You are on page 1of 30
Estruturalismo — histéria, definigdes, problemas” Resumo 0 objetivo do presente arti- go! consiste em tragar uma vistio breve € geral do que podemos de- limitar como pensamento estrutu- ralista. Para aleangé-lo, iniciare- mos retomando um pouco da his- (ria do conceito de estrutara.e sua definigao especifica no estrutura- lismo modemo. Em segundo lugar, procuraremos percorrer trés es- pécies de criticas direcionadas a0 estruturalismo: uma critica a seu método, umacritica epistemol6gi ca e outra de cunho filosético. = Brvewatien Léa Silveira Sales Universidade Fedoral de Sao Carlos Abstract This article aims at giving a brief overview of what we can single out as the struc listic thought. In order to do so, we begin with by presenting a brief history of the concept of structure and its specific defi nition in moder structuralism. In addition, we will try (0 eva- Tate three kinds of eritiques to stracturalism, namely, a critique as (0 its method, an epistemo- logical critique, and a philoso- phical one. ior, Staion, problems " Este atigo fz pare de sma peguisn fnaeinda pela CAPES. vo a oiento do professor Dr. Richard Theaen Shane Revista de Cidncias Humanas, Florianépois: EDUFSC. 1.33, ».159-(88, abl de 2003, 160 — Esrumralisna ~_nisria defines. problems Palavras-chave: Estruturalismo, Keywords: Structuralism, French peasamento frances. contemporiineo. contemporary thought. A, Conse dos anos 50,60 podugecs ntlectais francesas viveram 0 que se denominow retroativamente de momento estruturalista, Esperanca de um espirito cient(fico para as Ciéncias Humanas ¢ contraponto & Fenomenotogia, o chamado programa estrutural suscitou o interesse a dedicagio de pensadores tio distintos entre si quanto, por exemplo, Lévi-Strauss, Lacan, Foucault, Althusser ow Roland Barthes -, mesmo que alguns dentre eles tenham negado veementemente este poss{vel rétulo. De qualquer forma, quer seja o termo estrutura recusado ou abragado, importa que, se quisermos compreender os desdobramentos do pensamento francés assim demarcado, teremos que visitar a questo “que € 0 estruturalismo?”, Torna-se necessério, entdo, tentar circunscrever & problemstica catocada por este modo de pensar investigando um pouco de sua hist6ria, algumas definigdes de estrutura e algumas ceriticas que Ihe foram dirigidas. Vate informat de safda que o que seré apresentado a seguir constitui apenas um entre tantos recortes possiveis e que, como tal, obviamente néo pretend esgotar o assunto, mas oferecer elementos que possam apontar diregdes de réspostas para a pergunta em jogo. Breve histérico Primeiramente, € preciso apontar a existéncia de dois tipos de conceito de estrutura e, 2 partir dessa disting3o, delimitar a érea para a qual se voltaré o interesse. Segundo Pouillon (apud LIMA, 1970), po- demos falar de um “conceito diacronizado de estrutura”e de um outro conceito mais espectfico, préprio ao estruturalismo em seu momento francés. Fica claro, pelo resumo deste artigo, que se trata aqui de pen- sar mais detathadamente 0 campo do segundo tipo de conceito. Quanto 20 primeiro tipo, pretendemas apenas esbogar algumas linhas que Ihe pertencem, pois, apesar da radicalidade de suas diferengas, é possivel Pensar que esse conceito diacronizado de estrutura fornega uma espécie de pano de fundo para o que queremos analisar Revista de Cigncies Homans, Florisngpols: EDUFSC, #.33, .1S9-188, abril de 203 te Steir Sates — 164 Segundo Bastide (1959), a palavra “estrutura” tem sua origem no latim structura (do verbo struere = construir), € seu primeivo sen tido ven da arquitetura, significendo a maneira como um edificio & construido. A partir do século XVI, seu uso sofrev uma expansio que ocorreu em duas diregGes: em dirego ao homem, especialmente pot meio de uma comparagio de seu corpo com uma construgéo arquitetonica, ¢ em diregéo 4s suas obras, principalmente & lingua Fazendo referencia & existéncia de um conjunto que pode ser pensa- do em termos de suas partes componentes ainda as relagées que essas partes estabelecem entre si, @ estrutura ganhou terreno na Anatomia ¢ na Gramética. O que explica essa expansio do termo para outras disciplinas além da arquitetura € justamente @ riqueza heuristica fornecida por um método comparativo, ou seja, 6 possivel reproduzir, de forma abstrata, o plano segundo o qual o objeto écons- titufdo para reconhect-lo em outros conjuntos, o que torna possivel 6 coiejamento entre diversas totalidades (BASTIDE, op. cit.) Essa idéia de estrutura seria sindnima, de acotdo com Pouillon (op. cit.), da nogao de harmonia, € a observac2o empirica seria suficiente para captar a estrutura, pois ela pertenceria & ordem do vis(vel. Os termos esirutura, organizacao, agenciamento das partes e arranjo dos ele- mentos sto substituiveis sem perda de significado. ‘A ampliago do conceito de estrutura para o ambito das Ciéneias Humanas, ainda seguindo Bastide (op. cit.), 86 f0i efetivada no século XIX com Spencer, Morgan e Marx, € alcangou a consagragdo na obra de Durkheim com a publicagao de As regras do métoda sociolégico em 1895. Spencer toma do modelo biol6gico os insumos para forjar a ‘expresso “estrunuras sociais”, que nasce, assim, de um contexto orga- nicfstico — ele pense a estrutura social em termos de organismo, apesar de ter insistido nas diferenas entre 0 organismo social ¢ 0 organismo biologico® Segundo Bastide (op. cit), Morgan, apesar de nao falar de estrutures, mas de “sistemas de parentesco”, estava mais préxi- mo de Lévi-Strauss porque se opunhe aquela tendéncia naturalistica, Fam pora Radcliffe Brown, mais recentemente aver uma corespondtnci signi ‘ava ente enue orginca¢ a estuura soci (CE LEVESTRAUSS. 1953, p. 34) Radclitve-Brown frou ts objetves para oestdo dos sistemas de paretescor lvanat tama classifica sistemfica,compreendr op wagon propos de cada sistema e angi evetalzages sobre 4 natureza da ssedade Revista de Cigncas Husnas, Florianépclis: EDUFSC, n 3, p.159-188, abel de 2008, 162 — Bar bisa, dfiniges, problemas De fato, é 0 préprio Lévi-Strauss (1953) quem o situa como fundador daquele que seria o dominio espectfico do etndlogo: o estudo dos sis- temas de parentesco. J4 a contribuigdo de Marx esté relacionada as suas importantes definigées das relagdes entre a base, a estrutura € as superesiruturas da sociedade. Lefebvre (1959) mostra que seria necessério distinguir no projeto de Marx varios termos que corres- ponderiam aos diversos significados de “estratura” no estrutaralismo modemo, tais como sistema, forma, todo, individuo e a prépria pala- vra estrutara, No inicio do soulo XX, surge, entio, o neologismo “estruturalis- mo”, desta vez, no seio da Psicologia e reftetindo uma postira de ‘oposigo a Psicologia funcional e a0 associacionismo. Inicialmente, foram descobertas estruturas légicas na Psicologia do pensamento da escola de Wurzburg, daf sua conclusao: “o pensamento é 0 espe- Iho da l6gica”. Para esta escola os processos mentais s40 conduzi- dos por uma estrutura cognitiva e motivacional subordinada a uma “tendéncia determinante” capaz de organizar o.pensamento. Toda- via, a estrutura em Psicologia foi bem mais fecunda com os traba- Iho de Psicologia da Gestalt desenvolvidos por Kohler, Wertheimer, Lewin e Koffka. O que existe para a Gestalt, desde o inicio, € a totalidade; os elementos psicologicos da experiéncia imediata nao podem ser pensados em si mesmos como se possuifssem uma exis- téncia prévia & estruturacao. Fra importante descabrir, com base 1na suposigao do isomorfismo psicofisico, 2s leis que determinavam ‘esse campo otganizado ~ leis da totalidade perceptiva, da boa for- ma, das relagdes entre figura e fundo, etc. No entanto, o método estruturalista, em sua concep¢o moderna e na medida em que promove consequiéncias em todas as Cigncias Huma- nas, tem sua origem nos limites da Matematica e da Lingtistica. Aqui, lina referencia importante & 0 Curso de Lingiistica geral de Saussu- re, obta resultant das anotagGes de seus alunos relativas 40s cursos que ele proferiu entre 1907 e 1911, e publicada em 1916, Se, para a vertente historicista da Lingtistice, compreender eraestabelecer a génese eo sentido ‘da evolugdo das palavras, para Saussure, no Curso de Lingiistica geral, importava a inteligibilidade dos arranjos e das organizagbes sstematicas Goi velagao a0 condo deve parirale, of, Figuirof, 1991, p. 155 a 159, Piaget, 1968, p. 85 2 50 evisu de Cidncias Humanas, Floyanépelis: EDUBSC. 133, p.159-188, art de 2003 Leo Steir Sater — 168 Por influéneias vindas da economia, Saussure afirmava que a hist6ria de uma palavra nao dava conta de sua significagdo atual, Essa inver: sao das relagées entre sistema € histéria € introduzida, segundo Ri- coeur (1970), pela distinedo entre lingua e fala, ¢ termina na formali- zagHo de trés regras que sero generalizadas para autras disciplinas: a idéia de sistema, a relagao entre sincronia e diacronia (com privilé- gio para a primeira) e 0 nivel inconsciente, nao reflexivo endo hist6- Fico das leis que operam na lingua. A Linguistica saussureana tem como objeto o sistema de signos constitufdo pelas relagbes de deter- minagao recfproca entre uma cadeia de sons (significamtes) € uma cadeia de conceitos (signiticados): Nesta determinagao mitua, 0 que conta néo sto 19 fermos, considerados individualmente, mas os afastamentas diferenciais; sao as diferencas de som e de sentido ¢ as relagées entre ambos que constituem 0 sistema dos signos de wma lingua, (RICOEUR, op. ct, p. 159), Apesar de Saussure ser muitas vezes colocado como o pai fundador do estruturatismo, ele praticamente ndo usou o termo es- tcutura (¢ sim “sistema”), €a difusdo de sua obra foi constantemen- te mediada pela Escola de Praga, sobretudo por Trubetzkay e Jako- boson. Certamente, nao se trata apenas de uma questio de nomen- clatura. Ocorré que a concepgio fonolégica com énfase na sintaxe mais respeito &s caracteristicas centrais do estraturalismo tal como se difundiu pelas diversas Ciéncias Humanas (como veremos adiante) do que concepgo ainda semantic de Saussure’, Isso se reflete, por exemplo, na recusa, por parte de Jakobson, da arbitrari- edade do signo e no fato de que, enquanto Saussure confundia som € fonema, Trubetzkoy dizia que o especifico do fonema nio era seu cardter puramente psiquico, mas que seu valor lingUistico residia ‘exatamente em seu cardter diferencial TE Risa op. cts p 159 Lita 1970". Suse oS tere importa feneiona pare 4 antropologis de LéieSrauss depois ou carclalaments co haver este apeendide a fle ‘rca das conelues dos linguist eusi.] 28 inisetaente Levi Srauts penn ot Saussure, ©, quando 9 far, ¢tragendo incorporedar ax rien proposes por True. key Jakobeos =} Revista de Ciencias Humana, Flsinspotis: EDUFSC, 0.38, p.159-188, abs de 2003 164 — Esuutallsmo Nesta esteira é Hjelmslev quem promove o estruturalismo como programa fundador ao langar a revista Acta Linguistica em 1939%. Tru- bbetzkoy, Jakobson ¢ Hjelmsiev do infcio a uma revolugdo epistemol6gi- ca nas Ciéncias Huranas que passamn & imaginar ter finalmente encon- trado no estruturalisino aquilo que thes gerantira um cariter verdadeira- mente cientifico. Essa difusdo das sementes do instrumental estruturalista a partir da Lingtistica como disciplina piloto na ditecao de todas as Ciéncias Humanas encontra seu primero solo na Antropologia por ocasio do ‘Go famoso encontro, em Nova York, entre Lévi-Strauss e Jakobson. E lique o fitésofo convertido & Antropologia assiste as sulas do ingtista sobre fonologia estrutural, o que Ihe conduz a formular tanto a tese de correspondéncia formal entrea lingua ¢ o sistema de parentesco, quanto (© modelo da metodologia estruturalista, Nasce As estruturas elemen tares do parentesco, obra que se toma referéncia para 0 que seré produzido em segnida, Em paralelo a essas origens na Linguistica, € poss{vel seguir um outro afluente: a influéneia, sobre os pensadores estruturatistas, da- quela que € a tinguagem formalizade por definigo, a Matematica. Se- undo Piaget (1968), a estrutura mais antiga que foi conhecida estu- dada como tal foi a “estrutura de grupo”, descoberta por Galois. Veja~ ‘mos como Piaget a define: Um grupo 6 um conjunto de elementos (por exem- plo, 0s nimeros inteiros, positvas e negatives) rew- nidos por une operagdo de composicao (por exem. plo, @ adi) tal que, aplicada aos elementos do ‘onjunto, zoma a dar um elemento do conjunto: existe um elemento neutro (no exemplo escolhido, 0 2670), tal que, composio com um outro, ndo 0 modifica (aqui n +00 +n =n} e, sobretudo, ‘iste wna operaedo inversa (no caso particular & subtrasao), tal que, composia com a operacdo di- rata, fornece elemento neutro(+n=n=-n+ Dy; finalmente, as composigbes sao associativas (agul fn + mp + =n [m+ Up, (bid. p. 18-19) Revista de Cidaciae Homans, Flcinépolis: EDUFSC, 0.33, p.tS9-188, bri de 2003 Lea Sitira Sales — ssa noglio, aos poucos, conguistou a Materntica do século XIX € terminou por consttuir fundamento da dlgebra?. A contibuigio mais forte que a Matematica fomecea ao estruturalismo, colaborando para forjar sex ‘modo de pensar, vem do grupo Bourbaki, com sua ideologta do rigor. AD ‘procurar Colocar as Mateméticas inteiras sob a égide da estrutura, 08 Bour- bbaki operam uma abstragdo de segunda ordem: além do fato de no ser considerada anatureza dos elementos (ou sea 0s elementos} posctern um carer abstrato nfo importand seu contro}, 0 cothidas eertastransfor- mages comuns a0s conjuntos que podem ser aplicadas a quaisquer ele- _mentos por meio de um principio de isomorfizacio. Essas transformagies ‘conciuzem, portanto, 3s esiruturas geras (as chamadas estrturas-me) € a seus axiomas, e deslocam a atengio aos termos das relagtes para as rela (es entre os termos. Fazer a teoria axiomitica de uma estrutura consiste em deduzir todas as conseqiiéncias Igicas de seus axiomas. Logo, fica estabelecida uma visto exclusivamente formalista da Matemética em detri- mento de sua dimensio empirica’. André Weil, proveniente deste grupo, ‘contribui dietamente para os trabalhos de Lévi-Strauss aoescrever oapéndice rmtemiti de As estruturas elementares do parentesco, impulsionando, em funcio disso, a solidificaco do paradigma estrutualistac, supostamente, a cissolugao das frontiras entre @ Matematica e as Ciéncias Humanas’, Daft hegemonia do estruturalismo come paradigma central de varios outros campos do saber bouve o passo da efervescéncia cultural france- sa, Trata-se de uma histéria complexa e difusa com matizes e nuangas ‘que promovem ora o alargamento das fronteiras, ora a restrigo do cam- po do signo’, de forma que se torna perigoso falar do estruturalismo ‘como se este termo compreendesse uma unidade de pensamento ou mesmo uma circunscrigio bem delimitada de premissas. Methor seria falar dos estruturalismos, ¢ compreender cada um deles significa certa- mente ter que se debrogar sobre cada historia especsfica. TSatee 9 que sepia, ch Dose 198he > Bi entrevista a Frangos Dose, (19912) Jacques Hoairay declara que, tm matemsticn errutuatita dos Bourbak, “nj 0 eacedeaments, x concatenoio, 9 engaveramente das proposgses€ daco como ue esperie ce necesicde sem suet, bjeva, cess Inger cuore anaisar sem que 0 signa ter que v considera os processes prop mente hisiricos da descoherta mateniica."p. 250) + Pasa Descombes (1979), a Gefinigao de eset fr pela matemaien sei, vigorose mente, # aniew acetdvel © 0 dica foto eftivamenteslatonizado com 0 metodo Imatemitico a0 tanspblo para 4 cultura seria Michel Serres “Pee o estado mas dead dss hiss ~ que 8 se ise nes ebeives deste bale feinar 8 Dosee, 199la ¢ 1990 Resists de Cideciae Humana, Floviandpolis: EDUFSC, 0.38, p.1S9-188, abril de 2003 166 —~ garustllame — hikrn, desiiges, problemas Algumas definigées para a estrutura (© que significa a incrivel forga adquitida pelo termo estrutura, sobrettido durante os anos 50 e 60? Qual 2 sua contribaigao diferencial fem termos de método ¢ de valor heuristico? Seré que tudo nio passa de um mero modismo a citcunscrever 0 conjunto de um certo nimero de pensadores? Devemios concordar com Kroeber quando se arrepen- de de ter ajudado a difundir 0 uso da estrutura a0 afirmar que esse termo “[..] no acrescenta absolutamente nada ao que temos no espirito quando o empregamos, sendo que nos deixa agradavel- mente intrigados”(apud LEVI-STRAUSS, 1953, p. 314)? Ou ser& que, ao conteétio, pdr os ofhtos no mundo através desse novo instra- mento € uma atiwude capaz de cartegar consigo novas possibilidades de interpretacio, contribuindo, dessa forma, para o alargamento de nossa raz € de nosso conhecimenta? Podemos, sim, falar do estrutu- ralismo como moda, mas Somente no sentido de que ele constitui, na expresso de Deleuze, “um ar livre do tempo”(1972, p. 271). conjun- to de fluxos ¢ intensidades virtuais que acabaram por se converter em diversos modelos concretos. Desta forma, ¢ af que s¢ inserem as sub- seqilentes tentativas de definigao. Em torno do sentido desse termo foi realizado um colsquio.em Pa- ris em 1959. Bastide (1959) relata que, ao realizar 0 discurso inaugural, ‘esta foi uma das pronunciagSes de Moulin Termos de uso corrente como “grupo”, “classe”, “poder” ow “estrutura” ndo tém, hoje, dois tres, ‘quatro significados fundamentais ~ 0 que é nor. mal =, mas tantas acepedes como auiores, acep- $005 estas intetramente irredutfveis a um deno- ‘minador comum, quando néo totalmente anting- ‘micas. (p. 1), Diaate desta dificuldade, nao cabe aqui sand-ta apontando ilussrios. caminhos que conduziriam @ tal denominador comum. Ao contrério, pre- tendemos apenas, neste momento, colher algumas definigdes gerais for- necidas por autores afinados com o contexto do estruturalismo na tents tivade proporeionar uma primeira aproximagao das significagSes acolhi- das pela estrutura Revista de Citnclas Humanss, Florianopolis: EDUFSC. 0.33, p.159-188, abi de 2008 La Steir Seles ~ 161 ‘Uma estrutura pode ser definida como um sistema integrado de ele- ‘menos, Fssa intepragao se dé de uma maneira especttica, qual seja, se um. dos elementos sofre uma mudana, todos os outros elementos Seto modifi. cados. As partes componentes dessa totalcade sistemética estio relaciona- das entre si segundo leis especificas que garantem a identidade da estrucura, FFsse sistema no se confunde com a idéia de organizagZo interna de um Conjunto eisso por dois motivos: 1) o sistema ¢ imanente aos objetos consi- derados, 0 que permite a construgiio de tm modelo que, por sa vez, torn possivels a explicagao0 e a previsio dos fatos observados; 2) se a idéia de ‘organizagao procurava promover a inteligibilidade de um sistema por meio de um inventério de caracteristicas recorrentes em diversos conjuntos, observades, eliminando as diferengas que aparecem (consideradas acidentais ou apenas fndices dos limites do conjunto), 0 estuturalismo, 20 contrétio, estabelece a possibilidade comparativa por outro caminho; trata- se, agora, de evidenciar o aparecimento das diferengas © ndo mais de climind-las: “O estraturalismo propriamente dio comeca quando se admtte que conjuntos diferentes podem ser aproximados nao a despeito, mas em virtude de suas diferencas, que, entio, se procura ordenar:"(POUILLON, ‘apud LIMA, 1970, p.31) Asdiferencas ndo-constituem alteridades puras, mas sé definem de acordo com relagdes estruturais comuns. Para Met- leau-Ponty (1960) as diferencas ordenadas, ao invés de darem lugar a oposigSes, formatam complementariedades" Levar aefeito o estudo da estrutura significa estabelecer a sintaxe das transformagbes que promovem a passagem de uma configuracao a coutra, Essa sintaxe, por ser limitada, cestringe as possibilidades de muta- fo e dita a forma segundo a qual a estrutura seré apresentadla conere: tamente nos modelos. A pesquisa extreral 6 ange, com eet, resulta 4 completo quando alcanca ardenar a plualida- de des fotos regulados na simplicidade do modelo. te, por consegunte, condensa as canelusces do racicinio ¢,simuleneamente, as mostra de manet ramaiscompreensiva(LIMA, 1970, . 34). 3 que vem a sauir em come base carabus de Bade, op. ct, ¢ Lia, 1970, "sOvmuiceineresse deste nova ivestigugko concise om alba as antnomias por telogtes de complementariedads.” (MERLEAU-PONTY, op. ei p. 197) Revita de Citneiss Humana, Flvianépoiss EDUFSC, n33, 9159-18, sit de 2003, 268 —sruurtsm ~ Wistria efigces, problemas AApds terem sido constru{dos, 0s modelos poderao ser comparados entre si, seja no interior de uma mesma disciplina, seja de forma intetdis- ciplinar, Por tudo isso, ocome um destocamento no que se refere & pro- cura do sentido; ele no é mais aquilo que se mostra camuflado numa linguagem obscura, mas deve ser procurado do laclo das relagdes laten- tes na estrutura e passiveis de serem organizadas num modelo. Em um estudo introdutsrio sobre o tema, Piaget (1968) empreende ‘um esforgo de generalizagao do conceito de estrutura com base no argu- ‘mento que passamos a expor. & possivel separar dois grandes tipos de problema no interior da temética estruturalista: ui que se refere a um ideal de positividade e outro ligado as intengdes cnticas de cada disciplina, ‘ou Seja, aquestdo de saber a que o viés estrutualista se ope ao se instalar ‘em um determinado campo do conhecimento. Tais intengSes erficas tem como caracteristices a variabilidade ¢ a contradigo, Sao imedutivelmente :mitiplos os alvos atacaclos pelo estruturalismo: na Matemética, ele se queixa da compartimentagem dos assuntos heterogéneos; na Lingiistica, das investigagdes diacrénicas; na Psicologia, do atomicismo c, de uma forma geral, da historia, do funcionatismo e do sujeito. Portanto, nao & possivel procurar, por este caminho, @ generalizagdo almejada, Todavia, Piaget percebe que, se mirarmos as empreitadas estruturalistas através a lente de seu desejo de positividade, encontraremos dois aspectos comuns 2 todas elas: 1) 0 fato de que a estrutura & auto-suficiente e promove ui potencial heurfstico intriaseco a0 objeto delimitado, sem precisar recorrer a nada que esteja fora desses limites, 2) 0 fato de que todas as dreas que apticam o método estruturalista realmente alcangam a formalizagao de estruturas que revelam propriedades comuns. Em suas palavras: [1 (Brcontramos] de wna parte, wn ideal ou espe: rangas de inteligibilidade intrinseca fundadas sobre 0 postulado de que wma esiratura se basta a si pro pria e ndo reuer para ser apreendlida, 0 recurso a todas as especies de elementos estranhos & sua natu ‘eza; por outro lado, realizes, na medida em gue 1 chegou a atingir efetivamente ceras estratuiras ¢ em que sua uilizagdo evidencia alguns caracteres _gerais € aparensemente necessérios que elas apre- ‘sentam, epesar de suas varied. (bi, p. 8). Revista de Ciencias Hamanss, Forindpolis: EDUFSC, n.3. p.159186. sil &e 2008, Lia Sieve Soler ‘Quais seriam essas propriedades, esses caracteres gerais comuns a todas as estruturas? Investiguemos, tio, adefinigiio de Piaget que, logica- mente, é a mais adequada & sua epistemologia genética". Para este autor ‘uma estratura é, fundamenialmente, um sistema de transformagées internas auto-reguladas, isto €, 0 mecanismo dessas transformagées & submetido a leis (reguladas por processos obrigatérios de equilibrago) que pertencem, nido as propriedades dos elementos, mas ao sistema em si, Assim, as carac- {eristicas do conjunto como totalidade serBo distintas do acximulo das carac- teristicas dos elementos, Além disso, a totalidade também define que as transformagées do sisterta no ultrapassardo os limites desse mesmo siste- _ma. A transfoemagao, a auto-regulaga0 ea totalidade sto os pontascapazes de definir uma estrutura. O primeiro desses pontos, a transformagéo (uma totalidede estruturada é também, por defini, estruturante), 6 0 que espe- cifica a problemética estraturalista, porque, se esta se reduzisse a defini as possibilidades de formalizagzo, seriamos obrigados a acmitir como de teor estruturalista todas as teorias, ilosofias ¢ formas de conhecimento que nto fossem estritamente empiristes, ou seja, toda tentativa de estabelecer uit tipo qualquer de formalizago podcria vita ser caracterizada como estrutu- ralismo. Ao contrtio, uma eoria estruturalista deve definir a totalidade dos ‘movimentos virtuais do sistema de transformagdes. Para Piaget (op. cit), a existencia da estrutura ¢ independente do pesquisador que tem como tarefa construir sua formalizaglo. Por trés da possibilidade de consecugao dessa tarefa, hd o postulado de que a estrutura € passivel de tradugao em modelos légico-matemiéticos ou ci- bernéticos. Mas, entio, onde se situa a estrutura, se sua existéncia independe do tedrico? Piaget descarta trés possibilidades: 1) que elas sejam dadas como esséneias eternas, 2) que surjam, de forma contin- _gente, no curso da hist6ria, 3) que possam ser retiradas do mundo fisi 0, Resta-the ratificar sua visio construtivista (formada a partir de estuddos sobre acstrutura ea génese da intligéncia), afirmando sero real uma cons: trugdo estraturada ao invés de um aetimulo de estraturas pré-formadas” wo Fovguc € posivl perctbcr le as Gas geris da ett, tl come vista por ele, estio bem de acordo com oF procesot de aslo, camodasio e equiva. ve Sapoitlo (@ viral da eur sobre ertncae € Somente wna algio de einspios Poca no mando sco &inadnssivel Silo navi opine ma econo, xe fob config dee lembrar que a slgera eral sia ex onda an cormportaten as ‘esas ow dos vine. © que ret. eno, € pepe consrugo e no seve porque seria fnsensaiojenar que ate dima do rat € ear em cameo permanente lar Be consist em ama scumulgie de sunras ronas” (PIAGET, op eit. p lt de Ciéncias Homans, FlovanSpolis: EDUFSC, 233, p.159-188, absil de 2003, Earsteralicna — bivdra, desig, problemas Piaget pode, por conseguinte, afirmar que as estruturas pertencem a0 sujeito na medida em que seus comportamentos operatérios inte- ragem com 0 mundo fisico na sua construcao. Se a desconsideraga0 pelo conceito de sujeito faz parte do discurso dos estruturalistas que procuram estruturas consideradas puras, sem hist6ria, sem génese € sem fung6es, para Piaget, “£ facil construir tats esséncias no ter- reno filoséfica, onde a invencéo é livre de todo constrangimen- to, mas € dificil encontré-las no terreno da realidade verifiedvel. (Ibid, p. 47) E af nao se trata do sujeito do vivido, nem do sujeito da conscténcia, mas do stjeito como centro de funciona- mento, como instincia de atividade de um comportamento operaté- rio, instincia sempre aberta para uma incessante construcio cujas transformagdes ocorrem devido a necessidades internas que nascem de suas interagbes com o meio exterior. Desta forma, para Piaget, a estrutura é inevitavelmente acompanhada da historia, da fungao e da génese, enfim, da construcio: [J A génese nao é sendo a passagem de uma esirutura a uma outra, mas wna passagem for: ‘madora que conduz do mais fraco ao mais forte € a estrutura nda & sendo um sistema de trans: formagées, cwias raizes, porém, sdo operatsrias @ resultam, portante, de uma formagio prévia dos instrumentos adequados. (Ibid. p. 115)" Certamente, para que essa tentativa de definigao e caracteriza- ‘do do estruturalismo nao aparega de uma forma estanque, & impor tante passar a problematizé-la, Realizaremos essa tarefa a partic de dois pontos: a critica empreendida por Paul Ricoeur com respeito a0 questionamento da importancia da dimensio hist6rico-hermenéutica ¢ 1 paradoxos inerentes ao estruturalismo apontados por Descombes Derrida. Esses tts autores fomecerao trés espécies distintas de criti- ca: uma critica do método estruturalista, uma critica epistemoldgica e outra filoséfica, respectivamente. 3c, para Lévi-Strauss, « enologia @ primelzo ume psicalogis (Cf, RICOEUR, 1970, p. 183), para Plage. Psicologia € primcre uma biology porque as esruaras da inelighnca Sim a aico conus entre o astema nereao € 0 comportameno conesinte Revista de Ciencias ti nas, Fltianspolis: EDUFSC, 033, p. 159-188, abril de 2003, Le Siveira Sales Estrutura e interpretagio a partir de hermeneutica que Ricoeur tem algo a questionar so- bre 0 método estruturalista — sua pergunta gira em toro do sentido que este método reconhece ao tempo histérico. Para formular este questio- namento ele aloca seu alvo sobre aquela que foi a primeira e a mais discutida tentativa de teanspor os modelos linguistico © matemstico para as Cigncias Humanas: a Antropologia Estrutural de Claude Lévi-Strauss. © ponto central de sua andlise recai sobre a telagdo entre diacronia € sincronia. Como apontamos acima, 0 estrutiralismo opera af uma in ver- so apaztir da qual a dimenséo discrOnica passa areter uma importancia te6rica menor do que a sinerSnica. Nao se trata de uma relagiio de opo- igo, mas de subordinago, que confere & historia um incdmodo segun- do lugar, olugarde algo que, aoinvés de expliear, funciona como fator de perturbsigdo ~ ela s6 aparece como vetor de alteragao do sistema a ser ‘comprecndido e se efetiva pela comparagio dos diversos estados, anteri- ‘ores e posteriores, do sistema, “A histéria é mais responsdvet pelas desordens que mudancas significantes [..J.” (RICOEUR, 1970, p. 160). Além disso, ha um outro aspecto muito importante que diz res- peito a propria relagio de compreensio entre o observador € 0 siste- ma, e que contribui no deslocamento da dimensdo temporal para um segundo lugar. Na Fonologia, as leis Lingtifsticas nio se abrigam no claro da consciéncia, mas pertencem um inconsciente essencial- mente no reflexivo e nio histérico. Obviamente este inconsciente ao tem que ver com o inconsciente pulsional, freudiano, Ricoeur 0 designa como um inconsciente kantiano que, no entanto, no faz re- feréncia a um sujeito pensante, um inconsciente categorial e combi- nat6rio; ele determina uma ordem ignorada. Entre este espitito in- consciente e a natureza, € postulada uma isomorfia que garante as possibilidades de compreensao do sistema considerado, Ricoeur (op. cit.) lembra que, em Antropologia estrutural (1958), bem antes de O pensamento selvagem (1962), onde este ponto atinge sew elfmax metafisico, Lévi-Strauss jé falara de uma identidade entre as leis do mundo ¢ as leis do pensamento, Se as leis do mundo so fundamen- talmente sincronicas, e as do pensamento, também € na mesma me- dda, © método estrutural ndo pode consistir numa retomada his- tGrica do sentido, ¢ podemos nele encontrar, em ditima instancia, Revits de Cifacse Humanas, Podanépetis: BDUFSC, n.33 p-189-188, abril do 2003 172 — Eseuueiamo = ica digg, pbs um principio metafisico que institu’ uma refacio ndo-histérica entre ob- servador e sistema, ao mesmo tempo que garante a poténcia explicativa do estruturalismo © seus anelos de cientificidade ~ jé que a relagio de compreensio ¢ entendida como algo objetivo e, por conseguinte, inde~ pendente do observador ‘A pergunta/eritica de Ricoeur poderia, numa primeira aproxima- ‘Mo, sor formulada nos Seguintes termos: o estruturalismo consegue dar Conta da dimensao hist6rica do sentido? Poder-se-ia argumentar, aqui, que Lévi-Stranss considera, sim, a historicidade dos fatos, apesar de priorizar a dimensdo sinexGnica, Iss0 fica claro quando ele diz, por exem- plo, que o parentesco no & um fendmeno estatico e que existe simulte- neamente na diacronia e na sincronia, ou que No existe contradigao entre a dialética estrutural € © determinismo histérico, ow ainda que 0 método histSrico no é incompatfvel com una atitude estrutural”. Cer- tamente, essas passagens milo sto desconhecidas para Ricoeur, ¢ nfo & por este caminho que se desenvolve sua reflexio, Interessa-the apontar ue, se @ historia tem lugar no estruturalismo, 6 somente na medida em que é entendida como diseronia. Podemos, entio, fomecer uma outa formulagao da critica de Ricoeur: as relagbes entre sincronia e diacro- aia, com 0 governo da primeira sobre a segunda, so capazes de dar contada historicidade propria aos simbolos? Este filosofo, por estar ins- crito em um universo de sentido distinto, suspeita haver um tipo de histo- ricidade néo esgotaso pelo conceito de diacronial® —0 qual s6 faz senti- do dentro da episteme estruturalista—, especialmente naquilo que nao se subordina as relagdes sinerinicas. Em suas palavras: [un] 0 ponto critica seré alcangado quando estivermos em face de uma verdadeira tradi- $0, isto 6, de uma série de retomadas inter- retantes, que jd ndo podem ser consideradas como a intervencao da desordem num estado do sistema(Ibid., p. 160) Sobre ess us penton. cone 276, € 1953, 7.399. 'Chiamos uma pasagem Ge Rcoburexremamenteesclrecedorn qumto As diferente entre Instoneiade e clerona: ne andie esta, "1 eampreender nfo const en etm Inmengoes de setia, am reanmles fos anal por um ato Nsteico de iterprelaeto ‘que se Inver ele pri, vm Wado contrast intelgoicee se pene ao cso Ge warsformajdes be usegua as conespoadtncas eas homologs ene rans lgalos 1 ove levees du realidad cil (oh ide P 109) -rerpesvaments, LEviSts 1945, p 65, 1956, p. 275 Revisa de Ciencias Humans, Flosanopolis: EDUPSC, 038, 9.159488, abil de 2003, Léa Stirs Sees ~ 173 Outro objetivo de Ricoeur nesse texto é procurar saber, tendo em vista as diferengas entre histéria, de um lado, eo par sincronia/diacronia do outro, como uma compreensdo de tipo estrutural pode interagir com outra de tipo hermenéutico, 0 que o estudo das estruturas tem a contri- buir para uma compreensio interpretante, ¢ vice-versa. Nosso problema verd saber como uma inteligen- cia objetiva que decodifica pode revecar wma in- teligencia hermenduiica que decifra, ito é, que retoma para sia sentido, ao mesmo tempo que se ‘amplia do sentido que decifra. (Ibid. p. 165), ‘Como ja anunciamos, foi com As estruturas elementares do paren- tesco que Lévi-Strauss iniciou a ransposigao do mécodo fonol6gico para a Antropologia. Nesta obra encontramos, segundo Ricoeur (op. cit). reite- ragio das trés principais inovagdes da fonologia: os sistemes de patentes- co se situam em nivel inconsciente, seus elementos 56 so significantes na medida em que se diferenciam entre si constituindo pares de oposicao. € ‘Go entendidos em teemos de sincronicidace. Mas nio € o simples apare- ‘cimento dessas trés caracteristicas da organizagio o que autoriza 0 uso do modelo lingstico na Antropologia. Ou melhor, se elas aparecem, é porque existe uma razfio que thes € anterior. O que garante essa passagem é, sobretudo, 0 fato de o parentesco ser considerado um verdadciro sistema de comunicagéo, tal como qualquer lingua, Segundo Lévi-Strauss, a culty ra consiste em regras que governam todas as formas de comunicagio, ou seja, regras que produzem os tés principais niveis de comunicago (ou de trocas): mulheres, bens ¢ mensagens. Be diz Em toda sociedade, a comunicacio se opera ao ‘menos em trds nfveis: comunicagdo de mutheres, comunicacto de bens ¢ servicas, comunicagde cde mensagens. Por conseguinte, 2 estude do sis: tema de parentesco, o do sistema econdmico e 0 ddo sistema lingilstico oferecem certas analogi- cas. Todos os trés dependem do mesmo método; diferom somente pelo nivel estratégico em que cada um escothe se situar no sefo de wn universo comum. (1953, p. 336) Revista de Ciéncias Humana, Florianépolis: EDUPSC, 0.33, ¢159-489, abil de 2003 174 — Beaute ‘Tal setia, portanto, a fundamentagio do principio de generalizagto: ‘0 Fendmenos da vida social sao do mesmo tipo dos fendmenos lingiiisti- cos; também o parentesco & um sistema arbitrério de representagies. Fundamental para este principio de generalizacao do método estrutaral & aidéia de cédigo. £ ela que garante a correspondéncia formal entre as esinuturas e a compreensio da fung20 simboica, Ricoeur (op. cit.) passa, entio, a analisar a validade do prinefpio de generalizagdo e de analogia, Em sua avaliagao as generalizagoes de Lévi-Strauss sao inicialmente prudentes ¢ cautelosas, ¢ a homolo- sia entre as trocas de palavras e trocas de molheres 6 considerada “legitima” e “esclarecedora”. Entretanto, essa passagem nao seria to tranqiiila se 0 objeto nao fosse mais o sistema de parentesco, mas aarte ea religido, pois, para Ricoeur, Os discursos artistico religioso no constituem simplesmente “uma espécie de linguagem”, mas sio discursos significantes e particulares, cuja construgao tem como base tum instrumento de comunicagao, ou seja, a lingua, Portanto, se 0 modelo lingtistico conduz.a investigagao, procurando estabelecet uma Isgica de oposicbes ¢ de diferengas, nao estaria, a principio, garant daa validade desse modelo pare aqueles discurses particulates. Nou- tras palavras, ndo setia assim to certo que a arquitetura da cultura seja formealmente parecida com a da linguagem, ¢ o papel universal da linguagem na cultura nao seria o bastante para justificar essa rela- go de semelhanga. “As coisas ditas ndo tém forgosamente uma arquitetura similar & da linguagem, enquanto instrumento uni- versal do dizer." (RICOBUR, 9. cit., p. 166). Por isso € que Lévi- Strauss teria recorrido ao-“espirito humano” como um terceir termo que pudesse complctat essa justificativa. Mas, se esta foi uma tenta- tiva de solucionar o problema, € af que Ricoeur encontra elementos ppara levar adiante sua critica e torné-la ainda mais central, pois, para ele, nada sustenta que esse espirito seja regido pelos mesmos princi- pios que a Linguistica. Assim, aandlise estratural deveria limitar-se a procurar esclarecer relagSes entre a estratura Lingtifstica e a estru- tura social somente quando se tratasse de expresses homogéncas a essas duas estruturas ¢ que jé tivessem sido formalizadas. Esta seria a condigio de existéncia de uma Antropologia estrutural consciente de seus préprios limites e que se definisse como uma teoria geral des relagbes diferenciais, Revista de Cignciay Humaoas, FloianSpoli: EDUFSC, 0.33, 7159-188, abril de 2003, aa iver Soes — 178 Segundo Ricoeur (op. cit.), em Antropologia estrutural, 0 proprio Lévi-Strauss estava preocupado em considerar esses limites, prudéncia que se perde com a ousadia das gencralizagbes de O pensamento selva- gem. Aqui, a passagem do modelo lingtistico & arte, & religio © alé & natureza mesma das coisas & totalmente realizada a partir do principio de queespirito e natureza possuem estruturas homélogas¢, portanto, 0 func ‘onamento do primeiro seria capaz de permitir compreender o funciona mento da segunda, Se O pensamento selvagem faz. definitivamente uma ‘escolha radical pela sintaxe em detrimento da semantica, para Ricoeur: Falua inglizmente uma reflexto sobre suas condi- 60s de validade, sobre o prego a pagar por este fipo de compreenso, numa palavra uma reflexd0 sobre os limites, que contudo aparecia sempre nas obras anteriores (Ibid. p. 169). ‘Ora, Ricoeur percee que esta escotha definitiva a favor da sinta- ‘xe se fundamenta sobre exemplos injustificadamente restritos exatamente 2 fren geogrifica que melhor se presta 3 aplicagio do métado estrutu- ral. Ao fazer convergir tados 0s seus esforgos explicativos na diregao do totemismo, 0 estruturalismo realiza uma generalizagio indevida a todo tum nivel de pensamento considerado globalmente - 0 pensamento sel- vvagem ~, pois € af que podem ser encontrados, da maneira mais ma festa (apesar de excepcional), toda a importincia dos arranjos ¢ toda a intelevancia dos conteidos. Ricoeur se pergunta, eto, 0 que acontece- ria se fossem considerados, ao invés do tovemismo, 0s pensamentos Se- itico, proto-helénico e indo-europeu —justamente aqueles que exercem infludneia sobte o fundo mftico da cultura ocidemtal moderna. Ser& que eles se submeteriam assim tio tranguilamente ao esquema esteutural? A resposta de Ricoeur & que o método estrutural se presta, sim, & andlise de tais pensamentos mas isso nio pode se passar sem que sobre um resto de extrema importancia. Ele supSe que [J Talvez haja wm outro polo do pensamento mitico onde a arganizagéo sintética & mais fraca [uu] onde, ao contrério, a riqueza semémica permite retomadas histBricas indefinidas nos con: textos sociais mais varidveis. (Ibid, p. 170). Revista de Ciacas Humana, Floiandpolis: EDURSC. 9.33, 9.159-188, abit de 2008 176 — Esrterairno ~ Matic, definig2es, problemas Para Ricoeur esses outros tipos de pensamento mitico 6 so pas- siveis de compreensiio a partir de uma inteligéncia hermenéutica que ‘consider em primeiro plano anatureza de seus contetidos. Nela os acon- {ecimentos no so mais entendidos como simples interferéncias na es- trutura, mas como 0 proprio fator explicativo, na medida em que so ccontinuamente retomados € reinterpretados numa tradigio de sentido «que precede a idéia de sistema, O acontecimento nao ¢ mais o que ame- ‘aga a hartobia da estrutura, mas o aspecto a merecer maior atengo ma alividade explicativa, De fato, aqui se revela a primazia da histéria no préprio método de pesquisa, pois este consistiria em restituir 0 trabalho intelectual de cada povo procurando. seu sentido fundador. Trata-se de uma dupla historicidade: método histérico que se aplica a fatos histéri- cos", Assim, tomando como exemplo a tradicdo hebraica, Ricoeur mos- tea que © método estrutural ndo esgota.o sentido de certos mitos. Nestes casos, seria necessdrio considerar o excesso de significados ¢ uma re- gulago semantica, e nao o excesso de significantes ¢ uma regulagio estrutural, como queria Lévi-Strauss, ‘Um outro tipo de limite do estruturalismo analisado por Ricoeur (op. cit.) refere-se aos momentos em que esse paradigma tenta pas- sar de ciéneia a filosofia, Com isso, 0 estruturalismo s6 consegue atingir esbogos de filosofias. De acordo com a analise deste fil6sofo, Lévi-Strauss atinge desclobramentos Filoséfieos diversos, desneces- sérios e, por vezes, contraditérios em O pensamento selvagem. Po- demos afirmar que esses desdobramentos oscilam entre: 1) uma ab- solutizagtio do modelo linglistico que termina por designar um in- consciente categorial kantiano sem sujeito; 2) a afirmagto de que a cstrutura desempenha umm papel mediador entre praxis e praticas — ponto de vista oposto a0 primeiro, pois nio absolutiza a estrutura, existe algo anterior a ela: a praxis; 3) a tentativa de dissolugao do homem ¢ de reintegraco da cultura & natureza a partir da afirmagéo de que o espirito € uma coisa e, portanto, de funcionamento homdlo- g0 20 da natureza ~ ponto de vista oposto ao segundo, visto que re- torna a uma posture formalista absolut. 7B eeabalhe Wisdrice wobrs eves acontecimentos 6, com efeita, ele mesmo ume stdin ordenada, uma teaigdo inerretante, A reinerpretagio por cada gerago do {undo de tadigBos confere a eet compreens2o da histOra umn earier Diet6ric. € ‘uucta am deeenvolvimento que tem unm vnidade signfieane impossive de projets am sistema (bid. p. 172) Revista de Cléncist Humanas, Flviandpolis: EDUFSC. 0.33. p.159-t88, abril de 2008 Lie Sitveira Sales ~ 177 Ao invés dessas trés posigdes, seria mais interessante, segundo Ri- coeur, ¢ mais de acordo com o modelo lingiistico, se a estrutura Fosse entendida como um inconsciente instrumental “/..J por meio do qual um sujeito falante se prope de (sic.) compreender 0 ser, os seres e ele ‘mesmo. (Ibid. p. 184) ‘Apesar de todas essas criticas, Ricoeur pensa que o estruturalismo pode funcionar como umia fase importante na compreensio dos fatos culturais. Se o estruturalismo s6 pode existir na suposigao da existéncia 4e una fungao simbstica, Ricoeur pode afirmar que ele é justamente a fase abstrata (preocupadla com a sintaxe) da compreenstio dessa fun- ‘edo, Restaria pensar a sua fase concrete, que estaria do lado da com- preensdo semintica, ¢€ isso que the permite resgatar a importincia da hhermenéutica. Ao fil6sofo caberia a tarefa de restituir uma compreen- sto plena que abrangesse tanto uma andlise formal quanto uma anélise semantica, */..J 0 fundo semantico assim mediatizado pela forma estrutural tornar-se-ia acessivel a uma compreensdo mais indireta, porém mais segura.” (RICOBUR, op. cit, p. 165). Nos casos em que ‘ahistoricidade prevalece sobre a dimensio sincrBnica, o método estrutu- ral fornece apenas umm esqueleto abstrato a ser retomado pela inteligén- cia hermeneutica, Se a hermenéutica nzo opera sem um minito de com- preensio das estrutures, no sentido inverso, também o estruturalismo ro pode funcionar sem uma consideragio da interpretagao semintica: Um exame euidadoso de La pensée sauvage suge- re que sempre se pode procurar, na base das ho- mologias de estrutura, analogias semanticas que tornam comparéveis os diferentes niveis de reli dade {..} fa} afinidade dos conteidas & de algu- ‘ma maneira residual; residual, mas nao mula, Por isso € que a inteligéncia estrutural munca se faz sem wn grou de inteligéncia hermentutica, mes mo se esta nd & tematizada, (Ibid. p. 186) Paradoxos do estruturalismo A teoria da informagdo Dissemos que a Antropologia Fstrutural nasce por uma analogia ‘entre patentesco € comunicacdo. Mas qual € 0 aspecto que estabelece essa suposta afinidade entre método estrutural e sistemas de signos? Revista de Citnciae Homssas, Foranépoti: EDUFSC, 032, 9.159-188, abril de 2003 8 Setnigtes,probleras Existe alguma premissa que destine necessariamente um aos ovtros? ‘Vincent Descombes, em Le méme et Pautre (1979), diz que, Se, por urn Jado, no existe nada a prioti que garanta a aplicagao privilegiada da analise estrutural aos signos nem que obrigue a cigncia dos signos a ser exclusivamente estruturalista, por outro, podemos encontrar na nogo de comunicagio a ponte capaz de unit intimamente signos € estruturas. Mais especificamente, é idéia de c6digo que permitiré melhor compre- ‘ender 0 que a comunicagto diz da estraturs A teoria da informagao, na qual também ver beber o estruturalis- mo, foi desenvolvida por dois engenheiros da telecomunicagao: Shannon © Weaver no final da década de 40, Seu objetivo era otimizar 0 rendi- mento da transmisséo de informagao através da formalizagao de um sistema exclusivamente sintico que-tinha como ponto central justamente aidéia de c6digo. Bste nfo significa estabelecimento de correspondén- cias entre significantes e significados, mas compreende unicamente a sintaxe interna de uma seqUéncia de sinais. Para que se consiga atingit um nivel 6timo de comunicagi, é preciso extirpar o problema do ruico na transmissio das mensagens descobrindo as condigSes sob as quais ‘podemos encontrar emissi0 e recepgao cristalinas, com o minimo grat. possfvel de interferéncias indesejades (idealmente, esse grau seria igual 1 zero). Noutras palavras, a commicacio acontece quando uma mensa- gem € recebida exatamente da mesma forma que foi emitida; quanto ‘ais houver distorgBese alteragSes no conjunto de sinais emitidos, mais ineficaz sera o processo de comunicagio. © problema da transtissio é analisedo a partir de dois pontos: & entrada € a safda do canal de comunicagéo”. Na entrada 0 problema consiste em encontrar uma forma de transformar as informayies da fonte na emissao de determinados sinais que consistem na mensagers, ou soja, trats-se de cotificar; na safda encontramos a situago diame- tralmente inverse: & preciso passar da recepgao daquele conjunto de sinais & sua interpretagio, trata-se de decodificar. O cédigo se situa, ‘ent&o, exatamente entre a fonte de informagées do emissor é a interpre taco do receptor, es6 funciena porque possui, por definis%o, tes prop edades: precede a mensagem, € independente dela e é também indepen- dente do emissor. Vejasnos cada uma delas mais detathadamente. 1 Sohae cave paket of Wolk 158T A pa dere pono, volta & segue Descomibes, 1979. Revista de Cidncias Humans, Florandpolis: EDUFSC, 033, 9.159188, abril 6e 2008, Lee sive Soler — 119 © cédigo nao pode ser construfdo por quem dele faz, uso du- ante 0 processo de comunicagao, porque tal processo se define pela transmissdo de informagdes codificadas segundo regras pre- estabelecidas. Sdo essas regras que conduzem a comunicago ©, por esta razio, devem possuir existéncia anterior a ela, Assim, 0 cédigo precede necessariamente seu uso, definindo, de anteméo, 0 conjunto das situagSes nas quais esse uso poderé ocorrer. Nao hé lugar para © novo no cédigo, é impossivel nele encontrar mensa- gens surpreendentes, inesperadas, inéditas ou poéticas: tudo 0 que, 4 partir dele, é posstvel dizer ou transmitir jé foi. por uma questio de logica, previsto por suas regras. Ser receptor implica conhecer 0 c6digo, e conhecer 0 cédigo implica saber quais s4o todas as men- sagens latentes, tudo o que pode vir a ser dito, antes que a emissio, tenha inicio, Resulta finito 0 niimero de mensagens suscetiveis de encontrar abrigo em cada cédigo. O emissor, 20 fazer uso do cédi- go deve aceitar essas restrigdes, ¢ isso quer dizer que se torna ver dada toda idéia de expressdo. Fica claro que a mensagem nao pode carregar consigo a experiencia pura do sujeito gue emite 08 sinais informativos, jé que est4 prescrito, antes de qualquer comunicagao, aquilo que é passfvel de sinalizagio, Nessa andlise do processo de comunicagao 0 foce ndo se direciona para a situagao do emissor na fonte da informacao; é 0 lugar do receptor que € sublinhado. Im- porta sobretudo que o destinatério receba exatamente aquetes si nnais que foram transinitidos pelo emissor. Este, por conseguinte, se

You might also like