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US CON ee SS UU Ca SL ae ee Ce Ue UCT (ol eo C Rie MUM Creo eee me UL Le EUW uso OM Ta SR Tatiana Bukowitz + Thiago Esteves + Vinicius Mayo Pires Sociologia ¢ em movimento Componente curricular: SOCIOLOGIA CODIGO DO LIVRO bE a) Pee Lae My Aofinal deste capitulo, vocé sera capazde: * Compreender 0s conceites da Ciéncia Politica: poder, p Estado e governo. © Identifiear as t inter-relagdes entre ! 0 poder, apottica eo Estado, bem como suas influéncias no E pom cotidiano 7 # Analisar camo as relagdes de poder afetam e compaem todas as esferas da vida social. ‘A Praca dos Trés Poderes tomada por tanques em 1® de abril de 1964, dia do golpe militar que instaurou lum regime respansével pela violagao de direitos politicos e civis. 136 ‘A raca dos Trés Poderes & também palco de manifestacées populares. A presséo exercida pelo povo foi fundamental no impeachment do presidente Fernando Collor. Na foto, ato realizado em 29 de setembro de 1992, em Brasilia (OF). CO presidente eleito Luiz Indcio Lula daSilva recebe a faixa presidencial de seu antecessor, Fernando Henrique Cardoso, no Parlatério do Palécio do Planalto, em Brasilia (DF, 2003), EE IMPEACHMENT! Camara depée Collor em decisao hhistorica; presidente respeita 0 resultado ¢ Itamar assume hoje (© governo Fernando Collor perdeu sustentacao politica desde sua posse em 1990. No inicio de 1992, diversas dentinclas de corrupgzo culminaram no seu impedimento, As midiasimpressae televisiva “2 FOLHA DE S.PAULO 2 ‘exerceram importante papel nesse processo, P cronotogia Tomada da Basha, inicio quem escreveusobreisso \ See Se ec hee Norberto Bobbio Professor universitério, 0 italiano Norberto Bobbio concluiu o curso de Direito na Universidade de Turim, em 1931, ese engajou no movimento de resisténcia que combateu o fascismo. Produziu vasta obra, que abrange as dreas de Filosofia do Direito, Filosofia Politica, Etica, Historia das Ideias, entre outras. Em | 1984, foi nomeado senador vitalicio pelo entao pre- sidente da Italia, Sandro Pertini Wea ana moro Norberto Bobbio, em foto de 1996, analisou e sistematizou as relagées entre Estado e democracia, 0 poder Legitimo ¢ as formas de dominacao As formas de exercicio do poder podem ser legitimas ou ndo. Segundo Max Weber, elas sao legitimas quando a influéncia exercida é aceita por aqueles que se submetem a vontade do outro, como no caso dos moradores de uma cidade ante as decisbes da prefeitura. E no so legitimas quando pressupdem apenas o uso da forca para imposicéo da vontade, como no caso das ditaduras. © exercicio legitimo do poder ¢ chamado por Weber de dominacao. Quando 0 poder é exercido exclusivamente com o uso da forca, a dominacao ‘do é legitima, Para a Sociologia, o que importa é a andlise da domninacaio legitima, aquela em que © dominado aceita as condicdes em que o exercicio do poder acontece. Patriarcalismo Significa o poder ea preponderdncia dohhomem na organizaco social, sejana fami- lia, seja em um grupo religioso ou politico. As pessoas devem obediéncia 2 autoridade masculina, 0 patriarca, cabendo a ele o poder de decisto de modo inquestionével. Na histéria brasileira, o senhor de terras assume o carater do patriarca, que domina os meios de produco e em torno do qual se agrupa a populacdo dependente, além de exercer 0 politico na esfera publica. me “ N ‘Acultura politica brasileira mistura elementos modernos com permanéncias de sua formaco ‘colonial sustentada na daminaco masculina sobre a familia patriarcal ena economia escravocrata, Na imagem, alitografia que ficou conhecida como Um jantar brasileiro, de Jean-Baptiste Debret (1768-1848), da série Viagem pitoresca ao Brasil. Litografia, 15,7 cm X 21,8 em. De acordo com Max Weber, existem trés tipos puros de dominacao legitima: a tradi- ional, a carismética e a racional-legal. A tradicional consiste na crenca em instituic6es e regras transmitidas de geracdo em geraczo, conduzidas por um individuo ou grupo de pessoas, que se baseiam nos costumes para exercer a dominacéo. Sao exemplos desse tipo de dominacdo as relagées feudais, 0 patriarcalismo eo coronelismo. ‘A dominacao carismatica é estabelecida quando os dorninados possuem a crenga de que hd qualidades excepcionais em determinado individuo, algo que o torna superior aos outros e lhe permite exercerlideranca ou controle sobre eles. Pode ser ilustrada por figuras de liderancas religiosas ou politicas com grande poder de influéncia social. Para Weber, 2 dominacaio carismatica se contrapde & dominag3o tradicional e propicia a transformacdo social, visto que a crenga nas qualidades excepcionais do lider permite ele estender suas agées para além dos limites das normas vigentes. No Brasil, figuras como Getiilio Vargas, Juscelino Kubitschek e Lula so exemplos de liderancas carismaticas. ‘A dominacio racional-tegal, fundamentada em normas e regras aprovadas e aceitas por todos, tem como exemplo a burocracia. Na concepgo weberiana, esse tipo de dominacao caracterizaria o Estado moderno, no qual as relacdes entre cidadiios e Estado seriam marca- das pela impessoalidade, ou seja, com base em regras enormas convencionadas e seguidas por todos os membros de uma coletividade, sem nenhuma distingao. ‘Alemanha, 2008, Direcdo: Dennis Gansel Duragao: 107 min Com base em experiencia realizada por um professor fem sala de aula, o filme propde refiexdes sobre o totalitarismo politico, a servidéo voluntéria 8 do- rminacao carismatica ea discptina das massas como meio de manutengéo de uma ordem politica fun- ddamentada na hierarquia ena submissao. 143@ Cidade-Estado Cidade independente e com governo préprio, bastante comum na Antiguidade, principalmente na Grécia antiga, onde recebia o nome de polis. © conceito de Estado mais préximo do seu sentido atual foi utilizado por Maquiavel no século XVI para designar um terri independente com governo propriv, como a pis. e144 3 = 4] \ambém presente em outtas suciedades, o patriarealismo bascia ze na tradicio para exigir obediéncia A ‘autoridade masculina, representada pelo patriarca, como ilustrado no quadro de Jean-Auguste Dominique Ingres charade Henrique IV brincando com seus filhos, de 1819. Oleo sobre tela, 39 em x 50cm. No Brasil, como em outras nac6es, ha graves e variados casos de corrupgao politica, situacdes nas quais integrantes do Estado, muitas vezes eleitos pela populacdo, fazem uso indevido de verbas publicas, empregando-as para fins privados. Isso indica que mesmo em regimes democraticos, guiados por leis que criminalizam tais praticas, ainda ha muito a ser feito para que as condutas de representantes politicos obedecam 20 principio de impessoalidade determinado pela democracia moderna ® Politica Na Grécia antiga, a palavra politica (do grego politikés) referia-se as questdes relativas vida da cidade. A politica nao era urtia atividade qualquer: dela dependia a organizagao cotidiana e o futuro da pélis (cidade-Estado grega). Por isso, participar da politica era uma atividade constitutiva do cidadao, ou seja, 0 individuo nao seria um cidadao se nao se interessasse pela politica e nao a praticasse. Tal concepcao foi divulgada na obra Pol- tica, de Aristételes, o primeiro tratado sobre a natureza do governo, suas configuragées © funcdes. Por séculos, a palavra politica foi emnpregada para indicar as obras que tratavam das atividades ligadas a cidade-Estado. ‘A partir das revolugées liberais do século XVIII, 2 palavra passou a ser empregada para designar as atividades relativas ao controle do Estado. A Ciencia Politica comecou a investigar tal fendmeno como sendo especifico do comportamento humano, diferente dos demais fendmenos sociais. Max Weber elaborou uma definigo até hoje bem-aceita de politica. Para ele, a prética politica significa exercer um papel de lideranca no Estado, ou na luta pelo poder, seja entre Estados, seja entre grupos dentro do Estado. Dessa forma, politica e poder esto diretamente relacionados, pois o poder ¢ recurso inerente para 0 exercicio da politica Quem escreveu sobre isso \ Nicolau Maquiavel Nicolau Maquiavel (1469-1527), historiador e diploma- ta florentino, foi um dos fundadores do pensamento politico moderno. © Estado, para ele, tem como prin- cipal finalidade manter a prosperidade e @ grandeza, e essa finalidade estd além do bem e do mal. Como ex- pressa em seu livro O principe (escrito em 1513 e pu- blicado em 1532), “os fins justificam os meios”. Para esse autor, nao havia um juizo moral nessa orientacao de conduta. A ideia central & que existem “raz6es de Estado” que se justificam por si mesmas, poescrevercomo ofstadoe _Se8udoMaquiavel,o principe deve promover a unida- cogovernossto defetoendo de politica em seu reino para evitar que ele se fragmen- como deveriam ser, Maquiavel_ te Ou perca forca na competicgo com outros Estados. Pe woe escolhe os ministros, é apresentado aprova ou no formando 0 gabinete. 20 Parlamento. co gabinete escolhido. - convida 0 primelro- -ministro escolhido pelo partido majoritatio. No parlamentarismo, quem governa é 0 Parlamento, velendo-se de um gabinete formado pelo primeiro-ministroe pelos demais ministrs excatiidos por ele, N saita mais Sn Nee Unicamerale bicameral OParlamento ou o Congresso formado apenas por um érgio legislativo, sem divisoes, é chamado de unicameral. £0 caso, por exemplo, da Grécia e de Portugal. No bicamera- lismo, ocorre a divisdo do Legislativo, como no Brasil (Camara dos Deputados e Senado Federal) e nos Estados Unidos (Camara dos Representantes e Senado). No caso brasileiro, a diviséo do Legislativo tem origem na Constituigo de 1824, outorgada por dom Pedro |. O Senado, cujos membros sao eleitos pelo voto majoritario, tem a funcio de representar os estados-membros no Congreso Nacional; a Camara dos Deputados, cujosintegrantes sio eleitos pelo voto proporcional, representa a populacao. ‘Atualmente, so 513 deputados federais e 81 senadores, Na arquitetura criada por Oscar Niemeyer para o Congresso Nacional, aqui em foto de 2014, a cipula céncava, & esquerda, representa o carter mais reservado, ponderado e elitist que caracteriza 0 Senado como cimara alta do Legislativo em oposicao a cipula convexa, &direita, que representa o cardter aberto e ampliado do debate que a Camara dos Deputados deve assumir. ‘As formas (monarquia e republica) e sistemas de governo (presidencialismo e parla- mentarismo) estudados podem ser combinados: monarquia parlamentar (Reino Unido, Suécia, Palses Baixos), repUblica presidencialista (Brasil, Argentina, Estados Unidos) e repuiblica parlamentar (Alemanha, Portugal). Formas de participacao politica: partidos e sistemas eleitorais Os partidos politicos so organizacées alicercadas em unides voluntarias orientadas para influenciar ou conquistar o poder do Estado. Sociologicamente, sao estruturas fundadas na ideologia da representacdo politica. Juridicamente, s40 organizagbes de direito privado que congregam cidadaos com afinidades ideolégicas. De fato, sdo forcas politicas que contestam (oposicao) ou sustentam (situacao) os governos e que estao em permanente tenséo na luta pelo poder institucionalizado. Wsee L. © wwwi2.senado. gov.br Acesso em: fev. 2016. Senado Federal é uma das casas do Congreso Nacional, a0 lado da Ca- mara dos Deputados. No site, € possivel conhecer a hist6ria e as atribuicoes do Senado, desde aquelas ‘mais amplas—como a de legislar sobre temas dein- teresse nacional efiscalizar a aplicagao dos recursos publicos ~ até as de sua exclusiva competéncia, u7@ Wim candidate honesto Brasil, 2014. Direcdo: Roberto Santucci Duragdo: 110 min, Comedia nacional sobre tum deputado desonesto ‘e muito popular que est a frente nas pesquisaselei- torais do segundo turno para a Presidéncia da Re- publica e poucos dias antes da eleicao nao consegue rmais mentire passa a dizer somentea verdade 148 sistema dos partidos influi na conformacao do poder, de modo que interfere na formagao do governo e age sobre o regime da separacao dos poderes. Sua tipologia basica é: a) _monopartidario: o poder est concentrado no comité dirigente do partido ou em seu secretario-geral. Um exemplo é o Partido Comunista Chinés; b)_bipartidario: quando atuam apenas dois partidos. O bipartidarismo pode ser real, quando existem apenas dois partidos que hegemonizam as disputas eleitorais, como nos Estados Unidos e na Inglaterra, ou formal, quando ha interdicao legal de existéncia de outras agremiacdes, como aconteceu no Brasil, mais especifi- camente entre 1965 e 1979, com a formacio da Alianga Renovadora Nacional (Arena) e do Movimento Democratico Brasileiro (MDB); ¢)multipartidario: quando varios partidos disputam as esferas governamentais, como ocorreu e vem ocorrendo no Brasil apés a redemocratizacao. Aexisténcia de partidos politicos requer o estabelecimento de regras pelas quais os Tepresentantes sdo escolhidos. Esse conjunto de regras é osistemaeleitoral, Nesse sistema, alegislacao eleitoral é o conjunto de regras que disciplina as eleicdes e estabelece normas, datas e horérios para sua realizaco. Em geral, tais regras séo diferentes para a disputa de cargos do Executivo (presidente, governador e prefeito) e do Legislativo (senadores, de- putados federais, deputados estaduais e vereadores). No Brasil, a votago para o Poder Executivo é sempre majoritaria, isto , elege-se 0 candidato mais votado. Para Legislativo a votacao é, na maioria das vezes, proporcional, ou seja, 0 voto vai para o partido ou frente partidaria e, mediante aplicacao do coeficiente eleitoral (divisao do ntimero de votos validos pelo niimero de vagas), transforma-se em cadeiras legislativas, Uma virtude dos sistemas majoritarios € que eles permitem uma base mais sélida para a formagio do governo, na medida em que ha uma tendéncia menor de divisio dos votos entre os diferentes partidos concorrentes. |é 0 sistema proporcional tem, entre suas principais qualidades, a expressio eleitoral dos mais diferentes segmentos soci abarcando os grupos minoritarios. No Brasil, atualmente, os cargos do Executivo e do Senado Federal séo preenchidos mediante eleices majoritérias. Ja os cargos do Legislativo, com excecao do Senado, so preenchidos por eleigdes proporcionais. © Congresso Nacional brasileiro é bicameral, sendo formado pela Camara dos Deputados e pelo Senado Federal. O sistema eleitoral também regula 0 método pelo qual sao escolhidos os candidatos que concorrergo a eleicao. Pelo regime de lista fechada, o partido seleciona e enumera a relacdo dos candidatos 8 eleigéo. Cabe ao eleitor votar na lista, e ndo no candidato individual. sso permite aos dirigentes partidarios um controle maior sobre os politicos ¢ sobre o eleitorado. Pelo regime de lista aberta, o partido seleciona seus candidatas, mas. eles disputam livremente 0 voto individual do eleitor. Esse sistema confere maior inde- pendéncia ao candidato e & escolha do eleitor, mas limita o controle do partido sobre 0 comportamento do politico. Em resuma, o sistema eleitoral vigente no Brasil, definido principalmente pela Cons- tituiggo de 1988, manteve alguns problemas de representacdo. No sistema proporcional de lista aberta, ha incentivo a coligacao entre os partidos. Esse fendmeno, essencial para a sobrevivncia dos partidos pequenos, provoca maior fragmentacao partidaria, dificulta a formacao de maiorias estaveis nos pariamentos e obriga o partido no Poder Executivo a negociar aliangas e coaliz6es para poder governar. Ha também dificuldades com as listas. abertas, pois os candidatos adquirem grande autonomia de campanha, contrariando, muitas vezes, orientages e objetivos coletivos do partido. Como a disputa eleitoral & mais centrada em candidatos do que em partidos, estes iltimos perdem prestigio diante dos eleitores. © As relacdes de poder ma sociedade contemporanea © termo Estado moderno ou Estado-nagso representa um modo de organizaco do poder que surgiu na Europa, como meio de superacdo do regime feudal. Esse orde- narento polttico se difundiu por outros continentes e assumiu diferentes configuragdes a0 longo dos séculos. Contudo, podemos afirmar que o Estado moderno possul cinco grandes caracteristicas, genericamente presentes nos componentes histricos desua formacao: povo, territério, governo, finalidade e soberania, © vocébulo povo designa tanto o conjunto de habitantes do Estado (conside- rando os nacionais e os estrangeiros) quanto aqueles que compartilham a lingua, carvostumes ¢ 2 historia, No primeiro caso, povo tem um significado igual ao de populacgo. No segundo, a palavra adquire significado de nagao, Mesmo no caso dos Estados plurinacionais, como Bolivia e Equador, ha elementos comuns que e7iam ogo de pertencimento nos individuos, os quais adquirem um sentimento nacional genuino e passam a se identificar como um Unico povo, ainda que heterogéneo em sua composi¢&o. O territério identifica os limites fisicos do Estado. Para que se possa definir 0 terri- tério de um Estado nacional, é importante considerar ndo somente a porgao terrestre, nas também o espaco aéreo € 0 mar territorial. Ha, contudo, diversos Estados que no possuem mar territorial, como Austria, Bolivia, Chade e Mongélia. © governo designa a esfera maxima da funcao executive de um Estado, Um Estado nacional pode ter diferentes niveis de governo. No Brasil, por exemplo, temos a Uni8o federal, os estados federados (como Acre, Goids Rio de Janeiro) e os municipios. Os governos também podem ser definidos pelo modo de exercicio da autoridade. Assim, podemos ter governos democraticos ou autoritarios, de acordo com ograu de liberdade ¢ de participacao dos cidadaos na esfera politica Jaa finalidade esté relacionada aos propésitos que justficam a existencia do Estado. No Brasil, esses propésitos esto listados no art. 3° da Constituigdo: construlr uma so- ciedade live, usta e solidéria;garantir o desenvolvimento nacional; erradicar a pobreza fa marginalizacao e reduzir as desigualdades socials e regionals; e promover 0 bem de todos, sem preconceitos de origem, raca, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminacéo. Por fim, a soberania refere-se & prerrogativa de que o Estado deve estabelecer normase condutas que pautarso a vida coletiva, em nivel interno, bem como 0 compor” tamento externo do Estado. Essa prerrogativa nao pode estar submetida aos interesses particulares de grupos sociaisintermedidrios domésticos, como a familia ea lgreja, ner pe necessidades de outros Estados nacionais. Assim, por exemplo, uma colonia (como Brasil antes da independéncia) tem povo, teritério, governo e finalidade, mas nao é um Estado nacional, pois nao possui soberania. Nao hé um conceito universalmente valido para definir o Estado moderno. Existem diversaz definigSes para esse modo de organizacao, que passaremos a chamar simples mente de Estado, Segundo afirma Bobbio, em Estado, governo e sociedade, trata-se die uma organizacdo social complexe, caracterizada pela centralizagao do poder, fun- damentada "na afirmagéo do principio da territorialidade da obrigacao politica e sobre a progressiva aquisic&o da impessoalidade do comando politico”. Esse centralizagio, que se ope ao policentrismo do sistema feudal, ¢ definida por Mex Weber como 0 “mmonopélio da violéncia legitima” em um territorio detimitedo, Estado plurinacional Eaquele que diferencia a nacionalidade politica, conferida a , que deriva do grupo historico cultural do qual provém o individuo. ‘Assim, em um Estado plurinacional, aigualdade juridica e politica que a todos confere direitos € deveres néo oculta aiidentidade étrica de cada um dos grupos que formam a sociedade. 149@ Biitive | = BATISTA, André; PIMENTEL, Rodrigo; SOARES, Luiz Eduardo. Elite da tropa. io de Janeiro: Objetiva, 2006. © livro apresenta um panorama da seguranca publica no estado do Rio de Janeiro, explictando a violencia polcial no trato da criminalidade como politica de seguranca do Estado. $150 Para Weber, o Estado detém o controle de todas as fontes legitimas de violéncia, por meio de instituicdes como a policia (violéncia para manter a ordem dentro do territério controlar os cidadaos) e as forgas armadas (violéncia contra outros Estados). Como po- demos observar no quadro presente na pagina 158, o Estado assumiu ao longo do tempo diferentes formas e caracteristicas. A seguir, apresentamos algumas das mais comuns, tendo como referéncia a histéria politica ocidental. ® Estado absolutista A primeira manifestacao histérica do Estado moderno foi o absolutismo, caracte- rizado pela unidade territorial e pela concentrag3o do poder na figura do rei. O Estado absolutista, que predominou na Europa entre os séculos XVI e XVIII, fundamenta-se na centralizacao do controle das atividades econémicas, da pratica da justica e do comando sobre o exército nacional. Um exemplo do poder absoluto conferido aos soberanos ocor- reu na Franca, no reinado de Luis XIV, o “Rei Sol”, cuja concentracéo dos poderes ficou imortalizada na frase L'Etat c'est moi! (O Estado sou eu!). Um dos principais pensadores do Estado absolutista foi Thomas Hobbes. Ele afirmou que o ser humano é egoista, pois coloca o bem do outro em segundo plano. Essa indole 6 elaborada com base no que Hobbes denomina “estado de natureza", em que o mais, forte impde-se ao mais fraco: “O homem € 0 lobo do homem" Segundo Hobbes, o estado de natureza retrata uma situaco em que todos estao contra todos, em permanente guerra. Assim, a funcao do Estado seria assegurar a paze a vida dos stiditos e evitar a predominancia da violéncia inerente ao estado de natureza. Isso exigiria que cada individuo transferisse para o Estado (personificado por um rei ou por uma assembleia) sua liberdade natural, por meio de um contrato ou pacto social. Por submeter todos & vontade soberana do Estado, dizemios que v pacto social, ria perspective de Hobbes, ¢ um pacto de submissao. Quem escreveu sobre isso \ Thomas Hobbes Thomas Hobbes (1588-1679) foi um filésofo e tedrico politico inglés. Em sua obra mais conhecida, Leviaté, publicada em 1651, defendeu o absolutismo ea elabo- taco da tese do contrato social. No periodo em que viveu, a Inglaterra dava inicio a seu império. anon mT GALE LoNoHS © filésofo e teérico politico inglés ‘Thomas Hobbes em dleo sobre tela, de John Michael Wright, datado de 1659-1670. ® Estado liberal O Estado liberal ou burgués fol inspirado pelos ideais da Revolucao Francesa: liberdade, igualdade e fraternidade. Esses principios moveram as lutas politicas da burguesia contra 0 absolutismo na Europa entre os séculos XVIl e XVIII. Os fundamentos do Estado liberal so a soberania popular e a representac3o politica, ou seja, 0 poder do povo, que o exerce por meio de representantes (partidos politicos e pessoas), © também inglés John Locke (1632-1704), a0 se posicionar em relacdo & natureza humana e 2o absolutismo, atribui o controle das liberdades individuais e a defesa da propriedade privada ao Estado. Por associar autoridade e liberdade, Locke € considerado um dos principais tedricos do liberalismo politico Por sua vez, 0 politico e filésofo francés Charles-Louis de Secondat (1689-1755), conhecido como Montesquieu, elaboroua ideia de divisto dos poderes ou funcées do Estado (Exeautivo, Legislativo e Judiciério). © objetivo era contestar as ideias absolutistas, que justificavam a concentraco dos poderes nas mados do soberano, pois a vontade do lider se confundia com as necessidades do Estado. A separacao desses poderes definiu as diferentes limitacdes e dimensdes do poder politico do Estado. Na esfera econémica, a principal critica da burguesia ao absolu- tismo estava na interferéncia do Estado. Essa classe defendia que o Estado deveria agir como “guardiao da ordem”, zelando pela segu- ranca e pela manutengo da propriedade privada. Qu seja, 0 Estado deveria manter a ordem para todos poderem desenvolver livremente as proprias atividades. Dessa forma, estabelecia-se a separacao entre as esferas publica (aquilo que era de interesse comum e suscetivel 4 interferéncia do Estado) e privada (o que dizia respeito exclusivamente a0 individuos, ndo passivel de intervencao do Estado). Oeconomista e fildsofo escocés Adam Smith, idedlogo do libera- Por meio da RevolucSo Francesa, se lismo econémico, postulava haver uma “mao invisivel” que regulariaa estabeleceram a repiblica contempordnea e quantidade e 0 preco das rriercadorias, sem intervencao do Estado. O 0 Estado laicn. Tendo como bandeira a triade lema laissez-faire, laissez-passer (deixai fazer, deixai passar) expressava albewade-ipunidade ¢ can Sa retae oe ate cab pcos at once erie piers eaves cece el exclusivamente por meio da oferta e da demanda, do cidadao. Na imagem, 0 quadro A Liberdade Moldado paraatender aos interesses da burguesia, oEstado liberal _Svlando.opovo (leo sobre ela 20 Ba cm), de Eugene Delacroix, de 1830, evidencia a permitiu a superagio do regime absolutista. Entretanto, promovell _ forcsdos ideais para os revoluciondrios de 1789, uma acirrada competicéo entre as empresas, dificultou o desenvol- vimento dos pequenos empreendimentos, concentrou o capital nas mos de poucos proprietérios e intensificou o surgimento de crises econémicas. Com a repeticao dessas crises eo aprofundamento das desigualdades sociais, o Estado comecoua ser questionado, repensado e reestruturado, como veremos adiante. oer TL > quem escreveu sobre isso Adam Smith ‘Adam Smith (1723-1790) é considerado 0 maior teérico do liberalismo eco- némico. Em sua obra mais famosa, conhecida como A riqueza das nacdes (1776), procurou demonstrar que © crescimento econémico dos paises re- sultava da atuaco de individuos movidos apenas por interesses proprios Defendia que a iniciativa privada deveria agir ivremente, com pouca ou ne- nhuma intervencdo governamental. 3 Para Adam Smith, 0 liberalismo no é totalmente antiestatal ‘0 Estado teria como finalidade a garantia das liberdades civile palitica (iberdade de expresso, religisa e de associacdo), da igualdade juriica (igualdade perante ale) e da ordem publi (Gstabilidade interna e protecao contra inimigos externos) I1l® Proletariado Na tradigio marxista, oproletariado corresponde ao conjunto dos | trabathadores assalariados, ou seja, aqueles que, expropriados dos meios de producao, tem de vender sua forga de trabalho. Em ‘sua origem romana, 0 proletariado correspondia as camadas mais baixas dassociedade, que nada ofereciam a0 Estado sendo sua prole. Bolchevique O termo designava ‘osmembros do Partido Operério Social-Democrata Russo (POSDR), que haviam conquistado o controle do partido {porque formavam ‘a maioria) apos 0 Il ‘Congreso do POSDR, em 1903. Os bolcheviques adotavam uma vertente mais ortodoxa do marxismo e criticavam as teses revisionistas dessa teoria, defendidas pelos mencheviques (minoria dentro do POSDR). 152 ® Estados socialistas O socialismno foi a primeira reacdo sistemnatica ao Estado liberal. Trata-se de um tipode sistema politico que questionaa propriedade privada dos meios de producao e denunciaa divisio da sociedade em duas classes sociais fundamentais: a burguesia eo proletariado. O socialismo defendia a transformacao das condigées de producao e @ apropriagtio da riqueza por toda a sociedade. O primeiro Estado socialista surgiu com a Revolucdo Russa em 1917. Inspirados nas teorias de Karl Manx e Friedrich Engels, 05 revolucionarios bolcheviques conseguiram derrubar o regime czarista durante a Primeira Guerra Mundial (1914-1918). O lema bolchevique era "pao, terra e liberdade” ‘ARevoluco Russa visava superar 0 capitalismo, abolir a propriedade privada e socializar 0s meios de produco. O Estado teria um papel histérico transitério, que consistiria em es- truturar a sociedade e permitira livre organizagio do povo. Marx e Engels enfatizaram que 0 processo de superacao do capitalismo ea construcao da sociedade comunista necessitariam da expansao da revolucéo socialista em outros paises. Contudo, isso nao ocorreu. Com a morte de Lenin e a ascenséo de Stalin, em 1924, foram estabelecidos o Estado centralizado ea economia planificada, cujas diretrizes eram impostas pelo Partido Comunista © modelo ditatorial implantado por Stalin foi “exportado” pela Unio das Repiblicas Socialistas Soviéticas - URSS (nome adotado pela Russia e nagGes anexadas apés a con- solidacdo do socialismo, em 1922), particularmente apés a Segunda Guerra Mundial. O socialismno foi instaurado em paises do Leste Europeu, como Polénia, Hungria, Bulgaria, Roménia, Tchecostovaquia, lugoslavia e Alemanha Oriental, com a ocupacao pelas tropas do Exército Vermelho logo apds 1945. Em outros pai- ses da Africa (Mocambique e Angola), da Asia (China, Coreia do Norte e Vietna) e da América Latina (Cuba), 2a instaurago do socialismo se deu gragas as lutas populares contra ditaduras ou pela independéncia das poténcias colonia. losif V. Dzhugashwili (1879-1953), conhecido como Stalin, defendeu a tese de que 0 socialismo poderia ser construldo ‘em um s6 pals. Decisivo na derrota ale na Segunda ‘Guerra Mundial, Stalin implantou politicas genocidas ra Ucrania e em outros paises do Leste Europeu, sendo responsavel pela morte de milhdes de opositores politicos, entre eles Leon Trotski, seu antigo correligionério. Quem escreveu sobre isso \ Lenin Politico e pensador russo, Vladimir Ilyich Ulyanov, conhe- cido como Lenin (1870-1924), foi o comandante da fracao, bolchevique do Partido Operério Social-Democrata Russo e uma das principais liderancas da Revolucéo Russa. Assumiu a direcgo do governo revolucionario, retirou a Russia da Primeira Guerra Mundial e enfrentou o periodo de guerra, Givilentre “brancos” (contrarrevolucionérios russos e es- ‘trangeiros) © "“vermelhos" (adeptos da revolucao socialista). TOE MAGESGETTY MAGES i i i Lenin’ Jideres da primeira revolugao soci No final do século XX, acentuou-se 0 processo de decadéncia politica e econémica iy da URSS. Limitada pela alianca entre a burocracia e a elite militar, criticada pela faltade liberdade democrética e sufocada pela forga econdmica dos paises capitalistas, a URSS © implodiu. No entanto, os referenciais tedrico-critico e valorativo do socialismo ainda sao. r um contraponto ao Estado liberal, estando presentes nos programas de varios partidos politicos do Ocidente ® Estados nazista e fascista O nazismo ¢ o fascismo foram movimentos antiliberais e anticomunistas, Por suas semelhancas, tornaram-se conhecidos pela expresso “nazifascismo"” Neles, 0 Estado pairava acima de todas as demais organizacées, piblicas ou privadas, e suas expresses morais desdobravam-se sobre todas as esferas da vida social, principal mente a educacao. No plano econémico, buscaram nacio- nnalizar a economia e se afastar de grupos financeiros e industriais estrangeiros. © fascismo foi um movimento politico surgido na Itélia entre 1919 e 1920, liderado por Benito Mussolini. Nacionalista, fundamentava suas origens no restabelecimento das glérias romanas, com objetivos de expansao imperialist fascismo teorizou um sistema peculiar de poder no qual o Estado, perso- nificado em um partido Unico, de massa e hierarquicamente organizado, era © tinico criador do direito e da moral, nao havendo limites & sua autoridade. Toda oposicao era proibida, estando sujeita & ago da justica (controlada pelo Executivo). Para o fascismo, a nacéo era uma unidade moral, politica @ econémica que se realizava integral mente no Estado. O regime fascista desprezava os valores do individualismo liberal e se colocava em oposicao Benito Mussolini (1883-1945), aqui em foto de cerca de 1940, frontal ao socialismo. ostentava o titulo del Duce e foi o JA nazismo foi um movimento politico que surgiu na Alemanha também nos anos 1920, fundamentado na ideologia formulada por Adolf Hitler em seu livro Mein Kampf (Minha luta). O Estado nazista esvaziou o Parlamento, dissolveu a oposigo utilizando-se da violéncia e submeteu toda a sociedade a0 Partido Nazista. lider do Partido Nacional Fascista, Tornou-se primeiro-ministro da Italia em 1922 e liderou 0 pais na ‘Segunda Guerra Mundi Quem escreveu sobre isso \ ULReich Palavra alema Carl Schmitt um forte opositor da democracia liberal e um dos pri O jurista e fildsofo alemao Carl Schmitt (1888-1985) foi Jurista efilésofo, Cart Schmitt & considerado um controverso especialista em direito constitucional «internacional porter sido tum adversirio convicto da democracia liberal. pais idedlogos do regime nazista, Professor de prestigio- sas universidades ales, como Bonn, Berlim e Colénia, 0 "Jurista de Hitler” ingressou no Partido Nazista em 1933 e rele permaneceu até o final da Segunda Guerra Mundial, sem jamais retratar-se de sua ligago com o Ill Reich. Negando as bases teoldgicas sobre as quais acreditava es- tarem fundadas as teorias modemas do Estado, Schmitt criticou as politicas liberais, apontou a incompatibilidade entre liberalismo e democracia, legitimou as estruturas do totalitarismo ~ afirmando que todo governo deve fi- xar um elemento ditatorial em suua Constituicao - e re- definiu o conceito de soberaniaao-firmar que “sobera- no é quem decide sobre o estado de excecso” utilizada para designar impétio, ino ou nasdo. Na histéria alemé, 0| Reich (962- -1806) corresponderia a0 Sacro Império Romano-Germanico; oll Reich (1871-1918) compreenderia 0 periodo entre a unificagdo ater e co final da Primeira Guerra Mundial; e 0 lil Reich seria o periodo marcado pela ascensio de Hitler, para quem esse novo Império Alemao perduraria por mit anos 153 @ $154 ‘O aumento do niimero de neonazistas entre a extrema- direita no continente europeu revela a nova face do conservadarismo. Na foto, protesto em Kiev (Uerdnia), em 2014, que incluiu manifestacdes antissemitas e xenofobas. ‘Adolf Hitler (1880-1945) foi militar ider do Partido Nacional-Socalista dos Trabalhadores Alemaes. Foi preso em 1923 apés uma tentativa frustrada de golpe de Estado. No cércere, onde passou 13 meses, escreveu Mein Kampf (Minha luta), obra que veio a ser o programa politico e ideolégico do nazismo. Posteriormente, ascendeu ao comando da Alemanha em 1933 e foo principal pivé da Segunda Guerra Muncial termo nazismo vem do alemo Nationalsozialismus. Traduzido para o portugues como nacional-socialismo, é usado para se referir doutrina do Partido Nacional-Socialista Alemio e & experiéncia do movimento nazista na Alemanha, O nazismo é uma ideologia politica caracterizada pelo nacionalismo, ou seja, a reconstituicao das nacées e de seus povos originais, considerados “ragas superiores”. © nazismo se diferenciou do fascismo ‘em funcdo de seu carter racista, que pregava a supremacia da raca ariana, da xenofobia (aversdo ao estrangeitu) institucionalizada e da perseguicéo étnica a judeus, ciganos, comunistas, homossexuais e deficientes fisicos e mentais. Embora esse modelo de Estado tenha perdido forca depois da Segunda Guerra Mundial, ainda é possivel encontrar diversos grupos e partidos que defendem os ideais nazistas. Esse fenomeno pode ser observado no crescente fortalecimento dos partidos ultranacionalistas e de movimentos neonazistas em varias partes do globo. ® Estado de bem-estar social 0 Estado de bem-estar social (Ebes), também denominado Welfare State, foi o modelo adotado pelas grandes economias liberais na primeira metade do século XX. A crise capitalista de 1929, o desemprego, a inflacdo, o crescimento do movimento operé- rio, a emergéncia dos regimes antiliberais e a competicao entre as grandes corporagdes monopolistas foram alguns dos fatores que contribuiram para sua emergéncia Quem escreveu sobre isso \ John Maynard Keynes John Maynard Keynes (1883-1946) foi um importante ‘economista britdnico. Apés a Segunda Guerra Mundial, diversos paises da Europa acabaram adotando sua teo- ria como pratica de governo, com o objetivo de reestru- turar as economias internas e atender as diferentes de- mangas sociais. John Maynard Keynes acreditava que o Estado interventor seria ‘grande agente dos avancos econdmicos e soci Hulton bebTecn GoTo conBiSLATRETOCK A base intelectual do Ebes é a obra Teoria geral do emprego, do juro e da moeds, publi- cada pelo economista britanico John Maynard Keynes em 1936. Contrariandoa ortodoxia liberal, Keynes afirmava que o Estado deveria intervir no dominio econémico para garantir © pleno emprego, estimular a produgdo e © consumo, mediar as relacdes de trabalho e ampliar a politica de assisténcia. O Ebes desenvolveu uma politica intervencionista, voltada ao atendimento dos direitos, sociais basicos, como satide, educagéo, trabalho, salério, transporte e previdéncia social O pilar desse Estado estaria na politica do pleno emprego: o Estado deveria enfatizar politicas de geracao de emprego, com o objetivo de criar 0 vinculo social necessario para aestabilidade, a coesdo social e a democracia No ambito politico, o Ebes representou uma resposta das economias capitalistas para criar uma sociedade menos vulneravel as crises do sistema e aos apelos do socialismo, que passaram a crescer em todo 0 mundo com o advento da Segunda Guerra Mundial Seus defensores afirmavam que um Estado que atendesse as reivindicacdes por direitos de cidadania da classe trabalhadora produziria funcionérios mais dispostos e empenhados. © Ebes seria, portanto, fruto de um pacto social entre as diferentes classes sociais e os partidos politicos para priorizar a manutencao da democracia. No final da década de 1960, o Ebes comecou a sofrer criticas diante da inadequagio dos gastos publicos com a previdéncia, causados pelo aumento do desemprego e pela recessdo econémica mundial, que culminou na crise do petréleo de 1973. Apesar das criticas, permanece como modelo de Estado em alguns paises da Europa ocidental, em especial na Dinamarca, na Noruega e na Suécia ® Estado neoliberal Na década de 1980, os Estados Unidos e a Inglaterra aplicaram grandes choques em suas estruturas econdmicas, com o argumento de que o Ebes néo foi eficaz em reduzir a pobreza e distribuir melhor a renda, e de que as melhorias ocorridas resultaram mais das riquezas produzidas pelos paises do que da politica de bem-estar social. Os governos de Margaret Thatcher, na Inglaterra, e de Ronald Reagan, nos Estados Unidos, foram os precursores dessa critica ao Ebes e da reestruturacéo desse modelo de Estado. Margaret Thatcher foi primeira-ministra da Inglaterra pelo Partido Conservador. A politica do governo Thatcher (1873-1990) foi orientada pela desregulamentacao da eco- nomia, diminuigéo dos gastos piblicos com educacao, habitacgo e previdéncia social, privatizacio das empresas estatalse flexibilizacdo das leis trabalhistas. Margaret Thatcher ficou conhecida como "Damade Fem” por sua politica de enfrentamento dos movimentos sociais e de oposicao 20 Soatismo. Wives Men of War Esse jogo de estraté- gias bélicas tem como diferencial permitir que 0 jogador dé um novo rumo ao fim da Segunda Guerra Mundial. O realis- mo e a fidelidade da am- bientagao permitem que 0s alunos compreendam a brutalidade dos emba- tes que destruiram parte da Europa, situando-os dentro da dinamica dos confitos entre as nagbes 0 jogo encontrado no site . Acesso em: fev. 2016. 155@ Ronald Reagan e Margaret Thatcher, em 1987, em frente ‘a0 Salo Oval, em Washington, Estados Unidos. (Os dois governantes esto entre 0s precursores da adocSo das politcas neoliberais © governo de Ronald Reagan (1981- -1989) assumiu postura semelhante & do governo Thatcher: menor intervencao do Estado na economia, reducao dos gas- tos pliblicos e redugao dos impostos. As mudangas tiveram por base valores como livre mercado e livre iniciativa, além do estabelecimento do consumo e da riqueza como metas primordiais. Os teéricos dessa corrente, como o economista austriaco Friedrich Hayek e 0 economista estadunidense Milton Friedman, respectivamente auto- res de O caminho da servidao (1944) e Capitalismoe liberdade (1962), foram denominados neoclassicos ou neoliberais. Os tedricos neoliberais afirmavam que somente a liberdade econémica produziria individuos e sociedades livres. A desvinculacdo entre economia e politica seria o caminho para a prosperidade econémica, conduzida pela diminuicao progressiva da participacaio estatal na economia. As teorias neoliberais nao ficaram restritas as experiéncias estadunidense e britani- ca. Em novembro de 1989, em Washington, aconteceu uma reuniao entre as principais instituig6es econdmicas, como 0 Fundo Monetario Internacional (FMI) e o Banco Mun- dial, com o objetivo de adotar medidas econdmicas para os paises em desenvolvimento, tendo em vista a contengio da divida externa, da inflacdo e da estagnacdo econémica Denominadas de Consenso de Washington pelo economista inglés John Williamson, as orientacdes econémicas a serem seguidas pelos paises em desenvolvimento incluiam itens como privatizacao das empresas estatais, flexibilizacdo das leis trabalhistas, aumento dos investimentos estrangeiros sem restricdes fiscais, reducao dos gastos publicos (em particular nas areas de satide, educagéo, assisténcia e previdéncia social) e adesao & economia de mercado. nen © compromisso firmado pelos pafses er desenvolvimento com a politica neoliberal ‘comprometia a aco governamental e a autonomia desses paises, pois havia forte fisca- lizagdo dos agentes econdmicos e financiadores internacionais para o direcionamento da aplicacao de recursos. Friedrich Hayek, @ esquerda, e Milton Friedman esenyolveram as bases do pensamento neoliberal. 156 9 3 aa 3 z Servigos pablicas oferecidos pelo Estado, como os de sale, sd0 também disponibilizados por empresas, mas 6 flagrante a diferenca de qualidade entre 0 precario servico prestado pelo Estado e aquele proporcionado por empresas particulares. Na foto, UTI do Hospital da Lagoa, no Rio de Janeiro (RJ, 2070). Concerto para comemoraro primeiro aniversirio ‘do movimento Occupy Wall Street, na cidade de Nova York (Estados Unidos, 2012). ‘A crise econdmica de 2008 ampliou a contestacao 4s politicas neoliberais. Nesse periodo, intimeras empresas privadas dos paises desenvolvidos receberam vultosos recursos publicos com o objetivo de evitar faléncias. Os efeitos da crise econdmica ge- raram grandes manifestacdes populares em varios paises europeus (Espanha, Portugal, Grécia, Franca, Itélia) e nos Estados Unidos, com destaque para o movimento Occupy Wall Street (Ocupe Wall Street), que comegou em Nova York, em setembro de 2011, ese espalhou para varias cidades dos Estados Unidos e do mundo com a ocupacao de pracas e ruas para denunciar as falhas do sistema financeiro internacional e as desigualdades econémicas e sociais. SE. O Estado é uma institui¢ao politica necessaria? ‘Ao longo deste capitulo, vimos que 0 Estado se | organiza de diferentes maneiras. Entre aqueles que estudam e analisam as diferentes formas de poder, de politica e de Estado, no ha unanimidade teorica ‘ou conceitual, nem no passado nem atualmente. O debate sobre que tipo de Estado deve ser adotado ou rejeitado por cada sociedade antigo, contemporaneo e atemporal. Também é possivel nes perguntarmos se o Estado é necessério ese todas associedades humanas necessitam dessa insti AAntropologia d etnografias, que 0 Estado nao é cia humana. Numerosas soci politicamentee criaram sua prod Isemaeexisténcia do Estado. Nesses: vorganizaco po- ttica, € comum a que assumem papéis sociais de lideres, ou representantes ou, ainda, que possuem funcdes de maior responsabilidade dentro das comunidades, sejam elas némades, indigenas ou outras. Um interessante estudo etnografico sobre as com- posides sociais de grupos indigenas sul-americanos encontra-se na obra A sociedade contra o Estado, do antropélogo frances Pierre Clastres. Nesse estudo, Clastres defende que para estudar as sociedades nido ocidentais é inadequado 0 uso de termos como “es- trutura politica”, “poder” ou “autoridade”. A reflexéo proposta por esse autor nos faz repensar as formas de organizacao das sociedades contempordneas. Trata-se de um contraponto interessante para aprofundar a compreensao sobre a tematica poder, politica e Esta- do e que oferece alternativas vilidas para projetos de | transformacao politica e social 17@ Mercantiismeo; Capitalsmo Economia Economia Economia Economia de controle concorenci; demercado—_—_planiicada de mercado mereado com absoluttada laissez-faire, autortariamente regulada pelo | democraticamente __progressiva economia, laissexpasser _—egulada pelo Partido Comunista. | regulada pelo Estado. | exclussodo Estado (ener Estado. (Estado minimo}. Economia autorregulada pelo mercado; | crescente | monopolizagso do mercado, Centralizacéo Separagdoentre _Projeto Projeto de Projeto socal fetorno das teorias Gaestrutura —opibicoeo——_totaltario. pertcipacao -democrata:investi- _liberais; degoverno —_privado; expansionista; politica dacasse | mentosedistribuics0 desregulamentagSo orcas Armadas, soberania popular, Ideologia de trabalhadors; —derendaeservicos dos direitos judicisio, Estado minimo delta (exakagSo | ideologia de para garantiros drel- yabalhstas; Eee garantedireitos datradio).-—_esquerda; toseobem-estarda economia conduz indstingéo entre individuals desvio burocratico; PePUlacée: apaliica pelo opiblicoeo ——(seguranca, confitoentie __ideologiade centro poder das grandes “privado. propriedade, Classediiigente (Controle dos confi corporacbes liberdade). (PCURSS) e tosdocapitalismo — proclamacio do issidentes social. mediante garantia fin das ideologies. | SGemocretes, dosdiritos socaise See ampliagdo do acesso ra somercado de «onsumo). | =| Confitoentre _Confltes Redugdodos _Corrida ‘Ampliogdo dos Reducio dos d- festamentos: entre classes dieitoscivise armamentista. _iretossociaise do _reltosrabalhistas, burguesia rabalhadorse politicos. Atrasotecnolégico consumadebens. _baixo investimento nnascente x lero capitalist, Evento que na induistriae Evento que na drea social; enobreza. Evento que marcaseufim: nocampoem —_marcaseu consumidores x “Eventosque _—marcaseufim: Segunda Guerra_comparacéo enfraquecimento: _cidadios. Sociedade marcamseu ——Primeira Guerra. Mundial. Associedades __choquedo petiole Evento que fim:Revolugéo Mundial (confito capitalistasa partir em 1973ecrisefiscal. marcaseu Francesa e centre nacdes dda década de 1970. cenfraquecimento: Revolugéo imperalistas) Evento quemarca crises econémicas Industil seu fim: queda do sistémicas (1995, Muro de Berlin. 1998, 2000, 2008, } Formacao do Estado brasileiro 2011) Patrimonialismo Modelo tradicional de dominacao, cujas bases esto na manutencéo dos vinculos entre as esferas publica e privada, viabilizando a manutengao de privilégios das elites em ambas as esferas. 158 Para analisar sociologicamente a formacao do Estado brasileiro, éimportante destacar algumas caracteristicas que marcaram a vida das instituicdes politicas no pais. Entre essas caracteristicas podemos citar 0 patrimonialismo, que se apresenta ao longo de nossa hist6ria pela indistingao entre esfera publica e privada, 0 coronelismo e o clientelismo ® O periodo colonial Quando falamos em formago do Estado, ndo podemos esquecer que o Brasil é fruto da expansao maritima das poténeias europeias, principalmente de Portugal. O fato de © pais ter sido inserido no sistema intemacional como colénia de exploracio é fato portante para nosso estudo. No Smbito econdmico, o periodo colonial teve trés grandes ciclos: pau-brasil (1500-1530), aciicar (1532 até o século XVII) e ouro (século XVII!) Além desses, também é importante o ciclo da pecuéria, primeiro no Nordeste (século XVII) e depois no Sul (séculos XVII e XVI) © periodo colonial brasileiro (1500-1822) foi marcado pela explorago. Portugal ndo tinha interesse em construir no Brasil uma sociedade politica organizada. Segundo o socié- logo Oliveira Vianna, o Brasil era formado por varios nticleos privados e independents, e cada um tinha sua prépria vida econémica, juridica e moral. Desenvolveu-se nesse nticleo rivado um individualismo denatureza anarquica, sem identificagdo com a ordem piblica. No ensaio Populacdes meridionais do Brasil, Oliveira Vianna chama a atencao para esse cenario, presente desde a formacéo do Brasil, que impossibilitava a constituicao de uma sociedade moderna, Para o autor, somente um Estado forte e centralizado seria capaz de criar 0 sentimento de pertencimento publico e encerrar 0s vinculos privados. Seguindo a preocupacao em entender a formacio da sociedade e do Estado brasileiro, historiador Sérgio Buarque de Holanda, no capitulo “O homem cordial”, do livro Rafzes do Brasil (1936), explica que um dos tragos do brasileiro é a propensao a sobrepor as relacoes familiares e pessoais as relacées profissionais ou piblicas. O brasileiro, assim, tenderia a rejeitar aimpessoalidade dos sistemas administrativos em que o ptiblico é mais importante do que 0 individuo (ou o privado). O autor enfatiza uma caracteristica marcante do modo de ser do brasileiro: a dificuldade de cumprir os ritos sociais que séo rigidamente formais € de separar, com base em uma racionalizagdo desses espacos, o piiblico eo privado. D> quem escreveu sobre isso Oliveira nna NNascido em Saquarema (Rj), Francisro José de Oliveira Vianna (1883-1951) foi pro fessor, jurista, historiador, sociélogo e membro da Academia Brasileira de Letras. Suas obras versam sobre a formacao do povo brasileiro e foram as primeiras a abordar o tema com base em estudos sociol6gicos. Formado pela antiga Faculdade Nacional de Direito (atual UFR}) em 1906, fol professor catedratico da Faculdade de Direito da Universidade Federal Fluminense (UF), sendo o primeiro titular da cadeira de Direito Social, hoje cadeira do Direito do Trabalho. Oliveira Vianna foi um dos primeiros pensadores a escrever sobre a formagao do povo brasileiro com base em estudos sociolégicos Sérgio Buarque de Holanda Sérgio Buarque de Holanda (1902-1982) foi historiador e professor universitério pau- lista. Formado em Direito pela atual Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRI), em 1925, viveu na Alemanha entre 1929 e 1936, onde teve contato com a obra de Max Weber. Em 1947, filiou-se ao Partido Socialista Brasileiro e passou a lecionar na Escola de Sociologia ¢ Politica de So Paulo (ESPSP). Em 1958, obteve a cadeira de Historia da Civilizacao Brasileira na Universidade de Sao Paulo (USP). Ali, apo- Sentou-se em 1969, em solidariedade aos colegas cassados pelo Ato institucional #5 (ALS). Em 1980, foi membro fundador do Partido dos Trabalhadores (PT). Fst corm ‘Buarque de Holanda, pai do cantor e compositor Chico Buarque 2 cordialidade, a hospitalidade e a generosidade representam initivo do carster brasileiro. 159 @ pea ‘Além de Oliveira Vianna e Sérgio Buarque de Ho- landa, varios outros autores ajudaram a interpretar as raizes da sociedade, da cultura e da politica no Brasil. Entre esses podemos citar Gilberto Freyre e Caio Prado Jr. Gilberto Freyre é autor de Casa-grande e senzala, de 1933. Segundo seus criticos, Freyre da origem a0 mito da democracia racial, tese segundo a qual no Brasil prevaleceria uma relagio harménica entre os diversos grupos étnico-raciais que compoem © povo brasileiro. J4 0 paulista Caio Prado Jr. (1907- -1990), apés cursar to, assumiu variadas ativida- des, entre elas de militante politico ea de historiader. Notabilizou-se com a publicagao de Formagao do Brasil ‘contemporaneo, em 1942. Objetivando decifrar a di- namica histérica da formacao do Brasil com base em um enfoque marxista, Prado Jr. teve seu pensamento marcado por uma proposta politica modernizante, visando a superaggo da continuidade de tracos co- loniais que permaneciam na estrutura da sociedade brasileira. Sua obra identifica-se profundamente com co nacionalismo econémico que emergiu no pais entre ‘0s anos 1920 e 1930. A reflexdo sociolégica sobre o Brasil, contudo, ndo parou no século XX. Hoje, pesquisadores como Jessé Souza (1960-) continua esse trabalho. Professor da Universidade Federal Fluminense (UFF), Souza critica autores como Raymundo Faoro e Fernando Henrique Cardoso, afirmando que politicas patrimonialistas & racistas no individualizam o Brasil e seu povo, j& que existem em muitos outros paises no mundo, incluindo 105 Estados Unidos, e consignando que um dos grandes problemas do Brasil é sua incapacidade de gerantir direitos e real cidadania a todos os brasileiros. 160 @ 0 periodo imperial © periodo colonial finda em 1822 com a proclamaao da Independéncia. Assim, ocorre a transposicgo das estruturas do Estado portugués para o Brasil, que reforgam o tipo de relacdo existente entre Estado e sociedade civil, na qual o primeiro predominaria sobre a segunda. A primeira Constituigdo brasileira (1824) concedeu grandes poderes ao imperador, que detinha os poderes Executivo e Moderador (e este iltimo se sobrepunha aos demais). A Carta Imperial também instituiu uma série de direitos formais, inspirada nos principios liberais que sopravam da Europa para as Américas desde a independéncia dos Estados Unidos, ‘mas que no tinham influ€ncia no cotidiano brasileiro, j& que grande parte da populacao estava excluida da cidadania recém-constituida. Os escravos, por exemplo, nem sequer eram citados na Constitui¢ao. © movimento republicano mobilizou setores progressistas da sociedade urbana no periodo final do Império, que associavam a Repiblica & construco de uma representacao politica efetiva de todos os cidadaos, garantia dos direitos individuais, a0 federalismo a0 fim do regime escravista. Mesmo assim, a Reptiblica foi proclamada em 1889 por meio da aco politica das elites oligarquicas das provincias da regio Sudeste e das elites inte- lectuais e militares influenciadas pelo positivismo. Como a independéncia, a proclamacéo da Repiiblica foi uma transformacao social construlda de cima para baixo, que excluiu as camadas populares. ® Republica Velha CO primeiro periodo republicano brasileiro, conhecido como Repiblica Velha, foi mar- cado pela consolidacio das elites provinciais rurais, acostumadas a desconsiderar qualquer autoridade constituida e a fazer valer a propria vontade em sua érea de influencia Nesse periodo, 0 desafio da constituicio de uma Repiiblica esbarrava na divisao do pais em dominios de “coronéis", que colocavam em disputa a validade e a legitimidade das leis. Entre as abordagens classicas sobre o coronelismo, destaca-se o estudo de Victor Nunes Leal, Coronelismo, enxada e voto (1949). Para autor, o coronelismo & um fend- meno consolidado a partir do momento em que o poder publico fortalecido opta pela manutencao dos antigos chefes locais (poder privado). O municipio seria a esfera publica predominante do continuismo e do predominio da esfera privada sobre a esfera publica O “voto de cabresto” foi a mais completa tradusio da manipulacao das eleicoes durante a Replica Velha. Contudo, ainda hoje, a compra de votos, 0 abuso da autoridade eautilizagao da maquina pablica em favor de um candidato fazem parte do cotidiano politico e eleitoral brasileiro. As bases politicas desse sis erria eram garantidas pelas relacdes es- tabelecidas entre os chefes locais (0s “coronéis"), os antigos presidentes das provincias (que passaram, com a Republica, a ser designadas como estados da federacdo) e os representantes do poder central (Unido) As relages entre o coronel e o eleitorado rural baseavam-se no “voto de cabresto”, tendo em vista a manutencao da politica vigente. Victor Nunes Leal afirma que a populagao se via submetida aos mandos e desmandos do potentado rural. O homem do campo vivia em estado de pobreza e ignorancia, sem possibilidade de alfabetizacdo nem acesso a informagao. A dependéncia e as relacées de favor colocavam o roceiro em estado de subservigncia. Qualquer tipo de manifestacdo contréria era fortemente reprimida pela figura do jagunco ou da prépria policia, sempre a mando do coronel. O processo eleitoral era viciado pelas fraudes em larga escala, entre outros motivos pela inexisténcia do voto secreto, sendo o resultado das eleicdes sempre previsivel, Mais do que expressar as preferéncias dos eleitores, as. eleigoes serviam para legitimar o controle do governo pelas elites politicas estaduais. Quando a Repiiblica foi instituida, aboliu-se a exigéncia de renda para ser eleitor ou candidato. Votavam, de forma facultativa, apenas Delmiro Gouveia (1863-1917), aqui em os homens maiores de 21 anos alfabetizados. As mulheres e os analfabe- nctstitdaino final do seeas HO Fol tos, que representavam 50% da populaco, nao tinham direito ao voto. um dos poucos exemplos de coronel esclarecido, tendo sido um dos pioneiros da indus trializacao do pais. Quem escreveu sobre isso \ Victor Nunes Leal O jurista mineity Vitor Nunes Leal (1914-1985) foi professor da Faculdade de Direito da atual UFR], chefe da Casa Civil da Presidéncia da Republica (1956-1959) e ministro do Supremo Tribunal Federal (1960-1969) até ser cassado pelo Ato Institucional 5. Leal desenvolveu sua principal tese no livro Coronelismo, enxada e woto (1949), com base no argumento de que @ coranelismo é um sistema de reciprocidade. De umilada, os lideres politicos e (O jurista Victor Nunes Leal em Duslla OF)entose Parsee os coroneis, que ho” de elei- raion aoceac Rie tores; de outro, a dominante do sistema de reiprocidade:votos _—_Estado, que dispe favores e da em troca de favores forca policial. \ 11 @ $162 DE Coronelismo Tendo suas raizes na tradicao patriarcal e na estrutura latifundidria brasileiras, 0 termo “coronel” se origina das patentes da Guarda Nacional concedidas pelo impe- rador dom Pedro Il (depois também pelos presidentes de provincia) principalmente aos membros das elites rurais. A corporagao (criada em 1831 e que incluia todos 05 eleitores) era responsavel pela defesa da integridade do Império e, depois, da Constituigao federal. Com o tempo, a patente de coronel tornou-se equivalente a um titulo de nobreza. Os coronéis adquiriam, dessa forma, autoridade para impor a ordem social em seus redutos, com 0 uso da violencia (se 0 eleitor votasse em outro candidato, podia perder seu emprego, ser surrado e até assassinado a mando do coronel) e pela troca de favores: nese caso, 0 coronel oferecia ao eleitor e aos seus dependentes alimentos, remédios, seguranca, vaga em hospital, dinheiro emprestado, emprego etc. Tal pratica ainda persiste e 6 alvo de investigacao de instituicSes como o Ministério Publico. utra prética politica vigente durante a Republica Velha foi a “politica dos governa- dores”, uma forma de relagdo entre a Unido e os poderes regionais na qual a altemancia na Presidéncia da Republica era assegurada pelos governadores, como se pode ver no quadro abaixo. contac f | i ‘Camara dos Deputados (Legislative federal) Deputados e senadores diplomados (considerados lesis 20 governo) t Comissio de Varficacso de Poderes (validegso da eleicao dos deputados federais) Deputados federais eleitos, ‘vas pubes FavresiCoarto — We ‘A politica dos governadores foi um acordo firmado no governo do presidente Campos Sales (1898-1902), em que ele e as, ligarquias dos estados comprometiam-se amanter uma relacdo de apoio miituo, criando, como consequéncia, uma dependéncia politica reciproca ® AEra Vargas A Revoluco de 1930, que teve participacso das camadas médias dos militares, alcou 20 poder o caudilho (termo que caracteriza o lider politico-militar que comanda de modo autoritario) gaticho Getiilio Vargas. Em 1932, a Revolucao Constitucionalista, apesar de ter capturado o imagindrio popular gracas ao apoio de radios e jornais, foi basicamente um movimento promovido pelos cafeicultores. Contudo, mesmo sufocado, o movimen- to forcou uma flexibilizacao do poder por parte de Vargas e propiciou o surgimento da terceira Constituicao brasileira, promulgada em 1934. O Estado Novo, no entanto, outorgou a Constituicao de 1937. Sob o autoritarismo do governo Vargas, o Estado modernizou suas estruturas e instaurou uma nova ordem politica, social e econdmica, inspirada no nacional-desenvolvimentismo. Com sua lide- Tanga carismatica, e especialmente com sua astiicia politica, Vargas buscou atender as reivindicagdes hist6ricas dos trabalhadores brasileiros (regulamentacao da jornada de trabalho, férias remuneradas etc). Assim, conquistou o apoio do proletariado e da bur- guesia industrial ao estabelecer o compromisso entre o governo e as elites urbanas para industrializar o pais. Esse acordo incorporava as massas emergentes de modo controlado e subordinado. O Estado foi o principal agente e investidor do processo, e a concepcao instituida por Vargas continuou pelos anos seguintes, chegando aos dias atuais. ® Democracia populista ‘Apds a queda de Vargas em 1945, a promulgacdio da Constituicao de 1946 engendrou um Estado influenciado pelos ideais democréticos vigentes em grande parte do Ocidente, em especial nos Estados Unidos. Porém, o periodo entre 1945 e 1964 foi turbulento, apesar do desenvolvimento econémico verificado particularmente no governo de Juscelino Kubits- chek (1956-1960). Essa foi uma fase de breve experiéncia democratica, contudo manteve restri¢des politicas aos cidadaos ¢ limitou a construgao de um Estado de bem-estarno Brasil, Coma Constituicdo de 1946, foram mantidos os direitos sociais e garantidos os direitos civise politicos. O ultimo governo democratico foi a de Janio Quadros, que renunciouem agosto de 1961. Na sequéncia, assumiu 0 vice Joao Goulart (conhecido como Jango). Por sua proximidade com o movimento sindical e o Partido Comunista, o governo de Jango sofreu forte pressio da oposi¢o, que era contréria 8 sua posse, presstio essa que foi miti- gada somente com a instituico da segunda experiéncia parlamentar no Brasil, em 1961 {@ primeira havia ocorrido em 1847, durante o reinado de dom Pedro Il). 0 Plano Trienal instituido por Jango, com suas reformas de base (agraria, educacional, fiscal e urbana), no obteve sucesso, e, em 1964, os militares tomaram o poder e iniciaram o mais recente periodo autoritério da histéria brasileira. © Aditadura militar O golpe civil-militar de 1964 foi resultado de uma longa conspiracao entre politicos da oposicao e lideres militares. Com forte viés anticomunista, interrompeu violentamen- te a experiéncia democratica do pais com 0 apoio das elites empresariais, dos setores conservadores da Igreja, das camadas médias urbanas e dos grandes produtores rurais. A ditadura militar estendeu-se por mais de 20 anos. Foi um regime marcado pela repressao, que violou duramente os direitos politicos e civis e promoveu préticas como tortura e assassinatos politicos. Do ponto de vista da economia, o periodo ficou conhecido como “milagre econémico”, or causa das taxas de crescimento do PIB, que alcancaram 10% ao ano em média. Esse surto de crescimento também ficou conhecido como "modernizacéo conservadora’, por conta dos niveis de concentragae de renda criados pelo “milagre” Wie L___ © DORIA, Palmério; SEVERIANO, Mylton. Golpede Estado: 0 espiritoe aheranca de 1964 ainda ameacam o Brasil S80 Paulo: Geragao Edito- tial, 2015 O livra mostra as marcas da ditadura militar instau- rada no pais no eno de 1964 e que permanece até os dias atuais. Por meio dos depoimentos de quem viveu esse tem- po sombrio, reflete sobre ‘os atos desumanos esua heranca, revelando uma meméria vivida desse periodo cujas sombras continuam sobre nés. 163 @ Nova Repdblica Apés a aprovagao da Lei da Anistia, em 1979, que impediria a incriminagao daqueles que haviam cometido crimes politicos (assassinatos, tortura e ocultacao de cadaveres, entre outros) no periodo anterior, teve inicio a abertura politica, que culminaria no fim do regime civil-militar, em 1985. O Estado brasileiro entrou em uma nova fase democra- tica, cuja maior expressao foi a promulgacao da nova constituicéo, em 1988. Dessa vez dentro dos limites institucionais, a manifestacao popular esteve presente em todos os momentos da transicao politica. Movimentos como o das Diretas Jé contribuiram para a instalacgo do novo regime democratico, com eleicées regulares, pluralidade partidaria, liberdade de expressio, igualdade juridica etc. Sem o povo nas ruas, nada teria mudado. No inicio dos anos 1990, o Estado brasileiro passou por um duro teste: o impeachment de Fernando Collor de Mello, o primeiro presidente eleito por eleicdes diretas desde 1960. Sob acusacdes de corrupcao, o governo Collor perdeu o apoio de politicos e empresérios e foi duramente combatido nas ruas por significativos contingentes populares, em especial Bongelyindicar os “caras-pintadas”, estudantes que exigiam a cassacao do presidente. transformagées politicas que ‘Temendo a cassagao pelo Congresso Nacional, Fernando Collor renunciou ao cargo em ‘twouxeram de volta dezembro de 1992. Mesmo assim, seus direitos politicos foram suspensos por oito anos. apopulacso as uas, poy pa re hs Por causa da rentincia, 0 vice Itamar Franco assumiu 0 poder e nomeou Fernando Henrique “caras-pintadas" foi Cardoso (FHC) como ministro da Fazenda. © governo Itamar conseguiu superar a crise protagonizado pela politica e a hiperinflacao, e o Brasil aprofundou as reformas iniciadas no governo Collor. juventude brasileira, ‘ ™ REE, O governo de FHC seguiuas politicas de privatizacao e de regulacao dos gastos puiblicos faa referéncia 20s para atingir o superavit primério (quando as receitas sao maiores que os gastos), seguindo chamados “anos as diretrizes do Fundo Monetério Internacional (FMI) e do Banco Mundial, estabelecidas ee ee no Consenso de Washington. Apesar da estabilidade econémica decorrente do plano panacea Real, as consequéncias das politicas neoliberais adotadas, como a reducao da atividade a averida Brigadeiro econémica e o aumento do desemprego, somadas ao contexto de crise energética e a Luis Antonio, na regige —_recesso nos planos nacional e internacional, levaram a derrota do PSDB, 0 partido go- central da capital paulista (SP, 1992) vernista, nas eleicdes de 2002. (© movimento social Diretas J8 apoiava o projeto de lei proposto pelo deputado federal Dante de Oliveira, que instituiria a realizacao de eleicées diretas para presidente. O movimento teve a participa dos mais variados setores da sociedade e apontava claramente para o esgotamento da ditadura militar no Brasil. Na foto, manifestac3o de funcionérios de estatais, na capital paulista (SP, 1984) 164 f westanko cowraion

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