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By sec PEDRO FERNANDO BENDASSOLLI TRABALHO E IDENTIDADE EM TEMPOS SOMBRIOS Inseguranca Ontolégica na Experiéncia Atual com 0 Trabalho Prefacio de Thomaz Wood Jr. IDEIAS & LETRAS Cian Mira Candle eens ‘olin Gras Rebero Grol Coons Eoin ‘Banfaon Lis dor Sann Morir Revel: ‘Ara Lic de Caro Lote Dacwwscto: ‘Sane A Ramos de Godoy coms Faro Anco Stcos Res © Todos os direitos reservados 4 Editora Idélas & Letras, 2007 Dados Internacionais de Catalogaio na Publicacio (CIP) (Camara Brasileira do Livro, SP, Brasil) eee Bendassoll, Pedro Fernando “Trabalho © identidade em tempos sombrios inseguranes ontotbgien ra experiéncia atual com o trabalho / Pedro Fernando Bendassal, prefico de ‘Thome Wood je Aparecia, SP: ideas & Letras, 2007. (Colecio Management, 3) Bibliograia. ISBN 978-85.96239-01-1 | Economia do trabalho 2.ldentidade 3.Relagdes industrials 4 Trabalho «classes trabalhadoras | Wood Junior, Thomaz I Titulo Ii Série. 22 0-331 indices para catilogo sistemitico: 1 Relagio homem-trabalho: Economia do trabalho 331 \ \ cme wn | PARTE Il RUMO A CENTRALIDADE DO TRABALHO Na conhecida andlise do mundo contemporineo realizada pela seguidora de Heidegger, Hannah Arendt, A condigto buma- na (Arendt, 2000), a autora defende que uma mudanga radical deste tiltimo em relagio a0 mundo dos antigos a valorizacao que passou a ter a economia na deserigio de que é 0 humano. Para alguns filésofos gregos, como vimos na parte prece- dente, a vida virtuosa (a felicidade, a liberdade) era o que de- finia a esséncia do humano — na caracterizagao de Aristételes, do animal politico. A economia, 0 oikos, era de dominio es- tritamente privado; hoje, ela é referéncia na compreensio das relagdes sociais em nossis sociedades. Nestas, diz-nos Arendt, yrna-se um /onto economicus, cujo eu auto-interes- valor da ago eivica e politica em beneficio do ¢ trocas econdmicas no mercado, to a0 trabalho, este foi algado ao degrau de valor fundamental, € a vida contemplativa, no sentido grego, foi a n cada vez mais devorada pelas exigéncias ¢ necessidades da vida biolégica - do Jabor. Na visio de Arendt, as sociedades modernas tornam-se sociedades de trabalhadores ¢ uma das dimensdes anteriormente subordinadas da existéncia huma- na, a economia, torna-se o principal critério de convivéncia na esfera piiblica ¢ de definicio de si ‘Nesta parte, identificamos alguns elementos relevantes na histéria do ocidente industrial que tornaram o trabalho uma atividade central pelo menos até a metade do século vinte. espectfico, identificamos cinco desses elementos, O primeito € a economia politica clissica; o segundo, a ética protestante do trabalho; o terceiro, algumas doutrinas patronais langadas no século dezenove € logo no inicio do vinte; 0 quarto, a redes- ctigio do trabalho realizada por Karl Marx; ¢ 0 quinto, a teoria de Emile Durkheim sobre o valor moral da divisto do trabalho social. Tais forgas fizeram do trabalho um conceito central do ponto de vista ccondmico, moral, ideol6gico, filos6fico-onto- légico (ou existencial) ¢ contratual, respectivamente. Esta parte do livro estrutura-se de modo a refletir a se qiéncia de anilise desses cinco elementos ou dimensdes da centralidade moderna ¢ industrial do trabalho. Sendo assim, num primeiro momento, anal de fandamento a0 homo economicus. Buscamo-las na teoria econdmica clissica de Adam Smith, mais precisamente em seu livro Investigagio sobre a natureza e as eausas da riquesa das nagies (Capitulo 5). Num segundo momento, analisamos como o ascetismo secularizado da ética protestante, na leitura de Max Weber em seu A ériom protestante ¢ 0 espirito do capi- talismo, fancionou como primeira solugio de compromisso entre as novas exigéncias trazidas pelo homo economicuse pela industrializagao eo homem religioso da moral protestante até entio vigente (Capitulo 6). Em seguida, analisamos trés doutrinas patronais do séeu- lo dezenove enderegadas & construsao de uma ideologia do trabalho coerente com a industrializagao e suas so ages morais: © paternalismo, a auto-ajuda ¢ 0 indust Saint-Simon (Capitulo 7), Em quarto, discutimos © modo como Karl Marx transformou 0 trabalho em categori ‘uma elevagio sem precedentes na histéria do ocidente, 0 qu em nossa anilise, da criagio de um sujei- 10 do trabatho (Capitulo 8). E, por dltimo, discutimos c Emile Durkheim, Da divisio do trabalho social, « nics, 0 have, gam a constr a0 mesmo tempo 0 a primeira, encontr: criagio do deemprego, com de tarefas, € depo tegragio pelo Estado € pelas virias ciéncias — prinet ciéncia da administragio. Do. ponto de vista institucional, 0 emprego € res \Gi0 de sua contribuigio na izagao na forma empregaticio; pela visa transformar 0 nos divinos ¢ meio de dar dignidade ao homem Do ponto de vista subjetivo, notadamente com at ado como a prin da concepgao de homem pre qual adquirimos nos vontade, Como procuramos demonstrar no capitulo dedicado Marx, ele revisita a tradigio ri sta, romantica, de ct ceber o trabalho, modelindo-o a luz da ética do artesio. \73 seats albialbttits CAPITULO 5 DO HOMEM RELIGIOSO AO HOMEM ECONOMICO Cada individ despende continuamente eforsos em busca do 1 que posia dispor, do emprego mais vantajeso; £ bem verdaite priprio beneficio que é visado, e nito 0 da sociedade. Mas os é tem para encontrar sua vantagem pessoal o levam de im para n soctednde, ito é mem ide fuga parte gratuitamente de suas interesse pessoal, freqiiente- mais efienz em beneficio da te por objetive srabathar para ela, . Investigagio sobre a natureza eas causes da rigueza das nasies mente trabatha de wma mancira sociedade do gue se tivesse realm ‘Adam Smi é cor ado pai do homo economicus mais penetrante obra, Investigacito sobre a naturesa ¢ as causas da riqueza das nagaes, publicada ori- langou idéias que orientaram nao sé lissica, como também se tornaram a escora tedrica do liberalismo econdmico ¢ da industrializa- slo moderna. Para os propésitos deste liveo, vamos ater-nos a duas des- sas idéias em particular: primeira, a atribuicio central que 0 trabalho recebe em Smith, no mbito maior de sua teoria 75 76 sobre a origem da riqueza; segunda, ¢ fundamento da ante- tor, sua concepeao antropolégica do homem como criatu- "8 que maximiza seu proprio auto-interesse em processos de compra, troca ¢ contratos no mercado. Com esta iltima idéia Principalmente, Smith contribuiu para despir as descticées da subjetividade de qualquer vestigio metaffsico e teoldgico de- fendendo, em vez disso, que elas resultam da harmonia nio- intencional dos interesses, TRABALHO E PROPRIEDADE Quanto a primeira idéia, sobre a centralidade do trabalho No processo de geragio de valor, ii nela raizes tedricas que Femontam & teoria do direito natural de propriedade, na qual © trabalho é 0 fundamento do valor econémico, proposta p meiramente por John Locke. Em seu livro Segundo tratado sobre ogaverno, publicado em 1687, 0 empirista inglés estabe- lece que © homem ¢ individuo na medida em que é proprie- tirio de seus bens, mas também ¢ sobretudo de sua vida e de sua liberdade ~ é precisamente por ser proprietirio de si que le pode ser proprictirio de qualquer outra coisa, © problema que Locke tem diante de si é 0 de como conciliar a lei natural ¢ divina, de acordo com a qual as ri- guezas da natureza foram dadas comunalmente 20 homem, € seu direito & apropriagio individual dessas riquezas. O operador responsivel pela reconciliacio entre ambas, que faz.a passagem de uma para a outra, é, na defesa de Locke, © trabalho. Vejamos isso em suas prdprias palavras (1963 (1687). a “Embora a terra e todas as criaturas inferiores sejam co- muuns a todos os homens, cada homem tem uma propriedade ‘em sua propria pessoa; a esta ninguém tem qualquer dircito sendio ele mesmo. O trabalho de seu corpo e a obra de suas ios, pode dizerse, so propriamente dele. Seja 0 que for do a0 proprio trabalho, juntando- se-the algo que Ihe pertence, ¢, por isso mesmo, tornando-o propriedade dele. Retirando-o do estado comum em gue a natureza 0 colocou, anexou-lhe por esse trabalho algo que cexclui do diteito connum de outros homens. Desde que esse trabalho & propriedade exclusiva do trabalhador, nenhum outro homem pode ter direito,a0 que se juntou, pelo menos quando houver bastante ¢ igualmente de boa qualidade em comum para terceiros” (p. 20). O trabalho estabelece a disting3o entre o bem comum, que, por delegagio de Deus, pertence a todos, ¢ a proprie dade individual, Ele transforma a natureza, “a mie comum de todos”, no dizer de Locke, em direito privado do ind viduo. O trabalho faz a posse da propriedade independer de consentimento pelo pitblico: “Vé-se nos terrenos em comum, que assim ficam por pacto, que é a tomada de qualquer parte do que é comum com a remogio para fora do estado em que a natureza o deixou que dé inicio & pre priedade, sem o que © comum nenhuma utilidade te (p. 21). E mais & frente, referindo-se & posse de objetos da natureza, acrescenta: “O trabalho que era meu, retir os do estado comum cm que se encontravam, fixa minha propriedade sobre cles” (p. 21). Na [eitura de varios intérpretes de Locke, como Macpherson (1971), idéias como esta de que hon é livre na medida € propris infundir no liberalismo econdmico do sZculo dezoi reduzir a sociedade a uma série de relagdcs entre proprictarias, ‘em outras palavras, a relagdes de merca to. De acordo com Mercure (2005), a partir dese ponto é aberta uma brecha que seri explorada por Smith: as relagdes entre o mercado © o trabalho, ¢ entre este ultimo ¢ a origem da riqueza. E esta é precisamente, a primeira idéia de Smith que pretendemos apresentar aqui. 7 ie = Se ATEORIA DO VALOR-TRABALHO tua época, Em particular, os debates ensre os mercantilistas ¢ fsiocratas, Os primeiros defendiam que a riqueza de uma na- 10 bascava-se no acimulo de merais preciosos, na moeda, ¢ que da intervengio do Estado para gerar equilibrio no ba- -omercial; os segundos, por seu tuo, cram partidérios da re-tr0ca, do Inissesfvire, considerando que s6 aagricultura era produtiva ¢ gerava crescimento real da riqueza. De certo modo, destaca Mercure (2005 a tradigao dos n: em vez de na 0 homem, mais exatamente, © homem e set. 10. Em suas proprias palavras (1984 [ 1776, “O trabalho foi o ra do economista, ueza. Ora, se 0 tra tes sobre 0 trabalho. Trata-se da idéia da divisio do trabalho. Para ele, a po- tencializagio do trabalho origina-se de sua divisio, especia- lizagio ¢ mecanizagao. A ilustragio para scu ponto € dada pela célebre histéria da fibrica de pregos, cuja generalizacao lhe permite afirmar que “A divisio do trabalho que pode ser cefetuada em cada caso origina porém, em todas as indiistrias, ‘um aumento proporcional da produtividade” (p. 8). O autor em seguida alega que a divisio do trabalho possui esse efeito de acordo com trés modalidades concorrentes: “Em primeiro lugar, o desenvolvimento da destreza dos trabalhadores aumenta, infalivelmente, a quantidade de tra- balho que cles podem realizar; € a divisto do mesmo, redu- indo a intervenggo de cada um a uma simples operagto ¢ transformando esta dltima em sew éinico trabalho durante toda a vida, aumenta também necessariamente a destreza dos trabalhadores. [...] Em segundo lugar, a vantagem que de- corre do melhor aproveitamento do tempo que normalmen- te se perderia a0 passar de um tipo de trabalho para outro é ‘muito maior do que a primeira vista se poderia imaginat. [..] Em terceiro lugar, ¢ por tltimo, nto dificil verficar que 0 trabalho é facilitado © reduzido quando se usa uma maquina ria adaptada & tarefa que se realiza(...)” (p. 9-10). Em suma, o trabalho é a principal fonte da riquezae sua Jo € 0 meio pelo qual se aumenta a poténcia produtiva trabalho, Hii, como sumariza Mercure (2005), trés carac- importantes que derivam dessa tese de Smith. Em ‘0 lugar, a divisio do trabalho depende de uma dina- ais global, a acumulag3o de capital, pois esta igual- ¢ contribui para aumentar a produtividade do trabalho por meio do crescimenzo de sua divisto ¢ da aquisigio de melhores instrumentos mecanicos nas fibricas. Em segundo, hé uma nftida disting2o, em Smith, entre di visio técnica e divisio social do trabalho, sendo que € a prim ra que leva & segunda (tese semelhante 3 defendida por Marx ‘um século mais tarde). E, em terceiro lugar, hd uma espécie de determinismo social na obra de Smith, “segundo o qual as so ciedades modernas sio modeladas pela divisio do trabalho, fe: némeno que no comporta somente vantagens, pois cria, ‘em detrimento das qualidades intelectuais ¢ das virrudes sociais’ [frase de Smith], trabalhadores” (Mercure, 2005, p. 121). Essa. titima desvantagem é conhecida historicamente como alienagio ~ que, para Smith, deriva de uma espécie de redugio de inteligencia devido a0 fato de 0 trabalhador real tum niimero muito pequeno de atividades simples e repetitivas. A fim de encerrar este topico, achamos conveniente reproduzir ‘uma passagem muito liicida do texto de Mercure (2005) sobre © trabalho em Adam Smith, onde ele sintetiza a transformagio do sentido ¢ valor do trabalho para esse autor. Diz Mercure: “Com Smith, o trabalho passa a ser visto, parado mente, como uma nogio mais abstrata que finda a tivago do valor e, ao mésmo tempo, como uma re ‘quotidiana mais visvel, ou sefa, como a atividade pr dos homens. E, pois, 0 ponto nodal da vida em sociedade ¢ 0 pid de nossa reflesao sobre a sociedaite. Algm disso, 0 trabalho assume a forma de uma mercadoria, visto que se inscreve € todo 0 da produgio ¢ da troca. Esti, rigem da riqueza e, 20 mesmo tempo, ¢ at tecem os liames sociais fundam trabalho € na troca. A observagiio do trabalzo ¢ do mercado permite circunscrever as manifestagées sociais da ontologia pri ‘meira do homers: sua propensio natural i troca para melhorar sua condigio de vida” (p. 125 ~ grifos meus) OS FUNDAMENTOS DO HOMO ECONOMICUS Mas 6 a segunda idéia de Smith, sua concepgio antropo- légica do homem como criatura que maximiza seu proprio auto-interesse em processos de compra, troca € contratos no mercado, que mais nos interessa aqui, Em primeiro lugar por que, com ela, Smith gera uma interrupe0 em um tipo de vies historico de descrigao do homem. Ele limpa, com lingua técnica eA primeira vista “neutra”, qualquer vestigio met nessa descricio, colocando em seu lugar um novo vocabulirio — o econémico, Como diz Anthony (1977), © primeiro passo para a redescrigio da ideologia rcligiosa do trabalho foi a valo- rizagio moral que Smith engendrou a partir dessa sua d do auto-interesse, do egofsmo, como motor da ago humana te 0 que Smith tem timo termo. Hi « a divisto do trab ‘A propensio & troca io do trabalho, Essa mecinica da ida em uma passagem de Investigag homem a feitamente Na visio de ritio de outras es pécies, nio se torna independente quando chega & maturida de. Ele tem necessidades que nao podem ser satisteitas seni ja. compra, pela troca ou por um acordo. Por meio delas, ele ‘gue obter de scus companheiros a maior parte daquil We necessita para sobreviver. A imaturidade bioldgica o pele dessa forma a se co interdependéncia n outros homens, A conhecida passagem em que ele pos- © pressuposto do homo econ fas 0 homem necesita sempre da ajuda dos seus se- melhantes endo pode esperar que estes tha déem por mera bondade. Ser iF que tém vantagem em fazer pedido. £ isto que acontece quando uma pessoa propde a outras qualquer negécio, Dé-me o que quero, e terd aguilo que deteja cis 0 significado de todas as propostas. Nao € por generosidade que o em faz. a cerveja o1 © padeiro nos fornecem os al prio interesse, Nao nos dirig ‘mas sim ao'seu amor-prépi necessidades mas dos seus p Ip. torna uma espé lade uma sociedade A extensio do mereado torna-se um fator central no desen- volvimento da divisio do trabalho ~ e quanto mais live de restr- 90es for esse mercado, maior seri sua extensio €, conseqiiente- mente, maior a divisto do trabalho e a riqueza. Esta € a defesa do liberalismo econémico, a0 qual Smith abriu 0 caminho retirando de seu encalgo os possveis impeditivos morais que a Antigiidade a teologia medieval criti haviam imposto A atividade econdmica. Ele rompe com essas tradigdes, 20 mesmo tempo em que colabora para a riagio dos novos problemas que a teoria liberal doravante cnffentaria, como o problema da moral versusa economia, A MORAL PELO ECONOMICO. No restante de Investigagio sobre a naturesa ¢ as causas dda riqueza das nagies, Smith discorce sobre sua teoria da re- gulaclo social. Em seu aspecto essencial, essa teoria define 0 nculo social a partir da natureza socioecondmica das trocas, nio mais, como na extensa tradi¢io da qual ele representa a ruptura, a partic de um contrato social (nisso ele se diferencia, por exemplo, de Hobbes). Para os propésitos deste livto, € sportante destacar da concepgio de regulagio social de Smith algumas premissas que tornam, além clas mencionadas acima, a economia o pivé das outras ciéncias sociais—e, por extensio, 0 vocabulério privilegiado de descrigio do homem. imeira caracter(stica, recapitulando observagdes ante- riores, é que a ordem social é produto da pritica de individu- os em interagio, focados na maximizagio de seus respectivos auto-interesses. Segunda caracteristica, a sociedade, na visio th, é caracterizada pela economia de mercado, onde os luos, inter-dependentes entre si, satisfazem suas neces- sidades mituas. Os homens sio definidos como produtores ¢ consumidores de mercadorias, dadas tanto por seu valor de uso como de troca. © mercado constitui o elemento central da regulagio social, bem como o principal responsével pela ica distribucional. Como sintetiza Mercure (2005): 83 “f ele [0 mercado] que, por intermédio da lei gravitacio- nal dos pregos, reequilibra uma sociedade submetida as exi- stncias dos interesses egofstas. Com efeito, o que caracteriza © mercado em Smith € 0 fato de ele contribuir para a criagio da ordem social, conciliando no plano coletivo interesses pri- vados divergentes que nio tém tal intengio; ou seja, Smith stustenta que a harmonia social &, em larga medida, represen- tada por uma dindmica fandamentada na desconsideracio por parte dos agentes individuais do interesse geral” (p, 129) A sociabilidade que Smith tem em mente ocorre a partir do desconhecimento de um “bem coletivo” por parte do dividuo; & sua maneira, este contribui para a economia global das trocas no mercado pura ¢ simplesmente seguindo suas clinagdes interiores para a troca ¢ a satisfacHo de necessidades por meio da aquisicio do excedente de trabalho uns dos ou- tros. Em parte, a mio invisivel do mercado, frase pela qual 0 autor foi popularizado como patrono do liberalismo, cumpre esse papel de harmonizadora. Essa mio invisivel faz. com qui, partindo de um interesse individual, consciente, se produza um elemento de conseqtiéncias nio-intencionais: “Buscando satisfazer apenas seu interesse pessoal, freqiientemente traba- da socie~ para ela” (Smith, 1984 [1776], p. 14) A mio invisivel representa, pois, 0 operador que harmo- niza todas as atividades sociais ce ordem econdmica. O indivi- duo nio tem nada diante de si que no seu prdprio interesse Mas, em vez de a busca de tal interesse resultar em anomi numa exclusiva sociedade de individualistas, ela gera, pel fluéncia do mercado (quando este funciona adequadamente), uum resultado social positivo. Algo notoriamente préximo ao mote de Mandeville, em época préxima, “vicios privados, be- neficios piblicos”, contido em sua Fébula das abelbas. Todos eles, Locke, Smith ¢ Mandeville celebram a mesma coisa, em favor do liberalismo € da filosofia do capitalismo: nao é pre- ciso bem moral para a sociedade funcionar, desde q ral para usar sua propriedade (Lod 10 para fazer a passagem do vicio privado a0 0, © mercado (Smith), € vontade interior 20 homem para ser ganancioso, interessado ¢ egofsta (Smith ¢ Mandeville), Para encerrar este capitulo, julgamos importante desta car, uma ver positivos ¢ vineulo soci esse ser interessciro, luxuoso ¢ ganancioso. Como sofo Renato Janine Ribeiro (Ribeiro, 2004), 0 ria ser 0 que, na esséncia, € exortado por qualquer sistema moral. E isso sem qualquer escriipulo moral, diga-se bem. Se 0 protestante tinha contra si o compromisso de hi de suas obras ¢ de, por meio delas, gerar um icado na divisio do trabalho que, desde Plato, a ser vista como um traproducente. O smo econdmico de Smi po de assepsia na moral ou de moral. Janine 4 que, nesse seu aspecto neg, ede dizer que néo devemos ser bons } a shed 86 wr que o sistema de h gera um probl ber ~ que viu a \ccito de voca CAPITULO 6 A ETICA PROTESTANTE E © ESPIRITO DO CAPITALISMO [0 ascetismo religioso forneceu] trabalhadores sborias,conscien- dos que acreditavam firmemente ser 0 Deus. E davacthes ainda a certesa iio da, graca diving perseguinms fins descor ‘Max Weber, A ética protestance ¢ 0 esprit do capitalisme tes, A tien protestante ¢ 0 espirito do capitalismo, publicado entre 1904 € 1905, Webzr (1999) buscou entender quais for- ga8 agiam sobre os homens a ponto de fazé-los trabalhar de forma tio aplicada e metédica como o faziam. Sua questto 1tos de normas, valores, prinefpi avam como regras para que 0s i sem suas vidas € moldassem suas atitudes relagio a ela, Dai o autor ter culminado com 0 conceito de ethos, ou ética, uma fonte de modelos explicativos 1¢ tornavam as ages individuais inteligiveis. Em particular, Weber desejava entender quais as cren- 8 € 0s valores que, uma vez internalizados pelos individuos, determinavam um modo préprio de conduta - 0 modo de vida capitalista, ou 0 ethos capitalista moderno. Entendendo que nao havia nada de natural em se dedicar integral e devo- tadamente ao trabalho, Weber partiu & procura das motiva- 87 88 des profundas dese tipo de comportamento. No referido ensaio, ele estabelece uma afinidade entre certas concepgdes protestantes o estilo de conduta de vida necessirio a0 capi- talismo. A tese de Weber é de que o ascetismo puritano migrou para a ética secular € imbuiu o espfrito do capit 0 tipo de motivadores profundos que levaram os homens a dedicarem ao empreendimento que © capitalismo exigia. A Passagem entre um ¢ outro ocorreu, na leitura de Weber, a partir do conceito de vocagao de Calvino. O trabalho foi dotado de um poderoso motor rel tornando-se algo com elevado propésito ¢ sentido moral, ca- paz de dignificar os homens perante Deus. A profissio ¢ 0 cleo mais fntimo da personalidade de um individuo, a partir dessa nogio de vocagio, fundem-se em uma tinica € mesma realidade. Nao se trata, como veremos, de derivar 0 capita lismo do protestantismo ~ essa certamente nio foi a idéia de ‘Weber, mas de salientar a importincia da ré belece entre o ascetismo puritano ¢ uma maneira metédica de conduzir a vida dele derivada, ‘Weber busca as evidéncias para sua tese nas doutrinas que surgiram na posteridade puritana do protestantismo, no rei- nado de Elisabeth I (1558-1603), quando é pos: trar uma nova religiio do trabalho ¢ a retomada di conceito de profissto como vocagio. A mensagem puritana € de que se © homem confiar em Deus ¢ observar suas leis ele estard contribuindo com sua parte para a manuitengio do contrato que tem com Ele. Basicamente, “observar a lei de ‘Deus significava cumprir seu dever no exercicio fiel © disc plinado de uma profissio” (Willaime, 2005). E no trabalho que, segundo destaca Walzer (1987), 0s puritanos po encontrar a forma primeira e essencial de chave para toda ¢ qualquer moralidade. £ 0 zelo no trabalho que revela o valor e a “prestimozidade” do indi- viduo perante Deus. No puritanismo, © trabalho torna-se um problema de consciéncia. A pobreza € a riqueza nao sio mais vistas como destinos imputados aos individuos por Deus, mas moralmen te avaliados como sinais de forga ou de fraqueza de cariter, Este passa entio a ser associado as obras realizadas pelo in {duo € & forma como sio feitas. Walz« r (1987) menciona que a vocagio ¢ 0 oficio substituem as or lens de nascimento 0 estatuto, © puritanismo fornecia entio um nove sistema cor do trabalho, sas, condenaya os Sse 0 va a ordem a pobres, os preguigosos ¢ irresponsiveis. Essa dispos relagio ao trabalho, a internalizagio de valores de ponsabilizagio ea individualizagio pela vocagao formam uma 30 essencialista do trabalho da qual dependem a individuo daria de si e a fita mé- primeira nova descrigao moral que trica pela qual me: Weber (1999) extrai para an: ante do trabalho. vocagio como de forme trecho citad tein vista a 6a conserva nosis « mo tempo mot meio da agai al da poténcia [..}; sobret be de nds 0 servigo € a le de fazer o bem, mas p da mente’, ¢! ragdes perigosas vaidade © do pec icos ¢ até para Lutero, mas algo positive zado para a maior gléria de Deus ¢ preservacio da iduuo, Nas palavras do proprio Weber (1999) de ser re: alma do ini 90 “Naturalmente, toda a literatura ascética de quase todss as denominagdes esté hoje em dia saturada com a idéia de acompanhado a quem a vida mente gratificante aos oll tum bom salério, re coferece oportunidades, Deus. Neste particu cionou nada de nove, de modo mais radical, sozinha, decisiva para se meio do coneeito desse tral melhor, em da graga” (p. 267). Ima Vocagdo, como io de alcangar a certezi. € conelui que 0 ascetismo moldar © comportam Préximo ao final desse mesmo ensaio, Weber menciona que, s¢ 05 puritanos buscavam uma vocagio e, por meio da profissio, ‘uma vida plena de sentido, com valores s6lidos, os modernos tém A sua disposigZo apenas empregos dos quais necessitam para sobreviver, A Revolugdo Industrial ¢ a crescente racionalizagio técnica do capital foram pouco a pouco destituindo o trabalho de seu papel na conformagio de um estilo racional-metédico significativo que existin para os puritanos. Diz ele: © Puritano desejava trabalhar em uma’ nds somos forsados a fazé-lo. Pois quando o asceticismo foi transportado «las células mondsticas para a vida cotidiana e comegou a dominar ‘1 monalidade secular, ele fez sua parte na construgio do imenso «cosmos da ordem econGmtiea moderna, Esta ordem é agora vin- culada sis condigées téenicas ¢ econdmicas da produciio mecdnica {que determina atualmente, com uma irresstvel forga, a8 vidas de todos os individuos que nasceram dentro desse mecanismo, do somente daqueles diretamente envolvidos com a aquisigo econdmica, Talvez ela o determine até que a tlkima tonelada de fssil-combustvel seja consuinida (p. 269 ~ grifos meus). A fase acima, como dissemos proxima ao final da obra de Weber, encaminha ou antecipa os problemas da ética protes- tante para sustentar o valor do trabalho em um momento de intensa racionalizagio, mecanizagio ¢ fragmentagio. A. pers: pectiva de Weber, como se sabe, nio era das mais otimistas, ch mesmo a usar exemplos, como os Estados Unidos, ‘em que os desgastes éticos eram preocupantes. Vejamos agora ‘io de Weber para o problema da separacdo entre as esferas econdmica e moral, ¢ qual 0 papel do trabalho nisso. A ELEVAGAO DO TRABALHO NA FUSAO 91 DA ECONOMIA COMA MORAL Uma importante fonte de incompreensdes no trabalho de Weber é de que o autor estaria a propor uma detivagio de for- »| mas econdmicas a partir de motivos religiosos. Contrariamente, a tese do autor limita-se a defender que 0 ascetismo protestante deu contetido a uma maneira metédiea de conduzir a vida, a qual, por sua vez, era cocrente com as exigéncias da racionaliza- fo do trabalho no capitalismo industrial. ‘Como vimos acima, é a secularizagio do conceito religio- so de rocagao no de profisito que funcionou como matriz para ‘uma nova ética, ou seja, para a internalizacio de novos valo res, de uma forma especifica de conceber a vida e, sobret © trabalho. Quando esse contetido, como diz Weber, abian- dona as “celas monisticas”, ele se irra em forma de injungdes de comportamento, em sistem timados socialmente de conduta, Mas, para compreendermos melhor a solugo proposta por Weber ao que estamos des- crevendo aqui como um problema entre esferas econdmica ¢ moral, precisamos entender melhor 0 que Weber denomina de “espirito do capitalismo”. Cremos que, para facilitar essa discussio, é convenien- te pensar na existéncia de varias éticas, Especificamente, em dduas: uma ética social secular e uma ética religiosa. Cada uma delas contém sua prépria identidade, por assim dizer ~ possui seus proprios cédigos ¢ sistemas de conduta. A ética secular, ‘© que Weber chama de 0 “espirito do capitalismo”, é uma ética moldada por valores econémicos, especificamente pela valorizasio racional do capital no formato empresarial ¢ pela organizacio racional ¢ livre do trabalho. Conforme lembra Ruiz (2004), quando Weber refere-se a ethas ele 0 faz refe- rindo-se “a uma ‘mentalidade econémica’, 8 prépria menta- lidade da forma econémica capitalista. Ele diré: “erhos de uma forma econdmica’, ‘ethos de um sistema econdmico’, ‘ethos econdmico moderno’, ‘ethos capitalista’, ‘ethos profissional burgués’, ‘ethos capitalista burgués moderno™ (p. 83). Para Weber, 0 que define a peculiaridade da nova forma de capitalismo que ele identifica no século dezenove ¢ inicio do vinte é 0 modo como ele organiza o trabalho por meio de processos de racionalizagio e divisio. Esta é, para 0 so alemao, a verdadei ‘ficidade do capitalismo modern: Fica implicito, na obra de Weber, que’ funcionamento econémico nio ¢ “ a ponto de tornar-se algo “n tro” — nfo funciona simplesmente como uma “meci Para fancionarem, o capitalismo ¢ sua modalidade ra cientifica de agio dependem de uma ética, de um co legitimado e Iegitimador de comportamentos, ou d -requisito 0 nome de ética so ral, © ponto mais importante para nossa condugio da vida no dmbito do capitalismo, sua considera como boa ot reprovavel, deve ocorrer em conformidade as formas econdmicas prevalecentes (Ruiz, 2004). E quanto 4 Ica, OU monistica”, propde 0 conceito de vocagio como um cha mado divino ao homem, ao qual este esté pré-destinado em fangio de sua incerteza quanto salvagdo. O lastro da ética teligiosa € uma espécie de imperativo categérico do. dever. Bem entendido, é por manter a especificidade de cada uma dessas éticas que Weber propde a influéncia de uma sobre nodal, aourra: a é dentro da di intacto o nicleo egoista d eleva lor moral - em curtas palavras, a ‘um motivo 8 agZo, sancionado ¢ legitimado por um eth £ essa a particularidade da leitura weberiana do potencial encontro entre o homem econdmico ¢ 0 homem moral. O resultado: a extensa valorizagio do trabalho ¢ sua celebraga como “salvagao aqui na Terra”, agor secularizada em drivers mais comumente accitos ‘imados como o “des sucesso”, Weber (1999) descreve isso da seguinte forma: “O ismo nao pode utilizar como trabalhadores os repre ou converté-lo, a o de capi 3 94, if 0 havia mostrado, um hor jegdcios que em seu comportamento exterior manifesie estudos posteriores sobre as condigdes dos operirios do campo e da inddstria, Weber dirs a forma com que seguiu a mecanizagio do capitalismo vida plena de sentido” (Mi A industrializagao que tomou foi enti :ntado por a sabe:, pelos proprios es interessados em suit tas, CAPITULO 7 OTRABALHO NAS DOUTRINAS PATRONAIS “0 trabalho fiico canstitui um contato especiico com a beleen do mundo e, em seus melhores momentos, um contato de wma tal plenieude ‘gue nenbuon substieuto pode ser enconerndo, O artista, o intelectual, 0 pensador; 0 contemplativo devem, para realmente admivar 0 univer, ulerapasar esa. 100 envolve ¢ que fits le quase todos os momentas de sua vida, veriam: finser iss, mas com fregiténcin nito podem. Aqucles que ttm seus rmenibrosegyotados pelo esforgo de uma jornada de trabalho, quer dizer, le uma jornada pela qual ele foi subjugado pela matéria, tém em sua carne ‘algo como um espinho da realidade da univers, Para le, a difieuldade é de olbar e de amar; ele chegar a iso, ele tera amade 0 real.” ‘Simone Weil, L’Artente de Diew Shas do plano estritamente te6rico ¢ analisando as condi- ges materiais dos trabalhadores nos séculos dezoito, dezenove io do século vinte, talvez sejamos forgados a admitir que muitos dos problemas engendrados pelo industrialismo toma: vam dificil atribuir um valor superior ¢ dignificante ao trabalho. ‘Tampouco a uma ética do trabalho a mancira como a definiu Weber. Descrigdes de trabalhos penosos ¢ condigdes materiais aviltantes dadas por Simone Weil (Weil, 1998) George Orwell (Orwell, 1958), por exemplo, parecem estimular uma aborda- ‘gem a0 trabalho em que este € considerado um fardo, um peso, tum desgaste desumanizador, o leitmotiv da exploragio. Mas, ¢ temos aqui um paradoxo, essas mesmas descrigdes parecem preservar a dignidade do trabalho ~¢ a do trabalha- 95 % dor. Ou seja, mesmo no auge de uma concepgio de trabalho como aviltante em suas dimensdes coneretas, mesmo assim 0 trabalho tem de ser feito. E por qué? Orwell di uma pista: ver alguns trabalhem porque nio hé outra safda, ou porque a familia precisa ser alimentada, protegida, cuidada ~ ¢ devido a0 amor pela familia as pessoas trabalham. Simone Weil (epi- grafe) oferece ainda uma outra pista: porque o trabalho fisico constitui um contato com a beleza do mundo, tal que nto pode ser substituido por qualquer outra coisa. Relatos histérico-literirios sobre os problemas ¢ males da industrializaao, como os de Orwell e Weil, sZo abundan- tes e bem documentados, pululando nos séculos dezenove vinte, No entanto, dentre os problemas aparentemente mais centrais ¢ relevantes a este livro em particular, destacamos 0s relacionados a crescente racionalizagio do trabalho ~ mais cespecificamente, & divisio do trabalho. ‘Naturalmente, existem outros problemas igualmente eri ticos no periodo, como o crescimento das cidades, a mudanga de hibitos culturais ¢ de costumes trazida pela urbanizagio, as tcorias do capitalismo, como as liberais, com politicas sociais. E como se existisse ai um “problema civilizatério”, sobretudo se considerarmos racionalizagio do trabalho, que constituiu marca g¢ mente inovadora do capitalismo moderno ocidental, exerceut oposigio violenta aos valores religiosos correntes. Nas pala yras de Bendix (1966), a industrializagao teve de se impor num “ambiente relativamente hostil”, Em outros termos, © capitalismo ¢ sua divisio racional do trabalho s6 se impdem contra um sistema anterior de crengas, Os capitalistas do século dezenove e inicio do vinte, bem como seus mentores ¢ idedlogos, por stra vez, eram certamen- te sensiveis as condigdes matetiais do trabalho, embora por outras razdes que nio as de Orwell ou Weil. Provavelmente até pelas razdes contririas, Como diz Anthony (1977), se a ne a teoria liberal encaixava-se muito bem ao modus operandi des- ‘ses novos capitalistas, inclusive para servit como justificativa interna para sta propria ago, o mesmo no poderia ser dito ‘em relagao A massa de seus empregados. Estes precisavam ser enquadrados em um novo regime, Seria preciso construir uma “civilizagio do trabalho”, cujos integrantes conheces- sem bem ¢ tivessem internalizado a nova etiqueta da produ- gio industrial, seus novos “modos”. Melhor dizendo, seria preciso “socializar™ o ethos do capitalismo, Essas idgias so. semelhantes as defendidas por Bendix (1966), para quem, nas fases iniciais da industralizagio, na Inglaterra, as ideologias eram ideolagias empresarinis que con sistiam primariamente de justifiativas da inchistria ¢ de seus li eres. Eram idcologias da industrializagio. Estavam a servi tuma nova classe emergente que buscava reconhecimento social {tico num contexto aristocratic, Por essa razio, ideologias eram, nao apenas voltadas @ per adit os trabalhad res a trabalh: também focadas na coesio Para Bendix, mais tarde iam ideologiasgerencia: trole dos trabalhadores. Ideologias gerenciais, coordenasio € diregio em conte: de interna dessa 1wova classe burguesa. idcologias empresariais tornar-se: voltando-se exclusivamente par: nos Bet oitemos a0 periodo de inic omento havia a necessid aos empregadores © 4 st novo grupo econdmico, ido a’analise de Anthony (1977 sstiticar as raz@es para se ¢ gerar a obedi navas condigies in 7 sentido, essa pode ser a chave para se entender as formas de controle que foram se sofisticando a0 longo do tempo na re, uma ligagio ustrial da época. De um modo ou de todas as trés contribt costumes, 0 industrialismo, A segunda trata da “reforma” do eriodo vitoriano: o inglés 977).¢ Bendix (1966), A MORALA SERVICO DA INDUSTRIA: ga, © PATERNALISMO Uma primeira tradicao que criar uma ideologia rabalho que conciliasse as di as icitagdes do. mo liberal ¢ as da moralidade foi o paternalismo. No século dezenove, na Inglaterra como na Franca, essa tradigio contribuiu para o desenho de um importante marco ideol6gi- co nas relagoes entre empregadores ¢ empregados. Deacordo com Anthony (1977), 0 paternalismo preserva resquicios da sociedade medieval, onde redes de obrigagio e dependéncia eram chanceladas de acordo coma autoridade de Deus, transferidas depois 20s novos “patroes”. Aproveitando esta oportunidade, e fazendo uma corregio cultural, no caso do Brasil talvez seja menos a transferéncia da autoridade de Deus sobre a figura do empregador, do patrio, que conte. Em nosso meio, conforme andlises antropol6gicas marcantes, de nossa cultura realizadas por Sérgio Buarque de Holanda, em Raises do Brasil, e Gilberto Freire, em Casa Grande ¢ Senzala, a matriz de dependéncia remete aos Senhores da terra, a0s proprictirios dos escravos. Ainda assim, o modelo segue a mesma constelagio ‘Um balango geral do “si essencial que contribuiu, sua justa medida, para fazé-1o, a0 menos ioral (sistema normativo de comportamentos esperados). ‘Trata-se precisamente da idéia de que é preciso haver uma manu- tengo atina€ afétive dos modos, o que faz do patemnalismo um sistema que nao visa apenas produtividade, mas a uma espécie de fabricagio, ou principalmente de disciplina, da vontade. De fato, os empregadores justificavam a necessidade ¢ 0 direito de exercer um poder benevolente sobre seus empre- sgados as custas de trati-los (ou consideré-los) como moral- mente degradados (ou degradaveis). Ou seja, os empregados, por pertencerem as classes baixas, careceriam de sofisticacio, ‘maturidade intelectual e etiqueta social, Na auséncia de uma figura que lhes indicasse 0 caminho, seriam fatalmente lasci- vos, preguigosos € mal-educados. lusive, quea politica econdmica viesse acom- panhada nesse periodo de uma politica social: 0 trabalho poderia 99 corrigir os perigos de uma socializacao deficiente, sobretudo se considerarmos que as populagdes eresciam, bem como as cida- des, o que naturalmente gerava um problema de controle demo- grifico. Como denionstraram autores como Michael Foucault, propésito da gencalogia das instituigdes disciplinares, o Estado precisava desenvolver novas formas de controle para garantir a satide — fisica e principalmente moral ~ do corpo social. Assim, © industrialismo no vem desprovido de uma maquinaria moral =o trabalho torna-se uma “virtude” e a empresa uma escola da virtude € um espago de reenquadramento (ou evitagio) do vicio ou decadéncia moral (Le Goff, 1995). Adicionalmente, como destaca Le Goff (1995), tendo como pano de fundo a Franga do século dezenove, 0 paterna- lismo de autores como M. E. Le Play, que escreveu, em 1830, uma espécie de catecismo de boas priticas para o patronado daquele pais, era ainda assessorado, além de pela mo: religiio (que aliés nio deixa de estar igualmente c« com a corregio de condutas). A mesma constatagio ¢ feita por Anthony (1977) a propésito do cenirio inglés no mesmo perio- do~a religido era a grande aliada da reforma moral, produtiva € social engendrada pelo despotismo patronal da época. Para completar 0 quadro descrito no parigrafo anterior sobre o carter disciplinar do paternalismo, Le Go! aca que a primeira tentativa de reconciliar © econdmico a p Itica ocorren no final do Segundo Império Francés ~ quan, do 0 Estado exalta “o espirito de empresa” ¢ a “democracia do capital”. Esse movimento seria logo autores célebres daquele pats, como S. cipais idéias, tendo em vista sua influés mais adiante neste capitulo. Todavia, esse sistema, enquanto tentativa de c moral ¢ do econdmico em beneficio da industializagio e ordem produtiva, nfo vingou. Anthony (1977) destaca como principal a crescente profissionalizacio da gestio, com 0 volvimento do management € a substituigio do poder pa ais ra pela expertise récnica. A rede de obrigagdes pessoas ¢ 0 es mercado, bem como dos movimentos soci:is organi comecam a surgir no final do século dezenove nesses dois ses, como 0 sindicalismo, Mas existiram outras razdes, ternalismo de cuid do. Ora, na medida em que a indust ‘ow requerer funcionétio: pendé como vimos, a busca auto-orientada dos beneficios priv ‘A burocratizagio das empresas legitimago da autoridade, desprendendo esta tiltima d dade moral, Por fim, trabalhador, Fate paroxismo com prolet do trabalho, também deve ser destacado, SS Ke io2 No sistema paternalista o trabalho assume tum valor inestimé- 1esmo tempo de coergio social ¢ definigaio do cariter. Na que 0 oTopésito desse sistema ¢ assegurar o controle, plina ¢ a fat ricagio de modos coerentes com as demandas lustrializagao, pregar a importincia do trabalho diligente, € dignificante é algo de considerivel efeito ideol6gico. ho reunia todas as “vantagens” possiveis: era bom em si-mesmo; satisfazia os interesses egofstas dos empregadores; era AUTO-AJUDA EVALOR DOTRABALHO EM SAMUEL SMILES. ido hoje, mas suas idéias atuais sobre © valor ¢ 0 do trabalho. Mais a corrente de auto 110, Self-help, publicado ei 1 da versio nabordagem mainstrean nto © capitalismo € su ticas_econémicas, ma novidade nesse aspecto, afinal, boa parte da litera- tura gerencialista que encontramos hoje também esta repleta rmullas prontas sobre como ser bem-s:icedido, 20 mesmo po em que fazem siléncio completo sobre as contradigées profeta do indus- do como ele co: laborou para a redescrisio do valor do trabalho que atingiu tanto a classe dos empregadores como a dos empregados. Smiles elevou o trabalho a uma posigao de absoluta impor- tincia, fazendo da disposisio em executé-lo 0 tinico critério de definicio de ricos e pobres, dos que tinham sucesso ¢ dos que fracassavam, Nesse sentido, & um radical: coloca-se contra os légios cle nascimento ¢ de classe, reputando toda a respon sabilidade ao individuo por sua ascensio ou queda. Por essa ra- 20, pode ser considerado um dos precursores ideolégicos do self-made-man norte-americano, com sua filosofia orientada para a construgio da propria vida, em vez de recebé-Ia pronta, nda recursos retoricos euja popularidade © uso de biografias de sucesso: Smiles destaca as origens comumente humildes de grandes homens que se fizeram por si mesmos. Contra a soberba aristocritica, 0 autor propde a humildade de comegar de baixo. ‘Outra idéia polémica para a época 6 de que as classes supe- riores tém maior propensio a “preguica”, j4 que tm o suficiente para sobreviver. Os pobres, a0 contrério, teriam maior necessi- dade de se auto-ajudarem para vencer as duras condigdes mate- riais nas quais viviam. Mais um motivo para defender o trabalho como principal critério moral para tragar a linha diviséria entre ‘05 que estio certos € os que esto errados, os que levam uma vicla digna ¢ os que levam uma vida na vagabundice. © sucesso no depende de renda, nao de- .ditarios: 0 sucesso esta aberto a qualquer um que deseje tenti-lo pelo trabalho ¢ que tenha pensamento positivo. Para ele, o trabalho e o trabalhador eram 0 fundamento para a ci- izagdo inteira. Diz, Smiles (1908): “O estado da civilizagio em que vivemos é, na maior parte, resultado do trabalho. Tudo que é grande nos costumes, na inteligéncia, na arte, ou na ciéncia tem sido levado a perfeigio pelos trabalhadores que nos precederam. Cada geragio acrescenta sua contribuiglo a0s produtos do passado (...)” (p. 40) 03 log A elevacio do trabalho Quanto A elevagio do trabalho realizada por Smiles, isso pode ser observado em passagens de sua obra principal, como a que segue. ‘Uma dedicacdo franca ao trabalho é a mais salutar for magio para todo individuo, como também é a mais elevada disciplina para um Estado, Uma indistria honrivel segue a mesma avenida que a divida; ¢ a Providéncia fundiu a ambos ‘com a felicidade... © trabalho nio € apenas uma necessidade de uma divide, mas uma béngio: somente 0 preguigoso 0 considera uma maldigio” (p. 33), Na anilise de Anthony (1977), Smiles preenchew im- portante lacuna no industrialismo inglés do século dezenove Para Anthony, este tilimo ofereceu um prospecto do sucesso material ¢ da virtude para todos os que, pelo trabalho duro aplicado, seriam bem-sucedidos ~ ¢ também contribuiu para a auto-indulgéncia daqueles outros que, mesmo pelo trabalho duro, fracassavam. O fracasso, em sua interpretagio, era si de que 0 individuo nao arcou seriamente com todo 0 peso da responsabilidade € nio de que ele era a parte mais fraca ce um sistema maior. Mesmo com essa contribuigio, a auto-ajuda roposta por Smiles nio pode ser considerada uma ideologia isoladamente responsivel pela motivagdo da forsa de trabalho. Aspectos coneretos da existéncia do trabalho dos traba- Ihadores exerceram uma inffuéncia “natural” para 0 contro! dos trabalhadores: a pobreza, 0 crescente rigor e sofisticaga0 da supervisio, a forma de recrutamento dos trabalhadores, a disciplina da fabrica. Nao obstante essa ressalva, a popula ridade do trabalho de Smiles mostra que ele foi importante ideblogo da industrializagao capitalista inglesa, mas também, € principalmente, norte-americana, Nos Estados Unidos, destaca Bendix (1966), as idéias de Smiles foram re-interpreradas num amalgama que combinava teorias evolucion‘stas, como a de Herbert Spencer (“apenas (05 mais fortes sobrevivem, e a vida, ela propria, é ui grande combate pela existéncia”) e Darwin (“a espécie esti em evo lugio, voltada a um aperfeigoamento continuo com po dades ilimitadas”). Como diz. Bendix, osde \cer, como fata fi igo ¢ eonfirmados pela tados resultado, o scesso e a riqueza eram interpretados como de progress ¢ provado a si mesmo fecompensa por aqueles qu a pela sobrevivencia” (p. Em outras palavras, a conseqiiéncia da importagto © ias de Smiles foi a natu- cientificismo vers ideol6gicos do: pais na segunda metade do século dezenove e no inicio do século vinte. sucesio, 40 qual todos que seguissem seu trabalho com espirito igente, com cariter, honestidade e virtude, aleangariam ~, 0s idedlogos, jornalistas ¢ escritores de auto-ajuda norte-america nos faziam a apologia do homem de negécios no inicio do culo vinte no Novo Mundo. A imagem ideal eraa do individue solitério, mas com potencial para enfrentar os softimentos da vida, para afirmar sua superioridade, sua sobrevivénci Nesse sentido, a relago entre empregadores ¢ Ihadores no Estados Unidos da época era moldada por ideologia em que cada homem era um soberan F outro, de ir seu destino, st 105 ead berd 106. sucesso, que era um sinal tanto de sua virtude quanto de suas habilidades superiores. Aqueles que fracassavam eram enter: jos como desprovidos das qualidades necessirias, sendo entio obrigados a obedecer homens cujo sucesso os autoriza aa comandar” (p, 258). Todos os que estavam a frente das grandes empresas $6.0 fazi cram melhores, mais virtuosos, mais adequados ¢ c: de sobreviver. n porg APOTEOSE DA INDUSTRIA E OTRABALHO EM SAINT-SIMON Chude-Henti Rouvroy, conde de Saint-Simon (1760- 1824), € considerado um dos principais arautos do advento da sociedade burguesa capitalista, Seu projeto consistia em imple- tar uma reforma social que tivesse como eixo 0s principios de tum sistema industrial. A indstria, concebida em sentido am- nto de englobar todos os tral is a0s intelectuais, dev ipor-se como a grande da sociedade. Essa utoy «da por uma nov. ogia, a ciéncia industrial, deveria reconciliar a sociedade com ela ‘mesma, harmonizar inteiramente os conflitos sociais ¢ aumentar © ben-estar do maior nimero ps A sociedade, de pessoas Simon ambém deixa sua contribuigdo para a con- “io entre mo al e economi trodugio de Ao criticar a sociedade tra: trina sobre a indistria e 0 trabalho, endossando a tendéncia de abordar os problemas sociais numa linguagem econdmica, A prosperidade trazida pela indiistria deve instaurar ¢ paz social, na medida em que os interesses de todas as classes, embora ‘Qual foi, especificamente, a contribuigio da doutrina de Saint-Simon para a redescrigao do valor do trabalho no periodo {que estamos analisando? Em primeiro lugar, para responder a 81 questo temos de entender a antropologia utiitaista ¢ © organicismo evolucionista embutidos na teoria de Saint-Simon, Pata Saint-Simon, a sociedade era como um organismo ‘em maturagio, com érgios desempenhando fungdes interde- pendentes e funcionando para a harmonia geral do conjunto. Como ele diz. em seu La plysiolagie sociale (1965): “A socie- dade é antes de tudo uma verdadeira maquina organizada, ccujas partes contribuem de uma maneira diferente para'o fan- Gionamento do conjunto. A reuniio dos homens constitui um verdadeiro Ser, cuja existéncia € mais ou menos eficiente ou defeituosa, dependendo de se os 6rgios obedecem mais ou menos as fungdes que Ihe sao reservadas” (p. 57). Buscando sua legitimidade conceitual na fisiologia, Saint-Simon defen- de uma concepgio evolucionista da historia, para a qual a hu- manidade est avangando, por estigios orginicos ¢ criticos, de sua infincia & idade adulta. De acordo com Guyader (2005), esse evolucionismo or- ganicista é portador de um valor ontol6gico espectfico acerca do “ser” social. © fim da Hist6ria, aquilo para o que ela cul- um estado de equilibrio calma, Desse organicismo jonista de Saint-Simon é posstvel derivar uma antro- pologia utilitarista, De acordo com esra, de interesses, sentida por todos os homens, os interesses que pertencem & preservagio da vida ¢ do bem-estar’, ¢ que ‘a sociedade ¢ 0 conjunto ¢ a unio dos homens dedicados a trabalhos uiteis”” (apud, Guyader, p: 146). ara Saint-Simon, a finalidade da existéncia e dedicagio a0 trabalho cra a satisfagio das necessidades para a sobrevivéncia do organismo social ¢ individual. No entanto, ele reconhece que, naturalmente, 0 ser humano nao é afeito ao trabalho, que, naruralmente, ele tende ao inverso, & preguiga, Daf sua teoria sobre o trabalho assumir um tom prescritivo ¢ normativo: “o homem € naturalmente preguigoso: um homem que trabalha 108 somente é determinado a vencer sua preguiga pela necessidade de responder 4s suas caréncias, ou pelo desejo de proporcionar: se prazeres” (apud Guyader, 2005, p. 146). O valor do trabalho ‘Da premissa evolucionista e instrumental segt de trabalho para Saint-Simon, Para ele, eada um t de contribuir com sua parte titil & humanidade. E define 0 trabalho: “O homem deve trabathar. © mais homens é 0 que trabatha. A familia mais feliz é aquela na dos os seus membros empregam utilmente seu tempo. A nagio mais feliz, € aquela na qual ha menos desocupados. A hunvanida- de gozaria toda a felicidade que pode pretender se niio houvesse ociosos” (apud Guyader, 2005, p. 150). Pelo trabalho, 2 humanidade consegue o controle sobre a natureza, impondo-lhe sua forma e satisfazendo por ela suas necessidades. Por meio dele, é possfvel combater os males da ociosidade e os privilégios da aristocracia, Desse modo, para Saint-Simon a moral do trabalho era determinada por sua uti lidade social. Numa passagem do texto de Guyader sobre sentido do trabalho em Saint-Simon, aquele afirma; aconcepga0 | (a) ele €0 primeiro a ter associado, de modo sistems tico, trabalho e Histéria. Mais precisamente, com ele, 0 tra balho no ocupa mais somente tuma posigio central na an: tropologia: toma-se simultaneamente @ questo exclusiva da modernidade ¢ 0 motor de uma dialética historica socialm=nte de outro modo, Saint-Simon é 0 promotor de batho, a partir da vem ser compreendidas a dinimica das sociedades humanas € sua reorganizagio defini der, 2008, p. 138), Constatagdes como essa so comuns entre os intérpretes de Saint-Simon, Em um estudo mais antigo dedicado 4 compre- ensio de sua obra, M portante papel dado por aquele autor a0 trabalho, 205, econdmicos da producio ¢ aos produtores: “As doutrinas trabalho e do progresso eram os conceitos éticos direcion: dores da nova sociedade (...). A produgio era 0 iinico fim positivo da sociedade ¢ o maximo ‘Respeito pela propriedade € pelos donos de propriedades’ tinha de ser supe 956) destaca novame! de Auguste Compte, Saint: crengas tradicionais © homem cientifico gue 0 hom: ciou diretamente sociedade era ciéncia admini tia ralizados, fisiolégicos, or rado ao conceito de homem-; ade, o trabalho € reforgado em sua missio de controle .0. Com 0 agravante de que nao se questiona em hum momento a indiistria, mas muito antes ela é vene Nese sistema, vale ainda muito do que dizia Lutero, séculos atrés: “Quem nio trabalha no merece comer”, portanto, no merece viver. icos, Ontologicamente amar- CAPITULO 8 O SUJEITO DOTRABALHO EM KARL MARX trabalho é um processo em que 0 homem ¢ a naturesn par- ticipam e no qual o homem, por seu priprio acardo inicia, regula ¢ rola as reagies materinis entre st mesmo ¢ a Naswresa, Ele se opie latureaa como uma de suas préprias forgas, colecando em ago ‘pernas bragos, cabeca e mies, as forgas naturais de sex corpo, a fim ide apropriar-se das produgies da Natureza de um modo conforme & sua pripria vontade, Karl Marx, O capital FPA amplitude da obra de Karl Marx certamente desesti ‘mula qualquer tentativa apressada de sintese. Mesmo assim, at de abordar a concepgio sobre trabalho desse autor em :m estudo que busca precisamente reconstituir sua histéria, abriria uma lacuna comprometedora ~ sobretudo se consi- armos que Marx, ao lado de outros pensadores notiveis ‘Adam Smith € Max Weber, jé aqui apresentados, foi quem provavelmente mais contribuit para a construgio do sentido de trabalho que conhecemos no ocidente. No entanto, fugiria ao escopo deste capitulo explora in- tensamente a obra de Marx. Mesmo o conceito de trabalho, cuja qualidade de eséncia aparece, por exemplo, em A ideale ‘sia alema, obra em que © autor foi fortemente influenciado ‘por Hegel, softe grandes transformagdes em seu pensamento ¢ a0 longo de stia obra ¢ nos varios “marxismos” surgidos no final do século dezenove € no século vinte (Spurk, 2008). 112 Apesar das referidas variagBes, porém, o conceito de trabalho reconhecidamente ocupa lugar destacado em seu pensamen- to, nunca sendo abandonado. Adicionalmente, no Ambito da anilise de como o traba- Iho foi eleito como categoria-chave na modernidade, Marx € certamente a principal figura. Enquanto Adam Smith, por exemplo, cunhou 0 termo homo economicus, para 0 qual 0 sujeito era dotado de um miicleo de auto-interesse egoista ¢ propenso & troca, um tipo de sujeito econimico, Marx de! © sujeito como sendo um sjeito do trabalho, Com isso, 0 sen- tido do trabalho encontra um fundamento por assim dizer filos6fico na obra de Marx: o trabalho torna-se a condigio sine qua non para a definigao do humano. Na leitura de Hannah Arendt, em A condigito humana, a intengao de Marx foi substituir 0 conceito de homem como animal rationale pelo de animal Inborans assim como, de acordo com © que expusemos no Capitulo 5, Adam Smith substituiu o homem religioso pelo homo economicus. Arendt acrescenta que Marx sustentou a nogio “blasfémia” de que © trabalho, ¢ n3o Deus, criou 0 mundo ¢ de que 0 trabalho no- vamente, ¢ no a razio, distingue 0 homem dos outros ani- mais, Enfim, 0 elemento propriamente “humano” de nossa natureza nos é assegurado, na visio de Marx, pelo tral A construgio do sujeito do trabalho na obra de Marx re- presenta uma extensio ainda maior de seu valor quando com- parado ao que o trabalho tinha no protestantismo. Neste, 0 trabalho nao era assumido como categoria abstrata, universal, fonte do valor ¢ principal critério de definigio do humano; em ver disso, ele cra entendido como algo constrangido pelo universo moral do dever a que todo protestante estava desti- nado em razio de sua necessidade de salvagio. Novamente, € Marx quem empreende o salto para a emergéncia de um genuino sujeito do trabalho. Por “sujeito do wabatho” queremos dizer a invensi0 de tum tipo de subjetividade que organiza as experiéncias singulares dos individuos empiricos com o trabalho. Termo originalmente eunhado na filosofia moderna, notadamente na de Des © sujeito & uma instincia que age como substrata para se durante certo tempo, como uma disposigio transcendental varidvel e permanente vied-vira pluralidade de experiéncias, sen- timentos € multplicidades possiveis de sentidos, ito do trabalho & uma instancia que abarea todas as experiéncias pelo crivo do trabalho. Como for ma ideal, ide a formagio de todo individuo moderr = neste caso, como individuo do trabalho. Ou seja, 0 do trabalho apresentado por Marx é uma espécie de ponto de apoio para descrever quem somos: individuos que trabalham e cujo sentido da existéncia é em grande parte extraido deste. Mas quais as carseteristicas desse sujeito do trabalho? Como le pode ser relacionado ao sentido ¢ & centralidade moder- nna do trabalho? Para responder a essas perguntas precisamos entender melhor qual o papel ocupado pelo trabalho no pen: samento de Marx. O conceito de traballio em Marx repousa em dois postu lados principais, os quais vio se alternando a0 longo de su engendramento nas relagdes de produgdo capitalistas & anal sado nos Manuscritos econdmico-filosificos, de 1844, ¢ depois em A ideologia alema, de 1845. Discutiremos neste topic que o conceito de alienagio & conseqiiéncia da prop 20 do trabalho a uma categoria-chave, tanto subjetiva ¢ objetivamente. O segundo postulado que analisaremos na obra € seu postulado econdmico, de acordo com o qui Lars © traba 0 2 eyponsavel pela 0 0, no Capitulo 10, discutiremos como o préprio Marx, «i partir desse seu segundo postulado econémico sobre 0 tra- tecipa as mutagdes das forgas produtivas que empo- jam a caracterfstica do trabalho como fonte do valor, 20 mesmo tempo em que institiem o “trabalho vivo” (versio, subjetiva do trabalho) ¢ 0 ndo-trabalho como seu substituto. TRABALHO) COMO. EXTERIORIZACAO DO SUJEITO. O conceito antropolégico de trabalho para Marx apare- ce explicitamente em seus Manuscritos econdmicos e filosificos (Marx, 1844). Nesses, Marx foi influenciado pelas idgias de Hegel sobre o trabalho, de modo que seria conveniente co- meear nossa anilise pela apresentayio das idéias deste tltimo autor sobre o trabalho. Para Hegel, 0 trabalho ¢ 0 modo como o homem se auto-cria. Essa concepgio de trabalho depende, por sua vez, do pressuposto dé que as agdes humanas sao, findamental- mente, intencionais. Em seu A filasofia do espirita, Hegel de- monstra que a ago intencional caracteriza-se por trés tipos Telagdes: © obj objetivo € 0 objetivo realizado. Teriamos entio, de um uum sujeito dotado de inteligéncia ¢ da capacidade de querer ¢, de outro, um conteitdo p suscetivel de ser querido ¢ tornado, por esse meio, teal (Busch, 2005 Para Hegel, o sujeito é universal na medida em que pode-se dizer um “eu”. E ele pode colocar-se a si-mesmo como um eu na medlida em que realiza um ato de auto-referéncia, Desse modo, ‘© eu concebe-se como um ser indeterminado que abstrai todo © contetido particular, sendo um “ser-para-si” constituido por tudo © que foi capaz de sbstrair, um contedido indeterminado de objetos que podem ser por ele queridos, Ao querer, o eu fixa para si mesmo um objetivo exterior. O ato de querer estabelece uuma ligagio entre 0 sujeito universal ¢ um contetido p particular. Ao colocar-se em relagio a um objetivo, o sujeito percebe que aquele nio existe sen3o pela forga de sua prépria vontade, de seu ato de querer; ele escolhe seus objetivos de acordo com sua liberdade ¢ autonomia, ¢ sua escolha reflete a si mesmo. Na Filosofia do espirito Hegel observa que 0 objetivo um processo. Devido a sua forma, ele é “a falta de ser” que pode ser superada quando p deixa de ser um objeto querido € se torna um ser real. Por meio da ativicade pritica o sujeito realiza 0 contetido p, ou seja, 0 objetivo querido. Do ponto de vista do ator, a realizagao de p corresponde & exteriori- zagio do sujeito “porque esse sujeito sabe que, fazendo p, cle realiza sua intengio de fazer p. Por isso, sabe ser 0 au- tor do resultado da atividade em questo, ou seja, do fato p. Percebendo p, ele se refere a0 mesmo tempo, portanto, a si proprio, na qualidade de ele que quis ¢ realizou p. Nesse sentido, percebe 0 fato p como ‘sua obra’” (Busch, 2008, p. 91-92). Dai que, para Hegel, 0 sujeito exterioriza-se pela realizagio de sua intengio de fazer algo. Portanto, a agio intencional pressupde que 0 sujeito se reconhece como um “eu” na medida em que quer algo, que realiza algo na pritica ¢ que se refiete no objetivo ou na obra ada. 1ss0 no entanto s6 € posstvel quando o ator sabe ser 0 autor do resultado da atividade em questo, que é a realizagio de sua intengdo de fazer p. Hegel define 0 trabalho no Ambito dessa definig20 da ago intencional. Diz 0 autor: ““O trabalho consiste no ato de fazer de si mesmo, de maneira interna, objeto. (...] O trabalho enquanto tal nio € somen- te atividade, mas atividade refletida em si, ato de engrendrar (Hegel, 1805-1806, apud Busch, 2008, p. 92-93). © fato de o trabalho ser por ele descrito como 0 “ato de fazer de si mesmo, de mancira interna, objeto” significa que © proprio sujeito € quem estabelece, pelo ato de querer, um contetido p em seu trabalho, Ou seja, para Hegel, o trabalho deve set uma atividade norteada pelos objetivos que 0 pro- prio sujeito estabeleceu para si. E quando diz que ele é uma “atividade refletida em si”, quer ainda dizer que 0 trabalho to referir-se a si mesmo como 0 autor dessa atividade e de seu resultado. Na concepcio de Hegel, a sociedade deve permitir 20 indi- vviduo exteriorizar-se mediante seu trabalho, Para tanto, cla deve reconhecer © individuo como um ser-para-si, ou seja, como al- guém que tem o direito de satisfazer suas proprias necessidades por meio do trabalho. Em acréscimo, esse tipo de recon ‘mento esté na base de uma economia de mercado, pois cada membro da sociedade, como proprietirio dos bens que Ihe per- mitem alcancar a satisfigo de suas necessidades, é simultanea- mente produtor ¢ vendedor de mercadorias. “Disso resulta que a cconomia em questio se caricteriza pela auséncia de aciimulo de capital ¢ de qualquer forma de salariado, Por essa razao, ela corresponde a uma economia de mercado nio capitalista, E por isso que 0 trabalho ¢ a troca permitem ao individuo se exterio- rizar: cles sio ‘a mesma exteriorizagio™ (Busch, 2001, p. 100- 101). Essa condigio econdmica ideal necesséria para que 0 individuo por si mesmo determine os métodos de trabalho que adotaré c a quantidade de bens que produzirs, Ocorre que a sociedade capitalista obstrui a relago entre ‘que nas capitalistas sua finalidade & a obtengio do luc demanda, em sociedades capitalistas, € determinada pacidade de produgio € nao pelas necessidades emp serem satisfeitas. Essa mudanga tem repercussdes importantes ra autonomia individual, Na medida em que a producio é determinada mais ¢ mais por engenheiros ¢ que o trabalho manual separa-se do intelectual (execugio ¢ planejamento), (© sujeito nao tem mais condigdes de determinar seu proprio ritmo ¢ estilo de trabalho, rem a quantidade de mercadorias que produz. Ele fica reduzido a efetuar trabalhos repetitivos que exigem pouca ou nenhuma qualificacio ¢ um ‘quase nulo reconhecimento de si por outros suj © processo acentua-se na medida em que o trabalho tor- na-se mais € mais uma categoria abstrata mediada pelo nheiro, pelo salirio. O di universal rompe a cot trinseco, mas pelo significado que ela possa ter ser convertido em dinheiro numa rede de relagdes de troca (Applebaum, 1992, p. 443). Conseqientemente, diz Hegel, zem; antes disso, tornam-se, eles préprios, objetos mate! Um ponto vital na teoria de Hegel é0 elevado apreco que ele reserva 4 auronomia individual, a qual se funda na base do direito da propriedade privada, na possibilidade de fixar pro- jetos estabelecidos por si mesmo € no controle que 0 sujcito possui sobre a conquista de sua vida material. O que ocorre bases sio progressivamente desabi- ho para Marx ¢, principalmente, seu con nagio, dependem muito dessa leitura que dle fez de Hegel sobre a exteriorizagio do sujeito mediante 0 trabalho. E com isso que vamos ocupar-nos a seguir. TRABALHO E ALIENACAO Mars prolongs 0 conceito de trabalho de He seus Manuseritas econdmico-filoséficos (1844), di Hegel “concebe o trabalho como a esséncia, a ess afirmativa do homem” (p. 203). Ainda sob a infl Hegel, Marx observa q ndo 0 homem age sobi tureza, dominando suas forcas, ele esta, ao mesmo temp agindo ¢ modifi 7 stratura em suia Marx, 1906, p. 198). n Estranged labor, capi Marx (1999) define 0 “ser ge conhecido dos Manuseritos, 10” da espécie ~ a consci- de sua condigao como membro da espécie humana ~ como orientado pela asividade sobre a natureza, no sentido de que ¢ constrdi em seu confronto com esta ¢ de que é um ser ‘© caso dos animais; a vida ativ: 1, tem um cariter de afirm: amento da propria vida. Marx a coloca a questio Ia produtiva em i mieramente como inde de mi ja produtiva € a vida da ia. O homem fiz sejo € de sua consci que sua propria vida é um objeto para cle. Somente por causa lsso sua atividade & uma arividade livre, [..] Ao criar um mundo de objeros por sua atividade préti- ‘ca, em sew trabalho sobre 0 mundo inorginico, 0 homem prova ser um ser genérico consciente, isto é como um ser gue trata a espécie como seu proprio ser essencial, ou que trata asi mesmo como um ser genérico” (p. 45 ~ grifos no original). Nessas trés passagens podemos observar os tragos da tcoria hegeliana: o “ser” € uma construgio intencional do homem em seu relacionamento com o mundo externo. A in- tencionalidade coloca ém causa a consciéncia de ser sujeito € io de si do objeto. O trabalho é uma asdo sobre 0 ido, sobre a natureza, a partir da qual o proprio ser ge- tico, a propria consciéncia de pertencer a uma determinada espécie de apreender sua condigio, pode emergir. £ nes- se sentido que novamente vemos Hegel em Marx: trabalho como externalizagio do sujeito, como objetivagao da consci- éncia mediante um ato de vontade, mediante uma atividade sobre ¢ contra o mundo. Para Marx, lembra-nos Applebaum (1992), “a sociedade ideal seria aquela em que 0 trabalho tem valor em si mesmo, é recompensador em si mesmo ¢ na qual a vida encontra seu sentido no trabalho” (p. 443). Na base da hipétese de que ‘© homem se cria a'si mesmo, € trabalhando que 0 sujeito se -realiza, pois 0 agir produtivo permite aos trabalhadores afirmarem-se em relagdo aos outros, 2 natureza ¢ ao mundo no qual vive Paradoxalmente, no entanto, € quando Marx analisa © conceito de alienag3o que sua visto do trabalho como esséncia de definigio do humano aparece mais contun- dentemente. Ou seja, € por pensar 0 trabalho como meio pelo qual 0 homem cria a si mesmo ¢ seu mundo que ele imagina uma situagdo em que o homem domine novamen- te © processo de trabalho ¢ seu produto, em vez de ser por eles dominado. Para Marx, conforme destaca Anthony (1977), 120 “a alienagio representa uma imperfeigio na pureza do ideal de trabalho, o qual & a tinica atividade que dé 20 homem sua identidade. O paradoxo essencial da alienagio é 0 de que ela é um estado patolégico produzido no trabalho como re- sultado de uma énfase exagerada numa ética de trabalho € em valores baseados no trabalho. Torna-se possivel falar de homem alienado por seu trabalho quando ele € conclamado 4 tomar seu trabalho seriamente” (p. 141). Por meio de seu conceito de alienagao Marx enuncia que hh uma proporcional desvalorizagio do mundo humano na medida em que 0 mundo das coisas se valoriza. O “fetichis- mo da mercadoria” ocorre quando os bens produzidos pe- los homens ocupam seu lugar, dominando-os, “O trabalho ‘no apenas produz mercadorias, mas produz o trabalhador como uma mercadoria” (Marx, 1844, p. 71). Novamente em Estranged labor, dos Manuscritos econdmico filosificos (1999 [1844]), Marx explica 0 que exatamente esta envolvido com © fenémeno da alienagio. Acompanhemos sua explicagio ¢ procuremos identificar, a partir dela, o modo como Marx faz do trabalho uma categoria central na definigao do sujeito. Diz o amor que a alienagio deriva do fato de 0 objeto produzido pelo homem ser tornado estranho a ele proprio € pelo fato de o trabalhador ser aljetivisado no processo de produgio. Assim 0 expressa Marx: homem coloca sua vida no objeto; mas, agora, vida nao mais lhe pertence, mas sim a0 objeto. Como con- seqiiéncia, quanto maior sua atividade, maior é a falta de ob- jeto do trabalhador. O que quer que seja o produto de se trabalho, ele (0 trabalhador] nao é. Assim, quanto maior seu produto, menos ele é ele mesmo. A alienagio do trabalhador ‘em seu produto nio significa apenas que seu trabalho se tor: nna um objeto, uma existencia exterior, mas que este objeto cexiste fora do srabalhador, independemtemente dele, como se fosse estranho a ele, € que se torna um poder nesse seu proprio confronto com o trabalhador. Isso significa que @ vida que ele conferiu 20 objeto © confronta como uma coisa hostile est-anha” (p, 42). E, mais i frente, em célebre passagem do mesmo livro, Marx define o que constitui a alienagao do trabalho. Diz-nos cle: “Primeito, o fato de que 0 trabalho & extern Ihador, isto é nio pertence 3 esséncia de seu ser; seu trabalho, portanto, cle nio afirma a si mesmo ma volve | seu corpo e arruina sua mente. O trabalhador, dessa forms s6 sente a si mesmo fora de seu trabalho, ¢ em seu ttab: sente-se fora de si mesmo. Ele ests em casa quando esti trabalhando, quando ele esté trabalhando el em casa, Seu trabalho € nio-voluntério, € um trabalio forcado, Ele nio € entio necessidade; & meramente um meio de sat externas a cle, Seu cariter estranho emerge clar f rnenhuma compulsio fisica o 10 &evitado como uma praga no qual o homem se aliena, € unt trabi io, de mortificagao, Por fim, o cariter ex dor aparece no Fito we ele n io pertence a si mesmo de auto-sac Ihadores sio alienados do produ: Jez que este é apropriado por outros im segun- do lugar, eles também sio alienados do préprio ato de pro- duzir. Nesse caso, o trabalho torna-se estranho porque ja nko para determinar s passagem dos Manuseritos prdprio destino e seu “eu”. O deixa isso bem claro, ida em que seu compo inorginico, a natureza, é dele tomado” (p. 45-46). iracteristicas essenciais que o a saber, de confrontar a na~ de transcender a mera necessidade de sobrevivéncia se caso, do trabalho ico, como categoria abstrata cerador de valor e ou entio do trabalho assalariado, mas de uma visto filoséfica ce antropol6gica em que, por meio da performatividade de seu trabalho, o homem torna-se quem é. A diltima observagio acima remete-nos de volta & discus- sao que fizemos no Capitulo 3 sobre o sentido do trabalho no Renascimento. Destacavamos naquele capitulo que esse traba- tho, cujo paradigma € 0 estilo de vida do artesio, possui um valor inerinseco: cle € prazeroso, gratificante e significativo pelo simples fato de ser realizado, Nao consiste de uma atividade “es- tranhada” porque quem 0 realiza faz. muito mais do que mera- mente reprodusirse ou entio produzir uma mereadoria sob 0 comando de forgas externas, alheias: a0 executi-lo, ele se torna sujeito. Ora, parece ser esse mesmo tipo de concepgio que esti presente nessas passagens de Marx: o trabalho ctiativo de que ele trata ali € o trabalho como categoria ontolégica, como forga de constituig3o da subjetividade. Sobre isso, conclui Gay: “Assim, © conceito de natureza humana articulado por Marx € um em que se assumie que as pessoas realizam sta ladle como pessoas humanas, como uma ‘espécie’, so- do trabalho ctiativo que é realizado por seus préprios propésitos € nao sob 0 controle e a exploragio de outros. (..] Para Marx, tornar-se um ser humano completo implica em uma libertagao do ‘sujeito’ de sua alienago social «, genericamente filando, das ofuscasdes ¢ distorydes da ideo- © ‘homem’ s6 & capaz de emengir ‘da massa’ e tornar-se individuo concreto’ no dominio da ‘liberdade real, quan- ideologia no mais existir para ‘aiend-lo™ (p. 13-14). Nos capftulos que compdem a préxima seco deste livro revisaremos algumas criticas a0 conceito de alienagio de Marx (por exemplo, a de Goldthorpe, 1969). Veremos, em espect- fico, que a alienagio no trabalho depende de uma elevagio desse trabalho & categoria ontoldgica-chave. Ela é uma espé- ie de corolério do empreendimento de consagrar 0 trabalho uma das mais elevadas atividades humanas. Quando ‘Marx trata do problema da superagio da alienagio ele nto 124 esti desabilitando 0 sentido essencialista do trabalho, muito antes, ele 0 esté confirmando em seu patamar ontoldgico: se as condigdes “objetivas” que alienam o trabalhador forem removidas, entio 0 homem poderd encontrar novamente seu “ser” perdido. Abolir o relacionamento “instrumental ¢ ex- trinseco” do homem com seu trabalho ¢ 0 desafio mesmo da superagio de qualquer forma de alienasio, A desumanizagio da experiéncia do homem com seu trabalho bloqueia a possibilidade de subjetivasio: 4 torna extrinseco, 0 trabalho é uma imposigio de fora, uma atividade voltada para fins alheios, conduzida unicamente por motivos eles também externos ¢ alheios: por exemplo, 0 salirio para sobreviver, Vérios autores do campo da psicolo- gia do trabalho parecem partilhar dessas idéias sobre aliena io e, parti pris, sobre a esséncia do trabalho. Este é 0 aso, por exemplo, de autores como E. Fromm, G. Friedman ¢ C. Argyris, O gerencialismo reinterpretou 0 problema da aliena- 20 como um problema gerencial, ou seja, de manutengio da adesio ¢ comprometimento dos trabalhadores. Dai os diver- sos movimentos que surgiram no século vinte e se reuiniram sob a rubrica de “enriquecimento do trabalho”. Até esse ponto, focamo-nos na andlise do primeiro pos- tulado da teoria marxiana sobre o trabalho, a saber, seu pos- tulado filosdfico-antropolégico (c até ontolégico). No entan to, como dissemos ao iniciar este capitul ‘xiste um outro postulado sobre o sentido de trabalho em Marx que aparece em suas obras posteriores. Trata-se do que estamos aq mando de postulado econdmico-politico do trabalho. cha- TRABALHO, MERCADORIA E VALOR © postulado econdmico-politico sobre o trabalho aparece principalmente em duas obras de Marx: em O capital (Marx, 1906) © nas Grundrisse (Marx, 1971 [1857]). Naquele, 0 autor opera uma distingio entre valores de uso © valores de roca, defendendo, de acordo com os argumentos fornecidos por um dos fundadores da escola classica de economia, David Ricardo, que ¢ 0 trabalho o responsivel pela geragio de ant bos os tipos de valores. Em particular, no caso de Marx, 0 trabalho que gers € aquele socialmente necessirio para a produgio de um bem. Enquanto 0 valor de uso refere-se as qualidades concretas ¢ trinsecas presentes nos produtos eriados por meio do trabalho umano, 0 abstratas ‘no mercado ¢ compativel com di na rede de relagdes de troca. O valor de uso esti ligado as neces, utor e do consumo, a0 passo que © de troca esté ligado ao intercimbio de mercadorias ¢ i geragio estrita de valor econémico apropriado pelo capitalista ~ de um “valor a mais” do que aquele valor de uso do produto, Assi o trabalho abstrato que mais interessa ao capital, pois cle permi a geragao de mais-valia e, conseqiientemente, sua acumulagio ¢ reprodugio, A seguir analisamos essas idéias em detalh Comecemos com 0 valor de uso ¢ sua relagio com 0 tra balho. De acordo com Marx em O capital, no proceso de trabalho © homem, auxiliado por instrumentos de trabal Iteragao no material sobre o qual ele axe. Ac € 0 desaparecimento daquele processo no produto gerado. Este produto representa um valor de uso, ou se material da natureza adaptado por uma mudanga de forma de acordo com os desejos ¢ necessidades humanos. Enquanto produto é materializado, o trabalho desaparece, incorpara-se nele, Sem essa acdo pelo trabalho os materiais da natureza simplesmente desapareceriamy; seus potenciais valores de so, isto é,a utilidade de suas propriedades concretas, deixariam de se transformar em produtos para uso humano ~ por exem= plo, sem a agao humana, a madeira simplesmente apodreceria sem se transformar nunca em uma cadeira que poderia entio ser usada para fins socialmente iteis (¢ por muito tempo) 125 ‘ j # 126 Assim, 0 trabalho que gera valor de uso ialmente titi, realizado porque houve timento de ener sa fisica ow mental do trabalhador en dio para dominar as forgas da natureza de modo a atender necessidades humanas c historicamente constitufdas. Mas as voisas nio param por capitalismo os produtos resultantes do trabalho social- til assumem a forma de mercadorias. Em O capital Mars 106) analisa como essas mercadorias adquirem um valor que um trabalho so: 38, ou pelo fato ia Marx, cada ia andlise do valor, Marx parte do concreto para 0 ~ enquanto 0 valor de speito & utilidade es ipativeis umas com 106) que a troca de mer- total abstragio a partir reflete © que as stionamento sobre essa troca, Sua resposta & conriedade que todas Prolongando a tradigao da economia clissica, sobretudo a de David Ricardo, de conceber 0 trabalho, Marx postula que esse custo de produsio s6 pode ser medido pela quantidade de traballo que foi socialmente necessiria a tal producto. Notentan- to, niio se trata aqui do trabalho conereto, como o de assar um pio ou fibricar um abridor de latas; no é na base do trabalho concreto que o valor de uma mercadoria € gerado, Esse trabalho concreto, como disse Marx, é variado e complexo demais para nos fomecer a medida do valor econdmiico que nos interessa. Para Marx 0 trabalho possui um “cariter dual”: “De um lado, todo trabalho é,fisiologicamente falando, um dispéndio da forsa de trabalho humana, e nessa sua natureza de trabalho human abstrato idéntico ele cra ¢ forma o valor de uma mercadoria. Por outro lado, todo trabalho € dispéndio da forga de trabalho humana em uma forma especial e com um propésite definido, ¢ nessa sua natureza de trabalho sitil ele produz valores de uso”, E no trabalho abstrato que devemos depositar a origem Marx (1906) escreve: “Junto com as qualidades titeis Ys em si mesmos, deixamos de lado tanto o cardter itil dos varios tipos de trabalho neles incorporados ¢ as for- mas concretas desse trabalho; tudo ¢ deixado de lado, exceto ‘© que € comum a todos cles: todos sio reduzidos a uma ¢ ca espécie de trabalho, o trabalho humano em abstrato”. gem de O capital Marx diz: “Portanto, um 1 de uso ou um bem possui valor apenas porque nele esté trabalho humano abstraro”, wloria €a responsivel por “nivelae” todas as formas coneretas ¢ especificas de trabalho; ela é o equivalente “que figura como a materializasao do trabalho humano em abstra- jue & produto de algum tipo de abalho concreto 5 te Gil”, E como a mercadoria faz Na medida em que ela pode ser trocada no mercado. A. utilidade da mercadoria é determinada por sua transferéncia, mediante a troca, nesse mercado. Por sua vez, na medida em que a mercadoria é Gtil, o é também o trabalho que a gerou. 127 128 Para Marx, 0 trabalho socialmente atl € aquele trabalho necessirio & sociedade para a produgio dos bens de que cla necessita. Assim como qualquer outra mercadoria, o trabalho possui valor de uso ¢ valor. Este dltimo é determinado pelo tempo de trabalho socialmente necessério envolvido para manter o trabalhador vivo e para educar as proximas geragdes que 0 substituirio. Jé 0 valor de uso da forca de trabalho é 0 trabalho propriamente dito necessério 4 producto das merca~ dorias. No entanto, como 0 trabalho é a origem do valor, ¢ jé que o trabalhador cria, durante um dia de trabalho, mais va lor do que o capitalista paga por seus dias de trabalho, temos aqui um “mais-valor”, um “excesso”, que ¢ apropriado pelo capitalista ¢ que sustenta a reprodugio do capital. Essa é a célebre anilise de Marx da “mais-valia”, a qual pode ser compreendida pelo fats de o valor de uso especifico desta mercadoria ser fonte de valor, ¢ de mais valor do que cla propria tem. Assim, a mais-valia surge da diferenga entre 0 valor criado pela forga de trabalho ¢ 0 valor da prépria forga de trabalho. E 0 trabalho abstrato que interessa ao capital ta: ele torna possivel a troca de mercadorias no mercado por dinheiro ou diretamente por outra mercadoria. Mais 3 frente neste livro, no Capitulo 10, veremos como essa concepgio da teoria do valor-trabalho € criticada ja pelo préprio Marx uma diversidade de outros autores no decorrer da segunda metade do século vinte. CAPITULO 9 A MORAL DO TRABALHO EM EMILE DURKHEIM Quanto mnisgeral a consetticia comum se torna sob a necesita de lidar com maise mats tipos de fenémenes, mais espaso csi situariio deixa para as variagées individuais, Quando Deus etd longe das coi sas ¢ da homem, sua agio nto é mais onipresente, tampoco ubiqiua Niio hd nada fico, exceto regras abstrasas gue podem ser livremente aplicadns de diferentes manciras. Entio, elas jd mo tem a mes cendéncia nem 0 mesma forca de resisténcin a individwalidade veo mais intensa da, fi ile Durkheim, Da divisto do-trabatlo sacial na forma como ela vinha sendo feita na so ta moderna, transformava 0 homem numa pega um grande mecanismo andnimo. Seu conceito de all como vimos logo a pouco no capitulo anterior, d situagio do trabalho em que este perde sua naturez mentou de forma diferente sobre a div sio do trabalho, mas reconhecia igualmente suas conseqit patologicas. Seu ponto de partida era a perplexid: do estado de desorganizagio que ele julgava existir na 129 La a a aS, eT , problema que considerava to grave quanto, mu- jtantis, uma anarquia p Durkheim acreditava im estado de anomia caracterizava os relacionamentos econ6micos na sociedade e, por conseguinte, as relagdes com A desorganizagio a que Durkheim se referia era de natu- reza moral, Em tal estado de desarganizagio, a sociedade vé ada sua prépria coesio social, seu sistema de valores eas ramentos vidos e da sociedade com o Estado. O socidlogo ncés acreditava que uma vida social regulatizada era favord- 1 A solidariedade social € a0 desenvolvimento pessoal © avango inequivoco do ethos econdmico ¢ da 640, as antigas regras do jogo que coordenavam a8 agdes entre os homens foram gravemente enfraquecidas, como, por exemplo, a tradigio e a religiio ~ devemos brar que o perfodo em que escreve Durkheim foi marcado iportantes agitagdes sociais ¢ pelo crescente desenvolvi- mento da burguesia (Tiryakian, 2005), Na medida em que a sociedade moderna interiorizou, progressivamente, esse ethos préprio da nova ordem, um segmento grande da vida social ficou desprovido de mecanisnos reguladores normativos apropriados, Nesse quadro, 0 projeto de Durkheim era 0 de recons truit sobre bases s6lidas a ordem social, um novo regime nor- mativo (moral), coerente com os tempos modernos de inte: ho. Ou seja, Durkhei indo se opunha 4 econo: ntes: como seu compa iota Saint-Simon, ele reconhecia a indiscutivel importincia que a economia vinha assumindo nas soc'edades modernas. nap de revolugio do na produtivo vigente. conformidade com isso, Durkh livre espago em uma divisio do trabalho cada vez, mais avan- gada, J& que esta diltima é inseparivel do cariter essencialmen- te econdmico da sociedade, seu objetivo era de definir um sistema moral que no fosse incompativel com esse fato. Daf gue, para Durkheim, “a divisio do trabalho, longe de ser 0 vilio da hist6ria, aparece como o her6i, como a fundagio da ordem moral e social” (Anthony, 1977, p. 147). Durkheim estrutura sua principal obra, Da divisto do tra~ batho social, em torno de dois grandes objetivos: primeiro, analisar o trabalho em uma perspectiva sistémica; neste caso, seu propésito & mostrar quais slo as causas ¢ as fungGes da divisto do trabalho na sociedade. Segundo objetivo, realizar uma espécie de microssociologia da divisio do trabalho ¢, neste caso, seu propésito é entender o que acontece com os trabalhadores em situagdes caracterizadas por formas anor- mais ou patol6gicas de divisio do trabalho. Em ambos os casos, conforme destaca Tiryakian (2005), € possivel identificar, embora nao explicitamente, “que Durkheim considera que 0 trabalho é significante ¢ satisfat6- amente quando é feito em um meio regulamentado normativo, marcado pela solidariedade entre os trabalhado- res” (p. 225). A seguir faremos uma sintese destes dois pon- tos da obra de Durkheim, buscando identificar sua concepgao de trabalho ¢ © modo como contribui para elevar este diltimo a uma categoria-chave. DIVISAO DO TRABALHO E ANOMIA Durkheim observa que @ divisio do trabalho tem sido mal compreendida pelos economistas, que a véem apenas em a dimensio econdmica, enquanto, na verdade, ela é essen- mente a origem da solidariedade social. Para ele, hé s0- edades em que a coesio social deriva de crengas comuns € sentimentos; para outras, como é 0 caso das sociedades poll- 132 ticas avangadas, éa divisio do trabalho que se encarrega dessa meta, pois permite ao individuo diferenciar-se um dos outros mediante uma tarefa pessoal como ser por eles reconhecido. Em sociedades industriais a divisio do trabalho é a fonte do direito contratual e da lei, Isso ocorre porque ela permite tum tipo de cooperasio € reciprocidade que no surgiria de outro modo. Para Durkheim (1960), a divisio do trabalho surge como um modo de coletiva, na medida em que o aumento da densidad lacional pressiona as unidades sociais umas em relagio is ou- tras, forcando-as a se especializar e concentrar. ‘Se a divisio do trabalho é a causa da solidariedade social, cabe a Durkheim explicar uma série de entraves a seu pleno funcionamento. De fato, nas condigdes industriais do perfodo arreferida divisto estava muito mais associada com desordens do que com o desenvolvimento da solidariedade € coesio so- ciais. Para responder a esta questio, Durkheim (1960) suge~ re a distingio entre uma divisio do trabalho natural ¢ uma nio-natural. A primeira é uma forga positiva responsivel pela produsio de solidariedade social, uma consciéncia da interde- pendéncia entre os homens na sociedade. A segunda refere-se a dois fendmenos: anomia ¢ divisio forgada do trabalho. A divisio andmica do trabalho esti associada aos conflitos entré capital ¢ trabalho que se tornaram comuns ap6s a intro- dugio da indiistria de produgao de larga-escala. A especial zacio das tarcfas passou por um desenvolvimento muito mais ripido do que a capacidade de absorsio dos trabalhadores, sendo-lhes imposta de cima para baixo. © problema, aponta Durkheim, é que este tipo de especializacio ¢ simplificagio de tarefas aumenta 6 isolamento dos trabalhadores ¢ 08 priva da conscigncia de estar dando uma contribuigio comum em sew trabalho. A especializacio das tarefas dificulta a formagio de ‘um senso de solidariedade, cooperagio e, por conseguinte, re- ciprocidade entre os trabalhadores. Na opinio de Durkheim, a situacio seria revertida se cada individuo pudesse voltar a recess da vid sentir que nao € uma unidade auto-suficiente, mas parte de um conjunto maior que dele depende. Desse modo, o principal problema com a divisio and: mica do trabalho é a auséncia de uma rede de laos que, pelo habito, se consolide em uma solidariedade orginica que im- esa 0 individuo de softer com situagbes ndo reguladas. auséncia de solidariedade segue quando nao hi harmonia eum est no poderia emergir stivess em contato suficiente umas com as outras por um tempo s ficiente; dado um tempo suficiente, relacionamentos espon~ taneos se desenvolvem em um corpo de regras” (Anth 1977, p. 149). desse tempo apropriado para os relacionamentos consol rem-se em habitos ou regras que ent¥o passam a governar os relacionamentos. As conseqiiéncias, para Durkheim, sio graves: se 0 individuo trabalha sem saber para que ou pars onde isso o levaré, s6 Ihe resta seguir a rotina, num movimen- to monétono ¢ repetitivo sem interesse. A anomia seria um estado semelhante Aquele da alienagao: em ambos os casos é a de propésito, de sentido, que esté em questo ~ para Marx, a falta de sentido pelo fato de o trabalho nao poder mais realizar 0 homem para Durkheim, a falta de se pelo fato de o individuo nao participar de uma co comum, ‘A segunda forma de divisio ndo-natural do trabalho & a forgada, que ocorre quando os diferentes talentos individuais, aces nfo sio considerados. Neste e280, 3 alocagio do individuo na tarefa obedece a principios outros que nao 0s ligados as suas caracteristicas pessoais. Para Durkheim (1960) isso s6 pode ocorrer quando a sociedade accita que as desigualdades sociais expressem exatamente as desigualdades naturais. Os conflitos de classe, em sua visio, ocorrem quando capacidades ¢ 133 4 ribuigio das fungdes sociais nao corresponde & distribui- talentos individuais. Assim, as classes baixas se tornam is conformes as su sociedade teria de tre classes ‘Ambas essas formas nijo-naturais de divisio do trabalho, a a forcada, no apagam o valor do principio de que a umes dos grupos cole- tivos, se tornam fiacos \quanto a divisio do trabalho se torna a principal fonte da solidariedade social, ela se torna 20 mesmo tempo a fundagio da ordem moral” (p. 150). PARADOXOS DA MORALIZAGAO DO TRABALHO pensador i essa. Feconsti amos fazendo do do trabalho porque, estdo presentes os trés aspectos fiundamentais que contribuiram para tornar 0 trabalho uma eategoria-chave. Primeiro, a crescente forga du economia na determinasio das fe crescente forga da Para Durkheim, um sistema moral funciona como forga dora e como autoridade que ancora o individuo em grupos, os quais Ihe server como fonte de apoio ¢ calor € refreiam 0 egofsmo. O que 0 socidlogo havia percebido em sua €poca foi precisamence o enfraquecimento desse sistema 1 medida em que a disseminasio do ethos econdmico desor- ganizava os sistemas moras tradicionais, como a familia ¢ a religiio. ‘© enfraquecimento dos sistemas morais conduz 3 ano- mia, estado patologico e nocivo a individuos ¢ & sociedade in- tira, Entdo, para resolver o problema, Durkheim leva a cabo projeto de reforma moral, tomando 0 trabalho como um possivel substituto para os sistemas tradicionais enfraqueci- dos. De que maneira 0 trabalho faria isso? Bem entendido, trata-se aqui do trabalho regulamen- tado, pois Durkheim via no sistema vigente uma espécie de “libertinagem” moral onde ninguém respeitava os direitos uns dos outros m entre patrdes ¢ empregados quanto estes com seus prdprios colegas. Competigio, busca dos proprios interesses ¢ dificuldade de reconhecer os direitos alheios eram um sintoma desta anomia do trabalho desre- gulamentado, Por sua vez, a anomia seria eliminada das re- lagdes de trabalho quando a solidariedade entre os trabalha- dores pudesse emergir ¢ estes se concebessem como partes importantes do trabalho social realizado. Isso seria possivel jo que os individuos escolhessem as fungdes ou mes & sua propria natureza, tornando o trabalho uma atividade significativa. No entanto, observagbes criticas sobre essas idéias de Durkheim mostram os limites de seu diagnéstico. Anthony (1977), por exemplo, destaca dois paradoxos dessas proposi- ¢0es sobre a moralizacio do trabalho, Primeiro, a anomia nio é, como acreditava Durkheim, um estado transitério ¢ pas- sageiro rumo a um estado em que o trabalho fosse pleno de significagio. A anomia, nas condicdes modernas de produgio 135 136) industrial, revelou-se uma coi trabalho, pois no parece factivel per duos escolher sua prépria atividade. Segundo, qualquer observagio empirica de uma linha de montagem, prossegue Anthony, seria suficiente para demons- trar que os trabalhadores tém consciéncia de sua interdepen- déncia uns em relagio aos outros, mas, mesmo assim, dai nio se segue solidariedade no sentido que the deu Durkheim. Diz Anthony que “nio hi divida de que, em alguma medida € em algum nivel, a divisio do trabalho implica em cooperagao interdependéncia ¢ implica também na consciéncia desta cooperagio ¢ produz, portanto, solidariedade moral. Porém, © principio nao pode ser infinitamente estendido a fim de gerar solidariedade na sociedade mais ampla” (p. 153). Marx,

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