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AINFLUENCIA DA CAPACITAGAO DO TERAPEUTAS OCUPACIONAIS NO PROCESSO DE CONSTITUIGAO DA PROFISSAO NO BRASIL ‘Selma Lancman Professora do Curso de Terapia Ocupacional da Universic Comunitaria pela Universidade Federal da Bahia e Doutora em Saude Mental pela UNICAMP. Resumo: © artigo visa discutir 0 processo de crescimento, constituigéo e profissionalizagao da Terapia Ocupacional no Brasil. Aborda as conseqUéncias para a profisséo da formagao dos professores dos cursos de Terapia Ocupacional estar sendo feita em areas afins e a consequéncia disto para o desenvolvimento da profisso e na sua constituigo como tal. Este tipo de formagao modifica 0 perfil e os rumos da profis- sdo na medida em que dificulta aos terapeutas ocupacionais criarem uma cultura e tum repertério comum. Isso pode estar influenciando na constituigdo do campo profissional como tal, enquanto um corpo de conhecimento teérico, pratico e meto- dolégico préprio e reconhecido no mercado de trabalho pela sua especificidade. Palavras-chave: terapia ocupacional, profissées na area da satide, consttuigéo das de de Sao Paulo, mestre em Saiide profissées Existem hoje, no Brasil, 17 cursos de Terapia Ocupacional j6 reconhecidos, distribuidos a0 longo do pais, 6 em inicio de funcionamento © proceso de abertura, Esse nimero contrasta por exemn- plo com os dos Estados Unidos aonde existem mais de 200 cursos a nossa érea. Somos cerca de 6000 profissi- conais em exercicio em todo o territGrio nacional e ingres- sam no mercado 500 novos terapeutas ocupacionais 40 ano. A maioria destes profissionais esta concentrada no Estado de So Paulo, que no ano de 1992 jé possuia 2500 profissionais em exercicio!:Também é nesse Estado {que se concentram 0 maior niimero de cursos (4) que ‘oferecem cerea de 200 vagas ao ano. () FUNDAGAO DO DESENVOLVIMENTO ADMINIS- ‘TRATIVO (FUNDAP), Distribuigio da Forga de Trabalho tno nivel superior na area da saide no Estado de Sto Paulo em 1992: Anilise preliminar dos dados da Pesquisa Assisténcia Médico-Sanitiria / FIBGE, 1992, Sio Paulo, 1997, Cad. Ter. Ocup. UFSCar, 1998, V.7,n.2 49 Possuimos cerca de 200. terapeutas ocupacionais envolvidos com ensino superior. Destes, pelo menos 70 dedicam-se integralmente ao trabalho na universidade, desenvolvendo simultancamente atividades de ensino, extensiio © pesquisa, Esses docentes, plo tipo de pritca que realizam e por terem que reproduzir em seu cotidi- ‘ano profissional 0 ensino da Terapia Ocupacional esto cewvolvides com algum tipo de questionamento e reflex sabre profs e seu corpo teérico. ‘A partir da necessidade de formagdio para o desen- volvimento de pesquisas e também pelas exigéncias das universidades quanto & necessidade de maior titulagdo, vvirios profissionais, na sua maioria doventes, cursam ou ccursaram programas de capacitagdo docente 20 nivel de mestrado ¢ doutorado. Existem, atualmente, cerca de 10 ‘terapeutas ocupacionais doutores ¢ a estimativa é de pelo menos mais 25 nos préximos 5 anos’, além de uma quantidade significativa de mestres. Como repercussto imediata disso, a produslo cientifica na érea comega a se avolumar ¢ alguns destes doutores jé comegam a repro- uzir seu conhecimento orientando pesquisas a nivel de iniiaglo cientifica, mestrado, eto. Devido & inexisténcia de programas de pés gradu- gio strictu-sensu especificos em Terapia Ocupacional no Brasil, « maior parte destes docentes cursou progra~ mas em Areas afins, entre elas: Educagéo, Psicologia, Satide Pablica, Satide Mental, Ciéneias Soviais © Artes. Acreditamos que esta formaglo dos docentes de terapia ocupacional em outras éreas, da ampliagio do universo de relagGes entre campos do conhecimento, acrescido da pouca delimitagio do nosso corpo teérico, (@) EMMEL, M.L.G, & LANCMAN, S. “O processo de Capacitago docente dos terapeutas ocupacionas: impli- agdes na definigio do perfil profesional nos rumos da profisei, Relatrio parcial de pesquisa apresentado 20 NPG, 1957 (nimeo). 50 Cad. Ter. Ocup. UFSCar, 1998, V. ppossa estar modificando mio somente 0s curriculos dos ‘cursos de graduagaio, como também 0 perfil e os rumos da profissdio no pais. Isto ocorre na medida que, 0s tera peutas ocupacionais ndo criam ume cultura, um repert6- rio comum ou, como afirma Bourdieu’, “(..) ferrenos de encontro e acordo, problemas comuns € maneiras co- ‘muns de abordar tais problemas comuns(..)". Ou seia, a formago em outras areas pode estar difieultando a criagSo de uma cultura comum e de uma identidade pro- fissional, que nos leve a uma produgdo dirigida & cons- tituigo de linhas de pesquisa e a desenvolver nossa pré= pria profissto, o que vai se refletir inclusive nos cursos de graduagéo. ( sonho de uma pés-graduago em Terapia Ocu- pacional ainda no se coneretizou, devido & dispersiio dos doutores em virias instituigdes (principalmente na USP, UFSCar, UFMG) e a diversidade de dreas de for- mago desses docentes, 0 que dificulta a criagdo de li nas de investigago que envolvam um nimero razodvel de pesquisadores © que possam evoluir para um pro- grama de mestrado. Se por um lado, 0 surgimento de cursos de pés graduagdo strictu senso no pais poder finalmente con- solidar niicleos de investigago, de outro, corremos 0 riseo de avangarmos sem termos resolvido questies bisi- cas da Terapia Ocupacional que se evidenciam inos cur- sos de graduagdo, Um outro aspecto importante, & que & politica de pés graduagdo no pais hoje privilegia pro- gramas interdisciplinares, ou seja, qualquer proposta que ‘viermos a formular terd que ser aberta a outros profissi- conais (CAPES, 1996). Esta questo tem um significado especial para ©) BOURDIBU, P. Sistemas de Ensino e Sistemas de Pen- ‘samento, in A Eeonomia das Trocas Simbélicas. p.207, Perspectiva, Sto Paulo, 1974 n2 nossa profissio pela pouca definigfo teébrice do nosso ‘objeto e métodos de trabalho, pela falta de paradigmas consolidados entre nis, pela falta de conceituago so- bre 0 significado da profissio principalmente para o grande piblico. Frente a essas questies‘, procuramos refletir a partir da sociologia das profissdes no processo de profis- sionalizagao da Terapia Ocupacional no Brasil. E neces- sério averiguar em primeiro lugar se caminhamos para tum processo crescente de profissionalizagdo, através da cconstituigio de um corpo de conhecimento ¢ de uma prtica prépria e especifica ou, a0 contrério, para uma “desprofissionalizagio” e diluigto do nosso campo de ago em outras éreas. ‘A Terapia Ocupacional hoje, no Brasil, 6 uma rofissio incorporada ao mercado de trabalho nas éreas da sadde, social e educagio. A dinmica de trabalho nessas reas vem sofrendo uma série de mudangas nos ‘itimos anos, a exemplo do que vem ocorrendo em ou- tros palses, com a faléncia de uma politica assistencial que se reflete nas profissées afins © no relacionamento centre elas. Nesse sentido, a quebra do modelo de atengo sade baseado mum modelo privado © auténome, assalariamento dos profissionais da saiide © a reorgani- zagdo da medicina privada através dos convénios de assisténcia & sate, so exemplos destas transformagiss. [Nos servigos piblicos, as virias profissdes dispu- ‘tam uma demanda desprovida de poder aquisitivo, de instrugdo escolar e com probleméticas difieis de serem (Alem de buscar fimdamentasSo térica, em pesquise recente relizada em conjunto com a Profi. Maria Luisa Guillaunon Emmel, do Departamento de Terapia Ocupacio- nal da Universidade Federal de Sto Carlos, fzemos uma investigagio empiric envolvendo todos 0s docentes de Ters- ia Ocupacionl do Brasil onde buscivames verifar 0 efsto da capcitasio docente na prétca de ensino e de assisténc EMMEL, ML.G. &LANCMAN, S. op. cit, 1977 solucionadas segundo os modelos tradicionis de atengéo desenvoividos pelos médicos. So nas propostas de in- tervengio junto a essa populagto ¢, por vezes, justa- mente na fata dessas propostas, que a Terapia Ocupack onal tem encontrado seu campo de ago, conseguindo introduzirprétieas inovadoras, que por sua vez tem sido reconhecidas e valorizadas. A CONSTITUICAO DAS PROFISSOES Varios te6ricos da Sociologia, em especial repre- sentantes da escola funcionaliste, refletiram sobre 0 pa- pel das profissdes, entre eles destacamos Parsons (1968), ky (1970) ¢ Larson (1977). Para esse autores, as profissbes so processos que crientam a organizasio de determinados grupos especifi- cos, além de determinar padrées de sociabilidade. As profissdes direcionam tendéneias estruturais na. socie- dade ¢ definem relagdes © posigSes de mercado de seus profisionais em relagio a clientela que vai consumir seus servigos. Pressupdem, ainda, um corpo organizado de conbecimento, orientado para um ideal de servigo ¢ para um mercado inviolével. Para Parsons, “profissées sto sistemas de solidariedade cyja identidade se baseia na competéncia técnica de seus membros, adguirida nas intituigdes educacionais e cienificas™. Para Barbosa, explicitando as idias de Parsons, 0s profissionais: “sdo portadores de um treinamento téenico formal, com validacdo institucional da adequa- ‘20 deste treinamento e da competéncia do indi- viduo treinado, Sao individuos que possuem um (©) PARSONS, 1. Verbete “Professions” In BARBOSA, ‘MLO. “A Sociologia das Profissdes: em Tomo da Leg dade de um Objeto” BIB. p Rio de Janeiro, n 36, 1993, pp 3530. Cad. Ter. Ocup. UFSCar, 1998, V.7,n.2 st dominio sobre una racionalidade cognitiva; - tomada em sentido mais amplo, quase uma “cultura geral” - aplicével a um campo especi- fico. Alm do dominio de uma certa tradi¢do cultural, eles desenvolvem uma habilidade espe- cial. Outro crtério... seria o controle da profis- sdo sobre 0 uso socialmente responsével dessas qualificagdes."* Um outro aspecto importante, ja citado por GILLETTE, N. & KIELHOFNER (1979) & que qual- quer profisséo que pretenda se impor como tal teré de encontrar uma base téenica para fazé-lo, garantindo que tanto as técnicas como o campo em que pretende atuar estejam de acordo com pares de treinamento e de con- ‘vencimento 20 piblico de que seus servigos sto além de confidveis, exclusivos. Esta vislo, que associa as profissbes a mercado- rias que devem ser negociadas no mercado social, tam- ‘bém reconhece @ Universidade ¢ as instituigées de pes- quisa como os losais que no iltimo séeulo eentralizaram esse tipo de conhecimento, tomando-se 0 centro estrutu- ral das profisies ¢ 0 local a partir de onde elas se irra- diam. Nesse sentido, © monopélio ou a exclusividade do saber sobre determinadas éreas, que primeiramente era atrbuigdo das associagSes profissionais, é agora norma- tizado peas instituigbes de ensino através de instrumen- tos, tais como uma formagio determinada por um eurri- culo um diploma. 0 curriculo homogeneizado que define ¢ circunsereve © contetido tesrico da drea de co- hecimento, que vai ser transmitido aos aspirantes. Ea educagio superior e 0 diploma, © pré-requisito que vai criar uma fatia no mercado de trabalho exclusiva aos ‘membros de uma profissio”. @ BARBOSA, MALO. 0b ct pas (Esta questo foi desenvolvida com maior profundidade em coutro artigo de minha autoria initulado: “Réflexions sur la constitution du champ de L'Ergothérapie au Brésil”, publi- Sao os docentes, através dos eurreulos, os princi= pais responsiveis pela insttucionalizagdo das disciplinas tebricase transmissdo do conteddo que seréoferecido ao estudante, Os professores slo responséveis também por ‘transmiir 0s fundamentos da profissdo, os prinefpios que ‘ norteiam ¢ construir um sentido de unidade entre pré- ticas teorias, entre éreas de atuacio diferentes criar ums identidade profissional. 1 em toro das insttug6es de ensino que em geral se articulam avangos profissionsis, novos campos de ‘trabalho, etc. Nas regides onde existem cursos bem es- ‘ruturados temos observado um avango significative do campo profissional maior do que em outras onde no existe’, ‘As diversas profiss6es sfo diferenciadas pelas fungBes que exercem na sociedade e hierarquizadas pelo agrau de necessidade que o sistema tem delas, ou seja, pelo conjunto de caracteristicas cognitivas e préticas ~ grau de abstragéo do conhecimento - que eles controlam e pelo reconhecimento que a clientela - consumidores dos servigos - faz desses conhecimentos. Cabe também aos profissionais de um modo geral produzir o mercado de ‘trabalho no qual vao se inserir. E a disputa pelo espago social entre éreas que define o émmbito das profissdes. © que habilitaria uma profissio a se constituir ‘ado no Journal d"Ergothérapie, tone 20, vol. 2 1998, Paris, Masson, pp.85-89 (©) Um bom exemplo disso ocore na Bahia, onde por um periodo de 10 ans o nico curso de Terapia Ocupacinal do Estado esteve fichado, o que ocasionon uma estagnacso da rofissfo tanto no aporte de novos proissonais no mercado ‘quanto a nivel da melhoria da capacitagao dos jé existentes, fieando o crescimento da profssto Himitado a ‘iniciatvas indivduais. Com a reabertra do curso de graduapio ha 4 anos atris, ocoreu simitaneamente a oferta de cursos de capacitago e espocialzago a proissionas é formads, que ontaram com lrgepartcipagao e envolvimento de virios terapeutas ocupacenais do Estado. 32 Cad. Ter, Ocup. UFSCar, 1998, V.7, n.2 como tal, 60 grau de abstragio dos conhecimentos que ela monopoliza - grau este que varia no tempo e no es- paso. O corpo desse conhecimento, sua especificidade, bem como a existéncia de um mercado inviolivel de tra- batho ¢ o controle sobre uma determinada area do saber sifo 0s elementos essenciais para a organizagio de um ‘grupo profissional e o que o diferenciaria na competigo interprofissional entre éreas e campos do conhecimento, Ou seja, © que vai defini-lo como profissdo ou semi-pro- fissdo. ‘A Medicina, o Direito, a Engenharia sio exemplos de profissdes consttuidas, na medida em que possuem ‘um objeto de conhecimento definido, priticas reconheci- das € 0 monopélio sobre estas praticas, enquanto que, a Farmécia, a Enfermagem ¢ a Terapia Ocupacional so cexemplos de semi-profissdes, pela auséncia de um corpo especifico de conhecimento e dos elementos acima rela- tados. é a Psicologia, 6 uma semi-profisso em processo de profissionalizacéo, na medida em que comega @ ad- irr e construir um corpo préprio de conhecimento. ‘Acrescenta-se & questdo da constituigdo do campo profissional, um aspecto especifico na nossa pritica relacionado 20 modelo de atuago que @ Terapia Ocupa- cional adotou. Esse modelo & calcado no trabalho inter © ‘ransdiseiplinar, que por sua vez, propem justamente @ Ailuigio das especificidades, dos papéis © dos instru- mentos de trabalho. Esse tipo de pritica apesar de todos 0 ganhos que pode estar trazendo as agtes de sade € & clientela etendida, certamente néo contribui para a cons- tituigdo do nosso campo espectfico de atuacio. Entre as erticas a visio funcionalista, esté 0 fato dessa teoria ndo levar em conta o usuério do servigo, que tem, de alguma forma, o poder de transformer o campo de ago de uma profisséo através do consumo dos serv 905. Também no leva em conta as transformagtes soci- ais que estdo diretamente relacionadas ao mercado de ‘trabalho, Nesse sentido, deve-se levar em conta, na atua- lidade, segundo Barbosa’, o declinio do profissionalismo, © assalariamento dos profissionais, a decadéncia de for- ‘mas tradicionais de onganizagio dos diferentes grupos profissionais e a perda do status de algumes profissdes, Principalmente nas éreas de said e social, onde a deca- éncia de certas formas de atengdo ¢ de uma politica social comprometeu no s6 a atengo oferecida 2 deter- ‘minados grupos, mas por extensio, aos. profissionais tradicionalmente responséveis pelos cuidados a essa populagao, © tipo de clientela ¢ seu poder de pressio serd fundamental na definiglo do papel e do status de deter- ‘minados profissionais. No caso da populagao usualmente atendida pelos terapeutas ocupacionais, desprovida de poder de presstio quer pela sua exclustio social devido & sua procedéncia de classe, quer pela sua exclusto devido as deficincias que possui, ou ainda, a somatéria de vé- ros destes fatores, entre outros, determinaré em parte a falta de status dos profissionais que trabalham com essa Populagao, ‘Ao se transpor a conceituagio dos funcionalistas para a Terapia Ocupacional, querendo defin(-la pela posigdo do mercado, pela posigdo dos profissionais nas relagdes de poder e pela abstracio do conhecimento que cla faz, deixa-se de lado o papel, ora criativo ora. limita tivo, que 0s grupos organizadas em profissdes exercem sobre 0 conhecimento e as caracteristicas particulares da nossa profisséo, no que se refere a0 provesso de const ‘uigdio de um campo de atwago ¢ de uma Area de conhe- cimento, que longe de estar pronta ainda requer uma formulagdo mais ampla. Os profissionas, através das suas préticas, podem @)BARBOSA, M.L.O. ob. cit. Cad. Ter. Ocup. UFSCar, 1998, V7, n.2 33 direcionar a produgao do saber na drea, tanto no conte- ‘ido quanto na metodologia, definindo inclusive outras clientelas ¢ abordagens, 0 que muda 2 ordem dos argu- mentos. Ou seja, nfo ¢ somente a profissio que vai bus- car um mercado e se transformar assim em mereadoria acabada, ela responde a necessidades sociaise se trans- forma na medida em que estas demandas exigem. As profiss6es no concorrem no mereado de tra- batho em condig6es de igualdade e isto nfo pode ser critério para se medir sua importincia social. Uma evi- déncia disto esti nas reas de humanas, de sade ¢ de educagao. Pareve-nos parcial a visto que pretende este- belecer fronteiras entre profissbes, tratando-as como iguais e o mercado de trabalho como homogéneo ¢ afi- nado com as demandas sociais. Acreditamos ser nevessé- rio acrescentar a essa anélise a capacidade de certas populagtes negociarem seus direitos & assisténcia, cide- dania, atenglo ¢ reinsergéo social, 0 que eavolveria os profissionsis diretamente responsveis pelos cuidados a estas populagtes. AS PROFISSOES ENQUANTO INSTITUICOES Preferimos entender o campo das profissdes rela- cionado ao campo das relagGes sociais e das priticas institucionais. Fazendo um paralelo entre as teorias das insttuigbes desenvolvidas por Albuquerque (1978) © das profisses, podemos entender as profissdes como urn pprocesso continuo de re/produgio de ums relagio de clientelizagdo © resultado das priticas insttucionais. ‘Uma profissio, enquanto insttuigdo, nfo sto as atribui- es definidas no eédigo de Btica, também nio é 0 con- junto de préticas © conhecimentos que ela abarea, pois estas esto em constante transformagdo, nem tampouco 0 ‘conjunto das disciplinas curriculares, mas sim as préti- cas institucionais que ela reproduz ¢ legitima. A profis- sto como uma insttuigdo s6 existe na prética concreta ddeseus atores, que por sua vez, a consttuem praticando- a. Seu Ambito dependeré sempre da competigo com ‘outras instituigdes (profissdes), que sempre disputardo lum campo de ago. Toda instituigdo tem vocagio totali- ‘ria, no sentido em que formula seu objeto de modo a abarcar em scu Ambito @ totalidade das relagdes sociais «da populagao que ating. Entendemos ser esta visio mais dindmica, dando as profissdes uma posigéo mais égil e flexivel, mais apropriada & nossa realidede, as variagdes no mercado de trabalho e mais permeavel as mudangas das pol ‘As profiss6es possuem historias, contextos e par- ticularidades que tomam necessérias miitiples anélises para compreendé-las, onde se englobam também as dife- rengas regionais, entre paises, éreas e campos de atua- fo. Além disso, hd dificuldades de se estudar as profis- sBes como unidade, na medida em que uma mesma cate- ¢goria profissional pode ter condutas diferentes ao atuar junto a clientelas também diferentes, variando de acordo ‘com éreas de especializagdo, filiagio tebrica © de profis- sional para profissional. Nesse sentido, é necessério uma certa coesto entre dreas e especialidades que assegurem. tum sentido de unidade pare a profissio. ‘No caso da Terapia Ocupacional, o processo de profissionalizaglio ocorre junto com a necessidade de produso simultnea do conhecimento tebrico da profis- slo, da formagdo dos produtores desse conhecimento, da reprodugio desse saber em préticas de ensino e em priti- cas clinico/assistenciais © ainda, de se fazer reconhecer no mercado de trabalho. Isto traz algumas earacteristicas especiais principalmente se levarmos em conta nosso corpo de conhesimento, nosso instrumental de trabalho € 1 propria definigdo da profissio. Mas ¢ através desse 4 Cad. Ter. Ocup. UFSCar, 1998, V.7,n.2 provesso de produgio e relprodusio de teorias e prticas que poderemos nos legtimar e nos constitur. Ser tera- Peuta ocupacional ndo & uma abstragéo, existimes na medida em que pratcamos relagbes socais concrstas € ‘nos fazemos reconhecer como tal, através de certs tera- péuticas, de determinadas técnicas de intervengio e da rodugdo de determinadas teorias. © que nos unifica é 0 conjunto de teorias © préticas por nds desenvolvido no cofidano das institugBes que freqlentamos sejam elas assistenciais ou formadoras. © processo de capacitagdo que tivemos e a diver- sidade de formagto existente entre os terapeutas ocupa- cionais (EMMEL & LANCMAN"), talvez néo esteja colaborando na constituigio da nossa profiss#o como tal ou, ainda, talvez estejamos buscando caminhos que num primeiro momento nos pareciam atalhos mas que acaba- ram nos distanciando do nosso fim tltimo que seria construir nossa especificidade. IE no dominio de conhecimentos préprios que se ‘constituem as profissdes, que por sua ver no so homo- ‘géneas nem independentes entre si, Talvez esteja na hora de direcionarmos 0 foco, modificando o sentido do olhar € da reflexto, construindo a partir do conhecimento ad- quirido em reas afins, teorias préprias, que tenham como eixo de reflexiio nossos préprios instrumentos © ‘metodologias, ¢ que, apesar das diferentes formas de atuaglo, éreas, especialidades © filiagbes teéricas nos traga um sentido de identidade profissional. Acredito que as profissdes deverio se modificar ‘muito num futuro préximo, profissbes tradicionais vio ‘cabar, outras estio nascendo e a maioria dels estio se transformando rapidamente para sobreviver. O que nos definiré como profissto no futuro e garantiré nosso cres- cimento, & justamente o conjunto de priticas que puder- (°) EMMEL & LANCMAN, ob.cit, 1997 ‘mos produzir, re/produzir e legitimar, ampliando nosso ‘objeto e dando um sentido tesrico que atenda as trans- formagies sociais ¢ nos coloque mum lugar de vanguarda em relagdo a elas, ‘Viveremos a meu ver, nos préximos anos um ri crescimento do niimero de escolas, de Terapia Ocu- pacional em todo o Brasil, o que ocorrerd em parte pela novessidade de abertura de cursos em Estados onde no ainda existe, mas principalmente pelo momento de expansio do ensino superior privado no Brasil. Esta expansio implicaré na necessidade de eriagio de mer- cado para estas escolas ¢ isto se dard através da abertura de cursos novos que possam atrair alunos uma vez que 0 ‘campo de ensino de outras profissbes da area da satide ‘como por exemplo, fisioterapia, enfermagem e psicologia cencontra-se em fase de saturagio. Podemos ver nesse crescimento ume positivdade nna medida em que isto garantiré uma maior divulgagdo da profissdo, abertura de novas éreas de trabalho, ete, por outro lado, isso poderé ser preocupante por todos 0s aspectos ligados ao campo da Terapia Ocupasional relatados ¢ porque serd necessério garantir a qualidade 4a formasio destes novos profissionais. A expansio do casino superior criaré a curto prazo vagas de docentes em todos o Brasil, mas a médio prazo poderé gerar uma saturagiio de profissionais semelhante a das outras pro- fissbes. ‘Um outro aspecto importante € que estamos vi- ‘vendo um momento de transformaso social impar, com grandes transformagSes no perfil sécio- demogrifico da opulago, acrescida de répidas transformagSes no pro- cesso de trabalho com a incorporagio de teenologias probleméticas do primeiro mundo que traro novas do- engas numa velocidade vertiginosa, sem que tenhamos ‘conseguido resolver o problema das antigas doongas que Cad. Ter. Ocup. UFSCar, 1998, V.7,n.2 55 passam a conviver com as novas tendo que dividir os poucos recursos destinados a assisténcia em sade, Soma-se a tudo isso, o avango tecnolégico na area médica a nivel de oferta de novas tecnologias de reabil tagdo. Tudo isso significa que a Terapia Ocupacional rnos préximos anos deveré ser muito diferente tanto @ nivel de contetido teérico oferecido nos cursos de graduagio, a nivel do mimero de profissional no mercado, quanto a nivel de oferta de mercado de trabalho, ‘Se quisermos sobreviver no préximo milénio tere- ‘mos que estar atentos a mudangas e assumirmos ume po- sigiio de pioneirismo em relagao a elas. REFERENCIAS BIBLIOGRAFICAS ALBUQUERQUE, J.A.G. Instituiges e Poder: a Ani- lise concreta das relagdes de poder nas insttuigdes. Rio de Janeiro, Graal, 1978. BARBOSA, M.L.O. “A Sociologia das ProfissSes: em Tomo da Legitimidade de um Objeto” in BIB, Rio de Janeiro, n 36, 1993, pp. 3-30. BOURDIEU, P. Sistemas de Ensino e Sistemas de Pen- samento, in A Economia das Trocas Simblicas. Sao Paulo, Perspectiva, 1974. CAPES, Seminario Nacional - Discussio da Pés-gra-

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