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Temas Fundamentais do Direito Constitucional ee Visite nosso portal | @ CONSTITUICAO E DIREITO CONSTITUCIONAL'! Traduzido por CARLOS DOS SANTOS ALMEIDA SUMARIO: I. COMPETENCIAS E SIGNIFICADO, — 1. Ta- refas fundamentais da Constituicao. a) Integracao. — b) Orga- nizagdo. — c) Direcao juridica. - 2. A Constituicao como or- dem juridica fundamental da comunidade. — Il. DA SINGULARIDADE DO DIREITO CONSTITUCIONAL. ~ 1. Primazia. — 2. Carater aberto e vinculante, — 3. Garantia ima- nente. ~ 4, Pressupostos para sua efetividade. — ITI. A CONS- TITUICAO DIANTE DA MUDANGA HISTORICA. - 1. Mutagao e reforma constitucional. - 2. Novos problemas. — a) As atuais tarefas do Estado. — b) Constitui¢ao e poder confi- gurador. c) Mudangas no ordenamento territorial. - d) In- ternacionalizagao e europeizacao. — 3. Politica constitucional. A compreensdo das partes integrantes e dos problemas da Constituigao da Alemanha, de que tratam os capitulos seguintes, io. Necessita de pressup6e uma visdo de conjunto dessa Constitui um ponto de partida e de um certo marco com cuja ajuda se possa inferir 0 contetido de suas normas. Necessita-se penetrar em seus ' Trata-se do Capitulo Primeiro, escrito por Hesse, do Manual de Direito Cons- titucional, com a colaboragéo também de Benda, Maihofer, Vogel e Heyde, publicado por Marcial Pons. Capitulo traduzido do espanhol para o portugués. TEMAS FUNDAMENTAIS DO DIREITO CONSTITUCIONAL fundamentos e conexdes basicas, sem as quais se podem ajuizar s6 de forma incompleta os problemas constitucionais atuais e futuros. A esta tarefa sirva a breve exposicao do presente capitulo. Par- te do reconhecimento de que a constituigao de uma comunidade politica concreta, seu contetido, a singularidade de suas normas e seus problemas hao de ser compreendidos de uma perspectiva his- torica*, S6 a consciéncia dessa historicidade permite a compreensio total e o juizo acertado das quest6es juridico-politico-constitucio- nais. Isso é algo que nao pode oferecer uma teoria geral e abstrata insensfvel, que nao enquadre a constituigao na realidade politico- social e nas suas peculiaridades histéricas. Tampouco a compreen- sao hist6rica pode prescindir, sem mais, da justificagdio ¢ da configu- ragao teérica. Mas semelhante teoria ha de estar referida ao ordenamento constitucional concreto ea realidade que a Constitui- ¢o esta chamada a ordenar. I COMPETENCIAS E SIGNIFICADO Qualquer tipo de unido que pretenda perdurar precisa de um orde- namento formado e executado conforme sua vontade, que tenha delimi- tado seu ambito e regulado, nele e para ele, a situagao de seus membros. Um ordenamento dessas caracteristicas denomina-se Constituigéo. Dat que todo Estado disponha necessariarmente de uma Constituigao... ordi- nariamente os povos civilizados dispdem de um ordenamento juridica- egundo 0 que foi dito anteriormente, a Constituigao contém, por regra geral, as normas juridicas que caracterizam os 6rgaos supremos do Estado, estabelecem a mente reconhecido e composto de normas juridicas. forma de crid-los, suas relagées reciprocas e suas dreas de influéncia, além da posigao fundamental do individuo com respeito ao poder estatal’. > R.BAUMLIN, * G, JELLINEK, Algemeine Stastslehre, nova impressio da 3* ed., 1921, p. 505. Com respeito a historia do pensamento constitucional ¢ sobre os tipos de cons- tituigdes hist6ricas, op. cit., p. 505 ¢ ss.; P. BADURA, Artigo “Verfassung”, em Evangelisches Staatslexikon, 3° ed., 1987, cols. 3738 ss.; K, STERN, Das Staatsrecht taat, Recht und Geschichte, 1961, p.7 ss. CONSTITUIGAO E DIREITO CONSTITUCIONAL Essa caracterizagao geral de G, JELLINEK nos proporciona uma primeira orientacao*. Contém os aspectos essenciais da organi- zacao do Estado, de seus érgaos, de suas competéncias ¢ os limites da atuacao estatal. Ainda assim, s6 com isso nao se pode inferir 0 sentido ¢ significado de uma Constituigéo vigente num concreto momento histérico, como a Lei Fundamental para a Alemanha. Eles 86 se revelam a partir da consciéncia de outras fung6es — primarias — da Constituigéo, que incumbem a ela na realidade vital de uma comunidade politica moderna, além da funcio organizativa: sua fungao integradora e sua fungao de diretriz juridica’. 1. TAREFAS FUNDAMENTAIS DA CONSTITUICAO As fungées da Constituigao na vida da comunidade sao aplic veis, antes de mais nada, a duas tarefas fundamentais: a formacao e der Bundesrepublik Deutschland, 24 ed., 1984, p. 61 ¢ ss.; H. HOFMANN, “Zur Idee des Staatsgrudgesetzes”, em Recht — Politik ~ Verfassung, 1986, p. 261 € ss.; D.GRIMM, “Verfassung’, em Die Zukunft der Verfassung, 1991, p. 11 e ss. idem, Der Verfassungbegriff in historischer Entwicklung, op. cit. p. 101 ess. Nao cabe fazer a tal caracterizagao, na medicla em que resulta evicdente reparo nenhum, Da doutrina atual: BADURA (pé da p. 2), cols. 3737 ss idem “Verfassung und Verfassungsgesetz”, em Festschrift fiir Scheuner, 1973, p. 19 ¢ ss; STERN, Stat srecht (cit. n, 2) p. 66 ¢ ss., GRIMM, “Verfassung” (cit. n. 2) p. 11 e ss3 J. ISENSEE, “Stat und Verfassung”, em Handbuch des Staatsrecht, t. I, 1987, § 13; J. AUBER, “La Constitution, son contenu, son usage’, em Referate zum 125 Schweizerischen Juristentag, 1991, p. 9 ¢ ss K. EICHENBERGER, “Sinn und Bedeutung einer Ver- fassung’, op. cit. p. 143 e ss. Sobre as posturas teGrico-constitucionais atuais, H. VORLANDER, Verfassung und Konsens, 1981, especialmente p. 275 e ss. Adiante se renunciaa freqiiente distingao entre constituigao formal e material. Com.o primeiro conceito se concebe (56) a norma constitucional que se diferencia de outras leis pelo complicado de sua reforma. O segundo, sem consideracao alguma ao tipo e & forma de validade da norma, compreende todo 0 Direito fundamental para a vida € para a efetividade do Estado, um conjunto normativo que, nem sempre, se pode delimitar com clareza. Nos casos em que, como aqui, s6 se entende por constituigao a Lei Fundamental ¢ seu contetido, a distingao resulta supérflua. A partir deste ponto, o Direito Constitucional nao escrito, como é 0 caso do Direito Constitucional con- suetudinario, s6 pode existir como exibigao, acabamento ou desenvolvimento dos principios e 36 em sentido conforme com eles (cf. a respeito, K. HESSE, Grundziige des Verfassuingsrechts der Bundesrepublik Deutschland, 18° ed., 1991, ntimeros mar ginais 32 e ss.); como exemplo disso cabe citar o principio da lealdade federal, TEMAS FUNDAMENTALS DO DIREITO CONSTITUCIONAL manutengao da unidade politica e a criagdo e manutengao do orde- namento juridico, Ambas estao estreitamente ligadas. a) Integracao A unidade politica de acao que denominamos Estado nao é hoje, como se pressupde na descricdo de Jellinek, algo que venha dado sem outros motivos. Necessita-se estabelecer tal unidade, e se requer tanto mais sua conservagdo enquanto nao corporificada na vontade uniforme de um povo soberano ou de uma classe dirigente, Pelo contrario, tem de cultivar-se e assegurar-se no processo politi- co da moderna sociedade pluralista; na Justaposic¢ado e na contenda de numerosos grupos, nos quais a compensa¢ao entre as diferentes opinioes, interesses e aspiracGes, como a resolugao e regulacao de conflitos, converteram-se, por igual, em tarefa arquetipica e condi- ga0 de existéncia do ado. Onde, partindo da pluralidade de von- tades, j4 nao é possivel formar uma vontade conjunta vinculante, ¢ onde ja nao se consiga estabelecer e realizar, pela via do entendi- Mento ou das decisdes majoritarias, os objetivos politicos, sucumbe o Estado como unidade politica de acdo. Seu nascimento e existén- cia ficam condicionados ao éxito do processo de integracao estatal, no que acertadamente se contempla um elemento fundamental de sua esséncia®. Esse éxito depende, em tiltimo extremo, do grau de adesao que encontre 0 Estado. Depende de que esse éxito seja sustentavel, de que os cidadaos se fagam responsaveis por ele, e, se for 0 caso, o de- fendam; s6 na medida em que isso seja im, pode-se dizer que se trata de um Estado consolidado, de um Estado robusto. Essas condi- s0es dependem de numerosos fatores extrajuridicos, como a tradi- 40, 0 nivel de consciéncia politica ou os lideres; e, em medida nao determinavel exatamente, e crescente, porém necessdria, também do Direito. Isso porque qualquer processo necessita do ordenamento ° R. SMENDE, “Verfassung und Verfassungrecht” (1928), em Staatrechtliche Abhandlungen, 2# ed., 1968, p. 136 e ss. CONSTITUIGAO E DIREITO CONSTITUCIONAL juridico: a colaboragao, que conduz a formacao de uma unidade po- Iitica e na que devem ser levadas a cabo competéncias do Estado, necessita da organizacao e de um processo ordenado’, e também a conciliagao de vontades que nao depende menos de que se configure ocontetido do ordenamento de modo tal, que encontre a adesao das pessoas que hao de viver sob ele. Essa tarefa fundamental a cumpre a Constituigao mediante seus direitos fundamentais. Nessa medida, a Constituicao pode considerar-se como o ordenamento juridico do processo de integracao estatal. b) Organizagao A necessidade do ordenamento juridico nao se apresenta ape- nas para a formacao e conservacao da unidade politica mas também para a acao e incidéncia dos 6rgaos estatais constituidos com esses fundamentos, Em tal medida, necessita-se de uma normatizacao da arquitetura do Estado e do cumprimento de suas tarefas. A necessi- dade de fixar essas competéncias de forma ordenada pela Constitui- ¢ao tem sido algo habitual. Trata-se de constituir rgios a que con- fiar, em funcao de sua natureza objetiva, os diferentes, determinados e delimitados ambitos de atuagao estatal ¢ as competéncias corres- pondentes, necessdrias ao cumprimento objetivo de tais tarefas: a Constituigao funda competéncias, criando, dessa maneira, poder estatal conforme o Direito com o alcance do respectivo mandato. £ ela que regula, amitide s6 em suas coordenadas fundamentais, os procedimentos que, dentro do possivel, devem permitir a adogao de decisées adequadas. E ela que ordena as atribuigées dos distintos Orgaos estatais entre si, buscando conseguir, im, que estes se complementem objetivamente, que se garanta a cooperacao, a res- ponsabilidade, o controle, a limitag4o do poder e, finalmente, que se impega qualquer abuso de competéncias. As fungoes de integragao e de organizacao sao, em maiuitos ca- sos, complementares entre si, pois tanto 0 contetido quanto o éxito * H.HELLE: Staatlehre, 1934, p. 88 e ss, e 228 e ss. wv TEMAS FUNDAMENTAIS DO DIREITO CONSTITUCIONAL da ado dos poderes estatais dependem da consecugao de uma uni- dade politica; esta, por sua vez, depende desse contetido e desse éxito, que, essencialmente, determinam que o Estado encontre ade- sao e apoio, por cujo motivo a orientacdo e os meios de acio estatal tém que dirigir-se claramente a uma adesao ¢ a um apoio existentes ou previsiveis. c) Diregao juridica A fungao que cumpre o ordenamento juridico nao se aplica s6 ao Estado. Em sentido amplo, necessita-se do ordenamento juridico para toda a convivéncia em comunidade dentro do territério do Es- tado, convivéncia essa que, sem 0 ordenamento juridico, nao seria possivel. Este nao constitui um fim em si mesmo, nao se trata de or- denar por ordenar; 0 importante é 0 contetido dessa ordenagao: deve ser 0 moralmente reto e, portanto, o legitimo. O canon dessa retidao nos tempos atuais, que tém cobrado consciéncia da historicidade de todo Direito, nao é dedutivel de um Direito natural existente a mar- gem do pensamento e da acdo humanos. Igualmente injustificavel resulta remeter-se a um positivismo cético, para o qual, sem referén- cia a contetido nenhum, Direito é qualquer regulagao que tenha sido definida como tal pelas instancias competentes. Frente a isso, a tradi- G40 juridica depurada oferece parametros deduzidos da historia do Direito. Também, no sentido inverso, pode-se chegar ao mesmo re- sultado: ha experiéncias historicas que demonstram 0 que nao é mo- ralmente reto e, conseqiientemente, 0 que nao se pode considerar Direito; esse é 0 caso do aniquilamento de existéncias sem valor racial ou vital, sob 0 regime de injustiga nacional-socialista. Demais disso, ¢ relacionado com o anterior, deduzem-se outros canones dos prin- cipios juridicos nascidos da luta e da experiéncia de muitas geragdes € que se confirmaram por elas, principalmente dos direitos humanos e civis, bem como de outros principios, como os de independéncia Judicial ou o direito de ser ouvido. Canones sao, finalmente, os mo- delos para configurar o presente e o futuro da gerac¢ao atual. A fungao diretriz da Constituicgao consiste em assumir esses canones e — sobretudo, nos direitos fundamentais ~ dota-los de for¢a CONSTITUIGAO E DIREITO CONSTITUCIONAL vinculante para todo o ordenamento juridico. Por sua vez, esta Constituigao contribui, seja como escalao intermedidrio, seja como trago de uniao, para garantir a existéncia de um ordenamento juri- dico moralmente reto. 2. A ConsTITUIGAO COMO ORDEM JURIDICA FUNDAMENTAL DA COMUNIDADE Ao cumprir essas tarefas fundamentais de formagao de unida- de politica e de ordem juridica, a Constituigdo se converte nao s6 na ordem juridica fundamental do Estado* mas também na da vida nao estatal dentro do territério de um Estado, isto é, na ordem juridica fundamental da comunidade. ‘sta Constituigao determina primeiro as decisdes que levam & unidade politica, segundo as quais esta se deve executar e se devem levar a cabo as tarefas estatais. Tais decisdes sao, segundo a Lei Fun- damental, a inviolabilidade da dignidade humana como principio supremo do ordenamento constitucional, a reptiblica, a democra- cia, o postulado do Estado social de Direito, e a organizacio territo- rial em termos de Estado federal. Nas concregées posteriores de tais decisées, a Constituigéo ordena a organizagao e o procedimento de formagao da unidade politica e da agao estatal; estabelece limites a agao dos poderes ptiblicos. Positiva normas segundo as quais se hao de constituir os 6rgaos do Estado, se ha de determinar a orientagao politica global e se hao de decidir as questdes pendentes. E essa mes- ma Constituicao que regula as competéncias desses 6rgaos e, a gran- des tragos, 0 procedimento com que elas se hao de exercitar. E é ela também que estabelece o procedimento com que se hao de superar os conflitos que surjam dentro da comunidade. Além de tudo isso, a Constitui¢: estabelece principios funda- mentais do ordenamento juridico, e nao s6 da vida estatal em senti- do estrito. Positiva principios e critérios para estabelecer e aplicar as ® Assim, o titulo do importante artigo de W. KAGI, 1945. TEMAS FUNDAMENTAIS DO DIRFITO CONSTITUCIONAL normas do ordenamento. Ordena todas as esferas de vida essenciais a convivéncia, precisamente porque ditas esferas sa0 consubstan- ciais 4 vida do conjunto e se encontram indissoluvelmente conecta- das com a ordem politica. Nesse sentido também sao ordenados na Constitui¢ao os fundamentos de esferas vitais que nada tém a ver, de forma direta, com a formagao de unidade politica ¢ acao estatal, como € 0 caso dos fundamentos do ordenamento juridico civ trimdnio, familia, propriedade, heranga, fundamentos do Direito ma- Penal, principios do ensino, da liberdade religiosa ou das relacées laborais ou sociais. Em tudo isso, a Constituicao é o plano estrutural bdsico, orientado por determinados principios que dao sentido a forma juridica de uma comunidade’. Il. DA SINGULARIDADE DO DIREITO CONSTITUCIONAL QO Direito Constitucional diferencia-se de outros ramos juridi- cos nao s6 em fungao de suas competéncias e de seu objeto. Sao pe- culiaridades essenciais seu nivel hierdrquico, a natureza de suas re- gras, bem como as condigées de sua validade ¢ de sua capacidade para impor-se na realidade social. Essas diferengas tém um significa- do essencial para sua forma de incidir na realidade: a tomada de consciéncia dessas diferengas é uma condigao site qua non para com- preender os problemas constitucionais e sua adequada solugao. 1. Primazia Ao Direito Constitucional corresponde a primazia relativa a todo o restante Direito interno". Essa primazia é pressuposto da A. HOLLERBACH, “Ideologie und Verfassuing’, em Ideologia e Direito, editado por W. MAIHOFER, 1968, p. 46. Sobre isso, R. WAHL, “Der Vorrang der Verfassung”, em Der Stat 20, 1981, p. 485 e885 GRIMM, “Verfassung” (cit. n. 2), p. 14. Com respeito & relagao entre 0 Direito Constitucional e © Direito Internacional, cft., por exemplo, K. IPSEN/Ch. GLORIA, CONSTITUIGAO E DIREITO CONSTITUCIONAL fungao constitucional como ordem juridica fundamental da comu- nidade. Dai que 0 Direito Constitucional nao possa ser derrogado nem reformado por leis ordindrias; nenhuma disposigao do ordena- mento juridico nem ato estatal algum pode contradizé-lo; todos os poderes publicos, inclusive 0 Legislativo, acham-se vinculados pela Constitui¢ao (cfr. os arts. 20.3 e 1.3 GG). CARATER ABERTO E VINCULANTE Essa vinculagao, precisamente numa Constituigao que, como a Lei Fundamental, estabeleceu uma jurisdicdo constitucional, nao carece de problemas, j4 que as normas constitucionais nao sao. com- pletas nem perfeitas. Amplos setores, inclusive os da vida estatal em sentido estrito, esto ordenados unicamente mediante disposicoes de maior ou menor amplitude e indeterminagao, ¢ alguns nem se- quer estao ordenados. A Constituicao nao é um sistema fechado e onicompreensivo; nao contém codificagdo, apenas um conjunto de principios concretos e elementos bdsicos do ordenamento juridico da comunidade, para 0 que oferece uma norma marco. Nesse senti- do é um ordenamento aberto. Essa abertura é sempre limitada. Porém, na medida em que seja suficiente, concede — 0 que da sobretudo um sentido e contetido essenciais a0 ordenamento democratico — margem de atuagao ne- cessdria a um processo politico livre, tratando de garanti-lo. Por isso, a Constituicao possibilita concep¢des € objetivos politicos dife- rentes, bem como sua persecugao. Permite, também, levar em conside- ragao mudangas técnicas, econdmicas e sociais, adaptar-se a evolu- ¢ao historica, assegurando-se, com isso, um requisito fundamental de sua prépria existéncia e eficacia. Ao mesmo tempo, a indeterminagao e a amplitude de algumas normas constitucionais tem certamente como conseqiiéncia que, Volkerrecht, 3° ed., 1990, p. 1071 ¢ ss., em especial p. 1082 e ss. Sobre a relagdo entre Direito Constitucional e Direito Comunitario Europeu, cfr. infra, cap. 2 10 TEMAS FUNDAMENTAIS DO DIREITO CONSTITUCIONAL amitide, algumas questGes constitucionais resultem mais dificeis de resolver que as de outras areas juridicas que encontraram uma regu- lagdo normativa detalhada. Em concreto, a compreensao da Consti- tuigao, em especial dos direitos fundamentais, tem consideravel im- portancia e pode dar lugar a respostas diferentes. Dado que todos os poderes puiblicos estao submetidos & Constituigdo, decide-s e aqui a questao capital de se, e com que amplitude, é livre o legislador para regular uma questao concreta, ou se esta submetido a vinculos cons titucionais, cujo respeito é controlavel pelo Tribunal Constitucional. As relativas abertura e amplitude do Direito Constitucional ofereceriam, no entanto, o perigo de conduzir a uma dis solugao em anarquia e inseguranca se nao fossem aparelhadas a uma fixagao de- terminada e vinculante; ambas, abertura ¢ vinculagao, sio pressupos- tos do cumprimento das tarefas da Constituigao. Em conseqiiéncia, esta determina os fundamentos do ordenamento da comunidade, bem como os contetidos que devem ser subtraidos ao debate e a um constante questionamento. Com isso, devem-se proporcionar a co- munidade os pilares e parametros orientadores necessdrios a fazer frente 4 multiplicidade de problemas. A Constituigdo atua como fa- tor estabilizador; simultaneamente, atua como liberadora de tensdes, porque s6 se apresenta como problema aquilo que nao foi previa- mente decidido", permitindo, com isso, a indispensavel abertura. O que, sobretudo, fica estabelecido de forma vinculante é a arquitetura do Estado e os procedimentos no seu interior. Amitide, tende-se a subestimar as normas de procedimento; no entanto, quando sao ade- quadas a sua fungao contribuem na adogio da decisao correta sobre questdes em litigio. Além disso, estabelecem uma determinada for- mula para as tomadas de decisdes, excluindo, com isso, lutas desor- denadas pelo poder. Finalmente, ditas regras tornam perceptivel ¢ compreensivel para os participantes ¢ afetados os processos decisé- rios. Quanto mais renuncie a propria Constituigao a adotar decisées, 8D, GRIMM, “Verfassungfunktion und Grundgesetzreform’, em Die Zukunft der Verfassung (cit. n. 2), p. 323. CONSTITUIGAO E DIREITO CONSTITUCIONAL mais importante sera que estabeleca para elas um procedimento re- grado. S6 dessa forma a abertura da Constituicao poderé cumprir a fungao que lhe é encomendada. 3. GARANTIA IMANENTE Por tiltimo, 0 Direito Constitucional se diferencia do direito de outros ramos juridicos em que, em definitivo, nao existe instan- cia que possa impor sua observancia; 0 Direito Constitucional tem que garantir-se por si mesmo, supondo-se, entao, a existéncia prévia de uma configuracdo que esteja em condi roes de assegurar, quanto possivel, tal garantia imanente. As fungdes ordenadora e pacificadora do Direito ordindrio de- pendem, em grande medida, de que — se necessério — sejam impos- tas, por via executiva, mediante a coergao estatal. Sua observancia, portanto, sempre resulta garantida a partir de fora. O contrario ocorre com as normas da Constitui¢ao. Sua observancia nao se ga- rante nem por um ordenamento juridico existente acima dela" nem por uma coa¢ao supraestatal; a Constituicao nao depende senao de sua propria forca e das suas proprias garantias. O que intenta é ter em conta tais pressupostos com uma configurac’o que, mediante a divisdo e 0 concurso dos poderes puiblicos, procure, de forma natu- ral, a observancia do Direito Constitucional: por assim dizer, tem que criar um sistema que gravite sobre si mesmo e comporte os Pressupostos necessarios para prevalecer’*. Nao obstante, esse equi- Iibrio imanente sempre permanece precario. Sempre que exista um tribunal que deva decidir sobre a observancia da Constituigao, deve- ra determinar vinculantemente se se trata ou nao de um caso assim, eda sentenca do tribunal podem advir conseqiiéncias sobre o resta- belecimento ou o respeito a situacéo constitucional. No entanto, ® Em nada o alteram 0s vinculos internacionais do Estado nem a primazia como a validade ¢ aplicag4o do Direito Comunitario. Sobre isso, cfr. infra, cap. 2. SMEND, “Verfassung” (pé de pagina), p. 195 e ss. il TEMAS FUNDAMENTAIS DO DIREITO CONSTITUCIONAL isso nao pode impor-se coativamente; em ultima instancia, depende de que cada 6rgao estatal se submeta voluntariamente a Constitui- a0, € que reconhe¢a e cumpra com todas as suas responsabilidades para fazé-la observar. A idéia de um guardiao da Constituig&o" situa- do acima ou 4 margem desse equilibrio imanente confunde o pro- blema e pode induzir a erro. 4, PRESSUPOSTOS PARA SUA EFETIVIDADE Mais além de tudo isso nado pode o mais engenhoso sistema constitucional garantir efetivamente sua observancia quando carece Essa capacidade, que é um pressuposto para que a Constitui- ao possa cumprir as fungGes assinaladas, depende, em grande medi- da, sobre os quais, por sua parte, s6 pode influir ® limitadamente. Entre eles podem-se char agen ave dade histérica, a cujo ordenamento esta destinada a Constituicao, e 0 r na vida constitucional, a: lade dos - tes politicos e dos governados para aceitar como moralmente impe- rativo o contetido da Constituigao. Nao é a yontade dos diferentes legisladores que consegue que as normas da Constituigao sejam aca- tadas, que se afirme o Estado como unidade politica de agao estabele- cida por ela, e seja assumido tesponsavelmente; mas, sim, que, ademais, — ‘¢ C. SCHMITT, Der Hiiter der Verfassung, 1931. 12 CONSTITUIGAO E DIREITO CONSTITUCIONAL em que se perpetuar, por vitalidade e a efic: cia do Direito Constitucional’’, wo doc ntitionoag 4—* é " Ill A CONSTITUICAO DIANTE DA MUDANGA \ HISTORICA \ 1. MUTAGAO E REFORMA CONSTITUCIONAL ‘Toda Constituigao € Constituigao no tempo; a realidade social, a que sao referidas suas normas, est4 submetida 4 mudanca histérica e esta, em nenhum caso, deixa incdlume o contetido da Constituigao. Quando se desatende dita mudanga, o contetido constitucional “fica petrificado” e a curto ou longo prazo nao podera cumprir suas fun- ¢6es. Da mesma forma, a Constitui¢ao pode descumprir suas tarefas em tal caso, suas normas ja nao sao pauta das circunstancias, mas estas que atuam como parametros de suas normas. Funcionalme; | 86 até certo limite pode contrapor-se a tal situacdo mediant "sia de maiorias qualitcadas para azeforma constitucional.Etn ambos 9s casos, no entanto, a forca dos fates revela-se superior ao poder do Direito; no primeiro caso, o tempo deixa defasada a Constituicao, e, fe Cfr. sobre o particular U. SCHEUNER, “Konsens und Pluralismus als Verfas- sungsrechtliches Problem’, em Staatstheorie und Seaatsrecht, Ges. Schriften, 1978, p. 135 ¢ ss A. PODLECH, “Wertentscheidungen und Konsens”, em Rechtsgel- tung und Konsens, editado por G. JAKOBS, 1976, p. 29 e ss. Em detalhe, com relagao as condigdes atuais de consenso sobre a constituigao: VORLANDER (cit. n, 3), especialmente p. 157 ¢ ss., caps, 3-5. ‘* | Sobre o particular basicamente: BAUMLIN (cit. n. 1), especialmente p. 9; P. HABERLE, “Zeit und Verfassung”, em Die Verfassung als dffentlicher Prozess, 1978, p. 59 e ss.; G. HUSSERL, Recht und Zeit, 1955, p. 67 ess. 13 bIASE TEMAS FUNDAMENTAIS DQ DIREITO CONSTITUCIONAL no segundo, a degrada até reduzi-la a mero reflexo das relagées de po- der existentes em cada momento. Por isso, da perspectiva de Constituigto no temposa Constitui- cdo s6 pode cumprir suas tarefas onde consiga, sob mudadas circuns- tancias, preservar sua forca normativa, isto é, onde consiga garanti sua continuidade sem preju zo das transformag¢Ges historicas, o que pressupde a conservagao de sua identidade. Partindo disso, nem a constituigéo com um todo nem suas normas concretas podem ser concebidas como letra morta, como algo estatico e rigido; precisa- ye mente sua continuidade pode chegar a depender da forma em que se encare a mudanga. Esta pode ser levada a efeito por duas vik ~contém normas abertas, isto é regras que, por sua formulacdo gene- ralista e lingiiisticamente esquemiatica, 56 mediante progressivas con= cregdes podem ser levadas a pratica. Semelhante concre¢ao 86 € possi- sobre o qual a norma queira projetar-se. Esse setor co-determina o contetido da norma, que nao pode ignorar as condigées de sua reali- zacao nem manter-se inalterdvel”; transforma-se a realidade social, transforma-se, com ela, o contetido da norma. Essa transformagao se faz observar claramente, sobretudo na jurisprudéncia do Tribunal Constitucional, tanto em algumas decisdes especificas'® quanto no conjunto da jurisprudéncia sobre os direitos fundamentais da Lei Fundamental, que, em geral, desenvolveu o contetido desses direitos, superando sua origindria significagao como direitos de defesa. Cfr. também D, GRIMM, “Verfassung” (cit. n, 2) p. 22 ¢ ss. Em conjunto, com mais detalhes: F. MULLER, Juristische Methodik, 44 ed., 1990, p. 270 e ss. Cir, por exemplo, BVerfGE 53, 157, 290 e ss. (regimes legais de previsdo social como objetos de proteczio mediante garantia da propriedade);54, 148, 153 (garantia cons- titucional dos direitos gerais da personalidade); 65, 1, 41 ess. (protecao de dados); 73, 118, 154, e 74, 297, 350 (liberdade de radio-televisio sob novas condigGes). 14 JAI. ¥ ° ae CONSTITUIGAO E DIREITO CONSTETUCIONAL 4% Kew ir I¥n\o. Jy "concreto — da mutacao constitucional esto contidos_no_préprio "texto constitucional”: resulta inadmissivel uma interpretagio dife- rente dos enunciados constitucionai "seul texto. Mais além desse limite, pare para proceder a reformas, impde-se a modificacao do texto, a refor- perar novas situa¢ ‘SOU ma ituci rt. 79.1 GG). Em todo caso, a reforma cons- titucional pressupde que se mantenham intactas as decis6es funda- ‘aging oma segundo a Lei Fundamental, os principios consagrados nos arts. 1° e 20 e a ar- ticulagao territorial em Lander que concorrem com a legislagao (art. eign, desgontinnidale feasts Ne realcade,ta- tar-se. le exercitar o poder constituinte, de substituir a atual por - outra nova Constituigao, a margem da ordem constitucional. 2. Novos PROBLEMAS O modelo constitucional com 0 qual se conecta a Lei Fundamen=.. tal, embora tenha variado numa série de aspectos, é 0 do século Na monarquia constitucional da época era tarefa da Constituigéo ~ limitar © poder pressuposto e, em principio absoluto, da Coroa, € garantir, assim, ao cidadao e a Sociedade uma liberdade responsavel. Isso se produziu, sobretudo, mediante a vinculagéo da Lei — Orga- mentos do Estado incluidos — a aprovagao das camaras. Na medida e exigiam deste abster-se de intervir no direi- to protegido. O direito-liberdade, no ambito garantido, era liberda- de frente ao o Estado ov ou, 0 qu Com maior detalhe: K. HESSE, “Grenzen der Verfassungswandlung”, em Fests- chrift far U. Scheuner, 1973, p. 123 ess. A respeito da fungio que os direitos fundamentais exerciam, cfr. por exemplo, U. SCHEUNER, “Die rechtliche Tragweite der Grundrechte in der deutschen 0 15 16 TEMAS FUNDAMENTAIS DO DIREITO CONSTITUCIONAL a) Asatuais tarefas do Estado "No Estado democratico intervencionista, de prestacao de servi- ¢0s é de previsao do presente, as tarefas sao essencialmente distintas. Nao se trata tanto de limitar um poder estatal absoluto, que viesse hispprice mente ae. SiaeaiagcinenieeNEnmenN: Trata-se, ademais, de garantir eficazmente, sob as condigdes atuais, a'liberdade € uma __ vida digna, Para isso, junto a normas de organizacao, necessita-se também na Democracia dos direitos findamentais como direitos de defesa frente as intervengGes estatais. Contudo, ja nao basta o principio de exclusao: o que os direitos fundamentais devem garan- tir depende nao s6 de inexisténcia de tais intervengdes, mas, numa _ es materiais para uma vida livre e digna. Junto a isso, a tarefa de previsdo é interpretavel nao s6 como a atual procura existencial e a previsao social; compreende também a responsabilidade para o futu- ro dos homens, o que obriga a ter em conta as possiveis conseqiiéncias das decisdes e processos atuais, ao como sucede, por exemplo, com a divida do Estado, o armazenamento de residuos radioativos ou a biogenética, e de preservar as geragGes futuras dos énus, perigos ou riscos que tudo isso leva consigo”!. Prescindindo disso, a mera exclusao de esferas nao suscetiveis de intervengao estatal nao era suficiente, por si s6, para preservar a liber- dade humana dos perigos que podiam ameagé-la a partir dos poderes Verfassungsentwicklung des 19. Jahrhunderts’, em Festschrift fiir E.R.Huber, 1973, p. 139 e ss E.R. HUBER, “Grundrechte im Bismarckschen Reichssystem”, em Festschrift fiir U. Scheuner, 1973, p. 163 e ss.; R WAHL, “Rechtliche Wirkun- gen und Funktionen der Grundrechte im deutschen Konstitutionalismus des 19. Jahrhunderts’, em Der Staat 18, 1979, p. 321 ¢ ss Esse aspecto da Constituigao no tempo tem sido ressaltado, com razao, com pre- visto ante o risco por D. GRIMM, Die Zukunft der Verfassung (cit. n. 2), p. 416 e ss. com bibliografia adicional. A respeito da problematica, basicamente P.SALADIN, Verantwortung als Staats prinzip, 1984, p. 99 e ss. 2 CONSTITUIGAO F DIREITO CONSTITUCIONAL nao publicos que, nos tempos atuais, podem resultar mais ameacado- res que os derivados do préprio Estado. Quando, a vista de uma hipé tese dessa, um: a in "qué a positivagao Classica. Tudo dependerd de que possa assegurar aqueles recursos e os servigos necessarios a respeito, sem que, mercé de uma desmedida extensao da previsao, da planificagao e da configura- a0 globais, se anule a possibilidade de existéncia autodeterminada e responsavel. Faz-se cada vez mais necessdrio coordenar as distintas es- feras de liberdade suscetiveis de entrar em conflito, E, finalmente, de- pendera de que a liberdade fique protegida frente ao exercicio do po- der social ou econémico que, em todo caso, exige a acdo estatal. Portanto, uma ordem justa e eficiente em liberdade ja nao surge sem mais — como pretendia a doutrina classica — da diviséo dos poderes do Estado e de sua abstencao a respeito de esferas sociais auténomas, ¢ sim de que atue positivamente num mundo cada vez mais complexo. Isso supoe deslocar as tarefas do Estado, das simplesmente orientadas a preservar a ordem estabelecida na direcao de outras destinadas a configurar uma nova ordem e as formas proprias de acao para atender a tais incumbéncias. Nesse contexto, os meios im- perativos tradicionais, em especial a Lei e o ato soberano, poderiam ja nao ser suficientes. Ademais, amitide, uma série de medidas esta- tais sé é executavel se se conta com 0 concurso ou, ao menos, coma aprovagao das forcas econdmicas ou de certos poderes sociais, e isso éalgo que o Estado tem que conseguir por via de negociagao, Segun- do uma difundida interpretacao, tudo isso reduz a capacidade do Estado de dirigir os processos sociais”, precisamente quando, cada vez mais, se tornou uma tarefa publ: “Sobre o particular, com maior detalhe: D.GRIMM, “Der Wandel der Staatsauf- gaben und die Krise des biirgerlichen Rechsstaats” (cit. n. 2), p. 166 e ss.; idem, Die Zukunft der Verfassung (cit. n. 2), p. 418 e ss. Com o diagnéstico de tracos neocorporativos do sistema politico: BADURA, Artigo “Verfassung” (cit. n. 2), col. 2758; H. HOFMANN, “Aufgaben und Grenzen des Staatshandels unter den Bedingungen der Gegenwart’, em Verdffentlichungen der Walter Raymond-Sti- fang 27, 1989, p. 21 ess. 18 TEMAS FUNDAMENTALS DO DIREITO CONSTITUCIONAL b) Constituicdo e poder configurador Essa mudanga ja originou modificagoes essenciais na concepgao constitucional e na interpretacao de suas normas. Isso é aplicavel, so- bretudo, aos direitos fundamentais, cuja significagéo atual superou amplamente a versio classica dos direitos de defesa (infra, cap. 3). Em tal medida, 0 alcance originério da Constituigao nao sé se mantém como também, apesar das diferentes condi¢oes do presente, inclusive aumentou, como conseqiiéncia do desenvolvimento e dos efeitos da jurisdicao constitucional. Frente a moderna atividade configuradora do Estado, conserva a Constituicao sua fungao limitadora, pois deter- mina claramente que contetidos nao podem ter essas medidas. A esse respeito, carreia a constituigao, como até agora, em si mesma os pres- supostas de sua eficdcia”; nessa fungao, pode justificar pretensdes dos cidadaos em forma de agao judiciais impeditivas. Do ponto de vista Positivo, a Constituicao nao pode, em troca, conduzir e tornar efetiva diretamente a atividade configuradora: unicamente pode oferecer di- retrizes em forma de objetivos. Em tal medida permanece a Constitui- ig necessita ser executado posteriormente, e que, por isso, depende de > limitada a positivar um programa publico de configuracao, que que seja assumido em particular pelo legislador, e levado a pratica se- gundo a situacao e as possibilidades do momento*, Sempre que, além disso, se trate de realizar objetivos sociais, isso vem assistido por uma certa imperatividade do postulado do Estado social, que pode pres- cindir melhor que o Estado de Direito das garantias constitucionais de sua imposi¢ao, porque nenhum governo pode hoje em dia renunciar a uma politica de previsdo e compensagao social”. c) | Mudangas no ordenamento territorial A diferente natureza dos problemas que se hao de abordar ob- serva-se adicionalmente no ordenamento federal da Constituigao. A * _E, FORSTHOFF, “Begriff und Wesen des sozialen Rechtsstats”, em VVDSIRL 12, 1954, p. 16. *4 Mais em detalhe, infra, cap. 3, numeros marginais 31 e ss. D. GRIMM, “Verfassugsfunktion und Grundgesetzreform? (cit. n.2), p. 325. CONSTITUIGAO E DIREITO CONSTITUCIONAL Lei Fundamental se entrelaga com as leis fundamentais da Federa- ao Alem e as constituigdes do século XIX, particularmente no que concerne a instauragao do Bundesrat. Junto a vigente tarefa histérica de formagao de unidade politica no que diz respeito 4 autonomia dos membros da Federagao, acrescenta-se, sob as hipéteses da esta- bilidade atual, a necessidade de garantir uma certa equiparagao das condig6es materiais de existéncia, com sua inevitavel conseqiiéncia de crescente unitarismo, que é fomentada essencialmente por diver- sos fatores, tais como os partidos de ambito nacional’*. Com isso se atribui a Constituigao a tarefa de garantir o sistema federal inclusive ‘ao sob as condigées atuais, o que exclui qualquer tipo de petrifica das velhas formas federais. © caminho seguido até hoje de compen- sar, ampliando as competéncias do Bundesrat, as perdas de autono- mia em competéncias legislativas dos Lander, dificilmente levara a uma solugao satisfatoria. Nao se deve ignorar, no entanto, uma ten- déncia em sentido contrari crescente abundancia e complexida- de das competéncias do Estado torna inevitavel uma desconcentra- ¢40 de seu desempenho, provocando, assim, um reforgo dos centros de decisao politica com sede em orgaos dos Linder. d) _ Internacionalizacao e europeizagao Aatual abertura do Estado para o exterior, isto 6, sua internacio- nalizagdo e europeizagao, finalmente provoca mudangas essenciais. A internacionalizagao” resulta da importancia crescente dos acontecimentos exteriores, tanto para a vida interna como para a acao do Estado, Junto as multiplas vinculagdes no sistema de trata- dos internacionais e as conseqiientes obrigacgGes, pde-se claramente de manifesto a dependéncia da economia interna em relacdo a eco- nomia mundial e a sua evolucao, isto é, 4s numerosas interdepen- déncias existentes, 0 que sup6e que os assuntos externos e internos Sobre isso, em detalhe: HESSE, Grundzfige (cit. n, 4), nimeros marginais 220 e ss. Esse importante aspecto foi desenvolvido convincentemente, sobretudo, por K. EICHENBERGER (cit. n. 3), p. 183 e ss. 19 20 TEMAS FUNDAMENTALS DO DIREITO CONSTITUCIONAL se tornam cada vez mais dificeis de separar. Da mesma forma que tais processos, restam ao Estado possibilidades de agao auténoma apenas quando se apresentam para uma regulacao pela Constituigao nacional. Disso resulta que esta perca parte de sua vigéncia geral. Para a Republica Federal se produzem repercussoes muito amplas, derivadas de sua europeizagio, pela transferéncia de tarefas estatais para instancias (supranacionais) da Comunidade Européia, que vai adquirindo maior peso quanto mais avanca a Comunidade em diregio & Uniao Européia. Nesse sentido, perde a Constituicdo, na medida da rentincia estatal a sua exclusiva soberania, uma parte de seu valor originério. Ao mesmo tempo, a progressiva integra¢ao européia acarreta deslo- camentos na ordem constitucional. Isso se observa, por exemplo, na perda de competéncias dos Linder no ambito do regime federal. Fé aplicavel 4 democracia parlamentar, tanto na Federacao quanto nos Linde * © processo de formagao da vontade politica nacional por intermédio do Parlamento democraticamente eleito se vé limitado em beneficio da formagao essencialmente executiva de vontade nos Orgaos competentes da Comunidade ropéia; tao logo entra em vigor 0 Direito europeu desaparece o €spaco para o Direito nacio- nal. O mesmo sucede com a fungao do Governo Federal responsével Perante 0 Parlamento. Certamente, 0 Governo concorre no Conse- tho para a formacao européia de vontade (art. 4° EWGV); porém, uma co-gestao com essas caracteristicas nao compensa a perda da autodeterminagao nacional, sobretudo nos casos em que o Conse- lho tome uma decisio por maioria e fique a Reptiblica Federal em minoria. Em conjunto, a Constituicao ¢ 0 ordenamento juridico na- cional tornam-se uma ordem fundamental ¢ um ordenamento juri- dico parciais aos quais se sobrep6e o Direito comunitério, o que, entre outras coisas, nao deixara de afetar a acdo e 0 significado da jurisdicdo constitucional. A importancia desse processo nao pode ser subestimada, po- rém, tampouco, deveria ser supervalorizada, O Direito Constitucional nao chegaré completamente a dissolver-se ao extremo de ser redutivel a CONSTITUIGAO E DIREITO CONSTITUCIONAL mero episédio da histéria constitucional. Com independéncia da for- ma que assumiré no futuro a Comunidade Européia: sua existéncia pressupora sempre a dos Estados membros e, com isso, a de suas cons- tituigdes”*. Do mesmo modo, a futura Unido Européia s6 poder cum- prir eficazmente suas tarefas se sua execucao for descentralizada e ob- servar o principio da subsidiariedade, isto é, se a Comunidade se limitar a quanto requeira uma regulamentacao uniforme”. De todas as formas, é inegavel uma profunda mudanga: a evolugao do Estado desde sua concepsao tradicional como soberano, nacional, relativa- mente hermético, para o Estado atual, internacionalmente imbricado e supranacionalmente vinculado, corresponde a perda da primazia e do valor e importancia que até muito recentemente teve sua Consti- tuicao. Essa, enquanto Constituigao de um membro da Comunidade Européia, tem de respeitar os limites fixados pelo Direito Europeu; seus contetidos hao de levar em conta a necessaria harmonizagao com a Constitui¢ao comunitaria e orientar-se materialmente para o Direito europeu, de forma que as atuagées de cada um dos Esta- dos membros ¢ as que se realizem em nivel comunitério sejam congruentes entre si. Dai que, nao por acaso, a unidade alema se encontre intima- mente relacionada a Uniao Européia. Ambas se pressupdem de for- ma semelhante a como a Alemanha unida faga, necessariamente, parte da Uniao Européia. O pertencimento da Alemanha a essa Eu- ropa € condigao fundamental do giro histérico de acordo com o qual nao cabe um ressurgir do antigo Estado nacional alemao. % H. P. IPSEN, “40 Jahre Grundgesetz der Bundesrepublik Deutschland”, em JoR NE 38, 1989, p. 37 e ss.; idem, “Europaische Verfassung und Nationales Verfas- sung’ em Bitburger Gespriiche, Jahrbuch, 1987, p. 50, ® Cf. art. 3.b).2 do Tratado de Mastrique (Maastricht). O principio de subsidiari- dade € considerado em amplos setores como insuficiente. Como substitutivo se levantam vozes que reclamam claras delimitagées de competéncias no sentido de reserva exclusiva de determinadas matérias aos Estados membros e & sua coopera- a0. A respeito cf. E. STEINDORFF, “Verfassugsinderung durch die EG?, em AOR 116, 1991, p. 464 € ss. 21 22 TEMAS FUNDAMENTAIS DO DIREITO CONSTITUCIONAL 3. POLiTICA CONSTITUCIONAL ‘Os problemas esbogados podem em relevo: a concepgao tradi- cional do Estado ¢ tao dificilmente mantenivel como uma idéia de Constituigao orientada para o modelo nacional 4 moda antiga. Par- tindo dessa situa¢ao, nao seria correto inferir 0 ocaso ou, ao menos, uma crise do Estado constitucional. Nao ha duvida quanto ao desa- fio que isso supe para o presente. Por tras da fase atual de sua con- solidacao, de desenvolvimento e, a0 mesmo tempo, de progresso e mutagao do ordenamento constitucional da Lei Fundamental, faz-se necessdrio observar, cada vez mais, os acontecimentos futuros; te- mos de tomar consciéncia do significado dos novos problemas para os direitos fundamentais, para os érgaos estatais estabelecidos pela Constituicao, suas tarefas e a forma de leva-las a cabo, e para adotar as disposigSes com as quais a ordem constitucional possa fazer frente a novas situacdes ou as condicdes de funcionamento, bem como buscar vias que tornem possivel, sob condi¢gGes distintas, uma exis- téncia livre e digna. A tarefa de uma politica constitucional provedora, claramente concebida, que, por isso, se imponha de forma categérica, é independente da unidade alema. Constitui um processo a longo prazo em que a necessidade de concerto com o progresso da integracao européia teré uma importancia essencial.

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