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LILIA MORITZ SCHWARCZ AS BARBAS DO IMPERADOR D. Pedro II, um monarca nos trépicas { 2 eligho | esto 24: SCHWARTZ, LM. As Barbas do Inperador. Sao Paulo: Companhia das Letras, 1998. p. 125-157. tao @ : mm ORIGINAL ‘sc (Copyright © 1998 by Lila Moris Schwarce Capa e projto griice: "aia de Almeida Tustragdes de capa e quart cap igen com jin de Frans Pst, scl x (44S) . Pero I fea (re) © D. Pedro n, 1673, Angelo Agostini em Revise Mustain Fotos das ustrages da caps Luis Homa © Lis Minin Loeb Assistente de producto: Selie Mle Assessora teneat ‘elton Mick Eaitoragioeletrénia: Acqua Esto Grifico Indice remisiver Maria Claudia Creal Matioe Preparag: ‘Marcia Capo Revise: Cetin Ramee Carman 8 a Cota owner ia meee a Ns Sane So rao? LM 2. Meare — el. ab ‘pene de ing ¢ Fe bpd So Bini on = Obes pcan Tea pn aos sn 1. ta tapenene Btn IE, cE “Todos 0s direitos desta ediso reservados 8 ‘Rus Bandera Paulista, 702, cb 72 104532-002 ~ So Palo — ar Telefone: (11 866-801, Fax (O11) 866-0814 ‘email: coletras@mtecnetep.com br Este livro nasceu dedicado a duas grandes figuras: ‘meus fils. ara o Pedro, que sempre quis saber se a pesquisa era uma homenagem ao seu nome ou 0 contrério, Deixemas como est . Para a jllia, que, além de ter lido 4 tese de ponta a ponta, me presenteou com a mais linda déidion. io fez muito tempo olhiow para mim com aquele seu jeito e disse que quer ser historiadora. ‘Nada como o future. AS BARBAS DO IMPERADOR D. Pedro, por sua vez, escrevia entre garranchos, na 11 do livro, aque he altavan ag gras ores: “oxpar moalmente nana: de, formar uma elite". Com efeito, a partir desse momento o monarca, até entdo pouco freqtiente na cena politica e cultural, se dedicaré as duas tarefas, de regente. Conformar uma cultura prépriae oficial, criar uma nobreza par- ticular. Ao lado do projeto civilizacional, que implica pensar no papel do pais no concerto das nacées, era hora de prever um projeto nacional caleado em uma cultura particular ¢ distante de tuclo 0 que lembrasse a escravidao. CONFEDERAt TAMOYOS. ORMA Phat Ca Gol Maple | UO DE JANEIRO Ld Capa do loro A Contederecéo dos Tamoios, 1856, da colepto imperial, ‘com dedicatria de Goncalves ide Magalhdes ao imperado, seu "grande mecenas". MMP ORIGIN: 124 —————— “UM MONARCA NOS TROPICOS": O INSTITUTO HISTORICO E GEOGRAFICO BRASILEIRO, A ACADEMIA IMPERIAL DE BELAS-ARTES E O COLEGIO PEDRO II [a mAusTRACAo ‘Alegoria no centro imino Impio tropical. Em ‘A lustragio Luso-Brasileira, 11/8/1858. MMP "Tes scene pte anni prc td eo pecan oateratien esterase ret ae Etec ah na smite ete © seu impéro imenso record de ros caudalosisinos econstantementeco- bento de uma vegeta maravilhose, que vai debrugr-se no oceano [.]€ hoje considerado o pont central da cviizagio do News Murdo [salvo da anarqia gq pouco a pouco devora os outros etados da América do Sal [ul & I que floresce, no sea solo virgem, umn novo ramo da antiga traneplatada érvore ds Braganga [ol Os primeizos anos nao foram flies, O Brasl estava bastante inculto para compreender a nobreza do lugar que ina de ocupar entre as ‘nagOes Glizadas [1] flo imperador D. Pedro que o paciow e lhe dew prosperdade que hoje se wé naquele magnifico imptiocujo destino est mais fo que em outrasnagieslgado com o de seu mona {] fgrfos meus) Em “solo virgem [.] a transplantada érvore dos Braganca florescia e fazia civilizacio”. Passadas as revoltas das Regéncizs 0 pais era entendido ‘como tum odsis em meio & confusa situagio Jatino-americana, e um monarca 125 de linhagem e estilo europeus parecia garantir a paz e, por extensio, a civi lizagao, Por outro lado, depois de um perfodo de maior “reclusao”, d. Pedro comecava a aparecer na cena ptiblica. Colaboravam, para essa nova atitude, no 6 0 afastamento de Paulo Barbosa, que partia para a Europa em licenca, como o fim do professorado de Aureliano Coutinho. ‘Acesses eventos pode-se acrescentar a criacio da figura do presidente do Conselho de Ministros, em 1847, fato que contribuiré no sentido de garantir um maior poder de intervengéo por parte do imperador. Dessa maneira, se até entdo 0 monarca era antes um menino imers0 na rotina de suas ligées e submisso ao grupo mais conhecido como “faccio dulica”, a partir de entdo, e contando 24 anos completos, d. Pedro se preparava para interferir na cria- sho de uma politica cultural mais evidente no pais. FORMANDO UMA CULTURA LOCAL: “A CIENCIA SOU EU" © INSTITUTO HISTORICO B GEOGRAFICO BRASILEIRO: (© IMPERADOR E SUA CONFRARIA E, portanto,a partir dos anos 50 que o imperador passa a tomar parte de uum projeto maior: assegurar no s6 a realeza como destacar uma meméria, reconhecer uma cultura Se no plano da politica externa uma monarquia encravada bem dentro do continente americano gerava desconfiancas, mesmo internamente era tam- bém preciso criar uma identidade. Pode-se entender dessa maneira a funda- fo apressada, ainda na época de d. Pedro 1, das duas faculdades de dieito do pais em 1827 — uma em Olinda, outra em Sto Paulo —, a reformulagdo das escolas de medicina em 1830, assim como a criacio de um estabeleci- mento dedicado “3s letras brasileiras”. Em 1838, tendo como modelo o Insti- tut Historique, fundado em Paris em 1834 por varios intelectuas, entre eles dois velhos conheciios do Brasil — Monglave e Debret —, forma-se 0 Insti- tuto Hist6rico e Geografico Brasileiro (0 H1c8), congregando a elite econdmi- ca ¢ literdria carioca. E justamente esse recinto que abrigari, a partir da década de 40, 0s roménticos brasileiros, quando o jovem monarca d. Pedro 1 se tomard assiduo freqiientador e incentivador, com a maioridade, dos traba- Ihos dessa instituicdo. A partir dos anos 50 0 1ic8 se afirmaria como um cen- tro de estudos bastante ativo, favorecendo a pesquisa literria, stimulando a vida intelectual e funcionando como um elo entre esta e os meios oficias. ‘Assim, com seus vinte anos, a suposta marionete se revelaria, aos poucos, uum estadista cada vez mais popular e sobretudo uma espécie de mecenas das artes, em virtude da ambicio de dar autonomia cultural ao pais. E nesse contexto, em que o imperador passa a imiscuir-se cada vez. mais na vida intelectual de seu Império, que 0 Ice se transformaré, de modo ‘ 126 ORIGINAL SC 4. D. Pedro I, ainda erianca, MMP 5, Reconhecimento do Império do Brasil e de sua independéncta. A cena retrata ‘a entrega das credenciais do embaixador Charles Stuart, mediador inglés, Ao furdo, tum navio da frotainglesa que, no entanto, arvoa somente as bandeiras portuguesa do Império, A direta, uma figura alada,representando a histéra, graoa na padra ‘0 "grandiso aconteciments". Ao centre, 0 primeira imperador, a imperatrz d. Leopoldina ea princsa d, Maria da Gloria (fara rainha de Portugal). Por fim, conforme o ito porlguls a corea permanece na almofida detzada ao lado. Leon Tirade. MI 6, Reta de segunda iperatriz do Breil - Ani, duquesn de Bragenc, cj blea forsee destacnta pelos idgaes. D. Ari acompenkou Gd: Pedro I quando est voliou para Portugal. Vive na Frangee depes em orkugel lt faecendo em 1873. Cleo sobre tea de Priric Durck. MIP 7. Tabaqueira de ouro fete no século XIX. Nelavé-se wma cena aleg6rion fem que esto sendo coroades Pedro I (que fica no Brasil), de um lo, ed. Maria da Glria (que oni a Portugal), de outro. Em um s6 gesio, dois reinos. MIP 8, Ua das raras cenas que retratam 0 futuro imperador ems ambiente privado, Na imagem, ‘enquanto d. Pedro desenka um bust esculpido, suas duas inns interrompem a ligt de bora para obser, O Gla na paredetraza imagem do at, d. Joo VI. FMLOA 9, Mesmo antes do Golpe da Maioridade, aos doze anos de ade, Pero jt € desenhado como o futuro imperador Aparece ertado com farda militar evdenclnto «ala fo de comandante-en-cefe das Forgas Armades. No pita placa da Gri-Cruz do Cruze 0 Tasio de Our. No fundovbse 0 tono conta sila Pedra Il a ep: insignia 4 dinastia dos Braganca. No meno, as marcas do poder Fac Emile Tounay, 1887. MIP NON Ce ORC CR ane Po ene ree en OS) non On OnE na est fl, eee ere cee a erat st ete een SO See Na seco ee CR na ne anny ae ee arcone impor ds nos do prin: do Bri. Romy Antinori Sag Cen en eon ee ee ony Ss Sa eC 15. to Par Peron rete t rao ere en era career net ee ner eee nn Cen enone ee na Pree ey eee es ac ee ne Fit ieee nc Poe een ea een ura eee ans ere ener vee eer ree ee ee aT eon 2 ar oe eae . eee 11D. Pedro t, F J 4 ae eran perenne ee enna en) coer) eer er omni FBN ca eet Peet 19, Carruagem de gala willzada por d. Pedro I. Tami conbecida como “caro corde can” ou “monte de pata”. MIP 20, Trono de d. Pedro, com a imagem da serpe bem ao centr. MIP 22, Retrato de 4. Pedro n. Perce ser sta a pintura usada como modelo e que se encontrz no centro do colar da futura imperatrz, na tela 0 lado, FMLOA 21. Retrato de d. Teresa Cristina. O retrato deve ter sido “fto em 1843, quando o compromisso matrimonial com 0 Imperador do Brasil jé esta negociado. Basta obseroar a miniatura usa por Teresa Cristina, na qual se v8 a fie do imperador (provavelmente uma reproduc da mesma tla to Indo). No fundo, segundo uma téenia da epoca, o pintor su como cendrio a cidade de Naples eo vuledo; Vebtvio em plena erupedo. Segundo 0s relatos, foi est 0 retro que d. Pero receheu antes da chegada de noice. Na Tmagem, somente as qualidades da futura imperatriz é que ‘aparecem destacadas, José Correia de Lima, c. 1843. MIP 23, Casamento por procuragio da imperatrz d. Teresa Cristina ‘Accerinbnia ralizou-se na Capela Real Palatina de Nadpoes, em 30 de maio de 1843, Ole de Alessandro Cicarlli, 1846. MIP 24, Retrato ded, Pedro por volta ia década de 50. Com indumentiria de tropical fade d. Pedro Ul, morreria aos 25. A princesn Leopoldina em ambiente {grande gala, 0 monarca aparece cercado pels insgnias de saw Império. Nas vestments destacar-se a murga feta te papos de tucano e 0 manto como céu do Brasil, FMLOA 24 anos. F.Krumbolz, 1851. FMLOA 26, Muito antes da vg loa do inigenismo romantic, Brsil je ripresertado com bise em st popugto “exited costes *straos"- Na imager, sma alegoria da América: mee flo, Cleo de ‘Nicolo Frangipane, 1580, CEA 27 Das pins: dew ldo, “cide Exo" 2m ses quad, once cans tempera; strana do etre, a “tora Andis", ec nti enim coe, Ole secre de Jon wo Kes, ryshe Stnogemaldcsomiagen, Marque, 1655 28, Centro da dpe © Guarani, no Testo Sela de Milo | ato, cena 3. Aquarle de Carlo Ferraro, 1670. MIP | | | i 30, Vestinentsusades por Ceci Pere demas personages culo fe ‘na primeira apresentagdo de © Guarani. Estilizados, os indigenas 29, Tua de meas do scl ft de ema ou D. Peto aparece aE ree eC et One bem ao centro, ladeado por dus figuras aegéricas: & esquerda, a Marinha de Guerra; — Perr oe rato, 19STI670. Em Fernandes, 1996 2 dicta.a Ma Merete Tule emldado om ane roi, transplanta para 08 tp pi 5. A personage racer do rome de ot e Ale, gana stele ate quai de os Mara de Mei, dead de 1681. MNBA 31. A primeira missa no Brasil Fits por Vielor Meirle de Lima, tum dos protegidos do grupo de . Pedro, a obra €inspirada no loro de Gongs dle Magathies, Confederacio dos Tamoios. O efreula se fechava; 0 imperadorcercava-se de iteratos,hstoradorese pntores. Oeo sobre tela, 1860. MNBA NAL 5S Eero do ctiomo rom, gue nt om gud ICDs 9 | Nem nd ren ne a o inden coma mel de represent do pt Nese cso pintor Vir Meieles de tin ira sinblr@ noe Ingo. Pa see i retrata a enda de Moen. Geo sobre tl, 1866, MASP (0 attimo Tamoio,élo sobre tela de Rodolfo Amoedo, 1883. MNBA crescente, em seu local de predilegio, Mas a relagéo do monarca com o tice no data dessa época. J4 em 1838, d. Pedro 1 & convidado a ser 0 “protetor’ da instituigio. Em 1839, “oferece”, com a interferéncia de Paulo Barbosa, ‘uma das salas do Pago Imperial da cidade para as reunides do Instituto. Em 1840, por ocasiéo do aniversério do monarca, é cunhada a medalha que continha em sua parte'posterior os dizeres: “Auspice Petro Secando. Pacifica Scientiae Occupatio”. Em 1842 0 proprio monarca torna-se membro do insti- tuto francés, e entre 1842 e 1844 institui prémios destinados aos melhores trabalhos apresentados no 1hc8. Mas até entdo d. Pedro ocupava sua cadeira como mera figuracéo. ‘Na verdade, composto, em sua maior parte, da “boa elite” da corte e de alguns literatos selecionados, que se encontravam sempre acs domingos debatiam temas previamente escolhidos, 0 mcs pretendia furdar a histéria do Brasil tomando como modelo uma historia de vultos e grandes persona- gens sempre exaltados tal qual her6is nacionais. Criar uma historiografia para esse pafs tio recente, “no deixar mais ao génio especulador dos estran- geiros a tarefa de escrever nossa historia {..", els nas palavras de Januario da Cunha Barbosa? a meta dessa instituicao, que pretendia estabelecer uma ia continua e tinica, como parte da empresa que visava a propria “fundacio da nacionalidade”? Se desde o inicio o Estado entrava com 75% das verbas da instituicio, a partir de 1840 d, Pedro u passara a freqiientar com assiduidade as reunibes na sede lécalizada no Paco Imperial. Dessa data em diante, 0 Instituto Hist6- rico funcionaré como uma espécie de porto seguro, um estabelecimento of cial para as experiéncias do jovem monarca, crescentemente empenhado em. imprimir um “nitido caréter brasileiro” & nossa cultura. A partcipagio do imperador néo era, porlanto, a partir dos anos 50, apenas financeira. Ao contrério, d. Pedro interessou-se pessoalmente pelo icp, tendo presidido um total de 506 sessses — de dezembro de 1849 até 7 de novembro de 1889 —, 6 se ausentando em caso de viagem. Tal fato torna-se ainda mais relevante se comparado & pouca participacio do monarca na Camara: lés6 aparecia no comego e no final do ano, para abrir e fechar os trabalhos. For meio, portanto, do financiamento direto, do incentive ou do auxi 4 poetas, mésicos, pintores e cientistas, d. Pedro u tomava parte de um gran- de projeto que implicava, além do fortalecimento da monarquia e do Estado, a propria unificagéo nacional, que também seria obrigatoriamente cultural. Coube ao monarca, em uma de suas primeiras participacies efetivas no nics, em 1849, a seguinte proposta de debate: “O estudo e a imitagio dos poetas roménticos promovem ou impedem o desenvolvimento da poesia nacional?". D. Pedro e a elite politica da corte se preocupavam, dessa manei- ra, com o registro e a perpetuagio de uma certa meméria, mas também com a consolidagio de um projeto romantico, para a conformacio de uma cultura “genuinamente nacional”. Era assim que o imperador lancava as bases para =a NAL 4 $c 8 ‘uma atuagio que Ihe daria a fama ea imagem do mecenas, do sabio impera- dor dos tr6picos. Seguindo 0 exemplo passado de Luts xiv, 0 monarca forma- va a sua corte a0 mesmo tempo que elegia historiadores para cuidar da ‘meméria, pintores para guardar e enaltecer a nacionalidade, literatos para imprimir tipos que a simbolizassem.‘ Em uma situacio de consolidacio do rojeto mondrquico, a criacéo de uma determinada meméria passa a ser uma questo quase estratégica, ‘A comparagio com os grandes monarcas europeus era nesse sentido recorrente no 1iGe, onde se exaltava a importancia e a hist6ria dos reis para 0 engrandecimento da cultura nacional. “[..] A protecéo as letras € 0 mais, valioso atributo ¢ a j6ia mais preciosa da coroa dos principes; por ela se fizeram grandes Luis xv em Franga, e os Medici na Itélia, quando acolhiam as cigncias e as artes que escapavam das ruinas do Império grego [.1"* Com efeito, a cada discurso, a cada solenidade, reafirmava-se a associa~ ‘lo entre o nosso imperador e os demais grandes principes. “Fica bem clara- mente perceber que a munificéncia de Augusto em Roma, de Luis xv em Franca, de d, Diniz, d. Joo ve d. José em Portugal deve também fulgurar no Brasil, colhendo os literatos, que em todos os tempos tém recomendddo por seus escritos ao respeito ¢ a admiracéo do mundo os nomes ¢ 0s feitos dos grandes principes.”* Fazendo desfilar toda a “nata da realeza” européia, essa instituigio ajudava a legitimar um modelo de monarquia cujos exemplos poderiam retornar A Antiguidade — a Filipe e Alexandre da Macedénia; ‘Augusto, Trajano, Marco Aurélio em Roma; ou Aristételes, Xendcrates e Sex- to — ou encontrar inspiracio nos reis mais modemos, como Carlos t da Inglaterra; Lufs xv da Franca: Cristina da Suécia; Leopoldo e José da Alema- nha; Frederico da Prussia; Pedro, o Grande, e Catarina da Réssia, ou os soberanos pontifices Leto x, Sisto v, Benedito xiv? Modelos néo faltavam, mas havia originalidade na cépia. O romantismo aparecia como 0 caminho favordvel expresso propria da nagio recém- fundada, pois fornecia concepgbes que permitiam afirmar a universalidade mas também o particularismo, e portanto a identidade, em contraste com a ‘metr6pole, mais associada nesse contexto & tradicao classica. O género vinha ‘0 encontro, dessa maneira, do deseo de manifestar na literatura uma espe- ‘ificidade do jovem pais, em oposicéo aos canones legados pela mae-pétria, sem deixar de lado a feicio oficial e palaciana do movimento. ( projeto literdrio toma forma jé em 1826, quando Ferdinand Denis e ‘Almeida Garrett chamavam atengéo para a necessétia substituicfo dos moti- vos cléssicos e convengées em favor do aproveitamento das caracteristicas locais. Os brasileiros deveriam se concentrar na descricio de sua natureza e costumes, dando realce sobretudo ao indio, o habitante primitive e o mais, auténtico, segundo Denis.* Foi s6 mais tarde, porém, que o romantismo se associou a um projeto de ccumho nacionalista, Nesse processo fot decisiva a conversio de um grupo de 128 “UM MONARCA Nos TROFICOS: jovens brasileiros residentes em Paris, mais ou menos enire 1832 ¢ 1638, e que 1k foram acolhidos por intelectuais franceses que tinham vivido no Brasil e fa- ‘iam parte do Institut Historique. Esses mesmos literatos publicaram em 1836 (08 dois tinicos ntimeros da revista Niteréi, considerada um marco do roman tismo brasileiro. Seguindo o lema "Tudo pelo Brasil e pam o Brasil”, os organi- zadores da publicagso previam a busca ¢ exaltagio das originalidadés locas. ‘No titulo, Niterdi, ficava evidente o programa nativista, anunciado jé no primeiro niimero por Domingos José Goncalves de Magalhdes (1811-88), que Seria, em futuro préximo, um dos protegidos do imperador. O nome fora descoberto na narragéo do francés Thevet, viajante do século xu, e tenciona~ va indicar aos brasileitos a fonte de inspiraéo da nova literatura: a cultura indigena, que aqui convivia com a escravidio. Na verdade o viajante colabo- rava com a propria representagio do continente americano, nesse contexto, que nos mapas, nas ilustragBes isoladas ou nos grandes quadros comparati- os aparecia sempre associado ao indfgena e As suas préticas exéticas: 0 canibalismo, a poligamia, a nudez e a “falta de religiao”? América, ‘graoura andnima no lira de Arnoldus Montanus, 2671. CoM AS BARBAS DO IMPERADOR América, Gilles Rousselet e Charles le Bru, BM Na imagem as represents de América @ rede (ea proguie), a mudez 0 canibalismo 120 fundo; enquanto isso, ‘4 metrdpole clonisadora chega com seus simbolos de cuilizagio. Gravura ‘em metal de Theodore Galle ¢ jan Van der Straet, 1589. Em Belluzzo, 1994 Mas nessa revista o modelo era um pouco diferente. Segundo Candido, advogava-se um espirito moderno que “consistria em romper a coexisténcia promover o triunfo da literatura nacional, que no caso brasileiro deveria levar em conta a capacidade poética do indio”."” A prépria caracteristica moderada do grupo, em seu desejo de reforma, ajudou na recepsao desse projeto, em meio a um ambiente pobre e ainda preso ao neoclassicismo. ‘Trabalhando com as nogBes de autonoiia e patriotismo, 0 grupo propunha ‘uma transigio para 0 academicismo branda e quase imperceptive. ‘Com Magalhaes, conviviam Manuel de Aratijo Porto Alegre (1806-75), ‘menos conhecido por sua vida literdria do que por sua atuacio na Academia de Belas-Artes; Joaquim Norberto de Sousa Silva (1820-91)3" Joaquim Ma- 130 “UM MONARCA NOS TROFICOS* nuel de Macedo (1820-82); Goncalves Dias (1823-64) — considerado por ‘Antonio Candido o tinico autor de real qualidade da geragio —,e Francisco ‘Adolfo de Varnhagen (1616-78), o fundador da historiografia brasileira,” for- mando o grupo imediatamente vinculado ao imperador" Sao exatamente esses escritores que passario a freqiientaro mice a partir de 1840, tendo na revista do Instituto — que comesa a ser editada em 1839 — lum érgio dileto de divulgagio de suas idéias. Por outro lado, 0 caréter oficial e respeitavel do estabelecimento auxiliou na aceitagso do grupo e do projeto de renovacio literdria, sobretudo em razio da presenca constante do Imperador. Este, por sua vez, embora terha contribuido decisivamente para 6 fortalecimento do grupo; patrocinando as diferentes atividades, gerou um certo conformismo palaciano, tolhendo as iniciativas mais rebeldes ou mais alternativas." Com efeto, tomando a dianteira nesse movimento, o monarca Selecionou um grupo e de forma direta afastou outros. Na verdade, é com a entrada de d. Pedro 1 no ics e seu mecenato que 0 romantismo brasileiro se transforma em projeto oficial, em verdadeiro nacionalismo, e como tal passa a inventariar o que deveriam ser as “originalidades locais” SSabia-se muito pouco a respeito dos indigenas, mas na literatura fer vviam os romances épicos que traziam chefes € indigenas herGicos, amores silvestres com a floresta virgem como paisagem. Os antigos dicionérios de nossas linguas nativas feitos pelos jesuitas passaram a ser estimados, pois neles se escolhiam termos indigenas que poderiam ser entremeados &s estro- fes dos novos poemas. ‘O proprio imperador, inspirado por essa voga, além de propor a criagio de gramaticas e diciondrios, comeca a estudar 0 tupi e o guarani, que Ihe seriam titeis durante os litigios com o Paragua, na década de 60, e mesmo para que ganhasse uma espécie de lideranga do movimento romantico. Cunhavarse entdo a representagio do sabio mecenas. Era d, Pedro u quem patrocinava, particularmente, projetos de pesquisa de documentos relevan- {es histéria do Brasil, no pais e no estrangeiro. Ble também se interessou pelas pesquisas de etnografia e lingiistica americana, Ajudou, de diferentes Imaneiras, o trabalho de cientistas como Martius, as pesquisas de Lund, de Gorceix, dos naturalistas Couty, Goeldi e Agassiz, dos gedlogos O. Derby, Charles Frederick Hartt, do botinico Glaziou, do eartdgrafo Seybold, além de varios outros naturalistas que estiveram no pais. D. Pedro financiou ainda profissionais de areas diversas, como advogados, agronomos, arquitetos, um Aviador, professores de escolas primérias e secundirias, engenheiros, farma- ‘@utigos, médicos, militares, muisicos, padres e muitos pintores. No é & toa aque nessa época tenha ficado famosa a frase proferida pelo jovem monarca brasileiro nos recintos do mice: “A ciéncia sou eu”, Sem duivida, uma clara alusdo ao dito de Lufs x1v; uma referencia a0 momento em que d. Pedro passa a ser artifice de um projeto que visava, por meio da caltura, alcangar todo o Império. 731 IGINAL 8G ts o (© INDIGENA COMO S{MBOLO NACIONAL Mas se cabia & historiografia formar um pantefo de heréis nacionais, ctiar um passado e buscar continuidades temporais, foi na drea da litera tura que a atuagio de d, Pedro u ganhou maior visibilidade. Debaixo da protegio direta do monarca tomava forca 0 movimento que pretendia pro- ‘mover a autonomizacao da literatura brasileira, sob os moldes do romantis- mo e da convengio do indianismo. A prépria revista Guanabera, fundada em 1850 por Porto Alegre, Goncalves Dias e Joaquim Manuel de Macedo, entre outros, em seu primeiro miimero salientava 0 apoio do imperador aos litera: tos, Delineavamse, entio, as bases de uma “politica literéria’. E nesse con- texto que Magalhies publica A Confederagio dos Teniois (1856), que fora dire tamente financiada por d. Pedro, e, depois de longo preparo, era aguardada como o grande documento de demonstragio de “validade nacional” do tema indigena Retomando de certa forma a0 modelo do “bom selvagem’” de Rousseau, Magalhaes construia, sob encomenda, o que deveria ser 0 maior épico nacio- nal centrado na figura dos herdis indigenas, com seus atos de bravura estos dle sacrifici. Tentando fundir a “excentricidade romfntica com a pes- quisa hist6rica”, esse autor acreditava ser possivel superar as especficidades regionais para se chegar a um mito nacional de fundaglo.” Apesar do fraco resultado, a importincia dé livro associou-se a seu vinculo institucional. A propria obra comeca com uma grande declaragio a “Vossa Majestade Impe- rial”. Nela, Magalhaes fala do “sentimento patritico e da profunda admita- ‘so que teriam inspirado esse trabalho literério”. Todos os elogios seriam para d. Pedro, aquele que “o Brasil toda ama, e admira[..1 0 principe perf to todo empenhado em promover o bem de set pov". Dedicado ao impera- dos, livro apresentava uma trama em que se opunham os colonizadores portugueses vildos aos indigenas naturais e determinados. Inspirada em artigo de Baltasar da Silva Lisboa publicado na revista em 1834, a obra conta a saga da “brava nacio Tamoio”, que luta pela liberdade contra os agressores portugueses — estes sim caracterizados como selvagens aventureizos. Porém, as oposigdes nao se limitam aos pares acima descr. tos. Enquanto os brancos podem ser divididos entre portugueses brutos ¢ colonizadores (os quais parecem representar a impureza do ato que transfor- ma uma nagio livre em escrava) e brancos religiosos (jesuftas mancomuna- dios com o futuro Império), também os indfgenas se encontram divididos: de uum lado os silvcolas bérbaros ou (pela sua simplicidade) catequizados; de ‘outro os aborigines indomaveis e livres como a natureza. Nessa batalha de cores 0 par enaltecido é o que lembra a pureza — os portugueses do futuro Império (que representam a unidade nacional e sobretudo a fé crsta, que se cola ao sacrificio dos nativos), os indigenas no conspurcados pela civiliza- fo. E num momento particularmente significative da trama que Tibirigé, 132 “UM MONARCA Nos TROFICOS* indio converso da tribo Guaiané, tenta convencer seu sobrinho rebelado, Jagoanharo, das vantagens do mundo civilizado. Apés a conversa, é Jagoa- rnharo quem tem um sonho divinatério em que prevé, em pleno século x, a chegada da familia real, a independéncia, o Império, a guerra na regio do Prata e por fim o reino do justo monarca Pedro i. Interrompendo essa gran- de narrativa de fundacio da monarquia, Magalhaes ceclama: ‘Ve que fica a vitria aos defensores este império da Cruz, da justa causa ‘Que Deus ama e protege; e que ld fogem Tintos de sangue os feros inimigos dda nascente, basa liberdade"™ “Transformado em uma monarquia dos justos, 0 Inpério aparece contra- posto a colonizacio portuguesa, terreno da desigualdade. Mas € a chegada de Pedro 11 a mais aguardada: "Esse infante gentil, que no seu berco pelo sol tropical foi aquecido [.] e se Pedro langou do Império as bases, Outro 0 faré subir & mor altura [...”2" Aclamado como um “genic em tenros anos”, que “por voto da naglo empunha o cetro”* d. Pedro 1 surge no romance de Magalhaes como um messias da paz, im mensageiro de Deus. Em meio a seu sono o indio selvagem declara: “ndio! Se amas a tera em que nasces- te/ E se podes amar o seu futuro/ A verdade da cruz aceita e adora Carta do mordomo da Casa Imperial cxmunicando 12 Goncalves fe Magalhes 2 remessa de uma edi especial de ‘A Confederagio dos Tamoios. Manuscrito, 14/6/1856. MMP AS BARBAS DO IMPERADOR B assim que a literatura cede espaco ao discurso oficial e o indfgena transformado em um modelo nobre toma parte, mesmo que como perde- dor, da grande génese do Império, agora nas mios de d. Pedro i. Nas palavras dos grandes sacrificados da historia, os indigenas até entao nio caglades, © destino era irrevogével: “Ararat! Tu nao sabes quanto im- rio/ Tein uma idéia nova, grande e santa,/ que a alma penetra - Beso/ Teh ur gra q penetra e 0 cora: ‘Como um exemplo a ser seguido, o indigena surgia como heréi e vitima de um processo que o atropelava, Nascido livre, morto em liberdade: Grande futuro 0 ou © indio seguire. Vitima ilustre De amor do patrio ninho e liberdade Ele que nasceu nos lega 0 exemplo De como esses dois bens amar devemos [.) Imitemos Aimberé que morreu defendendo Avhonra, a cara pitra ea lberdade ® A primeira missa — tema também do quadro de Vitor Meireles de Lima (ver fig. 31 do cademo-cor 1), sem dtivida inspirado na obra de Magalhies — fecha os destinos das diferentes personagens desse romance. Todavia, 0 épico termina do mesmo modo que comesou: como uma ode ao monazca {que justo empunha o cetro do Brasil [..] cujo apoio deve ser da liberdade, da justisa e da paz o altar sagrado”.™ Como um “fardo da civilizagio” 0 Império se impunha por meio da representacio do indigena, mas, também, sobre o indigena: sua grande vitima. José de Alencar, famoso autor roméntico, apesar de vinculado indizeta- mente 20 grupo, teceu, nessa época, sérias criticas a0 livro de Magalhies. Usando o pseuddnimo de Ig, Alencar afirmava que os indigenas da Confede- rapio poderiam figurar em um romance Srabe, chinés ou europeu. A ironia desagradou ao imperador, que, sob 0 pseudénimo de O Outro Amigo do Poeta, escreveu no Jornal do Commercio artigo de apoio a Magalhaes. Em carta datada de 25 de marco de 1860 dizia o monarca ao conselheiro Saraiva: “[..J jé ew fiz o plano de defesa do poema [...] eu nao abandono posicio de defensor e elogiador [..] Talvez seja ocasio de uma pena florida escrever algumas poesias fazendo realcar as belezas da Confederagio [..] nio queria que o Ig {José de Alencar] se empavonasse mais descobrindo tim tinico ad- versério [.] Quanto a ele, ou se entra no grupo, ou se esté fora [.]”® ‘Também na politica Alencar se desentenderia com d. Pedro i. Eleito deputado e depois ministro da Justica, o literato tanto se opés a politica oficial que o imperador desta maneira teria se referido a ele: “f teimoso esse filho de padre”. E d. Pedro foi & desforra. Em 1869, sendo Alencar 0 ‘mais votado dos candidatos indicados numa lista triplice para ocupar uma 134 “UM MONARCA NOS TROFICOS” ‘vaga no Senado, teve seu nome vetado pelo monarca, que com o ato revi- dava 4s criticas do literato & obra de Magalhaes, Segundo Lyra, d. Pedro teria dito sobre José de Alencar: “E homem de valor, porém, muito mal- educado”. evidente, portant, que o imperador conformava um grupo ¢ um tipo de imagem do pats, e mostrava o quanto era poderosa a sua reacio contra aqueles que a ele se opusessem. Na verdade, a rixa entre d. Pedro i! monarca ¢o literato ndo pararia por af. Alencar, em A guerra dos mascates, escondia em meio as personagens ficcionais alguns politicos da época e até mesmo 0 préprio d, Pedro (que aparece como Castro Caldas). Mesmo anos mais tarde, em dois nimeros do semandrio O Protesto, Alencar seguiria atacando as qualidades intelectuais do monarca: “Nao seria muito mais feliz esse povo se sett defensor perpétuo [..] estivesse agora cogitando na dificil soluco da situagio financeira e perscrutando 0s males que nos afligem?”?” ‘A despeito das cisBes* — jA que € sabido que d. Pedro 1 fazia amigos e {nimigos, e sio conhecidos os ataques da assim chamada “geraglo boémia", que investia contra o clientelismo do monarca e o caréter oficial da literatura romantica —, d. Pedro u continuaria'a centralizar tal grupo, delimitando aliados e inimigos. Além de Magalhdes (depois visconde de Araguaia), ‘Araujo Porto Alegre (mais tarde bardo de Santo. Angelo) —nas artes — ¢ Goncalves Dias mereceriam a atengio do imperador, a quem parecia nlo es- capar a significacio nacional de um movimento como esse. ‘Considerado como o grande autor romantico brasileiro, Goncalves Dias trouxe o indianismo para a poesia, ao mesmo tempo que respondia provo- cacio de Ferdinand Denis, 9 qual em 1826 afirmara: “A América deve ser tenfim livre em sua poesia como em seu governo”. Nem tio livre era o gover- no, e reduzido era o circuito imperial. De toda maneira, partindo de docu- ‘mentos da hist6ria e da etmografia produzidos no tics, Gonealves Dias cria ‘uma poética dedicada a formacio do pais: terra virgem, intocada, até os primeitos contatos com a civilizacio. Entre seus Primeiros cattos (1847), Se- {undos cantos (1848) e Ultimos cantos (1851), logo louvados no pats, Gongalves Bias dedicou muitos poemas & América e suas gentes. ‘Seu poema mais célebre I-Juca-Pirama,” trazia para o Brasil o modelo do canibalismo heréico, expresso nos recintos literérios do instituto carioca, Tal qual uma refeigdo ritual, s6 se comia 0 bravo, o espirito indomAvel livre até za morte. E esse 0 argumento do poema de Gongalves Dias, que reconta a histéria de um bravo guerreiro tupi feito prisioneiro pelos Timbira, o qual espera por sua morte mas teme pela sorte do pai — velho, fraco e cego —, a quem servia como guia. (O drama todo retoma a questéo da bravura do heréi guerreiro. Diante do choro do jovern tupi, 08 Timbira o soltam: nao se mata e come o covarde. No entanto, o encontro com o pai € marcado pela decepgao. © velho tupi lamenta a fraqueza do filho e o maldiz: 135 OnmIGINAL ac ‘Tu choraste em presenca da morte? Na presenca de estranhos choraste? io descende o cobarde do forte; is choraste, meu filho nio és! Possas tu, descendente maldito De uma tribo de nobres guerzeiros, Implorando cruéisforasteros, ' Seres presa de vie Aimorés, 1 Possas tu, isolado na terra, Sem arrimo e sem pitria vagando, Rejeitado da morte na guerra, Rejeitado dos homens na paz, Ser das gentes 0 espectro execrado; [Nio encontres amor nas mulheres, ‘Teus amigos, se amigos tiveres, Tenham alma inconstante e fala! [J Bentéo, como um “espirito incorruptivel’, que o jovem guerrero se afas ta do pai e resolve provar sua bravura enfrentando sozinho os Timbira, Estes, reconhecendo o valor do tupi, concedem-Ihe o sacrifcio da morte em terreiro. Filho e pai reconciliam-se: “Este, sim, que é meu filho muito amado”*" Por fim, para garantir a “veracitlade” da narrativa, Goncalves Dias poe na boca de tum velho timbira a meméria dos feitos herdicos: “E a noite nas tabas, se al- guém duvidava/ do que ele contava,/ Dizia prudente: — ‘Meninos eu vil” O indio despontava assim como um exemplo de pureza, um modelo de honrn 4 er sepudo, Dante de peas t20 fundamentals — 0 sacra em nome 10 € o sacrifico entre os seus —, surgia a representagio idealiza- 4, cus qualidades ram destacdas na constagio de um frante pols Entre a literatura e a realidade, a verdacieira histria nacional ¢ a ficc80, os limites pareciam ténues. No caso, a histéria estava a servico de uma litera. ra mitica que, junto com ela, “Selecionava origens” para a nova nacéo. Foi, portanto, nos decénios de 50 e 60 que o Brasil conheceu a consagra- so do romantismo, cuja manifestagdo considerada a mais “genuinamente nacional”, o indianismo, teve nele o momento de maior prestigi, aleangan- do, além da poesia e do romance, a musica e a pintura. Paradoxalmente, e a despeito das desavencas pessoais de d. Pedro u, em 1865 era publicado o romance que se tornou uma espécie de icone dessa BeracSo, apesar da insercéo contradit6ria de seu autor em meio aos demais Indianistas. Iracera, o livro mais conhecido de José de Alencar, nao s6 trazia 0s temas e paisagens caros ao genero, como em seu nome (e invertendo-se as letras) incorporava o anagrama de América. ‘Seguindo de perto a moda do indianismo, era Alencar quem afirmava ser “o conhecimento da lingua indigena o melhor critério para a nacionalide- 136 “UM MONARCA Nos TROFICOS™ de da literatura” » Nas suas obras uma demonstracéo constante dos conheci- ‘mentos sobre a natureza e os naturais do Brasil transparece a ponto de muilas vezes o caréter didatico e mais etnogréfico do texto e das notas im- porse, em detrimento da narrativa. * “Mas voltemos a Iracema. No romance a bela “virgem dos labios de mel” aparece retratada em meio a um passado mitificado, nesse caso 0 cenério intocado do Nordeste de inicios do século xm. A obra representa 0 nasci- mento do Brasil, conseqiiéncia, mais uma vez, do sactficio indigena. O casal central — Martim e Iracema — simboliza os primeiros habitantes do Cearé, e de sua unio resultard uma nova e predestinada raga. Em meio & trama, Iracema morre para que seu rebento Moacir (0 “flho do sofrimento”) viva, ¢ Martim deixa as praias do Ceara para fundar novos centros cristdos. A partir de entdo deveriam ter todos “um s6 Deus, como tinham um s6 coragio”.* ‘Mais uma ver distantes do Brasil do século xx, tio marcado pela escra- vidio negra, herdis brancos ¢ indigenas convivem em um ambiente inéspito, Se existem alguns indigenas bérbaros, eles se resumem a poucos grupos {solados. Como os europeus, 0s silvicolas séo acima de tudo nobres. Nobres se nao nos titulos, ao menos em seus gestos e acbes. 'E essa a interpretagio também presente em Lbirjara* em que o proprio José de Alencar destaca, em sua “Adverténcia”, ser esse “um livro irmao de Tracema’”. “Irmos" na medida em que ambos so definidos, por seu autor, como “lendas", “aparentados” no uso de compéndies histéricos da época e ‘rmanados” no tratamento. Nas duas obras vemos destacadas a “magnani- midade do drama selvagem” e as eriticas as descrigbes mais condenatorias cemitidas por “missionérios que encarneciam assim a importincia da sua catequese; e aventureiros que buscavam jusifiarse da crueldade com que tratavam os indios’ ‘AS experiéncias de Alencar com o indianismo, contudo, néo haviam ‘comegado com Iracema e Ubirajara. Publicado originalmente em folhetins no Dirio do Rio de Janeiro, entre janeiro e abril de 1857, O Guarani ganhava a forma de livro no mesmo ano. Dividido em quatro partes — “Os aventurel- 10s", "Peri", "Os Aimorés" e “A catéstrofe” —, 0 romance se passa no século vo, as margens do rio Parafba. Seu principal protagonista ¢ Peri, o grande her6i da obra e par romantico para a loura e alva Ceci Jé no titulo, Alencar pretendia representar o indigena brasileiro em seus primeiros contatos “em sum momento de vigor e néo degenerado como se tcrnou depois’. Peri é a propria representacdo do bom selvagem rousseauniano: forte, livre como o Vento, fiel e correto em suas ag6es. A trama se desenvolve em tomo de dois grandes fatores de tensZo. De um lado, Peri protege a familia do fidalgo portugues d. Antonio de Mariz (pai de Ceci) do ataqite dos “bar- baros Aimorés”. De outro, ajuda a desvendar todas as artimanhas do “mal- vado Loredano”, “aventureiro” que s6 queria as riquezas da familia ¢ a beleza de Ceci. Mais uma vez 0 embate se dé entre nobres selvagens. 137 Selvagens sio os Aimorés e 03 aventureiros brancos. Nobres sio todos aque- Jes que tém ou merecem tal titulo em virtude da bravura e altivez de seus atos. E assim que o tema da nobreza dé Peri volta constantemente nas pgi- ras do romance, como a indicar um feliz encontro entre uma nobreza branca, que veio ao Brasil oriunda da Europa, e os “nobres da terra”, Eded Antonio de Mariz a frase: “Crede-me Alvaro, Peri é um cavalheiro portugués no corpo de um selvagem”.® Em outro momento do livro Alencar interrompe a ado para emir 0 seguinte juizo: “Enquanto o indio falava um assomo de orgulho selvagem da forga e da coragem Ihe brilhava nos olhos negros ¢ dava certa nobreza ao seu gesto. Embora ignorante,filho das florestas, era uum rei; tinha a realeza da forca”.> Peri como espirito era nobre, ¢ até rei Nio podendo impedir a desgraca maior que se abateria sobre a familia Mariz, Peri tenta salvar Ceci, que venera com paixio, separados apenas por dduas naturezas: “uma filha da civilizacio, o outro filho da liberdade selva. gem’.® Ambos terminam juntos, anunciando um amor quase platénico entre © indio e a “vingem loura”, levados pela torrente de um rio. O futuro é a vida no Rio de Janeiro ou “o céu que os une”. $6 0s letores de Alencar guardam a resposta Peri era, portanto, muito diferente dos demais indigenas, “nos quais a braveza, a ignorincia e os instintos carniceiros tinham quase apagado © cunko da raga humana”.* Deseritos como ignorantes, birbaros e possuido. res de instintos canibais, os Aimorés representavam os selvagens, que, de t30 “diabélicos’, deveriam ser esmagados pela “cvilizagio”. E assim que, em uma terra de passado e nobreza recentes, Alencar recria tum passado mitico com seus senhores valentes e bondosos, e indfgenas fiéis © honrados. Trata-se de um encontro de dignidades: o cavalheiro e o selva- gem. Mais que isso, Peri era rei nas florestas: “Esse monarca das selvas cercado de toda a majestade e de todo o resplendor da natureza”s* “L.] no meio do dederto, livre, grande, majestoso como um rei". Nessa “corte tropi- cal” nada mais justo do que imaginar um rei das selvas, que conviveria com a realeza dos civilizados e thes deveria vassalagem, séculos depois José de Alencar emt pose ‘ue lembra o lugar do escritore do intelectual Foto de Alberto Henschel MEN 138 “UM MONARCA NOS -TROFICOS™ ee antes oe a eat Sareea ciado por d. Pedro 1,“ a obra de Carlos Gomes combinava as normas euro Se ee aeons ito ee a ee Fe creniee treet oenotemtnen teeta a ere i i a Homenagem da Revista Hustrada fo ilustre Carlos Gomes, A estréia ‘£m Milto, mas 0 fundo do deseno smistura a “cls” Europa com 15 linhas do PEo de Acicar. Em Revista Iustrada, 1889-90. MMP a Bordalo fax grande hhomenagem & pera © Guarani, encenada ‘no Teatro Lirico em 1878: 0 indigena oferece flores ‘0 miso, Em © Besouro, 9101678. MMP i ‘o romantismo no Brasil Como se vé por meio desses e de outros autores, 10 n0 fe i vimento cultural € nao foi apenas um projeto estético, mas também um mo politico, profundamente ligado ao nacionalismo. Diferente do movimento alemao de finais do século xx, to bem descrito por Blias,® 0 nacionalismo 139 <1GINAL sc Co brasileiro, pintadé com as cores do lugar, partiu sobretudo das elites cario- cas, que, associadas & monlarquia, esforcavam-se em chegar a uma emancipa- ‘0 em termos culturais. Os temas eram nacionais, mas a cultura, em ver de popular, era cada vez mais palaciana e voltada para uma mera estetizacao da natureza local. ‘Atacados de frente por historiadores como Varnhagen, que os chamava de “patriotas caboclos’* os indianistas brasileiros ganharam, porém, popula- ridade e tiveram sucesso nesse contexto na imposigéo da representaclo £0 mantica do indigena como simbolo nacional. O préprio Machado de Assis, ‘mais afastado desse grupo, em crénica intitulada “Noticia da atual literatura brasileira”, reconhece “um certo instinto de nacionalidade”” vigente nesse estilo épico. E significativa, também, a resposta de Magalhies ao grande his- toriador do Império. Acusado de ser fantasioso e de defender os selvagens em detrimento dos cvilizados, é desta maneira que reage oliterato, prqtegido do imperador. “Nés que somos Brasileiros, porque no Brasil nascemos, qual- quer que seja a nossa origem indigena, portuguesa, holandesa ou alema, fazemos causa comum com os que aqui nasceram antes de nés e considera. mos como estrangeiros os mais homens. Assim fazem todos og homens respeito de seus compatriotas”.* Por fim, além de defender-se das acusagdes de lusofobia, Magalhies acaba concluindo: “A Patria é uma idéia, representa- da pela terra em que nasceyfios. Quanto 8 origem das ragas humanas, i860 & questao de histéra, pela qual ndo se regula o patriotismo. De resto, 0 her6i de tum poema é um pretexto, uma regra d’arte para a unidade da aco [.1"." Fazendo da literatura um exercicio de patriotismo, ese género ganhava lugar nos planos do Estado. A valorizacto do pitoresco da paisagem e das gentes, do tipico em vez do genérico, encontrava no indigena 0 simbolo privilegiado. Representando a imagem ideal, o indigena encamava no s6 0 ‘mais auténtico como 0 mais “nobre”, no sentido de se construir um passado honroso. Por oposigio a0 negro, que lembrava a escravidao;* o indigena permitia indicar uma origem mitica e unificadora. Ai estava a ambigtiidade desse grupo chamado por Antonio Candido “geracio vacilante’” ‘A natureza brasileira também cumpriu fungi paralela, Se ndo tinhamos castelos medievais, templos da Antiguidade ou batalhas herdicas para lembrar, possulamos o maior dos rios, a mais bela vegetacao. Entre palmeiras, abacaxis outras frutas, apareciam caracterizados 0 monarca ea nagdo, destacando-se a ‘exuberdncia de uma natureza sem igual. O ritual da realeza seguia a risca esse estilo mestico e tropical, por meio da ininterupta mistura de elementos do lugar e estrangeiros. Por mais que tenha partido de d. Pedro 1¢ de Bonificio a inidativa de elaborar — junto com Debret e outros participantes da Missio Francesa — uma ritualistica local, foi com d. Pedro ue seu longo reinado que se tomaram visfveis a originalidade do protocolo e o projeto romantico de representaglo politica do Estado. Com a Orclem do Cruzeiro do Sul, sempze no peito, em meio a uma coroa de estrelas, os ramos de tabaco e café, a coroa 140 classica de louros (simbolicamente substitufda, por Goncalves Dias em Os ‘Timbirns (18571, por uma outra feita com flores brancas de acécia e as amarelas do sassafrés, numa metéfora iluminadora do indianismro), a murca de penas dle galo-da-serra e depois de papo de tucano — quase um cocar da realeza ‘a medalha de Paissandu,.. tudo colaborava para a construcéo de uma iden dade feita de muitos empréstimos e varias incorporacoes. A famosa murge, nas palaoras de d, Pedro I uma homienagert ave cacigues da terra, ica parte da indumentaria imperial, erm confecconada de penas de glorda-serra depots de penas de papo de tucano. FBN Thjes de gala vas induertrias de realeza os sinboles ia terra: eacau, café, tahaco €0 cf dd Brasil. FBN ‘Mas 0 projeto cultural escapava aos poucos dos circuitos restritos a essa {ntelectualidade e ganhava as classes médias urbanas, que viram nele uma resposta as aspiragies de afirmacio nacional. Se em um momento inicial 0 in- dianismo foi antes uma forma de obscurecer a insergio da escravidao no pais, aos poucos, porém, valendo-se dos poemas épicos, dos romances, das telas srandiosas e das peras, o movimento passou a exercer uma clara influéncia sobre setores mais amplos, em particular na corte, cada vez mais acostumada ‘com a introducéo de imagens, termos e produtos de inspiracdo indigena. eT ‘No Jornal do Commercio, indigenas sparecem ‘em propagendas de produtos da corte, 1853. FBN © indianismo chega também a iconografia politica e vai fazer parte da representagio do poder imperial e das cerim6nias oficais. Nas imagens da época, ele delxa de ser apenas um modelo estético para se incorporar & propria representacio da realeza: o Império realizava, entdo, uma “mimesis americana’. B assim que junto a alegorias cldssicas surgem Indigenas quase brancos e idealizados em ambiente tropical. Na figura seguinte, ao lado de querubins e alegorias, sio os indigenas, como encarnacéo de um passado initico e auténtico, que parecem legitimar o monarca, nessa imagem imedia- tamente posterior & sagracéo. D. Pedi sagrado por indfgenas de terra. ¢ dioindades. Litogravura, 6, 1840. FEN SUM MONARCA,NOS,TROPICOS” g] Acomacio de d. Pedro nA mesma itustragio € agora sada com outros objetios pleas 8 legimagio do proprio Gabinete dla Maoridade, MMP A seguir, vemos d. Pedro 1, jf mais velho, sendo coroado com 0s tradicio- zais louros, mas cercado por ramos de tabaco ¢ café, além de frutas tropicals. esse caso, porém,o rito da coroagio aparece envolto de simbolos de progres- so e modernidade — o vapor, 0 navio, o globo, os livros e a paleta —, que vvinculam 0 monarca tropical aos ganhos da civilizacéo. Intituiada O sono do sigunte, a ilustraglo traz um poema de Castry Lopes que fala da idolattia do ovo a esse “cidadao brasileiro (..] patriota de um povo tio injuriado”. O sonho do gigante, em Galeria do Bazar Volante, 1863, As wstes majestitcns fm primeir plano a0 fundo os ‘cones do progreso, MIP As cosmologias se misturam de maneira ainda mais evidente na proxima itustaglo. Divulgada em finals dos anos 1860, « gravura destaca no centro da cena o imperador,o qual divide espaco com tum indigena — mais elevado, {que sobre um pedestal — que carrega a bandeira da monanquia e coroad. Pedro com os elassicos louros, Este, por sum vez, recebe a coroa segurando Um ram de café na mao esquerda, Os elementos se mesclam: 0 indigena porta os signs da realeza ocidental, enquanto o imperador carga tum emblema da riguezn lol Mas a epesenagto alo se eure «es eet ces A di vemos obrasio da monarguia junto com a chama etema ea coroa pousada no lio da Conatuisto. Por fim, mals A esquerda, © navioe es tabalhqdores parecem indiar o progresso da nagio. Tudo isso vem emoldurado para preser- te, com um poema que mais uma vez destaca o monarea brasileiro, “idolatrado em tuma terra afortunada”, Os retratos si, com feqincia, os mesmos,reira. dos das imagens ofits; os contornos é que se alteram incorporande novos elementos. Com efit, &0diflogo entre os Iiteratos do nics e outros stores que se afina, multiplicando a imagem do monarca pelo pais afora Defensor perpétuo o Brasil, silogravura, 1865, 0 indigene, representendo 2 Inpéio,coroa com Tours 0 nave na fonografia 1s posigdes se invertom. FBN ‘A ACADEMIA IMPERIAL DE BELAS-ARTES: UMA IMAGEM OFICIAL PARA O PAls® ‘Também na Academia Imperial de Belas-Artes — criada em 1826, porém muito implementada durante o reinado do jovem monarca d, Pedro ti —, a vertente romantica, que elegeu 0 exstico como simbolo local, proliferou adaptou-se ao projeto de Pedro 1 em outras éreas.* No plano pictérico, a ‘Academia é a grande responsivel por uma transformagio que vai se eviden- 144 UM MONARCA Nos TROFICOS* ciando a partir de entio: 0 barroco € relegado a segundo plano e o neoclassi- cismo passa a imperar, sobretudo na corte e em algumas capitais* No resto do pats predominava, ainda, 0 academicismo, bem como o retratismo, gran- de moda entre as familias abastadas até a difusto da fotografia. (CO estabelecimento representava o resultado imediato da Misséo France- sa que chegara ao Brasil em 26 de margo de 1816 com 0 intuito de aqui fundar uma academia de artes. No entanto, a escola 56 passaria a funcionar ez anos depois, e mesmo assim enfrentando muitas dificuldades de ordem econdmnica. Foi apenas durante o Segundo Reinado que a Academia viveu luma situagio mais estavel, sobretuco gracas aos autos publicos e privados do monarea. Empreendendo uma politica semelhante A do 14¢8, 0 imperador ppass0u a distribuir prémios, medalhas, bolsas para o exterior e finariciamen- tos, assim como participou com assiduidade das Exposicoes Gerais de Belas- ‘Artes, promovidas anualmente, ou entregou insignias das Ordens de Cristo ‘eda Rosa aos artistas de maior destaque, Em 1845, d Pedro passou a custear (0 Prémio Viagem, aberto anualmente, e que financiava um pensionato no ex: terior durante o periodo de trés anos. ‘Muito poderia ser dito sobre a Academia, mas de pronto basta lembrar que a relagio do monarca com essa instituiglo era, também, estreita. Afora 0 apoio financeiro e oficial, os vinculos com d. Ped 1 ficam claros pelo volu- ime de retratos produzidos sob encomenda tendo como modelo o imperador Taunay, por exemplo, fez um quadro de d. Pedro 1 que serviu para ser copiado por alunos, para todas as provincias do Império e repartigbes da corte. O mesmo pode ser dito de Manuel de Araujo Porto Alegre e de Pedro ‘Américo, cujo quadro D. Pedro na abertura da Assemblfia Geral mostra o impe- Tador com seus trajes majestaticos, coroa na cabesa, manto com apliques de ramos de café e tabaco, murga de penas de papo de tucano e o cetro com a serpe dourada. (Ver fig. 35 do caderno-cor 1) ‘Mais uma vez o lado palaciano da instituicéo é digno de destaque. Com feito, 0 circulo se fechava. © monarca financiava artistas que, entre outras atividades, responsabilizavam-se pelos retratos mais oficais de d. Pedro. Estes, por sua vez, circulavam sob forma de litografia, para outras partes do Império, ajudando a fixar uma meméria de idade breve, “Muitos desses artistas foram inclusive professores de d. Pedro ue de suas rms — como Simplicio Rodrigues de Se Félix Emile Taunay —, e tornaram- se depois pintores oficiais da corte. O imperador conheceu Pedro Américo quando este era aluno do Colégio Pedio m'e pintava as escondidas um retrato seu. Tal ato s6 podia ser respondido por outro: monarca matriculou-o na Academia ‘de Belas-Artes e financiou seus estudos. Mas essa néo foi uma excecio: Vitor Meizeles também foi estudar na Europa, assim como Almeida Junior, Castagnetto, Francisco $é, Daniel Bérard e Rodolfo Bemardelli, Para 4. Pedro 1, ele proprio um retratista amador, que recheava seus dirios com pequenas ilustragGes feitas a lapis, proteger esse tipo de artista era quase uma 145 obrigacio de Estado; uma forma de garantir uma iconografia oficial. Nesse sentido, no s6 a Academia, por meio de concursos, premiava 0s ganhadores, com boisas e viagens ao exterior, como'd. Pedro u, pessoalmente, financiava seus protegidos, que ficaram a partir de ent3o conhecidos como “os pensionis- tas do imperador”. A Academia estava de tal maneira ligada aos destinos do ‘monarca que, no ocaso do Império, a propria escola entrou em decadéncia, com sum grande ntimero de cadeiras vagas eo final da politica de financiamento* reflexio: “Casinha bonita com trepadeias gue mal se animam a trepar na varenda”; no segundo vemos o perfil da princess Isabel; 1871. MIP ¢ MMP No entanto, mais do que avaliar a qualidade pict6rica da produgio acadé- ‘mica, 0 que interessa destacar € como, nesse local, a exaltagio do exético, da natureza e do indfgena roméntico se tornou uma marca. Na verdade, durante © periodo colonial, o barroco se imps como género, ¢ teve nas corporagbes € nas esctavos artistas relevantes. E por isso mesmo que um dos objetives da ‘Academia foi de forma contrastiva mudar padres, esilose técnicas. O centro inauguraria todo um didatismo, uma nova pedagogia, com exigéncias de ni- vvel de escolaridade, curriculos minimos e cursos de anatomia. Nesse universo académico predominava a pintura hist6rica, sobretudo de inspiracio biblica, cenas de género, alegorias ¢ retratos, guinada essa que trazia para a pintura a mesma intengio, jé manifestada na literatura, de ruptura. ‘Como uma espécie de reacio ao barroco, o academicismo importa da Franga a dimensio ética, que contempla a exemplaridade, a virtude e 0 modelo. Submete-se a dimenséo sensivel a uma conformacio rigorosa em que a vontade prevalece sobre o mundo das paixdes. Nao obstante, diferente do exemplo militante e revolucionério francés, no Brasil 0 academicismo se fez palaciano a0 retornar ao modelo histérico e grandilogiente imediata- mente vinculado ao projeto imperial. Produtora, a partir de entio, de todas as imagens oficiais do Império, a Academia ditaré nao s6 estilos como temas: 0 motive nobre, 0 retrato, a paisagem e a pintura histrica estardo em voga, trazendo para as telas repre- 146 "UM MONARCA NOS TROFICOS sentacbes do Império préximas da produsio literéria do tics. Em boa parte relizatiag no exteror, em razio da politic de fnanciament esas obras apresentavam uma idealizacéo da paisagem e da populacio, coerente com 0 dinar de quem descreve de longe, em conato com a realdade,E 0 caso das obras de Vitor Meireles de Lima, A primeira missa no Brasil (1860) e Moema (1866), ou de José M. de Medeiros, Iracema (1881), que fazem parte do ciclo {ndianista, o qual chega & pintura mais tarde do que chegara a literatura: 86 nna década de 60. Nesses quadros, os indigenas passivos e idealizados com- poem a cena sem alteréla fundamentalmente: si0 quase um elemento cola- Go a paisagem tropical. (Ver figs. 31 a 33 do caderno-cdr 1.) ‘Esse é também o caso de O ultimo famoio (1883), de Rodolio Amoedo (ver fig. 3¢ do caderno-cor 1), e da escultura em terracota de Francisco Manuel Chaves Pinheiro, denominada fndio simbolizando a nagio brasileira (1872). Cha- ves produziu o documento mais emblematico de sua geragio ao embutir no titulo da sua obra a intencio do projeto indianista. Com uma postura corporal idéntica & do imperador em sua imagem oficial elaborada por Pedro Américo (ver fig. 35 do cademno-cor 1), que o retrata na Fala do Trono, 0 indigena de Chaves carrega o cetro da monarquia em vez de sua arma, um escuco com o bbraséo imperial em lugar de sua borduna. © cocar est na cabega, mas é © manto do rei que cobre a “nudez natural” desse “simbolo nobre e puro de nossa origem”. Meio indio, meio nobre; meio selvagem, meio rel, o indigena dda escultura de Chaves sintetiza ¢ toma concretas representaqbes dispersas. {ndio simbolizando ‘a nagio brasileira, escultura de Francisco ‘Manuel Chawes Pinheiro, 1872. Produzida no mesmo ‘ano que o quadro de Pedro Américo — D. Pedro na abertura da Assembléia Geral traz elementes semelhantes; ‘mas muda a persanagem: ‘aio iperacor, entra 2 indigena. MNBA D. Peiro Ile Almeida inion: @ representagtio do mecenato. G. . Pinheiro. MINBA 0 romantismo brasileiro alcencou, portanto, grande penetracao, tendo 0 indigena como simbolo. Na literatura e na pintura os indios ideatizados rnunea foram tio brancos; assim como 0 monarca e a cultura brasileira torna~ vvam-se mais e mais tropicais. Afinal, essa era a melhor resposta para uma elite que se perguntava incessantemente sobre sua identidade, sobre sua verdadeira singularidade. Diante da rejeicéo a0 negro escravo e mesmo 20 branco colonizador, o indfgena restava como uma espécie de representante digno e legitimo. “Puros, bons, honestos € corajosos”, os indios atuavam como reis no exuberante cenério da selva brasileira e em total harmonia com cla. Como dizia Magalhfes: “A Patria é uma idéia, representada pela terra tem que nascemos [..] De resto, 0 her6i de um poema é um pretexto [.1”." Patria sem ser nagao, no Brasil os simbolos “surgiam” na mesma velocidade em que se consolidava a imagem do Império. Eassim, por melo do indianis- ‘mo, realizava-se um velamento da colonizacao. A imaginacio muitas vezes cede espaco 20 didatismo, que confere 20 romance ou a pintura a credibilidade necesséria. Viajantes, cronistas, histo- riadores, nomes como Gabriel dos Santos, Rocha Pita, Manuel da Nobrega, saem dos compéndios e entram nas notas explicativas que acompanham 0 texto, as quais, por seu tumno, servem de base para a pintura, Mais uma vez histéria e mito caminham lado a lado: 0 fndio teria sim existido em um passado remoto e glorioso, e era ele, assim mitificado, que inspirava os dra- ‘mas romanticos produzidos na corte, 0s quadros grandiosos ambientados nos trOpicos, as belas éperas que apresentavam, para o exterior, um Império exético mas nobre. Como diz 0 provérbio: “Se non & vero, 2 ben trovato”. Ou na versio de Goncalves Dias: “Meninos eu vi". ‘Apesar das crticas do grupo realista e do grupo botmio, que entenderam 6 género como excessivamente imaginoso, subjetivo e muito vinculado e de- pendente do Império,* a representacéo romantica criot raizes no pafs. Sua popularidade talvez advenha menos do que contém de artificial e exterior € 148 mais de seu processo de invengo, reelaboracio e adaptagio A realidade dos ‘tr6picos. Como um bom selvagem tropical, 0 indigena mitificado permitiu jovem nacio fazer as pazes com um passado honroso, antincio de um futuro promissor. Se dissensdes existiam, 0 projeto oficial tratava de apagé-las. Tal 6 a absorcio do simbolo que na década de 80 ele se tornaré matéria privilegiada da imprensa satirica. Fazendo um uso oposto ao mesmo tempo que paralelo, Angelo Agostini, na Revista llustrada, selecionara a figura do indgena como {cone da nacio que é enganada. Estranho destino: de modelo de patriotismo a elemento de contestagio.” [Na visi iden de Agostini ‘vemos ldo a Indo o imperador 0 indiena; ambos encarma 1 nagdo,o primeiro como seu chefe, osagundo como sinbolo da nag, mutes vezesfrustado e entrisecido; nesse caso 0 simbola que ri do modelo. Em Revista Ilustrada, IEB Mas estamos ainda em outro contexto, longe dos conturbados anos 80. Em meio a um momento de grande estabilidade, assegurada a monarquia, projeto cultural ganhou forga na politica imperial. Em seu didrio de 1861, d. Pedro 1 fazia um balanco de sua atuacéo: “(..] Sou dotado de algum talen- to; mas 0 que sei devo-o sobretudo a minha aplicacéo, sendo 0 estudo, a leitu- rae a educacio de minhas filhas, meus principais divertimentos (..] Nasci para consagrar-me as letras e as ciéncias e, a ocupar posicdo politica, preferia a de presidente da Repiiblica ou ministo 8 de imperator[..] Confesso que em 21 anos muito mais poderia ter feito; mas sempre tive o prazer de ver os efeitos benéficos de onze anos de paz interna devidos a boa indole dos brasieiros”. Como um mecenas das artes, d. Pedro i enraizeva sua imagem de go- vernante. Também a trangiiilidade politica Ihe fora benéfica. Com ela podia se dedicar ao que julgava ser a sua real tarea, D. Pedro era dado a novidades, gostava de estudar linguas e ciéncias exsticas, © a palavra progresso, para ele, Vineulava-se &ciéncia ¢ ao intelecto. Como diz Caldeira: “Entre os amores do 149 AS BARBAS DO IMPERADOR rei ndo estava a doutrina econémica’ * Antes de mudar as estruturas econé- micas parecia mais urgente, para d, Pedro, mudar os espiritos, e nesse senti- do o imperador nunca escondeu quao-enfadonha Ihe parecia a politica. Mas nem $6 de arte vivia nosso rei mecenas. Linguas, astronomia, mineralogia ¢ geologia faziam parte do elenco de paixdes de d. Pedro, Conhecedor do assunto, o monarea convidou ge6logos como Charles Hartt e Orville Derby para dirigir a Comissio Geol6gica do Império — que recotheu 500 mil amos- {ras —, e em 1864 dava ao inglés Thomas Sargent a primeira concessao para explorar petréleo no Brasil. Isso sem esquecer outra grande iniciativa do governo imperial: a criaglo, em 1876, da Escola de Minas de Ouro Preto Henri Claude Gorceix, o primeiro diretor da escola, foi indicado por Auguste Daubrée, amigo e colega de d. Pedro 1 na Academia de Ciéncias de Paris. (© COLEGIO PEDRO II: EXAMES E PROVAS Poliglota, assiduo correspondente e sdcio de varias instituiqves interna- cionais mesmo antes de sair do pais, d. Pedro 1 tinha junto ao trono uma biblioteca, um museu, além de um laboratério e seu famoso observatério astronémico. Interessado na educacio, o imperador freqiientava concursos nas escolas de Medicina, Politécnica, Militar e Naval. Is0 sem falar do Colé- gio Pedro n, a grande predilecdo do monarca, Fundada em 1733, a instituicao feve diversos nomes — Casa dos Meninos Orfaos de Séo Pedro, Seminério de Sao Joaquim, Imperial Seminario de Sao Joaquim — até ficar conhecida como o Imperial Colégio Pedro n. Extinto em 1818, 0 seminério foi restituido, em 1821, pelo entio principe d. Pedro. A escola seria definitivamente patro- cinada por d. Pedro me receberia seu nome em 2 de dezembro de 1837. A partir de entdo o semindrio transformou-se em colégio de instrugéo secunda- fla e, em seguida, foi elevado A condigdo de Imperial Colégio Pedro 1. O colégio ¢ reinaugurado em 25 de marco de 1838 pelo imperador, e em 27 de abril do mesmo ano recebe 0s primeiros alunos. De orfanato humilde, 0 "Pedro w” — como era chamado — se transformaria na “gléria" do nosso ensino; uma espécie de “simbolo de civilidade”, de um lado, e de pertenci- mento a uma elite, de outro ‘Com seu uniforme imponente, a lembrar as cores do Brasil — casaca verde com bot6es amarelos (que a partir de 26 de dezembro de 1855 traziam em relevo o simbolo P 1 do monarca), chapéu alto de pélo, a gravata de volta, 0 boné chato—, 0 colégio convertia-se aos poucos na forte imagem do imperador, que investia granclemente em sua representagdo de erudito. Afi- nal, era d, Pedro quem, em carta a José Bonifacio, o Moco, orgulhavarse de dizer: “Eu s6 governo duas coisas no Brasil: a minha casa ¢ o Colégio Pedro 1", Se a frase é claramente de efeito, na boca de quem jamais abdicou do Poder Moderador revela, no minimo, a relagio estreita que uniu d. Pedro a 150 UM MONARCA Nos TROFICOS esse colégio, o inico que, de certa forma, escapava ao ensino excessivamente livresco, anticientifico e pouco abrangente da época. Com efeito, apesar de obrigatéria, a instrucio priméria era insuficiente: as escolas, poucas, estavam quase todas centralizadas na corte. Sala de exposigdo os trebaos dos ‘aluros do Colégio ‘Menezes Vieira, Rio de nero, Excegdo anitiente com pouens ofer'as educacionas. Pots gelatina, 19x26 om, entre 1875 ¢ 1889. FBN (© monarea pareia, porém, desconhecereéta realidade e concentrar-se, sobretudo, no “seu colegio", como costumava dizer, onde asistia a provas, felecionava profesorese conferia médias, Em se dri escevera d Pero tr "Se nao fosseimperador do Brasil qusera ser mestre-scola”, uma opgio {ue condizin, a0 menos, com a representacao que mais was se divulgeva E por isso mesmo que o Imperio investu tanto na reforma por que passou' 0 colegio ja em 1874. Argumentava o ministro Joso Alfredo que “o Eito das letras € das cigncias seria um dos principais tus de gloria do feinado do principe cujo nome honrava a instuigao e cup generosidade para com ele ndo se desmentiria"" Bethencourt da Silva, diseipulo de Grandjean de Montigny, um dos préceres da Missfo Artistca Francesa de TBr6, fol contrtado € alterou consideravelmente 0 antigo seminsti, cuja face principal elhava para a rua Larga de Sto Joaquim e as demals para as ras da Imperatriz e da Prainha, O famoso Salfo D. Pedro 1 foi adornado com exculturas dos grandes sAbios da humanidade, e entre as dus portas da frente havia espaco sufciente para arma o trono imperial com os seus carac- tersticos dragbes da Casa de Braganca Inaugurado em 27 de fevereiro de 1875, o aldo D. Pedro 1 tomowse 0 local obrigatrio para as colagbes de grau dos bacharéis em leas e dos douto- res em medicina isso sem falar das turmas de graduados do colégio, que, 20 fom de music, reeebiam seus tao esperados diplomas das mlos do monarea tu da sua consore, passaporte seguro para tm futuro promissorna corte. 151 Colégio Pedro i, 41861. MMP Tribune de musica do Slo do Colégi Pedro I Esculturas em homenagem ‘0s grandes sibios da sumansidade eo trono os Bragange. Em Revista da Semana, 28)01/1925. MMP (© mecenato de d, Pedro u conheceu, ainda, outras facelas. famosa a admiragio do monarca pela dpera e a sugestio que fez a Wagner, em 1857, quando passava por momentos de dificuldade, encomendando-lhe uma obra lirica para 0 Rio de Janeiro. © pedido foi recusado, mas em 1876, quando assistia, 0 lado do imperador da Alemanha e de outros soberanos alenies, & Tetralogia de Wagner, encenada em Bayreuth, d. Pedro 1 se autodenominou “um wagneriano hist6rico” e nfo de primeira hora, como os demais, Mais uuma vez a “memériA patriotica” seleciona certos episédios em detrimento de outros, Wagner era, nesse momento, um icone a altura desse Império. Em 1857, d, Pedro criava, também, a Imperial Academia de Misica ea Opera Nacional, destinadas a formar misicosnacoras e difundir 0 canto O monarca interessava-se ainda pela medicina, financiava o estudo de smédicos baslitoseapoiava ohospicio da corte ue, em 1880, recebia ose nome. A primeira Comissio Cientifica do Império (1859) — apelidada por 152 UM MONARCA Nos TROPICOS™ seus opositores de Comissio das Borboletas — fez diversas coletas em pro- vincias do Norte e também foi patrocinada por d. Pedi. Dessa maneira, se 03 negros africanos nao Ihe “motivavam a imagina~ «fio” de tao vinculados ao cativeiro, o mesmo nao se pode dizer dos indfge- nas. De voga cientifica a moda artstcae lteréria, os “selvagens” foram tema de concursos histéricos, geograficos, lingiifsticos e de etnografia. Dicionérios fe novas graméticas foram editados Sob os auspicios do imperador, isso sem falar de sua biblioteca sobre lingiistica e etnografia indigenas:® Enfim, imagem ou nfo, fato é que boa parte do dia-a-dia do monarca cera tomada por seus estudos. & desta maneira que nosso "rei sabio” divide 0 seu ainda sereno cotidiano no ano de 1861: “Pretendo distribuir assim 0 tempo. Acordar As seis e até as sete grego ou hebraico. Dez horas almoco. Das doze as eatorze exame de negécios e estudo, Jantar as cinco e meia e passeio, Das nove as onze escrita desse livro e dormir. As sextas assisto as ligdes ce inglés e alemio dadas as minhas filhas (..] As tercas-feiras Lusfadas das sete e meia as oito da noite. Quarta latim com minhas filhas. Quinta Listadas (,.] Domingos e dias santos leituras de Lucena {.] das raizes gregas 4 noite. O tempo que nao tem emprego seré ocupado com lelturas, conversas ‘ou recebimento de visitas [...)". ‘Na mesma medida em que d. Pedro revelava no ter paciéncia para as ‘questies priticas, “sobrava-the tempo” para dialogar com os tr6picos. Desse contato ambos sairam alterados: os indigenas nunca foram t80 brancos; © rmonarca jamais foi tdo tropical. Entre muitos ramos de café e tabaco, por vvezes cercado de alegorias, coroado como um César em meio a coqueios € paineiras, com o livro na mao, d. Pedro é mais e mais um sinénimo da nacionalidade. lpr } Ministerio | ° | de 1861, | ttografia. | FBN ‘Dedicando-se astronoma engenhara, medina hebraioo 4 tradugio de terion clasicos,d, Pero 1 abria os sales, eratios aldcio de S80 ae tee nigin a0 reuiges do Instituto Histric, SP acompanha~ crt ae To Colegio Pedzo 1 einaugurava as exposicies Tt da Acade- va oxares Donte Ai etavam as colunas de sua constasie: ‘A imagem rien os tropicos e 0 indigena idealizado. ie modelos, orem, o "mecenato” ded: Pedro a oot inexis- tente- Mais conhecidos como “os artistas do mperador”,osliteratos e acade- 154 snicos que drcundavam o morarca constitu ‘um grupo singular que act mica nose cargos de destaque na politics So Segundo Reinado. Alija- mlava Fis ambientes, a assim chamad GeraGie ‘boemia (representada por ase ono Neto, Artur ¢Aluisio AZ=VeG0, ‘lave Bilac, entre outros) Pa ve de outros artistas revindicavam 4m Ce autora, livre da ine @ a Ee Ga corte. Nos livros A Republica 2 Coelho Neto! e Mocidade tertye Gonzaga Duque terse um rao 36 00 arte signfiativa dess® feragio que, sobretido nos anos 6 ‘compatibilizou com a5 instituicdes Beretmnieasfinanciadas pelo Império ¢ cule Testemunko revela a existencia grupos dvergentes com rlacfo 20 Pro} ‘ultural palaciano: eae oe apesnr do interesse do Smmperaoy pela instrugio e pelas ciéncias, 08 gastos nessa Area, segundo ‘Carvntlo,# foram modestos, Mesmo cent ae reere 8 educacio primar, emer b “Constituigao ce 1824 a defi- no i So obriga¢ho do Estado, pouco fos GA 2 ‘maioria das provincias nisse como, © governo cera euidava de a'0 £2 ida educagio superior esse ergo da corte e, como vis de SIEVE inetituigbes de ensino cor ign que entravam no elenco de pred eres do imperador: além do Categio Pedro u, 0 Imperial Observalro © ‘Museu Nacional, 0 Arquivo ste Biblioteca Nacional, o Laboratorio °2 Estado, o Jardim Botanico € eedeaia Imperial de Belas-Artes De rest, falta de instrucao era uma aande realidade para a maior parte Co Spafe, nde néo pareciahaver interes meowincals no aumento do rmero 4 idadaos esclarecidos. Rats uma vez a corte era uma exceed Tee ‘endrio: no final do Impé- rio dizia.se que 50% da populaclo era wfabetizada, Era natural, portantoy {que de maneira crescent a core $6 era formasse em urn centro irradiador, se ae ditavam os novos ramos da pols © partiam as modas literérias ee eee de linguagem — divulgadas nos do8 “dos politicos publicados oe eels — os bitos no vestir€ do Beet costumes de higiene © 2 oe rag de elqueta que se envaizavam c/s Te mais nessa elite, quer no ie imaginava viver na Europe, ainda aie cereada de escravos. ras re mals préximo das vogas da coe 20 Te projtos oficiais lesen somanticos. Durante vinte anos este BPO ‘ccuparé em criar uma cesses otclonal no plano das artes PLstics, Titeratura @ da rmisica. © se estraegista de Magalies o teatre © 8 Erquitetura “miscigenada” de sao de ae batvidade indigeista de Goneales ‘Dias sdo facetas de um Porte fismo reformista, mas coadunado com ® “onda tropical” que se afit~ Torna mmo projeto nacional. Em lugar dos oO Tinpério oficializava ra etude lado tropical. © indlarismo 5, ‘dos romances € das teas, Gan a iconogafin potica « até c= net ite jorais para se tomar Um sajismo que atacou muitas das familias spatricticas brasileira, Levando-ss moder geus nomesfusitans tradicionals — Fou, ‘Pereira, Almeida e Olive'- 2 oem or outros de clara inspiracio indigend: Caramuru, Acaiaba, Tibircé, Periaseu e tantos outros: 155 Nessa época, também, o monarca passaré a distribuir tiulos para a sua nobreza improvisada, com designagées indigenas ¢ topOnimos tupis, de ppouco agrado para aqueles que os recebiam. Maciel Monteiro seré o barfo de ltamaracs; Pereira da Fonseca, o marqués de Marieé; Goncalves de Mage- Indes, 0 visconde de Araguaia; Torres-Homem, o visconde de Inhomirim; Aratjo Viana, o marqués de Sapucai; Cardoso Menezes, o bario de Parana: piacaba, senclo estes apenas alguns exemplos da traduglo tropical de um costume europeu. Mantinham-se os titulos, bem como a hierarquia entre eles — duques, marqueses, condes, viscondes e bares com ou sem grandeza —, porém 0 rome era local e indigena, como veremos no préximo capitulo. 0 indigena ports ocetro©0 manta cdo monarca. Medalha. MMP ‘Medalha e simbolo {do IHGB; como hhomenagem a 4. Pedro 0 trazia 1 inscrigdo Auspice Petzo Secundo. Pacifica Scientiae Occupatio. IHGB UM MONARCA Nos TROPICOS" O carcaturista Angelo Agostini ironiza 0 poco interesse de 4, Pedro pla plitin Esperam que Sua Majestade, que em ‘matéria de politica pinta perfeitamente, 8 alguns toques, fmt Revista Husteada, (mona sx Impl A ate come sm a cig, ‘ala de HP, 160, MMP 187

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