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A 5 ia cadernos de teatro QUE £ © TEATRO EPICO? i ‘ pers » GENOGRAFIA ou ESPACO-EXPRESSAO ~ ; i oer LESPACCLEREBESSAD 0 QUE VAMOS REFRESENTAR:: ARTUR AZEVEDO. E SUASSUNA: ne sre. MOVIMENTO ‘TEATRAL - ee Gates : “DOS JORNAIS : ig > i ay Z ae * : We OG : Janeiro - teversiro - margo ‘Pableaphe 0 TABLADO ‘ ; | alrwcinade pelo CONSELMO NACIONAL DE CULTURA & ele SERVICO NACIONAL DE TEATHO GEE) au Relagie; © FABLADO — Ay, Lnva de Pasta Macknds, 795 oe 7 Be de Janse, Guananara = Beast i © Duvter-Reepensiffi — J0K0 SHRGIO MARINO NUNES’ | i Disetr-Eeeeuit — MARIA CLARA MACHADO : ‘Teteurlre — EDDY REZENDE NUNES $ Rotater-Chefe — VIRGINIA VALE is : Colborne do JACQUELINE LAURENCE : QO que é teatro épico? Walter Benjamin “Wada mais belo do que repousar num sofa, lendo um romance”, diz um autor do sfeulo pas- sado, Ble se refore ai ao estado do extremo relaxa- menio que pode atingir o Ieitor 20 ler uma obra narrativa, (© contrério disso, geralmente, 6 a imagem que temos do espectador de uma obra dramética Pensamos nesse homem préso ao enrédo, nervos tensos. © teatro épleo (concepedo elaborada por Brecht, teorico de sua propria pratica poética) pretende que sdmente le consegue um publico distendide, seguindo a a¢io com um certo relaxa- mento, Certamente, éle nao deixara de ser coletivo, Isso 0 distingue do leitor solitario diante do texto. ‘Também se vera a ésse piiblico eoletivo, muitas vvézes, incitado a uma brusea tomada de posicao. Esta, porém, pensa Brecht, dove ser refletida, deve ser de pessoas distendidas e, em resumo, realmente interessadas, Désse ponto de vista, pode-se prever 0 seguinte; em primeiro lugar, 0 enrédo — seré tal que os acontecimentos decisivos possam ser con- trolados pela experiéneia do pablico. Em segundo Tugar, a Girecdo: conforme sua estrutura artistica, seri tansparente. (Essa forma é exatamente 0 contrario da simplicidatde; pressupoe, a realidade, um espfrito penetrante e grande discernimento estético da parte do diretor.) O teatro épico se dirige Aqueles que “nunea pensam sem razao”. Brecht néo perde de vista as massas e 0 exéreicio necossirio de sua faculdade de pensar, com que esta formula esti mais de acdrdo. Nesse esforco para conquistar o piiblico, num sentido téonico e, portanto, totalmente estranho aos caminhos da pura cultura, sobressai uma vontade politica, A Fabula © teatro épico deve “privar a cena do sou ele- mento sensacional!” Por isso uma fébula antiga Sera de mais vslor que uma tabula nova, Brecht quis saber se os acontecimentos representades pelo teatzo épico nao deviam ser |& eonhecidos, Ha tima correlacao entre teatro épico e fabula, ¢ professor de danca e aluno; primeiro, dar flexibilidade as articulacdes até os limites do possivel. © teatro chinés faz isso. Na Quarta Muratha da China, Brecht disse tudo que se deve a éle, Se o teatro busca acontecimentos conhecidos, “os aconteci- Imentos hhistérioos serao 0s mais indicados”. Seu desenvolvimento épico através do jogo eenico, os cartazes © as inscrigdes terio como objetivo’ ex- pulsar 0 elemento sensacional Dessa maneira, Brecht fez da vida de Gatiten 9 tema de uma dé suas pecas. Brecht apresenta Galileu de preferéncia como um grande mestre Nao 96 a fisica que éle ensina é nova, mas também a maneira de ensinar. A experiéncia se torna, om suas maos, uma conquista nao 6 da eifncia como Ga pedagogia. Nao é na retratacdo de Galilen que recai 0 enfoque da peca. A acio realmente épica da peca esta mais naquilo que se encontra na ins- | ried do pemiltimo quadro: 1638-1642, Prisionciro | da Inquisiczo, Galilew continua suas pesquisas até a morte, Ble consegue que seus Discorsi atra- vessem a fronteira da Italia.” Hise teatro, com o tempo, apresenta uma re- Jaco totalmente diferente daquela do teatro tré- ico. A atenedo recaindo menos no desenlace do Gue no pormenor dos acontecimentos, ésse teatro pode cobrir espagos de tempo mais largos, (Como aconteceu outrora com os Mistérios, A dramatur- | Gia de sedipo ou do Pato Selvagem so situam nos | antipodas do épico.) O Heréi nao-tragico A cena francesa Gssica reservava um lugar, entre os atores, &s pessoas de condicdo, que tinham, sua poltrona no paleo, Isso nos parece deslocado, ‘Tao deslocado, para nés que geralmente concebe- mos 0 teatro como “drama”, a junio & intriga de um tereeiro estranho aos acdntecimentos, ob- seryador Iicido e {rio, “caboca pensante”, Tal déia aptesentou-se muitas vézes ao espirito de Brecht. Indo mais longe, digamos que Brecht tentou fazer dessa cabeca pensante, désse sabio, 0 proprio heréi dramatico. Justamenté a partir dai podemos defi- nir seu teatro como um teatro épico, Kessa tenta- tiva fol levada mais longe no personagem de Galy Gay, ‘Que é Galy Gay, o her6i de Homem por Homem, sindo as contradigoes de que se tece a nossa socie- dade? Talvez no pensamento de Brecht no soja temerario exigir do sébio que éle seja 0 teatro per feito da dialética social, De qualquer modo, Galy Galy 6 um sibio, J4 Platao reconhecera no’ sibio, no homem superior, a auséneia de drama, O Cristo a idade média que, conforme sabemos pelos ApOs- tolos, representaya ‘9 sabio, € 0 heroi ndo-tragico por exeléncia, Mas o drama ocidental, protano também, jamais deixou de buscar 0 heréi nfio-tri- gico. Muitas vézes em desacdrdio com seus tedricos, éle se desviow da forma auténtica da tragédia, a forma grega, pata formas incessantemente reno- vadas. Esse caminho (imagem, aqui, de uma tra dicio) importante, mas mal mareado, passa, na idade média, por Hroswitha e os Mistérios, & idade ‘barroca por Gryphius e Calderon. Ble se distingue mais adiante em Lenz e Grabbe e, finalmente, em Strindberg. Os dramas shakespearianos o cercam de monumentos, e Goethe cruza ésse caminho na segunda parte do Fausto. Via ‘européia, mas tam- bem alem’, Se todavia pudermos falar de camino endo de algum desvio furtivo por onde nos chegou o legado do drama medieval e barroco, Bisse desvio desomboca hoje em plena luz, mas sempre selva: gem, nos dramas de Brecht. A Ruptura” Ao teatro dramatico, no sentido estrito da téx- | mo, segundo Aristételes, Brecht opde sou teatro | épieo. Sua dramaturgia, éle a apresenta como nao- | aristoteliea, como Riemann apresentou sua geome- | ria nao-euclidiana. Em Riesmann, o postulado das | paralelas desepareee. Desaparece ‘na dramaturgia | brechtiana a catharsis aristotélica, evacuacko dos | afeos pele identiteacgo com 0 comovente destino io herd © interésse désse piiblico distendido ao qual | toda realizacso do teatro épico 6 destinada, tem | isso justamente de particular, que jamais responde 0 spdlo feito & faculdade de identificacao do es- pectador. A arte do teatro épico nao é fazer o espec- fador se identifiear, mas fazélo.surpreonder-so, Mais formalmente, em luger de se identificar com 0 hhexi, que 0 piblico aprenda a olliar o estado de coisas onde éle se move eom espanto, © teatro épico, diz Brecht, tem que representar | situagoes em vez de decenvolver uma acto. Mas representar, aqui, néo é reconstltuisla no sentido como 0 entendem os teéricos naturalistas. Trata-se | fem primeiro lugar, de revelar de uma s6 vez essas situacées, (Poderiamos dizé-lo: distanoid-las), Essa | yevelago (Gistanciamento) € obtida através de ‘uma ruptura no enrédo. 0 exemplo mais simples; uma cena de familia. Entva bruscamente um estranho, A mulher estava a ponto de pegar uma peca de bronze e atiré-la 2 cabeea da filha; o pai la abrht a janela e chamar a policia. ® nesse momento que aparece & porta 6 éstranio, Tableau! — como se coshumava dizer em 1900, O que quer dizer: o estranko so contron- tava com a situaeio; rostos eongestionados, janela aberta, méveis fora’ do Jugar. Mas ha um olhar para o qual igualmonte as cenas mais ‘amiliares a vida burguesa nao se apresentam muito dife- rentes O gestus citacional A virtude de cada palavra, diz Brecht: num. poema didatico, foi reservada e divulgada, B resei vada até que a massa tenha pesado cada palavra, Em resumo, houve ruptura na representacao. Pros- ‘Seguindo, devemos nos lembrar que a ruptura é uma das maneiras fundamentais de elaboracéo formal. Ela se acha além do dominio da arte. Sobre ela repousa, para tomar apenas um exemplo, 4 citagio, Citar um texto, € romper sua coeréneia, ‘Compreendemos, entio, que o tealro épico, baseado na rupture, scja um teatro especiticamente de citacdo. Que éle o sea em seu texto, Isso nada tem de particular. Outra coisa so os gestos, que tém lugar no curso da mesma representacdo. “Fazer do gesto uma citacdo” é um dos proje- tos essenclais do teatro plea, Os gestos, o ator eve poder distribui-los no espaco como o tipografo faz com as palavras, O efelto se obtém, por exem- plo, quando, em cena, um ator cita sua propria mimica, Assim, nos fixariamos, em Happy End, & maneira como a atriz Neher, oficial do Exército de Salvagdo, por proselismo, tendo cantado num bo- fequim de marujos um cantico mais apropriado pare ésse lugar do que para uma igreja, citasse 0 Canto e os gestos que a acompanharam diante do | Coneitio do Exéreito de Salvacao. O que no teatro, pico & geralmente um melo estético dos mai sutis, forna-se, na peca didatica, um dos fins ime- diatos, De resto, e por definicfio, o teatro épico é um teatro de gesto. Quanto mais freqitentes as rupturas no jg dum personagem, mais numero- Sos silo os gestos A peca didatica © teatro épico, dirige-se, em todo caso, nao s6 Aqueles quo representam como Aqueles que assis tem, Na peca diditica (e é 0 essencial de sua origi- nalidade), & particular pobreza do aparelho eénico torna mais sensivel ¢ mais simples e comunicacao entre atores © publico. Cada espectador pode participar do jogo. E, | na realidade, é mais f4cll fazer 0 papel do professor | do que o papel do heréi, ‘Na ptimelra versio do Vdo de Lindhergh, aylador ainda era wm herél, Ble era glorificado, A segunda versio (isso é instrativo) naseeu duma correcao do préprio Brecht. Nos dias aue se segui- yam ao voo de Lindbergh, quanto entusiasmo nos dols continentes! Mas essa explosio foi apenas | tum fogo de artificio. Brecht procura, nessa pea ecompor o espectro do “acontecimento” afim de obler as cores da experiencia. A experiénela tirada, nio da emoc&o do piiblico, mas apenas do, esforco de Lindbergh, a experiéneia que éle adquirit, . EB. Lawrence, autor de Sete Pilares da Sa- bedoria, escreyeu a Robert Graves que ésse ato era para os homens de hoje o que féra, para os ho- mens da Tdade Média, a entrada num convento, Reconhecemos ai essa’ extrema tensiio propria ao ‘Véo de Lindbergh, como mais tarde nas pecas di- Atieas. Um rigor clerical se encontra na iniciacao a uma técnica moderna — na serongutiea, aqui, mais tarde na Iuta de classe. Esse segunda partido esté ampla e perfeltamente estabelecido em A Mae. | Justamente num drama social, evitar todo efeito devido 2 participacio, ¢ tao familiar ao ptiblico, seria arriscado, Brecht o sabia; @le o diz numa epistola em verso dirigido ao Teatro Operfrio de Nova Torque, por ocasiao da apresentacdo dessa peca: “Multos me perguntam: 0 operitio 0 com- preendera? Renunciaré ée ao seu gole de veneno habitual; a essa parte imagingria tomada a revolt dos outros que se Ievantaram; a tOda essa ilusito que 0 domina e eleva durante dnias horas, e depols © abandona mais cheio de uma vaga lembranga e de vaga esperanga?” O Ator © teatro épico, nesse ponto semelhante a0 cinema, avanca por partes, AS situagoes isoladas, desligadas, chocam-se umas contra as outras, dando a ésse teatro sua forma fundamental, que nasce do choque, As can- | 5, assim, intervalos que prejudicam tda ilusio, ees, as inscrieGes, as convencdes do fantastico Separam as sltuacoes umas das outras, Form: paralizando o espectador disposto a participar. Esses intervalos sao, para o public, o momento de uma tomada de posieao eritiea (diante das re- lagoes humanas representadas ¢ da mancira como sao representadas). Quanto & interpretagdo prd- pramente dita, o ator do teatro épico deve de- monstrar que tem s cabeca fria, Para éle,, tam- bem, a participacdo de nada serve. O “ator” do teatto dramatico raramente est preparado para essa espécie de interpretacdo, Talvex seja pela nogio de “representacio tentral” que nos aproxi- mamos mals livremente do teatro epicr Diz Brecht: “O ator deve mostrar seu perso- nagem e mostrarse a si mesmo, Ble mostra seu personagem mostrando-se se mostra mostrando © personagem, Se bem que haja concordancia, esta nao deve ser tal que desapareca toda diferen- ¢a entre as duas fungies.” O ator deve evitar a possibilidade de sair com arte de seu papel. Deve preccupar-se, no momento devido, em demonstrar que reflete sobre sua parte, E, naturalmente, pela mancira de representar © teatro épico que se reconhece a profunda iden- tidade, nesse dominio, dos interésses artistico ¢ politico. Tomemos 9 ciclo de Brocht Grand-pour e Miséres du Tile, Reich, ® facil compreender que para o ator alemAo no exilio, representar o per~ Sonagem dum S.8. ou dum membro do tribunal popular reveste uma importincia que, em princi pio, difere daquela que — digamos — representa, para um bom pai de familia a tarefa de enearnar 9D. Juan de Moliére. Para 0 primeiro, a iden | tificacdo pode dificiimente ser considerada coma ‘9 método conveniente, pois jamais poderé éle identificar-se com o ascassino de seus companhel- ros de luta, Em tal caso, uma nova justia pode- ria ser fella.e seria um extraordinario sucesso de uma maneira de representar diferente, uma ma- helta de distanclamento, Seria esta a mancira épica de representar, (Da rey. Théatre Populaire, n.° 10) TEATRO RICO-TEATRO POBRE JERZT GROTOWSKL JERZY GROTOWSKI: QUE £ TEATRO? Que pode fazer o teatro que © filme ¢ a ‘TV nao podem? ‘Duss concepedes coneretas se cristalizaram: © teatro pobre e a representacio como um ato de transgressio, Bliminando gradativamente tudo que se pro- vou supérfluo, verifieamos que teatro pode existir sem maquilagem, sem roupas, sem cenografia, sem uma rea especial de representacio (palco), sem luz ou efeitos sonoros, etc, Ble nfo pode existir sem 2 comunhéo viva, direta da relagao ator- espectador. Esta é uma verdade antiga, certamen- te, mas quando testada rigorosamente, na pratica, mina muitas das nossas idéias corriqueiras sobre teatro, Desafia a nogio de teatro como uma sin- tese de disciplinas criadoras dispares — literatu- ra, escultura, pintura, arguitetura, iluminaeao, interpretacdo’ (sob orientacdo do director). ste teatro sintético é 0 teatro contemporineo, que prontamente chamamos de Teatro Rico — rico em efeitos, © Teatro Rico vive da cleptomania artistica, extraindo elementos de outras disciplinas, cons- truindo espetdculos hibridos, aglomerados sem espinha dorsal, ou integridade. Pela multiplicacao dos elementos assimilados, 0 Teatro Rieo procura escapar ao impasse criado pelo cinema e pela tele- visio. Como cinema e TV primam na drea de funeGes mecénicas (montagem, mudanca instan- tanea de lugar, etc.), 0 Teatro Rico contrapés com um ruidoso apélo ao teatro total. A integracio de mecanismos de empréstimo (projecio de slides, p.e) € uma sofisticacdo técnica, que permite grande mobilidade © dinamismo, E se 0 paleo e/ou auditério fér mével, a mudanea constante de perspective sera possivel Tudo isso é um contrasenso, Nio importa quanto 0 teatro possa,expandir ou explorar seus recursos mecfinicos, éle -perma- neceri. sempre teenologicamente inferior a0 filme © A televisio, Consegtientemente, proponho a po- breza no’ teatro. Abandonamos 0. paleo-auditario eonveneional: para cada produeio, um ndvo espa 0 & desenhado para aldres © espectadores, Desce modo, tomna-se possivel uma variacio infinite. do relacionamento platéla-atores, Os atdres podem. Tepresentar no melo dos espectadares, em contato direto com a platéia, dando-the um papel passivo no drama, Ou os atores podem construir estruturas en- te 05 espectadores e isso as introduz na arquite- tura da acdo, submetendo-os a um sentido de ressGo, congestio ¢ limitacéo de espaco (Ex. Akropolis) Ou 03 atéres podem representar no meio dos espectadores © ignoré-los, olhando através déles. Os espectadores serdo separados dos atdres — por exemplo, por uma cérea alta, aclma da qual ape- nas sobressaem suas cabecas (0 Principe Cons- tante, de Calderon); dessa perspectiva radical: mente inclinada, éles olham ‘os atores como se observessem animals numa arena, ou como estt- antes de medicina vendo uma operacio (e essa maneira de ver di & acio um sentido de trans- gressio moral). Ou, enigo, todo hall é usado como um lugar concreto (a ultima cela de Fausto, no refeltérie de um conyento): Fausto entretém. os espeetadores, convidados de um festim barrbeo, servido em mesas enormes, onde thes oferece epi sédios de sua vida. A eliminaggo da dicotomia paleo-platéia nao é 0 importante — isso cria sim- plesmente um laboratirio nu, uma érea apropria a para investigacdo. O importante 6 encontrar 0 apropriado relacionamento ator-platéia para cada tipo de representacdo © incorporar isso a dlsposk eho fislea do espago. Cenografia e Direcaio uma unidade indivisivel - Paralelamente & renovaco — digamos revo- Juco — dos métodos de interpretacdo, da revalo- rigago do ator e da @nfase dada ao relaciona- mento ator-espectador, realizada desde alguns anos na PolOnia, por Grotowski e seus colabora- ores, o palco foi, conseqiientemente, atingido por essa fransformacdo. Sua forma ou formas conven- clonais foram abandonadas, para deixar lugar 20 espaco sagrado da ago, a0 local désse névo rito de transgressio moral que passou a ser a acéo teatral, variando sua forma e posigao conforme a exigencia do espetdculo ou do texto esealhido, po- dendo ser um circulo, um 6vo, um quadrado, um corredor entre 03 espectadores, assumindo a’ for ma de uma jaula através de cujas grades 0 espec- tador espla a funeao, as vézes até interpenetran- do-se esses espagos vertical ou horizontalmente ‘Também os objetas ou acessorios usados em cena deixam de ter aquéle papel convencional conhecl- do até hoje para se tornarem elementos désse espaco-expressao de que fala J6zef Szajna a seguir. Joset SZAINA (*) Cada época marea com seu sinal a atividade humana a que serve de moldura. O movimento, que é ndo s6 0 simbolo mas a propria. esséncia do presente, fasta cada ver mals rapidamente os ‘modelos’ ultrapassados, invalidando as. doutrinas stations © os cénones rigidos. Na hora da “explo- so tecnoldgica” © das radicals mudaneas socials, que @ acompanham, seria dificil buscar um mo- délo para 0 teatro contemporaneo, adaptando os estilos de outras épocas, cultivando as tradicoes do passado ao retomar As antigas correntes esté= teas, ‘As transformagGes que 0 afetam em toda sua estrutura, oferecem a0 teatro a oportunidade de Ultrapassér os esquemas até agora em vigor, de~ duzindo de um ponto de vista fragmentirio aquilo que faz a esséncia da arte teatral. O teatro pode facclerar seu processo de evolucdo, demasiaco Jenta, a reboque da de outras disciplinas artisti- as, como as artes plisticas ca misica. © teatro, que mudaré continuamente, que ter uma fun ef0 cognitiva, que iri inspirar a imaginaeso do espectador, exereera também uma influéncia eficaz sobre a. visio que ésse espectadar tera do mundo, © Teatro Aberto, ligado ao pensamento con- temporineo e evitando 0 esteticismo estéril, 0 teatzo da inovacao, o teatro total, em que as qua- Iidatles de seu eriador, isto é, do realizador panc- tra a obra dramitica, tal teatro é capaz de uma completa visuallzacas através de um complexo metodo de integracdo de elementos. Cenogratia © mise-en-se’ne formam uma unidade indivisivel, um todo cujos elementos se completam miitua- mente, A construeio do espeticulo consiste em aeontecimentos draméticos imaginados, situacoos ficticias e inventadas. O jégo, na vida real, seria apenas verossimi OBJETOS PARTICIPAM DA AGAO. ‘Tudo isso acontece num tempo indetermina- do eujo cutso nao tem a menor importancia, ‘Tra. tase de uma montagem da ago em que um niimero de fatos, aparentemente desligatios, | umem numa anedota de “sensacéo”, O mecanismo | esta: na representacao © no movimento de aconte- clmentos que reyelam a interdependénela de per sonagens € colsas, de objotos e idéias. O jogo das contadigdes ¢ dissonancias 6 0 arsenal , a0 mes mo tempo, a “harmonia” peculiar dessas produ: ies. O cenério desaparece, © 0 que vemos € a epresentacio de imagens compostas ¢ ditigidas com 0 uso de objetos que patticipam da acdo © chegam a interferir nela. Perdo, assim, seu card | ter do mora cenografia, de um fragmento arqulte- tural, para se tomar’a propria matéria do pro- cesso featral. Toma-se independente das rubricas do autor, ganha um valor auténomo e se trans. forma no “‘espaco de expressio”, Nao descreve lugat e tempo de acdo, mas serve-se de um objeto concreto, as vézes preparado, que longe de ser | eonfeecionado para uso do espeticulo, participa déle de maneira ativa. A acio de tals espeldculos se passa em espacos vaulos ou desertos, abertos, as vézes num ao ar-livre fechado, que se estende | fora do quadto de uma cena-paleo pedendo pro- Tongar-se além do espectador. ‘A forma arquitetural désse teatro seria a for. ma de um 6vo, O interior da casca, contra @ sua parede, seria 0 lugar da acdo, contomaria 0 pit Dileo, eolocado no meio e um’ pouco abaixo, mas | sem qualquer rampa separando tim do outro, Ell minando a sepatacao fisica entre palco e platéia, fai construcdo criaria uma ligacao entre a de. monstragio da representacao € os espectadores A evolugdo, dos ales em neo de todo o expaco destinado & acso permitiria a mudanea instan- tinea do quadro da acdo. Projetores ocultos nas ‘berturas, especlalmente para ésse efeito, ilumina- riam ndo sé/a cena como a platéia, ESPACO DE EXPRESSAO © teatro que me interessa se define através do uma nova e diferente observagio de viutios fendmenos. A emergéncia dos valores da imagem com a acio teatral conduz a um conhevimento mais amplo do objeto (entidade plastica conere- ta) como um fetiche de nosso tempo, Isso leva, inevitavelmente, a tornar mais dindmicos os meios de expresso empregados pelo artista © desperta uma maior tensio emocional na platéia. Dessa maneira, evitando as convencoos expressionistas e naturalistas, podemos quebrar a barreita das pré- fieas teatrais até agora usadas ¢ nos libertar da banalidade, Este 6 0 teatro da forma total ‘Sua suscetibilidade de transforinacdo possibi- lita 0 uso de qualquer espaco (por exemplo, um. aeroporta em desuso, uma garagem, tébriea ou. qualquer construc&o f&cilmente adaptavel) Qualquer objeto, fora de seus limites naturais, pode se tornar um cendrio-simbolo ou uma parte do espaco adaptado, © uso pelo ator de objetos que so comparsas ¢ que sao diferentes inteira- mente dum acessorio de teatro, esta subordinado A unidade intelectual © formal do espetculo-ma- nifestagao, A verdade objetiva do abjeto 6 a sua aplicacio e realizacao na agéo, no seu nome. Esse espaco assim mobiliado ganha em densidade, ora so torna habitado ou deserto sob o efeito da acio manifesta dos atéres, envolve o espectador com sua atmosfera ¢ coloca-o numa situacio si milar ou andloga & dos atores. Uma interpretaeao | livre do psicologismo aproximativo obriga 0 alor a romper 0 inonolitismo do papel e, ao mesmo tempo, permite a mudanca de personalldade no mesmo espetaculo, Cenas barulhenias se choca com cenas silenciosas, o riso com a tragédia, a indiferenca com a paixdo, Bsses acontecimentos se dao em reas desconhecidas e vagamente suspei- tas. Apresentami-se propostas em outras bases que nao aquelas criadas na base do conhecimento, Elas se teencontram em dols planos interpene- trantes ¢ ligados: da realidade © da visio, mec CENARIO-SIMBOLO No Teatro Aberto, essa aproximagio estrutu- | ralista dos fendmenos tenta resolver 0 problema da impessibilidade de sair do cansative movimento circular. Por que @ através de objetos desligados de sua funedo habitual que ela tende a nos dar @ conseiéneia do mito de nossa é6poca, A simultaneidade da avdo contere o papel de exposicdo de um espetéculo aos quadros em que 5 atéres se integram nos elementos constitutivos Ga_composigéio de conjunto, Bsses quadros se re- Tacionam com os antecedentes da a¢do do espe tewlo, de que constituem o ponto de partida ou | a vinheta. Nao explicam o desenvolvimento da ‘ago © dosaparecem & medida que ela se desenvol- ve. Surgidos da aedo de uma maneita inespera- | Ga, podem ser seu prolongamento ou um instants fixado no movimento. Aparecem mais freqtiente. | mente no ponto de juneao de dois acontecimentos de modo diverso, ‘As roupas dos atéres ndin so as de todo dia, nem roupas de festa. Materiais diversos, como jute, papel, plsticos, encerado e outros so usa. os. A variedade de elementos acessérios imelul | latas de conserva, mdsearas contra gas, etc. © objetivo 6 representar os personagens (e nfo os Papéls) criados pelo ator, definindo-os nao do ponto-de-vista do estilo da ‘época, mas em fungao de sua significacdo © como expressio de idéias superiores, Bxemplos A cenogratia da peca de Steinbeck Of Mice and Men mostra pessoas seguindo “sou eaminho” num espago que conduz ao desconheeido, contra um fundo de horizonte longinquo banhado de iu, num caminho tracado pelas linhas do praticavel Acima de tudo, sobre suas cabecas, formas despe- Gagadas, perigosas ¢ dinamicas — nem nuvens nem actoplanos, Na Antigona, de Sofoels, pendem cortinas-| © TEATRO ABERTO Gramas e um horizonte sem saida se abre no tim sObre uma zona de brancura ofuscante. Os ele- mentos da aea0 usados sao tubos nodasos com sia ferragem estragada. Caom pedacos intitels de cha- pas fines, as estruturas cedem lugar ao objeto. Estopa, pintura grossa, pano rasgado, plasticos ‘outros elementos sao promovidos @ meios de ex- pressao artistica ‘Um acessério pode se tornar eendrlo ow parte dele, Pode ser empregado num mesmo espetiiculo com finalidades miltiplas, Hm lugar de um quar- to separado, numa peca de S. Witkiewicz (0 Lou- €0 © x Religiosa), 0 espetdculo oferese um muro em semi-circulo com objetos migicos nos nichos uma grande cabeca mével segue com um olhar indisereto 0 que se passa no interior, um velho relégio quebrado, um grande simbolo pldstico balancando de uma forma biolégica indefinida, © balanco da lampada © 0 ruio amplifieado do relogio corresponde ao crescendo emocional do mondlogo do Louco. A luz constréi 0 espaco cénico passando atra- és dos objetos. Cria um clima luminoso diferen- te dos fenomenos de dia e noite, Transforma @ cena aos olhos do espectadar, madificands as di mensoes e a imagem plistica. Formas contec- clonadas de sacos de juta rasgados, materiais plésticos © pedacos de metal colocados atras do véu do horlzonte se revelam ou desaparecem sob feito de j0go de luz apropriado, Fssa Iuz modi fica as circunstaneias da aeao, sitiia-a no tempo, que ela pode, deslocando-se, nivelar a dimensao sem comprometer por isso a unidade do interésse dramaitieo, A espontaneldade avisinha-se aqui de uma sobria disciplina, e uma sabita pausa na acéo on um gesto prolongado dio relévo palavra. A agonia de um gesto ou de um som subtrai © ator ao scu ambiente, permitindo-the atingir um fsolamento interlor completo, Pelos contrastes de aco ¢ mudanga de ritmo, © ator descarrega a tensio, Ithera o elemento cd- mico levando a platéia diretamente a uma atmos- fera de grotesco ou de gracejo. A acdo cénica se relaciona com os reflexos ¢ os atos humanos fun- damentais, O natural e o artificio, a luta com a passividade, @ angustia estimula a vida, a morte inspira calma, Na estrutura désse teatro, a pala- vra vive da multiplicidade de fungdes que ela assume. Desligada dos atos por uma forma decla- matoria, seu sentido se esvazia. Bsse importante melo de comunicacdo s6 vale pelo personagem a servigo de quem se coloca. Assim, um teatro que se diz criador nao deve se limitar a uma inter- pretacdo meramente literaria de uma peca. Um ato crlador coletivo oferece as malores oportunidades expressiio das verdades complexas sobre a vida de nossa época. Em relacdo a peca, 0 espetiiculo deve se tornar uma qualidade nova, auténoma, considerada de muitos pontos.de-vista a0 mesmo. tempo. (eg ep net va es Ruaiiiatsts “Bachuniwall Beaton Asadenin Se Ante Coat Ce EES ed ra are ier te TECNICA VOCAL Grotowski (*) Deve-se dar especial atengio 20 poder do | emilssio yocal do ator, de modo que o espectador nfo $6 ouea a sua vor perfeltamente, mas seja também penetrado por ela, como s0 ola fOsse esto- reoténice, © espectador deve ser envolvido pela vor do ator, de modo que ela pareca vir de todas as dire- @Ges e nfo apenas do local onde éle se encontra. | As proprias paredes devem dalar com a voz do ator, #8se assunto da emissio voeal do ator é de grande importancia, a fim de evitar problemas ‘Yorais que poderao se agravar mais tarde, © ator deve explorar sua voz de modo a pro- duzir sons e entonagses que o espectador seja i capaz de reproduzix ou imitat. As duas condigdes esseneials para uma boa emisséo voral sfo: a) — A coluna de ar que conduz 0 som deve sair com forea e sem encontrar obstdoulos (p. ex., ocluso da iaringe on insuficiente abertura dos maxilares) b) — O som deve ser ampliticado pelos res- | sonadores tisiologieos, ‘Tudo isso esta intimamente ligado a uma respitacdo correla. Se 0 ator respira apenas eom 0 torax ou o abdomen, nao pode armazener quan- tidade suficiente de ar, e isso forca-o a economi- uivlo, fechando a laringe e, dessa maneira, distor- endo a voz, podendo provocar eventuals’ distii- bios vocals. Atrayés da respiracdo total (torici superior e abdominal), 0 ator pode atmazenar uma quantidade mais que suficiente de ar. Para ‘sso € vital que a coluna de ar no encontre obsta- eulos, como 0 fechamento da laringe on a tendén- cia a falar com os maxilares semifechados. RESPIRACAO Uma observaedo empfrica revela trés tipos de respiracao: 8) — A toracica superior, ou respiractio pel- toral, que prevalece na Europa, especialmente entre as mulheres, b) — A respiraedo inferior, ou abdominal, © abdome se expande, sem que 0 peito seja usa- do. ste & 0 tipo de tespiracto usualmente ensi- nado nas escolas de teatro, ©) — A respiracdo total (supertordcica e abdo- inal), dominando a abdominal, Este 6 0 tipo mais higiénico ¢ funcionel, e se encontra em criancas e animais, A respitacao total ¢ a mais indicada para o ator. Todavia, nao se deve ser dogmatico a ésse Tespeito, A respiracso de cada ator varia de acér- do com sua conformacao fisiolégica, ¢ a adocdo ou ndo da respiracso total depende disso. Existe ‘também uma certa’diferenca natural entre as pos- sibilidades respiratorias do homem ¢ da mulher, ‘Nas mulheres, a respitacao correta tem uma fase abdominal definida, ainda que o elemento tord- cico superior seja ligelramente mais desenvolvido do que nos homens. O ator deve praticar diferen- ‘es tipos de respiracao, a partir de posicoes diver- Sas, € agoes fisicas (acrobaticas, p. ex.) exigem uma forma de respiracio diferentes da total. B necessario habituar-se a respiracao total. © ator deve ser capaz de controlar o funclonamento os érgios respiratérios. Sabe-se que as diferentes escola sde Toga — incluindo Hatha Toga — exigem a pnitica diatia de téenicas respiratorias, de modo controlar © desenvolver a fungi bioldgica da Tespiracio, que se tornou automatica. Dai a ne- cessidade de uma série de exercicios para criar uma conseiéneia do proceso respiratério. HA diversos métodos para verificar se a respi- racao 6 total. a) Deite no chao ou sdbre uma superficie dura de modo que a coluna vertebral fique intel ramente reta jue uma das mfos no peito e outra no abdome. Enquanto inspirar, sentir a | mao sobre o abdome levantar-se primeizo e depols outra sobre o pelto, num movimento suave ¢ continuo. Deve-se ter cuidado para ndo dividir a respiracdo total em duas fases distintas, A expan- sao do peito ¢ do abdome deve estar livre de ten- so € a sucesso das duas iases nao deve ser no- tada. Sua concatenacio deve produzin uma sen- sacio do ligeiro entumecimento do ttonco. A sub- | divisdo em fases pode causar inflamacio dos ‘orgies vocais e até distaxbios nervosos. No inicio, © ator deve praticar sob orfentagdo de um instr tor. b) Método adotado do Hatha Toga. ¥ neces- sério que a coluna vertebral esteja inteiramente Teta c, para isso, 6 necessfirio deitar numa super- ficie dura. Tape uma das narinas com um dedo, ¢ inspire pele outra, Ao expirar, faga o contrério: tape a narina pela qual inspirou antes © expire pela que estava tapada no comico. As trés fases se sucedem no seguinte ritmo: Inspiraeio: 4 segundos; Piender a respiracdo: 12 segundos; Expiracdo: 8 segundos. ©), © métotio seguinte, do teatro classieo chi nés, basicamente é 0 mals eficiente e pode ser pra- ticaddo em qualquer posicao, enquanto os dois pri- meiros exigem posicdo deitada. De pé, coloque as milos nas duas tltimas costelas inforiores, A ins- piragdo deve dar a impresséo de comegar no | mesmo lugar onde esto colocadas as maos (por conseguinte, impelindo-as para fora) e, continuan- do attavés lo torax, produzir a sonsigéo de que @ coluna de ar chega até & cabeca, (Isso quer dizer que, a0 inspirar, 0 abdome e as costelas ‘mais baixas dilatam primeiro, seguidos, numa su- essao suave, pelo peito). A patede abdominal, entao, se contrai, enquanto as costelas permane cem expandidas, formando, désse modo, uma base Para o ar armazenado e evitando que éle escape ‘a pronuneiar as primeiras palavias. A parede abdominal (contraida para dentro) impele, em Giregdo oposta, os musculos, que expandem as costelas mais baixas (contraidas para fora), man- tendo-as assim o maior tempo possivel durante a expiracao. (Wm éro comum 6 a compressio dos miiseu- los abdominais antes que se complete a inspira cao total, resultando na respiracdo toréclea su- perlor, apenas). A expiracdo se da inversamente: da cabeca, através do t6rax, até o local onde estao colocadas as palmas das maos, & preciso ter cule dado para que tudo se dé suavemente, em outras Palavfas, sem nenhuma separaco entre as fases abdominal © tovacica. A finalidade do exercicio nao ¢ ensinar respiracio pela respiracéo em. si, mas preparar para uma respiragdo que earregard 8 vor, Ble ensina também a estabelecer tuma base (a parede abdominal) que, contraindo-se, permi- te a facil e vigorosa emissio de ar e, conseqtiente- mente da vor, © ator deve adquirir a maior independéncia possivel com relaedo a tespiraciio orginica, evitan- do uma forma de respiracao que exige’ pausas que podem interferir com a recitacéo do texto, Um bom ator respira silenciosa e rapidamente, Ble respira no texto (seja prosa ou poesia) no pon- to estabelecido, como uma pause logica. Isso é funcional ja que economiza o tempo e evita pau- sas supérfluas; e 6 necessatio, pois que estabelece © ritmo do texto, © ator deve saber sempre onde respirar. Por exemplo, numa cena com ritmo acelerado, deve respirar antes do final das wltimas palaveas de sou interlocutor, de modo a estar pronto para fa lar assim que o outro termine. Pols se éle respi rar no fim da ltima fala, havera um breve silen- cio no meio do didlogo, causando um buraeo no ritmo, Exercicios para inspiraciio silenciosa e rae ida: a) Com as mios nos quadris, 0 ator, rapida. ¢ silenciosamente, toma bastante ar pela boca, com labios € dentes, antes de emitir poucas palavras. >) © ator toma uma série de inspiracées (curtas e silenciosas), aumentando gradualmente em velocidade, Depols expira normalmente, Nao sobreearregue 03 exercicios resplratérios, A respi- taco & um proceso organico e espontaneo, e a finalldade dos exereicios nao 6 submeté-la & um estrito contréle, mas corrigir algumas anomalias, conservando, enitretanto, sua espontaneidade. Para isso a respiracdo e os exerciclos vocals devem ser combinados, corrigindo-se a respiracéo, quando necessario. Se durante a execied0, 0 ator se con- eentra na respiraedo, forcando-se consclentemente a controlé-la e Incapaz de se desembaracar de | seu pensamento, deve-se dizer que os exereicios respitatérios foram mal feitos. ABERTURA DA LARINGE Deve-se tet especial cuidado em abrir a laringe a0 falar e respirar, A oclusao da laringe evita a efetiva emissio do ar, impedindo que 0 ator use corretamente a vor. Pode-se dizer que a laringe esta fechada quando: 2) A vor 6 apagada; b) Quando so tem a sensactio concreta da laringe na garganta; af) Quid, 20" Inspirar, se ouve um tigeiro d) © pomo-de-adao se move para cima (p. €., ao bocelat, a laringe esta fechada e 0 pomo-de adao se levanta); ©) Os miisculos da parte posterior do pesco- 0 esto contraidos; #) Os miisculos sob 0 aueixo esto contrai- dos (verifica-se isso colocando 0 polegar sob 0 queixo eo indicador embalxo do 1abio inferior) 8) © maxllar inferior esté ou muito para frente ou multo para tras. A latinge esta sempre aberta se se experimen- ta uma sensacéo de muito espaco na parte pos- terior da béca (como quando se boceja). © fechamento da laringe 6, geralmente, 0 re sultado de mans habitos adquiridos em escolas de teatro. ‘Sao exemplos disso os seguintes: a) 0 aluno faz exercicios de dicefo antes de aprender a controlar a respiragao. Ble tenta obter mais eficiéncia no poder de emissio com ajuda apenas de dicedo e, com a inteneao de economizar oar, fecha a laringe, b) Pede-se ao aluno para respirar e contar em vor alta. Quanto mais alto éle conta, mais 0 cumprimentam pela sua habilidade de economi- sar 0 ar. Isso 6 tum imperdodvel érro, porque, para ter éxito, 0 aluno fecha a laringe, deteriorando, assim, seu poder de emissio vocal. Ao contratio, € essencial inspirar muito profundamente, mas nesse caso core somente a respiracio toréciea, Exereicios basicos para abertura da laringe (preseritos pelo chinés, dr. Ling) ‘Mantenha a parte superior do corpo, inctuin. do a cabeca, ligeiramento inclinada para frente, © maxilar inferior, ligeiramente relaxado, € apoia- do pelo polegar, enquanto o indicador fica ligei- ramente abaixo do lbio inferior, para evitar que © maxilar inferior cia. Levante o maxilar supe- riot © as sobrancelhas, franzindo ao mesmo tom- po a testa, de modo a ter a sensacdo de que as témporas esto sendo esticadas, eomo num bocejo, contraindo ao mesmo tempo, ligeiramente, os milisculos da parte superior ¢ posterior da. cabeca © a parte de tris do pescoco. Deixe, finalmente, sair a yoz, Durante o exereieio verifique se as mus. culos debaixo do queixo estado relaxados: 0 pole- gar que suporta 0 queixo nao deve encontrar Qualquer resisténcia. Qs erros que podem ocorrer neste exercicio so: contracio dos misculos do queixo ¢ da. par: te da frente do pescoco, posicio incorreta do ma- ilar inferior (colocado muito para tras), relaxa- mento dos miisculos da cabega e queda do maxi- Jar inferior, em vez da subida do inaxilar superior. RESSONADORES, “© papel dos ressonadores fisiolégicos 6 de ampliar o poder de emissiio do som, Sua funcao é comprimir a coluna de ar em direcdo a determi. | nada parte do corpo escolhida como amplificador | da voz. Subjetivamente, tem.se a impressio de estar falando com a parte do corpo em questo —a cabeca — por exemplo, ao usar o ressonador superior, (O téimo ress¢nader ¢ puramente con- veneional. Do ponto de vista cientilico, nao esta provado que a pressdo subjetiva do impulso de ar dentro de determinads parte do compo dé a essa rea a tuneao objetiva de ressonador), Na tealidade, ha quase um mimero infinito | de ressonadores, ‘dependendo do contréle que o ator tem sobre Seu proprio instrumento fisico, Vamos mencionar apenas alguns: a) 0 ressonador superior ou cabeca, um dos mais empregados no teatro europeu. Téenicamen- | te; funciona através da pressio da cotrente de | ar dentro da parte frontal da caboea. Pode-se to- | mar conseiéneia désse ressonador colotando a mao a parle superior da testa e pronunciando a con- soante “‘m”, quando se sentir uma vibracao de- finlda, Geralmente falando, o ressonador superior 6 usado quando se fala num registro alto. Subje tivamente, pode-se sentir a passagem da coluna de ar, sua compressdo até atingir finalmente a parte’ superior da cabeca, b) 0 ressonador do peito, conhecido na Fu- ropa, mas raramente usado com conseiéncia, Fun- ciona quando se fala num registro baixo. Para saber como funciona, coloque a mao no peito, e Gle vibra. Para usé-lo, fale como se a béca esti- vvesse no peito, | ©) © ressonador nasal 6 também conhecido na Furopa. Funciona automaticamente quando $2 pronuncia a consoante “n”. Foi abolido, injusta- | mente, por multas eseolas de teatro, Pode ser ex- | plorado’ para caracterizar cortas partes da inte1 preiacdo, ou mesmo todo um papel. d) ‘A laringe, ressonador usado no teatro oriental e na Africa. O som produzido lembra o rugido de animais selvagens. & também caracte- ristieo de alguns cantores negros, de jazz (p.c. Armstrong). e) © ressonador occipital, que funciona quando se fala num registro muito alto. Projeta- se a corrente de ar em direedo ao ressonador su- perior e, quando se fala num registro que sobe continuamente, o ar é ditigide para a parte orci pital da eabeca, Durante 0 treino, alcanca-se ésse Tessonador ao se produzir um soin semelhante a um miado agudo. Bsse ressonador 6 comumente usado no teatro clissico chinés, 1) Em sums, existe uma série de ressonado- res que os atéres tusam As vézes inconscientemen- te. Por exemplo, na chamada interpretacdo de intimidade, o ressonador maxilar (parle posterior dos maxilares) entra em acio, Outros ressonado- es se encontram no abdome, e também nas par- tes central e inferior da espinha. 2) A possibilidade de mafor rendimento re- side no uso do corpo inteito como. ressonador, Obtém-se isso, usando simultaneamente os resso- nadores cabeca e peito. Técnicamente, concentra- se a atencao no ressonador que nao esta automa- tieamente em uso no momento que se fala, Por exemplo, ao falar num registro alto, usi-se a ca bea. Concentra-se, porém, procurando explorar simuli@neamente 0’ peito, Concentrar, no caso, significa comprimir 0 ar no ressonador’ inative. O° oposto & necessario, quando se fala num registro baixo. Normalmente Uusa-se 0 peito, assim, 0 ator se concentra na ca- beca. O ressoniador que engaja todo o corpo pode ser definido como ressonador total, Efeitos interessantes podem ser obtidos pela combinagéo simultanea de dois ressonadores, O uso simultaneo dos ressonadores occipital e larin. geo, por exemplo, prodiuz os efeitos obtidos por Yina Sumac emi ‘suas cancdes peruanas. Em alguns casos, pode-se combinar dois zessonadores, {uncionando um como sole e o outro como acom: panhamento. Por exemplo, 0 do maxilar dara 0 solo, enguanto o acompanhamento uniforme 6 Obtide pelo peito. BASE VOCAL, ‘© uso de qualquer ressonador pressupse a existéncia de uma coluna de ar que, para ser com- primida, necesita ter uma base. O ator deve aprender conscientemente a encontrar em si pro- prio a base para essa coluna de ar. Essa base pode ser adquirida da seguinte maneira: 8) Pela expansiio e contragio da parede abdominal. ste método 6 muito usado pelos at6- res europeus, ainda que muitos déles no eonhe- am o motivo real da dilataczo muscular, Canto- res de Opera reforcam essa base, cruzando as mios no abdome e, fingmdo scgurar um lenco, comprimem as costelas inferiores com os ante. bbragos, 1b) elo método usado no teatro clissico chi- nés. O ator prende a cintura com um einto laxgo, fortemente amatrado. Quando éle respira total: mente (respitacdio abdominal e toréclea), 0 cinto comprime og musculos do abdome, formando, assim, uma base para a coluna de ar. ©) Depols de respirar totalmente, og muscu. Jos da barriga so comprimidos, impelindo auto- maticamente o ar para cima. ‘As costelas infe- rlores slo impelidas para fora e, dessa forma, obtém-se a base para a coluna de ar. Como ja meneionamos, um éro comum ¢ a compressio dos mitsculos’ abdominais antes de estar completo © processo de respiracao total (o resultado é ape- nas a respiraco tordcica) Aqui também é importante nio juntar muito ar durante a contracdo dos masculos abdominais, porque isso causa o fechamento da laringe, Se os ‘miisculos abdominais néio sio contraidos lente mente, experimentase uma sensacio de atordoa- mento, HA muitos métodos de criar uma base para a coluna de ar. O ator deve dominar multas delas, do manelra a poder alterné-las de acérdo com 0 | Papel e as cireunstancias, dor, lave 9 emciasortcs hereto hae Unita Ehtie riaeee * (De livre Towards a Poor Theatre, de Jer7i Grotowski — ‘Simon & Schuster —~ N.Y.) ESSORIOS RESERVA a DI orEnApon eas ‘Foca LUMINOSO NARRADOR DE RESERVA nemssonve eae Sowo PLASTIN PLATEIA COMO FAZER SOMBRA CHINESA parente, branea, por pessoas representando ou mi- mando cenas, chamam-se Sombras Vivas ou Som- bra Chinesa, Quando se fala em sombra, muitos pensam | que se trata de sombras A mio, que se faz sobre @ parede, na tentativa de representar a silhueta | de gente ou de bicho. &sse tipo de teatro costuma | também ser confundido com o teatro de sombra | ‘As sombras projetadas sobre uma tela ac | com boneros, fetes. de papel recortado ou outro rater. A Sombra Chinesa 6 a sombra viva, fee {a por adultos ou erlangas ‘A uillizagio. de_pestoas para fazer sombras & um processo muito simples, realieével com un mic hime de teeusos e quo. pode retultar ‘num bom Acabamento téenico, B muito recomendado como | melo de expressio dramética infantil. Sua. vanta- gem & que pode ser feito também pelos timides ¢ | Inds "pd oor ey eri ates de | Além disco, exige pouco do artista, "Um espetaealo de sombra. chines pode ser | feito em qualquer local, num paleo ou numa sala onde se. possa fazer” a separagao entre pablico © artistas, Nao exige gastos com cenatios, © a8 20% pas e-acessGrios sao os mais simplifieados, © que Importa nesse tipo de espetéeulo ¢ a nitider da silhueta | COMO FAZER A SOMBRA CHINESA # preciso separar a sala, onde ficario os es- | pectadores, da cena, onde se’ projetard 2 sombra, por uma tela transparente, brance, Sobre esta tela se projetargo as sombras por meio de um foco luminoso colocado & uma certa distancia, atras da tela, | Als regras so as seguintes: | 1 — Utilizar, de preferénefa, para fazer a tela, | morim ou plastico branco transparente, nem mui- | to ralo nem muito encorpado, por exemplo, um | Jencol. Uma moldura em torno dessa tela dé mais | acabamento ao trabalho, A tela deve ter, no minimo, dois metros de altura por trés de largura. Pode ser construfda num bastidor de madeira, onde se fixa 0 pano ou pldstico por meio de tachinhas, sem fazer rugs. Durante a representacdo, convém umedecer a tela com agua pura ou misturada com glicerina, ‘Mas se 0 foco de Iuz que lumina a tela tor da Poténcia exata, no hi necessidade disso, Na par- te superior e nas laterais do Dastidor, coloca-se um sarrafo de madeira, de 10 centimetros pelo menos, para evitar vasamento de luz, Durante a representacao a luz da sila deve estar apagada, a tim de nao prejudicar a nitidez da sombra 2 — Foco Luminoso — Basta usar uma lim- pada colocada numa lata de conserva vazia, Pode Se, também, utilizar um aparelho de projecio A luz deve ser colocada @ distancia de 3 a 10 me- tros da tela, de maneira a iluminé-la téda Quando fora'de cena, os atores devem passar atras da luz, 3 — Elementos Decorativos — Como disse- mos, a sombra chinesa dispensa cendrios, Podem ser Usados elementos decorativos (f6lhas, arbustos, colunas, etc.) reais ou recortadas em silhuetas ¢ fixados ‘no chao, nas laterais da cena. Podem ser feitos diversos ‘elementos recortados em eartio ‘gtosso, que sero projetados com o passa-vistas da Tanterna-magiea, ou com um projetor de slides. Também os titulos podem ser feitos da mesma maneira. 4 — Bfeitos Sonoros — A sombra chinesa @ apresentada da mesma maneira que um filme fa- lado ¢ sonoto, Sera necessirio um locutor para ler © texto, se a cena nfo é muda, prevendo-se as Giversas| vozes para os pergonagens, Podese usar acompanhamento musical gravade e também rui- dos gravados, Também uma equipe de sonoplastia poder fazer diretamente os ruidos ou acompa- | nhamentos musieals da peca. 5 — Representagdo — Os atdres devem obser var as seguintes regtas: A posicéo normal dove ser Junto da tela, sem encostar na mesma, pois quan- | to mais distante, menos nitida a imagem. Obser- var que 5 sombra projetada eresce quando 0 ator se aproxima da lanterna magica; para ir embora, © ator se aproxima da tela; para dar a Impressio de chegada, é preciso afastar-se da tela, Para dar ideéla de apari¢ao e desaparicgo subita, é preciso saltar por sobre 0 foco luminoso. De qualquer modo, niinea se deve atravessar a cena entre 0 pano e a luz, pois seria visto pela platéia. Passar Sempre attés do foco. | ‘A fim de amortecor o ruido de passos, colo- | ca-se um tapete ou eolehdo proximo da tela. Con- ‘vem limitar a’supetficie de representacio por ban- | os ou cade. | Sombra Colorida — Para obter imagem colo- rida, a diversos modos de fazer. 'a) Colocar diante do foco papéis_transpa- rentes colerides (de tom claro, para n&o comer uz); ») blico, mas ocultas, lampadas de cér, colorindo ligeiramente a tela; ©) Colocar, nos recortes de cartdes de proje- tar, papéls transparentes coloridos de tons claros | {amarelo para jancla iluminada & noite, por ex.) Essag indleagéés devem, contudo, ser testadas nao improvisadas na hora do espetéculo. A cor das roupas néo tem importancia, mas a sithueta tem que ser nitida, Pode ser feita com Pedacos de pano ow de papel, ewidando para nao | tsar material transpavente @ luz do foce. O mes- | ‘mo se aplica aos acessorios | Repertério para Sombra Chinesa: ‘As conas do sombra chinesa podem. ser mu- das, 08 movimentos acompanbados com gravacao | ou ‘ao vivo, desde que apropriada ao tema. Os | atéres podem dialogar seu papel, podendo um lo- cutor ler as. falas em voz alta, '20 microfone se necessério, & medida que se executam os movi- mentos. ‘Os temas devem ser simples ¢ os personagens them definidos, nao s6 em aparénela, como em ta- manho, para’ que se distingam uns dos outros, Colocar a0 lado da tela, do lado do pix | 1 Nao conhecemos nenhuma obra _dramética eserita especialmente para essa técnica. Farsas e cenas, de preferéncia com mimica, se adaptam bom & sombra chinesa. Cena classica é uma ope- racho, de péssimo gosto, em que se retiram, do yentre do paciente, aberio a facdo, metros de in- testinos e objetos diversos. Nese género comico, muita coisa pode ser improvisada, evitandose 0 mau gosto e 0 facil. Cenas de classicos (Feiticel- ras, de Macbeth, por ex.), cenas biblicas e peque- nos contos infantis ou fabulas constituem um bom tema para Sombra Chinesa. (Livros consultados: teres, Sombras e Mationetas, de M,C, Schell e LiEapression Dramatiaue et L'Enfant —E, Fleurus). - Jogos Dramaticos A PESCARIA ‘Trés pessoas saem de barco para pescar. Arma- se uma tempestade. Tentam remar para a praia (inimiea de pescaria; mfmica de remar). Ansieda- de, Reagéo, cegundo © temperamento de cada uma. © mais corajoso pede calma, outro reza, outra chora, Finalmente, véem ao longe um barco maior que se aproxima, Alegria AS ALGAS. Cinco alunos, de olhos fechados, comecam a se movimentar como se estivessem no fundo do mar, sentindo @ resisténcia da 4gua. Retraem- se cada vex que se encontram, sempre em camara enta. A cada toque, devem reagir como se tives: sem recebido uma descarga elétrica. O professor interrompe 0 j0go, quando achar necessario, A CHUYA Numa regio castigada pela séea, homens trax balham sob sol causticante. Ao longe, ouvem-se 0s primeiros sinais de trovoada (batidas de tambor) Todos ficam atentos. A ruido aumenta (tambor). Esperanca geral. Primeiras gotas dagua. A chuva cai forte. Alegria! Delirio. Alguns tentam beber ‘a Agua, outros rolam na lama, Ao tambor e ras- pando os pés no chiio, aquéles que nao participam do j6go, imitam 0 rufdo da chuva. (@stes temas constam do livro, a sair, Cem Jogos Dramaticos, de Maria Clara Machado) O que vamos representar Torturas de um coragao ENTREMEZ PARA MAMULENGO (*) Autor; ARIANO SUASSUNA Personagens: Manuel Fldres — Cabo Setenta — Benedito — Afonso Gostoso — Vicentao — Marieta MANUEL FLORES — Respeitavel ptiblico! A his- Yoria que em breve indo assistir, ou melhor, observar, passa-se, como sempre, na terra de ‘Taperoal Vérias autoridades de critério e res- peltabilidade assistiram aos acontecimentos sua veracidade poderdo atestar. Agora, os per~ sonagens, que tomam parte na farsa a alta Sociedade eu vou apresentar: Aqui vem Bene- dito. Com éle, Afonso Gostoso! Afonso, 0 méco delicado, 0 mdco suspeitoso! As mulhe- | res so loucas por ésse moco! Agora, ver a | mais alta patente da terra, Sua Exceléncia, 0 Senhor Cabo Setenta, delegado de roubos, | capturas, Tadres de cavalo, de vigilancia, de | costumes ¢ de brigas de gaio. (Arteia). | CABO SETENTA — Esteja préso! BENEDITO — Besteira, Cabo! Eu jé conheco essa hhistéria! CABO SETENTA — Negro, voe8 se enxergue, so- nao vai pra palmatorial BENEDITO — Deixe de bancar valente, Cabo Se- ‘tenta, Voo8 velo para ca somente para ser apresentado ao distinto pitblico! Sentido, Cabo Setenta! CABO SETENTA — sentido, o qué? Sentido é voc’! Sentido quer dizer ‘pode e podre pode ser voce! BENEDITO — Ah! Cabo ignorante dos seiscentos digbos! Ordinério, marche! CABO SETENTA — Ordinario 0 qué? Ordindrio 6 vyocé! Ordinario quer dizer safado e safado padle ser voce! BENEDITO — O que? Vocé quer brincar comigo, €2 Pols tome! Teme um catolé! CABO SETENTA — al! All Ai! BENEDITO — Vamos! Ordinério! dois, um dois. CABO SETENTA — Um, dois, um, dois, come car~ ‘me com arroz! BENEDITO — Marche diteito, batriquio! dois, um, dois: CABO SETENTA — Um, dois, trés, quatro, trinta Marche! Um, Um, e cinco, trinta e cinco, setenta, trinta e cinco, trinta ¢ cinco, setenta! BENEDITO — Pare essa idiotice! Alto! ‘cade o homem? CABO SETENTA — Fstou aqui! O senhor nio dis- se alto? Bu, pam! subit BENEDITO — Inteligente, ésse moeo! Esse 6 ba- | ‘traquio até 0 ossol Venha cé, Cabo Setental Ja aprendeu o que eu ensinei ontem? CABO SETENTA — A roubar gatinha, €? BENEDITO — Ai, que s6 vai no catolé! CABO SETENTA — Nao, ja sei, 6 dar meia-volta, nilo € BENEDITO — An, j, bichinho? #. CABO SETENTA — Aprendi, BENEDITO — Cadé o fuzil? CABO SETENTA — Esta aqui BENEDITO — Vamos ver. Meia volts Oxente, | © Cabo, 20 dar a volta, bate com o-furit na eabeta do Aenedito, que el sobre 0 parapelio, desmaiade, CABO SETENTA — (Sem ver 0 que f82, de cos- tas) — E agora? | BENEDITO — (Despertando) — Danou-se! Que | chapuletada! Eu vou 6 para 0 outro lado, por- que lé no acontsce nada! Meia volta! Vol- ver! © Cabo da a volta pelo Indo contsitio © a nova cha- ppatetada em Benedito i caro cea na es BENEDITO — Mas Isso é que 6 uma chapuleta- da azcitada! Com ésse ignorante so vai na | agilidade! Meia voltal Volver! Abahaa-se ripldamente eo fuzil passa raspando como | uma’ Taea, I BENEDITO — Ah, viu? Muito bem! Alto! Senti- do! Cumprimente 0 respeltvel publico, Cabo! Dé boa-noite ao puiblico, Cabo! CABO SETENTA — Boa-noite! | BENEDITO — (Dando-ihe um catolé) — Fale di- relto, safado! CABO SETENTA — Boa-noite, respeltavel puiblico! BENEDITO — Ab, sim, agora sim! Agora esté uma beleza! Comigo 6 assim, na educacdo € na delicadeza! Nao &, Afonso ‘Gostoso? AFONSO GOSTOSO — Ah, 6, viva a delicadeza! BENEDITO — Sentido, Cabo! Retire-sel Ordina. rio, marche! Um, dois, um, dois, CABO SETENTA — (Saindo e arrlando) — Um, dois, um, dois, come carne com arroz. BENEDITO — stéo vendo como 6 0, negécio aqui? Tudo eu ordeno, tudo eu ajeito, tudo eu pauto, todo galeoso, toda vaiente, todo semi- Contlauto... Esse Cabo Setenta assim, diz que com éle é na faca, mas, gritou, éle afracal AFONSO GOSTOSO — Al, Benedito, me acudat Estou com uma pancada no ¢oracdo! Me acuda que ali vem o valente Vicentio! VICENTAO — Eu hoje mato um! Bu hoje ama- nheci doido pra fazer uma bainha para ami nha faca do couro do bucho dum! Estou doido por um negro para almocar e por um delica do gostoso para jantar! BENEDITO — Que valentia 6 essa, hein Vicen- to? Que negécio de negro 6 ésse aqui? Vacs ndo sabe que agui nfo tem negro? © que & que tem aqui, Vicentao? VICENTAO — © que tem aqui 6 moreno queima- do! Mas gents que nao suporto ésse tipo de deticado dengoso! O que é que as mulheres ‘vem nesse_mané-gostoso? BENEDITO — © qué? voce se atreve a falar de) ‘meu amigo, do meu caro Afonso Gastoso? | Tome um catolé! Tome outto pra fiear em-| pate! Ah, assim sim! Ja se esqueceu de Be- | nedito? VICENTAO — Esqueei nada, Benedito! Boa-noite, | Benedito! BENEDITO — Fale com o piblico, Vicentéo! VICENTAO — Boa-noite, piiblico! BENEDITO — Fale direito, safado! Sendo vai ou- ‘tro catolé) VICENTAO — Boa-nolte, excelente, distinto ¢ res- peildvel publica! BENEDITO — Agora sim! VA embora, Vicentao! | agora, cul Benedito Pacifico Fialho Mon- teiro Cavaleiro de Carvalho. Aqui, 0 Afonso Gostoso, 0 querido das meninas, o tapaz den: goso da eabeleira! # ou nfo 6? B agora, a luz | do dia, a flor de meu pé de sorra, a estréla da companhia! Marieta! Vem ci) Marieta! Ela ¢ muito encabulsda! & por isso que esta correndo! Venha eé, Marieta, no sou eu que estou dizendo? Marieta, cumprimente aqui o distinto piblico! MARIETA — Boa-noite, querido! BENEDITO — Querido, 0 qué? Querido seu sé sou eu, vin? Assim tambem @ demais. tam- emt Biga" boanoite,distinto pile | MARIETA — Boa-nolte, distinto priblico! BENEDITO — Me dd um beljo agui, Maricta! MARIBTA — Mas Benedito, na frente do povo? ston morta de vergonhal BENEDITO — Deixe de luxo, Marieta, Passe o | Weljo. pra ef sendo dowihe um catole. A, | agora ‘ith! Passe pra dentro, Mariela! | MARIBTA — Boa-noite, Afonso Gostoso! Isso ‘que € ima abelett Pntza rindo, eonfusa e pudiea, BENEDITO — Entre também, que vai comecar a Drincadeira. Entre, Afonso Gostoso, entre, Afonso Cabeleiral Arrelam, Aparece Manuel Flores, MANUEL FLORES — Como o distinto piblico pode ver, @ situacdo de Benedito aul 6 bem apreclavell Mas ha dois dias, isso nao era assim. © que foi que acontecen? £ isso que a. companhia val mostrar! Vai ter inicio o espe- téculo! Atenc&o, respeitével pablico! Vai co- mecar 0 maior espotaculo de mamulengo do Universo! O Grande Teatro Paraibano tem o prazer de apresentar o seu drama mais boni- to, 0 drama “Torturas de um Coracso” ou. “fim Boca Fechada ndo Entra Mosquito”! Vai comecar. Toquem as violas, toquem os pifa- nos do temo de “Seu” Manuel Campina, 0 maior zabumba da atualidade, 0 esquenta- mulher preferido das meninast Masiea, Manuel Flares arreia, Entra © Cabo Setenta, CABO SETENTA — Ku ando doido para pogar faguéle safado do Benedito! Ah moleque pre- cisando duns bolos! Nao vou com a cara da. quele moleque! Negro quando nfo é bésta, doido! E aquéle entdo! Tem um ditadozinho de um “é ou nao €?” que me deixa tinindo! 4h se eu pego aquéle moleque na cadeia! Ai sim, o attaso era tirado! Era tanto tapa e tabefe, era tanto tabefe e tapa, que o bieho era capaz de ficar branco! Ah negro danado! BENEDITO — Boa-noite, “seu” Cabo, esta bonzi- nho? CABO SETENTA — Va pra 1é, negro! Bu nao gos- to de conversa com negro nao! Eu digo como © defunto meu avo: Negro, em pé € um t6co, Ueitado 6 um poreo, Vai pia lé sendo vai pra chave! BENEDITO — Que é isso, “seu” Cabo Setenta? ‘A gente ndo pode nem dar boamcite? Isso & uma regra de civilidade e cortesia, é ou nfo 6? CABO SETENTA — Vocé acabe com ésse negécto | de “€ ou nao é?"! Eu nao j4 Ihe disse? BENEDITO — Ja, “sew” Cabo! Mas ésses vieioai- nhos, ésses ditadozinhos que a gente pega si0 danados, 6 ou nao 6 CABO SBTENTA — Negro, voce hoje termina dor- | mindo na cadeia! Eu ando doido pra botar ‘Yoo’ na chave, e boto mesmo — grade, cruz | e ealdeiral Nao abuse da paciénia do Cabo Sotenta nfo! Voce se desgraca! Bu, estando zengado, Se no houver quem me segure, eu faco uma, besteira! BENEDITO — Esta certo, “seu” Cabo, esté certo! | Nao precisa essa valentia tOda néo! Eu que- ria ver essa conversa era pra prender Vieen- tao! | CABO SETENTA — Vocé esté fazendo graca? Quer insinuar que autoridade, 0 Cabo Set ta aqui presente, tem médo de um valentao? ‘Voe8 se desgragal BENEDITO — Nao, “seu” Cabo, eu estou somen- te dizendo que quando um nao quer, dois nao | Drigam, € ou nao 6? CABO SETENTA — Notegue BENEDITO — Dessupe, “sen” cabo CABO SETENTA — Por esa ‘ven, pass, tas pas | sen or ta cas BENEDIIO “i ato ge soar | CANO SETRNTA — see nada, motos! BENEDITO — Ora nfo sei! Eu sei adivinhar! Fu conheco os tecantos mais intimos désse cora- cao militar! CABO SETENTA — Deixe do intimidade, mole- que! BENEDITO — Que é isso, seu Cabo, esti me des- conhecendo? Eu sei que o senhor nao me pren- de! Seo senhor quisesse mesmo ia logo me prendendo! E eu sei que sua boa vontade comigo por causa de minha intimidade na casa de uma certa mulher que o senhor Seu Cabo anda querendo, CABO SETENTA — Aj, Benedito, como sofro! BENEDITO — Softe? O Senhor? Uma autoridade? CABO SETENTTA — As autoridades também sofrem, Benedito! E aquela mulher ¢ muito eruel! | BENEDITO — Quem, Marieta? Que nada, Cabo Sctental Marieta € gente boa! Conheco aquilo muito bem! Converso muito com ela, 6 ot ‘CABO SETENTA — Ai, Benedito, voce tem sorte! BENEDITO, & parte — © bicho ja deixou de reela. mar meu ditadol Que sorte que nada, Cabo nta! ‘Tudo depende de jeito, © mundo & um sutié: 0 negocio & meter os peitos! 1 ou no €? CABO SETENTA — Mas ela nao gosta de mim, Benetito! | BENEDITO — Quem disse? CABO SETENTA — Ninguém, sou eu que penso. BENEDITO — Pois todo penso ¢ torto, ¢ ou ndo €° CABO SETENTA — Nesse caso, eu: s6 queria que fosse! BENEDITO — Eu j4 andei conversando com cla sobre 0 Cabo Setenta! $6 por isso ela me cha- ‘mou “meu tesouro”! CABO SETENTA — Foi nada, Benedito! BENEDITO — For tudo quanto @ sagrado! CABO SETENTA — Benedito, voos é um negro de ouro! BENEDITO — ¥ bondade do Cabo Setenta! Pois bem: ela até me disse que simpatizava muito com um certo cabo! (CABO SETENTA, desmaiande — Ai, meu Deus! BENEDITO — Se néo foi,"en-estique! 61, que € | isso? Levante-se, Cabo! O senhor, uma autor! dade, dando ehitique? CABO SETENTA — 2 0 amor! © Benedito, voce sabe que eu ihe tenho muita amizade? BENEDITO — Menino, otha como isso mudou! 3, ‘Cabo, eu Sei que o senhor 6 doido por mim! CABO SETENTA — Pols vocé podia me ajudar, ‘Benedito! BENEDITO — Pois nao, cabo velho de guerra! & quiser! CABO SETENTA — Isso é que 6 um moreno de ouro! & a figura mais simpatica dessa terra! Pols bem,: 0 que eu quero é aue voeé entregue ésse broche a Marletal Diga que fui eu que mandei! Eu nio posso entrezar, poraue minha. mulher pode saber e ai a coisa fica preta! Voce Giz? Voce entrega? BENEDITO — Isso nem se fala, Cabo velhio! Passe pra co bicho! Meu Deus, que broche lindo! CABO SETENTA — Fol 0 ordenadlo do més quase todo! BENEDITO — Pois Cabo velho, fique desvansado que 0 presente sera. dado! CABO SETENTA — Muito, muito obrigado! Diga ‘@ Marieta que eu quero falar com ela, um as. sunto muito puro, que eu quero tratar com ela, um negéclo aqui, quando estiver escuro! Eu fico Ihe devendo um favor! Se tiver algum_ Inimigo, diga, que eu. meto na cadela! Se al- guém the fizer uma desfeita, vocé me chame, que eu mando cobrir na peial Adeus, Beneditto! BENEDITO — Adeus, Cabo Setental Adeus, Cabo vyelho, bésta dos scicentos diabos! Va chorar na cama, que é lugar quentel Cabo velho bésta. da peste! Baslou falar em Marieta, o bicho se derteteu, E ainda por cima me deu o presente! B ainda promete que, quem for meu inimigo, apanha! Entregar, en. entrego,, quando pro- meto, cumpro, Agora, dizer que foi 0 Cabo quem mandou, sdo" outros cinquenta mil réis, Se rel besta? Serei cortajaca da policla? Hw nao sou xereta de meganha! Sb mesmo s> eu nao me chamasse Benedito Paeifico Fialho Mon- teiro, Cavaleiro de Carvalho! Arrela, Aparece Marie‘. MARIETA — Ah, meu Deus, como estou tao soli- téria! © mundo, aqui em Taperod ¢ tao sem. graca! Bde matar! Ninguém na rua, ninguém. ha praca! Se ao menos dese um trovao para Trovio relmpago. ‘Que é isso, So Podro, nAo se pode nem brinear? Nossa Senhora, que mundo perigoso! Ah, mes. Dens, muito sofre um coragso, solitario! BENEDITO — Ah, meu Deus, muito sofre um co- ‘ago solitério! Que que ¢ que hé, Marieta? MARIETA — Fita, que a tarde ficou pretal Ai, € no, @ Benedito! Fui olhando assim... Voce inda pergunta o que 6 que ha? # o meu sofri- mento de cada dia: ninguém gosta de mim! BENEDITO — Marleta, no diga uma coisa dessa, minha flor! Eu sou 1oueo por voce. MARIETA — Ho que é que me adianta isso, 0 qué? NNinguém liga voc0! Se eu fosse dizer due gos tava de yore, todo mundo mangava de mim! BENEDITO — Fo que é que eu faco para acabar ‘com isso, Marieta, flor désse tabuleiro? MARIETA — Nao sei, Se ao menos voce se desta- ‘case mas letras, nas artes, em eléncias ocultas, om filosofia dramatiea, em pediatria charlati- nica, em biologia dogmitica, em astrologia elotronica. BENEDITO — Mas Marita, eu me destaco! MARIETA — Dostaca-se nada! Por enguanto voce nil pass de comida deoncal Esta ai o que roo’. é, voce que se, destaca tanto: comida de } onca-tigre, pintada e sucurana, E Deus.me li vyre de ser namorada de comida de onca! Se 20 menios vove fosse valente! BENEDITO — Mas Maricta, se eu fésse valente? ‘Vote duvida disso? Inda’ hei de the provar. Eu * sou sujeito mais valente de Taperod! MARIETA — & nada! Os sujeltos mais valentes daqui de Taperoa, os dois que ninguem en- | frenta, so Vicentéio ¢ 0 Cabo Setenta! | BENEDITO — Vicentio? MARIETA — Sim! Bu néo gosto déle nfo, mas uma ‘mulher s6 pode ficar Impressionada, quando éle passa pisando forte e fundo, andando pelo meio. da tua com aquéles bigades, fazendo médo @ todo mundo! BENEDITO — A todo mundo, nao! Alto 141 Aqui ‘© moleque Benedito nunca achou quem Ihe fi- zesse médo aqui em Taperoa! Alto 1A! MARIETA — # 0 Cabo Setenta, meu Deus! O ho- mem passa fardado, todo esticadinho! O cora- cao da gente chega bate, fica todo alvoracado! BENEDITO — Um meganha multo safado! Aquilo 6 frouxo que faz vergonha! MARTETA — , Setenta 6 um pamonha! Mas eu sb queria ver essa valentia sua era na frente dates. dois! | | MARIETA — Isso nem se pergunta! Benedito, eu até Ihe digo: eu simpatizo muito com vocd! BENEDITO — Ai meu Deus, com essa eu descan- gota! MARIETA — Nao descangote no! BENEDITO\— Pronto, ja descangotei! Foi somente ‘@ eniogdo, 0 sonhar com as exceléncias! Vou sero Homem mais temido dos arredores ¢ cit ‘cunjacéneias! Voee vai ver 0 esearcén que eu. ‘you fazer! MARIETA — Pois trate de arranjar eartaz porque, antes disso, nao quero nem ver voce! BENEDITO — Mas um presentinho ‘meu vocé ‘aceital MARIETA — Bem, um presentinho assim, uma vyez ou outra, acho que nao fica mal eu aceitar de quem quer me conquistar! BENEDITO — Entdo veja aqui éste broche que eu compre! fazendo saerificlo, e que trouxe para voce, MARIETA — Meu Deus, que belezal # broche de valor! Benedito, vocé é um amor! Belja-o. BENEDITO — Obrigado, my love. MARIETA — Hein, 0 que? BENEDITO — My love, Quer dizer “morena”. em francés! MARIETA — Mas Benodito, como vocé ¢ inteli- gente! Tao culto! BENEDITO — Pois é pra vocé ver. Tem mais, para 0 més! MARIETA — Bem, vou embora, até a préxima vez. BENEDITO — E quando sera ela flor? MARIETA — Quando vocé tiver cartaz. BENEDITO — Ah, mulher cruel! Est certo! Ate ‘mals! Au revoir! MARIETA — © qué, Benedito? BENEDITO — Au revoir, quer dizer “Deus te pro- tela”, em italiano, ‘MARIETA — Ab sim. Au revoir, Benedito. BENEDITO — Deu certo o plano. Arreia, Entra Vicentio, VICENTAO — Ah, como estou cansado de viver VICENTAO — Al, me segurel Me segure que eu vou desmaiar! como valentaol Que coisa mais perigosa! A | BENEDITO — Coragem, Vicentao! Voce ¢ ou nao gente tem que sustentar a fama e o resulta- do 6 essa vida terrivel, feita de sobressaltos © terrores! E logo eu, que tenho horror & vio- Iéneia! Pelo meu gosto, eu vivia chelrando flores! Sou louco pelas flores, num jardim enluarado! Mas tenho que continuar como valente sendo moro de fome. Ah emprégo amargoso para um homem sensfvel e apaixo- nado! BENEDITO — Boa-noite, seu Vicentao! VICENTAO — Th, vou fazer que nfo yi! Quando ‘eu acord, meu sangue val fervendo, fivo com tanta raiva, que n80 velo 0 que vai aconte- | condo. Ja estou por aqui de raiva, Jurel que a primeira pessoa que me olhasse eu metia- The a faca no apendicite, Estou doldo por san- gue humano para abrir 0 apetite! BENEDITO — Néo se zangue nfo, seu Vicentdol hoje nao dia de ter raiva nao! VICENTAO — Para um sujeto como eu todos os dias sao dias de ter raival Quero ter raiva © voce nao se méta! BENEDITO — Mas logo hoje, no aniversario de ‘Mariela? VICENTAO — Assim nfio hé quem possa! Hoje € 0 aniversario dela, 6? BENEDITO — #, acho melhor o senhor amansar! VALENTAO — E 0 que é que isto vai me adiantar? Ela nfo me quer bem! Aquela mulher é muito ingrata, nfo gosta de ninguém! BENEDITO — Que injustiea! Que coisa dispara- tada! Se ela me disse que est apalxonadal VICENTAO — Ai, meu Deus, por quem? BENEDITO — Diz cla que 6 pelo valente de Ta- perual | vvalentao? VICENTAO — Sou e do tipo mais sanguinario! que eu fiquei emocionado! Essa paixao so pode ser por mim, é pelo sujelto valente do povoado! E logo hoje eu saber disso, € logo hoje ser 0 aniversario! Logo hoje, dia em que, pra adiantar o servigo, eu tinha comprado, esses brincos para ela! Voce entrega a ela, Benedito? Me faz essa fineza? BENEDITO — Ora nfo, faco que 6 uma belezal ‘ove podia entregar, mas sua mulher pode estranhar, 6 ou nao €? Assim, se quer deixar que eu entregue, deixe! O que cal na réde & peixe! # ou nao é? VICENTAO — Veja que comeidéncia! Que acaso da necossidade! Que subversao da circunstan- cia, que contradi¢ao da fatalidade! = 0 tem- po, é a vida, é a morte com seu dente: logo hhoje, aniversirio dela, foi que achei de com- pyar o presente, Diga isso a ela, Benedito, gue ela veja ésse atino e desatino, Diga que @ a propria sorte que nos quer juntar, eruzando nossas vidas na tela do destino! Arreta BENEDITO — Ah mundo velo de guerra, ah mundo desmantelado! Ah mundo eheio de estas, ah mundo desgovernado! O povo luta © trabalha, a mulher por seu amado, os ho- mens compram presentes, mandam por mim. © recado, Vou levar também os brincos, 0 presente vai ser dado, B para o resto da festa, © plano est preparado, Marietal Venha ca, desgracada! Aparece Marita | MARIETA — Que é que ha, Benedito? BENEDITO — Olne, néo tenho tempo de Iuxo | nao! Aqui esto uns brineos que comprei para | vocé! Nao diga nada, ndo agradeca, nem se | mesa! Tome! Espere! Me dé um beijo na bo- | checha! Va, desapareea, desabe, daqui a poo- | co voc’ vai ver meu carlaz. Desabe que 14 vem | (© Cabo Setenta, e no posso esperar mais! Empurra-a e cla desaparece, Entra © Cabo Sefenta CABO SETENTA — Ab, voce est aqui, Benedito? Que é que esta fazendo? BENEDITO — Estou por aqui espairecendo, retres- cando a natureza, CABO SETENTA — Bu estava doido para encon- | traclo. Que foi que cla disse, heim? BENEDITO — Ela quem? CABO SETENTA — Ora quem? Marieta, quem mals havia de ser? BENEDITO — Sei 14, quem sabe ¢ vocé! CABO SETENTA — No desconverse! O que foi que Marieta disse? | BENEDITO — De que? | CABO SETENTA — De meu presente, homem de | Deus! Responda que eu Jé estou ficando louco! | \ | BENEDITO — Ab, sim, ela ficou com éle! CABO SETENTA — 6? BENEDITO — $6, vocé acha pouco? Voeé queria bem que cla desmaiasse? CABO SETENTA — Niio, mas ela devia se mos- | trar pelo menos agradecida, pedir para falar | comigo.... | | BENEDITO — Ah, ela até falow nisso! CABO SETENTA — Falou? Como? Onde? A que horas? Meu Deus! De que jelto eu vou? Para ‘onde? Quem sou eu? Onde estou? Vou ter um. trogo! Ai, all Nossa Senhora! BENEDITO — Que 6 isso, Cabo Setenta? Que ba rulho mais danado! Gale a boca! Que agonia! CABO SETENTA — Virgem Maria! Que foi que la mandou me dizer? BENEDITO — Nada! Féz boca de defunto! CABO SETENTA — Ora nada! Vocé nao disse que ela falou nésse assunto? BENEDITO — Bom, falar ela falou, mas nfo man dou dizer nada. © que ela disse fol a mim, CABO SETENTA — E que foi que ela the disse? BENEDITO — Me disse que nem podia the agra- ecer presente por causa. CABO SETENTA — De qué? Diga Benedito! BENEDITO — Eu nfo quero nem dizer: vai dar um bolo tao danado! CABO SETENTA — Ru ja sei! H& outro homem na vide dessa mulher? BENEDITO — Eu também acho aue hé mesmo, Ou so nfo hi, vai haver, e € dentro de pou- co tempo! CABO SETENTA — Quem 6 ésse miseravel que roubou 0 coragdo da mulher a quem adoro? BENEDITO — Para mim 6 um assassino, um mal- vado valentao. Mas eu, sou um pé-tapado! Para o senhor, nao é ‘ninguém: @ somente Vicentio! CABO SETENTA — Meu Deus! Estou atolado! E Vicentéo, Benedito? BENEDITO — Fle mesmo, Marleta no quer fa- lar com voce porque esta com médo dele. CABO SETENTA — O caso exige reflexio. BENEDITO — Ela disse que vivia dolda por um yhomem de coragem que f0sse capaz de enfren- tar tudo e nao tivesse médo de livréla da- quele bigodudo! CABO SETENTA — Enfrentar tudo eu enfrento € tenho disposigaol Nao se trata disso! Ape- nas € caso muito dificil e exige reflexaot BENEDITO — Ah, é! ‘Tem téda rao! Eu acho | mesmo que aqut nio existo uma. posson para enfrentar o Vicentao, ‘Todo mundo tem médo dle, AUE os soldadost CABO SRTENTA — Benedito, yor’ quer insinuar que as autoridades esto com médo? A auto- ridade ndo tem médo de ninguém, Benedito! A autoridade nao respeita ninguém, Benedito! BENEDITO — Pois bem que parece! CABO SETENTA — © qué? Tome cuidado, Bene- dito! BENEDITO — Calma, viu. Meus negécios s6 vaio ‘com calma, ¢ saiba que, em servico, cu nao | brincol Se voce vem com grito, eu largo o negécio de mao, e vou dizer a Marieta que ¢ | melhor ela ficar com Vicentdo porque com 0 Cabo Setenta ela nao arranja nem trinta © Estende a mio, onde o Cabo hota dinkeiro, E voce também! Procisa essa raiva téda? BENEDITO — Ah, agora séo outros cingiienta | CABO SETENTA — Mas ela arranja, Benedito! | mil ri | Hstende mo, mais dinhetro. | CABO SETENTA — Até cem! BENEDITO — Muito bem! E o que é que eu digo 8 Marieta? CABO SETENTA — Diga que o Cabo Setenta vai dar jeilo a Vicentao, V4 também a Vicentao € diga que estou esperando por éle aaut, hoje A noite. £ nas caladas da noite e eu aqui com ‘meu punbal! Diga que, se éle tiver médo de alma do outro mundo, no venha cd: meto a faca no pé da barriga déle ¢ éle é quem vai fazer, assim todo ensangitentado, médo as almas do outro mundo. Arrei BENEDITO — Minha Nossa Senhora! Sera que peste tem coragem mesmo? Se tem, estou des- gracadol parece Vicent | VICENTAO — Entio? Falou com Marieta? Deu resultado? Alguma novidade? BENEDITO — Como é que eu. posso saber se nes te mundo, como dizem og fildsofos alemiles, as aparéncias escondem muitas vézes a essén- cla da realidade? VICENTAO — Esta desconversando? Por que nao responde logo? BENEDITO — Quem pode responder a qualquer coisa num mundo sem verdade e sem certe- za? © homem, éste sér enigmatico, éste cego envolvido no combate das circunstincias da Circunjacéncla, VICENTAO — Acabe com essa historia de falar dificil, e nao converse mais, moleque safado! Que fot que Marleta disse? BENEDITO — Disse de qué? VICENTAO — Ora de qué, dos brincos que ou mandei? BENEDITO — Vocé nfo explica, eu me calei! Ela ficou com dles, VICENTAO — 86? BENEDITO — $6. Vocé queria bem que ela des- maiasse! VICENTAO — Ela falou se estava satisteita? BENEDITO — Falou, VICENTAO — E por que voce nao disse logo? BENEDITO — Porque vocé néo perguntou! VICENTAO — Ah moleque chelo de coisas! Ah) negro chato e confuso! BENEDITO — Bom, se é pra estar com abuso me diga que eu caio fora! Abuso nao é comigo! ‘Tenho um abuso to danado dessa historia de abuso! VICENTAO — Wio, Benedito, que besteira! Cal- ma, a gente nao pode nem tirar uma brinca- delta! Marieta botou os brincos? BENEDITO — Nao, VICENTAO — Nao? Por que? BENEDITO — Ficou com médo do homer VICENTAO — Do homem? Que homem? BENEDITO — homem que também quer con- quistéla, VICENTAO — 0 qué? Ra, rd! You comer-the os figados, arrancar-Ihe os coragées! BENEDITO — fle s6 tem um, Vicentao! VICENTAO dols! Nao interrompa minha raiva com as suas confusses. Vou arrancar-Ihe os coragées. Quem | € Mle, Benedito? BENEDITO — Isso vai dar num bélo tao danado! VICENTAO — Quem 6 essa figura nojenta? BENEDITO — & 0 Cabo Setenta! VICENTAO — 0 caso é melo complicado! BENEDITO — Ja sel: 0 caso oxige reflexio. Eu ja | sabia que vocé ia dizer Isso. ‘VICENTAO — Por qué? BENEDITO — Porque fol o que Ae disse quando | Soube que os brincos tinham sido mandados por voce. VICENTAO — F ale soube? Arranja-se outro e eu arranco os | BENEDITO — Por falta de sorte minha 0 cabo chegou na hota. Perguntou quem tinha man- dado e eu, com médo de morrer, na mesma hora confessei, VICENTAO — E vocé falou com éle? BENEDITO — Falei. fle mandou dizer que espe- rava Vossa Exceléncia de noite, aqui, para um. encontro fatal, Disse que vinha de ‘capa pre- ta, com revolver © punhalt VICENTAO — Oxente! Pra qué? BENEDITO — Vocé inda pergunta? Vocé parece que esta com médo, Vicentac VICENTAO — Eu, com médo? Ra-ra! Tinha gra- cal Ble morre na fumaca! Aqui estarel. Vai ser um eneontro de gigantes! Vou queimar- The 0 bucho, vou chamuscar-the o pélo! Vou mostrar Aquele furriel de merda quantos nos @e tem do calcanhar ao cotovelo! areia BENEDITO — Sta, a situacdo esta preta! A noite ai j@, com seus segredos. Vote, nunca me vi numa’ dessa, Sera que estou com médo? Vai, carne covarde, domina teus sentimentos! Tem. coragem, negro da peste! Vou esconder-me atrag daquela braina e esperar os acontect- mentos, Aria. A ‘al, Aparece Vicentio. VICENTAO — Tudo calado! Todo mundo dorme! ‘Todo mundo em sua casa, seu soninho sosse- gado! A Lua ilumina os telhados com uma luz prateada, e os bugaris estdo chelrando, a noite esta perfumada! ‘Todas as casas tran- giillas! As flores fieam mals cheirosas & noi- te ¢ talvex amanha eu nao esteja mais aqui para sentilas. E eu ndo tenho nem ésse amor todo pela mca! Foi tudo vaidade, foram fu- mos da ilusdo! © vaidade, teu nome ¢ Vicen- taol Um wise! ‘Al, meu Deus, que tera sido? © Fogo da ‘Ter- ya? A Alma da Pooira? Vou dar uma volta, porque se ficar agui, parado, 0 médo cresce tanto que cu saio na carreiral Arrela, Aparece Cabo Setenta. CABO SETENTA — Meu Deus, como isso esta esquisito! Tudo calado, a terra, o mundo mou col Agora se val aparecer aqui alguma assom- bragho? Pior! H eapaz de en mesmo virar assombraeao daqui a pouco! Na noite, o Cri me engendra a morte da Alegria! So queria que Nossa Senhora me ajudasse para eu salr ‘com vida dessa agonia! Ah situacdo horraro- sa! E eu me meti nisso tudo sem preciso ne- nhuma, sO por valdade, para dizerem que eu estava enfrentando a morte, essa onea ama- rela e sonolenta! Foi tudo vaidade! 6 vaida- de, teu niimero ¢ Setenta! ‘um uv Valei-me, Noss Senhora dos Militarest Que grito hortivel, de dor, de angistia, de pena tema, de fogo e ansiedade! Vou morrer! Es tou morto! Ja eston contemplando a eterni- dade! Arreia, Entra Vicontio, de_ cost VICENTAO — Até agora, nada, nada do Cabo Se- tenta! Agtienta, pobre coraco! Se éle nao vier, subo a Serra do Pico de joelhos, e man- do acender tres velas na imagem de Sao Se bastiao! Entra o Cabo Setenta, de costas, CARO SETENTA — Nada de Vicentéo! Came co- varde, agiionta, que hoje, de uma vez, se fir- ma a fama déste her6i que sou cu, Cabo Se- tental. Setenta? Que digo eu? Oitenta, ¢, talvez, contando bem, Noventa! ‘Viram-se, avstam-se, correm, cada aus para_um Tado, VICENTAO (Voltando) — Correndo, meganha? Enschando as eanelas, levantando a poeira? Venha que cu quero rasgar essa barriga de peixeiral CABO SETENTA (Voltando) — Correu, hein, Vi centao? Dé um riseo no chao, Daqui ndo passe, que eu arrelo seus fatos no chao! VICENTAO — Cabo, voce nao se meta a bésta no que voce se desgragal CABO SETENTA — Vicentao, voce nem venha, se- nfl esta desgracado! Lasco voce da virilha até 0 pe da goslal Reduzo voce a po de peido Taminado! Um uive horrorese ¢ aparece 9 Malassombro. Os dots valentes fangam-se nos bracos um do outro, tremendo, VICENTAO — Ai, meu Deus, que 6 alma de vitivo! CABO SETENTA — ¥ nada! 8 pior! # alma de fenjeitado! VICENTAO — Valei-me, Nossa Senhora do Bom arto! Ail Ai! Meus sais! Vou desmaiar! (CABO SETENTA — Vou ter um trogo, vou ter um chiligue, you me acabar! Morre quem quer ¢ quem nao quer! Ail Passel debaixo de um. Arco-fris, ai, que ew virei mulher! 0 Matassombro se descobre: € ened. BENEDITO — Bem, os cabras deram 0 cagaco, j& vi que éles slo frouxos. Se 6 assim, o pau vai comer, 0 cacete vai cantar! Com quem tem coragem, nfo, mas com gente dessa qualida- de, minha especialidade 6 brigar. Cheguem, yenham pro pau, venham pro cacéte, pro cipd de boil Aparecem Maricta e Afonso’ Gostoso. BENEDITO — Primeiro, o valentio, 0 bigodudo ‘atrevido, © safado do Vicentao! Dé-the uma surra de pax, VICENTAO — Ai! Ai, nfo! Af nfo! Ai, nfo! Dé em todo canto, menos nesse, ésse 6 0 canto mais dodo, 6 0 canto da fraqueza, do amor e do coracio! Ai nao! Ai nao! Ai nao! Ai, Benedi- to, tenha d6 do Vicentao! BENEDITO — Agora, o Deusme-perdée vai tra alhar nas costas de policial CABO SETENTA — Benedito, eu sempre ful seu amigo! BENEDITO — Nao tem isso niio, venha pro quiri! ‘Aqui é Benodito, 0 Caximbito, 0 Joao Redon- Go, 0 Babau! Voc8 nao disse que virow mu Ther? Entiio venha pro pau! Décthe uma surza de pau. CABO SETENTA — Dé em todo canto, mas nio do no figuelredo! BENEDITO — Pronto Marieta, ganhei o cartas, del em Setenta, dei em Vicentao! Agora tenho seu. coracdo? MARIETA — Eenedito, esté certo, vocé cumpriu tudo, cumpriu sua obrigacao, provou mesmo que & um sujeito corajoso, mas acontece que eu me apaixonel por “seu” Afonso Cabeleira, por “seu” Afonso Gostoso! BENEDITO — Como €? MARIETA — Vocé me desculpe, mas eora¢do nao se governal BENEDITO — Mas, Marieta, vood gostar dum ‘Mané Gostoso désse! AFONSO GOSTOSO — Mané-Gostoso 0 qué? # isso mesmo, a menina ai gostou agui da cabelel- ral FE fem uma coisa, negro aqui nao danca! | BENEDITO — Ai, meu Deus, que sé vai no paul BENEDITO — Nao tem isso no, deixe de conver- | ‘sal Apaniha no figuelredo. . versal agora, no vice- CABO SETENTA — Ail Ai niio, ai nfo, ai nol BENEDITO — Pronto, estiio exemplados! Agora jé sabem, néo 6? Quem manda aqui agora sou cu, Respondam todos dois, aqui, na frente de ‘Marleta e sem demora: Quem’ manda nesta desgraca, agora? CABO SETENTA — ¥ Benedito! BENEDITO — E voog, bigodudo, que & que diz? VICENTAO — x voce, Benedito! BENEDITO — Marieta agora é de quem? 08 DOIS — De Benedito! BENEDITO —.Puxem todos dois por ali! 0s dois arreiam, corrende, | ‘Tome, tome logo ésse ch de quina, ésse mio- Jo de ‘aroielra, para perfumar a pele e metho- rar a cabeleira! Dé-the uma surra de pau. MARIETA — Benedito, no dé em “seu” Afonso! Que & isso, Benedito? Deixe de brutalidade! BENEDITO — Ah, esté se metendo, €? Pois 14 vai catolét MARIETA — Af, como Benedito 6 forte, como é elo, como ¢ bruto! Ai, que pisa gostosa! Ai, que él esta dando no fruto, na pltanga da goiaba! BENEDITO — Bsté vendo como 6? Agora € assim, ‘abusou, vai pro catolé! MARIETA — Kita, Benedito, madeira que o cupim nfo roi! NAo’precisava tanta forca no, Be: nedito, ou ja estava apaixonada! Mas tam- bém, pancada de amor nfo déi! BENEDITO — Compreenderam entfio como é? ‘De hoje em diante, Benedito Pacitico Fiatho Monteiro Cavaleito de Carvalho € 0 galo dés- | te terreito! “Seu” “Manuel Campina, entre | com o esquenta-mulher, que ew vou levantar pocira, balancando 0 esqueleto aqul com essa Inorena, defronte de Afonso Cabeleira,, Como 6, “seu Afonso, negro danca ou nao danca? DMisica, Danga com Marita, AFONSO GOSTOSO — Danca! | BENEDITO — Negro danca ou nie danga? AFONSO GOSTOSO — Danea! BENEDITO — Negro danga ou no danca? AFONSO GOSTOSO — Dan¢a! BENEDITO (No ritmo) — Ai, ai, ai, al, ail i ‘MANUEL ELORES — Respeitavel piiblico! Termi- nna aqui éste doloroso drama, éste emporio. de iso ¢ de paixio, essa amostra do rebenho hu. mano, de seu eonfuso e triste se det 0 nome to postico de chada nao Entra Mosquito” ou “Torturas de um Coracéo", PANO Esta pesa foi apresentada, juntamente com duas outras do mesmo auter, no Teatro Jovem, por lores de carne e ‘feo, que gesticulavam imitando honcees. Sua encenseao $0 Poders ser feita mediante autorizagao a Sociedade Brast- Icira' de’ Autores Teatrais, Beaeeto ate Seca eleva, Por sees te uma nba, i is uate rere Eerie sane cee nd Bechet Beate ater pales ae ere Cen? n't Sti earns eco anges nt cee gaan he Bet iete ln ee = doe 8 ae mt “SHEL WiRLenco, vnva er nooo ENTRE © VERMUTE E A SOPA Enfreato, de ARTUR AZEVEDO (*) Personagens: AMELIA — D, ANGELICA — 0 povror CENAT D. Angélica, sentada, lendo, Ameélia, entrando da esquerda: AMELIA — Titia, sio quase seis horas, Ble ndo pode tardar, D. ANGELICA (deixando 0 livro ¢ erguende-se) — E se nao vier? AMELIA — Oh! O Dr. Pacheco é um cavalheiro! D, ANGELICA — Isso 6 Pelo menos era, AMELIA — Se nao pudesse vir jantar, nflo acel- tarla 0 convite, D. ANGELICA — X se adoecer? AMELIA — A doena néo é desculpa, quando uma senhora convida, D. ANGSLICA — Queres dizer, na tua opiniéo, que um cavaiheiro s6 deve faltar em caso de morte? AMELIA — Se morre de repente, nfo hé que di- zer, mnas se a morte the da tempo de escrever duas linhas ou dizer duas palavras. D, ANGELICA — Que exagéro! AMELIA — Mesmo com a vela na mio um cava- Theiro nao deixa de ser correto. D. ANGELICA — Quem morte pode 14 pensar em corregdes! AMELIA — Conforme. Isso depente do moribun- do, César, que foi o primeiro homem do mun- do, quando cain apunhalado, cobriu o rosto com 0 manto, para nao Ihe verem as contor- ‘Ges da morte, | D. ANGELICA — Isso é o que se conta, AMELIA — Voltaire estava nas ultimas, quando soube haver chegado a Paris um fidalgo, seu amigo, que se achava ausente havia alguns anos, e a quem devia muitas finezas. Levan- tou-se da cama, vestiu-se, saiu e foi ter com © fidalgo, dizendo: “Tntertompi minha agonia para vir darthe um. abraco.” Dew 0, abraco, yoltou para casa, despiu-se, deitouse ¢.. morreu, D. ANGELICA — Puderal Depols’ de semeltisinte imprudéneia! AMELIA — Que dolieado seria um cavalheiro es- erevendo a uma senhora: “Peco desculpa de nao comparecer ao jantar de V. Exeia. por que estou agonizando”. D, ANGELICA — E néo precisava. aerescentar que | €ra uum motivo independente de sua vontade. | Fols olha, minha sobrinha, eu julguei que o | Dr. Pacheco se desculpasse, ou 86 aqui viesse | pata dar as piores informagdes de seu sobri- | nho, Nao gosto do tal st. Félix. | | AMBLIA — Por que? Féz-lhe algum mal? D. ANGELICA — Nenhum, mas nao simpatizo com @le, E um homem frivolo, adamado... uma espécie de figurino. Que diferenca do tio! AMELIA — © dr, Pacheco? D. ANGELICA — Aquilo, sim, 6 que exa um homem! | ‘Ainda ha dez anos,’ produziu sensacuo quando | yeapareceu no Rio de Janeiro, de yolta das suas Jongas e misterlosas viagens, Todas as mulhe- | es 0 desejavam! | AMELIA — Tédas? Entéo a senhora. ..? | D, ANGELICA — Nao ‘ha regra sem exceedio. Nunca ‘me apaixonei por nenhum homer. Bem sabes disso, AMELIA — Mas nao acha a senhora gue na minha situacao eu nao poderia encontrar conselheiro melhor que o dr. Pacheco? D, ANGELICA — Acho que poderias encontrar ou- tro menos snspeito. fle € tio do méco que te requesta, AMALIA — # uma razdo para conhect-lo melhor. D, ANGELICA — # uma razio para defendé-o. Confesso-te: seria imenso © meu desgésto se casares com o sr. Felix Pacheco. Enfim, és vi va, tens dinheiro, nfo tens filhos; faze 0 que deaprouver, (Batem palmss.) AMBLIA — B éle! Titia, va 14 dentro dar uma vista olhos a0 jantar'e mande-nos o vermute. ‘Quando estiver posta a mesa, venha busear- nos. D. ANGELICA — Pois sim, (Val indo e para). Vou ‘acender uma vela 30 meu santo Anténio pata que 0 dr, Pacheco te dé as plores informacoes Go sobrinho, (Sai pela esquerda.) CENA II AMELIA, depois 0 dr, PACHECO AMELIA — Pobre titla) Estima-me bastante; re- ela que eu faca um mau casamento. (Indo & porta do fundo.) Tenha a bondade de entrar. © DOUTOR (entrando) — Ah! Venho encontré ‘ainda bela ¢ Juyenil como ha dez anos! (Abra- eando-2). Peimita que Ihe dé um abrago, por- que, como muito hem disse na sua delicada carlinba, eu e seu pai fomos amigos ¢ compa- pheiros desde a mais tenza infincia, até que nos formamos ambos no mesmo dis. Depols de formades, cada um de nés tomou 0 seu rumo... @le casou-se © eu ful ser 0 segundo judeu or rante, mas sabe Deus com que pesar, uma tar- de, na ilha de Falster, na Dinamarca, recebi a | noticia de seu falecimento! Mas como esta lin- dat Wao creio que haja no Rio de Janeiro viu- vida quase mondstica. Um edliee de vermute, vinba mais graciosa! Ninguém Ihe dara a idade | OQ DOUTOR — Pols ngo, (Amélia serve-o) ‘Tem que fem... sim, porque, minha filha, comigo escusa de mentiral AMBLIA — Eu? © DOUTOR — Oh! nao hé mulher que néo minta em se tratando de idade. Para os outros, tenba, 24, 25, 26 anos. Bem sei que tem trinta, A so- nhora ainda nao engatinhaya quando pela pri- meira vez sai do Rio de Janeiro, Ha dez anos, quando voltei, mostram-ma no Jéquel Clube; estava em companhia de seu esp6%0; nao fui cumprimenta-la porque nao tinha 0 prazer de conhecélo. Seu pai j4 nao existia... Cheguei hi oto dias, e tinha 14 resolvido vir apresen- tarhe og meus respeitos, quando recebi o seu amivel convite para jantar. AMSLIA — Quelra sentar, (Sentam-se de cada lado de uma mesinha que deve estar no centro da, cena). Confesso-lhe que 0 meu convite levou. gua no bico, © DOUTOR — Deveras? AMELIA — Fu tinha muito interésse em falar-the. © DOUTOR — Estou inteiramente as suas ordens. (Entra um criado trazendo uma bandeja com uma garrafa de vermute e dois cilices. 0 eria- ira-se depois de colocar a bandejx sobre AMELIA — Desejo ouvi-lo sdbre um caso muito ‘ério, que me aieta particularmente, © DOUTOR — Fale como se falasse a seu pal AMELTA — Como sabe, enviuvel hd oito anos. ‘© DOVTOR — Eu li a noticia do falecimento de seu esp6so no Jomal do Comércio, uma noite, em Saigon, na Cochinehina, AMELIA — Apesar de ter ficado senhora de alguma fortuna e sem filhos, tenho até hoje uma feito mal. .. devia viajar. Na sua idade é 0 que se deve fazer... ndio ha prazer mais inteligen- te que 0 de ver terras desconhecidas © novos céus... surpreender 9 mundo em todos os seus variados ¢ extraordinarios aspectos, tomar um trem de ferro para ir ter com 0 sol. .. embarcar num paquete para fugir ao calor... Nao se fizeram para outra coisa os contos de réis! AMELIA — Eu era sozinha. © DOUTOR — Quem tem dinheiro nunca esté s6. Mio Sei se me come nas velas sangue boémio; sinto um prazer imenso em percorrer 0 mundo. Nao crelo que nenhum brasileiro viajasse tanto como eu, © nas minhas peregrinacoes nunca levei conmigo seno uma mala déste tamanho, onde tenho a habilidade de acomodar tudo quanto possuo, Modéstia & parte, nesse ponto ie parego com aquéle sabio da Grécia aue di- zia: Omnia mea mecum porto, # provavel que le o dissesse em grego, mas € em latim que tOda gente o repete, (Bebe). Excelente vermute! AMELIA — Nao prefere o francés? 0 DOUTOR — Nao, em matéria de vermute, prefiro a Itélia & Franca. Mas a senhora falava-eme de sua viuvez, da sua vida monistica, © cu interrompi-a e’fiquei com palavra até agora. Desculpe, sou muito falador, falo pelos cotove- os... € um mau habito que adquiri, apesar do meu isolamento, e de que até hoje nao con- segui corrigir-me, Fale. | AMELIA — Durante oito anos, dizia eu, fechel-me em casa com meu Iuto e as minhas saudades. ‘ultimamente, porém, resolvi frequientar a so- ciedade... mostrar-me um pouco aqui e ali. Para comegar. Assinel um, camarote no Teatro Lirico. Vou aos espetaculos acompanhada por uma tia, ima de meu pai, que o dr. deve conhecer. © DOUTOR (depois de um pequeno esforeo de me- moria) — AD. Angélica? AMELIA — Essq mesma, Mora comigo desile que enviuvel, Serve-me de mae, de irma e de amiga. ‘Agora o caso: um eamardte eontiguo o nosso 6 ocupado por uma familia muito distinta, a do vviseondo de Burrozelos, © DOUTOR — Conheco muito; o Hilarido... Bu digo o Hilario porque ja nao a fidalgos nesta terra, AMELIA — O camarote do ex-viseonde 6 freqtien- tado por um méco de maneiras muito distintas, ‘bem apessoado, elegante, empregado publico, mas empregado de certa categoria... numa soerotaria de Estado. Bese m0co comecou a olhar para mim com certa insisténcia ‘OQ DOUTOR — E a senhora? AMELIA — © doutor disse que Ihe falasse como a ‘um pal, Pols bem, eu tive a fragueza do tam- ‘bém olhar. © POUTOR — Nem de outro modo poderia ter per cebido a insisténcia déle, Era preciso que am- bos insistissem, AMELIA (baixa os olhes) — Insistimos ambos. E. quando le ia para o seu lugar na platéia, os hhos:0s bindeulos muitas yézes se encontraram. © DOUTOR — Oh, os binéculos! Os binéeulos! Nao ha nada mais perigoso! AMELIA — Numa das wltimas noltes, entre 0 pri- meiro € 0 segundo ato da Aida, a viscondessa de Barrozelos apresentou-mo, © DOUTOR — Querem ver que quando Radamés voltou da Wilépia, j4 o feliz dilelante era seu noivo? AMELIA — Nao senhor, Radamés morreu sem que ouvesse 0 menor compromisso de minha parte, A situacao depende inteiramente do doutor. © DOUTOR — De mim? AMELIA — © méco chama-se Felix Pacheco. © DOUTOR (erguendo-se) — Meu sobrinho?! AMELIA (erguendo-se) — A apresentacHo coincidiu com a sua chegada, Fra Deus que 0 enviava para aconselhat-me. A quem melhor poderia dirigir-me sendo aquele que 20 mesmo tempo € 6 tio do pretendente e foi o melhor amigo do pai da pretendida? © DOUTOR — Minha senhora, agradeco a provi. déncia ter-me feito chegar a tempo de evitar uma catastrofel AMELIA — Catéstrofe?! © DOUTOR — Nao estranhe esta linguagem. Nao devo ter putra, Meu sobrinho 6, efetivamente, um bonito rapaz... veste-se hem... sabe cal” car uma luva... mas 6 um idiotal AMELIA — On! © DOUTOR — Um idiota, repito! Um sujeito que nunea soube ser coisa nenhuma na vida. que ha muito tempo nao seria oficial de secre- farla, se nao houvesse na sua reparti¢ao outros empregados que dao conta de todo 0 servico! Eu sou seu tio, sou seu amigo, tenho obriga- Go de 0 ser; estas informacoes nao as daria eu se se tratasse de outra coisa, de promové- Jo, por exemplo, Mas de casislo? Pelo amor de Deus} Demais, éle apenas conta 24 anos, tem menos de idade e muito menos de espirito que a senhora, sce easamento seria de uma desigualdade comovedora, e poderia causar nao s6 a sua desgraca como a ddle! Se a nhora sente pelo Félix alguma coisa mais forte gue uma singela impressio... plastica, perdoe a brutalidade das minhas expressoes. Eu teria muita satisiacdo em ser seu tio, mas de modo algum desejaria vé-la casada com meu sobrinko, Om homem quo s6 16 jornais! ‘Um homem que nfo conversa, que nao fala! ‘Nao fala, ndo senhora! = capaz de estar duas hhores sentado naquela cadeira, defronte da- quela garrafa sem dizer palavra, Nao parece meu parente. E a sonhora, que 6 to viva, tao inteligente, to instruida, {do espirltuosa, a senhora, que ndo tem vivido mas tem a intul Go da vida, ha de ser mulher de um silencio 0? Que horror! AMELIA — 0 doutor 6 de uma ferocidade per suasiva! © DOUTOR — Vamos... abra-me o seu cora ao... Gosta dele? Ama-o? AMBLIA — No, nJo posso dizer que 0 ame, © DOUTOR — Pois se nfo o ama, mande-o passear! Ble que se case com a filha de um comendador qualquer... procure alguma mocinha de de- zoito primaveras, uma donzola que toque pia | no, cante melodias de Tosti, e borde com | petfelego um par de chinelos ou um gorro do ¥elude azul com borla dourada, J& conversou. com Felix? AMELIA — Muito pouco. | © DOUTOR — isso sei cu, é dificil arrancar-lhe uma palavra. E quando abre a boca é para dizer disparates! ‘Tem muito bonita estampa, isso fem. Mas ngo tem mais nada. Repito: ¢ | ‘um idiota! | AMELIA — Entretanto, 6 um mégo digno? © DOUTOR — sim, no envergonha a familia, € ineapaz de cometer uma infamia, nao tom | vieios, é econémico, nao deltou fora ainda a | heranea paterna; comporta-se_perfeitamente, © seu grande defeito & ser vaidoso como to- dos os homens ignorantes auc tém quatro | vyinténs adquitidos sem trabalho, ¢ ser ridicu- | Jo como todos os narcisos que se enamoram dos proprios encantos. As trés horas da tarde exibe-se infalivelmente na rua do Ouvidor, a porta do alfaiate ciimplice da natureza que © fez t0lo, © parece dizer aos transeuntes: Olhem para mim! Vejam como eu sou formoso! AMELIA — Agradeco a sua franqueza, Deseces- satlo € dizer-the que aceito 0 seu conselho. © doutor nao sera. meu tio. © DOUTOR — Ainda bem. Mas veja ld! Se o ama, se sente uma fétca indOmita como o Guarani, esqueca-se de tudo quanto eu disse, faca-se minha sobrinha, porque nfo ha para o amor de uma vidva honesta outro remédio genio 0 ‘casamento. (Vai sentar-se ¢ esvaziar 0 seu ciilice). AMELIA — (sentando-se) — Por que nunca se casou? 9 DOUTOR — Fu? | aMentA — sien © DOUTOR — Vem tao de sopetiio essa pergunta! AMELIA — Responda, ‘0 DOUTOR — Nao easel, porque o homem s6 deve ligar o seu destino ao da mulher a quem ame verdadeiramente, AMELIA — Quer dizer que nunes amou? © DOUTOR — Amoi, sim, amet com téda a energia da minh’alma; amei com téda a férea do meu coracdo, e era também amado, Eu tinha a idade das ilusdes; a idade em que o homem se deixa ir numa niivem de quimera em quimera., Ela, a minha doce amada, contava apenas quinze anos; jf nfo era uma menina, e nfo era ainda uma mulher. Quando eu, louco de alegria, entusiasmado pelo meu amor e pela minha aventura, ia realizar 9 meu sonho, quan- do faltavam apenas alguns dias para a ccle- bracao do nosso consorcio, e eu dizia o nome ela aos outros, As fléres, aos passarinhos, a tédas essas bonitas coisas da natureza, AMELIA — Como se chamava? ‘© DOUTOR — amétia, AMELIA — Amélia... Tinha 0 meu nome. . © DOUTOR — # yerdade, tinha 0 seu nome... 0 ‘mais belo de todos os nomes... Amélia... um nome tao doce que traz mel dentro de si. Pols bem, quando faltavam apenas alguns dias para as hossas almas se unirem para sempre, fa morte, inesperada, traigoelra, terrivel, incxo- tével, atrancou dos meus bragos a meiga cria tura que jamais seria substituida por outra! ‘Deus notara que 14 em cima faltaya-the aquéle anjo. (Comovidissimo). Softi tamanho abalo que ainda hoje a minha vida se me afigura Um milagre, Fol nessa ocasiZo que conheci quanto seu pai me estimava. Quando me res- tabeleei, dix-seia que se fizera c4 dentro um ‘vacuo, 6 meu coracdo tornara-se uma campa- nula pneumética e, como era rico © indepen- dente, nio quis neste mundo outra coisa além. de se? um contemplativo ocioso. Resolvi viajar, viajar muito, viajar sempre, e envolver a mi nha existénela nomade num renovamento continuo de idélas e de impresses. Ja 14 se ‘yao trinta anos, estou eansado e — quem sabe? attependido talvez de nao haver Iutado com 05 meus sentimentos. Quem sou, afinal? Um. yelho bacharel init, um solteirdo lastimé- vel,.. sem uma glma que o compresnda Sem familia, sem amigos, sem ninguém. .. Sem ‘mais nada além da sua mala filosofice. AMELIA — Mas nio dizia ainda agora que 0 aimheiro. © DOUTOR — Oh!, o dinhelro! © dinheiro! Nao telat Eu mentia! Mentia porque posso dizer, como poeta, que a minha ventura consiste uni eamente em parecer venturoso... 0 meu co- radio encheu-se outra vez, € verdade, mas de azedume e tristeza. Os terriveis efeitos do meu isolamento comecam 8 aniquilar-me, a destruir 0 que ainda me resta de sensibilidade e bran- dura. E hii de isto durar até o dia em que um criado feche piedosamente os meus olhos. quando eu aparecer morto nalgum quarto de hotel, (Chora e ergue-se envergonhada, pro- eurando eseonder as lagrimas). Entao? Que ¢ isto? Estou a chorarl Naturaimente Amélia | anata — 2 de junto. val achar-me ainda mais ridiculo que meu sobrinhol AMELIA (erguendo-se) — Pelo contrario, creia que estou bastante comovida, Pudesse eu fazé-lo feliz! © DOUTOR — Ab! seria preciso risear da minha existéncla aquela data fatal, 2 de junho de 1864... 0 dia em que ela morreu. 64... Que coincidéncia! Ela morreu no mesmo dia em que eu nascl! © DOUTOR — Deveras? Oh, Amélia, quem sabe se Deus quis... Que idéia! Eu tenho 52 anos. AMELIA — Nao parece. © DOUTOR — Acha? AMELIA — Os contemplativos envelhecern com muita dificuldade, Se ou nao recelasse receber um ngo, © DOUTOR — Que fazia? AMELIA — Pedia-o em casamento. . © DOUTOR — A quem? A mim? Para quem? AMELIA — Para quem hi de ser? Considero-me digna do senhor. Creio que nos haviamos de entender perfeitamente, e pode ser até que eu. © levasse a uma regitlo aonde o doutor nunca foi, apesar de se ter na conta do brasileiro mais Vigjado, (© DOUTOR — # essa regido 6? AMBLIA — A Felicidade, Restituothe a sua Amélia com trinia anos de distancia. Accita a rest ‘tuigao? © DOUTOR (depois de uma pausa) — O Felix 6 muito ndvo. Eu nfo serel muito velo? AMELIA — J leu o Doutor Pascal? © DOUTOR — Jé, Lio em Driburg, na Wetfalia. AMELTA — Pois bem, faga um exame de consiéneia, © DOUTOR (estendendo-the a mio) — A minha conciéncia diz-me que aceita, AMELIA — Palavra de honra? | © DOUTOR — Palais de honral (Apérto de mio) | ! CENA rr AMELIA, O DOUTOR e D. ANGELICA D. ANGELICA (entrando da esquerda) — A sopa esta na mesa. (Cumprimenta 9 Doutor) AMELIA (apresentando) — O dr. Pacheco... Mi- | nba ta. ; 7 © DOUTOR — Somos velhos conhecidos (Aperta- Ihe a mio). | AMELIA — Sabe, titia? Caso-me. .. | D. ANGELICA — ku logo vi que o sr. Felix teria adyogado elogitente para. © DOUTOR (interrompendo-a) — O sr. Felix & muito novo para casar-se com d, Amélia. .. Ble que se contente em ser seu sobrinho. D. ANGELICA — Nao percebo. .. AMELIA — Titia, aqui tem meu noivo, | D. ANGELICA — Hein? Dar-se-4 caso que 0 meu ‘Santo Anténio. . © DOUTOR — # verdade, minha senhora! Um ca- samento arranjado entre o vermute e a sopal | CAI 0 PANO (*) C.'T, n2 25 publicou UMA CONSULTA de Artur Azevedo Dos Jornais AVIGNON FOI A CAPITAL DO TEATRO INFANTIL No quadro do XXIII Festival d’Avignon, uma, das esperiéncias que suscitaram mals Interésse fo- ram, animadas pela CEMEA (Centres @’Entraine- ment aux Méthodes @Education Active), sob a responsabilidade de Miguel Demuynck, os ‘espeta- culos criatios para criancas e os debates que a éles se seguiram, De 26 de julho a 3 de agosto, trés companhias — 0 ThéAtre de la Clairiére, 0 Théi- tre des Jeunes Années ¢ 0 Théatre duu Soleil — re presentaram, respectivamente; Le Pécheur d'ima- ‘Res, Le Pays du Soleil Debout e Liarbre Sorcier, Jerome et La Tortue pare um piiblico entusiasta, cuja idade variava de sete a doze anos, um pt. lio t@0 entusiasmado quanto dificil’ de con- tentar, Em vista do sucesso alcancado pelo Teatro para Jovens, os organizadores do Festival pensam dar-Ike um lugar muito mais importante no pré- ximo ano, inielativa esta que deve ser apoiada, pois contribuira muito para ampliar o campo de pesquisa teatral, fazendo-a comecar a partir pelos pequenos, (Les Lettres Francatses, 27-8-69) © que é smuil é © mar. © que é alaranjado 6 a areia. Fis as paalvras do ator, antes de comecar a improvisagio, Cenfirios reduzidos: um pano de fundo azul, um praticdyel inelinado, alguns clementos méveis, ora promontério, ora duna, uma réde de pescar Indumentaria: malhas preias ou de eér escura, salvo para o pescador. Pouco texto: 0 que conta 6 0 gesto, O pescador conserta 0 fio, recorda len- das, lembra-se de algumas estorias, inventa. Invencio, criaeao e pesauisa: La Clairiére, um. grupo de pesquisa, Os atores criam. Nao esto ppresos a um texto pesado, Todos em cena. © pes cador prepara o canico, Musica, Canto, Silencio. Ruido do mar, o pescador, s6, joga o anzol: Pre- sa pesada, Chama os amigos para ajudar: pesca- ram um ¢ofre, Maravilha! O cofre esta cheio de sabres, faces, moedas de ouro. O diirio de bordo 16 de malo de 1632, nalgum ponto do oceano. © praticavel torna-se uma caravela, que voga © & atacada por corsdrios, Luta corpo-a-corpo. Vem. a tempestade e precipita todos no mar. Luz, Corte de ritmo, ‘Segunda improvisacdo (lenda japonésa): uma. tartaruga, perseguida por desocupados, € liberta- da por um pescador. Em agradecimento, cla o leva, para conhecer a Rainha dos Mares. O caminho & longo, © praticavel se torna o fundo do mar. A Ralnha 04 ao pescador um cofre, dizendo: “Nao 0 abra nunca!” O pescador petcorre 0 dificil ca- minho de volta. De volta & casa, tudo the parece estranho, Passaram-se setecentos anos. No meio da muiti@ao, na rua, um guarda de transito ditl- ge o trafego, enquanto os pedestres andam, pa- ram, esperam, toram a andar, como bonecos aos quais se deu'corda. Sozinho, perdido, 0 pessador abre a caixa, O tempo, que estava na caixa, o reduz @ pd. Luz. ‘Terceira improvisagdo: — O pescador segura uma vara de pescar, A mulher conserta a rede. ratledvel — banco de areia. O pescador espera, doits, dorme, Os sinos presos go canico. tilintam, “Nao vais ver a linha, preguieoso?” “Nao — sim = ndo — sim, Vou ver” — dig cla, ¢ puxa uma | bota. O pescador ri, feliz, O sino tovara uma, dus, trés... ete, Bles pescardo um guidon de velocipe- de, lima afmacao de guarda-ehuva, um eapuz..._ ete., dando lugar a diversas improvisacdes, Lua ‘Em seguida, é dada a palavra aos espectado- ros a fim de que sugiram os temas, enquanto os atdres aguardam, sentados, “O pescador pescarla um tubaréo e Iutaria com éle” — diz um. “Pescara uma serela que prometeria maravi: Thosos presentes se 0 pescador a soltasse”. “Um yelho pescador e sua mulher brigam e afinal éle pesca um peixe”. s atores escolem dentro dos temas propos- tos pelas criancas, Formam-se 03 grupos. Os te mas escolhidos sao comunicados ao piblico, Seguem-se cenas burlescas entre dois atéres que querem o mesmo papel e o diretor que pro- cura ocultar o impasse a0 pibiico, A graga do jogo conquista os jovens espectadores, Fim, Os atores so cercados pelas criangas e discutem. # esta uma arte despojada, que a Clairiére | oferece a0 pitblico. Seu espetéculo repousa tnica- mente na forca de expressio dos atares, Nio hi truques, enfeites nem “maquinétia, | © texto, que se reduz a algumas palavras ou fra~ ses de grande simplicidade, serve ao gesto, A con- | cordancia entre os temas © o gosto da platéia ¢ | notéyel, Na primeira parte, gosto de aventura, combate, tropelias; na segunda parte, ha uma certa poesia. A ilusdo do fundo do mar’é perfeita © © publico reconhece facilmente as algas, hipo- ‘campo, 0 earanguejo, que faz muito sucesso. Na | ‘tereeira parte, os dois atores representam como as criancas, bastando um simples elemento para despertarlnes a imaginacdo, Tudo 6 feito com sobriedade, Os atéres repre- sentam sem auxilio de mascaras on de roupas especials. Nao ha vedettes, o mesmo ator pode ser | um caranguejo ou um velho japon@s, e 0 papel do peseador também muda de titular. ‘A Improvisaelio sObre temas dados pelo pi. blico é uma parte dificil, qualquer que seja a ex periéncla do ator. Diversas dificuldades, além das téonicas, se apresentam, A mals importante, pare- ce ser de ordem psicol6gica, Nao se pode de modo algum decepsionar a crianca que se esforcou para exprimir uma possibilidade de jOgo, Outra é 2 de traduzir fielmente o tema proposto. O grupo, con- ‘tudo, consegue fazé-lo bem, A preocupaedo de esclarecer a platéia & cons- tante. A acdo teatral nao é um mistério, 0 ator no é uma estréla — parece ser éste o sentido da parédia final, em que se apresenta o teatro pelo Avésso: no pode comecar o espetdeulo pois falta um acess6rio, um ator é empurrado em cena A forea porque tem o trac, dois atéres brigam por causa de papel. ste espetdculo, além da qualidade do traba- Tho apresentado, possibilita acs jovens espectado- res formas de participacdo diferente. E pelo papel tivo que exige do pilblico, pelos elementos de re- Mlexéio que propde, esté perfeitamente de acdtdo com as perspectivas de um teatro para infancia e juventude e € um poderoso recurso educativo, (Le Combat, 15-11-69) Bread & Puppet ‘UM TEATRO EM QUE A RUDEZA F A FORGA Armando Strozenberg Paris esti recebendo pela terceira vez. em ape- nas 16 meses a troupe do Bread and Puppet Thea- | fer, de Nova Torque, muito embora sua caracte- | Histica de teatro jovem em busca de funedo ¢ lin- guagem intelramente novas ¢ eujo trabalho multo | perde quando nao inserido no contexto norte americano da atual década. | Origindrio, como o Living Theater de Julien Beck, de uma mesma recusa global da América ontemporinea, 0 Bread ant Poppet doer zompes | com, todos os hibitos da soviedade ocidental: vi- yendo em thibo desinteressada, tenta escapar dos Cireuitos “comerciais, dos valores existentes, do ppublico antigo e, sobretudo, das herancas cultu- Tals ‘Através de manifestac6es coletivas, de_prefe- réncia gratultas e forastelias, tanto o Bread como | © Living procuram xestabelecer entre a arte © a rua um Contato Imediato, atual, engajado, em que as palavras sojam minimas ¢ Os gestos simpli- Heados ao extremo, Mas é na escola déstes ges- | tos que Peter Schumann (diretor do BP) e Julien | Beck divergem: par éste, impuseram-se sucessi- vamente “0 exereicio espiritual de devocdo” ao zesto e, depots, o convite & liheraco pelo happen- | ing. Para 0 marionelista Peter Schumann, no en- tanto, a comunleaedo elementar deve ser encon- | trada por um cédigo voluntariamente rude de | masearas e de bonecos gigantes atualizando fun- | do mitolégico comum., | Longe das esguinas de Manhattan, das para- | | | das, dos desfiles ou das manifestacoes antiguerra, onde geralmente a troupe se apresonta improvisa Gamente, o Bread and Puppet surge aqui em ple- ho saldo de festas especialmente adaptado e dian- Pio & Boneco te de um piiblico (numeroso) motivado prévia- mente pela conotagio de ‘“engajamento interna- cionai” promovida pelo sistema promocional de seus empresirios (no caso, uma importante loja de equipamento fotogratico). ‘A peca escolhida ¢ The Cry of the People for | Meat, A base de duas ldmpadas elétricas, de pa- peljornal, de fragmentos de plasticos transpa- rente ¢ de dezenas de bonecos gigantes sob ex- pressées tragicamente vazias, 0 grupo mima as grandes cenas da Biblia, da Criacao ao Dittivio, da Natalidade & Crucificacdo. A guerra do Vietna & ‘evocada e denunciada incidentalmente sob a for- ma de um bombardeio de Belém — os dols Testa- ‘mentos se fundiriam ai historia atualmente em fase de feitura, ‘Mas ¢ mais geralmente « violéncia de téda ‘a histérla humana que o espetdculo se propée a mostrar, sua animalidade, seu canibalismo, etc. ‘Ocorre que a ligacio com a atualidade aparece de forma quase sempre dubla, como o é também o recurso & Biblia, Schumann tentow explicar: ‘a utiligaedo dos mitos da religiéo ¢ conseqiiéncia do seu desejo de reforcar um discurso que-o pi blico, na medida de sua cultura religiosa, enten- era melhor. Uma tal proposiemo, em térmos de pitblico norte-amerieano, nao pode signiticar igualmente ‘a reivindicagio de um cristianismo puro e priml- tivo? Uma tal diivida, como varias outras menos importantes, ¢ elemento pouco recomendavel para uma manifestaeso que se quer compreendida ins- tintivamente, Resta, em térmos do espetéeulo propriamente dito, 0 intervalo durante o qual 0 grupo intelzo executa, através de instrumentos do fodo o tipo, uma miisica estranha e extremamente comunicativa que, minutos depois, prepara a platéia para uma apresentagao singela — ¢ muito efieaz — de sketchs atuais em que os personagens ramificantes de Tio Sam acabam levando o pit bilco 2 uma comunhgo-monstro, A riqueza da representacko do BP se deve & aparente pobreza de sua linguagem: trata-se de um amadorismo (néo ha atdres, como se os co- nhece tradicionalmente) que se exprime na forma desenvolta que tem o grupo de se instalar no pal- co, de se apossar de suas mascaras, de seus aces sétios, de preparar a vista do todos os efeitos tea trais que éles produzirao segundos depois; 6 inegi- vel que num pafs de poder teenologico tenha @ maior importancia uma reaproximagio, tio direta ‘com. as fontes de todo o teatro sem que, no caso do BP, a simplicidade seja sinénimo de mediocri Gade. “Teatro? Antiteatro? Kspetéculo engaja Missdo, diz Schumann, A medida em que seu gru- pO nao se interessa pelo teatro propriamente dito, mas sim pelo papel que éle pode fer (Do Jornal do Brasil) Verbas Osear Araripe © Apéndice déste comentario noticia as ver- bas para o ano de 70, fixadas pela CET-SP. As quantias — que fardo com que Sdo Paulo se trans- forme, de vez, na capital sul-americana do teatro — j@ foram lberadas pelo govérno paullsta — enquanto isso, a nossa CET continua na proveta, A espera de que o governador Negrio de Lima bere @ yerba. Na incubadeira, na fase do sai-ndo- sai, fagam as apostas senhorest Hoje, rebatendo o teclado CET-CET-CETGB- GB-GB, exporemos um pouco da situagio em que se encontram os nossos teatros ¢, desde a, nos ayenturamos a uma chata, mas verdadeira afit- macéo: no ha teatros no Rio — ou, pelo menos, | 9s que existem em condig6es de funclonamento sa0 tao poucos que nao atendem as necessidades dos que fazem teatro e da populagdo em geral. E comum um diretor esperar meses e meses por uma vaga e/ou ter dificuldades em encontrar um lugar para ensaiar suas pecas. | A grande maioria das casas de espeticulos | cobra de 25 a 30% da renda bruta como aluguel — que é uma percentagem altissima, tendo em vista 0 custo das produgéo e os 10% pagos de | direito autoral, Na ZN ha dois teatros — ambos | as voltas com problemas financefros. Na 28 exis- | tem cinco teattos fechados: o Fénix (0 propriets- | tio, st. Linneo de Paula Machado, quer a bagatela de cineo milhdes novos para a venda; nfio aluga nem artenda — também, por lei, néio pode trans formé-lo em einema nem yendélo a estagdo de tevé); 0 da Escola Brasileiro de Almeida e 0 da { Pequena Cruzada, ambos na Lagoa, curtem mé- guas & choros pelas respectivas Indeclsdes de seus proprietarios; 0 Teatro Jovem acabou, com a cons- truco de um viaduto que passa quase que por cima de seu telhado e 0 Teatro Carioca ndo possue condigées de funcionamnto. Havia um outro tea treco na rua do Catete, que também sumiu — estranhamente, pois que existe uma let que diz que uma vez construido um teatro, ndo se pode mals feché-o. ‘© Santa Rosa, 0 Copacabana eo Princesa Isabel estdo na area do produtor Oscar Ornstein fe, 20 que tudo indica eas agendas apontam, tiansformar-se-do em teatros de boulevards-doc de-coco, sem canela, ‘No centro, apenas 0 Maison de France € fre- qlentado, Excetuando 0 Ginastico — que virou teatro de shows — todos os demais esto entre- ‘gues aos percevejos, méscas e outros bichos, mal localizados e/ou Sern programacdo satisfatéria. Na ‘Tijuea, acaba de techar o tinico teatro da regio, também em desrespeito & lei. O Teatro Glaucio Gil e 0 Joio Caetano, ambos do Estado, por ineri- vel que parega, cobram percentagens adiante- mentos as companhias; isto 6, além de nada dar, © Estado ainda toma dos artistas 10% da renda bbruta, © mesmo acontece com o Teatro Nacional de Comédia, do Servico Nacional de Teatro (sic) ‘Assim, além dos arrazoados constantes do projeto do CET-GB e dos problemas levantados por esta e outras colunas de teatro, uma das van- tagens da liberagio da verba seria o incentive & construcao de easas do espetéculos. Hamburgo, na ‘Alemanha — pais arrasado por bombas — cons- truiu, em meno sde cingtienfa anos, nada menos de tresentos teatros, a grande matoria déles — mals de duzentos — inteiramente. subvencionados pelo govérno e/ou comunidades. Hamburgo € ape- nas, en passant, um exemplo a encobrir vergo- has, APENDICE: 1 bitho ¢ 745 novos para o teatro fol quanto © govémo paulista, através da Comissao Estadual de Peatros, destino para o ano de 70 a arte Leatral (Do Correlo da Manhi, marco/70) MOVIMENTO TEATRAL Jacqueline Laurence © més de julho de 1969 trouxe ao Rio de Ja- neiro duas producdes paulistas: © CLUBE DA FOSSA, de Abilio Pereira de Almeida, e A MORE- NINHA, adaptacio de Miroel Silveira e Claudio Petraglia do famoso romance de Joaquim Manuel de Macedo. Nenhuma das duas foi bem recebida | pela critica, mas a primeira conseguiu realizar uma longa e bem sucedida temporada no Teatro Mesbla. ‘Também er julho Paulo Autran trouxe ao Rio | mais uma de suas producées itinerantes: MORTE | E VIDA SEVERINA, de Joao Cabral de Mello Net- | to, com nova direcio de Sidnei Siqueira. O espe- ‘aculo apresentou-se com muito sucesso no Teatro Gindstico, numa temporada de sels semanas. FRANK SINATRA 4815, comédia de Jodo Bi- thencourt, também diretor do espetaculo, consti- tulu-se num dos sucessos da temporada de 1969. | Producao de Orear Omstein para 0 Teatro Copa- cabana, a peca ficou em cartaz durante oito me- Ses para depois viajar pelo interior do Pais, Muito em recebido pela critica, o espetaculo contava com a presenga de Morineau, Paulo Gracindo, Deise Laicidi, Neusa Amaral, Luis Delfino, Tania Scher, Oswaldo Lousada e outros. Cendrio ¢ figu- | rinos de Bela Paes Leme. { ‘Martim Gongalves foi o diretor de mais um espetaculo de qualidade apresentado pelo Teatro Ipanema: A NOITE DOS ASSASSINOS, do cuba- no José Triana, A critica tributou 0s maiores elo- gios ao desempenho de Norma Bengell que tinha como companheiro de elenco Rubens Correia € Lella Ribeiro, Excelente cendrio de Hélio Bich- bauer, Apesar de sua excelente ficha técnica que in- cluia ditegdo, cenéio e figurinos de Glanni Ratto, miisiea de Cecilia Conde © bonecos de Tlo Pedro, UBU-REI, de Alfred Jarry, niio obteve sucesso em Sua temporada reallzada’ no Teatro Maison de France. Também de Gianni Ratio fol a ditecdo de INCIDENTE EM VICHY, de Arthur Miller, pro- ducio de Orlando Miranda ‘para 0 Teatro Princesa Isabel. Grande elenco liderado por Osvaldo Lou- reito, ‘em desempeno muito elogiado, Jardet Iho, ibio Sabag, Jorge Cherques, Paulo Aratjo, Adriano Reys, Paulo Serrado ¢ Paulo Nolasco. LA, de Sérgio Jockyman, com Paulo Goulart no papel tinieo, fol a peca apresentada no Teatro Ipanema apds’a temporada de A NOITE DOS ASSASSINOS. Ao mesmo tempo, o8 produiores Ru- bens Correia © Ivan de Albuquerque apresentaram as segundas ¢ as tércas-feiras: COMO SE LIVRAR DA COISA (Amédée, ou Comment s'en débarasser) de Tonesco, com grande sucesso numa temporada de varios meses. ‘Boa direedo de Rubens Correia excelente atuacdes do mesmo e de Vera Gertel, timo cenirio de Marie-Louise Nery. © produtor Renato Aurélio Pedrosa convideu ‘Amir Haddad para ditigir CHA E SIMPATIA, de Robert Anderson, O resultado foi um espeticulo que aleancou grande sucesso e constituiu. grande motivo de polémicas, pois o jovem diretor aplieou nessa producdo algumas de suas idéias de teatro de inveneao, No clenco: Tereza Rachel, Paulo Pa- ditha, Mitio Jorge (no papel de Tom Lee), Ru- bens "Ataiijo, Tumara Rodrigues, Rogério Fréis, Cldudio Vianna, Francisco Hosanan e Albert Loh: ret, Teatro Maison de France, EXERCICIO, de John Carlino, com diego de B. de Paiva, fol um dos sucessos de critica da tem- porada e fé boa carreira no Teatro Dulcina. Os diols papéis eram desempenhados por Glace Ro- cha ¢ Rubens de Falco. Publicac6es e textos a disposicao dos lettores na seeretaria dO TABLADO Livros de autoria de Maria Clara Machado: NOs. Como Fazer Teatrinno de Bonecos 10,00 Teatro Infantil (Pluft, 0 Fantasminha; A Bruxinha que Era Boa; © Rapto das Cebolinhas; Chapeuzinho Vermetho © 0 Boi ¢ 0 Burroy 6,00 ‘Teatro Infantil (11), com os seguintes tex- tos: A Menina eo Vento, A Gata Bor ‘athena, Maroquinhas Frufru © Maria Minkoca 3 6,00 CADERNOS DE TEATRO, n.° avulso ..... 2,00 CADERNOS DE TEATRO, n° 43 +. 5,00 CADERNOS DE TEATRO, assinatura anual miimeros) 2s 8,00 QUALQUER DPSSAS PUBLICACUES PODERS SER. PEDIDA A: © TABLADO — Ay. Linen de Paula Machado, 795 = ZC 20 — Rio de Janeiro — GB. © pazamento poderé sor feito mediante cheque visade, | em nome dp Tesomrelte EDDY. REZENDE NUNES. pagevel fo Rio de Janeiro, ou por Servigo de Reembolea ‘Post Os CADERNOS DE TEATRO encontram-se também 3 vena nos segulntes enderecos LIVRARIA AGIR — Rua México, 98-B — GB. LIVRARIA LER — Rua México, 31-4 — GE. LIVRARIA SANTA ROSA — Tentro Santa Rosa — Rua Visconde de Piraja, 22 — GB. [Bm Sio Paulo os CADERNOS padem ser encontrados na; LIVRARIA TEUXEIRA — Rua Marconi, 40. sey DISCO contendo a miisica do “Cavalinho Azul” (LC. Machado), de Reginald Carvalho), é vendido na Sceretarla @’O TABLADO, a0 reco de NCr$ 2,00. Textos publicados pelos | CADERNOS DE TEATRO Auto de Natal (Evangelho de 8. Lucas), de Cctiivio Lins 14 ‘Todo Mundo c Ninguem, de Gil Vieente 14 SL Vamos Festejar o Natal (Masearas), Hilton Atatijo uw Os Viajantes (Auto de Natal p/eriangas), de MC. Machado ..... sr Innde Chiquinho e o Lébo (p/eriancas), de M,C. Machado . » Os Mistérios da Virgem (Natal), de Gil Vi cente, contendo Mofina Mendes 20 Q Pastalio ¢ a Torta (Farsa Medieval) « 23 Os Cegos, de M. Ghelderode 24 Duas Farsas Tabarinicas ... 25 Uma Consulta, Artur Azevedo 25 © Jogo de S. Nicolau, Chaneerel |. 7 26 O Moco Bom © Obediente, Barr & Stevens 28 © Urso, de A. Checov ... aed © Vaso Suspirado, de F. Pereira da Silva ,| 30 Farsa do Maneeho que Cason com Mulher Geniosa, Casona . 31 © Boi eo Burro no Caminho de Belém, de ‘M,C. Machado .. ‘ 32 | © Carteire do Rei, dé R, Tagore . 33 Antigona, de Sofocles (Adapt. Chancerel) |. 35 As Interferéncias, de M. C. Machado 36 Piguenique no Front, Arrabal 36 © Jogo de Addo (Medieval) ..... a7 Farsa do Advogado Pathelin (Medieval) |. 37 ‘A Cova, de Salamanca, Cervantes ... 38 © Pedido de Casamenta, Checov 38 Antes da Missa, Machado de Assis 30 © Caso do Vestido, C, Drummond de Andrade 39 A Historia do Zoolégico, Albee « _ 40 ‘Viagem Feliz. .., de Thornton Wilder 40 Aquele que Dis Sim, aquele que Diz Nao, de B, Brecht... 4 © Espirito da Neve (hd Japonés) es... 4B Sutttidagawa (nd), Juro Motamasa a A Dama Masewrada (Farsa japonést), Suni nurl Onnna_ 42 © Névo Otelo, de J. M. Macedo 43 © Gnieo Citime de Emer, Yeats 43

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