel, por hipétese, falat-se de renovagio, quando fora mais acertado sludir ao continuado interesse por tudo quanto respeita &s memérias dos homens dos tempos decorridos, bem como das ideias ¢ dos feitos que os imortalizaram. & que, afinal, mais nao visou a Diplomatica, uma ver esquematizada © reduzida fa regras, do que garantir a validade dese testemunho. .3. Volvendo agora & tradigiio portuguesa, devemos lembrar ‘0s cuidados que consagrou a esses estudos 0 cénego regrante D, Bematdo da Enearnagio, natural de Aveiro. Depois de haver professado no mosteiro de Santa Cruz de Coimbra, fixon-se no cendbio da Serra do Pilar, exereitando af ‘© cargo de eartorério. Demorou-se no exame dos arquives de outros mosteiros dos Criizios, consumindo assim 9 tempo das suas bré- ‘vias on férias. De novo recolhido & cela do mosteiro da Serra, dava-se a coligir memérias respectivas & Diplomitica, Conheceu-as Joio Pedro Ribeiro ¢ apressou-se a encarecé-las, No sou alto eritério, essas memérias, posto que informes, mostravam assaz, da parte do sen autor, so grande tino no assunto que manejou, afirmando também a vastidao dos seus trabalhos ¢ a sua pericia na Paleografia. Hé corea de vinte anos, tivemos a fortuna de identificar no Arquivo Distrital do Porto ¢ integradas no antigo cartério do convento de Sento Agostinho da Sera do Pilar, algumas das memérias de D, Bernardo da Enearna¢d ‘Dos seus conhecimentos de Diplomitica dé conta o grande cartoririo nas duas seguintes: a) Memérias ¢ elarezas sobre as Capelas ¢ Legados deste Real Mosteiro de 8, Agostinho da Serra que he dos Conegos Regu- lares da Congregagao de Santa Cruz de Coimbra.. Neste cédice, 0 seu autor aprecia, do ponto de vista diplomé- tico, os documentos em que fundamenta as suas conclusdes © a doterminada altura, por exemplo, atribui exacto valor ao nexo XL ou X aspado, como entiio se dizia (fis. 40), desenvolvendo também consideragées pertinentes & diferenciagao de missa cantada e missa 19% — oficiada, consideragies essas que foram do conhecimento de Frei Joaquim de Santa Rosa de Viterbo (**) b) Discurso Juridica, praction, ourioso, © instructive. Sobre a alternativa dos mezes entre Sua Santidade ¢ Senhores Bispos no provimento das Igrejas € Beneficios dos Padrociros Belesiasticos (**), Neste Discurso, D. Bernardo da Encarnagéo analisa as regras da Chancelaria Apostéliea. Quanto aos seus conhecimentos paleo- grificos, esses revelam-se, sobretudo, na leitura e transerigo que fea de muitos documentos medievais, do cartério do convento de Vilela, tresladando-os em Livros Auténticos também inte- grados, como esses documentos, no cartério do Mosteiro da Serra. ©. Arquivo Distrital do Porto, cartério citado, ebdices 40, 125 e 133. 5, Arquivo Distital do Porto, cartorio do Mosteito da Serra, n.° 125, Cédice de 58 fs, nums, 'Na folha de guarda do principio, inum., tem a anotagdo seguinte, autégrafa, de Toko Pedro Ribsiro: Discurso sobre as Regras da Choncelaria Aposolica, obra muito wil para quem tem Padroados de lerejas sugeitos ds referdas Regras, por terem so tradas as Aprezentagbes lellas in solidum aot Padvoelros Fzclesiastics, ficando estas somente com 4 mezes no anno, ¢ 08 Seculares aprezentando semore as suas respectivas leejas todas as vezes que vaarem fa. ha: ‘Peloincansavel,esabio Religioze D. Bernardo da Encarnasto, cujosela do bem commum 2 patentea bem no Cartorio deste Mostero de Sto Agostinko da Serra, aonde faleceo, 1 no de virtdes ¢ de merecimens. Tamém do mesmo autor, hi no Arquivo Distrital do Porto, un cédice assim inttulado: Memorias ¢ clarezas sobre as Capellas e Legados deste Real Mosteiro de S. Agostino dda Serra. Que he dos Conegos Regulares da Congreeasao de Santa Cruz de Coimbra. (Cajas deisou escriptas por sua Letra entre outros muitos seos Manuscriptos sobre papeis “antigos © Incomparavel Cartorario 0 M. R. F. D. Bernardo da Ens™ Conego vere deiramente Regular tao zeloso da obsersancia como exactissimo da verdade { seguio tanto nesta como em todas as suas obras com que enriguisseu este Cartorio desde 0 anno de 70 aie 0 de 1770 em & fol para Mafra. Sob o titulo de «Informagio das Capella, anniversarios,“missas ¢ mais Legados 440 mosteiro de S.to Agostino da Serra», abre com a nota seguinte: “«Tem o mosteiro de Santo Agostinho da Serra obrigigio de saisfazer varias Capella, nniversarios, missas e outros Legados: dos quais huns pertencém ao mosteiro de Villla, uunido in perpetum ao dicto mosteiro da Serra, outros sto proprios do mesmo mosteio, «© outros vierto do masteiro de Grijé na separagio que se fez dos dous mosteiros pella No Arquivo Distrital de Viseu, como revelou, ha pouco, o Dr, Mirio Finza, na sua reedi¢io do Eluciddrio de Viterbo, esti integrado um eddie com outro trabalho de autoria de D. Ber- nardo da Enearnagéo, que nele reuniu numerosos vocibules areaicos acompanhados do respective estudo (**). No mosteiro da Serra do Porto—como ao tempo também era cotrente chamar-Ihe —viveu aquele investigador que na sua época mais se devotou aos estudos da Diplomstiea. Em anos futuros, outros portuenses —um deles frade menor ¢ os restantes beneditinos —deixavam-so apaixonar pelos mesmos estudos: refiro-me a Frei José Pedro da Transfiguragao e a0s monges Frei Anténio da Soledade, Frei Jodo Criséstomo de Santo Tomas, Frei Anténio da Assungio Meireles ¢ Frei Bento de Santa Gertrude. 44, Dois outros monges mauristas, Dom ‘oustain ¢ Dom Tassin, publicavam, entretanto, os seis volumes do seu Nouveau Traité de Diplomatique, impressos de 1750 a 1756. Foi decisiva, como noutro lugar se referiu, a influéneia de tal obra, impulsio- nando a metodizacio e até a oficializagiio dos estudos que tiveram, remota origem no De re diplomatica do Mabillon, E surgiram assim, escolas diversas. ‘eal, assim como no Mosteiro da Serra ficarfo algumas rendas do Mosteio de Grid, assim da mesma sorte Ihe ficardo também alguns legados, que a0 dito Mosteiro de Grijé pertencito. Achase 0 mosteiro gravado bastantemente com os dictoslegados, porque 0 rendimento de alguns delles nto chega, nem he suflelente para a su satisfaglo, de que resulta grave rejuizo ao mesteiro, ¢alem disso, sobre os mesmos legades se offerocem varias duvidas, ue sio causa de muites escrupulos. Pertende 0 mostero recorrer & Sé Apostolic, para effeto de se reduzitom a menor ‘numero de Missas, aquells Capelas, que necessitarem de reduccio; ¢ se aclararem ‘odas as duvidas, que nesta materia pode haver. Porem como este negocio he de tanto 1pezo,e de tio graves consequencias, fz este traciado ou informagio de todos os legadoe pertencentes ao referido mosteiro da Serra. Nao aponto authores, ndo alego authori- dades, nem he minha tengo resolver cousaalguma sobre a materia della. Somente apoato algumas razoens e duvidas para que a vista della se possa fazer juizo do que se deve ‘obrar, © se resolva, 0 que se entender ser mais justo acertado>. (Fr Joaquim de Santa Rosa de Viterbo, Elucidirio das palavras,termas ¢ frases, ed. critica preparada por Mario Fiuza (Porto, 1962-1966). V., do editor ctado, «intro. dugio que escreveu sobre a vida e obra de Viterbo e que abre 0 primero vol 196 — Nao demorou a divulgagdo, om terra nossa, da dontrina dos ‘novos diplomdticos. Sem diwvida muito contribuin para tanto, além do conhecimento directo dos seis volumes do Voureau Praité, a reedigao, no texto original, da sua parte oitava, que sain dos prelos da Imprenst Régia de Lisboa no ano de 1773, por iniciativa, do erndito Frei Manuel do Cengeulo ¢ sob o titulo de Méthode de Diplomatique. Também importante © anterior iniciativa devia j4 o ensino 4x Diplomatiea a Frei Manuel do Cendeulo. Com efeito, eabendo- -Ihe delinear o plano de estudos para a Congregagio dos religiosos da Ordem Terceira de 8. Francisco do Reino de Portugal, plano esse que teve aprovagéo régia a 3 de Junho de 1769, logo af o benemérite Arcebispo de Rvora inclam esta ordenagio «Também se formardo humas pequenas Collecgdes, e sim- plissimas das Regras principaes da Critica, da Arte Diplo- matiea, dos mais Prineipios gerais, certos, e seguros, para delles se fazer uso nas Awlas. Knsinaré 0 Mestre a fazer a applicagao pratiea dos mesmos Prineipios, ¢ Regras funda- mentaes, controntando-o5 com a Materia para facilitar a reflexdo, © seguranga de deduzir consequencias destass (*7) Obediente a quanto Ihe era ordenado no plano de ostudos, eoube 20 portuense Frei José Pedro da ‘Transfiguragio elaborar uma Dissertagto ou breve tratado que é @ primeira obra impressa n portugués com regras da Hermentuties e da Diplomstiea, porque 0 foi no Porto © no ano de 1792. Recorendo a subsidios inéditos © corrigindo 0 que a seu respeito publicaram os bidgrafos, algo 6 possivel dizer sobre esse professor de Histéria Kelesisties no Convento de 8. Franeiseo desta cidade. Aqui nascido no ano de 1739, era filho de Manne! Cactano ¢ de sua mulher Luisa da Cunha. Foi admitido no novieiado aos 5 de Agosto de 1758. No dia 7 de igual més do ano seguinte, com a comunidade capitularmente congregada, ao som de campa tan- gida, no coro do mosteire, pelas sete horas da manhi, suplicon ©). Plano dos estudos para a Consresagto dos religiosos da Ordem Terceira de S. Francisco do Reino de Portugal, Lisboa, 1768. — 197 a0 guardiiio que 0 admitisse & profissio. Porque havia completado um ano de provagio, como novigo, ¢ porque Ihe eram favoréveis todas as diligéneias empreendidas de acordo com os Bstatutos, foi logo admitido. Veio depois a esmerar-se no estado, a ponto de ascender a Padre Mestre (*). Dos propésitos que o moveram a redigir a sua Dissertagdo ow breve tratado, 6 0 proprio autor quem nos exelatece nas palavras que Ihe antepie. Declara ai Frei José Pedro da ‘Transfiguragiio que juntara algumas regras, mais necessétias, da Hermenéutica ¢ da Diplo- mética, sesses dous indispensaveis olhos da Histéria Helesidsticas, apenas para seu w60 pessoal. Porém, houye quem visse 0 trabalho © viesso a reconhecer-Ihe interesse para todos os que se dedieavam, a semelhantes estudos, quer por outto ndo haver em lingua nossa, quer por serem eustosos © extensos o8 livros especializados saidos de prelos estrangeiros. Tanto o decidiu —e s6 isso —a imprimir a8 suas notas, ndo sem Ihes dar como prélogo, entre outras, estas declaragies: «Quem for perfeitamente instrnido nestas matérias, ¢ vir que sto poucos 03 preceitos, que aqui se dio, acrescente do seu 0 que Ihe parecer, para me no louvar; e veja a ingenui- dade, com que dou conta da mui pouea parte, que tenho neste ‘Tratado, para néo vituperar-mne. Se com tudo achar ainda no seu genio de que desabonar-me, as suas vores no serio mais sensiveis para mim, do que he para a Tua o latir de hum rafeiros. Por esse tempo, os estudos da Diplomitica néo exam priblicos nem tinham sido ofieializados, definitivamente, em Portugal, @) Biblioteca Publica Municipal do Porto, Livro da recepsao e profisao dos Novicos e 8. Francisco do Porto, cédice n° 1342, fs. 91 Frei José Pedro da Transfiguracio, que foi professor de Filosofia e de Histéria clesidstica, deixou, inéditas, outras obras da sua autoria, que legou, nas véperas de sua partide, a0 seu amigo José Pedro éa Cunha Coutinho, presbtero secular, professor dda Congregacio de Oliveira do Douro, indicandoshe aqueles dos papeis que padiam ver a laz da impressao, Entre eles ge contavam ot Pensamentos, reflexoens e maximas, ‘que foram impressos em 1807. O moralista agermana-se al com 0 erudito, ambos a viverem a mesma preoeupagio de bem servir a Gre. 198 — como haverd ensejo de dizer. As disposigdes do plano de estudos dos frades menores, como 0 trabalho a que Tigou 0 seu nome 0 portuense Frei José Pedro da ‘Transfiguragio, tendo sido uma jniciativa meritéria, sio ainda uma prova defiuitiva do interesse despertado por semelhantes estudos. Como o sio também, para 86 referirmos os nomes de naturais do Porto © sou texmo, o8 testemunhos legados por alguns monges beneditinos. 4.5. Segundo a Meméria da sua vida langada no Livro dos ébitos do mosteiro de Pago de Sousa, onde foi conventual ¢ fieon sepultado apés @ sua morte, em 1776, foi também estudioso da, Diplomética 0 beneditino Frei Anténio da Soledade, eulgo “Mareeos, — como anota 0 seu bidgrafo—que nasceu, a 14 de Setembro de 1713, na freguesia de Santo André de Marecos, da comarca de Penafiel. Completados os sous estudos menores no Porto, foi admitido —contava, entdo, 17 anos —no noviciade de Tibies, pasando, a seguir, para o coristado de Rendufe. Frequentou, de seguida, Filosofia, no mosteiro de Amnoia, @ eologia, no colégio de 8. Bento do Coimbra. Anota a Meméria da sua vida que clo foi sempre muito aplicado & leitura dos melhores autores, tanto de Teologia comno do Moral, amador das Belas Artes e da Histéria Helesifistica © profana, versado na Geografia © perito na Diplomdtica, a que se aplicou com infatigével trabalho como se mostra das muttiplicadas ‘memérias que deizou em todos os Mosteiros onde vivew, ¢ nesto [de Paco de Sousa] muito mais, onde, sem rebuco o digo, se the devia Tevaniar hum Busto & sua meméria, pois a elle se deve toda a riquea deste Cartério onde immensos titulos estavito perdidos ¢ dispersos.. ‘Do seu labor abonam o bastante estes outros pastos da Meméria da sua vida, posto que s6 relativos a actividades a que se entregou no mosteiro de Pago de Sousa: « seu genio estudiozo, aplicade, e amigo do retire nfo se proporcionava é laboriosa vigilancia que he preciza nas Prelazias, @ por isso so substrahio do continuar nestes cargos; asistio no Capitulo Geral que se seguio om 1768, nelle fez que se laviase ‘Acta em execugio do que manda a nosa Constituigao Livro 2. Constituigo 3. fol. 171, N. 79. quo manda haver em todos os novos Mosteiros hum Diatario, ou Livro em que so escreva fa Historia da fundagio daquelle Mosteito e os factos que decor rerdo até o tempo presente, Em nenhum se tinha posto em — 199 execugio aquelle Artigo da Lei, elle foi o primeito que jé o tinha Posto em praticn nos Mosteiros onde tinha estado, € o fez nos ‘outros para onde depois foi conventual, como foi no Mosteiro de Bostelo para onde foi morador no fim deste Capitulo Geral, onde logo foi nomeado Cartorario mor pelo Prelado daquelle Mosteiro, em eujo Cartorio trabalhon com incangavel trabalho € utelidade pondo em bom arranjo e concervagio ¢ deixando memorias uteis de sua letra que ainda hoje concerva’ com muita estimagi eVeyo ultimamente morador para este Mosteiro de Pago de Souza 2 19 de Novembro de 1763 onde pasado alguns mesos foi nomeado Cartorario. Mas logo fer. com que se ordenase hum Livro encadernado em pasta para Diatario; pata o quo leo, 0 numerou € pos 0 Cartorio por Ordem Chronologiea todos os\titules quo nelle havia: fez rezenha de todas as Doagoons, Diplomas, Sen- tengas, ¢ Hseripturas com a mais eserapuloss indagagio, lendo tdo © que nelle se Continha por mais escabroso ¢ antigo que fosse. Dali pasa a ler 0s livros antigos das Officinas, concertande, man- dando eneadernar, ¢ pondo tudo em boa concervaciio, 0 que ate abi estava sem ordem, confuzao, desprezo, sendo aliaz hum Cartorio que merecia toda a estimaedo, resguardo € disvello, alex reconduzir/aperar de todas as dificuldades que encon- tra/para este Cartorio hum Livro preciozo pello seu conteudo © antiguidade, manuscripto gotieo em folhas de pergaminho pello D. Abbade Commendatario deste Mosteiro D. Joam Alvares; Este D. Abbade estando em Franga escreveo aquelle Livro que ontem a Santa Regra ¢ algumas Cartas exortatorias a diseiplina lonastica, cheias de ungad, zello, observancia © deseripgdo: Este rico tezouro, tinha visto 0 noso zeloso Cartorario na Livraria de Coimbra quando ali esteve Colegial, que julgamos ter para ali passado este Livro no tempo do Rev.mo Frei Leso de 8, ‘Thomaz quando fez a Beneditina Lnsitana para o que andou a ver todos 98 Curtorios e deste lovaria aquelle Livro, como elle mesmo Fy, Antonio da Soledade reflexiona no seu Diatario. Outros mais Livros importantisimos, Bulas Apostolicas, Sentencas, Wscrip- turas de prazos faz recolher, quo jaziad dispersos, huns no Car- torio da Meza Abacial dos Jezuitas, outros em Cartotios de Eserivaes © Tabaliaes, incluzos em sentencas findas, © alguns nas Camaras Seculares ¢ Beleziasticas &# sDepois do asim enrequecido este Cartorio entra no rude tra- balho de fazer hum Elenco ou Indice geral de todo 0 Cartorio, servindo de historia sbreviada do mesmo Cartorio, onde ahi se achio todos 08 titles, e tudo o mais que nelle se contem por gavetas, Magos, © nagoens, as demandas, duvidas ¢ resultado dellas, que tem decurrido com este Mosteiro em todo o progresso dos tempos com refiexo em providencias para o futuro: he hum. Livro grande do félio, obra de summo trabalho ¢ exame. Dahi, pasa a eserever outro Livro dos Legados, encangos © obrigagoes testamentarias deste Mosteiro, quem foro os legatarios, as rendas, as doagoens que deixardo para estes nosos deveres, apontando todos os titulos donde constio: He hum Livro de pasta félio carto de summa coriosidade ¢ indagagao. Ainda aqui nfo fica; elle sempre, sempre vai esquadrinhando com a mais coriosa indagagho tudo o que pertence @ historia deste Mosteiro, elle revolveo ate os seus fundamentos, @ vai descobrir quazi nos ali- delle cs antigos Jazigos dos seus Fundadores ¢ reedifica- fause, por asim dizer, senhor do pasado ¢ do prezente. Entra no Plano do Dietario, desereve a sua fundagéo com os nomes dos Fundadores @ dos seus descendentes depositados neste ‘Mosteiro, sua architetura ¢ descripgio da Igroja e Mosteiro Antigo, as diferengas que nelle ove ate 4 nose reforma ¢ dahi ate o tempo qne elle escrevia que foi no ammo de 1765. Seus Passes, Contos € Padroados antigos, nomes dos seus Doadores e Benfeitores, Dons Abades perpetuos, Commendatarios © Trienaes, confron- tages do territorio em que esta o Mosteiro, seu clima, produgoens, costumes, genio © manufacturas dos habitantes do Paiz; Castellos, Fortalezas, que hio e ouverilo nas suas vizinhangas; Montes, Rios, Mosteiros, Tzrejas, ¢ Capellas. Hum volume félio grande. He Obra Coriozissima © de todo o valor tanto pella vastidio de noticias, como pella Critien ¢ pureza de estilo, fecundidade, clareza € energia. eBistas sad as Obras que se achad completas ¢ acabadas que neste Mosteiro e beneficio seu, em 13 annos que aqui esteve morader esereveo sendo hum Chronista delle ¢ cujas obras ested por sua Jetva e bem encademadas. Outras mais deste genero escreveo nos Mosteiros onde esteve; elle fez 0 Diatario de Palme, de 8, Romio, 0 de Amoia, ¢ 0 Costumeiro da freguesia de Tibaens, que ate ahi o nao havia, em todos elles se concervam memorias interessantes de sua letra, aqui no Cartorio alem das obras que temos referide, ha hita tradu ajuntou varias Definigdes de capitulos gerais ate o seu tempo, cuja obra teria grande merecimento se estivese completa, 9 cadernos in fol. Na Livratia, a Descripgio de hum caso estupendo sucedido nesta Igreja, tres folhas escritas de sua letra, e outras mais Memorias avulsas que bem mostram foi hum dos mais insignes Escritores e Antiquario mais incansavel que tem tido ‘@ nosa Congregagdos (**), 4.6. Nascou nesta cidade, a 27 de Janeiro de 1724, Frei Joao Criséstomo de Santo Tomas, que tomou 0 habito de 8. Bento, no mosteiro de Tibies, a 27 de Fevereiro de 1741. Transferido para 0 coristade de Pombeiro, ali demorou' sete meses, até so mudar para 5, Bento da Sattde, em Lisboa. Quando iam quase findos os quatro anos de coristado, foi frequentar o colégio que entiio abriu no mosteiro de Palme, onde cursou trés anos de Filosofia. Os estudos do Teologia obrigarem-no a transferir-se para 0 Colégio da Estrela, vindo a concluir, finalmente, 0 novo curso no Colégio de Coimbra. No exercicio de cargos diversos, demorou-se também nos mos- teiros de Pendorada © Pago de Sousa, voltou a Palme e a Car- voriro © fixou-se, por fim, em Pago de Sousa, onde faleceu pelo Natal do 1783. As sucessivas transferéncias levaram-no ao convivio de alguns dos mais importantes cartérios da sua Ordem—e s6 por esse facto importaya referi-las mindamente. Anotemos ainda, valendo- snes da sua biografia manuserita, que ele «empregou parte do ‘tempo de sua vida em abrir estampilhas com que serviu slguma cousa a religiio, e com pinturas ¢ outras curiosidades». B curiosi- dade das maiores foi, sem divida, aquela obra a que o Cardeal Saraiva, num catilogo dos manuscritos da livraria de Tibies, se refere por estas palavras: 0% Biblioteca Publica Municipal do Porto, cédice m.° 173, fs. 171 v., © cédice que contém as obras de Frei Jodo Alvares ¢ que & classficado de lio pre= estate yt oie. forthoche pb fain amees “tcc. i robmgeny gfiam. meet) armen GP fanum rene ropa cep ae YS, aot eratios ung} arm uchtlomn?geam jr cere, tone pfeauermemfide typ aereomad Seana ‘epadqquarcam decrmaf aril TcaueF Asti dte ueuens