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14 HISTORIOGRAFIA CLASSICA DO CINEMA BRASILEIRO Tenho a impressdo de que as questées aqui levanta- das podem ser do interesse de estudiosos & professores de histria do cinema brasileiro, mas também daqueles que traba- tham com historia da arte no Brasil. Jean-Claude Bernardet ACREDITAM OS BRASILEIROS NOS SEUS MITOS? O CINEMA BRASILEIRO E SUAS ORIGENS 14 HISTORIOGRAFIA CLASSICA D0 CINEWA BRASILEIRO TTenho a impressdo de que as questées aqui levanta- das podem ser do it studiosos e professores de hist6ria do cinema bra lambém daqueles que traba- tam com histéria da arte no Brasil. Jean-Claude Bemardet ACREDITAM OS BRASILEIROS NOS SEUS MITOS? O CINEMA BRASILEIRO E SUAS ORIGENS Agradeco a colaboragéo de Maria Rita Galva. O Nascimento O cinema brasil nasceu a 19 de junho de 1898. Poderia antecipar-se 0 nascimento, caso se comprovasse que Vitoro di Maio cu Henrique Messiano fimaram em 1897. Co- ‘mo no se tom provas desas fimagens improvéveis, & voz Corrente entre os estudfosos que o nascimento data mesmo de 1896, Pesquisas mais recentes parecem indicar que hove, no Brasil, fimagens anteriores, © que no altera a discusséo Enquanto os europeus falam no nascimento do cine~ ‘ma, 0s histoladores brasieirs falam do nascimento do cine- ma brasileiro, O acréscimo do adjetivo ndo se limita a restingit “4, Vicente Sanche-Blosca,"Prblogo a GianPiere Brunetia: Nasimiens del lato cinematografica Madd, Catecra, 1967 (Signo e imagem). 15, Alonso di Mola: "Origons". Em: Encilopdia Einaudl vol 12: Mytes!Logos, SagradoProfan, Porto, npr. Nacinal/ase da Mooda, 1984 -_ 2 HISTORIOGRAFIACLASSICA DO CINEWA BRASILEIRO © Ambito do nascimento e a adaptar para dentro das fronteiras| essa concepeao de hisiéria. A insisténcia sobre um marco inau- Ggural adquite outr tonalidade. Sociedades de origem colonial ‘manifestam inquietagdo quanto & sua identidade, assunto de ‘constante indagagéo: a busca de raizes “aulénticas” responde 0 tardler exterior do aparecimento dessas sociedades. En- ontrar 0 nascimento “verdadeiro” seria uma afirmagéo de au- lentcidade que se contreporia a0 nascimento “outorgado” pe- los colonizadores, a essas falsas “certidGes de nascimento como a carta de Pero Vaz de Caminha e suas equivalentes”, no dizer de Darcy Ribeiro." Com um nascimento seguramente estabeletido e escolhido por elas, as elites tentam enfentar as incertezas da identdade. Tal nascimento cinematogrtico ‘oxprossa mais que uma questdo de histéria do cinema. Sobre esse iscurso cinematogratico projetam-se questées culturais bem mais ampias, que encontram suas raizes nestas *genee- logias obrigatérias” do século XIX, nestas “crdnices de funde- es" de que fala Flora Sussekind."” E ela aerescente que ‘essa busca do “ponto um”, da “semente', da erigem, levou os historiadores — no caso os historiadores roméntioos da litere- tura, que est estudando — a esquecer "a andlise concreta das stapes obras referentes ao pariodo colonia” (gio meu). Esse discurso histrico em busca de origens cinema- tograficas e por isso mosmo gorador de tradigdotinha um des- tinatario e fo ouvido. Basta para comprové-lo testemunho do Carlos Diegues em outubro de 1987: Essa Introdurao 20 cne- ima brasileiro, de Alex Viany, 16. DatoyRibiro: O process ciiizatre tapas da evoluréo sécl-cutural Petropolis, Vozes, 1879; Teoria do Bras. Flo de Janeiro, Paz e Tera, 1972. 17. Flora Sussokind Rocha: O Brasil nfo # onge degu: 0 narrader a viagom. Sao Paulo, Companhia dé Ler, 1900 [ACRECITAM OS BRASLEIROS NO SeuUSUITOs? 23, {01 um dos fatores de aproximapéo de toda ‘uma geragao que, com sua pubiicapdo orig- nal em 1958, tomava consciéncia de que ha- via uma certatradi¢do & qual nunca nos ha- viam remetide, por ignoréncia também pro- conceit ‘A data de 1898 tem outra conotagao: Segreto importa ccémera e materal sensivel europeu, com que filma um tema brasileiro, a armada. Aplicar a este fenémeno 0 conosito do atualizapao ou incorporagéo histéica usado por Darcy Ait seria violento deme A alvaleagéo histbrica imports, quase som- ‘re, em certo grau de progresso porque coo- 2 em conjungao povos atrasados @ avanga- des. Mas representa, para os poves atrass- des, prncipalmente espoliapdo e despotism A atualizagao histéica de Darcy Ribeiro romete a processos mais globalizantes do que a introdugao de uma tecnologia co ‘mo 0 cinema, e node levar a uma total descaracterizagdo do Povo ou da sociedade que se atualza. O conceit, portant, no parece adequado. No entanto, podemas provavelmente dizer que 1888 representa uma forma de medemizapao conor me a qual uma seciedade incorpora uma tecnologia oriunda de pals industralizado, tecnologia que ela néo transforma e da qual se tora dependente, Tal situapéo néo impede que esse ‘0ciedade possa criar informagées de segundo grau a partir da tecnologia importada, que no entanto nao alteram esta tikima, 1B. Carlos Dues: “Cicis ou crises", In: Cinema basic ‘dias imagens. Porto Aogt,Edtera da Unvesidee, 1968 (Sintese Universitat, 6) 24 HISTORIOGRAFIA GLASSICA D9 CINEMA BRASILEIRO ‘oque impede uma real apropriagdo, Entendo que a informagio cde segundo grau, nesta discussao cinematografca, ¢ const ‘ida pelos filmes realizados, enquanto a tecnologia e equipa- ‘mentos dela decorrentes formama intormagao.de primeir gra. [MEé hoje cineastas brasileros se sentem dependentes dests kia. Em 1978, afrmava Carles Diegues: 3e a Kodak resolver agora nao vender mais fitas vrgens para o Brasil, adeus cinema na- ional." Voltando aos historiadores europeus, gostaria de fa- 7201 mais uma observago sobre a data escolida, Hé quem resolva a questio a machadadas: (cinema nasceu em Paris a28 de dezemro de 1895, no sub-solo do Grand Café (...). E ‘9sse um fato que hoje ninguém contesta © 6 cconsagrad com toda a autondade dos docu- ‘mentos administrativos, uma placa de mér. ‘more fixada na fachada do prédio pelos cuir dedos do Conselho Municipal da Ville de Pa: ris, Ela apresenta a seguinte inscrgae: “A- ui, 4 28 de dezembro de 1895, ocorreram as primeias projegdes publicas de fotografia ani- ‘mada, gragas a0 Cinemalégrafo,aparelhoin- ventado pelos ieméos Lumiere” ® Ignorando o detalhe de que a placa nao se refere a nascimer- to, bem como cardter pemndstico desse texto, resta que, quan- 18, Carls Diegues:“Um adeus a0 Brailquestéacebando”, 0 Estado de S. Paul, 128.79, 20, René Jeanne & Charles Ford: Histirallustrée du cine I:kecinémamuet, 165-1960 Paris, Marebout Universit 1985 (1 od: Lafont, 1947). AGREDITAN DS BRASWEIROS NOS SEUSMITOS? 25 do René Jeanne & Charles Ford, ou Sadoul e muitos outros se reterom ao nascimerto do cinema, pensam no dia 28 de de- zembro de 1895, isto, na famosa sessao dos imaos Lumiere ro Salon Indien do Grand Café em Paris. Essa nao era a primeira projegdo fela pelos Lumiére, que jétinhem apresen- {ado vistas animadas em congressos cientificos. Mas pela pri- moira vez a 28 de dezembro de 1805, a sessio ora paiblica o aga. A bem da verdade,diga-se que os historiadores, particu: larmente os franceses, foram obrigados a fazer alguma ginds- ‘ica para manter esta data, jé que so conhacidas outras pro- jep6es pablicas e pagas anteriores as dos Lumiare. O préprio Sadoul cita, entre outras, as de Skladanocki que se prolonga- ram por varias semanas na Alemanha. Mas ndo teriam sido teonicamente bem-sucedidas. Serd portanto necesséro acres- centar mais um criéfo para sustentar 0 28 de dezembro:ses- so piiblica, paga e com éxito. Mas, com ou sem éaito,resta que hd uma diferonga notével entre o que Sadoul entende por nascimento do cinema @ que 0s historiadores brasiletos cha- ‘mam de nascimento do cinema brasileiro: para Sadoul e seus sucessores, 0 nascimento do cinema é uma representapio pica e paga, ou ssja, um espetécuo, ofime na tela diante de espoctadores que pagaram ingressos para ter acesso 8 projegdo. Enquanto para os brasieiros, onascimenta do cine rma é uma flmagem, Encontrarenos a associagio primeira fimagem/nas- cimento em outros hstoriadores latino-americanos. Por 0 plo na clsica Historia dolcine argentinode Domingo di Nubila:** ‘2 primeira frase do primeiro capitulo —“El cine argentino na id en la Casa Lepage... en 1897" — remete a fimagem de La bandera argentina. Gi Nubila ndo se refere & exiigfo do flme. ‘A mesma atitude tona Carlos Ossa Coo em sua Historia del 21, Domingo di Nubia: Historia del cine argentina. 8. Ares, (Cuz de ait, 1958, 28 HISTORIOGRAFIA GLASSIGK DO CINEMA BRASILEIRO cine chilena22 ac falar da captacdo das primeras vistas que dieron nacimiento al cine chileno. No entanto, a jugar pela ocumentagéo disponivel em Séo Paulo, essa atitude nao é generalzada nas histras das cinematogatashispano-ameri- canas. Por exemplo, capitulo "Nacimiento del cine en Mexico (1896-1900)", da Historia dl cine mexicanode Moises Ves? trata iguaimente das primerasexibigdes © das pimeiasfma- gens, sendo que a expressdo nascimento s6 comparece no titulo, Quanto @ Eugenio Hintz data el nacimionto del cine ruguayode 18 de ulho de 1896, quando tuva ugar la primera sesin de cinematégrafo en Montavideoe se projet fimes os Lumiere. Assim Una carrera de cicismo en el Velédrome die Arroyo Seco" & apresentado coma la primera pelicula uru queya de la que se tenga noticia. A monumental pesquisa ‘xganizada por Guy Hennebelle © Afonso Gumucio Dagron, Les cinémas dtAmérique Latina: @ redigida, na maior pare, Por latno-americanes, historia a cinematogratia de 28 patses; apenas dolscapitulos usam a idéia de nascimento,e tic-s0- ‘mente um vineua 0 nascimentoa primeira fmagem: 0 capitulo brasil, ‘Aescolha de uma filmagem como marc inaugurl do cinema brasileiro, ao invés de uma prejagéo pblca, néo ‘ocasional: é uma profssio de 6 ideoldgica. Com tal op¢do, os histoiadores privilegiam a produpdo, em detimento da exbi- #0 € do contato com o piblico. Pode so ver aqui uma reapéo contra © mercado: 8 ocupagéo do mercado, respondemos fa- 22, Carlos Ossa Coo: Histoa del cine elena Santiago, ‘Quimanto, 1971 25, Moises Vitas: Historia del cine mexicana, Mexico, LUNAMIUNESCO, 1987. 24, Eugenio Hitz Histray mogrtia dl cine uruguayo. Montevideo, Ed de la Plaza, 1088, 25. Guy Hennebele,« Alonso Gunuso Dagton (orgs): Les cinémas Amérique Latino. Paris, Lnominier, 1984 CREDA OS BRASILEIROS NOS SEUG TOS? a? lando das coisas nossas. E ndo 6 difcll perceber que esta dats std investda pea viséo corporativa que os cineastas brasile~ ros tém de si mesmos, © por uma filosoia quo entende 0 cinema como serdo essencialmente a realizagdo de filmes. € sabido que o fator principal que levou & derrocada da Vera Cruz, por exempo, foi o fato de ela tor pensado a producéo, ‘mas néo ter presto mecanismas de circulagdo comercial de seus filmes. Esse procedimento ndo fol exclusivo da Vora Cruz, ‘mas também de seus opositores, como os independentes das anos 50 e postefoimente o Cinema Novo, pelo menos até a ‘tundagéo da Difiin. Pensa-se o cinema até a primeira cfpia, depois séo outros quinhentos. Tal flosofia marca o conjunto da produgao cinematografica brasileira e conhece poucas ex- cegées, entre elas a chanchada e a porno-chanchada. Foi ela ‘que regeu grande parte dos entendimentos cos cineastas com as instiuigdes deestado que, até a instalagdo da distribuidore ‘da Embrafilme em meados dos anos 70, tiveram como finalida e a protegdo de produgéo, ignorando a comercializagéo (e risto incluo a resetva de mercado ea lel de exibigdo compul- ‘éria). Essa floseia — que tem uma nao pequena responsa- bilidade pela atuel paralisia da produgio cinomatogrética — 6 ‘assim resumida por Gustavo Dahl: na Vera Cruz ‘2 nog de processo econémico cinematogré- {ico temminava na produgéo.. 0 Cinema Novo ‘epetiu esses cicios de produgao brasileira ¢ sealizou mais uma série de filmes, mas 0 es: tmulo bésico era mais uma ver calcado na produc. Praticamente, todos os estimulos governanentais ao cinema brasileiro so refo- 1am 4 pradugéo. Isso nos dé a sensapéo de {ue o cirema brasieio vé a si mesmo como uma drvere que se satistaz em produzirfrutos +e que esses frutos alipermanecam ou calam, HISTORIOGRAFIA GLASSICA D0 CINEMA BRASILEIRO ‘sejam comids por pissaras ouporalgum pas- ssante eventual 2° Esse predominio da produgéo orientando 0 discurso historico pode ser encontrado em vétios signos que consti- tuem uma mentalidade cinematogréfica. Cito como exemplo 0 carléo-postal comemorativo euitado pela Cinemateca Brasile- ra, com os cizeres: "1898-1988 — 90 anos do cinema brasile- +0, O grafismo que o ilustra sugere uma cémera sobre tripé, com um chassis; 0 trago & preto sobre fundo branco, sendo (que © chassis ¢ representado por dois cculos, um amarelo, ‘outro verde, O que 0 caro valoriza, para essos noventa anos, 60 aparelho de flmagem, associado a uma idéia de neciona- lismo, Poderia considerar-se que a referéncia a cdmera ¢ na- tural, J& que o cart foi editado por uma entidade cuja fnali- dade principal € @ preservagao de fimes. Esse eventual con- tra-argumanto, — que seria als, fraco —, dfciimente se aplicard ab cartéo comemorativo da mesma data, publicado pela Fundagdo do Cinema Brasileiro. Um gratismo pretorepre- senta uma cadsira, daquelas compostas por uma estruture metdlica ou de madeira que se dobra, assento © encosto de Jona. © fundo € verde, 0 assento 6 amarelo com um circulo azul-escuro, 0 encosto é azul-laro, As cores sugerem as de bandeira, ea cadeira evoca a tradicional cadeira do “ciretor" ‘Areferénola aqul apresentada, aliada a0 nacionalismo, é @ do dlretor, por extensiio a do cinema de autor. O desenho é acom- ppanhado dos dizores: "Cinema Brasileiro — 90 anos", e no verso consta uma referéncia a "primeira flmagem brasileira” Nao deixa de ser significativo que dois cartdes de celebracéo {do que se entende por "90 anos” de “cinema brasileiro” se rofiram exclusivamente & cémera ¢ a0 diretor. 26, Gustavo Dah: “Mercado é cultura’. In: Cultura resi Ministre de Educepio 9 Cultura, 624) jan-mar. 1977 [ACREDITAM OSBRASILEIROS NOS SEUS MOS? 2 Pode-se afirmar que a escolha de uma filmagem ou ‘do.um filme como nascmentoé uma projeeao do quadra ideo- Ibi em vigéncia quando da elaboragdo do discurso histori co, Este discurso esté profundamente imbricado na filosofa de produgio das uitimas décadas, © podemes dizer que chegou 40 fim, Esto modo de escrever a historia privilegia essencial mente 0 ato de filmar em detrimento de outras fungées que partcipam igualmente da atividade cinematograica como um todo, rfletindo um camportamento de cineastas que, por mais ‘que 6e preocupassem som formas de produgéo e comercial- 2agdo, se concentram basicamente nos seus flmes em si, ou ‘melhor, se concentram em cada um de seus fimes. Chegando 4 primeira cdpia, consdera-se que o essencial esté feito. O discurso histérice estécaloado nesta lilosofia, que parece es- golada. Por estar grardemente dependente dela, se vé na impossiblidade de andlisé-la e de compreender por que se esgotou. A situagdo aluel da produgdo brasileira deve ge um novo discutsohistéico. A crise da produgéo leva de rldéo 0 discureo histirco. Mas, poderiam objetaroshistoriadores, que data inau- aural escolher, se nda esta flmagem, jé que néo sabemos «quando fol exiido o filme de Afonso Segreto? Depois da film gem, pegou fogo 0 salio “Paris no Rio", casa de exibigao. do Pascoal Sogreto para a qual o filme fora feito. Nao temos netic de sua exbigsoe, considerando o estado razoavelm te adiantado das pesquisas, 6 provavel que nunca tenhamos. E alé possivel que nunca tena sido publicamente exibido Declarariamos entio — s0 rosolvéssemos adotar como crtério no uma flmagem, mes uma exibigao pablica e paga — igno- rar quando se deu o nascimento do cinema brasileiro, e pode- rlamos inclusive abandonar essa idéia de nascimento, ‘Ao cabo dessa andlse, podemos afirmar que 2s de- terminagées ideolégices aqui apontadas guiaram a interpreta ‘980 dada a0 fato— 0 primeiro filme feito no Brasil. Mas eu ira 3 HISTORIOGRAFIA CLASSICA D0 CINEWA BRASILEIRO AISTORIOGRAFIA CUASSICA D0 CINEMA BRASILEIRO ‘mais longe e perguntaria — pelo menos a titulo de hipétese — Se tais determinacées, além de responsaveis pela interprete- 0, néo teriam criado 0 falo? Os historiadores. do. cinema brasileiro ndo tém formagdo de historiador, o que poderd ter levado a algumas ingenuidades metodolégicas, mas isso nao 6 sulcionte para compreender o cardterideoldgico da elabora- 40 do discurso, ‘Se tomarmos a informarao constante da posquisa de Vicente de Paula Araujo — em que Paulo Emilio Salles Go- mes © seus seguidores se basearam para a elaboragio da histria do cinema brasileiro relatva ao periodo —,ficamos ‘sabendo que o jomal Gazeta de Noticias, a 20 de junho de 1898, informou que Afonso Segreto regressava de Pars, aon. de tinna ido havia sete meses “buscar o apareiho fotogrtico ara preparo de vistas destinadas ao cinematogrélo” 20 entrar & barra, fotografou ele as fortalezas € navios de guerra. Teremos para dentro em pouco verdadeiras ‘surpresas".*” & isto que sabemos. A noticia menciona uma fimagem, néo um time. Poderiamos intertogar a noticia: co- mo ela fol elaborada? E possivel que um jomalista tenha en- Contrado Alonso Segreto no Brésil, de fto 08 “avisos mari. mos” publicados pela imprensa sugerem que embarques ¢ chegadas esiavam cercados de intensos rituais mundanos [Nas néo se deve descartar que a noticia tenha sido fomecida Pela organizagao Pascoal Segreto com intuito promociona "Na documentacao cinematogrética extaida de jonais, encon- ‘ramos casos em que a noticia fot redigida a partir de infor- Images prévies ao acontecimento anunciado, 0 qual, por mo- tivos diversos, néo se realizou, Poderiamos também indagar:havia pelicula na céme- "a? Ou teria Segreto experimontad ver pelo visor da cémera 0u posado de interessante para as belas do tombadilho? 27. Vicente do Paula Araujo, op. ot, p. 108, ACREDITAMOS BRASILEIROS NOS SEUS WITOS? 9, AGREDITAMOS BRASILEIROS NOS SEUS wiTOS? Essa policul ol revelada? F dava para anxergar a ‘guma coisa? Segretottreinou a camera na Franca? E provavel, Portanto saberia usé-a no convés do nevio, Jurandir Noronha informa que. Alonso ndo somente aprendeu a fimar, mas também a praparar os banhos de laboratéro, a revelare copia 24 ‘mas so limita a esta efimagéo, sem citar fontes nem explicar como chegou @ tals conelusdes. Quando Alfonso teria treina- do? Pela noticia tera partido para a Franga aproximademente ‘2m novembro. Assim ele poderé tor treinado a cimera entre ezombro de 1897 e maio de 1898 aproximadamente, durante © invermo ou a primavera de um pais temperado. Ora, foi uma |uz tropical que Segre encontrou na sua chegada ao Rio — ‘era um domingo ensolarado, diz Jurandir Noronha, Nada in 2 que © conhecimenta da luz temperada permitssefimar na luz tropical. Luis de Barros comenta que um certo st. Black ‘entoufimar o dangarito Duque e néo aceriou a lua: cinematograta: no Brasil é tio diferente de seu fn, Talez nos aproxmemes oo uma iia de queda hd provavelmente oura manera de entender es- sa omissio, come resutado de um dos investinentos iol Cos feos na data de 1898, Apesar deo Panorama mencionar cleramenteo “etrosamento erie o comércio de exiigdo c- nematogréia © a fabicagé de fms”, ce reconhezer que a produgao velo em grande parte dos exibidores, a histéria for- ‘Silsienateanemmtataama thdiaiiceieaiietnatonn 4 HISTORIOGRAFIA CLASSICA 00 CINEUA BRASILEIRO. ARTOHOGRAFIA CLASSICA D0 CINEMA BRASILEIRO. ‘2 8 exibigdo. Esta s6 € mencionada quando faculta a produ- ‘#80. Nao existe uma histéria da exibigéo no Brasil, ¢ no exis. {e Por motives jd apontados nos comentéios anteriores sobre 2 data de 1098, No texto de 1959, Pequeno cinema antigo, Paulo Em- loaventa a hipstese explativa ignorada no Panorama: “Esea ‘lade do ouro néo poderia dura, pois sua ecloséo coincide com a transfarmagéo do cinema artesanal em importante in. sta nos paises mais adiantacos. Em toca do cate que xporiava 0 Brasil importava até paltoe era normal que in. Portasse também oentretenimento fabicado nos grandes con. ltos da Europa e da América do Norte. Em alguns meses o Cinema nacional eclipsou-se @ 0 mercado cinematogtic bre. silero, em constante desenvolvimento, ficou interamente 4 Alsposicéo do fime estrangeito”. Essa explicagdo serd reo. ‘madi em 1973, em Ginema:trajtéra no subdosenvohimenta Essa florescéncia de um cinema subdesen- volvido necessariamente artesanal coinciais com a definitive transtormagdo, nas metrépo- es, d0invento em indistria cues produtos se espalharam polo mundo susctando¢ dscipi- ‘nando es mercados. Mas temos que reconhecer que s muito de leve se toca na (Westéo da distibuipso e exibigao, A artculagéo entre a interupgéo da produgo ¢ a sic luagdo da exibicéo toma-se mais nda no texto de Carlos Roberto de Souza e Francisco Luie de Almeida Salles, A fasor ‘ante aventura do cinema brasitiro (1978),*" quando obser. ‘41 Carios Roberto de Souza e Francisco Lulz do Aimeida Salles. A fascinante avenura oo cinema brasicra Departamento de Assuntos Cultura, SEC, PB, Festival (2 Verdo de Aveia (vanscrto do Suplomento do ACREDITAM 05 BRASILEIRO NOS SEUS mITOS? vam que €em fevereiro de 191 chegava eo Brasil a em- ‘baixada de capitalstas norte-americanos com ‘misséo do auscultar os nassos mercados e veriticar suas possibilidedes quanto ao em- ‘prego de capil. A economia americana em ‘expanséo valteva os olnes dvides para 0 ter- ceiro mundo eo tradicional liberalismo brasi- Ieiro a recebera de braces abertos. Logo os jomais publicaréo manchetes anunciando os ‘uvessivostrustes que os captaisestrange’- 108 organizam. Elos destacam também o papel de Francisco Sarrador e de sua recém-formada (19°2) Companhia Cinematogréfica Brasi- leita no fechamento 40 mercado interne para os filmes brasieios.“® Essa mesma posigdo € nitidamente assumida Por Roberto Mourana capitulo “A Bela Epoca (primérdios-1912)", © escrito para a Histéria d> cinema brasileiro (1987)-* Cito frag. ‘mentas do capitulo, para dar brove idéia da linha seguida por R. Moura: Center © Estado de 8. Pavoni 43 44,25 de outubro € 1°60 novembro de 1975). 42, Mara ita Gato informa que Paulo Eno Sales Gomes, (0m aulasproeridas na primeira metade dos anos 79 ra Escola de Cemunicapses e Artes da Universidade de Sto Paulo, rticuava claramontea queda daprodugto brasileira a parr de 1911 com a transormagao Iteracional do. mercado cinamatogrlico © suas ‘epercussGes no mercado brasil, Penso que Paul Emilio ndo chegou @ publicar textes explctando \delathadamorto ess posi Femio Ramos (org): Historia do cinema bras, Paulo, Art, 1987 HISTORIOGRAFTA CLASSICA 00 CINEMA BPASLEIRO ARSTORIOBRAFIA CCASSICA DO CINEMA BRASILEIRO Em 1910, Francisco Serrador ostende seus negécios ao Rio de Janeiro, buscendo ccupar ‘um lugar mais central na industria de dlver. 8808 do pals (..) Em 1911, chega ao Rio de vlaneiro uma embaixada da capitalistas nore ‘americanos em busca de pessibilidedes de lnvestimenio. Esses dois fates, associadcs aos ‘nterosses despertades pelocinema caricca e ‘estigio aleangado pela indistia cinemato- ‘rética internacional, ccasionaram protundas ‘modificagdes, desarticulando o binémio exit. ‘40-produrdo que garantra ocrescimentopre- ‘cece dessa arte-indistria no pals. O desen- valvimento da pesquisa tecnolégica no setor ‘permitiu a instalagéo de grandes complexas rodutores na Europa e nos Estades Unidos, que agora exigiam novos mercados para suas ‘mercadoras ..) Em 29 de junno de 1911 6 undeda formaimente, (a) Compantia Cine- ‘matogrética Brasileira, com ageréncia de Fran- isco Serrador @ a associagao de indusiriais «@ banqucires diretamente ligades ao capital estrangeiro. Essa nova empresa forma.um tus- {ecinematogréfice, comprando salas de exit- 400m todo o pais e organizando nosso caé- tico mercado exibidor em fungo do produto estrangsiro(..) As empresas brasieras co- ‘mepam a fechar(.) Serador(ressata) que ua grande forga esta no aluguel de filmes que entrariam no mercado sem eancorréncia de similares nacional (.). A. Moura abandona o conceite de nascimento (Segre {0 “roa o primeiro plano em terras brasilsiras’), modtica o de ACREDITAM OSBRASILEINOS NOS SUS MTOS? 47 “1811” pelas informagtes que fornece, mas preserva o de Bola Epoca. Como vimos, textos de Paulo Emilio do final dos anos 60 primeiramente, e a seguir textos do mesmo autor no inicio dos anos 70, bem como.0s de Carlos Roberto de Souza, Aime da Salles e Roberto Moura, marcam nitidamente duas etapas na construgde do conceto de “1911”. Num primeito momento, 2 interrupgao da produsao aparece som explicapéo, No mo- ‘mento seguinte, fomecem a explicagao fatores externas. Du: plamente externas: extenos ao Brasil, ou soja, a remodelagio do mercado internacional a partir dos Estados Unidos ¢ dos paises poderesos da Europa; extemos a produgo, ou sea, 2 atuago de Serrador no setor brasiloiro de exibipio, Essa titima estrutura pode ser interpretada da forma seguinte: 0 objeto de preecupagao do historiador & basicamente a produ- ‘gé0 pele qual tem particular apreco (i que este dlscurso his- ‘6rico & elaborado para digniicé-ta), dala impossbilidade em (que se encontra de indegar eventuals fatores internos & pré: ria produpéo que teriam contibuido para seu fm; é um pape! de vitima que se desetha aqui, a produgéo vitma do que ‘corre fora das fronteiras do Brasil por um lado e, por outro, fora das tronteiras da produgdo, Trata-se de isenté-la de qual- ‘quer responsabilidade que possa ser julgada negativa, ‘A este conjunto de observagoes sobre a Bela Epoca {do Cinema Brasileiro posemos ainda ressaltar outro aspecto

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