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tura na qual nao podemos encontrar explicagoes raci otinico deus grego que tem a loucura como um de seus al 1 deveria ter atrafdo a atengaio dos psicologia, assim como ter assegurado AI um lugar fundamental no estudo das ent tais. Quando nos aproximarmos da imagética d nés nos encontraremos com sua natureza co! 4 de vefculo metafér' zonas de “sombra” na natureza humana. RAFAEL LOPEZ-PEDRAZA nas pais espanhéis. Viveu em Zi ‘ambos nesta mesma col filos, OMIXa ON OSINOIG = VZVHasd-Zad0T TAVAVE DIONISO NO EXILIO sobre a repressao da emogao e do corpo Rafael Lépez-Pedraza Colao AMOR E PSIQUE RAFAEL LOPEZ-PEDRAZA. + Ato — pnd eens € Pate “imc doen, Naum emits da muer, Esme! Hang * Loan oii gest, sili unguina, tconmucadeoajonade aba svave rt, erin one, + DP Baer auace doouto ig. Has © mecue = th eon aed A, red “Copan cra roe i So et oe DIONISO NO EXILIO ‘Ositoconnecimeno dinensso soci! i Sobre a repressdo da emogao e do corpo Matudadesenvahecimento + Apassapon do meio Jas Hells ‘homeo deve Sion PauLus ‘terzahomah fa’ tarat Spaceecne wl ogra oss en ell: Sobre a repesin doa eon yo cupo, Rtas L6pezPecaza ‘© Ratael Lopez-Pedraza, 2002 Vs ese Pete Lina Trad: obo Cian Revisto: ho Siam Cees Amora Pique aig por Dr. Léon Bonaventure oe te Ele! S. Barbosa Impressto e acabementa: PAULUS Dados Irtracionals de Catlagago na Publicgo (i (Cara Besorade Uva, Se ash aOR) Dioniso no sobre a repressio da amoeto dl coro / Rall Lopex-Pedaza (nadine 8 pressdo da emopio o do corpo Falaal Lipex Ped ~~ Sio Paulo Paulus 2602. (Cologao Amore psicue) ‘Titulo orginal: Dionisos en allo: Sobre i epreson dela emocién y el cusrpo ISBN 078-05-349-1910-4 1. Dioiso(Divindade crega) 2. Emogdes’, Reoressto (Pscolog} 01-5882 00-1524 ed awh ts OS Série, ° edigéo, 2002 3*reimpressao, 2015 © PAULUS - 2002 INTRODUCAO A COLEGAO AMOR E PSIQUE Na busea de sua alma e do sentido de sua vida, 0 ‘homem deseobriu novos caminhos que o levam para a sua interioridade: 0 seu préprio espago interior torna-se um lugar novo de experiéncia. Os viajantes destes caminhos nos revelam que somente o amor 6 capaz de gerar a alma, mas também 0 amor precisa de alma. Assim, em lugar de buscar causas, explicagées psicopatolégicas As nossas feridas ¢ aos nossos sofrimentos, precisamos, em primeiro Tuga, amar a nossa alma, assim coma ela 6. Deste modo 6 que poderemos reconhecer que estas feridas e estes so- frimentos nasceram de uma falta de amor, Por outro lado, revelam-nos que a alma se orienta para um centro pessoal ¢ transpessoal, para a nossa unidade e a realizagao de nossa totalidade. Assim a nossa prépria vida carrega em si um sentido, o de restaurar a nossa unidade primeira. Finalmente, nao 6 o espiritual que aparece primeiro, mas 0 psiquico, e depois o espiritual. § a partir do olhar do imo espiritual interior que a alma toma seu sentido, © que significa que a psicologia pode de novo estender a mdo para a teologia. Esta perspectiva psicolégica nova ¢ fruto do esforgo para libertar a alma da dominagao da psicopatologia, do espirito analitico e do psicologismo, para que volte a si mesma, a sua prépria originalidade. Ela nasceu de refle- xoes durante a prética psicoterspica, e estd comegandoa renovar 0 modelo e a finalidade da psicoterapia. E uma nova viséo do homem na sua existéncia cotidiana, do seu tempo, e dentro de seu contexto cultural, abrindo dimensdes diferentes de nossa existéncia para podermos reencontrar a nossa alma. Ela poderé alimentar todos aqueles que sao sensiveis A necessidade de inserir mais alma em todas as atividades humanas, Afinalidade da presente colegio é precisamente res- tituir a alma a si mesma e “ver aparecer uma geragao de sacerdotes capazes de entender novamente a linguagem da alma”, como C. G. Jung o desejava. Léon Bonaventure ESCREVER sobre Dioniso, o deus do vinho, da loucu- rae da tragédia, buscando uma reflexao psicolégica 6 como empreender uma aventura rumo ao desconhecido; uma , aventura na qual nao podemos encontrar explicagées racio- nais. Quando nos aproximarmos da imagética dionisfaca, 6s nos encontraremos com sua natureza contraditéria ¢ com sua irracionalidade; mas precisamente essa irracio- nalidade de Dioniso nos serviré de veiculo metaférico para explorar zonas de ‘sombra’ na natureza humana. Sendo assim, para empreender essa aproximagao de Dioniso, tornaremos nosso o verso de Thomas Stearns Eliot que diz: “Nao estamos aqui para explicacées” e prossigamos acompanhados das imagens e da imaginacao. Os estudiosos dos classicos tm dado énfase a nature- za contradit6ria de Dioniso. Assim, W. C. K. Guthrie, om seu livro The Greeks and Their Gods (1968, 145), destaca que “o culto a Dioniso jamais poder ser explicado em sua totalidade’ Mesmo que a afirmacéo de Guthrie seja dirigida aos estudos classicos, certamente algo similar poderia se dizer aos psicdlogos modernos, que, até onde tenho conhecimento, nao tém examinado Dioniso suficiente- mente. Isto 6 sumamente lamentavel, se considerarmos que Dioniso € 0 unico deus do panteao grego que tem a 7 loucura como um de seus atributos. Como psicoterapeuta junguiano, tenho encontrado, neste campo, antecedentes para a reflexio psicolégica sobre Dioniso. Na verdade, 0 fato de atribuir um estado de loucura a um deus deveria ter atraido a atencao dos estudantes de psicologia de hoje, assim como ter assegurado a loucura dionisiaca um lugar fundamental no estudo das enfermidades mentais. Mas, dadas essas circunstancias, no resta outro recurso senéo recorrer aos estudiosos dos classicos gregos, pois oferecem um farto e rico material sobre Dioniso. “Ao longo da narrativa sobre seu milagroso nascimen- to (de Dioniso), existem elementos raros e tinicos do mito e culto deste deus, para os quais é impossivel encontrar analogias exatas” (Ibid., 145). Certamente nao se conhe- com analogias deste tipo de culto em outras religives, como também nao existem nas semelhangas encontradas com os rituais e estados de possessao do coribantismo, um rito sumamente enigmatico para os estudiosos, Portanto, para nos aproximarmos psicologicamente de Dioniso, nao servirdio 0s métodos das religides comparadas. Apesar disso, tentarei encontrar expressdes da cultura dionisiaca no mundo de hoje. E importante destacar que os estudos sobre Dioniso tém sido realizados, basicamente, com res- paldos nas nodes que proporcionam o ritual, 0 culto e a hist6ria das religides. Ainda assim, esta tradigdo erudita proporciona os elementos bsicos para empreender um estudo mais psicolégico, para refletir sobre a importancia do deus em nosso equilfbrio psiquico, assim como para pereeber e avaliar as possibilidades que oferece a psico- logia moderna, Guthrie enumera as variadas contradigées que a natureza divina de Dioniso e seu culto contém: . Seu aspecto alegre e generoso e sua faceta repulsiva tenebrosa... o mesmo deus é aclamado como doador de inumeréveis dons e temido como devorador de carne fresca e esquartejador de homens... ele proporciona o éxtase, a comunhio espiritual e a intoxieacdo selvagem, da qual é lider, de modo que pode ser chamado o deus da loucura € do frenesi (Ibid., 145-46). No entanto, percebe-se “entre os dons que 0 deus outorga um sossego e uma quietude incomum...” (Ibid. 146). Os estudiosos tém se concentrado principalmente no aspecto frenético de Dioniso e tem esquecido esse “sossego” e essa “quietude”, apesar de serem aspectos basicos. Por isso, & medida que avancamos neste estu- do, gostaria que mantivéssemos sempre presente esses dons do deus, porque sao indispensaveis para que 0 psicoterapeuta possa sentir seu préprio corpo. A arte da psicoterapia consiste em constelar uma incubacéo (C. E. Meier, 1989) em meio a esses estranhos “sossego e quietude”, tao fundamentais numa situagiio psicote- rapéutica. Nosso primeiro ponto de referéncia seré 0 mito do nascimento do deus segundo 6 relatado na literatura 6rfica e, a partir das, poderemos discutir alguns aspectos de sua psicologia, tais como: Dioniso, o deus em oposi¢ao aos titas; o deus das emogoes; o deus mais reprimido da cultura ocidental; o deus das mulheres, do vinho, da tra- gédia e o deus que possui uma forte conexio com a morte. Finalmente, estudaremos algumas imagens de uma das, tragédias de Euripedes, As Bacantes. Com estes propési- tos, tentaremos evitar as especulagdes, as amplificagdes ou a discussio em torno das divergéncias entre os estudiosos e, em seu lugar, nos limitaremos & imagem de Dioniso e do dionisiaco, objeto de nossa reflexao. EmA History of Greek Religion, antes de apresentar sua versdo resumida do mito, Martin P. Nilsson escre- “Os érficos se apropriaram de uma antiga narrativa épica e a adequaram a seus proprios fins” (1949, 215) Esta concepeao érfica do nascimento de Dioniso outorgou 9 coeréncia religiosa aos dispersos mitos tradicionais, De acordo com 0 hino érfico, Com Perséfone, arainha do mundo subterraneo, Zous tove um filho, Dioniso-Zagreu. O pai tinha a intengao de que 0 menino dominasse o mundo, mas os titas o seduziram com brineadeiras e o prenderam para esquartejé-lo e devorar seus membros. Atena, no entanto, resgatou 0 seu coragao e olevoua Zeus, que o comeu. De Zeus nasceu, entao, um novo Dioniso, o filho de Sémele. Zeus abateu os titas com seu raio vingador e os reduziu a cinzas. Destas cinzas foi formado o homem, e por isso contém em si mesmo uma parte divina proveniente de Dioniso e uma parte oposta, procedente de seus inimigos, os titas (Ibid., 217). Nilsson prossegue relatando que este mito deve ter sido obra de algum génio do religioso e isto se torna um desafio para os estudiosos de Dioniso. Trata-se de um complexo desafio, se levarmos em conta o pronunciado carter sectério do orfismo. Devemos imaginar esse génio do religioso, de quem nos fala Nilsson, como omembro de uma seita, com uma psicologia impregnada pelos tragos caracteristicos do sectarismo: virgindade, pureza, dietas raras € palavras etéreas, tragos que Euripedes retrata em sua tragédia Hipolito’. Poderiamos, portanto, afirmar que a psicologia do sectarismo esteve presente na origem do mito que her- damos: a auténoma e demencial projecao de culpabilida- de dos érficos, que caracteriza sua psicologia®, Nilsson escreve: Que os 6rficos integraram uma seita, da qual estava excluido o resto da humanidade, sem duivida, isto foi um desastre. Consideraram a si mesmos os homens melhores e mais devotos e, por isso, tinham de padever o desprez0 {Vor Euripedos, (1968). Hipdlito. 2Ver Rafael Lépez-Pedraza. 1999, “Sobre Sectarismo", Em: Ansiedad Cultural. 2 edigho, 10 ¢ 0 6dio do mundo. Mesmo assim, o que eles chegaram a sofrer aqui na Terra seria vingado na préxima vida. Nao tenho a menor diivida de que o lugar tao importante que ocupava, nos ensinamentos érficos, a deseri¢do do destino reservado aos fmpios se devia, em tiltima instdncia, a seus sentimentos de antagonismo e de inimizade para com 0 proximo nao crente (Ibid., 218), Muito antes, Nilsson afirma que o orfismo “teve lugar dentro de um povo cuja psicologia Ihe permitia reagir debilmente diante do sentimento de culpa, e estava en- volvido em uma mitologia que nao poderia deixar de ser repulsiva para os claros processos mentais desse povo” (Ibid., 217). Hoje em dia sentimos algo dessa mesma re- pulsa em relagiio ao sectarismo, Na concepedo drfica do mito, Dioniso e os titas sav os protagonistas: duas forgas personificadas — a dioni- siaca e a titanica — e em oposigéo dentro da natureza humana. Esta natureza contém uma porcao de Dioniso e outra dos titas; sao forcas que podem ser percebidas tanto nos niveis internos quanto nos externos da realidade: 0 divino Dioniso em conflito com as foreas titénicas, Esta 6 a esséncia do mito e o trago mais importante para a reflexao psicologica. Os sonhos costumam ter um nticleo de significado do mesmo modo que os mitos possuem uma “trama”, entrelagada com 0 mundo em que foram concebidos. 0 mito foi a expressio do legado religioso e mitolégico dos gregos: o grande panteao dos deuses e das deusas. Esta heranea religiosa e antropoldgica de ritos e mitos tem cha- mado a atengaio dos estudiosos porque nela encontraram 0 terreno adequado para a investigagao, a discussio e a controvérsia. Com este legado, e agregando-o a dinamica dos contos de fadas, tao apropriada para estabelecer as conexées entre os dramatis personae dos mitos, poderemos apreciar melhor o mito érfico. 1 Antes de discutir 0 conflito entre Dioniso ¢ os titas, deverfamos ter uma ideia do que eles significaram para 0s gregos e, em seguida, observar 0 modo em que se ma- nifestam no mundo contempordneo. Entao poderemos diferenciar o que os titas representam em nossa prépria natureza eo que representa Dioniso. Esté fora dos limites desse estudo adentrarmos no titanismo. Meu interesse aqui limita-se a proporcionar um retrato dessa parte da natureza humana personificada pelo tita e que, no mito, opée-se a Dioniso. Carl Kerényi disse que se a Titano- ‘maquia, 0 poema épico sobre a guerra entre Zeus ¢ 0s titas, tivesse sido conservado, saberiamos muito mais sobre 0 que os gregos quiseram significar com os titas. No poema, Zeus derrota os tités, enviando-os as profundidades do Erebo, com o poder de seu raio e seus trovoes, Em Prometheus: Arquetypal Image of Human Existen- ce, Kerényi (1963, 27) rastreia o apelativo ‘ita’, valendo-se da Teogonia de Hesiodo, fonte primordial de informagao sobre os titas. Para nossos propésitos, esta aproximacao etimol6gica nos proporciona um retrato psicolégico mais definido do que a consulta direta ao legado de Hesiod ‘Menetio é um representante exemplar do titanismo... 6 * descrito como tal e sofre o destino da maioria dos titas: Zeus, com seu raio, fulmina o hybristés ¢ 0 arremessa a0 Erebo, & obscuridade eterna do mundo subterraneo (v. 514-516) por causa de sua atasthalie e de sua exuberante virilidade (enorée hypéroplos) Kerényi prossegue dizendo que, na Antiguidade, os titdis foram considerados deuses pridpicos. Hoje em dia, é frequente esta interpretagao errénea dos titas. As com. plexidades de Priapo estao contidas dentro da sua propria configuragao arquetipica’, com seus estranhos rituais ¢ ‘Ver Rafael Lopez-Pedraza, 1999, eap.VI de Hermes e seus Filhos, 12 condutas, excelentemente descritos em Satiricon de Petro- nioe no filme que Fellini fez sobre este livro. Os titas nao tém configuragiio arquetfpica e por isso sua “exuberante virilidade” deve ser entendida como um excesso em si, carente da rica imagética da psicologia pridpica Essa exuberante virilidade titanica tem sido de- monstrada ao longo da histéria das guerras, cada vez que os combatentes possuem sexualmente a primeira mulher que pegam no campo inimigo: horror de que te- mos noticias diariamente nas guerras contempordneas, ou nos sérdidos e permanentes confrontos marginais que ocorrem no mundo de hoje. No entanto, este enfoque po- deria nos levar a reduzir a virilidade titénica ao Ambito da sexualidade, quando, na realidade, trata-se de uma energia desproporcional desenfreada, que se manifesta de diversas formas: na religiao, na politica, nos negécios, na tecnologia, nas comunicagdes, na arte, O excesso dos titas, como foi percebido pelos gregos, pode ser observado em acdo no titanismo de hoje. Kerényi nos ajuda a diagnosticar a natureza tita- nica e sua retorica: “Hybristés e atasthalie sao palavras de dificil tradugao, embora seu significado seja claro... Elas designam a insoléncia agressiva e sem limites que caracteriza aos titas”. Numa outra passagem, escreve: “Hybris e atasthalte, orgulho desmedido e violéncia. (Ibid., 27-28). Neste livro nos ocuparemos desses dois aspectos do titanismo. Ampliando o tema da natureza dos titas, Kerényi (Ibid., 37) prossegue: Sua maneira de pensar (a do tita) j4 estd deserita no ape- lativo atribuido ao tita Cronos, que, assim como Menetio, € inteligente 6 na aparéncia e sera derrotado por Zeus, Ambos os titas stio ankylometai, astutos (ankylos)... uma mentalidade que deve ser qualificada, inquestionavelmen- te, como ‘titanica’. Implica toda classe de estratagemas, 13 desde a mentira até a elaboracdo das mais habeis inven- goes; inclusive estas invencdes sempre pressupdem alguma deficiéncia na maneira de viver de um traquina, Tal falha relaciona os tités com 0 homem e suas limitagoes, pois demonstra suas raizes na realidade humana. Menetio, aquele que é designado por Hesiodo como um dos irmaos de Prometeu, esta caracterizado na Teogonia nao apenas pela violéneia propria dos titas e dos gigan- tes, nascidos da terra. Segundo a etiologia de seu nome, que significa ‘o que tem reservado um destino mortal, um itos’, pode ter sido o ‘primeiro mortal’ e, como filho de Japeto, deveria sofrer condenacao idéntica a de seu pai. Na Teogonia (v. 514-16) podemos ler: “... por seu orgulho desmedido e sua insensata arrogancia, Zeus, 0 de olhar amplo, alcancando-lhe com seu fulminante raio, 0 fez descer ao Erebo”. Para os gregos, 0 significado do nome ‘tita’ nao era evidente nem 6bvio. Os titas nao tinham ritos nem culto, por isso ficaram & margem da vida cultural grega tanto em imagens quanto em formas. Para nés, hoje em dia, sua psicologia continua sendo obscura e, para aleancar alguma clareza, podemos apenas consultar os estudiosos. Walter Otto, em The Homeric Gods (1954, 33), escreve: “Existem muitos indicios de que (o nome tita) havia ad- quirido a conotagéo de ‘selvagem’, ‘rebelde’ e inclusive ‘astuto’, em oposigao aos olimpicos, diante de quem os titas sucumbiram, nao sem antes combaté-los. A mitologia pode nos ajudar a diferenciar entre os olimpicos, com suas miltiplas formas de vida, e os titds, carentes de formas, de imagens e de limites”. Sabemos que para os gregos o maior ‘pecado’ foi o de hybris. Poderiamos traduzir a imagem de Zeus confinando com seu raio os titas ao Erebo, como uma imagem que impée formas e limites, como a ago que coloca sob con- trole aquilo que representa a violéncia desmedida e sem limites, isto é, um excesso, A consciéncia que tiveram os gregos da necessidade de manter os tits, cheios de hybris, 4 orgulho e violéncia, nos limites do Erebo, o equivalente pagéo do inferno, foi substitufda no cristianismo por um outro tipo de repressao. Como veremos depois, 0 cristia- nismo se interessou fundamentalmente em reprimir os deuses cténicos as emogdes que eles constelavam. No Ambito das imagens, a repressio se concentrou no grande deus Pa, que personificou o Satands cristao. Isto significou que os titas, que haviam personificado a maldade para os gregos, por assim dizer, puderam continuar desenfreados, e quanto eles representam na natureza humana nao foi refletido e, a0 longo da cultura ocidental, tem permanecido fora de todo controle. Através da cultura ocidental tem sido dificil reco- nhecer 0 titanismo, inclusive hoje em dia, quando sua presenga é tao opressiva. Para Plato os titds cram um’ enigma, pois nao eram nem deuses nem homens e, para nés, 0 que poderiamos chamar de natureza titfénica tam- bém continua sendo um enigma e continua sendo dificil detectar sua presenga em nés mesmos. Neste sentido, Ernst Junger (1993) contribui com a visao profética do século XXI como o século em que 0 coletivo sera gover- nado pelo titanismo. No mundo atual existem suficientes sintomas reveladores, onde predominam a tecnologia cientifica titanica, as comunicagdes globais, a politica ea criminalidade por toda parte, para se acreditar na profecia de Junger. Portanto, sera cada vez maior 0 de- safio que o titnico coletivo apresenta para a consciéncia individual. Da trilogia de Esquilo sobre Prometeu, s6 se con- servou uma tragédia completa, Prometeu Acorrentado, na qual, com a consciéncia tragica da idade madura, 0 poeta retrata claramente a psicologia dos titas, onde a converso de Prometeu é um de seus aspectos. Prometeu adere 4 causa de Zeus, mas continua sendo, em esséncia, um tita. Com sua conversao, Prometeu da mostras da 15

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