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Que fim levou a critica literdria®* Copyright ©2000 by Ley Ferone-Noise cepa Joo Baptta dn Cote A _s9br Bibl (1948), lease tae Masia cena Vice a Sia. "als Musée National dre Mederne, Centre Georges Porpidot. Copyigit©2000xoncesear Pepargt ctnie onmtstico Carlos Alberio Inada ' Revo 1 Carmens.dacose ‘Weateia de Freitag Moreira | dria hje,soa como antiquado. Criticando mais uma palavra muito usada pelos te6ricos da literatura. A.crt- a foi uma atividade muito exercitada e muito respeitada nos meray one | > tempos modernos, voce ainda deve estar embrado. Hoje,em tem | pos ditos pés-modernos, ela anda um pouco anémica, reduzida 20 ico, necessério mas nao suficiente. rapido resenhismo jornal O programa do 5* Congresso da Associacao Brasileira de Literatura Comparada (Rio de Janeiro, agosto de 1996) tem a pala~ teoria, critica e historiografia literaria”. A critica, assim como a teo~ |. tia ea historiografia, af aparece nao mais como uma prética auto- definida por seu proprio nome, mas caracterizada como “pratica e instancia can6nice”, Considerando-sea desconfianga que hojeins- {aoe} Thos do des edcoreervados : ; ara seen aciite reevnde pira tudo 0 queé candnico, podemos aquilatar todos os problemas RusBandete Pulao ; en 3 + Comunicago apresentada no 5* Congresto da Astodasto Brasileira de Lite- ratura Compsrada,RiodeJanero, urn, agostode 1996, Publicado em Maisl Folha de Paulo,2518/1996. 335 atuais dessa prética etodasasdtvidas que} timidade, oportunidade ou mesmo possi A pauta do préximo Congreso da Associagao Internacional de Literatura Comparada (Leiden, Holanda, agosto de 1997) Tepresenta um excelente termémetro para tomar a temperatura dos debates atuais. Se examinarmos 0 programa desse congresso ‘Yeremos que as sete principais secbes nao contém a palavra critica ‘nem em seus titulos, nem em suas descrigdes. O tema geral do con- tural”. Na parte relativa aos objetivos do congresso, lemos que este pretende enfocar“o papel ‘que representa a literatura como depositéria da cultur 40, que“parecia antes tio evidente’,suscita agoraas tesper- guntas:“Quais sdo exatamente os fendmenos culturais preservados na eatravés da literatura? A literatura as vezes, freqiientementeou sempre um meio de promover a tradicéo, a continuidade, ou ‘mesmo a permanénciat Isso é uma boa coisa? Ou seria, pelo con- {rério, uma razao para porem causa literatura (e/ou aestética em ger sress0 €“Literatura como meméria Considerada apenas como“mem satura fica atrela- aapalavras como depositiria, preservagao, tradigao, continuidade, Permanéncia, nto sendo pois de estranhar que a pergunta seguinte seja: “Isso € uma boa coisa?” ca hip6tese levantada seja de “por em causa” essacoisa. Ora, 0 rari moderna lidou, nos iltimos dois séculos, mesmo considera- das todas as suas variantes, nao tinha esse componente de conser- vadorismo, de imobilismo e de mero servico prestado a meméria cultural que af se enfatiza, 2 O.que se vé claramente nessas formulagdes é a minimizagao da literatura, a enfocada como apenas uma das formas da cultura (forma de cuja eficacia se duvida), a redugao de sua funcao a de meméria coletiva, ea diluicao deseu estudono contexto mais vasto 336 dos “estudos culturais” A critica literdria, que lidava com uma lite- ratura concebida ela mesma como critica, transformadora, inova- dora, revolucionéria, ut6pica, corre assim o risco de perder, junta- ‘mente com seu objeto, sua razao de ser e sua conveniéncia, Seré a exitica uma boa coisa? ‘Nao se trata, aqui, de negar a utilidade e a oportunidade dos “estudos culturais” Trata-sede defender o espaco dosestudosespe- endo apenas la, ameaga substituiras disciplinas especializadas por uum ecletismo destitufdo de qualquer rigor na formacéo dos pes- quisadores e na formulagao de conceitos e jutzos. Quanto & litera: tura, se esta se dilui na “cultura’, passa a ser vista apenas como expressio, reflexo, sintoma, e perde sua fungio de critica do real e lireta (estética) de alternativas para o mesmo, tuigdo evidente dos debates sobrea “critica literate” 6 do estado agonizante dessa atividade. Um coléquio iterdria atuais, realizado na Itélia em 1990 ed., Teoria e critica leiteratia oggi, Miléo, |, pretendia fazer um balango das diltinaas trés significa sobrea teoria ea Franco Angeli décadas. O balango se parece mais com a inspegdo de um campo devastado, em que se recolhem alguns restos talvez ainda aprovei- taveis. A contracapa diz que“a criticaliterdriaesté em busca de uma nova identidade”. Mas nada indica que essa “nova identidade” se esteja configurando, Pelo contrério, o queat se verifica ese discute éapulverizasdo dos estudos literarios. O titulo do coléquio jé con- téma expressiio “conflito das pott i ‘es, encontramos referencias “balcanizagao do objeto literdrio” (Wladimir Krysinski, p. 141), a0 “humanismo desiludido”,a perda da compreensio da obra particular e do jutzo de valor, a“desagre- ‘ago da critica” (Sandro Briosi, pp. 200, 206 e 214), multiplica- 40 e a0 relativismo (Pasquale Voza, p. 345). 7 ‘Um ntimero especial da revista espanhola Jnsula (n® 587-8, Madri, 1995) colocava em seu titulo a pergunta: Hacia una nueva értticat. As tentativas de resposta revelavam as mesmas chividas expressas no col6. ino. No artigo de apresentagéo, Miguel Casado afirma:“A crise da critica éapenas umazonadentro deuma feridamaisextensa egeral:aquese pergunta sobre averdade da lin- ‘guage literdria, sobre a dimensao cognitiva de toda linguagem, seus limites e contradigdes” (p. 3). Em outro artigo, César Nicolds fala da decadéncia geral da critica: definha, carente de grandes individu: déncia da critica universitétia, “cadeia de producdo em série, safda damaquinariaacadémica que, na falta de proteinas, engorda o cur- ticulo com lipfdios e gorduras” (pp. 8-9). Na verdade a critica, como foi observado por varios teéricos de nosso século, sempre esteve em cri ‘comesouhé cerca de umséculo cesta adaa “exquisecrise”dallite- ratura detectada e agugada por Mallarmé, crise que se inscreve ‘num contexto filos6fico maior: crise do sujeito, ctise da represen- tasiio, crise da razdo, crise da metafisica, crise dos valores, crise do humanismo, enfim, crise de tudo aquilo em que se esteavam a ins- tituicao literdria ¢ o exeref da critica. Os efeitos dessa crise geral na critica literéria foram objeto de uma intensa reflexo no anos 50 e 60, quando, em varios paises, se fez 0 balango da critica moderna. Nessas décadas foram numero- 808 0s debates e polémicas sobre a critica. A grande Histéria da cri- sica moderna A history of moderncriticism),de René Wellek, publi- cada em 1955, aparece-nos agora como a celebragao e 0 réquiem dessa pritica em vias de desaparecimento. Nosanos50 discutiu-seo new criticisme,nos60,a nouvelle cri- ‘tique. Mas esses debates concerniam aos métodos criticos, e nio punham em diivida a validade da critica em geral. Delineava-se 338 entdo uma separagao nftida entre uma exit cializadae uma critica diletante, artista ou impress que defendiam a necessidade de uma teoria litersria ¢ 08 que a isso se opunham. No interior da critica universitatia, desencadearam- se polémicas relativas aos métodos:o historicismo e o filologismo, deumlado, eas cién A verdadeira crise da critica nao a ameagava do interior dele. mesma, onde se davam essas quetelas. A verdadeira crise que a6 esboava era a da propria literatura. Em 1948, em seu famoso en- saio"O queéaliteratura?” (“Qurest-ce que lalittérature 3 al, a arte de escrever nao esté protegida pelos decretos imutaveis da Providencia” (p.316). A crise da literatura é também uma crise do livro. A palavra 10 tornou-se algo arcaico perante os novos meios impressa em de cones Entretanto, nao € o livro que esté ameagado. Mais. do que as mutagdes tecnoldgicas elas mesmas, que nao excluem a arte de escrever e editar livros, podendo até renové-la, foram as mudangas de visio do mundo, de motivagdes e de comportamen- to trazidas por essas novas técnicas que tornaram obsoleta a prtl- ca da literatura. O proprio modo de ser da pés-modernidade & avesso & concentragzo, ao isolamento e a paciéncia exigidos pale leitura. No discurso de inauguragéo da Feira de Frankfu em 1992, Octavio Paz se referia a esse “mal-estar de literatura” @ 8 “desafeigdo pela leitura” (“Eloge de la négation’, Pais, Le Mond, 1/10/1992). Se adotarmos alegremente 0 modo de ser p6s-moderno, podemos continuar a escrever ea ler livros, mas abragaremos concep¢do da literatura diversa daquela queimperou desde o loxve abandonaremos, em conseqiténci desde entdo a acompanhava. A critica, como seu proprio nome indica, supde julgamento (krinein). Claro esta, desde Kant, que se trata aide juizo reflexivo enaodejutzo determinante, Ojulgamen- to estético supée valores consensuais, mesmo que estes sejam pro- visorios, O mesmo Kant dizia que, se nao se pode provar o bom fundemento dos julgamentos estéticos, hé no entanto pessoas capazes de fornecer argumentos, e comprovar assim certa autori- » dadenesse terreno. Oscriticos si aqueles que fornecem argumen- {osem apoio a seus julgamentos. Ora, inexistindo na pés-moder- nidade critérios de julgamentoe hierarquia de valores consensuais, aatividade critica torna-se extremamente problemitica, A descon- fansana estética como clisciplina idealista eelitista, a proliferacao decritérios particulareseo questionamento do “grande relato” que constituia historia literdria ocidental solapam as bases de qualquer titica A principal discussio tedrica da atualidade se trava em torn do cénone, como podem comprovar a produgae teérica da tiltima década ¢ os temas dos congressos autoridade institucional ea razto foram seriamente abaladas pelo romantismo, 0 gosto, como consenso de unia elite, continuou sendo implicitamente um critério respeitado até meados do sécu- Jo xx, quando a comunidade dos literatos se referia, sem grandes dissens6es, a0 mesmo cinone da “alta literatura”, Até entio todos, velhos ou novos criticos, universitérios ou nao, tinham a literatura seus representantes candnicos na mais alta estima, A desconstrugao do Centro e dos principios em que se basea- vam 0 estabelecimento ea defesa do cinone abriu caminho para as Propostas de revisio baseadasem critériosextraliterdrios: reivindi- cases de grupos (as chamadas minorias) ou de nagoes (as antigas colbnias). E curioso que essas reivindicagées no tenham vindo no sentido da aboligao de qualquer canone,o que seria mais condizen- lerdrios dese periodo. Se a 40. tecoma recusa de um Centro, mas no sentido da exclustio de auto- res e obras anteriores, e da incluso forgada de outros autores obras nesse mesmo canone. Canone, como o préprionomeindica, ¢algo desagrado econ sagrado. A origem do cinone, como se sabe, é religiosa. A histéria do cinone ocidental comea no Renascimento como alistagem dos Pais da Literatura, anéloga a dos Padres da Igreja. Esse listagem se mantém mais ou menos amesma do século xvi ao xvi, obo nome de tradigio, Desde o século xvi, 0 cinone sofieu profundas revi- Ges, baseadas no conceito de “genio” e na valorizagao do novo, Desde entao, o ctnone ficou aberto, mas nem por isso ficou escen- carado. Reconhecendo, com Kant, que o tinico eritério candnico era ‘um longo assentimento”, a durabilidade da estima (ou, como dj Borges, “uma longa imortalidade”), 0 cinone mantinha-se aberto anovas inclusdes, mas estas necessitavam de apoio argumentativo e de tempo para legitimar-se. Ora, 0 que agora se reivindica na guerra do cAnone é a consagrago imediata, o que, uma vez mals, torna absolutamente supérfluo o conceito de canone. A canonizagao imediata dos antigos exclutdos e a8 exclusbes correlatas sto exigidas em nome do “politicamente corteto”, pou ‘05 sao os que tém a coragem de mostrar o quanto isso interessa b criagio e ao fortalecimento de novas dreas de poder dentto des tnt- tituigoes de ensino, em particular as universitérias, Areos dle poder que, como tais, pdem-se logo brigarentresi,tornando ochnone— que, por definicao, é uno e consensual — cada vez mais duvidos (Ora,ndo pode existir critica literdria send houver tim conjure to de valores estéticos reconhecidos ¢, por conseguinte, ui chnone de referencia, Nao pode mais existir critica se nfo houver um con- ceito forte de literatura, tal como houve durante os dois tltimos séculos ¢ como ainda havia na alta modernidade literétia, Para aa modernos,aliteraturanéoera mera depositdriadatradigfo, conser- vadora de formas e idéias peremptas, ou divertimento inécuo des- tinado a concorrer com os CD-ROM € 0s video games. Era forma de conhecimento,exercicioda liberdade, critica do real, mito verdadei- 10, utopia, pr ampliagao da leitura, extensao do saber e da agao da obra, ‘Talvez agora seja o momento de rever o trabalho de descons- trugdo efetuado nas fica renegar nem voltar atras, mas avaliar 0 hovo momento e as novas estraté- sgias poreleexigidas. Propostas como a da me centramento, da escritura e da critica-es« as décadas, Rever nao si edo sujeito, do des- 1ra (queeumesma teo- rizei edefendi nosanos 70) tiveram efeitos positivos. Flas puseram ‘em xeque as autoridades opressoras, abriram caminho para novos sgéneros, para as literaturas emergentes a cultura de massa. Mas sas propostas também tiveram efeitos perversos: foram assi das como criatividade espontanea, como dispensa de qualquer competéncia ou formacio, como irresponsabilidade autoral, como desprezo pela tradigaoe pela alta cultura, Além disso, a gene- ralizagao andnima dotexto,aabolicao de géneros e hierarquias ser- vemn aos interesses da informética, da globalizacao eco1 indiistria cultural, quenecessitam de produtos transnacionaiscom rétulos novos, uma espécie de“moda mi icaeda na cultura enas artes, ja. 0 momento de reler a tado: “[A arte de escrever] é © que os homens fazem dela, eles a escolhem escalhendo-se a si concluséo de Sartre, no ensaio acima mesmos. Se ela estivesse fadada a se tornar pura propaganda ou puro divertimento, a sociedade recairia no lodo da vida sem ‘meméria dos himendpterose dos gastr6podes. claro queisso nao émuito importante: o mundo pode passar muito bem sep Mas pode passar ainda melhor sem o homem’, aaa Note-se que alguns dos préprios criadores, voluntérios ou involuntérios, dos conceitos pés-modernos acima refericos aten- taram para os riscos dos usos desses conceitos ¢ esbogaram ou esbocam um movimento de retragao ou resistencia, Néo foi por acaso que Barthes, j4 em 1977, na aula inaugural do College de France (Aula,Sdo Paulo, Cultrix, 1980),retomoua palayra iteratu- raparaccelebré-la como mathesis(lugar desaberes) emimasis lugar de" fulgor do real”). Ao insistir na “responsabilidade da forma’ ele estava assim prosseguindo seu longo e tenso dilogo com Sartre, visio-adverténcia de Sartre, relativaa possi mento daliteratura, Barthes respondia, na Aula, queera preciao tel- mar, afirmar o Irredutivel da literatura, “agit como se ela fosse Lyotard é muito citado entre n6s a partis de A condlpo pds moderna Lacondition postmoderne, Minit, 1979),Ore,em O pds- moderno explicado as criancas (Le postmoderne expliqué aur en- fants, Galilée, 1986), ele retifica muitas das afirmagbes da obra anteriorsexplica que ali estava expondo um estado de coisas que de modo algum o alegrava (“Eu no proponho um partido | tual, ew escrevo seu Tombeau”,p. 114);quehouve um deafalecimen- to do projeto moderno ao qual & preciso resistir (p, 64); que o tra~ balho das vanguardas modernas foi importantissimo, que esse trabalho “salva honrado pensamento, se nao da humanidade”(p, “ecletismo cinico” (p. 18),“o qualquer coisa” (le n’importe quoi), o“relaxamento” (p.23), ‘omulticulturalismo como “mercadoria turistica ecultural” (p.63). Sua proposta é que 0 pés-moderno deveria prosseguir o trabalho de perlaboragao iniciado pelas vanguardas modemnas: “Se abando- narmostal responsabilidade, é certo que nos condenaremosarepe- neurose moderna’ (p. 125). tirsem nenhum deslocams 3 Amesma énfase na responsabilidade, isto 6,na ética,se encon- tra nos dltimos trabalhos de Derrida, 0 qual, tendo visto todos os efeitos indesejiveis de sua teoria da desconstrugto, trata agora dos “indesconstrutiveis” (a justiga, os direitos humanos) e dedica-se a ‘esgatar 0 que nao deve ser desconstrufdo em Marx, Freud, Lacan, Quanto aliteratura, suas referéncias sempre foram as do cénone da modernidade: Lautréamont, Mallarmé, Joyce, Artaud. Esse estado de coisas pés-moderno, que atingiu Tatura, nos eva agora a pensar em nossa responsabilidade como intelectuais, criticos e professores. Talvez seja 0 momento de nos deslocar, com relasao & déxa triunfante, a déxa pés-moderna. Deslocar-se, dizia Barthes, pode ser “abjuraroquese escreveu (mas 0, forgosamente, o que se pensou) quando 0 poder gregério o e ser . 27), Deslocar-se nao é voltar atras, para manter imutaveis 0s valores e métodos do passado, mas rea. YValié-los, elaborar novos conceitos e novos discursos adequados & situagdo presente. Sera que, a0 efetuarmos a liquidagao suméria da estética, do cinone eda critica, nfo jogamos fora, com a agua do banho, uma crianga quese chamava Literatura?

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