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Robert Castel As metamorfoses da questao social Uma crénica do salario ‘Tradugio: Iraci D. Poleti 4 Edigio 7) EDITORA VOZES Petrépolis 2003 © Libraire Acthéme Fayard, 1995 “Tiralo do original francts: Les métamorposes dela question sociale Direitos de publicacio em lingua portuguesa no Brasil: Editora Vozes Ltda. 00 25689-900 Petrépolis, RJ Internet: htrp:/iwwwvozes.com.br Brasil. reprodunida 01 {cleetdnico ou mecAnico, incluindo forocépin ¢ gravasie) im qualquer sistema ou banco de dados sem permissio es Editoragdo e org. literdria: Enio Paulo Giachini Capa e projet grifico: Mariana Fix ¢ Pedro Fiori Arantes ISBN 85.326.1954-1 ‘Dados Internacionais de Catalogagio na Publicagio (CIP) (Camara Brasileira do Livro, SP, Brasil) Castel, Robert ‘As metamorfoses da questio social : uma créni i Petrépol 97-$815 CDD-306.36 fndices para eatélogo sistematico: 41. Salérios : Questio social : Sociologia do trabalho 306.36 st liv foi compost e impresso pela Ectora Vozes Lida. VIII - A nova questo social © resultado das andlises precedentes leva a interpretar a questio social tal, como se manifesta hoje, a partir do enfra~ quecimento da condigio salarial, A questio da exclusio que fié alguns anos ocupa o primeiro plano é um de seus efeitos, essencial sem nenhuma divida, mas que desloca paraamargem da sociedade 0 que a atinge primeiro no coracio. Ou ndo hé, como pretendia Gambetta, sendo “problemas sociais” parti- culares, uma pluralidade de dificuldades a enfrentar uma a Su ha uma questo social e € a questo do estatuto do salatiado, porque chegou a estruturar nossa formagio social {quase inteiramente, O salariado acampou durante muito tem po as margens da sociedade; depois af se instalow, permane- Fendo subordinado; enfim, se difundiu até envolvé-la completamente para impor sua marca por toda parte. Mas € exatamente no momento em que os atributos vinculados ao T Rum discurso de 20 de janeiro de 1880, Léon Gamberta decara que problema que se deve dediae “Co que chamatel de asolusio dos problemas rropomicorre industrais, € que me recusaceia chamar de questi social fives problemas s6 podem ser resolvidos ur a um, custa de estudos ‘rontadee, sobretudo, &custa de conhecimentose trabalho" doin G, Well, Histoire di mouver ase de uma forma de “divide a8 di ‘qrantas forem necessirias para melhor resolv-ls, irs de la méthode de Descartes, ou de dividir a que partes quantas forem necesérias para a cludir melhor? AS METAMORFOSES NA QUESTAO SOCIAL trabalho para caracterizar 0 status que situa ¢ classifica um lade pareciam ter-se imposto definitiva- mente, em detrimento dos outros suportes da identidade, como 0 pertencimento familiar ow a inscrigo numa comuni~ dade concreta, que essa centralidade do trabalho é brutalmente recolocada em questo. Teremos chegado a uma quarta etapa de uma histéria antropolégica da condigao de assalariado, eta~ pa em que sua odisséia se transforma em drama? Sem diivida, essa questo nao admite, hoje, resposta uni- vyoca. Mas é possfvel precisar as disputas nela presentes ¢ de- ir as opgées abertas, conservando o fio condutor que inspirou toda esta construgio: aprender uma situagao como uma bifurcacdo em relagao a uma situago anterior, buscar sua inteligibilidade a partir da distancia que se aprofundou entre co que foi ¢ 0 que é. Sem mistificar 0 ponto de equilibrio a que havia chegado a sociedade salarial ha cerca de vinte anos, cons- tata-se entio um resvalamento dos principais parametros que garantiam esse frégil equilibrio. A novidade nao é s6 a retragio do crescimento nem mesmo o fim do quase-pleno-emprego, a menos que se Veja af a manifestagio de uma transformacio do papel de “grande integrador” desempenhado pelo trabalho". O ‘trabalho, como se verificou ao longo deste percurso, € mais que trabalho e, portanto, o ndo-trabalho mais que o desemprego, o que ndo é dizer pouco. Também a caracteristica mais pertur~ badora da situagio atual é, sem diivida, 0 reaparecimento de um perfil de “trabalhadores sem trabalho” que Hannah Arendt’ evocava, 08,41 realmente, ocupam na sociedade um lugar de supranumerarios, de “indteis para o mundo”. Entretanto, essa constatagio nio é suficiente para avaliar o significado exato dese acontecimento nem para saber como enfrentar uma situagdo que é inédita na escala de meio século, embora evoque outras mais antigas, anteriormente encontra~ das. Momento dificil de enfrentar enquanto’se espera a reto- 2y, Barel, “Le grand intégrateur”, Connexions, 56, 1990. 3H Arende, Condition de homme moderne, op. cit» p38 496 A a ameter a maula, Por exemplo: bastaria armar-se de,paciéncia ¢ se virar con\ alguns expedientes. Perfodo incerto de transigao parauma inevitavel reestruturacao das relagdes de produc: ciso mudar certos habitos antes de encontrar uma cor estivel. Mutagdo completa de nossa relagio com o trabi através disso, de nossa relagio. com o mund. tao, de iriventar uma maneira diferente de h: ignar-se com o apocalipse. Para evitar tanto as tentagbes do profetismo como as do ccatastrofismo, vai-se comegar pela tentativa de avaliar a am- plitude exata das mudangas ocorridas em vinte anos ¢, depois, oalcance das medidas tomadas para enfrenté-las, Assim, quan- to as politicas de integragao qutsprevaleciam até os anos 70, as politicas ditas de insercfo: estaro elas & altura das rupturas que se aprofundaram? Trata-se de modernizar as politicas pii- blicas ou de dissimular sua derrota? Este trabalho pretende ser essencialmente analitico, endo tem por ambicao propor uma solugao miraculosa. Entretanto, 6 tratamento da questio numa perspectiva hist6rica permite dispor de algumas pesas para recompor um novo quebra-ca- bega. Porque esta longa travessia evidenciou alguns ensina- mentos: 0 todo econémico nunca fundou uma ordem social; numa sociedade complexa, a solidariedade no é mais um dado mas um construfdo; a propriedade social, simultaneamente, compativel com o patrimdnio privado ¢ necesséria para inse- riclo em estratégias coletivas; 0 salério, para escapar de sua indignidade secular, nao pode se reduzir a simples remunera- gio de uma tarefa; a necessidade de preparar para cada um tum lugar numa sociedade democratica nao pode ser realizada por meio da completa transformagio dg sociedade em merca- doria, cavando qualquer “jazida de emprego” etc. Se, por definigéo, o futuro imprevisivel, a historia mostra que a gama dos recursos de que os homens disp5em para en- frentar seus problemas nio . Se é fato que nosso pro- blema hoje € continuar a constituir uma sociedade de sujeitos independentes, entio é possivel ao menos indicaralgumascon- digdes a serem respeitadas para que isso ocorra. 497 [AS METAMORFOSES NA QUESTAO SOCIAL. Uma ruptura de trajet6ria Fundamentalmente, € uma representagio do progress que talvez.tenha sido levada pela “crise”: a crenga de que 0 amanha ser melhor que 0 hoje € de que se pode confiar no futuro para melhorar sua condicio; ou, sob uma forma menos ingénua, a crenga na existéncia de mecanismos para controlar 0 futuro de urha sociedade desenvolvida, dominar suas turbuléts- cias e conduzi-la a formas de equiltbrio organizadas de modo ‘cada vez melhor. Trata-se, sem diivida, de uma heranga eufemfs- tica do ideal revoluciondrio de um dominio completo do homem sobre seu destino através da ambigio de fazer entrar, ainda que 4 forga, o reino dos fins na hist6ria, Entretanto, com 0 progresso, rio se trata mais de instaurar & forga, aqui e agora, um mundo melhor, mas de preparar transig6es que, progressivamente, € oportuno dizer, permitirdo que dele se aproxime, —* Essa representagio da hist6ria ¢ indissociavel da valoriza~ ‘cdo do papel do Estado. £ preciso um ator central para con ic tis estratégias, obrigar os parceiros aaceitarem objetivos tos, zelar pelo respeito dos compromissos. O Estado so- cial este ator. Em sua génese, como se vi i tado com pegas ¢ pedagos. Mas medi chega & ambigio de conduzir o progresso. E por isso que 0 conceito acabado do Estado sodial, no desenvolvimento pleno de suas ambic6es, é social-democrata, Sem diivida, todo Estado moderno é mais ou menos obrigado a “fazer social” para mi- tigar algumas disfungées gritantes, assegurar um coesao entre os grupos sociais etc. Mas é através d cial-democrata que 0 Estado social surge como o principio de governo da sociedade, a forga motriz que deve assumir a res- ponsabilidade pela melhoria progressiva da condigio de to- dos’, Para’ ispde do tesouro de guerra que € 0 crescimento im Eatado liberal pode se obrigado a “fazer soca” conta sua vontade ¢ 0 inino poste, um Estado socials ofaria por fat, falta de poder promovet TtansfortagBesadicaisimediatamente.€ paraum Estado social-demoerata que 498 ANOVA QUESTAO SOCIAL se a repartir seus frutos, negociando a divisio dos jos com os diferentes grupos sociais. £ possivel objetar que esse Estado social-democrata “nao existe”, De fato, sob essa forma, é um tipo ideal. A Franca nunca foi, verdadeiramente, uma social-democrat 15, a0 passo {que 0s paises escandinavos oua Alemanha, por exemplo, eram muito mais. Mas também os Estados Unidos eram menos ou hao eram nada social-democratas. Isso significa que, inde- _ pendentemente da realizagio do tipo, existem tragos dessa forma de Estado-que se encontram sob configuragSes mais ou menos sistematicas em constelages sociais diferentes. O que importa agora € perguntar-se em que medida a Franca d dos anos 70 se aproximava da realizacio dessa forma di ganizacio. Nao para inscrevé-la em uma tipologia, nem para Ihe atribuir o mérito - ou a vergonha ~ de nio ter estado. bastante ou de ter estado préxima demais do ideal social-de- mocrata mas, sim, para tentar avaliar a amplitude do desloca- mento que s¢ realizou em mais ou menos vinte anos € para medir a bifurcagdo que se produziu quanto & trajetéria de en- tao, Acidente de percurso ou mudanca completa do regime das transformagées sociais? Portanto, é necessério proceder a uma avaliagdo critica da posigao entaio ocupada nessa trajetoria ascendente que parecia levar a um futuro melhor®. _ ts reformas sociais 640, em si mesmas, um bem, porque marcam as tapas th realizagdo de seu peOprio ideal. O reformismo assume aqui plenat as eeformas s40 08 meios de realizagio da Fnaidade ca 5° momento em que ela esteve mais préxima, pelo menos ¢ livia, oda “nova sociedad” de Jae Shaban De ‘Mis smplamente inspirado por Jacques Delors. Intengio explicta de trocar sa aan dos contvontos de perspectiva revolucionsria por uma politica Gc compromissos negociados com 0 conjunto dos parceiros socais.“O g>- patronato ¢ as organizagdes sindicais que colaborem com. SEnealo na tealizagio de tarefas de interesse comum’” (discurso de plltica feral de 16 de setembro de 1963, citado por J, Le Gofl, Dy silence dr parole, op. cit. p- 227). ® para uma aptesentagfo de conjunto do enfraquecimento do modelo social- democtata na déeada de 70, cf. R. Darendorf, “aprés-social-démocratie”, ‘Le Débat, n° 7, dezembro de 1980. 499 AS METAMORFOSES NA QUESTAO SOCIAL sobretudo porque, mi derar como impasse pelo menos trés caracterfsticas do movi- mento que, entio, dominava a sociedade salarial: seu ndo-acabamento, a ambigiidade de alguns de seus efeitos, 0 carter contraditério de alguns outros. Seu cardter inacabado: mesmo partilhando pouco da ideologia do progresso, € forgoso convir que a maior parte das realizagdes dessa época marcam etapas intermediarias no de- senrolar de um processo ininterrupto. Por exemplo, no con- texto da consolidagio do direito do trabalho, as duas leis que, ‘em fim de perfodo (1973 ¢ 1975), regulamentam as demissoes, Até entio, o patrao decidia sobre a demissio, cabendo ao ope- rério que se considerasse espoliado provar diante dos tribunais a ilegitimidade da medida®. A lei de 13 de julho de 1973 exige que 0 patrdo prove a existén: portanto, em princfpio objetiva e verificavel para just a demissio”. Para as demissdes por motivo econémico, a Lembremos a maneira como Jean Forasté apresentou, pela primeira ver, a corse pereocalmes “Niodevansechanados de glstosos ott que fizeram a Franga passat [+] da pobreza milenar da vida vepetativa 0s afveis de vida © aos géneros de vida contemporineos? Com mais justiga certamente do ques “tréploriosos" de 1830 que, comoa maicriadasrevolugdes, ‘ou subseitucm um despotismo por outro ou enti, no melhar dos cass, nfo slo Sendo um episdi entre duas mediocridades? (es Teente Glorieuses,op itp. 28), Com a ressalva de que os “trésgloriosos” de 1830 eram dias ¢ nfo anos, ppode-se deixar Jean Forastié com a responsabilidad de seu julgamento sobre ss revoluges. Mas eduzr o estado da Franga de 1949 a “uma vida vegetaiva tradicional, “caracteristica de'uma pobreza milenar", nfo é séri. € uma razio a mais para evitar a expressio "Teente Gloricuses”. " Teatava-se de um dos mais consstentes herdeiros do “despotismo de fabri- ‘Cédigo napolebnico: “O com gio de prazo pode cessar (artigo 1780 do Cédigo Ci ” CEE Sellier, La confrontation sociale en France, op. cit. p. 136-138. 500 — de 3 de janeiro de 1975 institui a autorizagio administrativa de clemissio (que sera, como se sabe, revogada em 1986). As- sim, como sublinha Frangois Sellier, “ha devolugio do controle de demissao & administragio do trabalho”"*: a administragio por intermédio dos inspetores do trabalho, se atribui ¢ de recurso em relagio a uma prerrogativa patronal essencial, Hi, pois, reducdo da arbitrariedade patronal em matéria de demissio. Mas ndo fh, no entanto, reciprocidade entre os empregadores e os empregados em relagao a essa disposigo fundamental do do trabalho. Quando da demissio por motivos pessoai je 1973), € o empregador, tinico juiz do “inferesse da empresa”, quenitdecide sobre a demissao ¢ for- mua suas razdes e, em caso de cdntestacio, é a0 de cabp provar que é vitima de uma injustica. Nas de motivo econdmico submetidas & autorizagio prel de 1975), também é o empregador, evidentemente, quem tem a iniciativa, e sempre em nome do interesse da empresa. Muito freqiientemente, 0s inspetores do trabalho esto sobrecarre~ gados para verificar seriamente se a medida é justificada, ¢ a jurisprudéncia mostra que é muito diffeil contestar uma deci- so patronal em matéria de demissio econémica’". Assim, os incontestaveis avangos do direito do trabalho em matéria de demissao nao significam que se pratica a democracia na em- presa, ot que a empresa se tornou “cidada”*. Esse exemplo dé as indicagdes necessérias de uma ambi- gitidade mais profunda das realizagbes promovidas durante 0 periodo de crescimento. As demissdes so entio pouco nume- roses e, com freqiéncia, o contrato de trabalho por tempo para a maior parte das “conquistas sindicais de empresa, implantadas apés informativo mesma anilise pode tociais" do periodo, Assi ‘os acordos de Gret sobre a poltie ds empress ata poole op. et, p. 231, fe consultivo, mas nao tém poder de deci Sobre esses pontos, ef. J. Le Goff, Du sil S01 AS METAMORFOSES NA QUESTAO SOCIAL indeterminado (CDI - Contrat du Teavail a durée Indetermi- née) vai até o fim, permitindo ao assalariado fazer carreira na empresa, Mas, quanto a seguranca do emprego, que dafresuilta como regra geral, o que é devido a uma pura conjuntura edo- nOmica favorivel ¢ 0 que decorre de protegdes solidamente fundadas? Em outros termos, no que foi chamado, no eapitilo anterior, de “Estado de crescimento”, 0 que € que decorre de uma situagao de fato-o quase-pleno-emprego-edeum estado de direito garantido por lei? Qual ¢ 0 estaruto dessa conexio que durou cerca de trinta anos e que foi muito mais: faceamesfe aceita como um fato do que claramente explicitada? Por exeth- plo, quando da apresentacio da lei de 13 de julho, anterior- mente evocada, 9 ministro do Trabalho se expressa nestes termos: De que se trata? De fazer nosso direito do trabalho realizar in- contestiveis progressos, protegendo os assalariados contra as demissdes abusivas... Hoje parece indispensavel que o desenvol- it \dicar os trabalhadores que Expansio econémica e protegio s0- cial devem caminhar juntas”. do vineulo nao é clara. Nao se trata de uma relagdo intrinseca do tipo “nao ha crescimento econdmico sem protegdes” (pro- Posigio cuja recfproca seria: “naiyhd protecdes sem crescimen- to econdmico”). © crescimento facilitow as coisas, mas substitui a vontade politica. Esquece-se, aliés com freqiiéncia, de lembrar que, sem divida, a abertura mais decisiva em ma. téria de direitos sociais foi realizada com a Seguridade Social em 1945 ¢ 1946, numa Franga devastada e cuja produgio havia caido aquém do limiar atingido em 1929, Assim, as seguridades podem ser enganosas quando se apdiam exclusivamente no crescimento. Nos anos 50 e 60, 0 contrato de trabalho por tempo indeterminado tornow-se nor- mae podia passar por uma quase-garantia de seguranga do ado por J. Le Goff, Du silence la parole, op, cit, p. 203. 502 ANOVA QUESTAO SOCIAL rego! Mas tal situagSo era devida ao fato de au em coc Me etn omtecemaoe ee Boueo, Mas desde que mude a conjuntura, a seguri aa ' i ” \trato se aréter “indeterminado” do contrato s¢ rere un imple feito de uma ocorrénca empire eno wma aranta legal. Em suma, ura contrato por tempo indeseninado Pimeontrato que dura..nguanto nao for interrompido: ae se existe um estatuto especial como o dos funcionérios, ov s jstitem garantias legais contra as demissbes ¢ que, £0 ceeeccaver integer” Isso niio impediu que a maior parte dos continuavam limit Z pe 2 = assalariados, durante os anos de crescimento, vivesse sua tf 0620 ‘com o emprego através da certeza de contr care se v mo oO thas que engajavam esse futuro, como 0 ir bes tons durdveis, os empréstimos para construgio sce Depelt dt mudanga de conjuntura, o endividamento vai representar umd espécie de heranga perversa dos anos de crescimento, susse® vel de fazer numerosos assalariados cafrem na precariedds Porém, pode-se dizer que antes disso jf estavam, sem saber virtwalmente valneréveis: seu destino estava concretamente Tigado & busca de um progresso do qual ndo contr nhum dos parametros'*. “Ci. B, Foureade, “evo al et emploi Cmprego fem ea intetogo trabali inde tant ir da metade dos anos 70, te Fe ee sptvaccnel e Tas convengbes coetivasprevem proctdimentosespeciai ndeizaes “de demise, donde o fato de a demissio representa, par 0G legos nen um co eiconvenets onde nds oft de 2 Peo nea 08 CDN). Mase dispongoes est longs de yuivalera uma eeguranga do emprego. i we 38% dos operSrios tém acesso a prone Mesdestr see dois tergos tém sua vida que chega pero da meade ao darn vr senomodo, ees quarts dos operdrios caro, mdquna de nat Beceiea ada enchants 503 AS METAMORFOSES NA QUESTAO SOCIAL 2. Além do caréter inacabado e ainda frégil do que se con- vencionou chamar “as conquistas sociais", a ampliagio das protegdes teve também alguns efeitos perversos. Sem retomar a velha antffona dos liberais, para quem toda intervengio do Estado tem, necessariamente, efeitos desresponsabilizadores ¢ de sujeigao’’, é forcoso constatar quea situagao social ¢ pc no fim dos anos de crescimento € marcada por um mal-estar profundo e “os eventos de maio” foram, em 1968, sua expres so mais espetacular. Pode-se interpreté-los, em pleno perfodo de crescimento ¢ de apoteose do consumo, como a recusa de uma parte importante da sociedade ~ da juventude sobretudo ~ em trocar as aspiragdes'a um desenvolvimento pessoal pela seguranga e conforto. A palavra de ordem “mudar a vida” exprimea exigéncia de recuperar o exercfcio de uma soberani do individuo diluida nas ideologias do progresso, da rentabi- idade e do culto das curvas de crescimento, pelo que, como ‘uma inscrigdo nas paredes da Sorbonne, “ninguém se apai- xona”. Através do hedonismo € da celebragio do instante ~ “j4, imediatamente” - exp ‘a recusa ém entrar na légica da satisfagio diferida e da existéncia programada que implica o planejamento estatal da seguranga: as protegdes tém um prego sio pagas com a repressio dos desejos e com a aceitagio do torpor de uma vida em que tudo esté decidido antecipadamente™. Essas posigdes podem parecer-nos, hoje, reagées de ricos, cevados de bens consumiveis ¢ de segurangas outorgada: cilmente demais, Eneretanto, também traduzem uma restrigao de fundo quanto & forma de governabilidade do Estado soci © que se denuncia nao é tanto que 0 Estado faga demais, mas rméquinas de lavar roupa e perto da metade das televises novas sS0 com- ada a presage cf M. Vere J, Ceuten, Legace ore, oct 114) Essa ideologia passou por uma grande renovacio no infcio dos anos 80. Para uma expressio particularmente vieulenta, cf. Beneton, Le fléau di bier, Paris, Calmann-Lévy, 1982. para o desenvolvimento dessa anise, ef. J. Donzelot, invention du social, op. cit. cap. IY 1. 504 ee ere nee principalmente que faga mal o que deve fazer. Com efeito, a0 longo desses anos, as ctiticas radicais aos fundamentos de uma ordem social dedicada ao progresso continuaram muito mi- ias, embora tenham sido expressas através de formas particularmente espetaculares"”. Em contrapartida, foram nu- ‘merosas ¢ variadas as criticas 4 maneira como o Estado con- duzia a neces ertagéo das tutelas tradicionais ¢ das injustigas herdadas do passado. £0 caso do questionamento do modo de gestio tecnocrética da sociedade, tio intenso na década de 60, ¢ que se exprime através da proliferacio dos clubes ~ club Jean Moulin, Citoyens soixante.,. — ¢ das asso- ciagdes de usudrios preocupados em participar das tomadas de decisio que comprometaieua vida cotidiana. Contra a da Sociedade, € necessiri agiio pol dos cidadios. A propria passividade é o prego que pagam por rerem delegado ao Estado o papel de conduzir a mudanga de cima, sem controle da sociedade civil’. O vigor dos “movi- mentos sociais” dos anos 60 e do infcio dos anos 70 demonstra a exigéncia de uma responsabilizagio dos atores sociais anes- tesiados pelas formas burocraticas ¢ impessoais de gestio do Estado social ‘ Num plano mais teérico, © perfodo de promogio da so- ciedade salarial foi também o momento em quese desenvolveu uma vigorosa sociologia crf principais:‘a colocagéo em evidéncia da reprodugao das desi- ‘Além dos vestigios de uma extrema dreta que eternamente denigre 0 ropresso, iso fol sobretudo o feito de grupos radials de exquerda e de formas exacerbadas de expontanelsmo cu influénciaconsinuow margin a despeto de manifestagbes espetaculares, Em suas otientagées dominant nem as erteas da sociedade de consumo, nem a comemoracio da agio fevolucionécia plas diferentes familias da marxsmo contradizem os fun- {llnentos da Filosofia da Histéria que subentende a promogio da sociedade Salil As primeira denunciam prneipalmenteainlinao das capaci des eiativas da sociedad moderna quanto ao engdo da meradora€ as sequndas, seu contisco pelos grupos 505 ‘AS METAMORFOSES NA QUESTAO SOCIAL. gualdades, sobretudo nos domini deniincia da perpetuagio da i da educagio e da cultura; a tiga social e da exploragio da forea de trabalho; arecusa a0 tratamento indigee de ateoe Gelade democrtica, eservad a algumas categoria da populs: io: pr aioe con pees indigentes... Tratava-se, em mar ao pé da letra o ideal republicano tal com exPressa, por exemplo, no preimbulo da Constituigio de 1946, Cada um tem o diteto de trabalhar de obter um A naco garante a todos, sobrerudo A criang, 4 mie eas eek lhadores idosos, a protecio da suide, a seguranca mater re Pouso eo lazer. Todo ser que, em razio de ia idade, desexcng {ico ou mental da stagto econdmies, se encontia na ncapac, dade de trabalhas, tem o dicczo de obter da coletvidade vang decenes de exitncia: A nagio garant oaceso tanto da ccna Guanto do adult instrugto, &formagio profsionaleacuhiat Nio seria incongruente cada de 70, ainda se exava bem ange dae ee ne {seitamente os dscursos lenientes sobre o erescimento eo pro Bresso, Nao tendo remorsos hoje porter pertencido.a eae very Mas essas crticas ndo questionavam a onda que pareciaanrehar ‘a sociedade salaral e puxava para o alto o conjunto da eeeuann Contestavamm a divisio desses beneficios e a fangao de ue, amide, a ideologia do progresso desempenhava Para perpetuar as situagbes conquistadas™, 2 Citado in J, Fournier, N. Questiaux, Le x iaux, Le pouvoir du social, op. seed larga” Pomp 2, - © confronto entre scidlogo economists realizado em 1964, in Darras, 506 ANOVA QUESTAO SOCIAL 3. Mas existe talvez uma contradigao mais profunda no funcionamento do Estado social dos anos de crescimento. A tomada de consciéncia disso é mais recente: sem divida, era necessério que a situagao comecasse a se degradar para que 0 conjuunto de seus pressupostos se mostrasse. De um lado, as interveng6es do Estado social tém efeitos homogeneizadores poderosos. Gestio necessariamente catego rio de servigos que elemento intercambi setvigos piblicos é bem conhecido e alimentou por muito tem- Po as eriticas ao carter “burocritico” ou “tecnocritico” da Resto do social. Porém, seu correlato paradoxal o era menos, a saber, que esse funcionamento produz ao mesmo tempo tos individualizantes duvidosos. Os beneficidrios dos servigos so, a um s6 tempo, homogeneizados, enquadrados por cate- gorias juridico-administrativas- cortados de seu pertencimen- to,conereto a coletivos reais: (© Estado-providéncia cléssico, a0 mesmo tempo em que decorre do compromisso de classe, produz efeitos de individualismo for- ‘idaveis. Quando se proporciona aos individuos esse pra-quedas extraordindrio que é a garantia da assisténcia, se permite que, em ‘todas as situagGes da existéncia, se libertem de todas as. des, de todos os pertencimentos possiveis, a comegar pelas solic tiedades elementares de vizinhanga; se existe a Seguridade Socal, nio preciso de meu vizinho do mesmo andar para me ajudar. O Eszado-providéncia € um poderoso fator de individualismo™. © Estado social esta no cerne de uma sociedade de indi- viduos, mas a relagio que mantém com o individualismo é dupla. As protegdes sociais foram inseridas, como se viu, nas falhas da sociabilidade primétia e nas lacunas da protegio pr6- xima, Respondiam aos riscos existentes para um individuo B et, “La société d'insécurite”, in J. Donzelor, Face d Pexclusion, op. 70. S07 AS METAMORFOSES NA QUESTAO SOCIAL, idariedades de proximidade. Os poderes piblicos recriam protecdo e vinculo, mas com um registro completamente distinto daquele do pertencimento a comunidades concretas, Estabelecendo regulacdes gerais ¢ -0s objetivos, o Estado social também aprofun- da ainda a distancia em relagio aos grupos de pertencimento ue, em tiltimo caso, nao tém mais razao de ser para garantir as protegdes. Por exemplo, o seguro obrigatério é realmente talizada, essa forma de “fazer sociedade” nao exige investimentos pessoais muito limitados e uma responsal do minima (pagar as cont: es que, alias, sio descontadas automaticamente e, eventualmente, eleger delegados para a sgestio das “caixas” cujo funcionamento é pouco transparente para todo mundo...). O mesmo se d& com 0 conjunto das pro- tegdes sociais. A intervengao do Estado permite aos individuos esconjurarem os riscos de anomia que, como Durkheim havia visto, existem no desenvolvimento das sociedades industriais. Porém, para fazer isso, tém como interlocutor principal - ¢ 10 extremo tinico ~ 0 Estado e seus aparelhos. A vulne- idade do individuo, que foi afastada, encontra-se entéo reconduridaa um outro plano, O Estado torna-se seu principal suporte ¢ sua principal protegio, mas essa relagao continua sendo a que une um individuo a um coletivo abstrato. E pos- sivel, pergunta Jiirgen Habermas, “produzitaovas formas de vida com meios juridico-burocriticos”"? A receita, se existe, ainda no foi encontrada. Os perigos contidos nessa dependéncia em relagio a0 Es- tado vio se revelar quando poder piiblico tiver dificuldade para levar a cabo essas tarefas da forma relativamente indolor que adotava em perfodo de crescimento. Tal como o Deus de Descartes que recriava o mundo a cada instante, 0 Estado deve 31), Habermas, “La erve de "irae providetice et 'épuisemene des énergies swopiques", Ecrits politiques, tad, ft. Paris, Editions du Cecf, 1990. $08 ANOVA QUESTAO SOCIAL manter suas proteg6es por meio de uma a¢fo continua, Se 0 Estado se retira, é 0 proprio vinculo social que corre o risco de se decompor. © individu encontra-se, entio, em contato iato coma légica da sociedade salarial entreguea si mesma que dissolveu, juntamente com as solidariedades concretas, os grandes atores col antagonismo cimentava a unida- de da sociedade, Em tal contexto, 0 corporativismo ameaga salatial que se diferencia dos estratos inferiores e aspira 3s pretrogativas dos estratos superiores. Em iiltimo caso, se 0 ividuo € manter e, se possivel, melhorar propria trajet6ria e a de-sua familia, a vida so risco de ser vivida como uma stugee for i Ora, se no ha contras tengbes entre esse desenvolvi caracteriza a sociedade salar socializagao da renda e de coers séveis ao funcionamento do Estado soci pode ser desarmado enquanto 0 custo da s. gatoria nao foi pesado demais e as coergées regulamentares foram compensadas por beneficios substanciais cujos dividen- dos o préprio individuo recebia. Assim, as coberturas sociais eran financiadas, como se sabe, por uma grande maioria de ativos que, em suma, cotizavam sobretudo para si mesmos: asseguravam seu proprio futuro ao mesmo tempo em que g: rantiam 0 do coletivo dos assalariados. Porém, sob a di coergao do desemprego e do desequilibrio demogritico, o sis- tema das protegies sociais acha-se pressionado por dificulda- des, Dé-se a passagem de um sistema de seguros em que os ativos pagavam sobretudo para os ativos para um sistema de solidariedade nacional em que os ativos deveriam pagar so- bretudo para inativos cada vez mais numerosos*. Este antagonismo idariedade obri- jum universo em que, de um lado, o ntimero das pessoas idosas das criangas escolarizadas cresce e, de outro lado, os vinculos 3D, Olivennes, “La sociéeé de transfert”, Le Débat, n° 69, margo-abril de 1992. 509 AS METAMORFOSES NA QUESTAO SOCIAL. entre a produgio, o emprego e a renda se enfraquecem, a fragio reduzida da populagio ativa que trabalha desvia uma parte cala vex mais importante de seus recursos para financiar a proporc’o. esmagadora dos que nao trabalham ainda, que nao trabalhan mais ou que nunca trabalharao™. Assim, sera impossfvel, sem diivida, evitar escolhas di rosas. Alguns debates, que ha vinte anos tinham um carter sobretudo académico, assumem hoje uma acuidade singular. Por exemplo, a protesdo social deve alimentar a ambigio de libertar todos 0s cidadaos da necessidade, ou deve ser prefe- rencialmente vinculada ao trabalho? A primeira opgio é a de Beveridge, que lhe dé um significado muito extensivo: “ gurar a todos os cidadios do Reino-Unido uma renda su! te para que possam fazer face a scus encargos””. Entretantd ‘0 mesmo relat6rio destaca energicamente, para que um plano de seguridade social tenha éxito, a necessidade de promover uma situago de quase-pleno-emprego: “este relatério consi- deracomoum dos objetivos da seguridade social a manutengio do pleno-emprego e a prevengao do desemprego”™, opgio, o “sistema bismarckiano”, vincula o essencial das p: tegdes as cotizagées salariais, e a Franga, € 0 que se diz, apro- xima-se dele. No entanto, Pierre Laroque retoma mais ou menos literalmente a eomiiatp de Beveridge sobre a “liber! tagdo da necessidade”: a Segui cial é “a garantia dada a cada homem de que, em qualquer circunstancia, poder as- segurar, em condigdes satisfat6rias, sua subsisténcia ¢ a das 2 Ibid, p. 118. Sobre a dimensio propriamente demogrifica da questio, “LeEtat providence en proie au démon démographique”, de 1992. No que die respeit a taal, & amplitude do desemprego, mas também A multiplicagio dos empregos instiveise mal remunerados que nio permitiio sendo pequenas cotizagées socins ¢ exigindo grandes verbas compensat6rias. 2 WW Beveridge, Full Employment in a Free Society (1944), Domat- Montchéten, 1945, p. 15. * Bid, p. 16. id. fr. Patis, 510 ANOVA QUESTAO SOCIAL pessoas sob sua responsabilidade”™. Beveridge ¢ Laroque po- diam, sem muitos inconvenientes, sendo se contradizer, pelo menos justapor dois modelos de inspiragio completamente distinta. Nao tinham necessidade de escolher, pois 0 quase- pleno-emprego podia contribuir para uma “ isengio” da ne- cessidade, alimentada pelo trabalho da maioria da populagéo. Mas a protecdo de todos pela solidariedade e a protegio dos ativos pelos seguros entram em contradi¢io quando a popu- 4o ativa se tqrna minoritaria, tari er voneipualmente, que osistema de seguridade so- cial quase ndo se preocupara com a cobertura do desemprego. Pierre Laroque justifica-se quanto a isso assim: “Na Franga, 0 desemprego nunca foi uma ameaga tio séria quanto na Gri- Bretanha”™, Além de parecer, hoje, singularmente datada, essa declaragao revela, talvez, uma dificuldade de fundo: 0 desem- prego pode ser “coberto” a partir do trabalho? Sem davida, até um certo patamar. Mas o desemprego nao é um risco como qualquer (como o acidente no trabalho, a doenga ou a ice sem dinheiro). Caso se generalize, acabard com as pos- enso dos outros rscos ¢ portant também com a possibilidade de se “cobrir” a si mesmo”. care do desemprego tevela o calcanhat-de-aquiles do Estado social dos anos de crescimento. A configuracao que entio as- sumin baseava-se em um regime de trabalho que hoje ests profundamente abalado. I , rionale du ® p Laroque, “De Iassurance ala sécurité sociale”, Revue internat travail Vik, 6, inh de 1948, p 567. Aexpresto “feadom from want” parece pela primeira vex em Social Security Act de 1935, no periodo do New Deal do presidente Roosevelt. F 39 Laroque, La sécurité sociale dans l'économie francaise, Pais, Fédération nationale des organismes de la sécurité sociale, 1948, p. 9. , 3 Dols dices dessecarster “excepcional” do desemprego: seu sistema sage telus Asedi 4 partic de 1958 nto € inegrado a Seguridade Social uma circular do Ministrio do Trabalho do perfodo Pierre Bérégovoy, de novembro de 1982, tra os desempregados que estio com os dicitot ‘eeminando do sistema de seguros para colocé-los no sistema da “solidarie- dade", forma delicada de rebatiaar a asistEncia. su AS METAMORFOSES NA QUESTAO SOCIAL ‘Mas o Estado social talvez esteja ainda mais profundamen- te desestabilizado pelo enfraquecimento do Estado-nagio, de que é a emanagéo direta. Dupla erosio das prerrogativas ré- gias: para baixo, com 0 aumento de encargos dos poderes locais “descentralizados”; pata cima, com a Europa ¢, mais agio da economia ¢ a preponderancia iro internacional. Assim como se baseia, € em parte constréi, em um compromisso entre os parceiros sociais no interior de suas fronteiras, o Estado social keyne- siano supde,no exterior, um compromisso, implicito pelo me- nos, com 08 diferentes Estados que se encontram num nivel comparivel de desenvolvimento econdmico e social. De fato, a despeito de inevitéveis diferencas nacionais, as politicas so- ciais, inclusive as polfticas salariais, de pafses como a Alema- nha, Gra-Bretanha ou Franca, por exemplo, sio (ou eram) compativeis entre si, isto é compativeis com a concorréncia existente entre esses pafses tanto no plano econdmico quanto no comercial. De fato, a politica social de um Estado resulta ‘entre exigéncias de politica interna .oesio social) e exigéncias de politica “poderoso”™?. Masas regras do jogo invés de os Estados europeus importarem mio-de-obra imi- grante, que fazem trabalhar segundo suas condigées, encon- tram-se em concorréncia num mercado de trabalho mun- ializado, com zonas geograficas onde a mao-de-obra é barata. Este dado é uma razo suplementar e mitito forte para pensar que esti fora de cogitagio que, mesmo que o trescimento vol- tasse, o Estado possa retomar amanha sua politica da véspera do “primeiro choque do petréleo”. Pnecessitio, pois, perguntar, com Jigen Habermas, se nfo se assiste ao “esgotamento de um modelo”. As diferentes 2 Sobre esse ponto, cf. as andlises de Frangois Fourquet, particularmente “Lacitoyenneté, une subjectivieé exogene”, im La productiow de 'assentiment dans les politiques publiques. Techniques, territores et société, %s 24-25, Paris, Ministéto do Equipamento, dos Transportes e do Turismo, 1993. S12 ‘ANOVA QUESTAO SOCIAL formas de socialismo tinham feito da vitéria sobre a hetero- nomia do trabalho a condigao da fundagio de uma sociedade de homens livres. O Estado social de tipo social-democrata havia conservado uma versio edulcorada dessa ut necessério subverter a sociedade pela revolugio para promover a dignidade do trabalho, que contimuava a ocupar tum lugar cen- tral como base do reconhecimento social e como alicerce a que se prendiam as protegbes contra a inseguranga ¢ o infortinio, ‘Ainda que a penosidade e a dependéncia do trabalho assalariado nig estivessem completamente abolidas, o tabalhador recebia uma compensago para elas, tornando-se um cidadio em um sistema de direitos sociais, umm beneficiério das subvengdes dis- tribufdas pela burocracia do E8¥¥do ¢, também, um consui dor reconhecido das mercadorias produzidas pelo mercado”. Esse modo de domesticagao do capitalismo tinha, assim, rees- truturado as formas modernas da solidariedade e da troca em torno do trabalho, sob a garantia do Estado. Como fica essa montagem, se o trabalho perde sua centralidade? Os \upranumerdrios eo Quaisquer que possam ser as “causas”™, 0 abalo que afeta a seciedade no inicio dos anos 70 manifesta-se de fato, em primeiro lugar, através da transformagao da problemitica do emprego, Os nimeros sio por demais conhecidos e ocupam Syros, 1993. Nessa perspectiva, a “crise” atual resulta da perda de folego do modelo fordista conjugada com uma perda dos ganhos de produtividade, om ium esgotamento da norma de consumo e do desenvolvimento de um Stor tercidrio improdutivo ou pouco produtive, Mas de anslise ‘excolaido aqui nio impée que se promuncie sobre essas “causas”. S13 AS METAMORFOSES NA QUESTAO SOCIAL. desempregados, ou scja, mais de 12% da populacdo ativa™’. ‘Mas 0 desemprego é apenas a manifestago mais visivel de uma transformagdo profunda da conjuntura do emprego. A precarizacao do trabalho constitui-Ihe uma outra caracter(sti- ca, menos espetacular porém ainda mai vida. O contrato de trabalho por temp: em via de perder sua hegemonia. Esta forma, que é a form mais estével de emprego, que atingiu 0 apogeu em 1975 concernia, entio, a cerca de 80% da populagao ativa, caiu ho} para menos de 65%. As “formas particulares de emprego” que se desenvolvem recobrem uma infinidade de situagdes heterc- géneas, contratos de trabalho por tempo determinado (CDD ~Contrat de travail a Durée Determinée), intetinidade, traba- ho de tempo parcial e diferentes formas de “empregos ajuda- dos”, isto é mantidos pelos poderes piiblicos no quadro da luta contra o desemprego"*, Em nimeros absolutos, os CDI sio ainda amplamente majoritérios. Mas, quando se cont: um os fluxos de contratagées, as proporgées se inverter Mais de dois tergos das contratagées anuais sao feitas segundo °* Para se tera medida da degradacio da situacio: em 1970, havia 300.000 pessoas & procura de emprego insertas na ANPE, das quais 1796 hd mais de uy ano (esse desemprego, dito de exclusio, tinge hoje mais de um milhio ¢ pessoas). A verdadeita “decolagem’” doesemprego & de 1976, ano emi que 6 intimero de desempregados chega a um iihthdo. Apesar de um ligeiro aumento. do nero de emipregos (22 milhdes em 1990 contra 21.612 !némero dos que buseam emprego quas sempre sumentou depoisdiss. 2 cetomada do fim da década de 80, caracterizada por ma taxa de crescimentp due chega a 4% em 1988 e 1989, se dda criacio de 850.000 empregos, mas 4 ‘queda do desemprego & de apenas 400,000 (cf aris, INSEL, 1993), Para uma demonstragio recente da questio do desemprego, cf. | Freyssinet, Le chomage, Pats, La Découverte, 1993, rurcade, “’évolution des situations d'emploi parti a Lembremos com este autor que, antes da ge ‘CDI, as *stuagies particulares de emprego"eram muito numerosas (Four cade fala de 4 milhées em 1950). Mas, em de formas prc auténomo, que poderiam ser classficadas de "pré ide que foram, progressivamente, absorvidas pela ge ralizagio da condigio de assalariado. As “novas formas particulates de em- prego", a0 contririo, sio posteriores & generalizagao da condicio ce assalariado c,justamente, contemporineas do desenvolvimento do desem st4 ANOVA QuestAo social. essas formas, também chamadas de “atipicas”””. Os jovens sio os mais concernidos ¢ as mulheres, mais do que os homens", Porém, o fendmeno diz respeito igualmente ao que poderia ser chamado de nticleo s6lido da forga de trabalho, os homens de 30 a 49 anos: jé em 1988, mais da metade dentre eles eram contratados mediante um estatuto particular”. E atinge a0 ‘menos as grandes concentracdes industriais tanto quanto as PME: nas empresas de mais de cingiienta assalariados, trés ‘quartos dos jovens de menos de vinte e cinco anos sio admi- tidos através de contratos desse tipo’. Esse processo parece irreversivel, Nao 86 a maioria das novas contratagoes € feita segundo essas formas, mas ainda o estoque dos CDI se reduz (mais de um milhio de supressoes de empregos desse tipo entre 1982 e 1990). Parece também que 0 proceso se acelera. Em 2 de margo de 1993, la Tibu- ne-Desfossés publicava uma projecio para os préximos dez anos em que se prevé uma completa inversio da proporgao ‘CDI-outras formas de empregos. O niimero dos CDI poderia entio ser reduzido a trés milhées. Pode-se, certamente, ter restrigdes quanto a precisio matemética de tais previs6es. No So uma manifestagio da degradacio da condigio salatial. Sobre a lugio da estrutura jurfdica do contrato de trabalho, cf. a Lebaube, Lemploi en miettes, op. cit: Intimeros dados atualizados sobre ‘ meccado do emprego podem ser encontradostamlém in 8. Bruns, Choi- remploi, Pais, La Documentation franglse, 1993, " Em termos de “estoques”, como dizem os economistas, em 1990, apenas {5896 dos homens ¢ 4896 das mulheres, da faixa eiria de 21 a 25 anos, ‘nabalham em tempo i «essastaxas exam, respectivame! Joine-Lambert, INSEE, 1990). » M, Céad, J. L, Helles, “Les formes traisionnelles de 'mploisalariése égradent”, Beonomi * J, Jacquie, “La diversification des formes d'emploi en France", Donnes sociale, Pats, INSEE, 1990. sis [AS METAMORFOSES NA QUESTAO SOCIAL 1m de traduzir uma profunda reviravolta da condicao salarial" A diversidade e a descontinuidade das for- mas de emprego estio em via de suplantar 0 paradigma do emprego homogénco e estivel. _ Por que dizer que isso constitui um fendmeno tio impor- tante e, sem davida, até mesmo mais importante do que 0 aumento do desemprego? Nao para banalizar a gravidade do desemprego. Contudo, enfatizar essa precarizagio do traba- Iho" permite compreender os processos que alimentam a vul- nerabilidade social e produzem, no final do percurso, desemprego ea desfiliagio. De agora em diante, é um equivoco caracterizar essas novas formas de emprego como “particula- res” ou como “atfpicas”, Tal representagao remete & prep derdncia, sem davida ultrapassada, do CDI. Mais ainda: a representagio do desemprego como um fendmeno também ele atipico, em resumo irracional ¢ que se poderia erradicar 4 custa de um pouco de boa vontade ¢ de imaginacio, todas as coisas permanecendo idénticas alids, também é, sem divida, a expressio de um otimismo superado. O desemprego nio é uma bolha que se formou nas zelagées de trabalho ¢ que poderia ser reabsorvido, Comega a tornar-se claro que precarizagio do em- prego e do desemprego se inseriram na dindmica atual da mo~ Gernizagao. Sao as conseqtiéncias necessérias dos novos modos 47 Na mesma Kégica, André Gora cita um estudo de ale prevendo, ar os as fos, ui lores permanentes, ualifiadoseprotegidos; aa eee hconteatados, subquaiicados, mal pags € mal ‘de desempregados ou de trabalhadores marginais entregues 205 pregos ocasionais eaos pequenos trabalhos (Les métamorphoses du trav , 1988, p. 90). acto juridca para ue at fi el So" aparentemente Bee adecrminadoinertente"). Mas € fico que eas novas elabora~ foes se constituam como referencia para o CDI ¢ como tantas derrogacos emrelagio cle. Sobretais du contrat de trav: 516 AGM SIME EES SE de estruturagio do emprego, a sombra langada pelas reestru- turagées industriais e pela luta em favor da competitividade ~ que, efetivamente, fazem sombra para muita gente. Ea prépria estrutura da relagao salarial que esté ameagada de ser novamente questionada. A consolidagio da condigéo salarial, como jé foi sublinhado, deveu-se ao fato de que assa- lariar uma pessoa tinha, cada vez mais, consistido em prender idade e suas competéncias a longo prazo — isto contra uma concepgio mais rude da condigao de assalariado que consistia em alugar um individuo para executar uma tarefa pontual. “A durabilidade do vinculo de emprego implica, com eféito, que nio se saiba antecipadamente que tarefas concretas, A Slark precedentemente definidas © a¥salariado serd levado a real zat”, As novas formas “particulares” de emprego se parecem mais com antigas formas de contratagao} quando 0 status do dor se dilufa diante das pressbes do trabalho. A flexi- € uma maneira de nomear essa necessidade do ajus- tarhento do trabalhador moderno sua tarefa. Niio caricaruremos. A flexibilidade nao se reduz a neces- sidade de se ajustar mecanicamente a uma tarefa pontual. Mas exige que 0 operador esteja imediatamente dispontvel para adaptar-se as fluruagées da demanda. Gestdo em fluxo tenso, produgdo sob encomenda, resposta imediata aos acasos dos mercados tornaram-se os imperativos categéricos do funcio- narnento das empresas competitivas. Para assumi-los, a em- presa pode recorrer a subcontratacio (flexibilidade externa) ou rreinar seu pessoal para a flexibilidade e para a polivaléncia afim de lhe permitir enfrentar toda a gama das novas situagées (flexibilidade interna). No primeiro caso, ocuidado de assumir as fluruag6es do mercado é confiado a empresas-satélites. Po- dlemn fazé-lo a custa de uma grande precariedade das condigdes F Daury, MeL, Mori mploi la polyvalence des sc", Taal et emploi, n° 52, 1992, Sobre as rentss coneepgoes da relagio salaral, cf J. Rose, Les rapport de ta Geniploi: une alterative 3 la notion de relation salarale, GREE, Cahi 7, Université de Nancy 517 ‘AS METAMORFOSES NA QUESTAO SOCIAL de trabalho ¢ de muitos riscos de desemprego. No segundo caso, a empresa e responsabiliza pela adaptagio de seu pessoal as mudangas tecnol6gicas. Mas a custa da eliminagio daqueles que no sio capazes de chegar & altura dessas novas normzs Escas constatag6es reabrem, de modo profundo, a discus- sio sobre a fungio integradora da empresa. A empresa dos ands de crescimento constituiu uma matriz.organizacional de base iedade sal: E principalmente a partir dela, como evidenciam Michel Aglietta e Anton Bender, que se produz lativamente estaveis e coloca-os numa ordem hierarquica de posigdes interdependentes**, Esta forma de coesio soci sempre problemética, pois é percortida por conflitos de intc- resses ¢, em iiltima anilise, pelo antagonismo entre capital e trabalho. Entretanto, como se viu, o crescimento petinitia, numa certa medida, ponderar as aspirag6es do quadro de pessoal e as objetivos da diregio, assegurando a progressio dos salirios ¢ ios sociais, bem como facilitando a mobilidade pro- a promogio social dos assalariados. A “crise” red ou suprime essas margens de jogo, e as “conquistas sociaiy’ tornam-se obsticulos diante da mobilizacéo geral decretada em nome da competitividade faéxima. # paradoxal que um discursd apologético sobre a empresa se tenha imposto exatamente no momento em que ela perdia “ Diferentemente do Japio, da Alemanha e da Suécia, porém menos que os Estados Unidos ¢ a Gra-Bretanha, a Franga tem tendéncia a privilegiar a flexibilidade externa, 0 que constitui uma explicacio para as altas raxas de ddesemprego ¢ para 2 maior instablidade do emprego: os asalariados «30 ‘menos mantidos na empresa, eas rarefas menos quaifcadas sio cesolvidis, freqientemente, com a contratagio externa de um pessoal muito vulnersvel 4 conjuntuea (cf R. Boyer, Léconomie francaise face @ la guerre de Golf, ‘Commissariat général du Blan, Pars, 1990) “SM. Aplietea, A Bender, Les métamorphoses de la socité salariale, op. cit Ch ammbém M. Mauri rroduction de la hi chie dans Ventrepr ie, 1979, on ANOVA QUESTAO SOCIAL uma boa parte de suas fungées integradoras’. A empresa, fonte da riqueza nacional, escola do sucesso, modelo de eficdcia ¢ de competitividade, sem davida. Mas deve-se acrescentar que a empresa funciona também, e aparentemente cada vez mais, izat, e até mesmo como uma -E faz isso duplamente. da prépria empresa, a corrida a eficdcia ¢ & com- ividade acarreta a desqualificacio dos menos aptos. A “ad- agao de competéncias no apenas técnicas,'mas também sociais e culturais, que pegam no contrapé a cultura profissional tradicional de uma maioria de assalariados™*. Quando, no contexto da busca da “flexibi- lidade interna”, a empresa entende adaptar as qualificagdes dos trabalhadores as transformagées tecnol6gicas, a formagao permanente pode fu a O resultado € a inval velhecendo”, demasi mados para serem reciclados, masjovens demais para se bene- ficiarem da aposentadoria. Na Franga, a taxa de atividade da faixa etdria dos 5S aos 60 anos caiu para 56%, uma das mais baixas da Europa (é de 76% na Suécia), ¢ a maioria dos tra- balhadores no passa diretamente da plena atividade 8 apo- sentadoria segundo 0 modelo classico do trabalho protegido®. Masaempresa falhaigualmente emsua fungio integradora em relagao aos jovens. Elevando o nivel das qualificagdes exi- sidas paraaadmissio, ela desmonetariza uma forgade trabalho ‘antes mesmo que tenha comegado a servir. As ens que havvinte anos teriam sido integradossem problemas a produgao * Apologia fortalecida pela conversio do socialismo de governo As virrades do mereado depois de UEP. Como todos ot convey ee cide bom ‘grado no proselitismo, CE J-2 Le Goff, Le mythe de Ventreprice, Pati, La Découverte, 1992, _ “'CEX. Gaulier, “La machine exclure”, Le Débat, n° 69, margo-abrilde 1992. Aubert, Vide Gaulejac, Le coat de excellence, Pati, Le Seuil, 991. llemard, “Travalleurs vieilissants et marché du travail en et emploi, n° 57, 1993, wre _AS METAMORFOSES NA QUESTAO SOCIAL acham-se condenados a Vagar de estigio em estgio ou de um pequeno servigo a outro. Porque a exigéncia de qualificagio hao corresponde sempre a imperativos técnicos. Muitas em- presas tém tendéncia a se precaver contra futuras mudancas tecnolégicas contratando jovens superqualificados, inclusive em setores de status pouco valorizados. E assim que os jovens portadores de um Certificado de Aptidio Profissional ~ CAP bu de um Certificado de Estudos Profissionais (BEP ~ Brevet d'Etudes Professionnelles) ocupam, cada vez mais, empregos inferiores & sua qualificagéo. Enquanto em 1973 dois tercos entre eles ocupavam o posto de trabalho para o qual haviam sido formados, em 1985 no eram mais do que 40% nesse ‘caso°, Disso resulta uma desmotivagao e um aumento da mo- le-precariedade, esses jovens sendo tentados a buscar alhures, quando ‘uma melhor adequagio de seu em- prego & sua qualificagio. Disso decorre, sobretudo, que os ovens realmente néo-qualificados correm o risco de nao ter henhuma alternativa para o desemprego, visto que os postos ue poderiam ocupar esto tomados por outros mais qualifi- cados que eles. De modo mais profundo, essa logica ameaga walidar as politicas que enfatizam a qualificagio como 0 ca~ minho mais glorioso para evitar o desemprego ou para sait dele, Sem divida, ainda é uma visio otimista da “crise” ¢ que Jevou a pensar que, melhorando e multiplicando as qualifiea~ ges, seria possivel precaver-se contra a “ndo-empregabilida fe", E verdade que, estatisticamente falando, as “baixas qualificagées” fornecem os maiores contingentes de desem- pregados. Mas esta correlagao néo implica uina relagao direta E necessaria entre qualificagao e emprego. As “baixas qual cagbes” correm 0 risco de estar sempre com o atraso de uma guerra se, entretando, o nivel geral de formagao se elevou™. Hiscam emprego mas sto pouco qualificados encontram-se, de fat, exclu ‘Joc do tipo de emprego que estavam aptos a ocupar por mais qualifcados que eles, mas menos apcos que eles quanto a esses empregos. 520 ANOVA QUESTAO SOCIAL E por isso também que objetivos tais como o de levar até nivel do baccalauréat 80% de uma faixa etéia si0 padi lucées para o problema do emprego. Nao ha certam dos empregos, atualmente ou num futuro previsivel, jam esse nivel de qualificagio®. Corre-se, entio, 0 risco de desembocar, mais do que numa redugao do desemprego, numa elevacao do nivel de qualificagio dos desempregados. | Entendamo-nos bem: é legitimo ¢ até mesmo necesséto, daponto de vista da democracia, atacar-o problema das “baixas qualificagées” (isto é, numa linguagem menos tecnocratica, actbar com o subdesenvolvimento cultural de uma parte da popula. Masri deduzie da que os no-empregados polsam encontrar um empregdgimplesmente pelo fatode uma elevagéo do nivel de escolaridadt. A relagio formacio-empre~ go apresenta-se num contexto totalmente dist I ragdo para a cidade dos jovens do meio rural e a formagio de uma classe operdria instrufda e competente: os jovens escolarizados pela Reptiblica yntravam postos de trabalho & altura de suas novas q um problema novo ¢ grave: a possivel ndo-emprej dos qualificados™. . a= __ Seria injusto fazer a empresa arcar com toda a responsa- bilidade dessa situacdo. Seu papel é realmente dominar as mu- Urs estudo prospectivo do Centro deInformagio de Previsio Eeondémica pelo menos 6096 dos postos de trabalho exigicio recentemente, se desenvolver umm desemprego de ge- a, ainda, determinar a ampliade da tendencia, ch Informations, 356, julho de 1993. Em 1992, . Em 1992, a porcentagem de gerent deseraprogados er de 3,49 para 5,19 de desempeegados dss profes incertnediarias, 12,9% de operdrios ¢ 13,396 de funcionirios. sat [AS METAMORFOSES NA QUESTAO SOCIAL dangas tecnolégicas ¢ submeter-se As novas exigéncias do mer~ cado. Alids, toda a hist6ria das relagbes de trabalho mostra no se poderia pedir aos empregadores para "(quando o fizeram, como no caso da filantropia patronal do século XIX, foi no sentido exato ¢ limitado da defesa dos interesses da empresa, é claro). Ora, nas transfor- mages em curso, uma adesio de primeiro grau as exigéncias imediatas da rentabilidade pode revelar-se, a médio ou longo prazo mas de modo certo contraprodutiva para a prépria ein- presa (por exemplo, um uso selvagem da flexibilidade rom; a coesio social da empresa ou desmotiva o pessoal). Pod pois, desejar uma gestfo inteligente desses imperativos empresa, Em contrapartida, é ingénuo acreditar que poss sumir a responsabilidade dos riscos da ruptura social que de- correm de seu funcionamento. Afinal de contas, as empresas mais competitivas sio também, amitide, as mais scletivas ¢ portanto, sob certos aspectos, as mais excludentes, e (conferir na indistria auomobilistica) a publicacao de “planos soci acompanha, freqiientemente, a dos balangos comerciais pos tivos. E uma mai de dizer que uma politica que tem por objetivo controlar os efeitos da degeadagio da condigio sal1- rial e de vencer o desemprego nao poderia apoiar-se exclusi- vamente na dinamica das empresas nas virtudes do mercado. As numerosas medidas do tipQajuda para a contratagao, ab: timento dos encargos sociais seiir obrigagbes de contrat pelas empresas etc., deram a prova, senao de sua inutilidad pelo menos de seus efeitos extremamente limitados, No se refere, em particular, a'ajudar o piiblico que enfrenta di culdades, teria sido necessério “dis menos freqtient mente subvengdes em favor de contratagées que, de to modo, teriam ocorrido”*, O que se chama de “ganho inesp: rado” de algumas medidas sociais é muito interessante para empresas, € nao se vé por que razGes nao se aproveitatiam ‘Chémage: les chances d'en sori", Economie et tal sigues, n° 244, margo de 1991, p50. 522 ANOVA QUESTAO SOCIAL dele, Mas ele tem, freqiientemente, efeitos perversos sobre 0 controle do desemprego. De toda forma, buscar a salvagio por meio da empresa € enganar-se de registro. A empresa expressa a légica do mer~ cado, da economia, que é “o campo institucional unicamente das empresas”**. Neste plano, a margemi de manobraé estreita, porque (0 desastre dos paises do “socialismo real” o demons- tra) uma sociedade no pode mais ignorar o mercado, assim como a ffsica nfio pode ignorar a lei da gravitago universal. Mas se € suicida'ser.“contra” o mercado, daf nao resulta que seja necessério entregarse a ele. A problemstica da coesio social nao é a do mercado, a solidariedade nio se constréi em termos de competitividade e de rentabilidade. Estas duas 16- gicas so compativeis? Voltar-se-d a esta questo. Aqi necessério marcar sua diferenga para recusar o impasse que représenta o fato de fazer a empresa arcar com 0 peso da solugio da questio social atual. Uma vontade politica pode talver - em todo caso deveria fazé-lo - enquadrar e circuns- crever 0 mercado para que a sociedade nao seja esmagada por seu funcionamento. E nfo pode delegar a empresa a respon- sabilidade de exercer seu pr6prio mandato, salvo para pensar nao 86 que “o que é bom para a General Motors é bom para os Estados Unidos”, mas também que isso é suficiente para assegurar a coesio de toda a sociedade. Se 0 dominio da questio social nao é da esfera exclusiva da empresae da economia, é porque sua dindmica atual produz efeitos desastrosos do ponto de vista da coesio social. A pri- meira vista, a situagio pode ser interpretada a partir das and- lises da dualizagao do mercado do trabalho", mas convida a radicalizar suas conclusdes, Hé realmente dois “segmentos” deemprego, um mercado “primario” ~formado por elementos 5° & Fourquet, N. Murard, Valeur des services collectifs sociaus, op. 37. 9 Ct, MJ. Piore, *Dualism in the Labor Market: The Case of France” Maitesse, Emploi et chémage, Pars, Fondation National des Sciences riques, 1982. 523 AS METAMORFOSES NA QUESTAO SOCIAL ualificados, melhor pagos, melhor protegidos e mais estéveis~ eummercado “secundario” ~constituido por pessoal precério, menos qualificado, diretamente submetido as flatuagdes da demanda, Mas as relagdes entre esses dois setores nao sio estabelecidas de uma vez por todas. Esquematicamente, se possivel dizer que, em perfodo de crescimento ¢ de eq entre a demanda e a oferta de trabalho, hé relagio de comp) mentaridade entre os dois setores. E vantajoso para a empresa ~e evidentemente para os assalariados ~ fixar o capital huma- no. Esta capacidade de tornar fiel uma clientela minimiza os custos de formagio, garante a continuidade das competéncias fe um melhor clima social no sei da empresa, economiza os sobressaltos geradores de queda da produtividade. O mercado secundario desempenha entio um papel de complemento para fazer face 20s imprevistos ¢, eventualmente, de peneira para socializar o corpo de empregados do qual alguns serao inte- grados de modo estavel. Em uma situagio de subemprego ¢ ide excesso de efetivos, os dois mercados esto, a0 contrério, em concorréncia direta. A perenidade dos estaturos do pessoal ‘tui obstéculo & necessidade de fazer face a Inversamente, os assalariados do setor interessantes”, visto que tém menos di- reitos, néo sio protegidos por convengdes coletivas ¢ podem set alugados para atender a cada necessidade pontual”. Acres- centemos que a internacionalizacao do mercado do trabalho acentua a degradagio do mereado nacional. As empresas sub- contratam também (fl lade externia)-em paises onde o ‘custo da mao-de-obra é varias vezes menos elévado. Num pri- meiro momento, essa forma de deslocamento afetou sobretu- 58 C6 G. Duthil, Les politiques salariales en Fance, 1960-1990, Pais, Har- rattan, 1993. Uma primeira tomada de consciéncia coletiva da passagem da problemética do trabalho dominante até a década de 70, baseada na preocupagio com a fixasio da mio-de-obra na empresa para uma proble- idade e da adaptagio & mudanga, tendo, como conseqién- sco da explosio dos status, aparece na Franga dueante o segundo ‘de Dourdan, em dezembro de 1980, ef. Colloque de Dourdan, re do os empregos subqualificados ¢ as indéstrias tradicionais (conferir a ruina do setor téxtil nos pafses “desenvolvido: onde havia sido, no entanto, o setor industrial com maior demanda de empregos). Mas uma empresa subcontratar a construcio de equipamentos sot informéticos no Sudeste Asiatico o \gravada pela “terceirizagio dis, cuja importancia foi destacada por Bernard Perret ¢ Guy Roustang®. Semelhante transformagio nao muda apenas a es- trutura das relagées de trabalho no sentido da predomindncia das relagdes diretas entre o produtor e o cliente (prestagoes, informa: produtividade indicados pelas atividades industriais so 0 do- bro daqueles do setor de servicos™. Disso resulta uma grave 51 questie-do impacto desss deslocamentos sobre a degradagio do mer- Sete cals oats or patio as tameorenn tee m nas. gu eae € do |, Freyssinet, B. Soulage, "Les exportat Mace, Empl er chine. ct Lima proj ‘uropéiay prevé que proporgio da produsio mundial localizada na Europa do Gas eird de 27,39, em 1988, para 24,6 no ano 2000, 0 que @ consider mas muito adm do enti catasfco ques vz ¢ ae Seniado (cf. G. Lafay, “Industrie mondiale; tris scfnarios pour 'an 2000”, Economie et statistiques, n° 256, julho-agosto de 1992). © CEB, Perret, G. Roustang, Lteon © Bisas observagdes permitem remover uma ambi relativa a “desin- sual Adin iceman i acarreta quanto A desestruturagio da classe operiria clissica (cf. as sifiuldades e a relativa perda de importancia das grandes indistrias, como irgia). Mas, como mostra Philippe Delmas (Le matire des horloges, fades industriais continuam sendo as maiores criadoras de le “puxar”o crescimento. Ademais, o setor maij préspeto ¢ melhor remunerado dos servigos 6, em geral, 0 que est Heald cas nts An Mine awison ct St common 525

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