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Morte José de Anchieta Corréa Copyright © 2008 by José de Anchieta Correa pode direitos reservados. Nenhuma parte desta ed 1 qualquer meio ou forma, seia nem apropriada Todos os set utilizada ou reproduizida ~ en 10 ou eletronico, fotocdpia, gravacao ete. dados, sem a express mecinic ‘ou estocada em sistema de bancos de autorizagiio da editora, Freitas Moreira Preparagiio: Beatriz de e Otacilio Nunes Revisdo: Carmen T. S. Costa Capa: Andrea Vilela de Almeida Imagem de capa: Visuals Unlimited/Getty Images 1° edigao, 2008 icionais de Catalogacio na Publicagio (CIP) Dados Internat SP, Brasil) (Camara Brasileira do Livro, Gorréa, José de Anchieta. Morte / José de Anchieta Corréa (Filosofia frente & verso / coordenador — Sao Paulo : Globo, 2008. ‘Alexandre de Oliveira Torres Carrasco) ISBN 978-85-250-4474-7 1 Morte 2. Filosofia I. Carrasco, Alexandre de Oliveira ‘Torres. IL. Titulo. IIL, Série 08-01365 Cpp-128 Indices para catalogo sistematico: 1. Morte e vida : Filosofia 128 1. Vida e Morte : Filosofia 128 Direitos de edigdo em lingua portuguesa adquiridos por Editora Globo S. A. Av. Jaguaré, 1485 — 05346-902 — Sao Paulo, SP wwwglobolivros.com.br 9 E AGORA, Jos&? E AGORA, MARIA? epois de percorrido este longo caminho, importa Dee claro e patente o lado positivo da existéncia da morte e sua fungao no surgimento do universo hu- mano. Indagar se ao homem nao resta sendio se ocupar do lado sombrio e trégico de uma vida a espera da morte. Sera que estamos condenados todos a um desti- no tao terrivel, tal como relatou Séfocles na tragédia Edipo em Col6nia? Tragédia, cuja unica saida possivel ao infortunado rei, cego e desonrado, exilado de seu reino, 6 ouvir 0 Coro cantar: “Melhor seria nao haver nascido!”. Nao haveria uma face positiva da morte, confir- mando 0 pensamento de que “a morte, impondo um limite 4 nossa existéncia, instaura uma descontinuida- de, institui 0 tempo?” (Ziegler, Os vivos e a morte). Na verdade, nascimento e morte sao dois limites que nao sé definem nossa finitude, mas constituem ao mesmo Morte 105 tempo as duas pontas da estrutura do arco da vida, cujo dinamismo e tensao nos convidam a dar sentido a nossa Presenga na histéria, nos impulsionando a fazer proje- tos, a organizar nossa semana, a dividir 0 tempo entre o trabalho, a amizade e 0 amor, 0 descanso € o lazer. Se o tempo registrado no ponteiro do relégio s6 pare- ce fazer passar, tal movimento pode assim nos enganar, nos impedindo de conhecer a dimensao do presente na estrutura do tempo que passa. Importa conhecer e experimentar a natureza do tempo presente, pois é nele € s6 nele que nos é dado ancorar e viver a vida. Se nos deixarmos enganar pela aparéncia de um tempo que sé faz devorar a si mesmo, minuto ap6s minuto, perdere- mos a oportunidade de gozar e conhecer a magia da vida. Tempo presente: 0 tinico que de fato existe. O pre- sente € esta tensdo, esse dinamismo em acdo que sus- tenta, de um lado, um passado que ja ndio é, e de outro, um futuro que ainda nao é. Assim sendo, nos garante reviver antigas alegrias ou recordar dores e afligdes pas- sadas. Nele igualmente se sustenta 0 ponto de partida de nossos desejos e projetos futuros. Esquecido dessa verdade, o idoso, sentindo-se “Velho”, desvaloriza 0 pre- sente e estd sempre a repetir “Ah!, no meu tempo”, Assim procedendo, morre antecipadamente. A crenga universal na imortalidade pode, entao, ter dois sentidos: um bom e desejavel: viver 0 presente na 106 José de Anchieta Corréa esperanga da continuagao da vida, na plenitude do espi- rito; outro ruim e paralisante: deixar de viver 0 presen- te, reduzido a um “vale de lagrimas”, pois verdadeira vida 6 existe no Além: ontemporanea, tudo conspira contra a possibilidade de a este, a m nossa cultura | procedermos a uma invencao vital de novos lacos e de no- vas trocas entre vivos e mortos, A semelhanga do que | ocorre, como acima vimos, nas culturas primitivas, nas quais os mortos ancestrais continuam a Pparticipar e \ garantir a coeréncia e a vida social de seu povo. — Inscrever a morte em sua propria existéncia é tare- fa paciente e ardua proposta a cada homem. Entretanto, 0 homem s6 ganha se sustenta 0 verdadeiro significado ¢ sua propria vida, tornando-se capaz de aceitar 0 “nao”, © limite, as perdas de toda ordem que se esten- dem por toda a vida e freqiientam seu dia-a-dia. S6 assim procedendo lhe seré possivel libertar-se do dese- jo de onipoténcia, isto é, do desejo de “ser como os deu- ses”, crenca que o impede de atravessar 0 enigma da morte e fazer de cada perda, de cada limite, nao uma morte, mas possibilidade de um constante renascer, S6 assim, privado de uma poténcia que ele nao tem, sairé das sombras do medo e da ignorancia provenientes dos tabus e pavores que cercam a simples nomeagao desse nome: a morte. A morte, mesmo continuando a ser para o homem um enigma, transformar-se-4 em ocasiao de iluminagao, permitindo-lhe com coragem e firmeza sus- Morte 107 tentar seus desejos humanos, sempre avessos a todo voto de onipoténcia. / Em um conto, por nome “Cara-de-Bronze” (Guima- raes Rosa, Corpo de baile), é relatada a histéria de um fazendeiro, solitério, apegado a poderes e posses. Agora ele esta “doente com um olhar de secar orvalhos”, “amargo feito falta de agticar” e vendo a morte se apro- ximar. Todavia, é quando descobre o valor e a beleza da vida nas miudezas do mundo das Gerais. Chama um cantador que passa o dia todo a cantar cantigas da roga para espantar-lhe as tristezas. Pée-se a “perguntar noti- ciazinhas”, tem prazer com “engragadas bobeias”, como “estivesse caducavel”. Manda buscar, nas lonjuras, remé- dios, elixires para curar seus males. Agora sabe que “o ho- mem envelhece € porque nao agiienta viver, ainda nao sabe e tem medo da morte”. Ele, que s6 soube enricar, vendo aproximar-se o fim da vida, comega a viver que- rendo cada vez mais levar a morte para o futuro. A morte, entao, longe de tirar o sentido da vida, tor» na-se fundamento, causa ¢ convite para valorizar ainda mais a vida do tempo presente. O homem, entdo, tendo seus pa: s guiados por essa iluminagao, dar-se-4 por tare~ fa gozar do convivio junto aos seus, entreter ami desenvolver compaixao e tolerancia para com 0 outro, balhando sempre por gerar mais vida, mais amor, mais gria, lutando para promover a justi¢a e a paz no mun 108 José de Anchieta Corréa

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