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fem todo caso, segundo © geometria iusonsta da perspective, A. imagem mecinica, ao opor & pintura uma concortéosa que atingla, mais que a semelhanga barrora, a identidade do modelo, por su0 vez obrigowa 2 se converter em seu priprio objeto Nada mais vio doravante que condenasSo pasaliana, uma vez que a fotografia nos permite, por um lado, admirar em sia reproducio 0 orginal que 0s nossce olbor nfo teriam sabido amar, © na pintura um puro objeto cujareferncia & naturera jé no & ‘mais & sua razio de er, Por outro lado, © cinems & ums tinguagem, on nie Se Ane Rae Oven ee cin wl Py Ea 128 15.2 MORTE TODAS AS TARDES' Compreendese que Pierre Brauaberger tenha acalentado por tanto tempo o peojeto dese filme, O resultado prova que valeu a pena. Talver Plere Braunberger, aficionado insiga, vsse aa em- ‘rest apenas uma homenagem ¢ um servigo a prestar tauromaguia, alm da tealizgio de. um filme que 0 produtor nip lasimase. Reslmente, devs slime ponto de vista fol um excelente nepscio (© apreso-me a dizer, merecido), pois os amantes das touradas no 0 perderio por nada e oligos igo velo por curosdade. Nao ercio ‘gue oF primritor se decepcionem, pois o material 6 de uma extraot- linia beleza. Poderio ver os mals eflebres toureros em ag80 © ‘comptovar que 6 tomadss reunidas e montadas por Braunberger @ Myriam sfo de uma eficcia surpreendente. Fol preciso que as, touradas fossem fmadas repetda e fartamente para que a cimera nos resttuise de forma vo completa a faina da arena, Inimeros ‘io 0s pases ow matances fiimados no correr de importantes eves- tos, com vedetas que nos brindam minutos, a fio pratcamente sem corer, 0 enguadramento de animal e homem rarameate aguém 40 plano’ medio, on mesmo do plano americano. E quando a cabera —T Gahs du Cina, 951; Eel, 1968 artigo soe o te A Conia de Tovor (La Couse & Threaus, este Braubere, 1969) 129 do tou passa em primeio plano, ela no esté empalhads, 0 resto ‘Talvez eu eseja um pouco deslumbrado pelo talento de Myriam, Bla soube montar o material com diabslca habildade, sendo preciso smultaatened para se dar conta de que o fouro que entra em campo pela equerda nem sempre é o mesmo que havia sido pela diet, Faltaia vero filme na movita pata se dsinguir com alguma certeza 38 tomadas auténomas das seqUéacas inteitamente reconsiuidas & partir de cinco ou ses tomadas diereates, tal a peceigio com que oF ‘ortes em movimento dissimolam a ariculaso des planos. Uma "ve- roniea” principiada por um matador © um touro termina com outro homer outro animal sem que percebamos a subsituigio. Desde © romance de wm trapaceiro (Le Roman d'un Tricheur, Sacha Guitry, 1936) e sobretudo de Paris 1900 (Pari 1900, Nicole Védres, 1948), tinhamos Myriam a conta certa de mootadora de grande talento, Com A Covrida de Touros (La Course de Taureaus, Bec Braunberger, 1949), 0 confrmamos uma vez mais. Neste nivel, & arte do montdor ultrapasa singulamente sua fonglo ordindtia para tomarse um elemeato primordial da criagdo do filme. Havers, por sinal, muito a dizer acerca do filme de montagem assim conce- bido. © que seria constatado & alga bem diverso de un rotomo & antiga primazia da montagem sobre a decupagem, tl como postlava © primeiro cinema sovidico. Paris 1900 ou La Course de Taureous ‘fo sio “cine-olho”, sio obras “moderas", estecamente conte ppordneas da decupagem de Cidade Kane’ (Citizen Kone, Orson Welles, 1961), 4 Repra do Jogo (La Résle du Jeu, Jean Renoir, 1938), Pérfide (The Litle Foxes, Wiliam Wile, 1941), € Ladrdes de Bicileta (Ladri di Biciclerte, Vittorio de Sia, 1948). Nelas a ‘montagem no visa a suger relapbes simbolicas ¢ abstates ent 25 imagens, como na famose experincia de Kulechov com © primero Plano de Mosjoukine. © fendmeno iusvado por esa experiéncis, ‘nfo deixa de ter algum papel nessa nova montagen, mas a serigo de um propésito interamente outro: dota a decupagem, 80 meso tempo de uma verssmilhansa fisica e de uma maleailidade gia, [A sucesso da mulher nua e do sotiso ambiguo de Mosjoakin si: nifleava lbricidade ou deseo. Ou melhor, a signifcacio moral ert de algum modo anterior & sigileag fret: imagem de ama mulher ‘nua + imagem de um sorriso =" deseo. No hi dlvida de que 2 exstncia do desejo implica logicamente que o homem otha pats 130 mulher, mas essa geometia néo esti contda nas imagens. Essa dedugio € quase supérlua; para Kulechov, era secunditia; 0 que importa era o sentido conferida a0 sorrso pelo chogue das ima sets. Bem divera € a relagio no nosso caso: 0 que Myriam visa fm primeiro lugar ¢ ao realsmo fico. A fraude da montagem Se aplca 8 veresinilhanga da decupagem. O encadeamento de dois {ouros em movimento io simboiza forge do tour, mas substitu se insensivelmente a imagem do touro ineisente que cfemos vee EE somenie a partir desse realsmo que o montadorestabelece 0 sen 1ido de sua montage, bem como © direior 2 purr de sua decupe- gem. Nig mais a cimera-olho, mas a adaptagdo da técnica da mon tagem a essicn da camérastyio®™ is porgue 0s ligos como eu encontrario nese filme wa ini iasio tdo clara ¢ completa quanto postive. Pois o material nio foi montado ao capicho de suas afinidades espetaculares, mas sim. ‘com rigor © inteligéncis, A hinria das touradas (e do. proprio Touro de combate), a evolugio do estilo até Belmonte « desde entio, ‘io apresentadas com todos os recursos diditicos do cinema. Na ‘escrigdo de um pase, 9 imagem se detém no momento ciioo © 0 ‘arrador expica as poigdes rlativas de animal © homer. Por mio, ‘ontat, pelo visto, com tomadas em chmera lents 8 sua dsposicio, Pierre Braunberger recorrew & oR tas 0 congelamento. da imagem mosta-se gualmene fice (Sem dvida, as vurudes ide thas desse filme constituem também“ sus limitesto, pelo menos sparentemente, A empresa no 6 fo grandiosa, tio exaustva quanto ‘de Hemingway em Death in the Afternoon. Le Course de Tai ‘eaux pode patecer vm apaixonante documentiio de loaga-metr ‘2m, mas afinal de conta apenas um “documentrio”. O que seria F Comin: temo cambado por Alnnire Asrue — ver ago “0 sawinesto de una nove vanguard: camel” (Lorn Fangs n® 14h, {9i8) para we refer ose. de sur one o inet ebal omn fev, 2 comusenia de someone Mr maieconplsee A 2pox ‘Rip ‘clocmssrias no soreno tants enh oad nor pues, 20 ‘Seema de Haber Brewon, ou do pr Ast, « alo tm relaia com © Etoems Ge montagem de Bien, de quem a tera france, al 1968, pee ‘tanecird disuse. "A formes se Avr conta dat tse do. ‘ov anos $0. ser donomiado “plea dex sare” ~~ tag ‘arcane dt fakincls cre don Cahers du Cid, que tlm em AnHE Bann um dot in tandasoes (em 1981). (Note do Or.) 131 uma impresioinjsta ¢ errOnea. Injusta, pois que a modéstia peda- ‘épica da reaizagso & muito menos uma linitagao do que wma te fuss, Diante da grandiosidade do tema, da suntuosidade do assunto, Pie Braunberger tomou o partido da humildade, a narrardo se limita a explicar, recusando um lirsmo demasiado’ fil que seria arrasado pelo lrsmo objetivo da imagem. Erénea, pois que 0 tems ompors ems a sen pera supra, € ni gue 9 propor A experincia do teat filmado — € 0 seu fracasso quase total, at aos €ator reenter que renovam problema — fer com ‘que Yoméssemos consciéncia do papel da presenga real. Sabemos ‘ue a filmagem do espetculo nko faz mais do que rexitutlo ex "ado de sua realidade psicolgica: um corpo sem alma. A presenga reeiproca, 0 canfronto em carne ¢ oso de espectador © ator, nfo uma mera czcunstnia fisica, mas um fato ontoligion consitue tivo do espetéculo como tal. Partindo desse dado teico bem como dda experiéncia, poderseis infeir que a tourada é ainda menos inematogriica do que o teatro. Se a reaidade tetra nlo se im- prime & pelicula, o que dizer eno da tragidiatauroméquics, da sia Tnuggia € do sentimento quase religioso que 2 acompanha? "Sus filmagem pode possuir valor documenta ou ddtico, mas poder cia resitui-nos 0 essencial do espeticulo: © tréngulo mitco homem snimal-muldio? ‘Nunca ass a uma tourada © no chegatie ao ridiculo de pre tender que o fine me oferccese todas as sits eases, no entanto afirmo que ele me resiui 0 essencial dela, 0 seu cerne metalsico: fa morte. 6 em tomo da preseaga da mort, da sua permanente virtualidade ( morte do animal e do homem), que se consti @ balé trigico da tourada. Gragas a els, hi alguma colsn a mae ra arena do que 1o paleo teatal: aqui, brinca-e de morte; Id, 0 toureito brinca, mas é com a vida, como o tapezsta sem rede, Ord, 1 morte € um des raros eventos que fazem jus 20 termo, cro 3 Claude Maurie, de especitiidede cinematografica. Are do tem Po, 0 cinema possi o exorbitant prvlégio de repett-lo. Privilégo ‘comum as ates mecinicas, mas do qual ele pode se valer com uma pottacia infintamente maior do que 0 rétio ou o disco. Sejamos Sinda mais preciso, jf que existem outras aries temporis, come & 132 risica. Mas 0 tempo da misica ¢ imediatamente © por definicio tim tempo eatsice, ao paseo que o cinema somentealcanga ov constedi 0 sea tempo extético a partir do tempo vivo, 6a “duragho” bergsoniana,ireversvel e quaitativa pot eséncia. A realkdade que ‘o cinema & vontade reproduz e organiza & a realiade do mundo que ‘not impregna, & 0 continuum sensivel pelo qual a pelicula se faz moldar tanto espacial como temporalmente. No posso repetie um 6 instante da minha vide, porém qualquer um dessesinstantes pode ‘0 cinema repetirindefinidamente, posso vE-lo. Ora, se € verdade five part conscigncia nenhum instante ¢ idatiso 2 outro, néo hi Senko um para o qual converge esta diferenga fundamental: o ins tante da morte. A morte € para o set 0 momento tnico por exce- Tencia, Bem relaglo a ela que se define rtroaivamente 0 tempo ‘qualitative da vida, Ela demarea 8 frontcra ene a durasio cons Gente € 0 tempo objeivo das coises. A morte nfo € senfo um Instante depois do outro, mas o dime. Sem divida, nenhum ins tante vivido € imtco aos cutros, mas os instante podem s¢ asse- tmelhar como as folhas de uma avore; vai dal que 2 sun repetiio ‘inematogréfca é smuito mais paradoxal na teora do que na prtica ‘dmitimorla apesar da sua contradigao ontlégia, como uma especie de réplica cbjetva du meméria. Dois momentos da vida, no ene tanto, escpam radcalmente a essa concessio da consiénia: 0 ato sewal € a morte. Cada uma seu modo, sho ambas negapio abso- ta do tempo objetva: © instante quabtativo em estado puro, Como a more, © amor se vive, mas nBo se representa — nfo € sem rario que o chamam de pequena morte —, pelo menos no se repre= Seova sem violetars sua netureza. Tal vielentago chama-se obsce- nidade, A representagio da morte real também ¢ uma obscenidade, fhéo mals. moral, como no amor, mas metafisica.NBo se morte fas vezes A fotografia nfo tem nese ponto 0 poder do filme, ‘io pode representar mais que um moribundo ou unt cadéver, jamais ‘ patsagem inapreensvel de um o outro. POde-se ver na primavera fe 1949, gum clnejornal, um documento slucinante sobre'arepres- Ho anticomnista em Xangai, "espides” vermelhos execatadas a tiroe de ever em praca publica. Ao toque da campainha, » ctda Sesto, ees homens estavam novamene vivos: impacto da mesma bale estremecio thes & auca. Nao falava sequer 0 gssto do poicial fue devia puxar uma segunda vero gailho travado de seu revlve. Expetaculo inolersvel, alo tanto por seu horror objetivo, mas por 133 seu cariter de obscenidade ontoligca, Antes do cinema, conbe- mse apenas a profanagio de cadiveres « a wolagio de Sepul- turas. Hoje, gras a0 filme, podese vilat ¢ exbir A vontade 0 nico dos nossos bens temporalmente inalenivel. Mortos sem re ‘uiem, etemnos re-mortos do cinema! Imagine a suprema perversio cinemarogritica como sendo 2 projegio a0 inverso de uma execugio, asim como. vemos nessas Stualidade burleseaso mergulhador salar da 4gua para © tampolim, sas comserasSes no me afastaram tanto quanto parece de Lo Course de Taureaut. Compreender-me-io se eu diser que a filmagem de uma enceaagio do Malade Imoginaire nao possu qualquer valor tetra ov cinematogrfico, mas, se 2 cimera tives asistido & thima representapio de Mole, terfamos um filme pro- Aiioso. is porgue a representacio na tela da morte de um touro (que supe 0 H5co de morte do homer) & em si mesma to emocionante {quanto 0 espeticulo do instante real que ela reprodux Mais a fm certo seatio, pois muliplica a qualidade do momento orginal pelo contaste de sua repeicdo. Conferedhe uma solenidads su Plemeataz. © cinema dotou a morte de Manolete de uma eter ‘ade materi Na tla, 0 toureiro morte todas as tades (Tatu de Ande Baia, vente que le cinéma? vol 1, Pa, El inn Cut 1958) 134

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