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A ESTETIZACAO DO MUNDO GILLES LIPOVETSKY & JEAN SERROY TomPANHIA Das LeTRAS Introdugao as imagens, é 0 minimo termos e juizos que se no econdémico, tanto mero de intelectuais, res negativos preva- Era verdade ontem, abundancia rando crises ades, redu- tuais & nde sent cle proprio, a economig jy finale’? j onsequencias nag our? piilista cto HT do traballo, a8 desigual dad amber o de sapaArEclMente das yecimento do encanto © dag nn 4 da pcarizay Jesvat a0 caso que Bertrand de fouvenel chy yn harmon paw .um proe : \ 0 Pruade’! Riquera do mundo, empobres ~ ame ‘i da de vrtunfo do capital liquidaglo do saber yy, reese sproletarizagac dos modos de vida s italismo aparece assim COMO UM SistEMA INCOMPa tye) Oeapite ectética dign’ desse nome, CoM A harmMonia, 4 be = ce i acco i liberal arruina os elementos poy, eR ade: ela dispde, em todo o planeta, a8 mesmas pa: —_ frias, mondtonas ¢ sem alma, estabelece por toda guias comerciais, homogeneizando 08 mo centers, dos loteamentos, cadeias de hotéis, ros residenciais, balnedrios, aeroportos: de asul, tem-se a sensagao de que aqui é como A industria cria uma pacotilha kitsch e tos descartaveis, substituiveis, insignifi- gera a “poluicao visual” dos espacos publi n programas dominados pela tolice, a vul- ia — em outras palavras, “tempo de onivel’,? Construindo megaldpoles caoticas m risco 0 ecossistema, torn ando insipidas as seres humanos a viver como rebanhos insulso)o modo de produgao capits 9 barbarie moderna que empobress ° mica responsavel pela devastayte do erra’, tornando-a inabitavel de todos 6 é amplamente compartilh ada feiura se amplia. O PY ado: @ cess iniciado conra Revolugdo Industrial prossegue inexoravelmentes &um mundo mais desgracioso que dia apds dia se desenha, Um quadro tio implacivel assim nao ten falhas? Hstamos condenados a aceitd-lo em bloco? $e 0 reinade do dinheiro ¢ da Mhpidertem efeitos inegavelmente calamilosos no plano moral, est social ¢ econdmico, di-se 6 mesmo no plano propriamente ismo se reduz a essa maquina de decadéncia estétiy tico? O capit cae de enfeamento do mundo? A hipertrofia das mercadorias va de par com a atrofia da vida sensivel e das experiénci estéticas? Como pensar o dominio estético no tempo da expansdo mundial ado? Sao algumas quest6es a que Nos pro- da economia de mer pomos responder aqui. Os aspectos devastadores da economia liberal se impoem com tanta evidéncia que nao se pode pd-los em diivida. Mesmo assim existem realidades mais amenas que convidam a reconside- rar 0 que ocorre na cena do capitalismo de consumo superdesen- volvido, Devemos radiografar uma ordem econdmica cujos efei- tos s4o menos unidimensionais, mais paradoxais do que afirmam seus mais ferozes contestadores. No decorrer da sua hist6ria secular, as l6gicas produtivas do sistema mudaram. Nao estamos mais no tempo em que produgao industrial e cultura remetiam a universos separados, radicalmen- te inconcilidveis; festamos no momento em que os sistemas de) producio, de distribuicao e de consumo sao impregnados, pene- > trados, remodelados por operagées de natureza fundamental-\ mente estétic&JO estilo, a beleza, a mobilizacao dos gostos e das sensibilidades se impdem cada dia mais como imperativos estra- tégicos das marcas: é um modo de produgio estético que define 0 | capitalismo de hiperconsumo, ( Nas industrias de consumo, o design, a moda, a publicidade, Ja decoragao, 0 cinema, o show business criam em massa produtos | carregados de sedugio, veiculam afetos e sensibilidade, moldan- oe Bea.0.'u cle) 0 sroliferante € heterogéneo pelo ec Ie et} desenvolvem, COM a estetizg is le s€ Cae c » jo marcado pela abundy ta pnt . do WS gos ee < estile mos nm mune : ' Mein dy ive Je imagens de narrativas, de paisagism, ; . . \ de desi as, de produtos cosméticos, de lugares tur) pase” * : \ ede exposigdes: Se é verdade que o Capitalism is i « ' muse! itavel” ou “o pior dos mundos poss; st. m esta na origem de uma verdadeira economia tizaga0 d uma este ja vida cotldlang: em toda parte » {como uma imagem, integrando nesta uma qj. sensi este ocional que se tornou central na concorrén. sa que as marcas travam entre sifE o que chamamos de capitalis. : arvistg ou criativo transestético, que se caracteriza pelo peso crescente dos mercados da sensibilidade e do “design process’, por um trabalho sistematico de. estilizacdo_dos bens e dos lugares mercantis, de integraga0 generalizada da arte, do “look” e do afe- to no universo consumista. Criando uma paisagem econémica mundial cadtica, ao mesmo tempo que estiliza 0 universo do co- tidiano, o capitalismo € muito menos um ogro que devora seus pps fos do que urn Jano de dus faces. © Assim, o desenvolvimento do capitalismo financeiro con- ‘emporaneo)nao exclui de modo algum a otencializagao de um : 8 P ¢ — de tipo artista em ruptura com o modo de regulagao diano da economia, Nao se deve entender com isso um capita - gue, menos cinico ou menos agressivo, daria as Costas 208 Tali Sonali, A 4 peat ativos de racionalidade contabil e de rentabilidade maxt™ um nove : . a nents ese de funcionamento que explora.tas' matic ede tnaneira generaliz rr ‘4s-emocionais ten, ae estética € de real 8 constro) ico-em ada as di em vista o lu oe a conquista dos. 405.0 que dat ee al di 7 4 ecorre € que estamos num novo ciclo ma" cado™ as ¢ este Por uma relativa mico & desdj ‘ “cas, Dela desreg esdiferenciagao das esferas economic ulamentacao das distincoes entre 0 eo" fo estétion, a industria eo estilo, a moda e a arte, o divertimento e o cultural, o comercial eo criativo, a cultura de massa ea alta cultura: doravante, nas economias da hipermodernidade, essas esteras se hibridivany, se misturam, se curto-circuitam, se inter- penetram, Uma logica de desdiferenciagio que é menos pés-mo- derna do que hipermoderna, a tal ponto se inscreve na dindmica de fundo das economias modernas que se caracterizam pela oti- mizagio dos resultados e pelo cilculo sistematico dos custos e AdOXO; quanto mais se impbe a exigéncia de racio- tivas, intuitivas, emocionais. A profusdo filha das “Aguas frias do cdlculo egoista” a da racionalidade instrumental e da x oamento” (Heidegoer Eton que oderno, com a diferenga de que A de produtiva e mercantil nao elimina das légicas sensiveis e intuitivas, quali-* taneamente, a uniformidade planetaria : ocultar a excrescéncia das criagdes de nogénea do arrazoamento e da econo- aauma estetizacao sem limites e ao ada de unidade e de critérios con- de modernidade que nos caracteriza: produtivista, eis a era da hipermo- 6 e emocional-estética. jas referencias da sua propria cultur. ico do mundo constituiu um model ao ©ONSup, Mp jado di agar, co-turisti P Enesse rastro Se 1, bastando observar que » cessa de se prop, lo esté ster ice Ao a ' dda 08 valores inicj fa vid Nicial a soa! zados pelos artistas boémios do século x1x (hed, ec realizagao de si, autenticidade, busca de 7 iy ‘i Me valores dominantes celebrados inch Me CADItalistne, naram 0S V consumo. A ética puritana do capitalismo original 4 or Nal cede, a eeu lugar 4 | estético de vida centrado na busca das Tu RY RR Sensacées zeres dos sentidos ¢ nas novidades, no rae ime S; 0 divertimer um idea diatas, nos pra! to, na qualidade de vida, na invengao e na realizacao di 10 de si. A yi Vida estetizada pessoal aparece como 0 ideal mais comum f lente nossa época: ele é a expressao e a condica we : 10 do in- idualismo contemporaneo. A estetizacs / SSIeUiZacao s e bens exteriores a si, mas se inventar, 6prias regras visando uma vida bela, jquiriram uma existéncia estética ad cabe frisar que nao sao 0s ti fato, em nossas sociedades, estes S¢ onflito as vezes frontal com todo a satide, o trabal i nicos a um ho, a eficacia, 4 tempo que uma intensificagio da dindmica de individualizagao das escolhas, dos gostos, dos comportamentos. Em troca {Estamos fadados a uma existéncia cada vez mais reflexiva, problematica, conflitual em todas as suas dimensées, sejam fntimas, familiares ou profissionai Joi ideal estético que triunfa é0 de uma vida feita en de Nov as sensagoes, mas simultaneamente temos de de pi dar prova de excelénc ia, de eficiéncia, de prudéncia. A sensacao de de qualidade de vida parece recuar a medida que se intensificam os imperativos de satide, eficdcia, mobilidade, rapidez, desempe- nho. JX ética estética hipermoderna se mostra impotente para criar uma existéncia reconciliada ¢ harmoniosa: nés a sonhamos voltada para a beleza, ¢ ela é voltada para a competicao. O presen- te € sem dhivida 0 eixo temporal preponderante, mas nao para de ser minado pelas inquietudes relativas ao devir planetario, ao fu- turo individual e coletivo ameacado por uma economia cuja di- mensao caética se revela a cada dia de maneira gritante. A incon- sequéncia ea frivolidade de viver so comprometidas pela miséria social e pela sorte tragica dos que ficam 4 margem. Salta aos olhos que a vida numa sociedade estética nao corresponde as imagens de felicidade e de beleza que ela difunde em abundancia no coti- diano. £ um Homo aestheticus reflexivo, ansioso, esquizofrénico que domina a cena nas sociedades hipermodernas. As produgdes estéticas proliferam, mas o bem viver esta ameacado, comprome- tido, ferido, Consumimos cada vez mais belezas, porém nossa vi- da nao é mais bela: af se encontram o sucesso e o fracasso profun- dos do capitalismo artista.” Assim, temos que fazer o luto de uma lusdo acreditar que “a bela utopia, agora que sabemos que é uma beleza salvar o mundo”) As belezas sao excessivas, mas nao nos aproximamos em ab- soluto de um mundo de virtude mais elevada, de maior justiga ou mesmo de maior felicidade. O capitalismo hipermoderno arteali- za numa escala enorme nosso ambiente cotidiano, porém nao te- stato ane sensagdo Ce Mator har ' Mor Via. og ern abs 0 ; vu ao MesMo LeMpo o ena Pron E oes wit sptemos que, di go sy ' sotipin. Acreacenten it, Levi eae “ stereo! oi rr aiversificam, se individualizany, Perestes; a »€ O8 Con Pace 'Sumid, ystrary) mais exigentess MAIS « THLICOS. P por jeg is OMe 4 mn { ansestenied aumenta inevitavelmente a sens Ny ng re S640 de, Hes Jo mundo quanto mals belezas sensiveis, esti, Nfean, . 7 SOUlONy ' Peta mnais se dese eg um miimero crescente de produtos cul StAcheg , Uraig snvolvenr as decepgoes, a8 rejeigdes Jacionadas A sociedade contemporinea da profusio e isso esta ma elevadas missdes emencipadoras, pedagégicas e Politicas: 4 deixou de ser considerada uma educagao para a liberdade 7 ante moralidade. Bas estéticas mercantis que tinea = mod aambicio de nos fazer alcangar um fires cotidiana. £ de uma estética do consumo {nao mais artes destinadas a comy- is ou elevar a alma pela experiencia im “experiéncias” consumatérias, li- a divertir, a proporcionar prazeres eft- 1 as] Quanto mais a arte se infiltra no nenos € carregada de alto valor espir- 30 estética se generaliza, mais aparece da vida, um acessdrio que nao tem sensualizar @ vida le tran Stéticg 4 Nem " Dor js imbuida de um culto da arte, invest \ » investid das mai animar, decorar, i] e do supérfluo sociedad stocratico: ela ¢ e sagrado ou de aristocr’! da era mercantile de™ ituras de classe, ace” 7 ética 0 tempo que um étic _ as mercantis; mais este! i nsestetism? em ocratl acarrela a indl estétic um tral sobrepdem arte ¢ diversio, estilo ¢ lazer, espetaculo ¢ turismo, beleza ¢ gadget. Eis-nos na época da desabsolutizagao da arte, tanto das suas missdes como da sua vivenci Pa Num contexto assim, paradoxal e ambivalente, evitemos en- toar o refrao maniqueista do enfeamento do mundo, tanto quan- to odo “reencantamento do mundo”, A oferta de todo um conjun- to de consumos de maior valor agregado nao elimina o espetaculo da nova pobreza, das cidades sem estilo, dos corpos desgraciosos, das criagdes culturais pobres ¢ vulgares, da desculturacao dos es- tilos de existéncia. O que se anuncia nada mais é que uma comer- cializagao extrema dos modos de vida na qual a dimensao estética ocupa, sem dtivida, uma posi¢ao primordial, mas que, apesar dis- so, nao desenha um universo cada vez mais radiante de sensuali- dades e de belezas magicas. No mundo fabricado pelo capitalismo transestético convivem hedonismo dos costumes e miséria coti- diana, singularidade e banalidade, sedugao e monotonia, qualida- de de vida e vida ins{pida, estetizacao e degradacao do nosso meio ambiente:Guanto mais a astticia estética da razao mercantil se poe a prova, mais seus limites se impdem de maneira cruel a nossas sensibilidades-] VIVER COM O CAPITALISMO ARTISTA: ESTETICA CONTRA ESTETICA pci Na escala da Histéria, nao é, evidentemente, 0 Belo que sera capaz de “salvar 0 mundo” [Em face dos imensos problemas eco- ndémicos, sociais e ecoldgicos que se anunciam ruidosamente, € patente que nenhuma solucao seré encontrada sem a mobilizagao da inteligéncia dos homens, sem o investimento na pesquisa e na inovagdo, nas ciéncias ¢ nas técnicas, que, é claro, nao resolverao tudo, longe disso, mas sem as quais a humanidade nao escapara 4 vaatesern serie. HA gE COVIT NESE pany, 4 5 cavastre . even - antes da inteligencia racional ¢ teeny } we 4 ho neste tempo Ortho de grandes prog perar salva Nao obstante politicas, © ide mportancia capital. Porque 8 a estéticn corm al de vida estética s¢ reveste yy giosas ¢ wi ca de uma fi géncia racion™ coletivo, @ rar de nos colocar | é impotente para enfrentat 08 desafiog 4, o tecnocientifica sem a dimMensao estétics ¢ ‘no caminho de uma vida bela © sabres. © cop ' certamente conseguiu: criar um ambiente eg . tempo, ele Nao para de difundir norms, . | , eMOGAO, sonho, evasio, 4 de existéncia voltado pars ie de ser sindnimo de vids padiccdo ¢ de frenesi, de sujer a relacdo com 0 tempo ¢ de velocidade, de rendimen digna desse nome nao pe rece intimeras criticas, ¢™° ‘tada, mas, ao contrarie, © cumpre postular duas formas ou duas versGes bem diferentes da vida estética: uma, comandada pela submissao as normas acelera- das e ativistas do consumismo; a outta, pelo ideal de uma existén- cia capaz de escapar das rotinas de vida e de compra, de suspen- der a “ditadura” do tempo precipitado, de degustar o sabor do mundo se dando 0 tempo da descoberta. A estética do acelerado ha que opor uma estética da tranquilidade, uma arte da lentidao que é abertura para as fruicdes do mundo, permitindo “estar mais isténcia”.! préximo da prépri O capitalismo artista aparece como um vetor fundamental de estetizacao do mundo e da existéncia. Mas é evidente que essa dinamica nao é(totalmente \positiva, tanto no que concerne as criagdes como as formas de consumo: a sociedade, o consumidor, o individuo Gransestéticos)na0 estao a altura do ideal que pode- mos conceber de uma “vida bela”. Por isso, convém frisar os limi- tes, as contradicdes que esto no cerne da sociedade de mercado transestética, assim como os caminhos que conduzem a uma vida estética mais rica, menos insignificante, menos formatada pelo consumismo{Reconhecer a contribuigao do capitalismo. artista bem como seus fracassos: eis 0 objeto deste livroy* * ¢ y “ Isao > o Avs Ky Ao

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