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cee O historiador Sm e suas fontes Paro Paulo Funai Rosingela Doin de Almeida Carla Bassanezi Pinsky Tania Regina de Luca ‘Ana Luiza Martins * Antonio Celso Ferreira ve CorolineSiveira Bover * Dural de Albuquerque Jinior cB Eos Thomé Saliba * Flavio Gal atch a #. Jia Fereira Furtado * Keilo Grinberg — Leandro Kornal * Maro Slvio Bossonesi roti reproduo ror ou parcial em qualquer mia ‘Moria Tereso Cunha * René E. Gertz sem aotinaco ae dito, Solange Ferraz de Lima * Teresa Malatian Ov inftres et sues eps da Sarone Lia* Teeso A Bilitra ni 6 responsével pelo contetdo da Obra, com 0 qua nfo necessariamenteconcorda, ‘As Organizadoras eos Autores conhecem os fatos narrados, pelos quas slo responsive, ‘assim como se responsabilizam pelos juiza emitidos. Conan algo Sole dino nanent am wwadoracotetcombr | editoracontexto FONTES PARA O PATRIMONIO CULTURAL Uma construg&o permanente ‘Ang Luiza Martins ‘Oque témem comum um palacete barroco, uma festa paraense, um bairro ppaulistano, um terreiro de candomblé, um mapa setecentista, uma obra de arte € um queijo mineiro? Nos dias de hoje, todos eles podem ser considerados patrimdnio cultural. Em outras palavras, 0 estudo do patrimonio é um campo que, de forma “gulosa”, se serve de tudo 0 que estiver disponivel — das cartas 0s prétios, da literatura a um bairro inteiro — e que for capaz de representar a dinémica da hist6ria, Definigao [A expressie patriménio cultural designa 0 conjunto de bens oficisinente protegidos,tangiveis intangtves, que participam da construcéo do pertencimento, das identidades e da continuidade da experiéncia social, no ambito dos processos e formagio e transformacio das nayses contemporineas e das, rwlagdes internacionais.! A diversidade de fontes requerida pelo historiador do patriménio cultu- ral 6 de tal amplitude e ordem que convém estabelecer desde ja um recorte © bare tes de abordlagem, compativel com 0s limites fisicos deste texto. Nesse sentido, percorreremos historicamente parte da selecao e utilizacio das fontes para es- tudos de bens afetos ao patriménio cultural, conforme praticados pelos 6rgaos institucionais, em que esse exercicio é permanente e se rectia a cada objeto por desvendar ou dimensionar em seus miltiplos significados. Contudo, insistimos, esse refazer constante do entendimento de asso atriménio plural, embora se dé legalmente no ambito dos Conselhos, assesso- rado por técnicos, também se alimenta dos avangos da pesquisa académica, na sua maioria avangos externos as insttuigdes de preservacio, num intercmbio nnecessério e salutar para a competente produgdo do conhecimento patrimonial Assim,a renovagdo desses estudos, sobretudo no que diz respeito ao crescente € diversificado uso das fontes, deve muito as universidades, aos institutos fomentadores de pesquisa, aos organismas, fundagbes, associagSes e muscus que trabalham com metodologias renovadas e tém como horizonte 0 cuidado com a producio e trato dos acervos, com vistas & qualificacio metodol6gica da pesquisa histérica. Mais recentemente ha a providencial iniciativa de complexos empresariais, com seus Centros de Meméria particulares, nos quais historiadores e arquivis- tas profissionais trabalham como rigor metodol6gico pertinente & rea. Logo, no se trata de confinar a selegao de objetos, temas efontes do patriménia a uma $6 leitura, pelo viés exclusivo das préticas dos fnstitutos de Patrimdnio, mas ‘compartilhar, com os demais espacos de pesquisa e guarda de documentos, de caréter oficial ou particular, odrdtuo mas fascinante trabalho de descoberta e selecio de fontes, instrumentos decisivos para a identificagao e selecdo de representagdes de nosso patriménio cultural (O tema é de interesse recente. José Honorio Rodrigues, ainda na terceira edigio de sua Teoria da Historia do Brasil: introdugie metodoligica, de 1968, entre 6s diversos géneros de Historia mencionados, nao cita aquele do patriméni Na segunda edigdo de sua A pesquisa hist6rica no Brasil, de 1969, inclui breve item sobre a pesquisa e as fontes do patriménio histérico, ctiticando severa- mente 0 Decreto-lei 25 de instituigao do sean (Servico Patrimdnio Histérico Artistico Nacional), pela abrangéncia das atribuigdes propostas ao novo 6rgao, entio responsabilizado pela tutela e catalogacao sistemstica dos arquivos estaduais, minicipais, eclesidsticos e particulares, cujos acervos interessam 4 Histéria nacional e & Hist6ria da arte no Brasil. O historiador estranhava, 282 Uns conduc pears inclusive, a classificacao dos quatro livros de tombo distintos: Livro do Tombo Arqueolégico, Etnogrifico e Paisagistico: Livro do Tombo Histérico; Livro do Tom- bo das Belas Artes; Livro do Tombo das Artes Aplicadas, questionando: “afora as divisibilidades unidas sem critério, surgia aquele tombo hist6rico, como se os demais histéricos nao fossem”? Selesso que permanecen equivocada por muitos anos, com o atributo redundante de “hist6rico” apenas a um dos livros tombo. Fato é que, a des © posterior DPHAN (Diretoria do Patrimdnio Historico e Artistico Nacional), atualmente IPHAN (Instituto do Patriménio Histérico Artistico Nacional), coube a este érgio federal responder solitariamente pelo trato de nosso vasto patriménio, até que por volta do final dos anos 1960 surgissem, a sua sombra com a mesma incomensurével abrangéncia, os Orgaos Estaduais e, mais to das imensas dificuldades com que lidou recentemente, alguns Orgios Municipais. Nas universidades, em geral, 0 tema do patrimanio tem sido tratado de forma incipiente, merecendo mais atengdo do ensino formal nos estados em que 0 patrimdnio edificado se reveste de caréter excepcional, a exemplo de Minas Gerais, Pernambuco, Bahia e Maranhao, sobretudo no que diz respeito as intervencoes de restauro, No Sudeste, 36 recentemente alguns departamen- tos de universidades tém se debrucado sobre o assunto, em particular com a sistematizacio das fontes do patriménio. Para mencionarmos Sao Paulo, cabe lembrar Departamento de Histéria da Arquitetura e Estética do Projeto da av (Faculdade de Arquitetura ¢ Urbanismo) da usp, as voltas com fontes do patriménio no ambito urbanistico e arquitetinico; 0 Instituto de Filosofia e Ciencias Humanas (1¢#) da Unicamp, que desenvolve projeto sobre o urba- rnismo paulista, assim como 0 concorrido curso de especializagio da Uniestl (Universidade Cruzeiro do Sul, S80 Paulo), voltado para o trato das fontes visando o restauro do bem arquitet6 A despeito da visivel negligéncia no encaminhamento da questa, os ‘Organismos do Patriménio passaram a ser objetos de pesquisa hist6rica, eles préprios fontes potencializadas para o entendimento de politicas culturais € iblicas, para a percepgio de valores culturais e representagées sociais. Vejam- se, nesse sentido, os trabalhos pioneiros de producio académica que resultaram das teses de Marly Rodrigues, Imagens do passado: @ Instituigdo do patriménio em Sito Paulo ~ 1969-1987? e Silvana Rubino, As fachadas da historia: as origens, a criagao ¢ 05 traballios do sexian, 1936-1967.* A primeira trabalhou com fontes 283 (© hid sm ames internas do Orglo, de Atas de Reunito do Conselho aos Processos deestudo de tombamento, Colesdes de leis ¢ decrets, Rlatrios de Gestao, correspondéncia, entrevistas,imprensa, abarcancloa segunda o mesmo repertrio de fontes ne Ambito federal. Em outro aporte, fruto de trabalho sistemstico do cenrea (Centro de Fstudos e Pesquisas em Educagio, Cultura e Aco Comunitéria),oesforgo de Selegio de bens da colegao Terra Paulista, sob a coordenagio de Paulo César Garcez Marins cesuitou em arejada utilizagao de fontes diversificadas, cons, titutivas do universo do patriménio cultural paulista. Para encerrar esta breve consideracio sobre eestégio de uso das fontes do Palzimdnto, convém registrar um dos diferenciais da pesquisa hist6rica nesse campo, que raramente pode contar com fontes dadas e predeterminadas em fungi da temstica selecionada. Antes, osestados demandamn, na maioria des e2ss, a construgio de corpus documenta especifcos, em geral interdiscipl- ‘ares, que para além de desvendar a histéria do acontecido, do construido e da ‘vido, permite recuperar ruidos e fragmentos da memra, esta em particular, \stora das tantasfiguragdes do passado. A aventura da descoberta e selecao de fontes trabalho investigativo estimulante, enriquecendo a leitura plara? do objeto de estudo, em suas tantas dimens6es - material e imaterial Antecedentes A exemplo do percurso metodol6gico historiogratico, sujeito as tantas varlavels de tempo, espaco e conjunturas, também a nocio e a qualificagao de bens de interesse do patrimsinio cultural vem sendo objeto de sucessivos entendimentos, Mais que isso, a propria abrangéncia do terma patrinnio, quando tomado no sentido de testemunho de passado e acervo a ser iden, Lficado, selecionado e preservado, suscita interpretagies diversas, passveis dle questionamentos. No propésito deste texto, de elencar e sugerie fontes historicas para o estudo do patriménio cultural, em suas virias vertentes conv snalizaroentendimento correnteatibuido ao tetmo,a paride do, documentos ofcias, que o inscrevem com forsa de leina pratica cotidiana dee Orgs de preservacdo. Um primeiro, oj mencionado Decreto-lei 25, de 1937, sie instituiu sri1aw e um segundo, ndo tao recente, inscrito na Constituigdo 284 Uns consi permite de 1988, que ampliou 0 conceito restrito de patviménio histéricoe artistico para aquele de patrimdnio cultural Retomar de forma breve os sespectivus textos fegais permite ilustrar parte do complexo e sempre polémico espaco de conflito desse campo plural, tradicionalmente @ mercé de visdes de mundo, ideologias, sensibilidades ¢ identidades particulares ou de politicas puibticas, quando nao enviesadas e/ ‘ou equivocadas, que 0 tornam por isso mesmo, terreno fértil edemocratico de cescolhas, eleigdes, representagies¢ lta, Infere-se desde jé a diversidade de for tes necessérias ao historiador que atua na drea, na qual a interdisciplinaridade se impée para a ampla apreensio do patriménio em suas tantas dimensées. © Decreto-lei 25 nasceu do anteprojeto de Mario de Andrade, de 1936, trabalho feito a pedicio do entao Ministro da Educagio e Satide Gustavo Capanema, como base para a criagdo do spuiaw. Na definigio de Mério, que vivenciara praticas culturais do pais, inclusive por meio de viagens de reco- hecimento de parte do territsrio, entendia-se por patriménio artistico nacional: “todas as obras de arte pura ou de arte aplicada, popular ou erudita, nacional ou estrangeira, pertencentes aos poderes piiblicos, a organismtos sociais e a particulares nacionais, a particulares estrangeiros, residentes no Bras No tocante & obra de arte patrimonial, selecionava oito categorias Voltadas para as artes arqueolégice, amerindia, popular, histévice, erudite nacional, erudita estrangeinae as artes aplicadas nacionais eestrangeiras. Nao obstante o vasto leque de contetidos propostos, 0 artigo final do Decreto-lei25, de forma reducionista, limitou-se ao seguinte contetido: Art. 1°: Const 0 patriménio hstrico ¢ artsten nacional © U Coy, abe Cats patrons, eas phan, 2004 Prats Arter) Ap aoe lt Sa laa » Lélia Coelho, Mario de Andrade: um: a “ de: una voeago de esttor ic. 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