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Olhares de dentro QUEM MANDA LA EM CASA? Ceder a todas as vontades da crianca favorece a ilusio de um mundo irreal. A crianga acredita que pode fazer tudo e acaba por criar uma barreira perante a realidade, Se deixarmos que isto aconteca, falhamos uma das mais importantes aprendizagens da vida. Hd uma autoridade que é preciso recuperar. 0 pai nao é um igual’, é um adulto que protege e que define regras 0 facto de os pais serem incapazes de dizer «ndo> aos seus filhos encobre frequentemente diferentes sentimentos. A culpabilidade pelo pouco tempo passa- do com os filhos pode levar & conviecao de nao os contrariar nos breve momentos que compartilham, mas os pais também podem sentir incapacidade de se langa- rem numa prova de forga, tal como também podem ter diividas da interdigao ou ordem imposta ou, simplesmente, podem ter pressa, cedendo facilmente aos caprichos da crianga para fugirem a uma situagao de birra que pode durar eterni- dades. Por tudo isto, facilita-se, é mais facil optar pelo “sim’ e esquecer o poder do “nao”. Cada vez mais esquecido, ou posto de parte como valor educativo, é fundamen- tal recordar aos pais a importdncia estru- turante do «no» para o desenvolvimento emocional das criangas. A frustragao é uma experiéncia indispensével a0 desen- volvimento da crianca. Permite-lhe renunciar a satisfagao imediata de todos os seus desejos, 0 que se revela funda- mental para o seu crescimento como um individu responsavel, independente e auténomo. Ao ceder a todas as vontades da crianga, favorece-se a ilusao de um mundo irreal, onde ela acredita que tudo pode fazer, criando uma barreira perante a realidade, que a torna incapaz de suportar as frus- tragdes. Crescer, € assim renunciar momentaneamente a qualquer coisa, para 36 poder fazer outra melhor mais tarde. Perante um «pai companheiro», que se poe ao mesmo nivel do filho, considerando-o como um igual, e sobre 0 qual por isso, nao exerce qualquer tipo de autoridade, a crianga fica sem um pai adulto que a proteja e que funcione como figura de identificagao. Contrariamente ao que vulgarmente se acredita regras claras dao seguranga & crianca e nao reprimem. Uma crianga que aprende que os seus berros e birras Ihe permite atingir os seus objectivos, vé-se perante a angiisti da auséncia de limites face a sua omnipo- téncia. As criangas apercebem-se da sua incapacidade para se controlarem sozi- nhas e quando tém comportamentos provocatérios, esto apenas a reclamar uma reagao dos pais. Quando sao discipli- nadas de uma forma firme, mas compre- ensiva, experimentam uma sensacao de alivio, que as motivaré a aprenderem a impor limites a si proprias. A ansiedade que Ihes provoca 0 descontrole ¢-lhes desagradavel, pelo que quando comecam a perder o controlo procuram o rigor nos que esto a sua volta, E fundamental que os pais recuperem a sua autoridade parental, assumindo sem culpabilizacées o seu papel executivo (sto os pais que definem as regras e os limi- tes). Para isso tém de agir como regulado- res e tém de manter relagdes verticais com 05 filhos. Os pais so os lideres Olhares de dentro devem exercer o seu poder de forma firme, ainda que nao autoritdria. Este poder vai admitindo, ao longo do desen- volvimento das criangas, niveis crescentes de negociagao, sem nunca se inverter ou ser susceptivel de demissao. Nesta rela- Go com os pais, as criangas fazem uma importante aprendizagem para a vida, que thes desenvolve a capacidade de lidar com o poder desigual. Deste modo, o entendimento, a amizade, a boa comuni- cago entre pais ¢ filhos no pode nunca ser sinénimo de falta de lideranca, nem de exercicio da autoridade. Entre os pais, as relagdes sto horizontais, pressupondo maior simetria (niveis de poder semelhante). No que diz. respeito ao exercicio das fungdes parentais, 0 poder deve ser partilhado, mas sempre funcional e construtivo. Por exemplo, torna-se essencial, evitar as desautoriza- $6e, jé que as criancas desde cedo explo- a ram de forma perspicaz, as diferencas e divergéncias parentais, podendo poten- ciar coligacdes, altamente favorecedoras de fragilidades a nivel do desempenho executivo dos pais e do préprio equilibrio familiar. ‘Aos pais sio exigidas duas importantes qualidades, em polos quase diametral- mente opostos. Por um lado, devem mostrar-se como calorosos ¢ amigaveis, cuidando das necessidades fisicas e emo- cionais das criangas e revelando empatia relativamente aos estados emocionais dos filhos. Por outro, mostra-se imperioso que se revelem exigentes e firmes, fomentan- do a responsabilidade, a autonomia e o cumprimento de regras. Da familia espera-se afetividade, estabili- dade, previsibilidade e disponibilidade de cuidados, revelando-se um sistema prote- torque fomenta o sentimento de pertenca uma familia, a sua, Alexandra Pais (Psiquiatra da Infancia e da Adolescén- cia) 38 | Olhares de dentro O que se espera dos lideres © sistema familiar constitui o pilar basico do desenvolvimento psicoemo- ional da crianga, logo, da sua sade mental. Da familia espera-se que pro- porcione um clima emocional favoravel, pautado por afetividade, estabilidade, previsibilidade © disponibilidade de cuidados adequados. Desta forma, revela-se como um sistema protetor, que fomenta o sentimento de pertenca familiar. Esta qualidade relacional da familia permite que a crianca desenvolva uma gama de comportamentos adaptativos, de entre os quais se destacam a capaci- dade de explorar o seu ambiente de forma segura e de procurar a protecao, dos pais perante situacoes de perigo. Em conexao com um clima afetivo favo- rvel, a familia deveré proporcionar um sistema de supervisio e controlo funcio- nal. Este s6 é possivel mediante uma estrutura familiar adequada com regras é limites bem definidos. Assim, para além da capacidade de dar uma respos- ta atempada e adequada as necessida- des das criangas, colocam-se aos pais outras exigéncias, nomeadamente a promocao da autonomia e a aplicacdo consistente de regras e limites, condu- Zindo a criagdo de um modelo parental sdlido.O éxito potencial da familia no apoio ao desenvolvimento das criancas e na sua preparago para a vida adulta pressupde a presenca destas varidveis fundamentais: responder as necessida- des dos filhos e criar um sistema de regras e limites bem definidos. Cabe aos pais, enquanto lideres da familia, a tomada de decisdes e a manutenc3o da disciplina, assumindo ativamente a lide- ranga.

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