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AINFLUENCIA DA CAPACITAGAO DO TERAPEUTAS OCUPACIONAIS NO PROCESSO DE CONSTITUIGAO DA PROFISSAO NO BRASIL ‘Selma Lancman Professora do Curso de Terapia Ocupacional da Universic Comunitaria pela Universidade Federal da Bahia e Doutora em Saude Mental pela UNICAMP. Resumo: © artigo visa discutir 0 processo de crescimento, constituigéo e profissionalizagao da Terapia Ocupacional no Brasil. Aborda as conseqUéncias para a profisséo da formagao dos professores dos cursos de Terapia Ocupacional estar sendo feita em areas afins e a consequéncia disto para o desenvolvimento da profisso e na sua constituigo como tal. Este tipo de formagao modifica 0 perfil e os rumos da profis- sdo na medida em que dificulta aos terapeutas ocupacionais criarem uma cultura e tum repertério comum. Isso pode estar influenciando na constituigdo do campo profissional como tal, enquanto um corpo de conhecimento teérico, pratico e meto- dolégico préprio e reconhecido no mercado de trabalho pela sua especificidade. Palavras-chave: terapia ocupacional, profissées na area da satide, consttuigéo das de de Sao Paulo, mestre em Saiide profissées Existem hoje, no Brasil, 17 cursos de Terapia Ocupacional j6 reconhecidos, distribuidos a0 longo do pais, 6 em inicio de funcionamento © proceso de abertura, Esse nimero contrasta por exemn- plo com os dos Estados Unidos aonde existem mais de 200 cursos a nossa érea. Somos cerca de 6000 profissi- conais em exercicio em todo o territGrio nacional e ingres- sam no mercado 500 novos terapeutas ocupacionais 40 ano. A maioria destes profissionais esta concentrada no Estado de So Paulo, que no ano de 1992 jé possuia 2500 profissionais em exercicio!:Também é nesse Estado {que se concentram 0 maior niimero de cursos (4) que ‘oferecem cerea de 200 vagas ao ano. () FUNDAGAO DO DESENVOLVIMENTO ADMINIS- ‘TRATIVO (FUNDAP), Distribuigio da Forga de Trabalho tno nivel superior na area da saide no Estado de Sto Paulo em 1992: Anilise preliminar dos dados da Pesquisa Assisténcia Médico-Sanitiria / FIBGE, 1992, Sio Paulo, 1997, Cad. Ter. Ocup. UFSCar, 1998, V.7,n.2 49 Possuimos cerca de 200. terapeutas ocupacionais envolvidos com ensino superior. Destes, pelo menos 70 dedicam-se integralmente ao trabalho na universidade, desenvolvendo simultancamente atividades de ensino, extensiio © pesquisa, Esses docentes, plo tipo de pritca que realizam e por terem que reproduzir em seu cotidi- ‘ano profissional 0 ensino da Terapia Ocupacional esto cewvolvides com algum tipo de questionamento e reflex sabre profs e seu corpo teérico. ‘A partir da necessidade de formagdio para o desen- volvimento de pesquisas e também pelas exigéncias das universidades quanto & necessidade de maior titulagdo, vvirios profissionais, na sua maioria doventes, cursam ou ccursaram programas de capacitagdo docente 20 nivel de mestrado ¢ doutorado. Existem, atualmente, cerca de 10 ‘terapeutas ocupacionais doutores ¢ a estimativa é de pelo menos mais 25 nos préximos 5 anos’, além de uma quantidade significativa de mestres. Como repercussto imediata disso, a produslo cientifica na érea comega a se avolumar ¢ alguns destes doutores jé comegam a repro- uzir seu conhecimento orientando pesquisas a nivel de iniiaglo cientifica, mestrado, eto. Devido & inexisténcia de programas de pés gradu- gio strictu-sensu especificos em Terapia Ocupacional no Brasil, « maior parte destes docentes cursou progra~ mas em Areas afins, entre elas: Educagéo, Psicologia, Satide Pablica, Satide Mental, Ciéneias Soviais © Artes. Acreditamos que esta formaglo dos docentes de terapia ocupacional em outras éreas, da ampliagio do universo de relagGes entre campos do conhecimento, acrescido da pouca delimitagio do nosso corpo teérico, (@) EMMEL, M.L.G, & LANCMAN, S. “O processo de Capacitago docente dos terapeutas ocupacionas: impli- agdes na definigio do perfil profesional nos rumos da profisei, Relatrio parcial de pesquisa apresentado 20 NPG, 1957 (nimeo). 50 Cad. Ter. Ocup. UFSCar, 1998, V. ppossa estar modificando mio somente 0s curriculos dos ‘cursos de graduagaio, como também 0 perfil e os rumos da profissdio no pais. Isto ocorre na medida que, 0s tera peutas ocupacionais ndo criam ume cultura, um repert6- rio comum ou, como afirma Bourdieu’, “(..) ferrenos de encontro e acordo, problemas comuns € maneiras co- ‘muns de abordar tais problemas comuns(..)". Ou seia, a formago em outras areas pode estar difieultando a criagSo de uma cultura comum e de uma identidade pro- fissional, que nos leve a uma produgdo dirigida & cons- tituigo de linhas de pesquisa e a desenvolver nossa pré= pria profissto, o que vai se refletir inclusive nos cursos de graduagéo. ( sonho de uma pés-graduago em Terapia Ocu- pacional ainda no se coneretizou, devido & dispersiio dos doutores em virias instituigdes (principalmente na USP, UFSCar, UFMG) e a diversidade de dreas de for- mago desses docentes, 0 que dificulta a criagdo de li nas de investigago que envolvam um nimero razodvel de pesquisadores © que possam evoluir para um pro- grama de mestrado. Se por um lado, 0 surgimento de cursos de pés graduagdo strictu senso no pais poder finalmente con- solidar niicleos de investigago, de outro, corremos 0 riseo de avangarmos sem termos resolvido questies bisi- cas da Terapia Ocupacional que se evidenciam inos cur- sos de graduagdo, Um outro aspecto importante, & que & politica de pés graduagdo no pais hoje privilegia pro- gramas interdisciplinares, ou seja, qualquer proposta que ‘viermos a formular terd que ser aberta a outros profissi- conais (CAPES, 1996). Esta questo tem um significado especial para ©) BOURDIBU, P. Sistemas de Ensino e Sistemas de Pen- ‘samento, in A Eeonomia das Trocas Simbélicas. p.207, Perspectiva, Sto Paulo, 1974 n2 nossa profissio pela pouca definigfo teébrice do nosso ‘objeto e métodos de trabalho, pela falta de paradigmas consolidados entre nis, pela falta de conceituago so- bre 0 significado da profissio principalmente para o grande piblico. Frente a essas questies‘, procuramos refletir a partir da sociologia das profissdes no processo de profis- sionalizagao da Terapia Ocupacional no Brasil. E neces- sério averiguar em primeiro lugar se caminhamos para tum processo crescente de profissionalizagdo, através da cconstituigio de um corpo de conhecimento ¢ de uma prtica prépria e especifica ou, a0 contrério, para uma “desprofissionalizagio” e diluigto do nosso campo de ago em outras éreas. ‘A Terapia Ocupacional hoje, no Brasil, 6 uma rofissio incorporada ao mercado de trabalho nas éreas da sadde, social e educagio. A dinmica de trabalho nessas reas vem sofrendo uma série de mudangas nos ‘itimos anos, a exemplo do que vem ocorrendo em ou- tros palses, com a faléncia de uma politica assistencial que se reflete nas profissées afins © no relacionamento centre elas. Nesse sentido, a quebra do modelo de atengo sade baseado mum modelo privado © auténome, assalariamento dos profissionais da saiide © a reorgani- zagdo da medicina privada através dos convénios de assisténcia & sate, so exemplos destas transformagiss. [Nos servigos piblicos, as virias profissdes dispu- ‘tam uma demanda desprovida de poder aquisitivo, de instrugdo escolar e com probleméticas difieis de serem (Alem de buscar fimdamentasSo térica, em pesquise recente relizada em conjunto com a Profi. Maria Luisa Guillaunon Emmel, do Departamento de Terapia Ocupacio- nal da Universidade Federal de Sto Carlos, fzemos uma investigagio empiric envolvendo todos 0s docentes de Ters- ia Ocupacionl do Brasil onde buscivames verifar 0 efsto da capcitasio docente na prétca de ensino e de assisténc EMMEL, ML.G. &LANCMAN, S. op. cit, 1977 solucionadas segundo os modelos tradicionis de atengéo desenvoividos pelos médicos. So nas propostas de in- tervengio junto a essa populagto ¢, por vezes, justa- mente na fata dessas propostas, que a Terapia Ocupack onal tem encontrado seu campo de ago, conseguindo introduzirprétieas inovadoras, que por sua vez tem sido reconhecidas e valorizadas. A CONSTITUICAO DAS PROFISSOES Varios te6ricos da Sociologia, em especial repre- sentantes da escola funcionaliste, refletiram sobre 0 pa- pel das profissdes, entre eles destacamos Parsons (1968), ky (1970) ¢ Larson (1977). Para esse autores, as profissbes so processos que crientam a organizasio de determinados grupos especifi- cos, além de determinar padrées de sociabilidade. As profissdes direcionam tendéneias estruturais na. socie- dade ¢ definem relagdes © posigSes de mercado de seus profisionais em relagio a clientela que vai consumir seus servigos. Pressupdem, ainda, um corpo organizado de conbecimento, orientado para um ideal de servigo ¢ para um mercado inviolével. Para Parsons, “profissées sto sistemas de solidariedade cyja identidade se baseia na competéncia técnica de seus membros, adguirida nas intituigdes educacionais e cienificas™. Para Barbosa, explicitando as idias de Parsons, 0s profissionais: “sdo portadores de um treinamento téenico formal, com validacdo institucional da adequa- ‘20 deste treinamento e da competéncia do indi- viduo treinado, Sao individuos que possuem um (©) PARSONS, 1. Verbete “Professions” In BARBOSA, ‘MLO. “A Sociologia das Profissdes: em Tomo da Leg dade de um Objeto” BIB. p Rio de Janeiro, n 36, 1993, pp 3530. Cad. Ter. Ocup. UFSCar, 1998, V.7,n.2 st

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