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Representacées do discurso teuto-catdlico e a construcao de identidades Haike Roselane Kleber da Silva e Isabel Cristina Arendt Edigdes EST 2000 i \ | | | | | | | | | Ae comegar esta pesquisa, propunha-me a explorar um tema que agrupasse trés dimensdes do quadro historiografico que ainda nao haviam sido devidamente rela ionadas. Em primeiro lugar, pretendia conhecer historicamen- te o grupo teuto-brasileiro — considerando-o constituide de ‘uma identidade propria —, mas pensava em investigé-lo na tesfera de seu imaginério, por compreender, fundamentada cm Baczko, que o imagindrio de um grupo “designa sua identi- dade” ! Para esta empreitada, procuraria analisar um tipo de texto? que ja vinha sendo fonte de pesquisas por todo 0 pais, ‘mas que ainda no havia sido foco de atengao dos trabalhos ‘Concementes aquele grupo: refiro-me aqui ao discurso humo- ristico, ‘Defini-me pelo estudo do imaginério tento-brasileiro no discurso humoristico produzido ¢ veieulado entre aquele gru- poem lingua alema, mais precisamente, o humor encontrado jo almanaque Der Familienfreund - Katholischer Hauskalen- lier und Wegweiser fiir das Jahr... ( Amigo da Familia - ‘Almanaque Catélico e Guia para o Ano de...). A primeira proposta era buscar no humor deste almanaque as representa- foes que os teuto-brasileros tinham de sua identidade que, Por Sua vez, diferenciariam-se das imagens que faziam do brasi Ieito e do alemio?. De antemdo, relacionei o conceito de iden- tidade com o de etnia — 0 que abibliografia sobre este grupo ja vinha fazendo —, sem nem ao menos pereeber a possibili- 1 BACZKO, Brooisia. maginagio socal. In: Enciclopédia Einaudi. Lisboe: nv Presa Naional-Casada Moeda, 1985, ,39.(¥ 5 AnBopos Hemem 7.296 330) 12 "Otminiio social tora singe ecomnicvel raves daprodugto de ‘is aarnrrpsctals eps quai se efeivaarcuido drepesentagoes clei um fingaager:" dev, 311 “sa oblema fe formulae com base na asa de Back pr gba at caret imgindrosscias, as oletividades, entre ovtras cosas, labora imagens Jee dor outros, “dos inimigos e dos amigos, vase aiados.” BACZKCO, 7, ‘it, 1985e, p. 308 dade de outro tipo de identidade para 0 grupo teuto-brasileiro. Por essa razio, busquei uma delimitagao temporal que abarcasse um periodo de intenso apego aos valores étnicos — como o periodo “Entre-Guerras” (1918-1939) —, promovido pela retaliagdo aos descendentes de alemies, no pés- Primeira Guerra, ocasionando um auto-enclausuramento étnico (jdem andamento) por parte dos teuto-brasileiros, ¢ pelo reavivamento do nacionalismo alemo na década de 30, que se refletiu no Brasil na forma de reafirmago da identidade dos descendentes daquele povo. O material disponivel acabou por delimitar, como marco temporal para pesquisa, um perfodo de 20 anos (1921-1940), uma vez que os niimeros dos almanaques, mais propriamente do Familienfreund, referentes aos anos de 1918, 1919 e 1920 nao estavam acessiveis Encontrava-me entio no centro da discussdo sobre etna, etnicidade, identidade étnica, tio valorizada pela historiografia como elemento demarcador dos limites grupais no caso dos teuto-brasileiros. Ao procu- rar estudos sobre a identidade teuto-brasileira, a bibliografia encontrada niio divergiu essencialmente na resposta a questio relativa aos critérios de identidade deste grupo, caracterizando-a como uma unidade étnica, lingiistica e cultural, adicionada do elemento ideol6gico nacional alemao.! Em meio a este debate, a impressio resultante era a de que a etnicidade vertia pelos poros de cada teuto-brasileiro, fosse colono, clé- Figo, intelectual, operario ou comerciante da cidade. ‘Ao buscar uma alternativa para a questio, deparei-me com as abor- dagens de Manoela Carneiro da Cunha e Syivia Caiuby Novaes®, que criti 4 Sobre este aseunto ver SEYFERTH, Gilda. Nucionalsmeeidentdade énica, Moran6polis; dag Catainense de Catua, 198 -MAGALHAES, Mariorilde Dias Brepho de. Oimigrames aleates questo da cidadania. Tex: ‘ose Hinria; Revista do Pés Gradusgio om Hisériada UnD, Bras, Universidade de Basia, ve ly, 2,p, 50-72, 1998 RAMBO, Arthur Blsio. Nacionalidade e cidadana, In: MAUCH,Ciéudiae VASCONCELOS, Naira (orgs). Ox alemees no sudo Brasil euturaelnicidade,histria, Cano. ULBRA 1994 2.4353, SHAFER, Nel. Vide condunae idenndede éinica teato-brasileira (1947-1961) Sto Leopollo, 1995, Dissestao (Mestrodo ern Histra)— Centro de Cinias Huranas, Universidade do Vale do Rio dos Sinos (Unisinos 5 Refiro-me aqui aos rabalos“Btnciae: da cultura residual mas ireduiel”. CARVALHO, Matis Rosiio . de (org) Idemidade enea, mobilzagdo police cidadaaia, Salvador. UPBAVEM. resa Grea da Bala, 1989. p. 42-55; Parecer sobre os ertrios de entdede iia. Antropol aie do Brasil; mito histria, etsicidade 2d, to Plo: Bsilense, 1987. p.113-119;ede Sylvia Cuiby Novaes Joe deespethas; imagens da epresentagso des através ds otros. $40 Pa Hadas, 1993, 10 ‘cam em primeiro lugar, a definigio biolégicade etnicidade, para a qual ‘um grupo étnico seria um grupo racial, idensificdvel somaticamente Fsse tipo de critério limita sobremaneira a possibilidade de configura- fo étnica uma vez. que rarfssimos so os casos, a nivel mundial, de iso- Jamento ou nio-miscigenacao. Critica também a substituigdo deste crité tio biol6gico pelo dacultura, Neste caso, “grupo étnico seria, entio, aq {que compartilharia valores, formas e expresses culturais”: defini satisfatdria, de certa maneira, mas inadequada quanto ao modo de uso, ‘Segundo Cunha, € falso o pressuposto de que a “cultura partilhada deva ‘ser obrigatoriamente a cultura ancestral.” Também a cultura nao deve ser tomada como caracteristica priméria, ou seja, constituinte, de um grupo éinico —e éeste ponto que mais me interess1 — mas como conseqién- cia, como resultado da organizagio deste mesmo grupo.* Deve ser vista niio como algo estatico, adquirido naturalmente, mas “constantemente reinventado, recomposto, investida de novos significados.”” E mais im- portante, sua reinvengdo, recomposigio, resignificago dependeri do desojo de demarcagio de fronteiras, de limites e de diferengas com rela- ‘¢do a outros grupos." Nesta perspectiva, a cultura de um grupo, ¢ principalmente de populagdo imigrante, néo 6 transportada, mas “manda-se buscar [grifo meu] o que é operativo para servir ao contraste™"; no € algo natural, impregnado no grupo, constituinte, mas elaborado, produto de escolha, ‘Um conceito mais dinamico de cultura exige também a mesma postura quanto ao de identidade: “que a identidade no é algo dado, que se possa verificar, mas uma con- digo forjada a partir de determinados elementos histéricos ¢ culturais, ‘sua eficécia enguanto fator que instrumentaliza a ago é momentfinea © set tanto maior quanto mais estiver associada a uma dimensio emocio- nal da vida social." nsec les na ip ae a Sane ta if __Bssas conclusdes adequam-se explicago, hoje vigente entre an- tropélogos, de que um grupo étnico & definido na medida em que os “membros se identificam e sio identificados como tais pelos outros.” Se um grupo étnico 0 € por se auto-representar dessa forma, pensei cm procurar esta auto-representacio do teuto-brasileiro no discurso humo- ristico, E mais, se 0 grupo se define pela oposigio ao outro, propus-me também a investigar qual a imagem que os teuto-brasileiras faziam dos SUS Otttos— 0 alemiioe o brasileiro. Ao expressarem-se no humor pro- ” Significan sim um direcionamento do esforgo feminino a ‘salvacdo moral da fami- 206 Sua Majesade 0 Colon, 1948, p. 10. 208 idem, p11 206 PEROT, op ct, p. 78, 207 Familenfeund, 1926, . 46, 72 lia, No almanaque Familienfreund de 1913, a visio catética das divisoes de papéis entre homem e mulher & demonstrada de forma alegérica, bus- cando responder & seguinte pergunta: “Se o iomem & a cabeca da fami- lia, o que € a mulher?” Em resposta, prosseguem: “Isso, conforme as circunstincias, é muito varidvel: A dona de casa dedicada & a mao; a eshanjadora € 0 est6mago; a espirituosa é 0 olho; a ansiosa por aprender é 0 ouvido; afaladeiraé a boca; a bondosa, 0 cots ‘Gio; a braba. briguentaé o figado; masa mulher compreensiva, leve e de moral, é mais que a cabeca, olho, ouvido, boca ecoragio, ela éa alma da familia.”, (Familienfreund, 1913, p.22} 32.08 vidi) A representagdo dos principais vicios existentes dentro da socie- dade colonial também se faz presente no humor, assim como em todo e qualquer espago do almanaque que possa ser utilizado com fim pedagé- zico, Neste sentido, os comportamentos deplorados séo, principalmen- te, 0 jogo, a bebedeira e a contrago de dividas. Referencias a estes vicios, encontram-se em estudos relativos aos primeiros dec8ncios da imigragio ‘lem, visualizados, principalmente, por imigrantes de levas posteriores, como 0s proprios padres catélicos. Janafna Amado registra a decepgio dos imigrantes “recém-chegados” (apés 1850) ao depararem com a de- gradacio moral de seus compatriotas: “Nao aceitavam, por exemplo, as bebedeiras ¢ lutas gencralizadas na Venda, para festejar as colheitas, Es- candalizavam-se com o uso de palavrdes, muito mais freqiientes do que podiam admitir. Nao compreendiam como, em meio a tantos problemas por resolver, se podia jogar tanto.”™™ Com achegada dos primeiros padres jesuitas em 1849 e, em maior niimero, a partir de 1872,2” o trabalho de disciplinamento dos figis cat6- licos, em especial daqueles que se haviam cortaminado pelos “males” do jogo e da bebida, se colocava como primordial. “Os novos padres opuseram-se fortemente a certos tipos de comporta- ‘mento muito disseminados entre os colonos, Combateram 0 jogo, 0 uso 208 AMADO, op. cit, p48. 209 Kreatz informa rem hepato, em 1848, dois, em 1858 mais dis, de 1872 2 1585, 78 jesus, {cializando,em 1900, 100 pads. KREUTZ, op cit 61, Ki Lurtebeck ere pouco con. {agem, fematerem chegado em 1849 em tao 10 Ro elanera cemagost ex Sto Leopolo) ut jesus de diferentes orgens (Pe. Agestinho Lipski, polonés Fe oto Seda, thes mio Antonio Sonntag, siesaro), masque falar alm, LUTTERBECK, opti, p36, 73

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