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100 cadernos de teatro — CADERNOS DE TEATRO N. 1cojto1 Janeiro/Junho 1984 Redacao e Pesquisa ¢O TABLADO Diretor-responsavel — JOK0 SERGIO MASINHO NUNES Diretor-cxecutivo — MARIA CLARA MACHADO ‘Diretor-tesoureiro — EDDY REZENDE NUNES ‘Redatores — BERNARDO JABLONSKI, CARMINHA LYRA ‘Axarsio Fitsto © Ricaroo Kesovsxr Secretérias — Sitvin Fucs ¢ Vania V. Bonoes, Redario: © TABLADO ‘Av. Lineu de Paula Machado, 795 Rio de Janeiro — 22.470 — Brasil 0s textos publicados nos CADERNOS DE TEATRO 16 paderdo" ser repteseniados mediante cutoricagto te Soctedede Brasileira de Autores Tearts (SBAT) ‘Av. Almirante Barroso, 97 Rio de Janeiro NUMERO CEM Cabe 4 Maria Clara Machado abrit nosso timero duplo, comemoraivo, com um argo igualmente dup: tia, psguena apresentagio eflexiva do camiaho au ‘ssado nests 18 anos de vid, segida de una reedcto Uo prlnct anigo publicado no. primcito “Caderos de “Teatro”, em 1986! Neste trabalho, Maria Clara Macha- do traava 0 que Vrla a se a polica ediorat da revista os prinipcs nercadoresserem sepuidos 9 mais fick frente posivel 20 longo dos tempos, Dif saber seo: fedatores de entto —e a propria Maria Clara — faziam idéia de-gulo Tonga essa traveasia seta! Des proposigéesTancadss enti, a que mais mi cou a revista fois que se refera aoe cvidsdos para com © peseal_eo interior. do pls, que. sem grande acevo is Unformogies tGnicas,tebieas © de repertéro, pues Se encontrar nos Cidernos um material qu preenchese, nia medida do posse), parte dssas deficiéacas. Apa iso, ¢ publeagio simultanea. de artigos tedricos Sofisicados, enirevisas, pegs de vanguatda, e autos, vie- ram complctar & revsta‘e torni-la mals atasnte também to publico de maior sofiicaglo cultural ¢/ou menor ca. féntia de iformagies bisisa. Para os estudiosos © para os estudantes de teat, actediamos ter sido essa nova postora mais vantajss, E pare (lar ‘omsbém das falas ax omisebes, 6 Com ceria amargura que observamos {que as previsbes da autora, de que dentso de cero teme p> éimimuiviames 0 ‘némero do traduySes » adapagies Em prod cantrbuigoesoriinas, nao se confiemaram. Ni coniegaimos alingir ese ponio. © consolo a 4a mais amargo —~€ de que nlo estamos sozinhos. E foxéra a pequena contribulgio a nossa “ntlligenzis™ tealral em! tcrmios de artigos eseros. Grande parte das ‘ivtnciag,experincias © inovagées. corre assim 0. ro de desaparecer no limbo pela falta de tradieto Je nossos homens ¢ mulheres de teatro, de eoloeatem ‘no. papel suas contribuigSes. Falta de tempo? Falta de hibito? De espaco? Diffcil responder, uma vez que nds mesmos incorremos neste cio. ‘Além do trabalhos neste numero. enquadram- morativos, isto €, cu p te 2 comentar a “eleméride”. Assim, Henrique Oscar, Barbara Heliodora, Jorge Ledo Teixeira e Orlando Miz rande_tecem amabilisimos comentéris ¢ considerogies fgerais acerca do processo que’ culminou na publicasio de nosso niimero cem. Mas nem s6 de festas e elogios se compie essa cdicdo: apresentemos também na “primeita pare” desse exemplar uma site de artigos esertes por excolaborado. res, militantes ¢ simpatizanes tabladianos em geral, que sentilmente acederam em patiiper Assim, Yan Michalski tece relevanies apreciagses scerea da evolucdo do papel assumido pela critica toa- tral do Rio de Janeiro nos sltimas 15 anos (mito em- bora involugio, em vez de evoluclo, talver fosse 0 termo mais indicado para expressar o que realmente, se- gundo 0 autor, howe por bem susedor). Em seguida, Flora Sussekind aborda a dramaturgia brasileira hoje, ve, por sine, & voltada, como mostra o artigo, para'o ‘antem (basta notar 0 titulo do referido artigo). Vive- ros, dramaturgicamente, de lembrancas. Uma maioria impressionante de pecas voltae direta ou indiretamente para aspecios de nosso passado. © presente esté intole- rivel? Ou 0 futuro totalmente sem perspectivas? Um caso a. se pensar... Domingos Oliveira — prémio Moles de. dirsgio em 1983 — trouxe sua valiosa colaboragio através. de cconsideracdes diversas ¢ insiigamies acerca do. trabalho do ator © da critica. © godardiano titulo “Duas ou trés coisas que eu sei dele” — revela alta dose de humilda- e:_num estilo audacioso, Domingos Oliveira nos ofe rece muito mais do que os parcos nimeros insinuades pelo titulo. “A linguagem no teatro brasileiro” & outra colabo- ragdo de Henrique Osear, produto de uma palestra pro- ferida em Porto Alegre hd alguns anos. Um dos raros ariiges sobre essa rea de estudos que’ temos a honra © 0 prazer de republicar (originalmente, saiu mo suple- ‘mento literitio do jomal “O Corrcio do Povo", de Por- to Alegre) Do ator, nos fala Rubens Corréa, num artigo que mescla apaixonadamente 0 caminho percorride por cle, ‘como ator e como pessoa. O trabalho do artisia de teatro, seus abjetivos € métodos para o eterno auto-apri- moramento € descrito numa linguagem pena de belas simples metéforas (o que as torna duplamente belas). Néo poderiamos deixar de prestigiar o autor na- ional neste numero: duas pecas curtas, de Maria Clara Machado ¢ Alcione Araijo, vém enriquecer 0 rol de ppecas ja pubicadas. ‘Além disso, publicamos um clissica do teatro: O- Inimigo do Povo, de Henrik Thsen, em adaptacao livre de Domingos de Oliveira e duas pecas jé mostradss em ‘nossa revista em_niimeros anteriores (esgotados), € que sig sempre soliciados para republicagao por nossos lei tores: Os Embnulhios, da propria Maria Clara Machado € Pigue-Nique no Front, de José Arrabal. “Fecham”” a presente obra artigos outros, como 0 de Tonesco sobre seu teatro ¢ de Anibal Machado, sobre © nosso teatro, escrito em 1956, abordando temas ainda ceruelmente atvais. E finalizamos esta introducto deixando piiblico nosso agradecimento a todos agueles que de um modo ‘ou de outro, v8m colaborando com a revista, a comecar pelo INACEN — nosso patrocinador. Ficamos, assim, imensamente gratos aos que graciosamente contribuiram com trabslhos para a feitura deste niimero e de miime- 10s passados. Ags autores, atores, técnicos, tradutores ¢ instituigSes (como a USA CENTER, por exemplo), ‘nosso muito obrigado. Esperamos com fé que continue a nos ajudar a manter © a expandir os Cadernos de Teairo. E a seguir, C. T. 100/1 Bernardo Jablonski Nesta equipe (de exquerde para dircita:Silvia Puss Ely Rezende Nunes, Bernardo Jablonski, Vania V. Bor fs, Aloiio Filho, Carmina Lyra e Ricardo Kosorsiy. ‘Ao centro: Maria Clara Machado (ausente na foto: Jol Marino Nunes) CADERNOS DE TEATRO DO NUMERO 1 AO NUMERO 100: Maria Clara Machedo Estes eadernos esto com- pletando 27 anos de publi casio ininterrupia. Chegar ‘20 niimero cem 6 como com- pletar uma marstona em primeiro lugar! Foi uma corrida alegre, cansativa, desanimadors, cheia de obs- tiiculos mas vencida com garra Muitos redatores, entio jovens iniciantes como Ru- Maria Tereza Vargas, Virginia Valli, Sonia Cavalcanti, "Vera Pedrosa, passaram pelos Cadernos. Anibal Machado fez um artigo, incentivando © grupo, ‘que temes hoje © prazer de transcrever. No comego 0 Instituto Brasileiro ds Educacio e Cultura, © IBECC, patrocinou a publicagao da Revista. Depois 0 IBECC deixou de existir no Brasil ¢ ficamos Seldos. A orfandade ¢ comum no nosso pats! Quanta coisa comeca cheia de planos e para por falta de ajuda! No entanio, resolvemos continuar porque, 0 Tablado, pai da revista, resolveu bancar. Naguola época o grupo Tazia muito sucesso e a bilheteria conseguiu manter a revista por um tempo. Isio mais ou menos em 1962. TTentamos arranjar anincios, Fizemos campanhas de as- sinantes. No mimero 20, Bia Feitler fez nova diagra- mecio que € até hoje a mesma, Chegamos a ter quase 200 astinantes, Infelizmente a bitheteria do Tablado nio {oi suficiente para agidentar também a publicagdo. Foi ‘quando apelamos para o entdo diretor do §.N.T., Bar. ara Heliodors, que comprava sistematicamente a revis- 12 para distribuigdo entre as Universidades © grupos de Teatro. Amador. Em_1969, com 0 n° 43, 0 MEC spro- vou 0 parecer do. Conseleiro Ariano Suassuna da Ci- mara de Arte do Conselho Federal de Cultura aprovando 4 pubicagio de alguns ndmeros. Na gestio do Sr. Felinio Rodrigues continuamos a receber o patrocinio do DAC. Quando o St. Orlando Miranda assuniu 0 $.N.T., até data de hoje, pudemos com seguranea pregramar’ com Slguma antecipagdo a matétia por sabermos que 0 pa troeinio & ex1to. © INACEN fica com 1.000 exempl res que distribui pelos grupos em todo o Brasil. O Ta lado vende o restante (1,000) para pagar as despesas com expedigio (porto de 80 assinantes), envelopes, s- creiaria, ete ‘Temos 2 honra de ter tido Cacilda Becker como uma de nossas primeiras assinantes, Recebemos, cartas de todo 0 Bras, pedindo conselhos, reclamando atra Ses, elogiando. © Sr. Vicente Teodoro de Souza (Sto Paulo) € ainda nosso assinante desde © nimero 1. Algu- mas cartas nos comovem muito. Um grupo de Belém ddo Para nos escreveu a tempos dizendo que os Cadernos ram avidamente Tidos nas reunides do. grupo. Muita gente jé passou pela redagio dos Cadernos, mas acho que costintamos a pensar como em 1956. 0. mundo mudou muito desde entio. As técnicas evoluiram tromendamente, mas aquele espirito, meio quixotesco. que nos animava nto continua mesmo. ‘Transcrevo em Seguida 0 artigo que fiz para 0 ndimero um. B a fidel dade ao que pensivamos naquela época gue 0s. f rer que ainda podemos ajudar muito brasileiro 2 amar © respeltar nossa. profisio. UM Hi grande efervescéncia pela arte teatral no. nosso pais, Foi posto o levedo na massa. Sente-se que, de uma hora pare outra, qualquer coisa vai surgir deste movi- mento, E temos’a impressdo de que vai surgir tudo a0 mesmo tempo: autores, diretores, casas de expetdculos, escolas de atores, teatro escolar, operirio, centros dra iticos, etc. Tudo 0 que se fer no sentido desta precipitacao tem um valor histGrico. Num pais sem tradigdo teatral, resta-nos procurar caminho entte a Tigo dos nossos an’ teeessores, a nossa propria experigncia ea experiéncia importada, Estise formando um teatro brasileiro da ristura destas experiéncies. Estes CADERNOS DE TEATRO, que pretende- mes publicar seis vezes a0 ano, representam o resultado de uma experigncia vivida por um grupo de teatro ami dor. Por meio deles, queremos “passar adiante”, aqueles ‘que comecam a fazer teatro, aquilo que descobrimos © aquilo que aprendemos dos que foram ¢ ainda sio nossos mestres, na formagao de um ESPIRITO DE TEATRO. Parece impossivel “passar adiante” uma experién- cia vivide, © homem de teatro se faz no paleo; entre- tanto, aproveitard bastante 0s que se iniciam, os con. selhos daqueles que passaram a. vida tentando fazer 0 melhor possivel desta arte 20 complexa que ¢ 0 teatro. Cremos firmemente que ndo se faz teatro sem uma téenica de teatro — mas cremos também que esta téc- nica deve ser vivificada por um espirito de teatro. Com razio, dizia Dullin que “no sio miquinas de fazer descer 03 deuses a cena que necessitamos no nosso tea. tro, mas de DEUSES”, Tomamos como motive principal destes CADER- NOS a frase: “Nao se esqueca do interior do Brasil”. ‘Com isto queremos chegar ou aguele rapaz ou iquela mo- ‘ca do interior que deseja fazer teatro © no sabe como faré-lo, O primero grande fantasma com que deparam fs novos grupos & a escolha do repert6rio. Onde desco- brit pecas.féceis © boas de serem montadas por um ‘upo inexperiente? Procuramos remediar esta falha, ctiando nos CADERNOS a secio de repertério. Além dda andlise da peca, pomos a disposicao dos leitores uma copia de peca taduzida ¢ mimeografada, a qual seré Femetida aos interessados, mediante pequena soma. Procuramos dar de tudo um pouco: desde a for- magio corporal do ator, passando pela reslizagio pri tice de um espetdculo, a’ téenica do paleo, até a forma, gio de uma cultura testral e de um espirito de grupo. ‘Quase todos os artigos so tradugSes ou adaptagbes, Ainda no nos sentimos bastante adultos em teatro para temitirmos idéias prOprics, Preferimos, nos CADERNOS, “passar adiante”, adaptando para as nossas necessidades pensamento © a experiéneia daqueles que nos ajuda ram quando comecamos. Ficaremos satisfeites so realmente este CADERNOS comresponderem aos desejos e 3S necessidades dos que ppensam como nés. No Brasil tudo que for esforco por uma cultura de profundidade, vale a pena ser feito, Maria Clara Machado 1956 UM FEITO EXTRAORDINARIO._ NO TEATRO: OS 100 NUMEROS DOS. sCADERNOS DE TEATRO Henrique Oscar Nos mais de trinta anos em que me tenko ocupado de watro, vi uma infinidade de revistas de teateo surgirers f desaparecerem, no 56 no Rio © Sao Paulo, como na Franca e na Itilia, fendme nno que se repete decerto em ‘outros paises. Se foi inact ditdvel a extingio de “Thé tre Populaire” que apoiava a renovacio do teatro fran cés do. pSs-guerra, empreendida por Jean Vilar ¢ conti rnuada por Roger Planchon, mais escandaloso foi 0 desa- parecimento de “Le Théitre dans le Monde”, do Ins tuto Internacional do Teatro, subvencionada pela UNES- CO € que noticiava e estudava tanto o teatro ccidental como 0 dos paises socialistas © © oriental propriamente dito. Ao justifiear sua extincdo, essa revista que era bie lingle (francés © inglés), revelou que tinha somente cinco mil assinantes. Uma publicagio de circulagio ‘mundial, com apenas cinco mil assinantes ¢ que nao Bode sobreviver, apesar de subvencionada pela UNES E verdade que Jean Louis Barrault ja conseguiu ultrapassar o mimero cenio e oito de seus “Cahiers”, ‘mas eles foram assumidos pela, talvez, maior editora da Franca, a Gallimard e ignoro sua tiragem, que nio deve set muito grande porquanto mantém uma Tinha muito erudita (alm de ito nimeros nao signficarem nada) E entre ns a “Revista de Teatro” (antes “Boletim”) dda SBAT ji vai muito longe, mas isso se compreende facilmente pelo poderio da entidade que a edita e seus objetivos especiicos, Na Inglaterra © nos Estados Uni: dos — paises onde 0 teatro & levado muito a sério — deve haver também publicagdes especializadas de longa vida, mas no se podem fazer comparagies na matéria (leairo) entre esses dois paises ¢ 0 Brasil © temos mes- ‘mo 0s europeus citados no inicio em sénticn situacéo. Por tudo isso o Teblado pode justamente orgulhar- fe de chegar 20 centenirio de seus “Cadernos de Teatro’ Porquanto a revista continua fiel a suas direttizes ori- ginais. Se a. propria atividads do ““Tablado” por mais de 30 anos j'¢ um recorde impressionante, acredito que no igualado por qualquer outro grupo nosso amador ou mesmo conjunto profissional, a sobrevivéacia dos “Codeios de Teatio” até cem mimeros € feito absolu- tamente extraordindrio, como se v8, até em nivel inter- nacional. Acredito que o inteesse que 0s “Cadernos de Teatro” vém preservando resulta di sua fSrmula: uma parte de teoria, cutra de técnica ou prética, a perma nente difesio de textos teatrais de interesse e finalmente um noticirio geral da sea compreendendo.transcrigbes de trechos e mesmo artigos inteiros de jomais e revistas. Dasse modo a clientela da publicagdo € muito am- pla. Em primelro lugar fornece aos demais grapes. ama dares nogies tooricas, as préticas de que tanto neces: © nosso teatro, carents de manuais especializador, cnsinando interpretacto, expresso corporal, vocal, ce. nografia, solugdes faceis para problemas difieis, suge- rindo textos qus publica e informando sobre a vida tea teal em geral. Apesar da simplicidade e despretensdo dos ensinamentos © das informagies & de interesse para cs tudantes: de escolas de teatro, que encontram sutsidios preciosos para a sua formagio. Em terceiro lugar cons tituem Ietura.altamenie. proveitesa para todos agucles ‘que se interessam por teatro, ainda que como simples sspeciadores que quciem saber algo mais do que aguilo ue Thes & mostrado no palco, desejoson de se enfronha- rem nas noghes e meios que’ permitizam a cxiagio dos sspetdcules a que assstem claro que como a longa sobrevivéncia do proprio grupo “O Tablado”, esse éxito incontestével que coas- bitut duracao de sua’ revista € uma conseqiiéncia. de. or eniacio que um ¢ ouira possuem, dada por Maria Clara Machado e sua equipe, na qual, ¢ que € muito signifi- cativo, ha elementos" que a ‘acompanham desde a fun- ddasio' do grupo. Nio teria mais sentido falar das. qua- Tidades'daautora Maria Clera Machado, internacional mente reconhecidas nao s6 pelas representacoes ¢ edi- 5es de suas pecas no exterior, mas talver ainda se posse insist na intuigho de eriacio 'e comunicagio da ditetora to evidente em seus expeticulos e que se reflete nos “Cadernos”. Resta, por tltimo, felcitar as autoridades do MEC que tiveram & lucider de patrocinar a publica. Gio © esperar que aquclas que agora 0 positilitam con: inuem a fazélo, indepondentemente da fase de conten: lo de despesas que 0 pais atravessa CEM CADERNOS DE TEATRO Barbara Heliodora Tenho a impressio de que na hora de tentar dizer alguma coisa sobre este surpreendente cen- tenério talver fosse realmen- te melhor comesar com a {6rmula cléssica dos contos de fada, to fenomenal € 0 fato de uma publicagio de- dicada exclusivamente ao te- stro aleancar seu centésimo, aimero, por estas plagas. Devo confessar que fui “Tabladista”” um tanto ou quanto adventicia, ow seja, durou pouco minha diiia cearreira de atriz do grupo, onde nao 6 fui drvore e gira fa como também uma vez bruxa e outra vez acusada de bruxaria... Porém minha rapida e nada memoravel passagem pelo palco nao traduz de forma alguma mi- Tihas Tigagdes © mew conhecimento do que se passou, se passa ¢ sem divide alguma continuara a se passar iO. ATABLADO: ngo s6 eu como as iinhas filhas © agora jos meus. netos somos testemunbas oculares nio do ‘rime mas do milagre (que, estou certa, que como todos ‘os milagres dependeu de suor e ligrimas, se nao de san- fgue) esse grupo constante porque sempre renovado. Todos ngs sabemos 0 que O TABLADO, em ter- mos teatrais fez no Rio e pelo Rio; mas os CADER- NOS DE TEATRO, se pensarmos bem, cumpre tarefa bem mais ampla, jé que por toda a imensidio desses Brasis, sonde quer que um pequeno grupo se retina para coneretizar 0 sonho de “fazer teatro”, é mais do que provével que sua Gnica fonte de informacdo, orientagao € muitas vezes repert6rio seja a leitura desses CADER- NOS cue, se sem civida nem sempre puderam produ. ir material completamente original, sempre buscaram fransmitir, reproduzindo, traduzindo,” citando, uma em- pla gama de informagSes a respeito dessa maldita ¢ apai- Konante loucura que toma conta de alguns de n6s © nao ros larga mais para o resto dz vida, que é 0 teatro, Era uma vez. Nao saberia sequer comecar a enumerar 03 méritos esse memordvel centendrio mas, como alguém que gosta de teatro © que, de uma forma ou outra, hé muitos anos: se preocupa com ele, prefira optar por um tinico aspe: to no qual ¢s CADERNOS DE TEATRO tm feito uma contribuigdo essencial: sua preocupagio com todos os aspectos da atividade teatral, seu Tespeito ¢ valorizagio do trabalho dos que colaboram tanto quanto os atores para que o fenmeno teatral posca ter Ingar. Posso até Sugerit a republicacto de alguns antigos artigos sobre as vérias atividades por trés daquela suposia cortina hoje to poveo usada. Ser literalmente a nica publicagio sobre teatro, em © Brasil, a alcancar vida longa, ‘a chegar ao n? 100, io 6, no entanto, apenas motivo de jibilo: & também motivo para reflexio, para enfrentar com consciéncia cada vez maior essa’ imensa responsabilidade que os CADERNOS DE TEATRO tém para com leitores dos mais distantes e dispares pontos no Brasil. Este cente- nirio, portanto, pode bem ser 0 momento de se come: Ger a pensar que tipo de servico 2 equipe editorial de- Yard ter rgulho de Raver prestado quando chezar 20 ne 2 ORA DIREIS, ESCREVER CADERNOS Jorge Leto Teixeira © primeizo assinante_ dos “Cadeinos de Teatto™ foi Cacilda Bocker, 0 que nio de admirar. Cacilda era toda cla intuigio © deve ter per~ cebido imediatamente 0 pa- Del que uma publicagao com 08 objetivos dos “Cademos” Poderia.desempenhar como meio de informacdo cultu- ral, alimentando os espayos vazios onde sonhadores. s0- litésios ou grupos inexperientes tentevam viver a fas ante aventura do teatro. Um papel que 05 “Cadsmos” Sempre levaram 1 sério¢ que eontinuam levando nesta centésima edigio, ‘Antes de uma “inteligentzia” urbana € sofisticada, sempre na crsia' dos dltimes modismos de importacio, hhavia que cuidar dos “indios". Vivemos numa cultura que prima por ter muito cacique © poueo indo, 0 que falvez explique 0s pés de barro em que precariamente fe sustenta e sua dificuldade em romper 2 camisa-d2- forga. megalopolitana, derramando-se sobre 0 teritério. que se estende por esses brasis afora, a espera de scr conquistado. Enire o aplauso das conversas sofsticadas de Borequim ea tarefa paciente de-mambembar infor- magées bisicas © cteis aos que nio dispoem de accsso féeil aos textos, biblioteca e morubixabas do teatro, pre valecew sempre a dltima aliernativa, Que 0 alvo foi_atingido alo existe 2 menor divide ¢ este ndimero 100 é 2 contraprova da misséo cumprida Mais que isso: uma copiosa correspondéncia recebida ¢ respondida nestes 28 anos, iustrasigifictivamente a semeadura feita em todo 0 pals ¢ os frutos que foram paulatinamente colhidor para alegria dos. semeadores. Foi lendo os “Cadernos” que um Naum Alves de Souza emveredou cada vez mais pelos fascinantes e diaccran- tes caminhor do teatro. E assim como ele, muitos outros pasarim do soaho a ctiatvidade, do querer fazer a0 como fazer, do imobilismo & agGo cultural. © teatro & semente facil de germinar desde que me- eca_um minimo de informagdo e apoio. Ao contritio do cinema, da televisio ¢ do ridio no exige custosos equipamenios nem t6enicos muito especializades. Uma sala, uma arena, um pétio, um adro, uma praca, um cstrado, uma carreta, Ihe bastam para’ promover seu es peticula. O resto é voz, gesto, emogio, fantasia, coisas due ainda nfo cutam nad neste mundo cada ver mais argentério, (© teatro pode ser cigano como Lora 0 amava, Deslocando-se sobre rodas ou armando lonas aqui ¢ aco- li, Tomando de surpresa ruas, pracas e até cidadezinas inteiras. Com platéias colegiais, familiares, paroquiais, ‘opeririss ou burguesas. De fantoches, boneccs ou gente de came ¢ oss0, Para rit ou chorar, chanchada ou dra malhio, politico ow poético, musicado ou mimado. En- fim, um insirumento polivalente de difusio cultural, com amplos horizontes a buscar, principalmente nos. paises pouco privilegiados em matéria de desenvolvimento ¢ Instrugdo, Todas estas oportunidades de promocio sécio-cul- tural exigem, porém, uma susientacio capaz de. forne- cer condicées mfaimas de informacio ¢ esclarecimento ‘20s marinheitos de primeira, segunda ou terceira viagem {que embarcam na grande aventura. O tempo. permitira ‘que 08 mais capacitados ¢ os mais audaciosos fagam suas srandes descobertas, atirem-se a mares mais arriscados, fganhem seus galoes em sofridos embates. Mes 0 mais portante & competir, percorrendo os fascinantes e di- Tacerantes caminhos do teatro, enfrentando desafios que vo do publico virem © desconfado a plaéas que de- vem ser arrancadas de sua mesmice modorrenta, Foi a isso que se propos desde 0 primeiro némero a revisia ctiada pelo “O ‘Teblado”. Plantar sementes & ajudar os abnegados sonhadores a cultivé-las, Prover os marinheiros de primeira, segunda c terceira viagem de sextantes, cartas nfuticas e pilotos que os amparassem na rota de suas descobertas. Fornecer 20s indios os pri- eiros ¢ singclos “autos” (como Anchieta © Nébrega 0 faziam) para que um dia — quem sabe? — também ppossam se iornar caciques na cidade grande. E foi isso que fez © vem fazendo, modestamente, superando todas as dificuldades, preocupado sempre em nio perder Sintonia com sémeadores, marinhciros indios. estes cem mimeros os “Cademos” trabatharam tam 'bém para a formagio de novas camadas de piblico, atra, vés da promocio dos textos de teatro infantil para mon- tagem na provincia eno interior. A exemplo do seu inno mais velho, “O Tablado”, pionsiro nesta ativida. de, os “Cadermos" toraram-se instrumento eficiente pa ra eriar « idSia © 0 hébito do teatro entre eriancas e jo- vens, contribuindo assim para expandir consideravel mente © poteacial do pblico teatral no Bras Nio seria justo ao recordar este itinesdrio percor- ‘ido pela publicogio, esquecer o trabalho silencioso, per- sistente e paciente daqueles cue 20 longo dos anos s0- maram esfoigos para produzit ¢ editar os “Cadernos” Como Minas, eles trabstharam em silfncio, sem vaida des ¢ outa ambican sento a de servi aqueles que se ispunhem a abragar o noviciado teatral, lazendo Yotos de servilo nos eafundés € lonjuras desta pindorama. Por isso mesmo seria imprudente citar nomes, correndo _o Tiseo de cometer alguma injustiga. Afinal de contes, so 28 anos de labutal {As datas festivas no pequeno mundo tabladiano dao sempre grande alegtia @ quem testemunhow as dores de seu arto ¢ 0 via nascer. Mas ao mesmo tempo injetam fim favo de melancolia nesses fundadores. Ha dois anos comemoramos 03 30 anos de vida do grupo. Agore é a vez do nimero 100 de sus revista. O tempo passa sem perdao e a verdade & que esiamos envethecendo. Sats- feitos com 0 que conseguimos eriar, mas A mereé do tempo. Resta porém o consolo de que nesta usina de espe- rangas ¢ imaginagio em que se converteu o Patronaio do Givee, com seus curses dsputados © frequientados pela mocidade em festa, uma poupanga tabladiana rende jures e preserva 0 capital da iniciativa, como a década de 70 demonstrou ¢ a década de 80 esti confirmando, 'A eles — esperemas — caberio as alezrias de festejar © cingiientendrio de “O Tablado” ¢ © nimero 200 dos “Cadeios de. Teatro” Cara dos C.T. NP 1: Jolo Sérgio Nunes em 0 Moso Bom « Obaiiene, espetéculo de estén Me "0 TABLADO”, om dezembro de 1951 O TABLADO -- © TRABALHO AMADOR Em dezembro de 1951 ‘um grupo de teatro amador estreava no Rio de Janeiro ¢ fundava “O Tablado”; pal: 0 € platéia modestos, dois ccamarins (caixa de surpresas fe brincadeiras entre os ato- res e atrizes), uma sala re verando-te entre reunides, leitura, costura e muitas ea. becas voltadas para um mo. vimento cultural-artistico de- mareado por uma idéia basics, expressa, jd, no primeiro niimero dos Cademnos de Teatro: “E preciso nio se en- vergonhar de ser amador. O ideal seria que durante sua carrcira, o artista, por maior que fosse, jamais cessasse de ser tim amador, se atribuirmos a essa palavra toda a sua plenitude: aquele que ama.” (Jacques Copeau,) E, assim, vem-se renovando em um percurso, cuja expres: lade cultural, em termos nacionais, reafirma-se a NO BRILHO DO OLHAR O REFLEXO DE UMA. OBRA — Sob o olhar de uma mae coruja, eriangas de hoje ocupam as cadsiras dessa sala de espetéeulos e, co- mo por um passe de migica, coraces se unem em um instants de (re)descobrimento maravilhoso — € a iden- tificago © 0 (re)encontro da ctianga em todos nds, que Maria Clara Machado bem sabe explorar. NA COXIA UM COCHICHO DE TALENTOS — Curioso, se observamos por ouiro Angulo ¢ constatamos. que, por trés das cortinas, pelo estreito vao da coxia, © movimento também se repele — geragdes de atores ‘especialistas das mais diversas reas teatrais, tendo, na- quele espaco, seu rito de iniciagio: tanios nomes, impos. sivel enumerar todos, que bem souberam tecer’ a seda produzida por esta criadora sensivel. A CRIAGAO DE UM ESPACO — Espago préprio dinico em que a concepcio da montagem de espetaculo ¢ da atuacio frutfiearam neste casul Ievou a “menina” a pafses distantes, os “raptos ramse intemacionais ¢ “pluft” transbordou seu olhar por além-mares, enquanto © “Cavalinho Azul” atravessava a Floresta Negra, HISTORIA PUXA HISTORIA — Mat a oficina do artes ndo para e a escola de teatro amador mantém- se viva com sua surprendente capacidade de auto-real ‘mentacio, incorporando professores que, ha algum tempo alrés, pisavam pela primeira vez aqucle paleo. Consubstanciando 0 seu longo percurso de aco tea tral, eriou, ainda, hd vinte e sete anos os “Cadernos de Teatro” que contam com subsidio e apoio do INACEN (c do antigo SNT) desde 1969, chegando, agora, a0 cen- ‘ésimo niimere, Esta publicacio, de regularidade invejivel, caracteri zando'se por uma paginargo semelhante desie’0 niimero 20, onde aborda os mais diferentes temas contemporincos teatrais e expe de forma pritica ¢ itil, exercicios de jogos draméticos, contendo, ainda um noticidrio de inte- esse geral c com uma distribuigdo a nivel nacional, é ‘mais um exemplo da coeréncia e persisténcia de trabalho, {que 0 Grupo de Teatro Amador “O Tablado” vem desen: volvendo hé mais de ts décadas, em um cenitio part cular em que crianca © adulte se integram, através. do encontro simples ¢ profundo de saber dar e receber enire equenos gestos, sob a amplidio que s a emegio c a sensibilidade sto capazes de atingir. Deste movimento harménico sobressai-nos uma g¥0 de vida — O Tablado, Orlando Miranda Presidente do INACEN 10 © DECLINIO DA CRITICA NA IMPRENSA BRASILEIRA Yan Michalski ‘Quando, em 1963, fui zet minha estréia como tico do JORNAL DO BRA. SIL, ouvi um solene sermao do entdo Secretério do Ca- derao B, Nonato Masson, sobre a responsabilidade que ‘eu estava assumindo. Fle me dizia que a pagina 2 do Ca- demo, que na época reunia diariamente os diversas co- Junas especializadas em arte ¢ cultura, era uma espécie de menina dos olhos do jomal; que por ela haviam passado alguns dos mais bri- Thantes expoentes do jomalismo brasileiro; que a empre- sa era patticularmente exigente na escolha dos colabo- radores dessa pégina de enorme prestigio; c, portanto, ‘que eu teria de eaprichar muito para mostrar-me a altu- ra dessa admirivel tradicdo. Caprichei como pude durante 19 anos, Quando, em 1982, comecei_a cuidar da minha aposentadoria, wuém na redagio me falava mais do prestigio das ccolunas especializadas em critica de artes. Pelo contrdrio, nas reunides dos colunistas com 05 nossos superiores hic: rérquicos insistia-se no argumento de que 0 critico se te. ria tomado, na imprensa atual, uma instituicao ultrapas- Sada, ¢ teria de ser substituldo por uma misteriesa nove ir, denominada repérter-eritico. Ea Réidio JB irra- diava chamadas conclamando os leitores do jornal a ndo perderem, nas paginas do Caderno B, os fascinantes co- fmentarios “dos seus eriticos mais especializados (grifo meu): 0s proprios leitores.” Estes criticos mais expecia: Tizados eram 05 que mandayam para publicagio requin- tados comentérios opinativos do tipo peaho magistral”, ete.; na sua maioria, disfarcados sob fRomes ficticios, eStavam os prOprios produtores ou outros integrantes dos espeticulos assim crificados, que nao se- tam tolos a ponto de perder a publicidade gratuita © avtopromosio que thes era oferecida na badalada coluna intlada A Critica do Leiter. Enire 0 polo inivial, de alto prestigio © generoso espaco alribuidos 2 critics, © 0 extremo opesto, de con- tundente despresifgio ¢ expaco cada vez. mais racionado, situase um progressive esvasiamento das fungSes da cri- ica teatral (e no apenss teatral) na imprensa brasileira. AS duas. sites acima resumidas referemse 20 JB, apenas porque coahego mais de perto as formas que 6 proceso assumin nese Oreo (onde, dige-se de passa: em, enconttel durante grande parte destes 19 anos as condigbes de trabalho mais estimalantes as quais um ct tico brasileiro poder aspirar): mas 0 processo, longe de tesiringirse a um deierminado veiculo, 6 generalizado ‘Ainda outro dia, um renomado erico de O Estado. de Sio Paulo (diario que durante muito tempo rivalizou com 0 JB quanto ao prestigio des suns colunas critica) Contou-me que reeentemente esperou mais de SO dias até Ge uma de suas eriticas, ocupando um espago de thais de 40 linha, fosse publicada. provivel que relativamente poueos Ieitores leigot se tenham dado bem conta desse processo de esyazia- menio que a eritica tem sofido ultimamente. E & pro- vel que mesmo ot artistas Zo tenham, no seu con junto, pereebido essa evolucto com a devida clareza: pelo ‘menos nio se tem noticia de qualquer manifes- Tagao ‘de preocupagio, por parte da. categoria, para com os declinantes destinos da critica teatral brasileira Manifestacio, lids, que seria ditiel de se esperar de tuma classe Gus, mesmo quando a critica vivia seus pe- Hodos de esplendor, em geral s6 tomava publicaments Conhecimento de sus existéacia quando determinsdos profisionais do palco, eventualmente feridos na sua ¥ Gale por comentirios menos elogiosos a. alguns de seus Urabalhos, cortiam is televis6es ou escreviam aos jormais pare protestar contra a alegada incompeiéncia ¢/ou m& Te dos erties. Quando 0 excrcicio da erica entrou em Cletivo declinio, ouviram-se vozes isoladas reclamando Ga diminuigao da cabertura dada 20 teatro; mas mesmo estas preocapavamse mais com a diminuigéo do espoeo Se divulgagao gratuita coferecida ans seus espeticulos, través de reportagens, entrevista, eic., do que com 0 enfraquecimento do debate opinative proposto pelss co- Tunes “Tudo bem: faz parte de uma respetivel e intern ional tradigio da categoria artistica chiar contra a eri- fica e alirmar que ela nfo tem importincia. E provavel ‘que ela mio tenha mesmo, ¢ poucas vezes tenha tide no passado, 0 tipo de importincia que os artistas, segundo dizem, gostariam que ela tivesse: que ela abrisse “novos ‘caminhos” diante do teatro, ou revelasse 20 ator, dire tor etc. como ele deve trabalhar, © que erros deve cor rigit. Tal missdo, queiram 0s artistas ou nio, nao faz ¢ nem pode fazer normalmente parte das fungdes das ccolunas da imprensa niio especializada, que por nature- za se cirige ao leitor leigo e tenta abrir com ele um logo evjo ambito € delimitado precisamente pelas carac- teristicas leigas do leitor. Ainda assim, e dentro destas Timitagoes, uma crftica sélida, competente ¢ assumids- mente opinativa ¢ analitica é uma aliada importante do teatro, em qualquer época ¢ lugar: ela cria em tomo cle um clima de polémica ¢ discussgo vital para 0 seu desenvolvimento, e coatribui pera formar no ptblico uma curiosidade e um grau de exigéncia que, a longo prazo, 86 podem resultar saudéveis para © teairo. E verdade que a tadigéo da critica teatral brasilei= ra niio 6 especialmente lisonjeira: com algumas excagGes, entre as quais eseritores do gabarito de um Arthur Aze- yedo ou de um Machado de Assis, que chegaram a ser eriticos atuantes, no seu conjunto ela assumiv, no pas sado, uma linha paternalisia e acomodada que pouco po- dia contribuir para @ abertura de uma discussio fértil fem tomo do teatro. Mas nie foi por eufemismo que mencionei acima “perfodos de esplendor” da nossa cri tica, Quando comecei a fazer teatro, em 1955, ¢ mesmo quando comecei a criticar, em 1963, Décio de Almeida Prado dava prosseguimento, em S30 Paulo, & memordvel tarefa de anslisar em profundidads, através dos seus exemplares artigos no Estadio, 0 movimento do TEC, seus jilhotes, © seus opositores, que desde o fim da dév da de 40 vinha mudando a mentalidade do teatro brasi- Ieico; também em Sio Paulo, Sibato Magaldi deixava ‘cada’ vez mais evidente a solidez do seu talento ¢ a luci- ‘dex dos seus pontos de vista; no Rio, Barbara Heliodora, apoiada numa formacao erudita e uma inovadora con” tundéncia isénica, enfiava saudéveis alfinetadas em mui tos balbes excessivamente inflados; Paulo Francis levava a contundéncia a extremos ainda bem mais radicais, a0 mesmo tempo em que abria em torno do teatro, pela primeira vez, uma discussio eminentemente politica, sem Drejuizo da ‘pertingncia das suas colocacoes estéticas; Profissionais inegavelmente conhecedores do assunto © ‘le profundamente dedicados, como Gustavo Déria ou Henrique Oscar, ajudavam a iniciar © piblico em muitos Segredos do teatro, © estimulavam o seu interese, O tea- tro brasisio, que queimava ctapas na sua evolugio, era diariamente discutido nos jornais, que the abriam gene. oso espago, com uma vitalidade’ © um profissicnalismo A altura do’ seu_ progress. Noma etapa imediatzmente posterior, ou a partir de 1964, e com mtior nitidez. a partir de 1968, 2 critica viveu outro capitulo signifiativ, embora nur contexto diametralmente oposio a0 anterior" mum momento em que 0 teatro se via esmazado pela mais brutal a¢ao da censura ¢ de cutras formas de repressio de toda a sua Historia, 2 eritiea — embora ela também, como todo 0 jomalismo, sujeita a pressdes impiedoses — assumiu bra- vamente a’ defesa da Iiberdade de expressio do teatro, & cumpriti um papel signticatwo neste: campo de batalha Foi, também, importante aliada do teatro a0 denunciar 2 piniio pibliea as manobras oficiais que consistiam, por exemplo, em colocar a frente do Servico Nacional de Teatro mediocres burocratas sem nenhuma ligacio com a vida teatral, mas de estits confianga do sistema governanie, Ao mesmo tempo, estimulada por um teatro ue, apesar dos obsticules, vivia um periodo de radical Fendvagio formal, 2 critica produaia tm louvivel esfor- Go no sentido de adaptar seus erties de andlise as pro Postes inovadoras que se sucediam num ritmo vertigino- $0, € de separar 0 joio do trgo, apeiando as experiéacias bascadas num pensamento eriginal e criative, ¢ desmas- Geran ae images ou porruguce qe paren abundantemente na sua tilha. Alguns saudaveis choques de opines entre antisas e eritices (exemplo: @ questio- ramento, por Anatol Roseafeld, da exaltegio do iracio- nalismo no teatro de José Celso Martinez Correa) colo- caram a discussio critica da época em niveis bastante fxeepcionais, e ajudaram a manter acesa a chama da polemica em tomo do teatzo. ‘Apenus 15 anos depois, a crfica teatral brasileira se vé redurida a pequenes comentérios opinatives sobre espeticulos isolados, ainda tolerados, maix do que valo- rizados © prestgiados, em alguns ratos didris revistas semanais. Varios drpies de imprensa quo tinham traci. G20 no ramo desapareceram; outtes extinguiram suas co- Junas de critica; e mesmo os que ainda mantém tais co- Tunas com alguma regularidede concedem thes um min espago dentro. do. qual fico quase impossivel abrir uma discussio tigantc, ¢ em alguns casos” desest~ salam tomadas de posigio assumidamente opinatvas, ou até determinam ao critico normas de conduia jornalistiea u 2 que tolhem a sua liberdade de manifestagdo. O teatro s6 consegue ganhar espagos mais extensos quando serve de assunto mais “informative” do que “eritico", ou seja, quando o jornalisia 6 mero transmissor dos pontos-de- Vista expressos por artistas ou por frequentadores, sem posicionar-se ele mesmo enquanto autor de enfoques pes- soais, Com isso, o peso da critiea, como 6 natural, dimi rnuiu consideraveimente, Nilo se culpe por isso a jovem geracto dos criticos que, pelo menos no Rio, assumiu por completo, nos silti- mos anos, 08 espacos que ainda sobram, depois da pro- pressiva retirada dos veteranos mais experientes. (Em Siio Paulo, prosseguem ainda em atividade dois desses veleranos, Sabato Magaldi e Clévis Garcia, bem como ‘alguns profissionais bastante tarimbados da’ ge1acio in- termediaria: Ika Marinho Zanotto, Mariingela Aives de Lima, Jefferson Del Rios). E verdade que a maioria destes novos colunistas chegou a critica sem ter passado por uma formacio especializada, no campo do teatro, ‘compardvel aquela de que dispunham os profissionais da geragio anterior. © 0 seu compromisso com 0 teatro tal- Ver ndo seja 120 visceral quanto era o nosso. Mas nes ondigdes atuais cles difcilmente poderiam fazer muito mais do que fazem. A limitagio da sua atuagio deve-se sobreiudo a fatores fora de seu alcance, que se situam, com igual peso, no campo da impreasa em que eles feserevem © no campo do teatro a que eles assistem, (© desanimador contexto em que o eritica vive den- tio dos érgios de imprensa ja foi esbocado acima. Mas ‘no vamos atribuir precipitadamente as. empresas jorna- listicas arbitrarias intengdes de criticocidio. Do seu pon to-de-vista empresarial, © processo tem todo um sentido, sobre © qual vale a pena refletir Nos tempos de vacas gordas, papel barato, lucro relativamente facil e uma tradicio beletristien que vinha do longe na imprensa brasileira, os joruais podiam faci mente investir espago numa discussio extensa sobre 0 teatro (ou o cinema, as artes plasticas, a miisica, ete), ‘Tal investimento era'compensado por uma aura de pres: tigio intelectual que contribuia positivamente para a ima- gem do 6rgt0. Quando a barra comecou a pesir, ¢ 0s Joma’ comegaram a reduzir o nimero de suas piginas © a diminuir de todas as maneiras os seus cusios opera. cionais, a preocupagio com 2 eficiéncia passou a sobre- porte ‘a todas as outras consideragées, No reino das comunicagdes, quem diz eficiéncia quer dizer, antes de ‘mais nada, indices de consumo, Ora, num pais em que 4 parecla da populagdo que vai ao teatro & estatistica- 7 mente desprezivel, ¢evidente que num jomal que se pro poe a cobrir todos os setores da. atividade a coluna de feairo no pode deixar de ser infiniamente menos. lida dio que as matérias dedicadas & politica, 2 economia, aos nivel, digamos, profi. sional, © panorama atual aferece muito poucas propostas que possam levar ao exercicio de uma critica estimulan- eee ttl A critica & basicamente, debate de idéias. Numa fase em que 0 teatro, ressalvadas as raras-excegées, so recusa a lancar idsias — sejam elas teméticas ou 10 mais — e se limita, majoritariamente, a aplicar f6mu- Jas, em muites casos jétestadas em outras e mais desen- volvidas pracas, e meramente remontadas aqui, 2 vezes seguindo uma mise-crrscdre jé trazida pronta la de fore, © trabalho do crtico se esvazin automaticamente: ele hao tem 0 que qvestionar. nem como tomarse itil a0 Teitor, no sentido de tentar enrkquecer © seu eventual fature contato com a encenaglo. Revendo a lista dos, ‘quase 200 espeticulos que os meus excolegas critica ram desde que, hii um ano e meio, pendarei as chutci- ras, vejo que nio mais de 1, estourando uns 18, me Gariam real vontade de comenti-los. Nao vejo, tampou- ©0, no horizonte qualguer causa importante inequivoco de aceitacio do nosso tr por parte da soctedade em que vivemos. Embora paire sempre, sombriamente, no ar das cogitagdes 0 desejo de saber que parte do trabalho eles aceitaram??? “Teré sido a profundidade do texto, a firme coragem da diresio fou aguela atriz que acabou de fazer uma novela na TV Globo? Na cara deles, quando eles aplandem, também muito pode ser visto, para quem souber ver. Se, no final os bonecos levaniam, € porque a coisa vai. E naturalmente hi o correr do tempo. Do martelo, dos anos ¢ décadas e séculos. Isto realmente arruma tudo, E pena que nio fiquemos para ver, finalmente, quem ¢ ‘quem. Apesar de que, também o tempo tem seu eritério, gue nao é absoluto, O Tempo julga segundo aquilo que interessa 2 “etemidade da espécic”, s6 isso... Assim sen~ do, diante do exposto, resta aconselhar a mim mesmo ¢ 20 leitor, que nfo modere sua parandia no sentido de ‘considerarse juiz dltimo e Gnico da validez da propria obra. Juiz sem legislacio ou eri sto que, de tio vagos, todos serio teis. Exeecao feita ao eritério do prazet com que foi ctiada 2 obra em questio. Absolutamente 63, no meio da noite infinda deste local desconhecido, eriemos portanto. Na eerteza infun ada, porém convicta, de que nao eniouquecemos ainda. E julguemos. Apenas ievando em conta o brilho com que, no momento da criagho, piscarem as estrelas mis sobre nossa tinica oval cabeca, DO ATOR £ uma aventura Touca Tudo ao redor é mentira, Os objstos nos quais se toca, a cadeira om que sentamos, a roupamentira. O olhar do colega, a palavra que sai da boca. Muitas vezes © préprio ato de estar ali, quando o desejo real seria deseansar, beber, namorar ou ver a filha, Mentira Néufrago no mar da mentira, 0 ator procura a ver dade, com a avidez do afogado. Se’ela no for encontrada, © prego é caro. O constrangimento, a vontade de fugir de cena, incerteza, inseguranca. A sensacdo de estar rea- lizando um ato to absurdo ao qual apenas a Yerdade pode conceder sentido. Mas como achar Verdade naquilo que nfo & En Touquecendo, com certeza. Mas 0 ator nao deve ser um Jouco, E sim mais um operisio da catedral da Arte. a A saida 6 uma s6. Tao Sbvia quanto sutl. preciso desistir da Verdade! Somente assim & possivel encontr- la. £ preciso saber que tudo ao redor € felso , numa emosionante aventura intelectual, formular para si mes- mo una pergunta: E fako, eu sei, Mas se forse verda- deiro, COMO EU AGIRIA??? Representar um papel 6 responder a esta pergunta. Que nao tem nada de letca, embora convide francamente 20 deli [Nesta medida também a arte do ator & transcendent. Porque também na vida chamada Real, esta expe- rigacia € vivida, Em nosses momentos de lucidez, senti- ‘mos sempre com clareza 0 quanto é feito de aparéncias (© mundo em que vivemos, Lembro sempre de Goethe, que brada: “O Natureza! Que deslumbrante espetécalt No entanto apenas um espeticulo...” Porém um homer sério, mesmo sabendo, digamos assim, da relatividade das coisas e valores, age dentro delas como se fossem abso- Tutas. Assim age 0 sébio. Nesta medida 0 ator ¢ © sébio confundem-se num mesmo tipo de experéncia Stanilavski exereveu isso em “Minha Vida na Arte” Apenas formulo a meu modo, e com minhas ressondcias. SE FOSSE VERDADE, como eu agitia? Esta per- ‘gunta responde a todos os impasses do. ator diante do Porsonagem. E preciso, evidentemente, crer na Fesposta ue, depois de muito estudo, elegermos como certs. E Tevéila depois, as dlinas eonseqitncias. Fernanda Montenegro me disse: “Domingos, fca jslquer ecisa em cons, Qualguer coisa, mas faga ais 9 jim, 0 fundo. Quem nao gostar & porque nao entendeu!” A inspiragio nfo € necesséria. Mesmo poraue, indlvidual- ‘mente, ela vale pouce. O Teatro incandesce mediante inspiracio do grupo que representa. Este momento ¢ ra- roe vale a vida. Quem no faz teatro pode apenas ime sinar distantemente a que me refiro, Hi um momento fem que o Teatro acontece. Um inico deliio, tnica enet- #12, move todos. O piblcy ndo resist, entrega as mos. E, de repente, & como se féssemos todos um 86: O Tea. {ro acontece! E um ser estranho que nasce ali € vive fulgurantemente durante carto tempo. Um ser de muitas cabecas, muites individvalidades que, no entanto, nada tem de monstro, Um ser com algo de divino, Como uma premonigéo quanto a0 que seria um futuro glorioso da spécie huma Em nerhuma outra atividade, a COLABORACAO ¢ mais necessiria. A tua falha arruina o trabalho do co- Tega, A altura do véo dele depende muito da solider da tua plataforma. Precisamos realmente um do outro, no ‘Teatto, Isto confere ao homem de Teatro uma humildade, em premissa Em nenhuma outta stividade, ow quase nenhuma, a organtzacao & mais necessitia. Somos portanio animais cstranhos, Posto que, sem loucura, nenhum Teatro 6 pos- sivel. Ele 6 exatamente a Joucura sob controle. A organi- zagdo por autodeterminagio, jamais Imposta de fore para dentro. A organizagio como processo de chegar a um ‘objetivo. A_arganizagio a servigo do delirio. Um exér- ito, Sim. Onde cada soldado faz 0 que quer, aconte- endo porém, por outros designios, todos quererem a ‘mesma coisa, Ninguém exirai um bom espetdculo de um mau tex- 10. O texto é 0 mais importante. Talvez pense essim por ser um escritor. Na verdade, gosto da atividad> de Dire- tor, a-do ator me fascina, mas, na verdade, somente as ‘exergo para transmitir, sem distorgdes, 0 gue 0 autor ‘eriou. Quero dizer que nfo me importa muito a forma, sempre 0 conteddo, Todas essas artes draméticas (0 ci- nema, o teatro), sio apenas repetigdes, mais sofistica- das, de um velho acontecimento. Quando um homem, na beira de uma fogueira € sob as estrelas, contava a scus semelhantes, alucinado ¢ tonto, seu testemunho sobre 0 mistério da’ vida. Desprezo 0 teatro da forma, eu, Toda vez que ouco alguém dizer para um ator que seu problema € 2 postura, ‘ou que ele fica com 0 pé atrds, ow que move demais as ‘miios ou que as pe demais no bolso, ou que puxa eles erres... sei que estou ouvindo vores pequenas. Sta nilavski tom razéo. O externo somente tem importincia como uma decorréncia. Uma decorréacia sem esforco, do interno. © Intemo & a Verdade, 0 Extemno, a menos que provenha dele, 6 a Mentire. Conhego muitos atores que $i bons menirosos, Que defendem ma forma agai due rnéo podem espititualmente alcangar. Este tipo de teatro & muitas vezes, até divertide, mas nio interessa Tudo que € divino é sem esforgo. Néo scredito na disciplina, Nao seredito no rigor. Nao acredito n0 sacri {icio para obter_um bom resultado. Tsto € conversa de professor de escola antiga, do tempo da palmatéria. Anseio por um teatro sem esforco, Irresistivel. O Teairo tem

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