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SOBRE A “MICROFISICA DO PODER” DE FOUCAULT logo sobre “Poder” Recortes para o Se fosse pretensioso, daria como titulo geral ao que fago “genealogia da moral”, Nietzsche ¢ aquele que ofereceu como alvo essencial, digamos ao discurso filos6fico, a relagdo de poder. Enquanto para Marx cra a relagio de producio, Nietzsche ¢ 0 fildsofo do poder, mas que chegou a pensar o poder sem se fechar no interior de uma teoria politica Michel Foucault, “Sobre a pristio” — Entrevista para Magazine Litéraire (1979: p. 143) XI-GENEALOGIA E PODER. Curso do College de France, 7 de Janeiro de 1976. Conclustio de uma série de pesquisas dos primeiros anos da década de 70 (sublinhe-se: pos Maio de 1968) ~ “fragmentirio, repetitivo e descontinuo” / “se poderia chamar de preguiga febril... pesquisa que conviria muito bem as inércia profunda dos que professam um saber indtil...conviria ... a grande, tera e calorosa magonaria da erudigio inutil.” (FOUCAULT, 1979: 168) Temas das pesquisas: historia do procedimental penal, evolucao ¢ institucionalizag&o da psiquiatria, sofistica, moeda grega, Inquisicao no Medievo, historia da sexualidade (confissées e controle da sexualidade infantil) etc. Foucault destaca sobre o periodo: I — “eficacia das ofensivas dispersas e descontinuas” — “uma imensa e proliferante criticabilidade das coisas, das instituigdes, das praticas, dos discursos”, acompanhada de um “efeito inibidor proprio as teorias totalitarias, globais... um efeito de refreamento” (FOUCAULT, 1979: 169) II — “esta critica local se efetuou através do que se poderia chamar de retorno de saber”, caracterizado na expresso “n&o mais o saber mas a vida”, da qual decorre “o que se poderia chamar insurreigdo dos saberes dominados (FOUCAULT, 1979: 169-70). Sobre os “saberes dominados” Foucault distingue: 1) blocos de saberes hist6ricos que estavam mascarados sob 0s conjuntos funcionais e sistematicos e 2) os saberes que haviam sido “desqualificados” - “um saber particular, regional, local, um saber diferencial... que o opde a todos aqueles que o circundam™ (FOUCAULT, 1979: 170). Surge a genealogia: “pesquisas genealdgicas miltiplas, ao mesmo tempo redescoberta exata das lutas e memoria bruta dos combates” (FOUCAULT, 1979: 171). Ou “acoplamento do conhecimento [saber erudito] com as memérias locais [saber das Pessoas], que permite a constituigao de um saber histérico das lutas e a utilizago deste saber nas taticas atuais” (FOUCAULT, 1979: 171). nv ‘A questo de todas estas genealogias é: 0 que é 0 poder, poder cuja irrupgio, forga, dimensao ¢ absurdo apareceram coneretamente nestes iltimos quarenta anos (..) © que € 0 poder, ou melhor (...) quais so, em scus mecanismos, em seus efeitos, em suas relagdes, os diversos dispositives de poder que se exercem a niveis diferentes da sociedade, em dominios ¢ com extensdes tio variados? Creio que a questiio poderia ser formulada assim: a anilise do poder ou dos poderes pode ser , de uma maneira ou de outra, deduzida da economia? (FOUCAULT, 1979: 171). [grifo nosso} “Questiio: se 0 poder se exerce, 0 que é este exercicio, em que consiste, qual ¢ sua mecanica?” (FOUCAULT, 1979: 175). Duas hipéteses: 1) “o poder € essencialmente repressive” (FOUCAULT, 1979: 175). O poder o que reprime a natureza, os individuos, os instintos, uma classe” (Hegel, Freud e Reich) [...] — “a andlise do poder deveria ser essencialmente uma andlise dos mecanismos de repressio” (FOUCAULT, 1979: 175). 2) “o poder é guerra, guerra prolongada por outros meios” (FOUCAULT, 1979: 176) — “se o poder é em si proprio ativagdo e desdobramento de uma relagdo de forga [...] nao deveriamos analisa-lo acima de tudo em termos de combate, de confronto e de guerra?” (FOUCAULT, 1979: 176) XIL— SOBERANIA E DISCIPLINA Curso do College de France, 14 de Janeiro de 1976. “O que tentei investigar, de 1970 até agora, grasso modo, foi o como do poder (...) Um triangulo, portanto: poder, direito e verdade” (FOUCAULT, 1979: 179) A questio tradicional da filosofia politica: “como pode o discurso da verdade (...) fixar 05 limites de direito do poder?” recolocada por Foucault: “de que regras de direito as relagdes de poder langam mao para produzir discursos de verdade? (...) Nao ha possibilidades de exercicio do poder sem uma certa economia dos discursos de verdade (..) Somos submetidos pelo poder 4 produgao da verdade e s6 podemos exercé-lo através da produgao da verdade.” (FOUCAULT, 1979: 179) Foucault procura inverter a andlise do discurso do direito: “fazer sobressair 0 fato da dominagao no seu intimo e em sua brutalidade e a partir dais mostrar nao so como o direito é, de modo geral, o instrumento dessa dominag&o — 0 que é consenso — mas também como, até que ponto e sob que forma o direito (...) pde em pratica, veicula relagdes que nao so relagdes de soberania e sim de dominagao. “(FOUCAULT, 1979: 181) “Por dominagdo eu nao entendo o fato de uma dominagao global de um sobre os outros, ou de um grupo sobre outro, mas as miltiplas formas de dominagao que podem se exercer na sociedade. Portanto, no o rei em sua posicao central, mas 0s stiditos em suas relagdes reciprocas: no a soberania em seu edificio unico, mas as miiltiplas sujeigdes que existem e funcionam no interior do corpo social” (FOUCAULT, 1979: 181) Para fazer aparecer “o problema da dominagao e da sujeigao” Foucault recomenda cinco precaugdes metodolégicas 1° “Trata-se, a0 contrario, de captar 0 poder em suas extremidades, em suas iiltimas ramificagdes, lé onde ele se torna capilar, captar o poder nas suas formas e instituicoes mais regionais ¢ locais (...) captar poder na extremidade cada vez menos juridica de seu exercicio” (FOUCAULT, 1979: 182). 2° “(...) estudar 0 poder onde sua intengaio — se é que hd uma intengo — esté completamente investida em praticas reais ¢ efetivas; estudar 0 poder em sua face externa (...) onde ele se implanta e produz efeitos reais. (...) como funcionam as coisas a0 nivel do processo de sujei¢&io ou dos processos continuos ¢ ininterruptos que sujeitam os corpos, dirigem os gestos, regem os comportamentos, etc.” (FOUCAULT, 1979: 182) 3° “O poder deve ser analisado como algo que circula, ou melhor, como algo que s6 fanciona em cadeia. Nunca esta localizado aqui ou ali, nunca esté nas maos de alguns, nunca ¢ apropriado como uma riqueza ou um bem. O poder funciona e se exerce em rede. Nas suas malhas os individuos nao s6 circulam mas esto sempre em posiglio de exercer este poder e de sofrer sua aco; nunca sio 0 alvo inerte ou consentido do poder, sio sempre centros de transmissio. Em outros termos, o poder nfo se aplica aos individuos, passa por eles. (...) 0 individuo nfio é © outro do poder: é um de seus primeiros efeitos.” (FOUCAULT, 1979: 183) 4° (...) fazer uma anilise ascendente do poder: partir dos mecanismos infinitesimais que tém uma histéria, um caminho, técnicas e taticas e depois examinar como estes mecanismos de poder foram e ainda sio investidos, colonizados, utilizados, subjugados, transformados, deslocados, desdobrados, etc.” (FOUCAULT, 1979: 184) “(..) examinar historicamente, partindo de baixo, a maneira como os mecanismos de controle puderam funcionar (...) € como estes mecanismos de poder, em dado momento, em uma conjuntura precisa e por meio de um determinado nimero de transformacdes comegaram a se tomar economicamente vantajosos e politicamente tteis” (FOUCAULT, 1979: 185). 5° “(...) € bem possivel que as grandes maquinas de poder tenham sido acompanhadas de produgdes ideolégicos (...) 0 poder, para exerce-se nestes mecanismos sutis, é obrigado a formar, organizar e por em circulagdo um saber, ou melhor, aparelhos de saber que no so construgGes ideolégicas.” (FOUCAULT, 1979: 186) “E preciso estudar 0 poder colocando-o fora do modelo do leviata, fora do campo delimitado pela soberania juridica e pela instituigdo estatal. E preciso estuda-lo a partir das técnicas e taticas de dominac&o.” (FOUCAULT, 1979: 186) No século XVII e XVII aparece uma nova mecanica do poder: “um tipo de poder que se exerce continuamente através da vigiléncia (...) que supdes um sistema minucioso de coergdes materiais do que a existéncia fisica de um soberano (...) € 0 poder disciplinar.” (FOUCAULT, 1979: 188) * Sociedade disciplinar e “normalizagao”” “Na luta contra o poder disciplinar, niio 6 em diregio do velho direito da soberania que se deve marchar, mas na dire¢ao de um novo direito antidisciplinar e, a0 mesmo tempo, FOUCALT, Michel. Microfisica do poder. 12 ed. Rio de Janeiro: Graal, 1979.

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