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Formas de pensamento Ficha catalogrifica elaborada por Solange Ap. Ferreira, CRB 9/1141 Kiser, Lothar Diferentes culturais: uma introdugdo a etnologia / Lothar Kise Londrina : Descoberta, 2004, 312p. ISBN - 85-8714390-5 L Antropologia cristé. 2. Antropologia 3. Missdes 4. Etnologia cultural 1. Titulo CDD 233 301 266 306.08 ©1997 ‘Ticulo original: Fremde Kiuleuren: Eine Einfithrang in die Echnologie edigéo publicada pela Verlag der Evang.-Luth, Mission, Erlangen Verlag der Liebenzeller Mission, Lahr 14 Edigito - Dezembro/2004 Covedigao: Miso do Cristianisma Decidido Coordenagio editorial: Manfred Weidt Coordenagio de produgio: Eduardo Pellissier Capa: Eduardo Pelissier Diagramagao: Descoberta Designer ‘Tradugo: George Albert Fuchs Revisio: Liesbeth Ziegler Fotolitos: Exodo Fotolitos Impressio: Grdfica Betania Tades os direitos em lingu portuguese reservados por Descoberta Editora Ltda Rua Pequim, 148 Londrina/PR 86050-310 ‘Tel/fax: (43) 3337 0077 Enderego eletrénico: editora@descoberta.com.br Pagina na internet: www.descoberta.combt Bditora filiada & Associagio Brasileira de Editores Cristtos Este capitulo explica de que maneira as culturas e seus respectivos espagos vitais influenciam a ldgica e 0 desenvolvimento de conceitos do pensamento humano, bem como o motivo pelo qual diferengas raciais nto devem ser equiparadas com diferengas de capacidade mental, Além disso, explicam-se (por meio de alguns exemplos significativos) as diferengas relevantes nas concepebes deste nosso mundo nas diferentes culturas, as divergéncias em seus métodos de ensino e aprendizagem, a sua percepgiio de quantidades, unidades de medidas, a orientagiio no tempo e no espago, até chegar i sua forma de planejar. Devido & complexidade de sua prépria cultura, muitos europeus tendem a ser da opinido de que pessoas de culturas diferentes nao teriam o mesmo nivel intelectual que eles mesmos, Essa manifestagéo ocorre com especial leviandade a respeito dos membros de grupos étnicos sem escrita (ou até pouco tempo sem escrita). Curiosamente, com freqiiéncia eles sao reconhecidos ao mesmo tempo como protetores ideais do meio ambiente. Europeus que seguem essa linha de pensamento explicam a suposta diferenca do ponto de vista biolégico. Sua concluso € que as diferengas raciais representariam igualmente diferencas na capacidade mental, na inteliggncia eno cardter. Essa posicao bésica também determinava as origens da etnologia cientifica. Em alguns casos, ela ainda nao foi superada até hoje. Costumava-se chamar pessoas de culturas sem escrita de primitivas. Isso significava que seu intelecto e cardter eram considerados como quase animalescos. Admitiu-se que algumas de suas capacidades mentais eram mais desenvolvidas do que nos assim chamados civilizados, como, por exemplo, sua capacidade de percep¢ao, sua visio, audigéo € senso de orientagéo, 0 que também pode ser observado em certos animais “inteligentes”. Ao mesmo tempo, considerava-se certo que a légica dessas pessoas, sua imaginac&o, memédria e, em especial, sua capacidade de abstragao seria limitada. Eram considerados ingénuos e infantis em seus sentimentos, supostamente impulsivos ¢ incapazes de atender além de suas necessidades materiais imediatas e de ambicionar algo mais “elevado”. O que se desconhecia ento era o fato de que a maneira de pensar, sentir e querer do ser humano estariam ligados consideravelmente 4 cultura que ele usa para estabelecer sua existéncia. Comparados is condigées vigentes na cultura européia ocidental, esses primitivos obviamente aparentariam serem mentalmente inferiores, com comportamento, regras e valores anormais. wBojoujo v opbnposqus Duty) - Svunyn-) SoquouoficyT ——_—_ 4+OSEY JEYIOT 163 Lothar Kaser Diferentes Culturas - Uma introdugéo a etnologia 164 Hoje, porém, sabemos que isso também vale no sentido inverso. Agentes de desenvolvimento e colaboradores eclesidsticos, e mais ainda toda espécie de turistas, apresentam a mesma ingenuidade, infantilidade, falta de fantasia e arrogancia aos olhos das pessoas de outras culturas. O espirito deles parece igualmente enigmatico, freqiientemente gerando a ditvida se realmente poderiam ser considerados seres inteligentes. E errado afirmar que as pessoas das sociedades sem escrita seriami biologicamente incapazes de raciocinar de maneira ldgica, abstrata, ou até mesmo mentalmente incapazes de reconhecer erros evidentes, tirar as conclus6es correspondentes e safar-se de apertos, ou descobrir enganos e fraudes. Esse tipo de raciocinio nao se baseia somente nas comparages erradas que fazemos, simplesmente transplantando o comportamento deles de uma cultura para outra. Fssas conclusdes erradas também surgem quando no se estabelece diferenca entre o potencial mental real de uma pessoa ea tolerancia em relagdo ao aproveitamento desse potencial oriunda da pressio das estruturas sociais e culturais nas quais cla vive. Uma vez que se observa como as criancas indias na América do Sul recebem pouco incentivo dos adultos para pensar criativamente ow até brincar, nao ser4 de admirar que suas habilidades cognitivas nao se desenvolvem na mesma medida como em criangas européias. Quando o ambiente de um grupo étnico nao exige a manutengio de estoques porque isso nao faz sentido em seu contexto (, p.ex., plantadores que dispdem de vegetacao durante o ano inteiro), essas pessoas também nfo terao interesse em manter uma conta de poupanga caso o “desenvolvimento” de seu pais os confronte com a economia monetaria ea necessidade de adaptar-se a ela. Europeus confrontados com essas circunstancias geralmente destacam o lado irracional que certamente esté contido nisso. Como isso se destacam de forma especial aos seus olhos, eles encaram-no como falta de légica, como incapacidade, de observar coisas que sio simplesmente percebidas nas sociedades “civilizadas”. Essa critica, porém, nao leva em conta que as circunstancias muitas ‘vezes nao sao tao simples como aparentam a um observador europeu ocidental. ‘Tem-se afirmado que pensamento primitivo desse tipo estaria determinado sistematicamente por um plano. O psicélogo e filésofo francés Lévy-Bruhl (1857-1939) falava em seus trabalhos da “lei de participagio mistica” dos povos naturais. Com isso ele queria dizer que essas pessoas estariam interessadas apenas nos aspectos misticos, como a real esséncia das coisas, nao sabendo distinguir entre si e os objetos. Ele chamava esse sistema de pensamento de “pré-ldgico”. Hoje em dia sabemos que essa espécie de descri¢o do pensamento dos povos naturais é superficial, eurocéntrica ¢ especulativa. Os julgamentos cortespondentes séo preconceituosos, jé que foram concebidos antes que se conhecessea realidade, e sio imputagbes, para as quais nao ha provas objetivas. Na verdade, se observarmos cuidadosamente, também poderemos facilmente descobrir um comportamento “pré-légico” (qualquer que seja 0 significado disso) nas civilizagdes modernas. Por exemplo: o que ha de racional em “voar” a 130 km/h por uma estrada quando hé neblina, visibilidade de 10 metros a conseqtiente possibilidade de acontecerem grandes engavetamentos? E 0 que hé de Iégico no individualismo incontrolével de sociedades que potencializam o direito 4 realizacdo prépria ¢ individual a ponto de tornar instituig6es estatais comunitarias ingoverndveis, como observamos em escala cada vez maior nas democracias ocidentais? Freqiientemente casos extremos sao apresentados como provas do pensamento primitivo: a primeira vista, arco e flecha parecem serabsolutamente inferiores & metralhadora. Mas quem entre os “civilizados” que usa uma metralhadora seria capaz de construir arco e flecha, ou mesmo usé-los para obter seu alimento? Além disso, esse tipo de argumentagio omite uma circunstancia temporal importante: se essa maneira de caga é primitiva, entéo os nossos préprios antepassados, que faziam uso dela, também eram primitivos. Desde sempre, e em todos os lugares, o ser humano desenvolveu as estratégias, técnicas e estruturas de pensamento que lhe possibilitasse e garantisse a vida. Em algumas circunstincias, os resultados foram até mesmo espantosos. Lembremo-nos da capacidade que polinésios, micronésios ¢ melanésios desenvolveram na navegacao (Lewis 1975). Isso vale também para o campo do abstrato. A mitologia ea metafisica dos maoris, na Nova Zelandia, ou a religiéo do Egito antigo apresentam, em sua enorme profundidade de pensamento, feitos fantdsticos da mente humana. Nada disso pode ser avaliado sem analisar a finalidade a que se destina e o ambiente no qual funciona e pelo qual ¢ determinado. Pex., 0 conhecimento ¢ a tecnologia de um europeu séo completamente inadequados para obter o alimento necessario no Artico ou no deserto do Kalahari. Desse ponto de vista, as relagGes invertem-se: nessas condigGes, as culturas ocidentais parecem primitivas, enquanto a cultura dos inuit (esquimés) e dos pigmeus surge como desenvolvida e de alta categoria. A diferenciagio cultural, portanto, nao deve ser equiparada com a existéncia de capacidades intelectuais, e também nao é premissa para a capacidade de aprendizagem ou o dom de invengao. O fato de que nés, wibojouja v opinpo.squs Dui) - soanyny sopuasofi(y ne | 4ASEY JEY}OT 165 Lothar Kaser Diferentes Culturas - Uma introdugao a etnologia 166 ocidentais, seriamos capazes de aprender como se fabrica e utiliza arco e flecha, também vale irrestritamente para quem pertence a culturas sem escrita. Como ja vimos, culturas e seus produtos também surgem em fungio de condig6es ambientais. Portanto, um motor de combustio é desenvolvido apenas onde alguns pré-requisitos s40 preenchidos: ha metais, produtos quimicos, eletricidade e conhecimentos nas mais diversas dreas, e que somente mais tarde (e muitas vezes por acaso) s4o combinados de forma realmente coerente a ponto de formar um produto novo. Seria absurdo atribuir falta de capacidade intelectual para isso a homens que vivem em um ambiente em que essas condigdes nao existem ¢ a necessidade correspondente ainda nao se manifestou. Ao argumentar assim, chegarfamos A absurda conclusao de que os africanos seriam incapazes de inventar um motor sé porque nao o haviam inventado. Eu mesmo ficaria incomodado se alguém dissesse que eu nao poderia aprender chinés pelo simples fato de nunca té-lo aprendido na minha vida. Portanto, as realizac6es das pessoas nunca poderao ser usadas como ctitério pata defini a sua real capacidade. Muita coisa de que os europeus dispdem hoje em matétia de tecnologia, na realidade foi inventado, em parte hé varios milénios, por aqueles que antigamente chamavamos de primitivos. Nés apenas desenvolvemos, aperfeigoamos ¢ especializamos algumas coisas: roda, a domesticacio de animais, ocalendério, a semana (invencio dos chineses), a semana da vatriggo, inventada pelos sudbios (rodizio semanal entre os moradores de um prédio para limpar as Areas comuns — N.'T.), o papel e muitas outras coisas mais. Diferengas nas qualidades intelectuais nao sao distintivos raciais. Sabemos hoje que todas as racas humanas vivas pertencem a espécie homo Sapiens, ¢ que as diferengas bioldgicas entre as ragas sao despreztveis, de tao infimas. Ficam abaixo de um por cento. Na realidade, a capacidade mental dos homens das diferentes ragas é to perpassada pela sua enculturagao que enfrentamos grandes dificuldades para compara-las. Diferengas na capacidade mental sé podem ser definidas com exatidao caso as pessoas comparadas forem iguais no tocante 4 sua vizinhanga intelectual e social, seus interesses e sua motivagao. Portanto, uma comparagao razodvel s6 é possivel dentro de uma mesma cultura e regio geogréfica restrita. Uma das principais diferengas nas formas de pensamento entre as culturas ocidentais ¢ aquelas que nfo tém escrita é baseada na forma de aprendizado, com ajuda da qual os membros recebem o conhecimento ¢ as estratégias para dominar sua existéncia. O aprendizado ocidental ¢ um aprendizado essencialmente institucionalizado. Jé nas sociedades étnicas aprende-se de modo funcional. Isso significa, concretamente, que os europeus -¥ao 2 escola, onde se aplicam processos de aprendizado sistematizados ¢ a matéria aser ensinada é parcelada em vatias lig6es. Os afazeres praticos recebem uma estruturagio tedrica prévia e posterior. O aprendizado por meio de observacao ¢ imitagio, isto é, funcional, também é empregado, mas esté integrado ao aprendizado institucional e € considerado um complemento deste. ‘Nas culturas sem escrita é diferente. L4 0 aprendizado funcional é, em grande parte, o tinico princfpio, e isso tem conseqiiéncias. Aqui, aprender éem primeiro lugar, acumular e somar conhecimentos. Esses conhecimentos sao fatos e procedimentos, frutos da meméria e de vdrias habilidades, aplicados as necessidades imediatas do mundo em quese vive. No aprendizado institucionalizado ocidental trata-se de aprender a pensar de forma coerente e conclusiva, sendo que somente isso jé € considerado algo positivo. Ficou provado que o aprendizado institucionalizado e sistematizado confere ao individuo nao somente a capacidade de solucionar um problema tedrico ou pratico em situagGes aos quais est4 habituado, mas também de encontrar solugGes para situagdes completamente novas e inesperadas, Quem aprendeu a pensar de maneira associativa e dedutiva, também descobre mais facilmente o princfpio que o levard a solugao de situacdes problematicas que nunca havia enfrentado anteriormente. Isso é mais dificil para alguém que obteve seu conhecimento apenas pela maneira funcional ou pela “decoreba”. As sociedades sem escrita raramente promovem 0 aprendizado eo conhecimento por si sds, mas sempre relacionados & aplicagao pratica imediata. Contetidos cientificos sao reduzidos ao essencial, pois desse modo & mais facil formular explicagées compreensiveis. Isso fica evidente na imagem de mundo das sociedades sem escrita. Ela parece-se com aquela que os nossos antepassados tinham até a Idade Média: a terra é um disco plano e 0 céu fica estendido por cima como um hemisfério. As formas de pensamento que servem de estratégias para dominara existéncia referem-se rigorosamente ao ambiente natural do grupo étnico, sendo direcionadas para aquilo que realmente atinge os membros. Assim, os sistemas numéricos muitas vezes siéo reduzidos ao essencial. Os ashemikan, uma etnia da AmazOnia, nfo conhecem outras quantidades além de “nada”, “um”, “dois” e “muitos”. (Nos lugares onde jé hd ensino escolar, eles aprendem as designagées correspondentes em espanhol e, com isso, naturalmente também uma nocao ampliada de quantidade.) O sistema decimal nao é encontrado em toda parte. Em situagdes mais simples o sistema duodecimal, usado antigamente no ocidente (a diizia, viBojouya v opsnpo.sjus Duty) - svanyn>y sopuauafiy we 4OSB} 1EY}OT 167 Lothar Kaser Diferentes Culturas - Uma introdugéo a etnologia o dia com duas vezes doze horas etc.), é mais apropriado, pois um conjunto de 12 unidades pode ser dividida em mais parcelas (1, 2, 3, 4, 6, 12) do que um conjunto de 10 (1, 2; 5, 10). Os sistemas de medidas tém referéncia com 0 corpo humano: palmo, cévado, braga, pé etc. Os barcos a remo [guigas] da Oceania so construfdos por especialistas que usam para isso as medidas de seu prdprio corpo. Dessa forma, as embarcag6es resultantes sio muito individualizadas, cunhadas pelos seus construtores. Distincias maiores so medidas de acordo com o percurso que uma pessoa pode percorrer durante tempo determinado, por exemplo, jornada de um dia. A oorientacio no espaco € feita pelos rios, quando eles existem. As pessoas vio “rio acima’” ou “rio abaixo”. Nas ilhas da Oceania, uma localidade fica na “dirego do mar” ou na “direcdo da terra”. Os quatro pontos cardeais usados na Europa nfo existem em toda parte e, quando se encontra algo parecido, as vezes é muito diferente daquilo que conhecemos. Para os habiantes das ilhas dos mares do sul, ir para leste é ir “para cima”, para este é “para baixo”, para o sul é “para dentro” e para o norte é “para fora’. No Nepal hé grupos étnicos que entende o seu espaco vital como “em cima” eo resto do mundo como “em baixo”. Quando visitantes europeus ou americanos voltam para seus lares, so atenciosamente inquiridos sobre quando serd possivel recebé-los novamente c4 “em cima’ (isto é, no Nepal). As diferengas entre culturas ocidentais e culturas sem escrita sao especialmente caracteristicas no tocante 4 concepgao do tempo. Essa concepgao jé tem uma estrutura interessante dentro do nosso préprio pensamento. A linguagem pode expressar o tempo, uma data ou um acontecimento com prazo determinado como algo que vai ao encontro das pessoas. Por exemplo, dizemos que “a primavera esté chegando”. Mas o tempo também pode ser considerado como algo fixo, ¢ as pessoas é que se movem em direco a uma data: por exemplo, quando dizemos “estamos nos aproximando do Natal”. Como a Histéria ¢ uma matéria importante para 0 nosso pensamento e naturalmente é ensinada de maneira institucionalizada, surge aidéia de que os acontecimentos aparegam em linha reta. Esse alinhamento pode ser chamado de pensamento histérico linear. Nas culturas sem escrita que nao tém um conhecimento mais aprofundado do passado (conhece-se apenas com maior exatidéo 0 que ocorreu hd duas ou trés geragGes), esse alinhamento mental linear nao acontece na mesma medida. L4, chama mais aatengao o fato de que o mundo em que se vive est4 sempre se modificando, mas que depois de um ano as coisas voltam a ser como eram hd doze meses. Certos eventos também se repetem em intervals regulares, como as festas da primavera ou da colheita. Isso resulta num “circulo anual”, que tem por base uma concep¢io ciclica, Nas culturas sem escrita, os perfodos de tempo menores também so concebidos de maneira diferenciada: no hé horas, minutos ou segundos. O cilculo é por perfodo do dia: escuridao, creptisculo, madrugada com temperatura agradavel, tempo quente etc. Quando se deseja marcar um encontro com alguém, o momento é combinado apontando a que altura o sol deve estar, o que as vezes € indicado levantando a mao ou o brago num determinado angulo em relagio ao solo. De maneira geral, as pessoas em sociedades sem escrita possuem uma orientagio temporal mais grosscira. Mas, ao contririo dos europeus, cles so evidentemente muito mais orientados pelos acontecimentos. Uma conferéncia ou um culto n§o inicia em uma hora determinada (nem ¢ marcado dessa maneira), mas quando os participantes esto presentes ou quando para de chover. Damesma forma, 0 evento ¢ encerrado quando tudo foi discutido, quando os participantes ficam com fome ou quando o sol se aproxima do horizonte. Os europeus, orientados para o tempo, muitas vezes causam impress6es curiosas nos colaboradores orientados para os acontecimentos, por exemplo, quando dizem que esta na hora de ir almogar. Essa expressdo causa-lhes riso, pois eles mesmos comem quando esto com fome, quando h4 algo para comer ou quando acham o trabalho sem graca e procuram algo melhor ppara fazer, Pessoas orientadas para acontecimentos provavelmente considerarao impertinente o énibus que chega ou parte, p.ex. 4uma hora edois minutos em ponto ¢ no espera por aqueles que esto atrasados. Essa linha de raciocinio muitas vezes torna-se pesada para os europeus, pois somos programados a considerar que a produtividade que queremos alcangar é determinado de acordo com tempo e trabalho. Nao hé divida de que € obrigatério mudar a forma de pensar de etnias de origem cultural sem escrita e otientada para acontecimentos se houver necessidade € 0 desejo de introduzir alteragdes ou inovagées, como um ensino escolar ou um sistema de tréfego e econdmico que funcione. Nao € possfvel obter isso sem adaptar a orientagdo por acontecimentos & orientaco por tempo. Orientagao por tempo e por acontecimentos tem relacionamento direto com outro comportamento que distingue os integrantes das sociedades ocidentais consideravelmente das pessoas que fazem parte de culturas sem escrita. Empreendimentos precisam ser planejados, com aprofundamento e detalhamento cada vez maior. Quanto maior a quantidade de participantes ea complexidade do projeto, maior éa necessidade de planejamento, 1 DUI) - SDANYN sopuasoficy po] 4asey 1eY}07 youqa v opsnposqu, v1bo, 169 Lothar Kaser logia 0a elnok Gi Diferentes Culturas - Uma introdug Os europeus em geral planejam um empreendimento do comeco a0 fim, incluindo financiamento e gasto de tempo, pois os custos diminuem proporcionalmente ao tempo economizado para atingir 0 alvo. As vezes produzem-se varias alternativas de planejamento, para o caso de alguma coisa acontecer de forma diferente da prevista. Um aspecto importante no planejamento europeu ocidental fica evidente quando acontece algum imprevisto durante o trabalho que seja importante para a concluséo bem sucedida. O plano inteiro € revisto, inclusive o célculo de custos ¢ de tempo. E isso vale tanto para a construgao de uma casa como para uma expedicao cientifica. Nesse tipo de planejamento o fator tempo tem um papel importante, ¢ ele poderé facilmente causar estresse, nervosismo, noites mal dormidas e ataques cardfacos. Nas culturas sem escrita isso é muito diferente. Uma vez definido o alvo, comega-se o trabalho com os meios ou materiais que estiverem & mo. Caso algum material ou o dinheiro para a construgao de uma casa acabar, a obra para, até que aquilo que est faltando esteja novamente & disposi¢do. Sem falar no tempo. Isto é: entre idéia e execugao do plano transcorre um longo perfodo de atividade improvisada, que ao final leva ao resultado pretendido, mas sem qualquer orientagao de tempo. Um exemplo interessante para isso foi publicado por Gladwin, em 1964. Como nfo ha press4o, esse comportamento poupa os nervos dos envolvidos de forma considerdvel. Jé numa equipe mista, formada por nativos c euiropeus, isso é uma coisa desagradavel, estressante, uma fonte de constantes desentendimentos e que pode até gerar sétios conflitos. Estes s6 poderso ser evitados, se ambos os lados estiverem dispostos a desenvolver uma paciéncia bem maior em seu convivio do que seria necessério caso a equipe nfo fosse mista.

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