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MARS 1932
REVISTA
DO

Instituto HiHiststororicico e Geographico


de São Paulo

SAO PAULO
TYPOGRAPHIA DO 4 DIARIO OFFICIAL
1918
REVISTA
DO

Instituto Historico e Geographica


de São Paulo

SÃO PAULO
TYPOGRAPHIA DO DIARIO OFFICIAL >>
1915
417807
A PROPOSITO DE UM REQUERIMENTO
PELO

DR. ALFREDO DE TOLEDO


Socio benemerito do Instituto
A proposito de um requerimento
Entre os papeis avulsos do Archivo do Estado, o dr.
Antonio de Toledo Piza, a cuja dedicação sem par e reco
nhecida competencia esteve confiada por varios annos a di
recção desse importante serviço publico , encontrou um do
cumento respeitante ao fôro paulistano de ha quasi dois se
culos atraz e, por conhecer o amor, filho de uma decidida
vocação, com que exerço a advocacia, m'o communicou, certu
de que elle não deixaria de interessar -me.
Feita a traducção, que para a ultima parte do manus
cripto exigiu o emprego de reagentes chimicos, deu -me o
illustre paulista, cuja amizade muito prezei, a copia desse
documento ao mesmo tempo em que externava o desejo de
que eu o désse á estampa com os commentarios que este me
suggerisse.
A publicação do velho documento dava azo para um
preito de homenagem a uma figura veneranda da sociedade
paulista dos tempos idos e passivel de censura seria o ina
proveitamento de semelhante ensejo quando o prégão das
virtudes de nossos antepa ssados é um estimulo para as vir
tudes dos contem poraneos .
Sobre isso, é de notar-se que esse documento, si não
vem resolver controversia alguma nem mesmo aclarar qual
quer problema, é, sob mais de um aspecto, sufficientemente
interessante para justificar sua publicazão, que passo a fazer:
PETIÇÃO

« Exmo. Sr. Conde General

Diz Dom Simão de Toledo Piza , cidadão e


« moradır desta Cidade, que em muitas occaziões
« se valem delle seus parentes, filhos, amigos e
« pobres e alguns religiosos, pedindo-lhe que lhes
« faça alguns papeis, sem que a nenhum delles
« leve dinheiro, nem coisa alguma, e muitos pelo
« não terem nem com que pagar a lettrados, como
« tambem algumas mulhe es pobres. E como sem
« licença de V. Ex.* o não pode fazer, e ficam os
« sobreditos muitas vezes sem recurso, e attenden
< do as referidas razões.
- 6 -

« P. a V. Ex." seja servido fazer - lhe merçê


« de conceder ao Supp ."' possa obrar nesta mate
« ria sem impedimento, nem conveniencia alguma e
a só :sim soecorrer am.ºs pecessitados.
E. R. M.

DESPACHO

« Informe o D.ºr Ouv , ºr Geral se 0 Juizo da


<< r . e da Ouv.ria necessita de pessoa que
advogue e se o Supp. é capaz de exercer o of
« ficio que pretende. S. Paulo, 28 de Outubro de
« 1736 .
« Rubrica do Conde de Sarzedas. »

INFORMAÇÃO
« Exmo. Sr.

« A informação que V. Ex.* me pede é noto


« ria, porq.tº não sei q. haja mais de um lettrado
formado, porq.tº aos litterarios que advogavam se
« Ibes tem denegado essa faculdade, e assim se
« acham as cauzas supitas, sem quem as apatro
« cine, no que tem recebido os mor.es litigantes o
maior incommodo nas suas dependencias. Quanto
« a faculd . que pretende o Suppº, não necessita
« de implorar provizão para o fazer. pois cada um
em sua casa pode livremente fazer os papeis e
<<
requerimos q . lhe parecer, porq.tº não ha lei,re
gimo ou ordem alguma que lh'o encontre. E
' o
« o que posso informar a V. Ex .* sobre esta ma
« teria e requerimento do Suppº S. Paulo, 30 de
< Out.ro de 1736. 0 Ouv.or Gol da Com ." ,
« Joãu Rodrigues Campello .
Este velho documento define a individualidade de d .
Simão de Toledo Piza e mostra sua actuação no seio da
sociedade em que vivia , mas a affirmativa do ouvidor de
que nesta capital só existia um letrado formado é o que,
pelo silencio mantido em relação ao nome desse letrado ,
desde logo prende a attenção do investigador e desperta-lhe
a curiosidade.
Em 1736, anno de que é datada a informação de João
Rodrigues Campello, que exerceu o cargo de ouvidor geral
e corregedor da comarca de S. Paolo desde principios de
1734 até meado de 1743, advogavam nesta cidade, além de
Salvador Dias e Jorge da Silva Nobre, os drs. d . Manoel
Garcez e Gralha , João Dias do Val.e, Francisco Angelo
Xavier de Aguirra e José Bernardino de Souza.
O dr. Gralba, natural do Rio de Janeiro e casado com
uma filha de Manoel Carvalho de Aguiar e bisneta de Pe
dro Dias Paes Leme, esteve nesta capital pouco tempo mais
que o decorrido entre 7 de outubro de 1735 e 30 de julho
de 1736, mas no dia 30 de outubro , em que o ouvidor pres
tou a informação, já tinha elle partido para Goyaz, onde
faleceu sem deixar descendencia e assim a elle não cabe
a referencia da informação do ouvidor .
Os trez outros doutores, porém , exerciam naquella data
a advocacia em S. Paulo, e dahi a inferencia de que a au
toridade ouvida sobre o requerimento de d . Simão de To
ledo Piza talvez se tivesse equivocado na informação pres
tada ao governador .
O facto de ser muito limitado o meio forense paulista
no de então e o pleno conhecimento que delle tinha 0
ouvidor, havia mais de dois annos em exercicio do cargo,
tornam inaceitavel essa inferencia, porque estabelecem uma
presumpção em prol da verdade da affirmativa do ouvidor,
presumpção essa fortalecida pela noticia que sobre Aguirra
nos transmittiu Pedro Taques e pelo que se lê em uma re
presentação da Camara da villa de Santos de 8 de maio
de 1735, pois aquella nos faz sabedores de que Aguirra to
mou o gråu de mestre em artes nesta capital e era doutor
por letras apostolicas, e esta nos informa que elle nunca
sahira de S. Paulo, onde não havia faculdade de leis.
Aguirra, com effeito, não estava exercendo a advocacia
em virtude de qualquer gráu academico, mas porque se ha
bilitára a fazel - o por provisão, repetidas vezes renovada, de
2 de dezembro de 1734 e da qual expressamente consta não
ser elle formado, como já implicitamente o attestava de per
si a mesma provi šo, de que independem os portadores de
pergaminho .
O afastamento do nome do dr. Xavier de Aguirra não
resolve, porém , a questão, visto qne dois outros doutores
advogavam em S. Paulo na data em que o ouvidor Cam
pello informou o requerimento de Toledo Piza .
Desde 1722 até seu falecimento em junho de 1741
praticou a advocacia nesta cidade José Bernardino de Souza ,
a quem foi sempre dispensado o titulo de doutor em todos
os autos for :nses em que interveiu e nis procurações que
lhe foram outorgadas .
E ' exacto que num instrumento de mandato conferido
em 4 de fevereiro de 1728, tanto como no de 24 de março de
1729 passado por Caetano Prestes de Siqueira, titulo algum
academico precede seu nome, como é certo que numa pro
curação de 10 de novembro de 1722 e na outorgada em 27 de
janeiro de 1724 por João da Mota Pinto e João Alvares Rocha
é de licenciado o tratamento que se lhe deu, mas essses casos,
por seu diminuto numero em relação aos muitos e reiterados
em que se lhe dava o titulo de doutor, não bastam para a
conclusão de que Bernardino de Souza não era formado .
8

O dr . João Dias do Valle, que veiu para S. Paulo tal-


vez no anno de 1731, foi nomeado procurador da corôa por
provisão de 31 de março de 1733, serviu de paranympho de
um dos noivos no casamento do dr. Gregorio Dias da Silva
realizado nesta capital em 19 de maio de 1734, foi consti
tuido advogado de Rodrigo Bicudo Chassim em 18 de agosto
deste ultimo anno, tomou parte na junta effectuada em 25
de abril de 1735 na residencia do governador para o estudo
e proposta dasmedidas convenientes á conservação, augmen
to e estabilidade das minas de Goyaz .
Este advogado era natural de Braga, faleceu aqui em
S. Paulo aos 13 de agosto de 1753, com testamento em que
instituiu herdeiros os seus filhos e foi sepultado na capella
da Ordem Terceira de S. Francisco .
A allusão do cuvidor a um letrado formado não encon
trou nos archivos judiciarios elementos que a esclarecessem,
pois a circumstancia de não ter Bernardino em algumas pro .
curações recebido o titulo de doutor, ao passo que este
sempre foi dado a Dias do Valle, quando muito, pode apenas.
tornar mais plausivel que este e não aquelle era o formado .
A questão suscitada pela affirmativa do corregedor, caso
não se preferisse considerar tal asserto como filho de um
possivel engano ou equivoco, ficaria, consequentemente, in- .
soluta se apenas estudada nos documentos forenses.
A provisão, pela qual foi Dias do Valle, em 1733 , no
meado procurador da corôa, elemento algum seguro offerece
para a solução desejada, mas o mesmo não acontece com a
de 26 de junho de 1735, como se pode ver de seu teôr. .
« Antonio Luiz de Tavora etc. Faço saber aos
« que esta minha Provizão virem q . tendo respeito
« ao q . me representou João Dias do Valle B. i for
« mado pella Universid . de Coimbra estar ser
« vindo de Procurador da fazenda e Corôa desta
« Capp.nia com boa satisfação e porque se lhe tenha
« acabado o tempo da provizão que fuy servido con
« cederlhe p.' a d.“ serv.* mepedio lhe fizesse mercê .
« de mandar lhe passar nova provizão e visto o que
« alegou Hey por bem fazerlhe merce como por esta
« lhe faço ao d . B.«l João Dias do Valle de o pro
« ver no cargo de Procurador da Corôa e fazenda
« desta Capp ."nia por tempo de hu anno que ser
« virá se noentanto eu o houver por bem e S. Mag.
« q . D.* g.* nào mandar o contrario e gosará de
« todas as preminencias q. em resão do d . cargo lhe
« pertencerem q, o servirá debaixo da posse e ju
« ram.tº q . já teve de guardar em tudo o serviço
* de S. Mag. e bem de sua fazenda, e desta Pro
« vizão não pagou novos dir.tº* por não ter ava
« liação esta ocupação e lhe mandey passar pormim
« asinada e sellada com o sinete de minhas armas;
- 9

« que se registará nos L. * da Secretr. deste Gov.


« Dada nesta V. de Santos aos 26 de Junho de 1735 .
« O Secretario Antonio da Sylva de Almeyda a fez.
Conde de Sarzedas » .

Esta provisão deixa fóra de duvida que Dias do Valle


era bacharel formado pela Universidade de Coimbra, o que
não é sufficiente para a solução procurada, mas para esta
contribue de maneira efficaz, uma vez que se tome conhe
cimento desta outra provisão, concedida à José Bernardino de
Souza em 11 de janeiro de 1735.
« Antonio Luiz de Tavora etc. Faço saber aos
« que esta minha Provizão virem que tendo res
peito ao que me representou por sua petiçam
« José Bernardino de Souza, que eile pertendia ade
« vogar nos auditorios desta Cidade e porque o não
« podia fazer sem Provizão minha me pedio lhe fi
« zesse mercê concerdelha e visto seu requerimento
« e informaçam que deu o Ouvidor G.al desta Com.ca
<
Hey por bem fazerlhe merce como por esta The
faço ao d.° José Bernardino de Souza de o prover
ç pa serventia do offi. de advogado dos auditorios
« desta Cidade e sua comarca por tempo de seis
« mezes sóm ."', na forma do Regm.to deste Gov. °
« que servirá se no entanto eu o houver por bem
ve S. Mag.e que Deos guerde não mandar o con
« trario e haverá os emolumentos, próes ePelprecalços
« que direyta m . The pertencerem : lo que
« mando ao D.ºr Ouvidor G.al desta Comarca dê a
< posse do d.º offi.º e o juram .'' dos Santos evan
« gelhos de guardar em tudo o serviço de S. Mag .
tes
« e dir.tº das p . Cumprão e guardem esta Pro
« vizão inteiramente como nella se contem sem du
« vida alguma a qual lhe mandey passar por mm
« asinada e sellada com o sinete de minhas armas
« que se registará aonde tocar e paguu de novos
« direitos tres mil e quin.to* réis que se carre
« garão ao Thezoureiro delles José Alvares Torres no
< 1.º de sua receita como se vio de seu conhecim.to
« reg.do a fls. 61 p . Dada na Cidade de S. Paulo
« aos onze de Janeiro de mil sete ceptos e trinta
de cinco . O Secretario Antonio da Sylva de Al
« meyda a fez. Conde de Sarzedas » .

Esta provisão foi seguida de outras pa sadas em 27 de


julho de 1735, 15 de fevereiro e 4 de setembro de 1736, 8
de março e 23 de setembro de 1739 e 20 de junho de 1740
e todas ellas provam , muito embora no trato social The
déssem o titulo de doutor, talvez por ser mestre em artes,
um dos literarios, de que fala a informação, que José
10 -

Bernardino de Souza não era formado, pois, se o fosse. não


dependeria de provisão para o exercicio da advocacia.
Não iocidiu, portanto, a informação do ouvidor em erro
ou engano de especie alguma e, de feito, no ultimo quartel
do anno de 1736 um só dos advogados desta cidade tinha
grau academico e era bacharel formado, o dr. João Dias do
Valle .
No velho documento avulso do Archivo Publico do Es
tado o mais interessante, porém , não é a referencia do cor
regedor a literarios e letrados e sim a petição de Toledo Piza
om que este, sem o querer e sem o pensar, deixou impressos
os traços de sua feição moral e de seus ascendentes predica
dos affectivos.
O requerente foi capitão mór governador de S. Paulo,
juiz ordinario mais de uma feita, juiz de orphams por va
rios annos e, por nomeação do capitão mór Pedro Taques de
Almeida, tambem ouvidor e corregedor da capitania.
Azevedo Marques em seus Apontamentos Historicos, vol .
2.°, pag . 173, dá o falecimento deste notavel paulista, d. Si
mão de Toledo Piza, o neto, como occorrido no anno de 1745
e o dr. Silva Leme em sua Genealogia Paulistana, vol. 5.°,
pag. 514 , data esse falecimento do anno de 1746. Nem com
este nem com aquelle, porém , está a verdade.
D. Simão de Toledo Piza, natural e morador de S. Paulo ,
casado, que o foi, com d. Francisca de Almeida, faleceu em
18 de fevereiro de 1749 e foi sepultado na egreja da Ordem
Terceira do Carmo, conforme consta do respectivo assento de
obito lavrado no livro competente da Sé Paulopolitana.
O requerimento de licença apresentado ao governador
Sarzedas por Toledo Piza faz saber que muitas vezes homens
e mulheres, religiosos, parentes e amigos recorriam ao peti
cionario para que este lhes preparasse os papeis necessarios
para a defesa e reintegração de seus direitos.
Este facto, narrado pelo requerente para legitimar seu
pedido, basta por si só para nos most ar o distinto paulista
aureolado da confiança geral , que transformára sua casa , como
a do jurisconsulto romano do tempo de Cicero , no oraculo de
toda a cidade, totius oraculum civitatis, confiança geral só
explicavel pela boa fama conquistada pelo sadio criterio com
que são pautados os sentimentos e os actos, pela ponderação da
palavra emittida, por uma discreção sem desfalecimentos, por
um proceder sempre correcto, por uma sisudez de caracter
que não permitte desvios, por uma probidade superior a qual
quer duvida, e , assim , no velho documento, que é tambem
uma prova do desinteresse e da bondade de d. Simão de To
ledo Piza , a posteridade encontra fielmente retratada a nobre
feição moral do honrado servidor da Patria, a cujas virtudes
civicas presto, ao mesmo tempo em que attendo, com estes
ligeiros comentarios, á vontade de um preclaro amigo, a
homenagem desta recordação carinhosa.
Os Cherentes
(ABORIGENES DO BRAZIL CENTRAL )
PELO

Prof. JOSÉ FELICIANO


Socio effectivo do Instituto
Os Cherentes

(Aborigenes do Brazil Central)


I

A civilização dos indios – Algumas no


tas para seu estudo e protecção

O 18.º Congresso dos Americanistas, reunido en Lon


dres no mez de maio de 1912, acaba de publicar seus An
naes. Ahi vêm umas notas minhas sobre os indios cheren
tes, de que largamente discorri em 1896, num enthusiasmo
protector, desinteressadamente protector, que devia ser es
quecido uma duzia de annos depois.
Os quatorze a quinze artigos, que publiquei então, vi
savam a justificar uma subscripção em favor dos cherentes e
de sua real civilização. Os primeiros recursos, que não fal
taram , eram destinados á compra de instrumentos agricolas,
de avimaes e á installação de uma professora, que entre os
cherentes iria ensinar os rudimentos da vida civilizada .
Como insisti depois, em 1900 ( « Descobrimento do Bra
zil » , conclusão), era necessario que a transição das brenhas
para a cidade se fizesse gradualmente e se não transplan
tasse o rude gentio, para em nossas ruas iniciar-se na va
diagem mais ou menos engravatada.
Era mesmo conveniente que não os enfarpelassemos
com as roupas e gravatas de uma civilização apparente, afim
de os fazer funccionarios do estado ou militares carnava
lescos .
Minha idéa era instituir nas cercanías das cidades ou
villas uns elementares estabelecimentos de ensino com lar
gueza campezina e com os sós indispensaveis elementos para
tirar aos selvicolas a primeira crosta da florestal rudeza .
Seriam assim agricultores simples, capazes de evitar,
por exemplo, a immigração dos japonezes mais civilizados,
que perturbarão nossa vida nacional.
Os primeiros alumnos e alumnas ficariam somente uns
seis mezes no internato, para tomar o primeiro gosto dos
arranjos domesticos, da agricultura , e apprender a contagem
primaria, com as primarias luzes da elementar sonorização
- 14

de letras. Seria mais uma hospedagem amavel, que attra


hisse a segunda leva. Esta ficaria um anno, e uma terceira
um anno e me.o. Bastaria que depois se fixasse em dois
annos o curso normal dessa preparação iniciadora , em que
se dariam somente os aspectos simples de nosso viver, os
que permittissem a gradual passagem das mattas para as
villas mais civilizadas ...
Encontrei então todos os obstaculos, alguns dos quaes
expuz francamente : tiveram origem numa doentia riva
lidade que frustrou em parte a primeira missão. Até nestas
coisas do bem geral ha gente civilizada que faz disso meio
de luta pela vida ou peanba de gloria individual (como se
a fama viesse de um passage ro brilho de nossa pessoa !)
Houve um dedicado estrangeiro, muito nosso amigo,
muito educador e enthusiasta até á velhice, houve um
Horacio Lane , com verdores de moço , que me offereceu o
apoio dos americanos para levar avante meu esboço de « pro
tecção » ou civilização indigena .
Como o inicio havia de ser no Tocantins, os recursos

iriam directamente pelo Pará. « Na America do Norte, dizia


me o bom e saudoso amigo, os enthusiastas pelos indios são
numerosos. Faça uma memoria para o proximo congresso
de americanistas e verá como, ao lerem sua memoria, todos
se voltarão para escutal-a attentamente.
Os recursos não faltarão e o senhor logo se tornará
associado dos melhores institutos americanos», terminava 0
caro amigo, a estimular mais directamente meu brio, minha
vaidade juvenil... E foi elle que nos Estados Unidos pu
blicou em folheto meus artigos, traduzindo -os em parte para
o inglez .
Achei que não devia ceder a tentação tão grande. Já
nesse tempo vencia em mim , com outros defeitos, um do
entio patriotismo, que na patria tanto mal me fez, sem me
valer a correcção dos maioraes, nem as inglorias depressões
injustas ...
Veiu depois à « Protecção dos indi s » ... Lembrei de
povo as idéas antigas. Mas ellas vinham já tisnadas de
peccado original... E ficuram outra vez desprotegidas.
Assim tudo corra bem , graças á dedicação de alguns
abnegados e sem o virus tenaz do funccionalisino indigena...
duplamente indigena.

Na memoria que apresentei em Londres, não toquei


nesses pontos educativos. Espero escrever depois mais assen
tadamente : não desejo com idéas novas perturbar o que se
está fazendo e nem perder mais um tempo cansado, em as
sumpto que o officialismo tem monopolizado sem attender ás
tradições, aos estudos anteriores.
15

Nas publicações do paiz ( « Revista do Instituto Histo


rico », por exemplo) e do estrangeiro, ha um vasto material
descoordenado, que se devia aproveitar em um conjuncto
uniformizado, segundo as mesmas regras, num molde só.
Foi o que propuz em Londres e o que se discutirá em
Washington Dahi virá um codigo ethnographico, linguis
tico e educativo, capaz de guiar os civilizadores de indios,
cuja lingua, cujos costumes, cuja elementar civilização de
vem conhecer previamente.
Fóra desse rumo educativo, será instavel qualquer tra
balho de civilização. Os novos elementos que trouxermos
para as cidades podem ser uma exhibição theatral, como os
de 1897 , serã ) funccionarios do estado, ou alimentarão o
alcoolismo de nossos contubernios mal civilizados.
A França em Marrocos, va Indo - China está- nos dando
esse triste exemplo, a « proteger» os indigenas, para os tor
par clientes das tabernas privilegiadas. Não ha nephuma
vantagem em os tran: migrar para as cidades ou em retiral-os
de uma vida pastoril e agricola. Só nesta serão utilmente
civilizados.

Dou aqui o resumo do que expuz em Londres, e em


outros artigos apresentarei o desenvolvimento rapido, ligeiro
da parte ethvographica. A parte linguistica, bem mais alon
gada foi publicada em Londres, onde me resumiram muito
a memoria original. O vocabulario, bastante longo, saiu em
portuguez e inglez.
Eis o resumo preliminar :
I ETHNOGRAPHIA

1) Classificação ;
2) Costumes ethnicos e estado social ;
3) Costumes religiosos e lendas.
II LINGUISTICA

1 ) Classificação morphologica ;
2 ) Denominações ethnicas, familiares, sociaes e reli
giosas ;
3) Grammatica, phraseologia e vocabulario. (Notas para
um esboço).
Segundo a classificação de Martius e alguns recentes
aperfeiçoamentos ou retoques, os Cherentes (Xeréntes -
Sheréntes Scheréntes) pertencem ao vasto grupo dos Gês,
parte central e segundo sub -grupo dos « Acuêns » (Akuéns ?)
São aparentados com os Chavantes (Shavantes Scha
vantes), mas permaneceram em sua primitiva séde, com seus
16

costumes e lingua original. Foram aldeados em meado do


seculo ultimo.
Até 1896 e mesmo até 1911 , achavam -se á margem do
Tocantins, segundo os dados que me forneceram seus chefes
em S. Paulo .
As informações anteriores e vocabularios são confusos,
inverosimeis ou resultam de observações rapidas e audições
incompletas, por ouvidos mal habituados á phonetica sonora,
cantante das linguas aborigenes ,
O material deste trabalho provém das conversações de
um chefe, corroboradas por outros que em S. Paulo me vi
sitaram de 1896 a 1911 .

Nessas visitas notei a immensa alegria infantil do indio,


quando eu lhe dizia algumas palavras em cherente. As mu
lheres e as crianças se agitavam ruidosamente. Os velhos
abriam uns risos francos e todos se tornavam logo familia
res. Um delles prometteu enviar diamantes, que facilmente
podia encontrar para que eu de novo lhe remettesse animaes
e instrumentos agricolas ... Disse depois em carta que dei
tára no correio de Goyaz ou do Triangulo Mineiro « uma
caixa de phosphoro » com umas pedras que nunca me
chegaram as mãos...
Os ultimos chefes, que me visitaram, já me pareceram
assim muito vistos nas manhas e arteirices de nossos civili
zados .
Habituavam-se aos presentes, e tornavam - se avidos, in
teresseiros, rivalizando uns com os outros.
E' o inconveniente da protecção sem disciplina , sem
trabalho educativo, sem assentada vida agricola, como os je
suitas exemplificaram nas celebradas Missões e Reducções de
outróra.
Os civilizados de outra banda, os que se consideram já
com forças para civilizar, por demais andaram provando, em
seus desperdicios, quanto o capital humano, quanto o moral
do homem precisa de seguras regras. Tenho visto quão es
forçados têm sido alguns na campanha da protecção aos in
dios . Infelizmente esses elementos não dominam e nem po
dem manter um systema permanente, fóra do funccionalismo
official. A's vezes podem ser vontades boas que ahi empre
gam um zelo apostolico . Mas em nosso campo civilizado as
catecheses lutam entre si e nós mesmos ainda estamos bem
mal catechizados......
Ainda bem que ha vontades boas em todos os campos e
com resultados aproveitaveis. E será melhor que todas se
congreguem num só conjuncto nacional, humano, em que
não nos deslembremos dos destinos geraes da civilização, fei
ta para todos os homens, com todos os credos, sem precon
cebidas distincções odiosas...
- 17 -
II

Ethnographia
1

CLASSIFICAÇÃO

Aqui se reflecte a confusão geral das noções anthropolo


gicas, ethnographicas e ethnogenicas das raças humanas.
Não havendo criterio geral, nem mesino empirico, para uma
classificação exacta , material dos aborigenes brazileiros, não
havendo aqui uma « sciencia », no rigor philosophico do ter
mo, acceitaremos as tradições consagradas historicamente,
poeticamente por Anchieta , Gabriel Soares, Fernão Cardim ,
Simão de Vasconcellos, Gonçalves Diss...
Assim , temos desde logo as duas grandes tradicionaes
denominações - Tupis e Tepuyas, que se não applicavam
a nenhuma tribu em particular : São para nós como em ge
ral os suppostos, primitivos « arianos» e « anarianos» , ou como
eindoeuropeus» e « semitas», ou ainda como « helleoos » e
< pelasgios », «romanos» e « barbaros , egermanos » e «slav. s » ,
< latinosa e « saxões » . São um dualismo logico de pouca
sciencia e muita coordenação geral.
Tupis designarà , puis, a duzia de pacificas tribus lit
tóreas, mais adeantadas e muitas das quaes tinham nomes

que começam por essas duas syllabas, como os serviçaes, tra


balhadores « Tupiniquios , que tão bem receberam Pedro Al
vares Cabral e Nicolau Coelho a 23 e 25 de abril de 1500
os tuppins- Ikins de Hans Staden ou tupinaquis de Simão
de Va concellos ).
Tapuyas ficarão sendo a multidão barbara do interior,
chostis, ás tribus do littoral (os invasores ? ).
A estes deviam pertencer então vs Cherentes, de que
trato agara.
Os « Cherentes », « cherens» ou « Xerentes », « Xerens».,
serão os «Xarayes » («Charayes» ) do adelantado Alvaro Ca
beza de Vacea , iu os Xerues (Cherues) de Schmidel, que no
meado do seculo XVI habitavam as regiões paludosas das
cabeceiras do Paraguay ?
Orbigny, no principio do feculo XIX, os menciona co
mo nação numerosa, que habitava « entre o Araguay e o To
cantins ». E no diccionario de Milliet de Saint Adolphe e
Caetano Lopes de Moura, em 1845, apparecem já os Che
rentes ou Xerentes como « nação de indios cujas tribus se
acham em sete aldeias na provincia de Goyaz, perto do Rio
Tocantins, acima da cachoeira do Lageado (nome da aldeia
que os Cherentes chamam Rio da Taraira ou Trabyra
Zúca» ou « Zuken ») entre os rios Preto (« zúca ?o ) e Mara
nhào. Sàu estes indios guerreiros, doces, activos e proprios a
todo genero de industria .»
18

Em 1851 ( « Rev, do Instituto Historico » , XIX ), frei Ra


phael de Taggia , capuchinho italiano, os enumera aldeados
com os Chavantes e conta 2.139 indins em Thereza Christi
na. Em 1887 , o viajante francez Alfred Marc. encontra os
mais para cima, na Piabanha. Abandonaram o primitivo lu
gar, por ser pestifero, e na Piabanha viviam , em numero de
2.723 individuos, mansos e já em parte falando o portuguez.
Mais tarde ( 1895 ?) os frades dominicanos, a N. E. da ilha
do Bananal, encontraram uns 1.500 Cherentes.
O incremento que Carlo ; von den Steinen, Coudreau e
o dr. Paulo Ehrenreich deram então ao estudo dos « povos
naturaes do Brazil central » ( 1885-1894), veiu rectificar muitos
erros de Martius, quanto aos sete grupos em que distribuiu
os «Tapuyas » .
Não sei se a reducção geral a quatro grupos ou " series
principaes” ( Tupis, Gês ou Tapuyas, Ne - Aruoks e Caribas)
responde melhor á realidade, e se é logicamente acceitavel.
Sei que a conservação dos « Gês » não corresponde ao facto
apontado por Martius (tribus indigenas com nomes ternina.
dos em « gês ») e que a ignorancia das linguas aborigenes
ainda aggrava a insignificancia desse criterio taxonomico .
No segundo sub- grupo central dos Gês, entre os Acuêns
(Akuens), entronca Ehrenreich os indios Cherentes e no Mé
dio Tocantins, onde estão, fixa elle sua originaria séde. Faço
aqui as mesmas anteriores reservas, porque sei que o nome
«Acuen » , entre Chavantes e Cherentes, designa em geral a
gente humana e o indio em particular . ( V. Vocabulario e
Phraseologia annexos aos « Annaes » do Congresso de Londres).
Os Cherentes consideram- e aparentados ethnica e lin
guisticamente com os Chavantes. Noutro tempo tiveram
parentes communs com os Carajás.Dão-se como parentes dos
Caraôs e Cayapós. Os velhos da tribu contam historias destas
ligações e dizem que outr'ora os Cherentes viveram unidos
aos Chavantes, com quem brigaram por causa das mulheres.
Os Chavantes ainda denominam os Cherentes - « Acuen
oá -si-cui- oá « ( « gente aparentada de nós » , segundo me tra
duziu logo um chefe dos Cherentes ).
Linguisticamente notei muita semelhança e inesmo
identidade, entre os vocabularios dos Cherentes, dos Cha
vantes, dos Chicriabás, dos Acroás-mirins e mesmo dos Api
nagés, Caraôs, Aponegicrans e Cayapós. Neste esboço rapido,
não me é possivel desenvolver esta these. (V. Spix, Mar
tius e seus vocabularios).
2

COSTUMES ETHNICOS

Os Cherentes, desde pequeninos , são « coroados » por


suas mães ou pelas parentas chegadas. Fazem 10 alto da
cabeça um pequeno cercilho, como a tonsura dos padres, e
19

pintam -no de vermelho cc m « urucú» (ba). Faziam -no a


principio com taquara (« cu-hi » ) e hoje empregam a tesoura.
Adiante analyso o nome seren, serennan , in-seren l «co
roar» ), donde evidentemente veiu o nome cherente, como 0

affirmo desde 1896 .


O relativo assento que este « povo » teve nas cercanias
de sua originaria séde, fez que nelle se desenvolv ssem cos
tumes verdadeiramente ethnicos e caracteristicos. Assim , ba
entre elles um notavel instituto que desde velhos tempos
estabeleceu a divisão dos Cherentes em duas tribus analo
gas ás dos israelitas, ou ás dos atticos e romavos.
A primeira tribu , a raais aristocratica, é a dos si-da-cran
(cran -cabeça ), cujos membros se distinguem por um signal
em forma de colchete ( D ), que se pinta no rosto, por occa
sião de festas. A outra é a dos si-ptá- tó, cuja marca é um
circulo de orla negra (ptó - redondo). Ha um marcador offi
cial (cò -mon - sir -man » ) para cada tribu e é esse um cargo
hereditario, exercido por um membro de tribu differente :
tem um certo caracter espiritual, que o faz intervir nas fes
tas, nas rixas , etc.
0
Dizem que as tribus foram estabelecidas para evitar
casamento entre parentes, afim de produzir uma raça forte,
sem degenerados filhos. O casamento se faz com noivos de
tribus diversas .
A educação do moço é feita vuna especie de convento
( coá - ran » ), onde o educando entra menino ( ach -ton o ach
ton ) e donde såe para casar, se pôde conservar-se donzel
(si-psá e « si- psá -plo -creu -da» ).
Os moços e moças que se desviam (ai -meu -man e ben
da) só se podem casar com uma ceremonia profana ou civil,
á maneira da romana confarreacção (confarreatio.) Esse é o
casamento dú - cu -ken , especie de contrato verbal com um

banquete, em que servem um bolo de beijú ou « sacro farro »,


que deu nome ao acto.
O casamento verdadeiro, o religioso, chama -se cri -ten.coá
e só se contráe entre noivos donzeis ( si-psá).
Em 1896, segundo informações do capitão Sepé, que
foram depois contirmadas pelo chefe Lino , assim descrevi
esse interessantissimo casamento .
O « cri- ten - coa » é verdadeiramente solenne. Em geral
casam - se diversos de uma só vez . Ordinariamente é o pae
da « si -psá » que vai combinar com o do « si- psá -ptó - cren -dá.»
Se todos accordam no casamento , marca- se o dia da cere
monia, e os casamenteiros, que já constituiram familia reli
giosamente, se aprestam para raptar os noivos do « oá - ran » .
Tudo isto se combina , no maior segredo, porque se um
« ach-ton » percebe alguma cousa, logo avisa no « oá - ran » o
noivo e este quasi sempre foge.
De madrugada os casamenteiros vão ao « oá-ran » e car
regam os noivos para o matto. Lá o enfeitam coni plumas
vistogas e o pintam garridamente.
2C

Emquanto isto se passa, na aldeia as mulheres prepa


ram a v oiva, que fica numa casinha (cri -rié) especialmente
construida para esse fim. A noiva senta - se na passagem de
duas portas fronteiras.
Os casamenteiros então conduzem o noivo, que caininha
aos empurrões, todo medroso e acanhado. Vem com as mãos
na cabeça, segurando o arco e a flecha atravessados. Che
gando a uma das portas, tiram -lhe a flecha e o arco , para
elle entrar. O noivo então , industriado por seus paranym
phos, ajoelha - se com a perna direita e encosta - sea a umteir
laa
do da noiva . Levanta-se logo e sáe pela port fron
onde lhe tiram o cinturão de « si - psá »
Os casamenteiros levam - no outra vez para o matto e lá
o cumulam de conselhos, como na aldeia fazem as mulheres
em relação à noiva. De ambos os lados mostram os deveres
respectivos e incutem idéas a respeito do homem (amba) e da
mulher ( pi- côn ), patenteando seus defeitos e qualidades.
« E' preciso que a mulher saiba aturar o homem, saiba ser
vil-o e nào o aborreça, não o impaciente ... E' preciso
que o homem não dê importancia demasiada ás mulheres,
que « são assim », sào « isto » e mais « aquillo » ... Exgottados
os conselhos e chegada a noite, trazem o noivo para o leito
pupcial, preparado com ricas esteiras e pinturas caprichosas
Ahi fica o noivo uma hora no maximo, muito envergonhado.
A' porta espera - o um dos casamenteiros, que o conduz de
novo para o matto. Lá dormem e no dia seguinte levam o
noivo á caça . Mas o pobre homem está triste, pensativo e
não toma parte nos exercicios venatorios. Da veação que
os outros mataram , leva elle um cesto á noiva e deixa - o na
porta, voltando para a companhia de seus padrinhos, que
retornam ao sermão parenético e dão -lhe novoS conselhos,
pouco feministas algumas vezes.
Nessa noite e nas seguintes, durante 15 dias e mesmo
0
um mez ou mais, repetem a mesma ceremonia, até que
poivo se habitue com a noiva. Durante esse tempo, em que
em
lhe é defeso alimentar - se de carne, não pode ir dormir
casa de seus paes.
Concluido o noviciado conjugal, o noivo, como obriga
ção final, ha de levar na cabeça um cestinho de carne á
cara da noiva, e passa depoi « á festa do burity .
Entre os cayapós, chavantes e cherentes é commum es
sa festa, que alguns chanaram « Touro de burity », outros
« Zóra de burity», e que se deve chamar, segundo o capitão
Sépé, cúl - ôde ou cúlíôdê, ou « tóro de burity ». A festa
consiste em trazerem os cherentes, de muito longe, um gran
de toro de burity, que deve por fim ser carregado pelos noi
vos, alternadamente .
Esta solemnidade é entre elles muito apreciada, O

paraiso , que imaginam no centro ou no seio


campo bellissimo, onde perpetuamente se fazda aterra, é um
festa do
burity .
- 24

3
ESTADO SOCIAL

O estado social dos Cherentes ia - se assentando no regi


men agricola. Já tinham estabelecido o anno, suas estações
e accidentes meteorologicos, com deter uções para a lavoura.
Contam os mezes por lunações, e o anno começa em
junho com o apparecimento das Pleiades, quando o sol está
prestes a deixar a constellação de Taurus.
A's Pleiades, ou sete - estrello, os cherentes denominam
esurúrú » e essa constellação é geralmente conhecida dos in
dios de nosso continente sul - americano. Com intervallo de
oito dias mais ou menos apparecem as « Hyades» ( « pluvias
Hyadas» ) e o « Boldrié » de « Orion » . Todas essas constella
ções são conhecidas dos cherentes, e seu apparecimento de
manhan annuncia - lhes vento. Das Hyades notam especial
mente as duas estrellinhas «delta » , a que chamam « oá - si - si »
coá -ptá -mi-riâ » (estrellas juntinhas ). De « Orion » con becern
o Boldrié (vulgarmente « Tres Marias » ), que denominam
esi - dai - cok - sá »,
Estas constellações desde a mais alta antiguidade foram
sempre utilizadas por todos os povos para marcar o tempo .
As Pleiades prestaram sempre relevantes serviços aos nautas,
sobretudo no Mediterraneo. Entre os indios ha sempre um
nome que lhe corresponde e que serve muitas vezes para
significar 0 anno . Lendas diversas se contam sobre as
Pleiades « cyince » ou «cé-incy » , em tupy chamado nheengatú ,
ou « cejuçu » no tupy de G. Dias e Martius
Marcgrav e Piso dão-nos um antigo testemunho da im -
portancia das Pleiades entre os Tupys : « Annos suos nu
merant ab exortu Heliaco Pleiadum , quos « Ceixu » (Ceincù ? )
vocant atque ideo annum eodem nomine denotant : accidit
autem is ortus mense nostro Majo.» ( Marcgrari et Pisoni«,
Historia Naturalis , Amsterdam , 1648, p. 369).
Os cherentes observam os nascimentos beliacos (antes
do sol) de « Sururú » e portanto seus nascimentes cosmicos
( com o sol ). Entre dois desses nascimentos annuaes de
« Sururú », os cherentes contam 13 luas ( 13 « oá - ité » ) e a
esse anno chamam « oá-hú» ( « hú -- collecção » ). Dividem o
anno em duas partes : 1.4) 4 luas de secca ( côá-hú» ) mais
ou menos de junho a setembro ; 2.* ) 9 luas de chuva (á -ké
nan > ) mais ou menos de setembro a maio » .
As derrubadas se fazem das duas primeiras lunações
(oá - ité» ) de «ôd -hús, queimando - se e plantando-se nas outras
duas para aproveitar as chuvas de fins de setembro e de
outubro. A's vezes plantam ao derrubar as mattas, e depois
da queimada nasce o mantimento viçoso, exuberante.
Durante o dia contam as horas pelo sol e á noite pelas
estrellas ou pelo pio do inhambú .
- 22

Um esboço de governo paternal ahi se delineava, com


o caracter sacerdotal que os anciãos lhe davam .
Entre elles o governador é unanimemente escolhido pelos
velhos, que bem representam o poder espiritual da tribu.
Vagando - se o governo, por morte , abandono ou destituição,
reunem-se os velhos bem casados no « oá- ran- bá » (pateo do
Koá-ran » ) ou em uma casa apropriada.
Ahi chamam o homem que fixou a attenção da maioria,
e pondo- o no meio deliberam sobre sua eleição, discutindo
ás claras suas qualidades ou seus demeritos.
Só quando os votos se torpam unanimes resolve - se o
eleito a acceitar o cargo , mostrando, porém , que o faz com sa
crificio, e no caso de prometterem todos obediencia a suas
decisões.
Se algum dos velhos recusa prometter ou antes discor
dou na eleição, o escolhido não a acceita, porque vão que
sujeitar - se a ser desobedecido quando decidir questões que
interessem ao discordante .
Uma vez produzida a unanimidade, e acceito o cargo,
com as reservas da modestia, digna, responsavel, preparam
se todos para a festa da sagração. Depois dessa reunião
que se chama « dá -si- cunhan », o escolhido é consagrado
chefe ou coa- tbre-cre-da.

COSTUMES RELIGIOSOS E LENDAS

Já esses costumes se viram nos caracteres ethnicos e so


ciaes dos cherentes.
O vypo mongoloide do cherente, o mandarinismo de sua
educação conventual e até o nome podiam mergulhar de
novo os espiritos aventureiros em conjecturas arriscadas, a
que seu culto astrolatrico, sua linguagem dariam outras
apparencias comprobatorias.
Não convem enveredar por essas inconsistentes vias.
No culto dos cherentes é o sol, com o nome de Bedà
(e surdo ), que constitue o idolo supremo, rodeado de Oân (lua)
das estrellas ( Oa - ci) e especialmente de Sururú (Pleiades).
Bedân e Oá peregrinam pelo mundo como outr'ora Ju
piter e Mercurio, para tentar os corações dos Philemones e
Baucides, E' essa uma lenda capital que não posso desen
volver. O que devo agora firmar é a idolatria astrolatrica,
fetichista que domina entre os cherentes e os demais abo
rigenes americanos.
Alguns vocabularios mencionam Deus. São enxertos ainda
informes da catechese. Quando se lhes pergunta por Deus,
respondem Oá - ptó - cou, accrescentando mesmo christãmente
ôú -meu -man , pae nosso, pater noster .
23

O real é que, no mesmo nome Ôú - ptó - coá está o disco


( ptó ), o Bedâ, sol do céu, para onde geralmente se aponta, ao
indicar o Deus pater .
Todas suas festas, a da pedra, a dos mortos ou almas,
mesmo a do burity, estão impregnadas desse fetichismo
astrolatrico Na festa da pedra, esta (K’sirê) tem a forma de
um crescente. Na festa dos mortos ha um longo mastro, por
onde as almas dos feiticeiros ( sé - coá) se vão communicar no
céu com seus parentes, que estão no Sol , na Lua, nos ido
los astros.
Os cherentes já têm seu pequeno cemiterio (dá - crí ) com
sepulturas ou covatos (ap'crieu ) onde enterram seus mortos.
Annualmente limpam os cemiterios e as sepulturas. Ha
coveiros (da - si- creu - co ), que são sempre tirados de tribu
diversa daquella a que pertence o defunto. Só guardam este
o tempo necessario para a abertura da cova (quando o fal
lecimento se deu durante o dia).
As lendas attestam uma reacção astrolatrica, em oppo
sição aos ensinamentos catholicos do inferno infero e da
gloria supera .
Algumas me foran narradas pelo capitão Sepé, e a que
em seguida vae quadra bem para terminar esta imperfeita,
esta apres:ada parte de meu trabalho, promessa de me
lhoria em futuro opusculo (?)

A ESTRELLA (@A-CI)
( Lenda cherente

A lenda da estrella visa a demonstrar que na abobada


celeste se acha situada a região infernal ou a habitação dos
esqueletos, dos fracos, dos despidos de musculatura.
O caso deu-se com um « si -psá », que estava no «heu
ran-mó-coa » uma especie de annexo do « oá -ran .:)
Uma noite, contemplando o céu pontilhado de estrellas,
uma destas mais o impressionou por seu brilho limpido e
sereno .
Que pena não poder eu encerrar-te em uma cabaça
para te mirar a meu contento !
Assim exclamou suspirosamente o joven « si-pså », lan
çando olhares ternos para a estrella impassivel. E longo
tempo ainda levou a contemplar o astro resplendente.
Recolheu -se depois com seus irmãos, e todos dahi a
pouco adormeciam em suas esteiras.
Sonhou o « si -psás com sua estrella. No meio da noite
acordou e qual não foi o seu espanto, sentindo a seu lado
uma jovem de olhos scintillantes . Julgou uma tentação e
afastou - a de si, dizendo - lhe que se fosse dalli sem demora.
24

Mas eu sou a estrella brilhante, que desejaste pos


suir encerrada em tua cabaça !
O moço ficou mudo, confuso, não soube logo que dizer .
Instantes depois voltou o « si- psáo :
– Mas tu és capaz de ficar dentro de minha cabaça de
eoeos ( « cúi -cá ) ?
- Sim, affirm ou a coa - ci »
O jovem tomou de sua « cúi -eá » metteu dentro a estrella
{«o8 - ci-ma- tó- e - rem -nin » ) ; esta virou os olhos para cima ,
e era uma livdeza comtemplal -os em todo seu brilho.
O moço não socegou mais.
Durante o dia. sabiu para o matto : não largava de
pensar na estrella, que tanto desejára num momento de ir
reflexão e cuja posse agora o deixava tão embaraçado:
Em sua ausencia, os irmãos quizeram pregår - lhe uma
peça e maneom munaram se para ir roubar - lhe os cocos da
« cúi - eá» .
Um subiu ao teeto, para desatar a cabaça donde seu
irmão a tinha pendurado. Outro, que ficou embaixo, rece
beu-a e , ao abril-a , scltou um grito ce espanto, largando - a
immediatamente .
- Ahi está um bicho com olhos de fogo !
E ambos deitaram a correr, abandonando a cabaça.
Quando o « si -psá » voltou , os irmãos narraram -lhe o suc
cedido, dizendo-lhe que não tocasse na « cúi-eáa .
O irmão ralhou muito com elles, dissimulou o caso e
foi de nivo suspender a cabaça no logar primitivo.
Só á noite sahiu a « ôá-ci » de seu esconderijo e foi ter
com o moço, que, apezar de sobresaltado, continuava a con
templal-a com embevecimento .
No dia seguinte a estrella convidou o si- pse para ir
caçar. Chegando perto de uma bacabeira a estrella pediu ao
moço que subisse na palmeira para colher um cacho de bacabas.
Quando o si - psi já estava lá em cima, cortando o ca
eho, a ôn- ci gritou - lhe :
Segura- te bem ahi !
E deu com umavara na bacabeira , ao mesmo tempo
que nella trepava. Logo a arvore foi erescendo, crescendo e
afinando - se cada vez mais ... Adelgaçou - se, e subiu tanto que
tocou no céu. Lá, com as folhas a estrella amarrou a baca
beira a um paredão e ambos, firmando - se no topo da arvo
re , saltaram para dentro do céu .
O si-psi , todo assustado, viu a roda de si um campo
desolado e ao longe uma casa . A estrella deixou - o alli e
encaminhou -se para a casa. Voltou dahi a pouco, trazendo
diversas iguarias para o moço. Recommendou -lhe depois que
dalli não se arredasse e foi-se embora .
O joven ficou triste e sem saber o que pensar de tudo
o que lhe estava acontecendo. Dahi a pouco ouviu ao lado,
não muito longe, un confuso arruido de vozes e sons de
buzinas. Parecia uma festa com cantigas e dansas.
25

A estrella voltou logo ; de novo ordenou -lhe que dalli


não sahisse e, sobre tudo. que não fosse ver a festa cujo ba
rulho tinba percebido. E a oá-ci, deixando- lhe comida, foi
se embora outra vez.
O si -psá tão pôde mais reprimir sua curiosidade e sahiu
a ver que festa era aquella.
Foi e viu ... um horror ! Era uma dansa macabra de nova
especie. C'ma multidào circumgirava esqueletica, disforme,
com os ossos de fóra, os intestinos suspensos, e os olhos seccos
nas orbitas cavadas. Tudo tresandava a carne putrefacta,
infeccionando os ares...
O moço voltou espavorido : encontrou - se com a estrella
que o reprehendeu severamente, e o metteu num bauho, em
que o lustrou inteiramente, tirando -lhe o cheiro pestilencial.
Pôl- o de vovo no lugar primitivo e sahiu. Mas o si -psá
não queria mais ficar abi. Logo que viu a oa - ci a certa dis
tancia , abalou-se para o ponto em que a bacabeira estava
presa. A estrella adivinhou seu intento e correu para o
prevenir. O si -psa , porém , andou mais rapidamente e quando
à estrella chegou ao paredão, já elle desatára a bacabeira,
pulando - lhe no tôpo. A arvore pegou de encolher, encolher,
engrossando - se cada vez-mais , até chegar em baixo e ficar
como era dantes .
A estrella olhou - o tristemente e lhe disse :
Debalde foges : por cá tu has de vir sem demora.
Com effeito, descendo da bacabeira, o si- psú achou -se
mal da cabeça : contou aos paes o acontecido e logo morreu ,
sem lhe valer epsalmos nem mezinhas...

Assim descobriram como lá em cima não é um céu de


delicias que nos espera, apezar de haver astros que dahi nos
alumiam e nos encantam .
ESTUDOS CARTOGRAPHICOS

O antigo "Rio do Brazil". A prioridade do nome “Brazil"


nos mappas do seculo XVI. O mappa de Jeronymo Marini.
PELO

Dr. J. C. GOMES RIBEIRO


Socio effectivo do Instituto
ESTUDOS CARTOGRAPHICOS

o antigo “ Rio do Brazil


E' singular que, durante mais de seculo e meio (1502
1660 ), fosse conhecido e assignalado na grande maioria dos
mappas desse periodo, um rio, junto a Porto Seguro, isto é,
na propria zona do descobrimento, com 0 Dome Rio do
Brazil, e que até hoje tal rio não tenha sido identificado !
Esse rio é localizado naquelles mappas, sem discrepan
cia , ao sul de Porto Seguro e ao norte do monte Paschoal,
com a sua fóz no Atlantico, como se vê nos seguintes map
pas , por ordem chronologica : no chamado de A. Cantino,
1502, inspirado, segundo R. Schüller, en dados da primeira
viagem de Americo Vespucio ; node Canerio, de igual anno
de 1502 ; no de Kunstmann (II ) de 1502-1504 ; 1.0 Wald
seemüller, de 1507 ; no de Ruisch, de 1508 , baseado tam
bem, segundo C. Mendes , em informações de Americo Ves
pucio ; no de Waldseemüller , de 1516 ; no do visconde
Maiollo, ( II) de 1519 ; no « Ptolomeu » , de 1522 ; na carta
de Turim , de 1523 ; no chamado Globo dourado, de 1528 ;
no de Olavo Magno , de 1539 ; no de P. Desceliers,
de 1550 ; no de Diogo Homem , de 1558 ; no de Bartholo
meu Velho , de 1561 ; no de Diogo Gutierrez, de 1562 ; no
de Lazaro Luiz , de 1563 ; no de Fernão Vaz Dourado, de
1570 ; no do mesmo F. V. Dourado, de 1580 ; no de J.
Van Doet , de 1585 ; no de Petrus Plaucus , de 1592 ; no
de Cornelis de Jode , de 1593 ; no de M. Mercator, de 1595 ;
no de T. de Bry, de 1596 ; no de A. F. Von Langerem , de
1596 ; no de Mathias Quaden , de 1598 ; no de B. Lange
rem, do mesmo anno ; no de L. Ulsius, de 1599 ; no de J.
B. Vrient , do mesmo anno ; e em muitos outros, até o de
Danker -Dankerts, de 1660 , que é o ultimo que conhecemos,
trazendo o rio em questão , com a mesma localização e nome
– Rio do Brazil, Rio del Brazil, Rio de brazil. (1 )

(1) Orville Derby, og mappas mais antigos do Brasil, Aprd, Rev. Inst.
Historico de S. Paulo , vol. VII, pags. 227 e seguintes : R. Schuller, artigo no
Imparcial de 7 de maio de 1914 ; padre Hafkmeyer. As principaes representa
çõex cartographicas da costa brazileira nos tres primeiros lustros depois da desco
berta (opusculo ), e Primeiro mappa com o nome de America, Apud «Annuario
do E. do Rio Grande do Sul» , 1010 , pag . 225 ; Candido Mendes , Apud, Rev.
do lustituto Historico Brazileiro, vol. 40, segunda parte , pag. 375 ; Barão do
Rio Branco, «Fronteira franco -brazileiras (atlas ), Winsor, «History of America »
vol . II , pag. 112 e outros .
- 30

Até 1660 pelo menos , esse rio foi conhecido e locali


zado claramente, pois, como é sabido, os mappas da época
eram elaborados sempre, por informações dos expedicionarios
ou pelos roteiros dos pilotos, quando não eram reproduzidos
de mappas anteriores, com aquella origem .
Entretanto, nenhum historiador ou geographo, quer na
cional , quer estrangeiro, identificou, até hoje, positivamente,
e com fundamento racional, o referido rio, que, aliás, pela
circumstancia de ser o unico que traz o nome da nossa pa
tria, antecedendo mesmo á denominação regional desta, me
recia uma identificação clara e fundamentada.
E' vexatorio para nós brazileiros , que nem Ayres do
Casal, nem Gabriel Soares, nem P. Gandavo, nem V. de S.
Salvador, nem Rocha Pitta, nem Accioli, nem Milliet de
Saint'Adolphe, nem Capistrano de Abreu , nemo V. de Porto
Seguro, nem B. Roban, nem Moreira Pinto, nem Wappoeus,
nem Mouchez, nem qualquer outro geographo ou hitoriador,
nacional ou extrangeiro, cogitassem , sériamente, da identi
ficação de um rio de tamanho interesse historico !
De facto, não é de todo desprezivel a hypothese de ter
sido a abundancia de arvores de púo brazil, no local (origem
do nome dado ao rio ), que motivasse a denominação defini
tiva , attribuida depois a região.
Em tal caso, esse rio seria assimilavel ao Jordão, do
Evangelho, banhando com suas aguas lustraes , em baptismo
singular, o novo paiz que surgia para a lucta pela vida,
embora já adolescente .
E' preciso, porém , reconhecer que dois escriptores, am
bos autoridades na materia , tentaram identificar o dito rio ;
mas, ambos, infelizmente, basearam -se em méras conjectu
ras, sem apoio racional, confessando, assim , a fraqueza das
suas affirmações.
Candido Mendes, em sua notavel introducção ao « Direito
Mercantil » do visconde de Cayrá , pag. CCCCLII, diz :
« Parece que Christovam Jacques foi quem em 1525, ou no
anno seguinte, depois de visitar a costa do Brazil , desde
São Roque até Cabo Frio, creou ou organizou o estabeleci
mento de páo Brazil), de Itamaracá, havendo por certo estado
em Cabo Frio (Gechai), em Porto Seguro, onde havia o rio
do Brazil, hoje Buranhaem , e na bahia de Todos os Santos» .
Não pode ser mais positiva a identificação ; entretanto,
o mesmo Candido Mendes, alguns annos mais tarde, escreveu
o seguinte, em uma memoria , publicada na Revista do Insti
tuto Historico Brazileiro ( 2 ): « () rio do Brazil ficava mais
ao norte da latitude de Caravellas e do monte Paschoal,
mas, ao sul de Porto Seguro ; TALVEZ SEJA O RIO DENOMI
NADO DU FRADE » .
A incerteza da affirmação e, o que é mais, a sua in
coherencia , são flagrantes.

(3) Apud Rev , Inst, Hist . Brazileiro cit. , vol. cit . pag . 215, nota .
- 31

O dr. Orville Derby, em uma notavel inonographie ,


publicada na Revista do Instituto Historico de S. Paulo,
depois de reconhecer a difficuldade da identificação, escreve :
« O nome rio d.) Brazil, do mappa de Kunstmann II), deve
pertencer a qualquer um dos pequenos rios Peruipe, Cara
vellas, Itanhaem , Jururucú ou Craminuam . A posição do
nome, ao norte do monte Paschoal, combina melhor com este
ultimo, mas, provavelmente, não se deve ligar demasiada
importancia a esta circumstancia » . (3)
Vê -se, pois, que o sabio mestre não tem opinião for
mada sobre a identidade do rio, e, por isso, abstem - se de
affirmações positivas .
Nem da carta de Caminha, nem das viagens de A.
Vespucio ou de Magalhảes, nem do roteiro de Pero Lopes
ou de outro qualquer navegador do seculo XVI, junto á
costa , se colhe prova, mesmo circumstancial, para a identi
ficação pretendida.
O calculo de latitudes não dá resultado no caso, pois
que é sabido que os mappas do seculo do descobrimento ,
pela difficu !dade das observações e carencia de instrumentos,
eram deficientissimos em projecções e latitudes, sendo pre
ciso muitas vezes, para o seu estudo, o trabalho prévio de
uma reducção ou calculo approximado. (4)
A nosso ver, o criterio efficaz para a solução do pro
blema encontra - sepo facto da existencia, desde 1504, de
uma feitoria para o trafico do páo Brazil, em Porto Seguro,
creada por Christovam Jacques, naquelle anno , e no esta
belecimento pouco depois do estanı o real daquelle producto,
attendendo á abundancia delle na zona .
Como diz Candido Mendes , « designar um ponto com o
nome de rio do Brazil parece ter por fim indicar a abun
dancia do producto e o respectivo trafico, o que se podia
dar nas vizinhanças de Caravellas, por isso que por ali
bavia abundancia dessa madeira, como em Porto Seguro ,
que tão proximo está» . (6 )
Ora , mais proximo de Porto Seguro do que Caravellas,
estava o rio denominado Brazil (vide mappas citados).
A circumstancia de caracterizar -se um tal rio, perante
os navegadores, pela riqueza de sua producção, em páo bra
zil, inspirando is: 0 o seu nome, não podia deixar de, por
sua vez, actuar tambem no espirito dos indigenas, levando -os
a dar-lhe uma denominação de igual significação, sabendo
nós como procediam estes, sempre attentos aos factos ou
objectos mais impressionantes, ao dar qualquer denominação
a localidades ou accidentes geographicos, como rios, lagos,
montanhas, etc.
(3) Orville Derby , artigo da Rer. de S. Paulo , cit , pag . 227 e seguintes,
(1) Padre Hafkmeyer, opusc, cti,, pags . 14 e 15 ,
(5 ) Ayres do Casal Chorographia Brazilica, ( vol . II , pag . 70) ; C. Men
des, Rev. Inst , Hist Brazileiro , cit . , vol . cit . , pag . 211 , nota ; Accioly ,
Memorias Historicas da Provincia da Bahia , vol . 1 , pag . 61 .
(6) C. Mendes, Rev : Inst . Hist . , cit .
32

Ora, em tupy, o páo brazil era conhecido por Ibirapi


tanga, de lbirá - ( Páo) e Pytă (vermelho) - (Montoya e
Porto Seguro ).
No ponto exacto da localização do rio Brazil, colloca B.
Rohan , no seu mappa demonstrativo da derrota de Cabral (7 )
o rio Pitanga , que Moreira Pinto denomina Ipitanga e
outros Ibipitanga.
Está elle situado, segundo Moreira Pinto , junto á villa
de Trancoso, bem perto de Porto Seguro actual, e não longe
do antigo.
Pensamos, pois , que é esse rio Ibipitanga que corres
ponde ao rio Brazil ( isto é, do páo Brazil) antigo, tendo se
alterado o seu nome primitivo Ibirapitanga para Ibipitanga,
e depois para Ipitanga, por effeito da conhecida lei philolo
gica do menor esforço.
() silencio de Gabriel Soares sobre tal rio não pode
invalidar sua existencia, attestada por Ayres do Casal e
outros .
( , facto, estranho á primeira vista , da antecedencia do
nome europeu Brazil sobre o indigena Ibirapitanga, explica
se perfeitamente porque, como diz Candido Mendes :
« Va nomenclatura de taes rios não se lêem os nomes

indigevas, que os nautas ignoravam , e foram depois appli


cados, fazendo esquecer os primitivos e causando issú, a
priucipio, confusão » . ( 8)
Por analogia, vemos o rio de Canafistula, assim nomeado
por Americo Vespucio, tomar depois outros numes, entre os
quaes o indigena de Cotinguiba ou Japaratuba. (Orville
Derby cit .)
Quanto á autoria do nome Brazil, basta para que se
justifique sua incerteza, sabermos que logo depois do desco
brimento, ao chegar a Europa a noticia da riqueza ein páo
Brazil, da terra de Santa Cruz, logo foram emprehendidas
varias viagens á costa, antes e depois da 1." de Americo
Vespucio, por expedicionarios particulares, que nào deixaram
roteiros, e só buscavam aquelle producto e aventuras (9 ); e
qualquer destes, naturalmente portuguez ou hespanhol, daria
ao rio o nome inencionado, que foi depois se generalizando
até impôr -se a todo o paiz.
Em conclusão, nas agiias desse rio, pode -se dizer que
baptizou -se o Brazil, embora se desconheça o Baptista que
figurou no acto.
Sua certidão de baptismo, porém , só, ha pouco foi en
contrada, e consta do Mappa-Mundi, de Jeronymo Marini,
de 1512, do qual nos occuparemos em outro artigo.
Rio , 7 de janeiro de 1915.

Atlas do Brazil do barão Homem de Mello .


( 8) C. Mendes, Rev. cit . , segunda parte , pag . 194 .
( 9) Padre Hafkmeyer, opusc. cit . , pag, 6 .
- 33

II

A prioridade do nome “Brazil” nos mappas do XVI seculo

O MAPPA DE JERONYMO MARINI


E' conhecida a controversia antiga entre os historiado
res e geographos, sobre a prioridade do uso do nome Ame
rica ” como designação do nosso continente .
Até o principio do seculo actual, os primeiros monumen
tos cartographicos, contendo a denominação America, eramo
globo de J. Schoner, de 1515, reeditado em 1520, e o mappa
de T. Apiano, editado em Vienna, tambem nesse anno (1 ) .
Só em 1901 , é que o padre J. Fischer, jesuita, desco
briu , do archivo do principe Waldburg -Wolfegg, os dois
mappas de M. Waldseemüller, de 1507 e de 1516 , contendo
o nome America , e de cujo autor, apenas se conhecia a ree
dição da obra " Cosmographic Introductio ", contendo a des
cripção das quatro viagens de Americo Vespucio, e a pro
posta original de dar-se ao novo continente o nome de " Ame
rica " .
Está, pois, hoje definitivamente firmado que o primeiro
mappa, apresentando o nome regional " America ”, é o citado
de Waldseemüller, de 1507 (2).
A importancia historica da data referida foi consagrada,
ha poucos annos, pela collocação de uma placa commemora
tiva na cidade de Saint -Dié (França), na casa onde, a 25 de
abril de 1507 , foi publicada aquella celebre obra, e pela fun
dação em Nova York, de uma Sociedade de Saint-Dié, pare
cendo que os norte-americanos vão considerar esta cidade como
uma outra Méca, e instituir a festa do " America day ”, como
diz uma folha.
Entretanto, nós brazileiros, temos sido até agora indif
ferentes ao estudo da origem historica do nome do nosso paiz
e da prioridade do seu uso em cartas geographicas e em au
tores do XVI seculo, não se procurando mesmo identificar to
dos os pontos primitivos da costa, para seguir-se a rota dos
descobridores, com segurança !
Assim é que, até ha pouco, não se sabia, nem se cogi
tava de saber, qual o primeiro mappa que trouxe a denomi
nação regional de " Brazil”, em forma correcta, e nem qual
o rio actual, a que corresponde o denominado, por mais de
um seculo, “ Rio do Brazil" (ou de Brazil ), ao sul de Porto
Seguro, e constante da grande maioria dos mappas da época
do descobrimento, como já o demostramos, em artigo anterior.

( 1) P. Hafkerneyer As primeiras representações " cartographicas da costa bra


zileira . Opusculo, 1909.
(2) P. Hafkemeyer, cit . pag . 8 .
34

Mas, tratemos de nome regional .


Deixando de parte, por insoluveis, a questão da locali
zação da terra ou ilha constante do mappa de André Bianco,
de 1440, e a da ilha lendaria , indicada, de 1371 , com varios
nemes, como Brasi, Bracir, Brasil, aliás constante do mappa
de J. de la Cosa ( 1500), e finalmente, a da origem etymolo
gica do vocabulo “ Brazil” como celtica , como sapscritica ou
Zend- Ariana ( Berezailt, isto é -- monte) ou grega — (Bra
zein , isto é ferver ou ferruru ), ou ainda, a da sua proceden
cia do vocabulo braza, allusiva á côr vermelba da madeira ,
conhecida desde 1128 (3), verificámos, pelos documentos bis
toricos, que o nosso paiz, tendo recebido de Cabral a deno
minação de Ilha de Vera Cruz, chamou -se, logo em seguida ,
" Ilha da Cruz" e " Terra dos Papagaios", passando final
mente a denominar-se “ Terra de Santa Cruz”, em actos of
ficiats e autores, até 1504 , data approximada, em que se fir
mou, pelo que sabemos, em actos e documentos de origem
directa ou indirectamente portugueza, o nome definitivo de
“ Terra do Brazil” ( 1).
Assim é que ainda da carta de doação da ilha de S.
João (depois F. de Noronha), feita por d. Manoelao dito Fer
não de Noronha, em 24 de junho de 1504 , se vê a denomi
pação — " Terra de Santa Cruz” , (5). Terminus ab quo.
Entretanto, da Viagem ás Indias Occidentaes, de João
de Empoli, publicada ainda em 1504, já lê - se : « La terra
della Vera Croce over del Bresil cosi v-ominata , altrevolte di
scoperta p . Amerigo Vespuci, n'ella qual fa buona soma di
cassia e di verzino » (6 ).
Wieser diz ter verificado que o nome « Brasil » foi ap
plicado á Santa Cruz de Cabral, sempre depois de 1504, e
cita , em abono de tal affirmativa , á « Descripção de uma vi
agem de Lisboa á Calicut » , nesse referido anno em a qual
se emprega a denominação - « Terra Nova de Prisilli » (7 ) .
O erudito professor Capistrano de Abreu, em uma me
moria sobre o descobrimento, no livro do Centenario, diz, po
rém , que a designação « Terra do Brasil » já appareceu em
1503, e logo generalizou- se ; Sophus Ruge affirma, entretan
to, que o nome « Brasil » só appareceu pela primeira vez
em 1511. (8) .
Com a devida venia á autoridade desses dois escripto
res, pensamos poder- se affirmar, em face dos documentos ci
tados, que a data approximada da prioridade do uso vulgar
do nome é a de 1504, coincidindo com a ultima viagem de
Americo Vespucio.

( 3 ) J. Caetano da Silva, Rev. do Inst , Hist . Braz. vol . 29. 2.* parte, pag
3, e conego Penna Forte Brazil prehistorico , pag. 101 .
(4 ) V. de Porto Seguro - Historia do Brazil , 3. , ed . pag . 121.
( 5) V. de Porto Seguro, Notas ao diario de Pero Lopes . Nota 11 .
(6) V. de Porto Seguro, obr. cit. doc . V , nota 3.
(7) Apud , J. Winsor, History of America, vol . VIII , nota 3. pag. 375 .
(8) Pag. 47 e J. C. Rodrigues, Catalogo, nota á ( opia der Neveu Zeitung
ans Brésilig Laudt, pag . 181 .
35

Quanto á prioridade do emprego do nome, em mappa ou


carta geographica , a questão é de mais difficil solução .
O primeiro mappa, por nós conhecido, trazendo o nome
regional « Brazil » , mas, sob a forma adulterada de « Prisilia,
sive Terra Papagalli » , é o chamado de Lorenz Friess, data
do de 1504 , data essa que por uma coincidencia singular, é
identica á da viagem de J. Empoli, já referida (9 ).
Nenhum dos mappas anteriores ou posteriores a essa
data até 1512, que conhecemos, nem o de J. de la Cosa,
de 1500, nem o de Cantino, de 1502, nemo de Canerio, do
mesmo anon, nem os dois de Kunstman, 1502-1504, nem o
de Waldseemüller , de 1507 , ou o de Ruysch , de 1508, ou o
de B. Silvano , de 1511 , traz 0 pome regional « Brazil »
mesmo alterado, embora tragam alguns delles o nome Rio
Brasil » ( 10).
A publicação recepte, feita pelo Ministerio das Rela
ções Exteriores, em fac - similes, de um mappa -mundi. data
do de 1512. feito (ou desenhado) por Jeronymo Marini (ou Ma
rin), em Veneza , e trazendo o nome Brazil » , em fórına
correcta e isolada , como designação de parte do continente ,
veiu disputar a todos os outros mappas o direito de prio
ridade grapbica, e só por iss , representa um successo histo
rico-geographico, que não pode passar despercebido .
Esse mappa foi adquirido em Roma, em 1912 , por
intermedio do nosso ministro o dr. Alberto Fialbo, em leilão de
objec os raros, que fazia o livreiro Luzietti, por 18.000 Jiras. apóz
diligencias prévias, sobre a sua anthenticidade, authenticidade
essa attestada p.lo professor I. L. Bert lini,do Instituto Te.
chnico de Roma : pelo dr. Vicente Grossi . da Universidade
ainda de Roma, que o reproduziu, reduzido, no Jornal do
(Commercio, de 2 de dezembro de 1912 , e pelo padre J.
Fischer o notavel cartographo allemão e descobridor dos map
pas de Waldseemüller ( 1507 e 1516), que primeiro trouxe
ram o pome de « America » , como já referimos.
A data prefixada para o leilãn não permittiu, pem , aliás,
era preciso mais alta indagação sobre tal authentic dade.
Trata- se de um planispherio manuscripto invertido, de
projecção-homolographica, isto é, com espaços regulares e as
parallelas rectilineas (Malte - Brun ).
Assignala só as tres partes do mundo, Europa, Asia e
Africa, com letras maiusculas gothicas , e as dema's desi:
gnações geographicas com minusculas, inclusive a parte se
ptentrional da America, que é indicada do seguinte modo :
india nwa , ainda em caracteres gobicos ; em umnocanto do
mappa vê se a parte meridional da America e centro
desta, a palavra BRAZIL, isolada e ainda em caracteres go
thicos . Não traz a escala de latitudes e longitudes.

(9 ) Apud , Winsor, cit . vol . VIII, paginas 377 e 378 .


( 10) Rio Branco , Atlas ; Orville Derty, 08 mais antigos moppas co
Brazil, apud , Rev , do Inst , His . de S. Paulo, vol . VII . pag . 227 .
36

Acima, no circulo correspondente ao polo antarctico vê


se uu escudo heraldico, ladeado pelas legendas seguintes :
" ORBJS TIPUS UNIVERSALIS
TABULA"
" HIERONIMI MARI
FECIT VENETIA MDXTI "

No centro, po logar correspondente á Palestina, vê-se


um medalhão colorido, representando o presepe de Christo,
tendo abaixo o distico :
Ilic verbus caro factum est
Todo o mappa é colorido de azul, sepia, vermelho e
ouro , em diversos pontos, e circulado de illuminuras e de
cabeças de anjos (bambinos), de bello e valioso trabalho ar
tistico, attestando a sua origem contemporanea do progresso
das artes graphicas, no seculo da Renascença, na Italia. ( 11 )
A authenticidade desse mappa , no seu conjunto, impõe
se ao observador á simples inspecção visual , independente de
qualquer indagação scientifica ou commum
artistica, já pela inversão
da posição dos continentes, tảo nos mappas me
dievaes, como o prova o visconde de Santarem , já pela si
tuação da Terra Santa , no centro delle, como « quasi umbi
licus regionis et totius terræ », na phrase de Raban Maur,
já pela denominação de « India pova» dada á America Sep
tentrional, segundo a orientação de C. Colombo , accorde com
a de Indras occidentaes, por tanto tempo usada, visto não
ter Americo Vespucio explorado aquella parte do continente .
Esse mappa, ou o nome do seu autor, não constam de
documento ou publicação cartographica ou geographica al
guma, e nem de catalogos ou relações de mappas da Ame
rica, quer antigos, quer modernos .
Nem Humboldt, nem Harrisse, Sophus Ruge, Santarem ,
Wieser, Fischer, ou qualquer outro autor competente, citam
tal mappa ou o nome - Jeronymo Marini .
nome---
Esse facto, todavia, não é de estranhar -se, sabendo-se
que os mais celebres e antigos mappas da America, como o
de La Cora, Cantino, Waldseemüller e outros, conservaram
se , por seculos, extraviados ou desconhecidos, e só por acaso
e de surpresa foram encontrados .
E ' aceitavel a hypothese de ter sido Jeronymo Marini,
nào um cartographo conhecido, mas um simples copista ou
desenhista do mappa em questão, que deveria ter tido um
prototypo, o qual ainda não foi achado.
Como se verificou no Instituto Heraldico de Roma, a
familia Marini (ou Marin , segundo o dialecto veneziano ),
era nobre, e o escudo de suas armas foi reconhecido por
aquelle instituto , encimando o mappa alludido , entre as duas
legendas citadas.
(11) V. de Santarém . Opusculos ineditos, pag . 577, Vicente Grossi. Carta
da Italia , Jornal do Commercio, de 2 de dezembro de 1912 .
- 37

Aliás, é conhecido o impulso que tiveram em Veneza,


no fim do XV e começo do XVI seculo, as expedições ma
ritimas e os trabalhos cartographicos, desde Zeno e Marco
Pollo até Gastaldi. ( 12)

( 12) V. Grossi. Carta cit . Carlo Herrera, L'època delle grande scoperte
geografiche, 1902, pags , 165 e seguintes ,
Para melhor elucidação do assumpta, damos em seguida e por ordem chro .
nologica, a relação dos mappas do XVI seculo, contendo o nome regional Brasil,
correcto ou nio , e a lista de autores citados, por V. Grossi , em sua carta ao
nosso ministro .
Mappa de Lorenz Friess, 1501 - Prisilin sive Terra Papagalli.
2 - Globo chamado de Lenox, 1505 - 1507 Terra do Brazil.
3 Marini - 1512 Brazil.
Carta nautica portugueza ( 1513 ). Nome Brazil applicado a todo o conti
nente . Claudio Ptolomei (Winsor ), 1513 , Brazil.
5 - Reisch - Carta de 1515 , que indica o mesmo continente com o nome
Paria seu Primillia (? ) .
6 – Da Vinci ( 1515-1516) ( Winsor ) Brazili .
7 Schoner (Globo ) 1515, Braziliae . Regio .
Waldseemaller, 1516 , Brazilia sive Terra Papagalli ,
Reinel, 1516 – Terra Brazilise .
10 Visconde Maiolo, II, 1519, Terra Santa crucis de lo Brasile .
Globo Dourado, 1528. Apud . Schrader , Brasilia .
12 Diego Ribeiro, 15: 9 - Tierra do Brazil .
13 Finoeus, 1531 – Brasilielle . Regio (Winsor ) .
Mappa- mundi Sebastião Munster Brasilia , 1532 .
15 Schoner (globo ), 1533, Brasilia .
16 Mappa francez, 1510 , Terre du Brésil .
17 Carta marinha ( Ptolomeu ), 1548 , E. Brasil ,
18 P. Decelliers , 1550 , Amerique ou Brésil .
19 Bellero, 1554 - Bresilia
Diogo Homem (II), 1558 , Brasilis
21 Bartholomeu Velho, 1551, Brazil (?) .
22 Diogo Gutierres, 1532 Regio de Brasil ,
23 Lazaro Lima ( II ) , R. de lo Brasil, 1563
24 A. Ortelius ( I), 1570, Braril .
23 Forlani , 1570, (? ) Terra del Brasil .
A. Ortelius ( II ), Bresilia , anno, idem .
27 Fernão Vaz Dourado ( I ), 1368 -- 0 Brazil .
28 Fernão Vaz Dourado, 1571 , Costa do Brazil .
29 - A. Thevet . , 1575 Brésil .
39 F. de Belleforest , 1575 , Brazil ,
31 Martines, 1578 , The land of Brasil (Winsor).
32 Rumoldus Mercator, 1587, Brazil .
33
-
G. Baptista Mazza , 1584 , Bresilia .
34 - Jan van Doet ,, 1585 Brasi
35 T. de Bry, 1592, Bresilia ,
Petrus Plancus, 1592, Brasilia .
37 Cornelio de Jode , ( I ) 1593, Terra de Brasil .
38 Cornelio de Jode, ( II), 1503, Brasilia .
39 M. Mercator, 1595 , Bresilia .
40 T. de Bry , 1596 , Brasili ,
A. F. Van Langerens, 1540 , Brasilia .
J. Hordius, Bra ... ( Ilegivel ) .
43 Wolfe's English edition of Lischoten, Brasilia , 158,
M , Quadem, 1598 , Bresilia .
B. Langerem , 1598 , Brasilia .
16 L. Hulsius, 1559 , Brasi
47 J. B. Vrient , 1699, Brasilia .
48 - Hacluyt, 1599, Brasilia .
Autores citados por V. Grossi, em sua carta , para melhor elucidaçãs do caso.
Harrage - Bibliotheca Americana Vestustissima .
Bellio - Collecção de docs , e estudo publicado pela Real Commissão Co
lombiana
L'zielli «Estudos bibliographicos sobre a historia da geographia na Italia» .
Amat. de San Filippo – « Biographia dos viajantes italianos » .
Ruge - «Die Eutiviekelung der Kartografie von Amerika, 1570 .
Kretachmer „ Die Ent. deckung Amerika's in iher Betendung für die Ge
shichte des Weltbildez Nordenskioldo ,
Fac-simile – Atlas to the early history of Kartography, etc , etc.
38

O valor artistico, diplomatico, historico e scientifico


desse mappa, é, portanto, fóra de contestação e inestimavel.
Para nós, brazileiros, porém, elle apresenta uma cir
cumstancia especial que o torna merecedor de um apreço
sern par, de uma quasi veneração fetichista :-é o primeiro
mappa geographico que traz em forma correcta e simples, e
em idioma portuguez , o nome de nossa patria, já em 1512 !
E' tal à estranheza do facto que, á primeira vista (nós
o confessamos ), duvidámos da authenticidade de tal denomi
nação, como sendo da autoria de Jeronymo Marini ou tendo
data contemporanea do mappa .
| Estudando mellor o caso, nas fontes da cartographia
americana e em frente dos documentos obtidos em Roma,
pelo nosso digno ministro perante o Quirinal, convencemo
nos da veracidade diplomatica da denominação.
De facto, demoostrado que seja o emprego conhecido
da denominação Brasil, dada ao nosso paiz ou a um ponto
delle, por expedicionarios portuguezes ou outros quaesquer,
e constante de documentos cartographicos ou historicos, an
tes de 1512, está, ipso factn, justificada a authenticidade
da denominação do mappa.
Ora, já vimos que em 1504, João de Empoli ( italiano,
pote - se) empregou na sua narrativa da « Viagem ás Indias
Occidentaes», a phrase : « La terra della Vera Croce over del
Bresil, cosi nominata » ; Wieser, por sua vez, cita a descri
pção de uma viagem de Lisboa a Canata » em a qual se emprega
a deuominação : Terra Nova de Prisilli ; o mappa de
L. Friess, de igual anno, traz a denominação : « Prisil a
«

sive Terra Papagalli.»


Aliás, como já vimos, a denominação « Rio do Brasil »
era conhecida na Italia, desde 1502, pelo mappa de Cantino.
Era, pois, usado antes de 1512 e por italianos, o nome
Brasil, correcto ou pão, applicado ao nosso paiz.
O fundamento, porém, a nosso ver, mais convincente éo que
nos dá o chamado « Globo de Lenox », referido por V. Grossi.
Existe em New-York, na Jivraria Lenox , um globo me
tallico, de pequenas dimensões, achado em Paris, em 1869,
por R. Hunt è cedido ao livreiro Lenox , o qual traz, em
caracteres perfeitamente legiveis e claros, o nome: – Terra
do Brasil, assigoalando o nosso territorio: sua data foi fixada
pelo « Coast Survey Bureau », de Washington, entre 1506 e
1507, porém outros, seguindo J. Wipsor, dào-lhe a data de
1510-1512 .
Esse globo é considerado o mais antigo que existe, con
tendo todas as partes componentes do Novo Mundo ; seu autor
é desconhecido, mas é quasi certo que era francez.
Sua reproducção consta da « Encyclopedia Britannica », 9.
ed ., vol. 10, verbo - G1, be, e da «History of America» , de J.
Winsor, vol. III, pag. 212 e nota 3.
Provado, como se acha, que o nome regional « Brazil» era
applicado ao nosso paiz, em documentos geographicos e his
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toricos, muito antes de 1512, e sabendo-se que , entre OS

pilotos, expedicionarios e cartographos do tempo , na Italia ,


na Hespanha, Fra nça e Portugal , eram frequentes e faceis
as communicações, fica, a nosso ver, perfeitamente demoos
trada a veracidade da graphia regional do mappa em queståo.
A fraude, aliás, seria invero -imil e impossivel mesmo, de
praticar - se, dada a publicidade do leilão, sua larga propa
ganda ou reclame, em um centro culto, como Roma.
A singularidade do caso, pois, ao envez de gerar sus
peita desfavoravel, vem enaltecer, ainda mais, com o cunho
precioso da raridade unica, o valor historico do mappa.
De ora em diante, pois, a carta de Vaz de Caminha,
dando ao Brazil o nome de « Vera-Cruz» e reputada como a
sua certidão de baptismo, deve passar a ser considerada,
quando muito, como uma simples certidão de registro civil ,
attenta a qualidade official de seu autor, cabendo ao mappa
de Marini , e só a elle, os fóros inatacaveis de uma verda
deira certidão de baptismo, a cujo acto não faltaram bem as
agu is lustraes de um novo Jordão, nem a consagração de
um nome definitivamente acceito e perpetuado até hoje.
Rio, 15 de janeiro de 1915.
Caramurú na lenda e na historia

CONFERENCIA REALIZADA NA SESSÃO DE 20 DE ABRIL DE 1915


PELO

DR . MARIO HENRIQUES DA SILVA


Socio effectivo do Instituto
( CARAMURÚ NA LENDA E NA HISTORIA

«Mal diria eu, quando sabi de Portugal, nos ultimos


dias do outono, en que os crepusculos se demoram no hori
zonte, lavguescentes e tristes, numa ultima e desesperançada '
resistencia da luz aos adensados nimtos do inverno lutuoso ;
– mal diria eu , nessa terrivel hora em que agitava a ban
deira de despedida do porto amigo, a procurar, por entre as
nevoas da manhã, os queridos campanarios da minha terra,
resaltando dentre a luxuriante e espessa vegetação dos soutos
e das mattas dessa formosa Beira Alta, que me foi berço e
em cujos outeiros suaves os vinhedos, trepando, parecem
longinquas multidões de romeiros, cantando ao céo, vestidos
de pampanos ; mal diria eu que, tão longe, no ponto do
meu destino, neste paiz amigo, sempre em plena primavera
da Natureza, a minha modesta voz, pobre de conceitos, des
pida de atavios, havia ainda de fazer-. e ouvir numa assem
bléa a que os meus meritos só pela muita bondade de alguns
intimos poderiam dar-me accesso.
Em cada um que se separa, em plena juventude, ao
abandonar os bancos das escolas, existe a convicção inaba
lavel de que se é chamado para rudes batalhas ; ha um ideal
que nos guia os sonhos da mocidade ; as grandezas da Patria,
que Jucta com as tristezas do presente e que perscruta com
olhos anciosos as incertezas do futuro, encarnam o ideal de
todos .
E na hora da partida, os bellos emigrantes da ridente
Jopia do prazer e da alegria sentem que o sol vai descendo
na ecliptica e que vão morrendo as rosas nes ilbas encantadas
dos seus primeiros sonbos. A henas apaga as lampadas das
festas do seu noivado com a vida. E Sparta a mãe austera
da edade madura, acolhendo, serena e grave , os atbletas
ainda offegantes do esforço dos jogos, ainda resplandescentes
dos jubilos do triumpho e do sorriso das namoradas, impri
me-lhes, desde logo, o aspecto severo do guerreiro laconio,
temperado para as durezas da vida . Trocam-se os ultimos
adeuses, abandona- se a mesa do ultimo banqueie em com

inum . Os convivas estão de pé, as armas cingidas para as


perpetuas batalba“, alongando a vista para as montanhas
longinquas, que o sol tinge da côr melancolica da tarde.
Como que esvoaçam em torno, vagamente como sombras, as
recordações, as queridas recordações dos dias venturosos ! O
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momento é solenne e cheio de majestade. O silencio con


centra as almas, que mergulham no escuro mar dos pensa -
mentos. Brinda -se pelo passado, pelas illusões da aurea
juventude, pelo amigo convivio dos annos descuidosos !...
Que cada um conserve viçosa a bella fôr da lealdade, da
generosidade, do desinteresse . Guerra ao egoismo, á torpe
veniaga, ao ambicioso espirito de facção, á venalidade do
talento ! Glrria á Bondade simples, ao sentimento sincero,
á intenção pura, ao trabalho Lonesto, á consoladora Arte
immaculada, á se ena Sciencia vivificante !
Assim partí tambem para a vida, forte e crente para o
triumpho. Annos volvidos, como um operario prostrado, ar
rancado á sua officina querida , e como um extrapho na sua
propria terra, atirou -me o destino pelos desvairados caminhos
do Futuro, levando no coração as lagrimas dos que ficavam ,
na mão contrahida para a lucta o calor de mãos amigas, pa
bandeira a divisa honrada do dever e na alma a sagrada
imagem da Patria . Apertaram -se os ultimos abraços , bal
buciaram-se entre prantos os ultimos protestos e soaram por
fim os passos além , nas pedregosas veredas da aspera rea
lidade ...
E mal diria eu, ao agitar a bandeira de despedida, nos
ultimos dias do outono, em que os crepusculos se demoram
no borizonte, languescentes e tristes, numa ultima e deses
perançada resistencia da luz aos adensados nimbos do inverno
lutuoso que a minha modesta voz, pebre de conceitos. des
pida de atavios, havia ainda de fazer - se ouvir numa assem
bléa a que os meus meritos só pela muita bondade de alguns
intimos poderiam dar -me accesso . Sirva a benevolencia
delles de interprete das minhas desculpas, perante a pacien
cia dos que me escutam , pelo tempo que lhes roubo !
O assumpto que escolhi para thema da minha palestra,
a muitos poderá ter parecido impertinente, como velharia
sabida e cantada em todos os tons .
Effectivamente, quem tiver lido Os Varões Illustres do
Brazil durante os tempos coloniaes, de Pereira da Silva , terá
encontrado a paginas 283, do volume I , da terceira edição,
publicada em 1868, os depoimentos dos diversos escriptores
que se referem a Diogo Alvares, o Caramurú , bem como a
descripção da lenda cantada por frei José de Santa Rita
Durão, no seu popularissimo poema .
No emtanto, quer para os referidos auctores, quer para
o proprio Pereira da Silva, nenhum documento seguro, além
das vagas referencias feitas em cartas da época, authenticava
a verdade historica da existencia de Diogo Alvares no Brazil
e muito menos do prestigio que se lhe attribuia entre os na
turaes. Foi essa ciscumstancia que me determinou na es
colha do assumpto. esclarecido de todo com o achado d'algu
mas preciosidades historicas, verdadeiras reliquias archivadas
na Torre do Tombo, em Lisboa.
45

De resto, a critica historica applica-se a determinar a


authenticidade, a sinceridade, o valor dos testemunhos. A
arma essencial do methodo historico é a analyse ; é preciso
analysar cada documento para determinar o seu logar na
synthese a que tende a historia. E' no testemunho, no
estudo das manifestações que nos restam da actividade hu
mana que se apoiam os conhecimentos historicos .
Assim, parece que não será de todo descabido o assumpto
a versar
Falando do Caramurú na Lenda e na Ilistoria, cumpre
me, antes de tudo, referir -me a
A ) - ( POEMA « CARAMURU ' »
I) – O seu auctor.
A provincia de Minas Geraes tornou-se, desde os princi
pios do seculo XVIII, em um centro fecundo de cultura. Var
nhagen , das notas ao « Caramurú », que acompanham a edição
dos Epicos Brazileiros, de 1845, chama a Minas o estomago
do Brazil e affirma que nunca será vigorosa e genuina a li
teratura que dahi nào tire as forças, o vigor, a origem .
Nos fins daquelle seculo, a provincia de Minas. illus
trou-se com o engenho de notabilissimos poetas ; e o movi
miento intellectual foi bastante para que uma verdadeira
Arcadia se ramificasse por ella a Arcadia Ultramarina ou
Brazileira, honrada por nomes que são hoje glorias do
Brazil e da literatura portugueza .
Foi em Mivas que primeiro surgiu o genio épico bra
zileiro com o Uruguay, de José Basilio da Gama, e o Ca
ramurú, de frei José de Santa Rita Durão. Foi tambem
em Minas, na rica e culta comarca de Rio das Mortes, que
brilhou o talento lyrico de Thomaz Antonio Gonzaga, o de
licioso poeta da Marilia de Dirceu, interprete admiravel da
alma brazileira, embora não fosse nativo, e floresceram os
poétas Claudio Manoel da Costa, Manuel Ignacio da Silva
Alvarenga Ignacio José de Alvarenga Peixoto, todos envol
vidos na conspiração da Inconfidencia, que pela primeira vez
levantou, com o martyr Tiradentes, o grito da independencia
brazileira.
Frei José de Santa Rita Durào nasceu em Minas, em Cata
Preta do Inficionado ; mas foi em Portugal, no retiro encan
tador da Quinta do Valmeão, no valle de Coselhas, a dois passos
de Coimbra, a linda terra das serenatas e dos romances de
amor, que elle compoz o sen Caramurú , quando frade gra
ciano. Devia ser por 1778 que se abalançou a escrever o
seu poema, levado como elle proprio confessa na primeira
edição ( 1781 , dez annos depois de vir a lume o Uruguay),
pelo amor da patria brazileira e porque os successos do Bra
zil não mereciam menos um poema que os da India.
Durão metrificava com muita facilidade, segundo tradição
que chegou até nós por José Agostinho de Macedo, tambem gra
ciano, companheiro de Durão, o qual lhe dietava os versos senta
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do num sitial de Valmeão, ou aindil ao seu escravo mulato,


Bernardo, mesmo do banho.
2) – 0 poema.
O poema, no seu intuito, é uma obra patriotica e revela
o sentimento da nacionalidade, que se manifestai a já na
conspiração de Minas e vivia na alma dos literatos. Esse
sentimento de independencia , que levou os épicos a contar
as tradições coloniaes, engrandecendo os heroes indigenas
(feição literaria conhecioa pelo nome de indianismo) e os
lyricos a dar ás suas composições o ar dolente tão proprio da
gente brazileira – esse sentimento de independencia teve,
porém , de ser, em parte, dissimulado, para não desagradar ao
governo da metropole.
B) O CARAMURU '.
1) () Caramurú no poema e na lenda.
O pers nagem de que Durão se serviu para o seu poe
ma foi elle buscal- o á tradição, que se perpetuou atravez
dos narradores das primeiras noticias do Brazil . Eis como o
proprio Durào expõe o argumento do seu poema :
« A acção do poema é o descobrimento da Bahia feito
quasi no meio do seculo XVI por Diogo Alvares Correia,
nobre viannez (de Vianna do Castello), comprehendendo em
varios episodios a historia do Brazil , os ritos, as tradições,,
milicias dos povos indigenas, como tambem a datural e po
litica das colopias.
« Diogo Alvares passava ao novo descobrimento da ca
pitania de S. Vicente, quando naufragou nos baixos de Boi
pebá, vizinhos á Bahia. Salvaram - se com elle seis dos seus
companheiros, e foram devorados pelos gentios antropopha
gos , e elle esperado por vir enfermo, para, melhor nutrido,
servir - lhes de mais gostoso pasto. Encalhada a pau , deixa
ram-n'o tirar della polvora, bala, aru as e outras especies de
que ignoravam o uso. Com uma espingarda matou ell ?, ca
çando, certa ave ; de que, espantados, os barbaros o acla
maram Filno do Trovão e Caramurú, isto é, dração do mar.
Combatendo com os gentios do sertão, vence-os e fez-se dar
obediencia daquellas nações barbaras. Offereceram -lhe os
principes do Brazil as suas filhas por mulheres ; mas de to
das escolheu Paraguaçú, que depois conduziu comsigo a
França ; occasiào em que outras cinco brazilianas seguiram
a pau franceza a nado, por acompanhal- o, até que uma
dellas se afogou, e intimidadas as outras se retiraram ...
Passou á França em nau que alli abordou daquelle reino, e
foi ouvido com admiração de Henrique II , que o convidara
para em seu nome fazer aquella conquista. " Repugnou elle,
dando aviso ao sr. D. João III , por meio de Pedro Fer
nandes Sardinba, primeiro bispo da Bahia. Cometteu o mo
narcha a empreza a Francisco Pereira Coutinho, fazendo - o
donatario daquella capitania . Mas e.te, não podendo aman
sar os Tupinambás, que habitavam o Reconcaro, retirou - se
- 47

á capitania dos Ilheus ; e pacificados depois com os Tupi


vambás, tornava á Bahia, quando infaustamente pereceu em
naufragio. Em tanto, Diogo Alvares assistiu em Paris ao
baptismo de Paraguaçú, sua esposa, nomeada nelle Cathe
rina, por Catharina de Medici , rainha christianissima, que
The foi madrinha , e tornou com ella para a Bahia , onde foi
reconhecida dos Tupinambás como herdeira do seu Princi
pal . e Diogo recebido com o antigo respeito » .
Tal é tambem a narração que encontramos em Sebas
tião da Rocha Pita ( Hist. ria da America Portugueza de 1500
a 1724, 1.a edição, Lisboa, 1730), com pequenas variantes, e
que elle ba eia em antigos manuscriptos dispersos em varias
partes da provincia do Brazil .
Pita termina dizendo que Catharina A ves, a Paragua
çú , ao regressar de França, fez com que o gentio com me
nos repugnaucia se sujeitasse ao jugo portuguez. Exc
crescenta, para não faltar o maravilhoso, que ella, prevenida
em sonhos, acbara a imagem da Virgem , miraculosamente
salva, entre os despojos dum navio hespanhol que déra á
cosia em Boipeba, o que levou Diogo Alvares e 03 seus a
s ccorrel-a, salvando a tripulação da morte - pelo que foi
elogiado por Carlos V, em carta autographa .
Fernando Wolff, o primeiro que escreveu uma bistr ria
literaria do Brazil com caracter critico ( Le Brésil litteraire,
Berlin , 1863), completa essa lenda do Caramurú, com a se
guinte passagem , que nå ) encontramos em Durão, em Pita,
nem en qualquer dos que versaram o assumpto :
« Alvares regressou á Bahia com sua esposa (vindos de
França ), então já chamada Catharina ; as, desavivdo - se
com Pereira Coutivho, donatario da costa da Bahia, foi feito
prisioneiro por elle, que fez cor er a noticia da sua morte .
Paraguaçú , desesperada e querendo vingar o marido, incitou
os Tupinambás á revolta contra Coutinho , vence- o em uma
lucta tenaz, e acaba por matal-o. Diogo Alvares, libertado
por sua mulher, submette - se ao novo governador geral ,
Thomé de Souza, e morreu de edade avançada ( 1557), dei
xando uma numerosa posteridade . »
2 0 Caramurú na Historia .
a) Diogo Alvares Não ba duvida de que, des
de os primeiros annos do seculo 16, existiu na Bahia, en
tre os indios, um christão. As relações mais antigas al
ludem a isso.
Na collecção hespanhola de Navarrete, a relação de
Francisco d'Avila conta que, ao entrar em 1520 , na nau
S. Gabriel, á bocca da Bahia, encontrára un cristian
que decia que hacia 15 años que se habia perdido allı
con una náo .
Na relação do donatario Pedro Lopes, conta este que
ao entrar na Bahia , em 13 de março de 1531, acháralá
- 48

um homem portuguez, que havia 22 annos estava nessa


terra ,
Antonio Herrera, na Decada V da sua historia, refe
re que, em 1536, se achou na Bahia um portuguez que
havia 25 annos estava entre os indios ,
Numa carta de Pero do Campo Tourinho, natural
de Vianna do Castello, a D. João III, que o fizera dona
tario da Capitania de Porto Seguro, carta datada de 18
de Julho de 1546, e que se encontra na Torre do Tom
bo de Lisboa (corpo chronologico 1.a parte, maço 78, di
visão 45), donde foi extrahida pelo sr. Varnhagen, —
nessa carta falla -se em Diogo Alvares, o Gallego, lingua
ou interprete do gentio, que era morador na Bahia . Esta
designação de gallego traduziria a sua procedencia mi
nhota . Nessa carta, conta-se como Francisco Pereira
Coutinho abandonára a Bahia para se refugiar a Porto
Seguro, por causa da guerra que haveria um anno lhe tinham
movido os indios. Pereira Coutinho viera da India, onde
se illustrára, para o Brazil , e aqui lhe designou D. João
III a capitanía da Bahia, para onde partiu de Lisboa (ahi
por 1537 ou 1538 ), com muitos soldados e homens casa

dos, numa armada aprestada á sua custa, fortificando-se


no sitio depois chamado a Villa Velha .
A noticia mais curiosa acerca do Caramurú deixou
nol -a Gabriel Soares de Souza, numa interessantissima re
lação das cousas do Brazil , a primeira vez publicada em
1825, no tomo III , 1. parte, da Collecção de Noticias para a
Historia e Geographia das Nações Ultramarinas, da Acade
mia Real das Sciencias de Lisboa Esse Gabriel Soares pas
sou no Brazil uma grande parte da sua vida, principalmente na
Bahia, onde viveu como colono desde 1565, pouco mais ou
menos, até 1584 , anno em que de la sahiu, para regressar
de novo em 1590, em exploração ás minas nas nascentes do
rio S. Francisco, onde morreu Na sua relação (capitulo 28
da 1." parte ), diz-nos elle que esse Francisco Pereira Couti
nho vera alguns annos de boa amizade com OS
gentios,
mas que depois estes se levantaram , queimando -lhe os en
genhos de assucar, destruindo roças e fazendas, matando-lhe
gente, a ponto de Coutinho se ver obrigado it refugiar - se
na capitania dos Ilhéos, junto de Pero do Campo Tourinho.
E nesta altura que Tourinho escreve a D. João III a carta
atraz referida . O gentio, porém , arrependido da guerra fei
ta a Coutinho, sobretudo pela falta que lhe fazia o lucro do
commercio com os portuguezes, convidou Coutinho a vol
tar, com muitas promessas de paz e amizade. Coutinho re
solveu voltar para a Bahia, vembarcando em um carave
lào e acompanhado doutro em que ia Diogo Alvares, de
alcunha o Caramurú, grande lingua ( interprete) do gentio, e,
querendo entrar pela barra a dentro, The sobreveiu um vento
tormentoso, que o lançou sobre os baixios da ilha de Tapa
rica, onde deu á costa. Salvou-se a gente do naufragio,
49

mas foi cahir nas mãos dos Tupinambás, que a traição os


mataram , á excepção de Diogo Alvares com seus com boa
linguagem ».

Pela morte de Pereira Coutinho, D. João III, conhece


dor da fertilidade, bom clima e riquezas da Bahia , aprestou
uma armada de cinco náus, em que ia Thomé de Souza,
nomeado capitão. e governador geral de todo o Estado do
Brazil, o qual escolheu a Bahia para cabeça delle, fundando
a cidade de S. Salvador, meia legua para o sul de Villa
Velha . Na Bahia, desembarcou em 1549, com muita gente
de armas, fidalgos, degredados e alguns moradores casados ou
colonos.
Na nau em que vinha Thomé de Souza, embarcaram
tambem os primeiros jesuitas que aportaram á America, sob
a direcção do padre Manuel da Nobrega, e nella haviam de
dilatar a sua influencia.
Ouçamos sobre isto o que nos diz o já citado Gabriel
Soares ( capitulo 2.º da 2.* parte da sua Noticia do Brazil) :
« Ao tempo em que Thomé de Souza desembarcou,
achou na Villa Velha a um Diogo Alvares Correia, de al
cunha o Caramurú, grande lingua do gentio, o qual, depois
da morte de Francisco Pereira Coutinho, fez pazes com 0
casas
gentio, regressando á sua residencia, que era numas
afastadas de Villa Velha, onde se fortificou e recolheu com
cinco genros, que tinha, e outros homens que o acompanha
vam , dos que escaparam da desventura de Pereira Coutinho,
com os quaes, ora com armas, ora com boas razões, se foram
defendendo e sastentando até á chegada de Thomé de Souza,
por cujo mandado Diogo Alvares Corrêa aquietou o gentio
e fez dar a obediencia ao governador ; levando mesmo O
gentio a trabalhar nas obras de fortificação da nova cidade
de S. Salvador, a troco do resgate (commercio) que lhe da
vam . »
As cartas dos jesuitas, que acompanharam Thomé de
Souza para a Bahia, vêm agora lançar intensa luz sobre
esta phase da vida do Caramurú .
O padre Nobrega, em carta para o reino , carta que se
guarda na collecção da Bibliotheca Nacional do Rio de Ja
neiro e publicada por Varnhagen, allude a Diogo Alvares,
quando diz – « que anda occupado em aprender a lingua
indigena com um homem que nesta terra se creou de moço,
o qual agora anda muito occupado em o que o governador
lhe manda, e não está aqui. Este homem, com um seu gepro,
é o que mais confirma as pazes com esta gente, por serem
elles seus amigos. »
O mesmo padre Nobrega, em carta enviada de 8. Sal
vador ao doutor Navarro, lente da Universidade de Coimbra,
e datada de 10 de agosto de 1549, allude a esse individuo
55

por certo, ao falar dum interprete muito bom que tinha, o


qual falava quanto cu lhe dizia em alta voz .
Noutra carta enviada da mesma cidade de S. Salvadcr
da Bahia em 1551 e publicada a folhas 11 da collecção de
cartas do padre Nobrega e outros, que se imprimiram nesse
mesmo anno em Coimbra , carta tambem inserta a folhas 52
da collecção italiana Diversos Avisos Particulares da In
dia de Portugal, Recebidos do Anno 1551 ao fim de 1558
dos Padres da Companhia de Jesus, Veneza, 1568 nessa

carta diz o seu autor que naquella cidade encontrou


um homem de boas partes, antigo na terra, que tinha talento
de escrever a lingua dos Indios, o que foi para mim de
grande consolação . »
Para terminar tantos testemunhos da existencia incon
testavel de Diogo Alvares, o Caramurú, citaremos uma pas
sagem da carta que o padre Nobrega escreveu da Bahia em
1555, carta que se conserva da Bibliotheca Publica da ci
dade portugueza de Evora, passagem em que se le :
« 0 Padre Nobrega ordenou com o Bispo (D. Pedro Sar
dinha) que fizesse com Diogo Alvares (por lingua dos Indios
Caramurú ), ao qual tem grande credito os indios por aver
corenta a sinqoenta anos que auda antre elles e ser velho
honrado, que andasse pellas aldeias com os padres, promet
tendo-lhe ordenado delrei, o que ao bispo pareceo muito bem ,
e logo o poz em obra. »
Em face de tudo isto poderiamos desde já afoitamente
concluir :
1.°) Que nos principios do seculo 16 , talvez em 1510,
segundo o calculo das narrações atrás referidas, foi atirado
ás costas da Bahia um portuguez, Diogo Alvares, o qual
viveu entre os Indios Tapinambás, e que foi por certo 0

primeiro que viveu em terra brazileira .


2.° - Que esse Diogo Alvares viveu amigavelmente
ontre os indios, até que á Bahia chegou a colonia do dona
tario Pereira Coutinho em 1538, quando muito .
3. Que esse Diogo Alvares prestou serviçəs a Pe
reira Coutinho e com elle naufragou da ilha da Taparica,
ahi por 1548.
4.°) Que Dirgo Alvares, salvo do naufragio, foi re
sistindo, ora por armas, ora por boas razões, até 1519 , quando
chegou Thomé de Souza.
5.") Que Diogo Alvares foi um grande auxiliar deste
governador e dos jesuitas que com elle vieram ao Brazil.
Todavia, a prova irrefragavel da existencia de Diogo
Alvares no Brazil ficará constatada á evidencia um pouco mais
adeante .
b) - ( Caramuru Admittindo como demonstrada já
a existencia de Diogo Alvares, resta indagar como e quando
se deu o incidente que lhe valeu o titulo de Caramurú .
Nem Gabiel Soares , na sua curiosissima noticia, nem os
jesuitas, em suas cartas, alludem ao facto que immortalizou
51

Diogo Alvares, impondo - o como héroe dum poema ; o tam


bem nenbuma noticia historica refere o acontecimento a 1510,
em que, pela primeira vez, Alvares abordou á costa da Ba
bia, ou ao naufragio com Pereira Coutinho, em 1547. To
davia, Durão, no seu poema, começa a acção quasi no meado
do seculo 16, pouco antes da vinda de Thomé de S. uza, e
só depois deste periodo é que se accrescenta ao vome de Diogo
Alvares o de Caramurú . com . vimos em Gabriel Soares, que
só usa daquelle appellido quando fala dos serviços prestados
por Alvares a Thomé de Souza, não falando nelle, ao refe
rir o naufragio com Pereira Coutinho.
Fixado o anno de 1547 para a realização dos feitos que
deram o appellido de Caramurú a Diogo Alvares, difficilmente
se pode explicar que os indios. de ha moito tempo babituados
ao trato com estrangeiros , portuguezes, frarcezes e hespanhoes,
só então pela primeira vez ouvissem o ruido das armas de fogo
e conhecessem os estragos dos seus tiros .
Tentaremos, pois, conciliar as duas cousas.
E' indubitavel que, desde os principics do seculo 16,
andavam europeus entre os indios.
Conta Gabriel Soares, e deduz-se das narrações que,
antes dos portuguezes se fixarem na Bahia, já ella era vizi
tada pelos flibusterios francezes, que vinham fazer resgate
com os tupinambás. Diz o mesmo Soares ( Vot cia, cap. 177 ,
do 2.º livro) que os francezes, quando iam para França, nas
suas naus carregadas de pau de tinta. algodão e pimenta, dei
xavam entre os gentios alguns mancebos para apprenderern a
lingua, os quaes viviam como aquelles com muitas mulheres
e inçando a terra de mamelucos (créoulos). de que ao tempo
em que elle Soares escrevia tinbam muitos descendentes, lou
ros, alvos e sardos, e levando a vida dos tupidambás.
Os padres da Companhia referem -se tambem a esta exi
stencia de gente branca no sertão, francezes, bespanhoes e
portuguezes, muitrs dos quaes lhes serviam de interpretes.
E' pois, natural que Diogo Alvares naufragasse na Ba
hia em 1510 e pelos iupinambás fosse recebido em boa ami
zade. Esses indios, apezar de crueis e anthropophagos. eram
hospitaleiros: – os estrangeiros, ao chegưrem a uma povoa
ção de indios, erain logo conduzidos á presença do chefe, que
os recebia magnificamente, mas inquirindo delles t. das as
circumstancias da sua vinda . Si dessas inquiriçõrs resultara
qualquer duvida ou receio quanto ao hospede . este era morto
e devorado. Com certeza Diogo Alvares foi recebido logo como
amigo, e como tal veiu a casar com a filha do chefe, Para
guaçú . Casado e com familia, vivendo entre os indios e á
sua maneira, prestru auxilio a Pereira Coutinho, quando este
se estabeleceu da Bahia , vivendo com elle em boas relações ,
pelo que deve pôr-se da parte a tradição citada por Wolff'.
Por ter seguido Coutiuho nas luctas deste contra os indios ,
com elle se retirou para Porto Seguro, e com elle regres ou
á Bahia, a convite dos indios. Naufragando tambem coin elle ,
52

na ilha de Taparica. em 1547, conseguin escapar á sanba


dos indios, ora por boas razões, ora com as armas, como conta
Gabriel Soares. Desde este naufragio em deante, os sobre
viventes, capitaneados por Diogo Alvares , tiveram de lançar
mão, ora das armas, ora da diplomacia (a que davam ajuda
as suas relações antigas com os indios ), para se sustentarem .
Foi, talvez, o effeito das victorias alcançadas por elle sobre os
tupinambás, elles tão poucos e este tantos, que lhe creou entre
os indios fama de invencivel, dotado de poderes sobrenatu
raes. Dahi o appellido de Caramurú, nome que entre os in
digenas significava uma planta esguia, com dez ou mais pal
mos de comprido, e cuja picada era venenosa . Foi da analo
gia desta planta com as espingardas, tambem esguias e pro
duzindo feridas enormes como ella, que derivou o coguome
de Caramurú .
c) – A viagem á França Diz a tradição, tal como
a narram Rocha Pita e Durão no argumento do seu poema,
que o Caramurú e sua mulher Paraguaçú foram levados á
França .
A este respeito não se encontra a mais leve referencia,
nem em Gabriel Soares, nem nas cartas dos jesuitas, nem
na correspondencia trocada entre os agentes e embaixadores
do rei de Portugal na côrte de França, que de tudo pre
veniriam o rei, não lhe occultando um facto que poderia
prejudicar -lhe a posse pacifica da terra brazileira, sempre
cubiçada e vizitada pelos Aibusteiros francezes.
Além disso , na carta atráz citada, escripta da Bahia
pelo jesuita Nobrega, em 1555, fala -se do Caramurú como
homem que havia 40 ou 50 annos andava entre os indios,
sendo já velho . Ora, si tal viagem se tivesse dado, o je
suita não a omittiria , attendendo ás circumstancias em que
anda revestida ; e por outro lado, não é crivel que se désse
depois de 1555. ättendendo a sua edade e aos serviços que
estava prestando ao governador e aos jesuitas.
O que é natural e como, aliás, succede em todas as
lendas e tradições é esse facto da ida á França se ter
dado com outrem, e depois interpolado na tradição aventu
rosa do Cararnurú . Quem teria feito essa viagem seria um
desses muitos francezes que as naus dos Aibusteiros deixa
vam entre o gentio, para apprenderem a lingua, como conta
Gabriel Soares na Voticia mais duma vez citada. E' tambem
natural que os proprios, francezes quizessem dar aos seus
reis o espectaculo dum francez unido a uma india , e que,
para satisfação dos seus sentimentos religiosos, lhes pedissem
para baptizar a india e casar os dois.
d) – A familia do Caramuru . Rocha Pita (Historia da
America Portugueza, n . 101 , do livro I), diz que Diogo Al
vares e Catharina Paraguaçú lograram em vida muitas regalias,
concedidas pelos reis de Portugal, que ordenavam aos sens

governadores lh'as fizessem guardar, de que ha memorias


nos seus descendentes, que foram muitos, pois que, casando
53

as suas filhas e netas com fidalgos vindos de Portugal com


os maiores cargos da Bahia, fizeram nobilissimas familias,
das quaes existem poderosas casas, de grandes cabedaes e
conhecida nobreza.
Fernando Wolff diz apenas que Diogo Alvares morrera
de edade avançada em 1557 e deixára numerosa posteridade.
Gabriel Soares cita, entre os que ajudaram a defender
Diogo Alvares contra os indios, cinco geuros que tinha .
O padre Nobrega cita tambem um genro de Diogo Al
vares, que com este contribuiu para a pacificação da Bahia
em tempo de Thoa é de Souza.
De todas estas informações deduz - se que Diogo Alvareg
só tinba filhas, das quaes pelo menos cinco eram casadas.
Não se sabe o nome de todos os cinco que as escolheram
para esposas. Todavia, Jaboatão, na sua c'hr nica , cita os
nomes de Affonso Rodrigues , natural de Obidos, marido de
Magdalena Alvares, e Paulo Dias Adorno, marido de Felippa
Alvares ; e o sr. Acioli, nas Memorias da Bahia, accrescenta
o nome de João de Figueiredo Mascarenhas, casado com
Apolonia Alvares .
Porém , documentos existentes na Torre do Tombo de
Lisboa (e registados a folhas 103 e 104 do livro 3.º dos
Privilegios da chancellaria de d. João III) vieram constatar,
não só a verdade historica da existencia de Diogo Alvares
e do seu apellido Caramurú , como tambem que, com effeito,
os seus descendentes, e elle proprio talvez, haviam sido en
nobrecidos pelo governador Thomé de Souza. Esses docu
mentos referem - se a Gaspar, Gabriel e Jorge Alvares, filhos
de Diogo Alvares, e a João de Figueiredo, seu genro.
Passo a ler na integra essas preciosidades historicas :
**

« Dom Jobam . A quamtos esta minha carta virem faco


saber que por parte de Guaspar Aluarez filho de Dioguo
Aluarez Caramoru , que diz ser caualeiro de minha casa me
foy apresemtado huu alluara de Thome de Sousa, do meu
conselho, que esteue por capitão gerall do Brazyll, feyto ba
mos
seis de julho do ano pasado de bc liij pello qual se
traua que elle fizera e armara cauallerro per vertude de seu
Regimento que pera iso leuara e do e
po der que por ell The
me
outorguey ao dito Guaspar Alluarez por o merecer
seruir todo o tempo que o dito capitão nas diras partes
esteue asy na guera como na paz do mar e da terra e em

todas as mais cousas que o encarreguou de meu seruiço o


fez sempre muito bem de sua pessoa como se delle espe
raua, segundo tudo mais larguamente he contheudo e de
clarado no dito alluara , pidimdome por merce que lho cô
firmase e mădase que lhe fosem guardados os preuylegyos e
liberdades dos cavaleiros, e visto seu requerymento , e que
rendo -lhe fazer merce , ey por bem e me praz de lhe cofirmar
54

o dito alluara e per esta lho cofirmo e quero que elle guoze
e vse daquy em diante de todolos preuglegios e liberdades
gracas e franquezas de que gozão é de direito devem
guozar e gouir OS caualleiros per mim comfirmados ;
elle sera obrigado á ter armas e cauallo segundo
forma da ordenação. Notificoo asy a todas as minhas
justiças oficiaees e pesoas a que esta carta for mostrada e o
conhecimento della pertencer e lhe mådo que ha cumprão e
guardem e facam inteiramente cumprir e guardar como se
nella contem sem a ella porein duuida nem êbarguo algum
porque asy he minha merce. Dada em Lisboa a bij de feuei
reiro Baltesar Fernandez a fez ano do nascimento de
nossb Senhor Jesus Christo de jbc. Imj . ( 1554). Joham de
Castylho a fez escrever » .
« Dom Jº. outra tall carta de côfirmação de caualeiro
nem mais nem mepos como acima a Guabriel Alvarez, filho
do sobredito Dioguo Alluarez, Caramuro feyta e obsprita
pellos ditos escrivaees na dita cidade, no dito dia, mes e ano
acima comteudo ».
« Dom Jº. outra tall carta de côfirmação de caualeiro
nem mais nem menos como acima a Joham de Figueiredo
jemro do sobredito Dioguo Alluarez Caramuro feyta e sobs
prita pellos dit's escrivaees na dita cidade, no dito dia, mes
e ano acima comteudo » .

« Dom Jº . outra tall carta de côfirmação de caualeiro


nem mais nem menos como hacima a Jorge Alluarez filho
do sobredito Diogo Alluarez Caramoru feyta e sobsprita
pellos ditos escrivaee- na dita cidade, no dito dia, mes e
ano acina contheudo ».

Ao terminar a minha desataviada palestra, mais uma


vez appello para a benevolencia daquelles a cuja bondade
devo o accesso nesta casa, para que depopham , junto dos
que me ouviram , as minhas desculpas pelo iempo roubado á
sua paciencia.
Si conseguir perdão para tão impertinente e desabusado
proceder, sentir-me-ei feliz, como quem conseguiu uma par
cella do ideal da mocidade, enaltecendo um valto que na
sceu na minha Patria e que illustrou , enchendo- a de bons
serviços e dotando - a de nobre estirpe, a terra brazileira , ba
tendo - se por ella e pela metropole distante com o ardor de
quem pertence a uma raça que tem um ideal a preencher.
As nações fatigadas por um rude esforço historico en
velhecem , si não as anima um grande sopro de ideal. Um
ideal é a juventude dos povos. Os povos , quando prose
guem um ideal, cantam na Historia . E não há como o peito
da mocidade para acalentar uma idéa ; e não ha como a sua
55

mão para arremessal-a, como uma flexa sibilante, ao azul


triumphal do combate.
O secolo 19, que nasceu aos sons do hymno heroico da
Revolução, deixou cahir da mão decrepita, ao morrer, um
pudhado de problemas no berço do seculo novo ; e o seculo 20,
ouve, quasi ao abrir os olhos, os roucos bramidos da guerra,
da miseria e do crime .
urgar a civilização desses terriveis monstros que a in
infestam , deve ser o ideal da mocidade. Que saiba pugnar
por ella , são os votos que dirijo á uventude brazileira, na
primeira vez que me é dado erguer a minha voz numa so
ciedade que representa um dos mais elevados expoentes da
cultura intellectual desta terra abençoada e hospitaleira ».
PARAHYBA
POR

J. R. Coriolano de Medeiros
Socio CORRESPONDENTE DO INSTITUTO
Parahyba

Estado maritimo da Republica dos Estados Unidos do


Brazil, distando da Capital do Paiz, para o N. 1194 milhas.

Posição

Entre 6. ° - 15 e 7. 50' latitude S. e 5.0


5'e 8.° - 25 longitude E. do meridiano do Rio de
Janeiro.

Superficie

Officialmente tem a de 74,731 k . q . A medida é, po


rém, arbitraria , uma vez que vão se fizeram estudos geodesi
cos em toda região. Collige-se de notas obtidas, em cada
municipio, das quaes foram deduzidos 25 ° !o, para compensar
algum exagero que porventura tenha havido, que a superficie
territorial da Parahyba é de 106.541 kils. qs.

População

O recenscamento imperfeito, incompleto, realizado em


1900 deu para o Estado a população de 490.734. Os dados
colhidos em 1911 , de municipio em municipio , dão 'uma po
pulação de 628.000 . Assim, quer a superficie, quer o numero
de habitantes, poderão ser examinados no seguinte quadro.
60

Superf. Pop . cal


em kils , Pop . em culada
MUNICIPIOS 1900
qs . em 1911

A. do Monteiro 10.425 12.634 14.000


Alagoa Grande 900 15,227 20.000
Alagoa Nova 600 15.250 20.000
Araruna 3.814 12.003 13.000
Arria 1.370 24.817 30.000
Bananeiras 1.080 21.615 40.000
Brejo do Cruz 500 6.997 10.000
Cabaceiras 4.050 11.736 12.000
Cabedello 100 5.000
Caiçara 890 10.000
Cajazeiras 1.575 7.699 14.0CO
Camp. Grande 6.750 38.303 40.000
Catolé do Rocha 5.451 8.008 12.000
Conceição 4,125 4.403 10.000
Espirito - Santo 1.200 15.614 16.100
Guarabira 1,500 40.052 42.000
Itabayanna 785 20.000
16.344
Irga 900 } 5.000
Mamanguape 6.851 24.851 25.000
Mizericordia 2.300 7.118 9.000
Parahyba 900 28.793 40.000
Patos 5.250 9.429 11.000
Pedras de Fogo 1.125 1.750 8.000
Piancó 10.200 11.392 15.000
Picuhy 1.500 11.562 20.000
Pilar 2.280 13.865 14.000
Pombal 2.100 12.698 14.000
Princeza 3.700 11.768 12.000
S. Luzia 2.718 4.581 6.000
S. Rita 1.088 14.044 18.000
S. João do Cariry 6.438 14.077 15.000
S. João do Rio do Peixe 1.674 7.603 8.000
S. José de Piranhas 1.575 6.670 9.000
Serraria 1.500 6.992 10.000
Soledade 2.880 7.657 10.000
Souza 1.575 13.781 17.000
Taperoá 900 4.637 6.000
Teixeira 1.782 8.181 10.000
Umbuzeiro 2.070 18.595 19.000

Total 39 municipios 106.541 490.784 029.000


- 61

Limites

O Estado limita - se a L. com 0 Atlantico, ao S.


com Pernamb'90 ), ao 0. como Ceará e ao N. com o Rio
Grande do Norte. Estes limites ora são naturaes e ora ima
ginarios , e não é de admirar que surjam um dia certos de
bates a respeito . Dos homens que administraram a Para
hyba e cuja memoria deve por ella ser venerada , o unico
que tomou todo interesse pelo assumpto foi 0 coronel de
engeubeiros Beaurepaire Rohan , que em 1858 pediu infor
mações aos governos das provincias limitrophes. O de Ceará
não respondeu , o de Pernambuco disse que na secretaria
nada constava e o do Rio Grande do Norte, enviou as se

guinies informações : « As duas provincias dividem - se no

littoral pela barra do rio Guajú seguindo deste a linha di


visoria aos marcos de cima, ao Riachão , Boqueirão, e deste
ponto an rio Calabouço, no municipio de S. Bento . Deste
municipio segue a linha divisoria ao do Acary, se define
pela fazenda Bôa Vista, comprehendendo esta as do Pé da
Serra, Bico d'Arara , Ermo , Riacho Fundo , Cobra , tndo sacco
da serra do Boqneirão até a fazenda Tanques na serra da
Borborema ( serviudo esta de limites ) a serra das Queimadas
até a Carneira e as fazendas Quintos , Caraçá , Pau dos Fer
ros, S. Bento e Sant'Anna. Deste municipio segue a linha
divisoria para o do Principe , descriminada pela parte do sul,
na distancia de 7 a 10 leguas , do municipio de Pombal
com que confina e pelo poente em distancia de 7 1/2 le
guas , além do rio Piranbas , confina com o Catolé do Rocha .
A divisão das duas freguezias acha - se autorizada pelo de
creto de 25 de outubro de 1831. Quanto ao municipio do
Assú , corre a linha divisoria pela ponta da serra do João do
Valle , no logar denominado serra do Sipó que pertence ao
municipio de Catolé do Rocha . Deste municipio segue a
linha pelo poente para o municipio do Apody que se divide
com o do Catolé do Rocha pelas fazendas Trincheiras e Ma
canaú, com uma distancia , mais ou menos, de quatro leguas
de sul a norte , com as fazendas Jabotá e Mulungú , perten
centes ao referido municipio do Catolé. Do municipio do
Apody segue a linha para o de Pau dos Ferros , correndo
além da pocnação da serra do Luiz Gomes, meia legua,
mais ou menos ; este municipio divide - se com o de Souza .»
Taes limites foram regulados pela Lei de 25 de outubro
1 , que nao é mais positiv ”, mais clara do que as in
de 183ões
formaç citadas ião
A opin foi que 0 Rio Grande do
Norte estava exhorbitando eo prefalado coronel Rohan
convidou - o a uma demarcação , que infelizmente não foi le
vada a termo, por não ter o governo imperial concedido um
engenheiro á Parahyba. Mas Beaurepaira Rohan, espirito
superior, que trouxe para esta provincia naquella epoca
ideias que só agora vão medrando na Capital da Republica,
não desanimou e contractou dois engenheiros prussianos,
62

Carlos Bless e David Polemann, para estudarem os limites e


levantarem a carta da Parahyba, trabalho que ficou em meio
e que ninguem sabe onde paira, e: crevendo o referido pre
sidente uma chorographia da Parahyba, obra que permanece
em original na Bibliotheca Nacional, e hoje publicada pela
Revista do Instituto Historico e Geographico Parahybano
Essas pesquizas, esses interesses pelos limites da Parahyba, fo
ram pouco a pouco desapparecendo ao passo que vizinho do
Norte ia tambein pouco a pouco avançando pelo territorio para
hybano, nomeadamente nos municipios de Picuhy e Santa Luzia.
Ao sul apezar dos limites correrem pelo divortium aquarum ,
nem por isso deixa de ter povtos duvidosos, muito especial
mente onde a serra desapparece, como se nota no municipio de
Pedras de Figo, vin cujas fronteiras tem havido attrito entre
o fisco dos dois Estados, com desvantagens para a Parahyba.
Apenas pode-se dizer
izer que o littoral parahybano tem 150
kilometros de costa e a linha divisoria começa, ao sul, pela
foz do rio Govapua , deixando - o logo e seguindo para a
villa de Pedras de Fogo e a cidade de Itambé, as quaes ,
sendo um só nucleo de população, pertencem a 1.º a Para
hyba e a 2." a Pernambuco. Proseguindo, segue a lipha
pela estrada real até a povoação Serricha , tambem commum
aos dois Estados, dahi em diante começa a cordilheira que
serve de limites, passando na povoação de Pirauá, na villa
de Umbuzeiro e na povoação de Matta irgem , todas com
muns aos dois Estados. Continúa, sempre com 0 rumo do
E. a 0. até a comarca de Cabaceiras , tomando d'ahi a di
recção de sudoeste e depois a do sul , formando 0 lado do
apgulo que se interva para Per ambuco, caracteristico do
municirio de Alagoa do Monteiro, sendo os limites ahi as
signalados pelas serras Moças, Jacarará e Jabitacá , que divi
dem a . aguas do rio Parahyba das dos Capibrribe, Moxotó
e Pagehu . Tomando a direcção de 0. approxima -se do
municipio do Teixeira 'e , se antecedent-mente a Parahyba
tioba 280 kilometros de largura , aqui fica logo reduzida a
uns 120. Continua a linha pela divisão das aguas dos rios
Parahyba, Piranhas e Piancó, das do Pagehú, affluente, do
S. Francisco, inclina - se para o su loeste , passa proximo da
villa de Princeza, que distu 20 kilometros da cidade Trium
pho, pertencente a Pernambuco. Os limites com O Ceará
são formados pela serra do Bongá que divide as aguas do
Piranhas das do Jaguaribe. Neste ponto a Parahyba toroa
adquirir grande extensão. Entre Princeza e Catolé do Ro
cha, tem o Estado approximadamente 250 kilometros de lar
gara . Os limites com o Rio Grande do Norte são 0 que
ma s ou menos ficaram mencionados, tendo todos os requi
sitos para suscitarem duvidas e contestações. Os dois Esta
dos, geographicamente, constituer una unica região. Nos
tempos coloniaes foram divididos por uma linha quasi recta
de este a oeste ; de modo que já pertenceram a Parahyba,
sem que se saiba que motivo justificou a mutilação, toda
63

ribeira do Seridó e territorios dos actuaes municipios rio


grandenses : Acary, Jardim , Caicó e Serra Negra. De leste
a oeste tem o territorio parahybano, segundo calculos ay
proximados, 550 kilometros de extensảo.
Aspecto physico

A ' heira mar, o territorio parahybauo é, a espaços, alte


rado por diversas collinas, que formain barreiras, sendo uma
das mais notaveis a do Cabo Branco. Do littoral para 0 .
o terreno é mais ou menos plano até passar a caatinga .
Dabi por diante segue-se o brejo todo montanhoso, em se
guida o chapadão da Borborema, descendo este, extende-se
o sertảo de terreno ondulado . Pela vegetação e natureza
do terreno potam -se na Parahyba diversas zonas : a primei
ra é a das praias, arenosa, coberta de vegetação abundante
nalguns pontos e noutros formando taboleiros onde cresce a
mangabeira ; vai terminar na rarzra, que é o valle dos rios
Parahyba, Camaratuba, Mamanguape, Gramame e Abiá .
Esta zona é fertilissima produzindo toda especie de cul
tura, especialınente canna de assucar . O terreno aqui é
todo argiloso e embora devastado foi cuberto de excellentes
mattas das quaes ainda ha algumas bem conservadas A'
varzea , succede a caatinga que se assignala pela aspereza do
terreno e porte mais enfezado da vegetação. Coberta de sei
xos, muito ondulada, secca , escassa dagua potavel e onde
se encontra muita agua salobra. E ' terreno, entretanto, bom
para a criação de gados e excellente para a cultura do al
godão. A caatinga, cuja largura pouco pode exceder de 25
kils , termina no sopé da cordilheira , que principia a zona

do brejo. Nas fraldas orientaes apparece a nú à rocha de


granito, mas, a proporção que se as transpõe vê -se di ten
der-se entre mil curvas, gargantas e valles estreitos, uma
infinidade de serras cujos terrenos argilosos , ora vermelhos ,
ora róxos, produzem desde as plantas tropicaes ás dos climas
temperados. Regatos perennes, fontes inexhauriveis abastecem
a região que no lado occidental, quasi que sein desvio no
tavel dá entrada ao agreste, estreita faixa de terra , notavel
pela seccura que reina e por seu terreno arenoso escuro .
Nesta região que é muito plana, constitue belleza notavel
os pequenos bosques de Jaboticabas que alli crescem ex
pontanean.ente. Desta zona recomeçam os terrenos de cria.
ção interrompidos pelo brejo. Ao agreste succedem os ca
rirys e curimataú, isto é, o planalto da Borborema, tendo
na maior largura 150 kilometros de exteusảo. E ' a regio
das cactaceas e dos cardos, amenizando a monotonia tris S
sima da paysagem, a copa frondosissima dos upbuzeiros de
fruto tão apreciado. E' a região mais secca do Estado .
SO
Como que toda ella assenta numa rocha de granito, e
mente à distancia se encontram algumas raras fontes. Lo
gares ha nos carirys, onde o verão se prolonga as vezes por
- 64

mais de cinco annos consecutivos. A agua extrahida do


sólo é salgada e suja. Todo o planalto, entretanto, é ex
cellente para a criação de gado vaccum e muar, e nos annos
de inverno produz tambem muito algodão – Ao chapadão
segue- se a serra, terreno todo accidentado, rochoso, que é a
transição do planalto para o alto sertão. Esta parte, que
não é tão fresca como o brejo, não lhe é inferior em uber
dade. Destina - se á agricultura. Ao pé da serra , isto é, na
fralda occidental da Borborema, começa o sertão, cujo ter
reno é ondulado, de vegetação enfezada, com taboleiros ex
tensos e pedregosos ou varzeas descampadas, onde no inverno
germina o panasco, forragem excelleote para a criação. No
periodo chuvoso, é uma das mais bellas paysagens : o tabo
leiro semelha um mar de verdura e no baixio , que é o valle
dos rios e riachos, entre a moldura dos cercados, o milharal
attinge a 3 metros de alto, dos lagados emerge arrozal, e
nas orlas casula o algodão, esse afamado algodão do sertão,
cujo plantio, quando muito, poderá ser alli renovado de 10
em 10 annos ! Recapitulando-se, temos na Parahyba, de L.
a O. as zonas do littoral , da varzea, da caatinga do brejo,
do agreste, dos carirys, da serra e do sertão.
Clima e salubridade

No littoral o clima é quente e humido no inver


no , saudavel no verão ; a caatinga e o brejo são seccos
no estio, quentes e humidos no inverno ; o cariry, o curima
taú e o sertão, são seccos e quentes ; sendo melhor clima o
das serras .Em todo Estado, porém , os ventos alisios modi
ficam consideravelmente o grau de calor. E' geralmente
salubre. O estado sanitario, porém , ás vezes, se altera nos
annos muito invernosos ou nos pouco abundantes de chuvas.
Em taes annos no littoral predominam as febres palustres,
as de mau caracter, e casos de febre amarella entre estran
geiros. No interior são muito frequentes as congestões, e
affecções cardiacas. A variola, a dysenteria, assolam todos
os municipios , desde que as condições climatericas lhes
sejam favoraveis. Entretanto a peior doença, a que produz
maior numero de victimas é a syphilis, sob diversas mani
festações. Das epidemias, a que deixou as mais dolorosas re
cordações na Parahyba, foi o cholera morbus em 1853. Veio
das margens do rio S. Francisco, fez suas primeiras victimas
em Alagoa do Monteiro e S. João do Cariry. A então pro
vincia só contava 4 medicos. Tendo irrompido em dezem
bro, augmentou de intensidade em fevereiro do anno
seguinte, alastrando -se por todos os municipios, exceptuan
do - se Teixeira e Catolé do Rocba. Dois mezes depois ex
tinguiu - se, tendo, segundo os imperfeitos boletins officiaes
feito 30.000 victimas, ou fosse um decimo da população da
Parahyba naquella epoca. Em 1862 devido a remoções de
65

ossos feitos em cemiterios, reappareceu o mal e ainda victi


mou mais de 3.500 individuos . Foi até o presente a unica
epidemia pavorosa, e esta mesma transportada de outra parte.
Commercio e Industria

Em 1909 o Estado importou mercadorias no valor de


7.689 :217 $320 e o valor da exportação subiu a 13.538: 204$711
correspondentes a 11.782.524 kilogr. de algodão em rama,
2.679.815 kilogr. de assucar bruto , 6.929.619 kilogr. de cerr ço
do algodão, 56.317 vols. de couros, sola e pelles, 101.918
kilogr. de café, 10.517 kilogr. de borracha, 23.725 cabeças de
gado vaccum , 3.027 pipas de alcool, mel e aguardente, 3.468
vols. de fumo, e 4.211 vols. de outras mercadorias. A Parahyba,
cujo movimento commercial augmenta consideravelmente, man
tem relações com as praças de Recife, Rio, Santos, Liverpool,
Paris, Aamburgo, Buenos -Aires e New-York. O movimento
maritimo em 1907 , foi de 128 navios a vella e 165 a vapor.
Está em seu começo a industria da Parahyba. Nem mesmo
a agricola attingiu o grau medio. Em todos os municipios
se encontram terrenos devolutos. Os methodos empregados
são os mesmos dos tempos coloniaes e quanto á criação, é a
natureza que cria ou mata, somente dispertando esforço do
proprietario, quando a secca se manifesta. Entretanto al
guns ensaios vão sendo feitos, e o exemplo de alguns agri
cultores adiantados vai se propagando. Todo o Estado con
ta 650 engenhos para o fabrico de assucar e rapadura. 2.500
fazendas de criação de gados, 200 fazendas de café, 370
machinismos para descaroçar e enfardar algodão 2.311
açudes particulares que conservam agua por mais de anno.
Deste modo as principaes industrias constam de lacticinios,
couros e seus preparados, rêdes e facas de ponta. Fabricas
propriamente existem as de Tecidos em Tibiry, a Usina São
João, a Csina Cumbe, no municipio de Santa Rita ; a fa
brica de vaquetas Santo Antonio em Itabayanda ; as de oleo
e pasta de algodão , a de mozaico e gelo, a de preparo de
couros, fabricas de bebidas, vinagres, cigarro, officinas de
typographia, lythographia, carpintaria, marcenaria sapata
rias, na Capital . A industria do sal é explorada por um
unico estabelecimento e a piscicultura em viveiros existentes
na Ilha Marques, em Forte- Velho e Lucena.
Culinaria

Não obstante os cardapios de nomes francezes apre


sentados nos banquetes ou jantares de cerimonia , a arte
culinaria na Parahyba não é profusa em acepipes. O prato
principal é a feijoada, que se usa quotidianamente ao jan
tar, do littoral ao sertão. As classes pauperrimas usam a
earne secca ou o bacalhau assado com a farinha de man
dioca, massa esta que se encontra em todas as casas; mesmo
66

nas do sertão, onde o milho e o arroz são mais apreciados.


O almoço consta de ordinario, em assado ou bife, pão, pre
parados de milho e café. A ceia se compõe de torradas,
bolachas, chá e bolos. O vinho, só accidentalmente, faz
parte da refeição, o que não significa, infelizmente, que as
bebidas não tenham consumo no Estado. Juntem -se mais
alguma fruta, e doce e se terá uma ideia da frugal refeição
do parahybano, que ingere pouco peixe, poucos crustaceos e
maior quantidade de carne. Comprehende - se que as classes
mais abastadas variam , constante, de refeições; as demais,
porém , quasi nada excedem do cardapio que ficou descripto.
Curiosidades

Quem viaja pelo interior do Estado encontra, ás vezes

em pontos inaccessiveis, ás vezes em cavernas , e ás vezes


em lageas nos leitos dos rios, á tinta vermelha, alaranjada
ou preta, quando não o são gravadas em baixo relevo,
pitorescas inscripções que até hoje não foram decifradas.
Uma copia da existente em Pedra Lavrada , foi submettida
á apreciação do orientalista Renan, que reputou taes cara
cteres de origem phenicia. Observando- os, se pode concluir
que ditos hieroglyphos não são de uma mesma raça, pois
ao lado de uma inscripção se acha outra em estylo mais efirme
não
e differente. Numas, a firmeza do traço é notavel
podemos crer que fossem ellas uma simples brincadeira
dos selvagens, pois são abundantes das necropoles, cujos
esqueletos indicam que pertenceram a uma raça de maior
estatura que a do indio encontrado pelos colonizadores
da Parahyba. Podem
ser admiradas NOS municipios de
Umbuzeiro, Cabaceiras, Picuhy, Santa Luzia, Teixeira,
Caiçara, Souza e Mamanguape. Em Souza é notavel 0

olho d'agua do frade, na serra Santa Catharina : nasce

num alcantil, corre abundante e rapido e desapparece por


completo a meia encosta . ' Em Taperoá, nasce 0 Mucuitú
numa bellissima gruta com estalactites e estalagmites. As
pedra sinos, são blocos de granitos que, percutidos, dão soni
metalico .

Divisão Administrativa , Judiciaria


e Policial

Os orgãos dos poderes do Estado são o administrativo, o


legislativo e o judiciario. O presidente, eleito por quatro
annos, dirige o Estado tendo em cada municipio um seu

representante o Prefeito, - junto ao Conselho Munici


pal, de modo que a autonomia desta corporação é nulla di
ante das attribuições dos prefeitos. Assim a administração
comprehende um presidente e 39 prefeitos nomeados por
aquelle, além do pessoal das differentes repartições. Judi
67

ciariamente, está dividida a Parahyba em 17 comarcas en


tregues a Juizes de Direito e 18 termos com juizes letra
dos, subordinados aos primeiros e todos subordinados ao Su
perior Tribunal de Justiça que funcciona na Capital com 6
dezembargadores São séde de comarcas : Parabyba, Ita
bayanna, Alagoa Grande, Guarabira, Vamanguape, Areia,
Bananeiras, Campina Grande, S. Joảo do Cariry, Alagoa do
Monteiro, Picuby, Patos, Piancó, Souza , Pombal, Caja
zeiras e Espirito Santo. São termos judiciarios : Pedra
de Fogo, Serraria, Ingá, Alagôa Nova, Araruna, Pilar,
Umbuzeiro. Taperoá, Soledade, Teixeira, Santa Luzia,
São João do Rio do Peixe, São José do Piranhas, Princeza,
Catolé do Rocha, Conceição e Brejo do Cruz. A
divisão policial consta de uma chefatura de policia, 48 de
legacias que se subdividem em muitas subdelegacias e estas
em inspectorias de quarteirões. Sómente na Capital são os
delegados remunerados.
Estações
Duas são as estações : a das chuvas e a do estio que são
melhor observadadas caatinga para 0., pois no littoral chove
em qualquer época,muito embora se observem , ás vezes , estios
prolongados. Normalmente começa o inverno , primeiro , no alto
sertão, em principios de janeiro, terminando em maio ; assim
o anno , em que até fins de março não chove, é completamente
secco , sem que até hoje tivesse havido excsepção a esta experien
cia A's vezes as chuvas são abundante no começo e cessam
em seguida , o que dá maior prejuizo do que um ando de com
pleto verão . O inverno no sertão é sempre muito tempes
tuoso , especialmente na zona montanhosa . O inverno dos
brejos, do littoral e da caatinga , começa de ordinario em
março e se prolonga até agosto .
Ethnographia
O parahybano não teve outros elementos de formação que
não fossem o africano, o indio, o portuguez, e, além destes, em
menor escala, entrou o judeu que aqui vinha refugiar-se com
receios da Inquisição, e onde muitos não lhe poderam escapar.
Raras, muito raras são as familias nas quaes entraram outros
elementos europeus, como francezes, inglezes, allemães e
hespanhoes .
Fauna e flora

Um dos mais completos estudos a respeito, é o que nos


deixou o coronel de engenheiros Beaurepaire Rohan, e de sua
Chorographia da Parahyba resumiu - se toda a parte que se
segue . ( losse dos mamiferos, ordem quadrumanos : o guariba,
o macaco, o saguy. Ordem dos carnivoros Cheiropteros -
68

Varias especies de morcegos. - Carnivoros - o guaxiny, o coaty ,


o furào, a jeriticaca, a lontra, a raposa , o gato e tres especies
de onças. Ordem dos roedores : 0 coaty -mirim , o rato, o quandú,
o coelho, a capivara, o periá, o mocó, a cutia e a paca. Des
dentados : a preguiça. tres especies de tatús, tres de ta
manduás. A ordem dos marsupios é representada pelo timbú,
a dos pachidermes pelos porcos caetetu e queixada e a dos
cetaceos pelo bộto e peixe boi. Ordem das ropaces :
urubús, gaviões e a cauản . Passaros : andorinba, azulão,
bacurau, bentevi, bicudo, bigode, caboclinho. canario, graúna,
casaca de couro, curió, corrupião, encontro, frecha- peixe, fura
barreira , gallo de campina, guriatan , lavadeira, Maria de
barro, Maria -ja - e-dia, papa-arroz, papa -capim , papa -massa,
papa -cebo, patativa, peitica, pintasilgo, petiguary, rouxinol,
sabiá, sangue de boi, sanhassú, serrador , vem -vem , verdelin,
xexeu Ordem dos zigodactylus : picapau, anú, alma de
gato, tucano, arara, papagaios, maracanãs, jandaias e periquitos
Ordem dos gallinaceos, além dos domesticos, todos exoticos,
se encontram , o jacú, a araquan, o inbambú (varias especies),
o urú, e varias especies de pombos. Dentre estes deve - se
destacar a ave de arribação. Esta especie originaria do ser
tão é de quantidade incalculavel. Sómente ella, por seus
ovos, sua carne saborosa, podia fornecer elementos para uma
industria rendosa. Põem a granel no sólo, nos logares ermos
dos desfiladeiros, e valles profundos, e nesses logares podem
ser colhidas de uma só vez mais de uma tonelada de ovos .
Taes paragens offerecem uma perspectiva singular: o espaço
fica sombrio pelas aves que esvoaçam , como se fossem
nuvens. O terreno alvejado pelos ovos é theatro de lutas
entre reptis, gatos bravos, roedores e aves de rapina. A
ave de arribação corrompe com o seu excremento a agua dos
açudes. Ribeirinhas : a ema, o teteu , a semiema, o carão,
a garça branca, a parda, o socó, o arapapá, a colhereira, a
jassanan, o massarico, a saracura, o tamatião e João- Pobre .
Palmipedes : 0 pato, o patury, mazrecas, alcatraz. Reptis
(ordem dos chelonios, ophidios e batrachios ): tartaruga , o
kagado, o jacaré , o teju -assú, o cameleão, o papa - vento, la
gartixas, calangros e cobras como a caninana, a cascavel , a
de veado, a verde, a rainha, coral , goipeba, jararáca, jarará
cassú , jericuá, papa - ovos, corre -campo, salamandra, sipó, su
rucucús, chumbo, havendo de cada, duas e mais especies di
fferentes. — Peixes : são conhecidas 143 especies da peixes
d'agua salgada e 15 d'agua doce . Entre os annellados é
mais notavel a sangue -suga. Crustaceos : caranguejos taes
como o uassá, o goyamum , graussá, guajá, especies de aratús,
de serys, especies de camarões e a lagosta. Arachnideos :
a aranha caranguejeira e varias outras, o escorpião, o carra
pato. Dos myriapodes se apontam a centopeia e o ambua.
Classe dos insectos : abelhasarapuá, amarella, bocca de barro,
bocca de moça, canudo, jaty, jandayra, moça branca, mosquito,
tubiba, vamos - embora, urussú ( a maior e a mais abundante),
69

papa -terra, cabeça - branca, canudo , manoel--abreu , pimenta,


mombuca, e cupira. Nas vespas se encontram : maribondos , o
enxú, o enxuy, e capusú, todos tres de mel saborosissimo .
Existem vai iedades em formigas, e nas ordens dos coleoprerosé
ortopteros, lepdopteros, hemipteros, aphanipteros, dipteros, dos
anopluros, dos thysanuros, dos cephalopodes, dos gasteropodes
e dos acephalos. No reino vegetal se encontram 74 especies
de madeiras para coostrucção. Palmeiras : macahyba, côco
babào, catolé, pindoba, dão fructos comestiveis ; jussara, o
burity, a titara. Bromeliaceis : gravatá, crauata, macambira,
ananaz. A pocineas : a mangaba ; a mais a flora, apresenta
especies das familias rubiac - as,' anonaceas, clusiaceas, busse
raceas, nopaleas, papaiaceas, passifloras, myrtaceas, legumi
Dosas, therebintaceas. Sào plantas oleosas, além das pal
meiras : o batiputa, a andiroba, a oiticica , a copahyba, e a
mamona. Aromaticas : baunilha, louro, canella do matto , cu
marú, a carnaúba e o pereiro . Plantas resinosas : a manga
beira, a maniçoba, a massaranduba, o jotobá, o balsamo, o ca
jueiro,a almecega. Plantas tinturiaes : a tatajuba , o urucú, o
pau -brazil, arrebenta.boi, o anil, o genipapo e muitas outras ,
E' avultadissimo o numero de plantas medicinaes.

Finanças e rendas publicas


Com a Republica, a Parahyba poude não somente
augmentar assuas rendas, cou o equilibrar as suas fi
nanças, sem necessidade de emprestimos externos . A
divida passiva que antes de 1892 era de 1.571 : 229$076 , em
1910 reduziu -se a 293 :800 $000 . Em 1911 eram estes os re
sumos das cifras financeiras : « A receita ordinaria orçada in
clusive addiciovaes , foi em 1908 de 1.779 : 448$770, em 1909
de 2.043 :094 $ 779 e em 1910 de 2.100 :693 $ 339. A receita or
dinaria arrecadada , inclusive addicionaes , foi , em 1908 , de
1.815 :895 $613 , em 1909 de 2.250 : 582$035 e em 1910 de
2.805 :031 $ 196 . A receita extraordinaria arrecadada foi , em
1908 de 5 567$672, em 1909 de 33 :336 $ 000 e em 1910 de
40 :8783188. Os direitos de exportação arrecadados, com os
addicionaes, importaram , em 1908 , na somma de 1.001:197 $092,
em 1909 na de 1.310 :248 $ 132 eem 1910 na de 1.609 :076 $ 988 .
A despesa ordinaria fixada , comprehendendo a amortização
da divida interna , foi, em 1908 , de 1.805 :441 $ 336 , em 1909
de 1.916 :278$877 e em 1910 de 1.970 :798 $803 , A despesa
ordinaria realizada foi, em 1908 , de 1.975 :754 $ 152, em 1909
dc 2.103 :506 $ 53v e em 1910 de 2.561:981 $ 46 !. A differença
consideravel que se nota entre o valor das despesas fixadas
e realizadas noo ultimo exercicio provém dos gastos feitos com
o abasteciment de agua , calçamento , reedificaçãn de predios
publicos e outros custosos melhoramentos na Capital. A des
pesa extraordinaria realizada em 1903. importou em 9 :272 $ 700
O Estado não tem compromisso externo de qualquer natu
70

reza, nem divida fluctuante . O seu passivo unico é repre


sentado pela divida consolidada em 1900 representada por
apolices resgataveis em sorteios semestraes, que tem sido
pontualmente feitos, estando reduzidas ao valor de
296 500 $000 as apolices em circulação. A administração da
Fazenda Publica é feita pela Repartição do Thesouro do
do Estado, pela Recebedoria de Rendas, na Capital, 14 mesas
de rendas e 24 estações de arrecadação e fiscaes no interior .
Têm mesas de rendas: Itabayanna, Souza, Alagoa Grande,
Alagoa do Monteiro, Campina Grande, Guarabira , Umbuzeiro,
Princeza, Mamanguape, Patos, Bananeiras, Catolé do Rocha,
Barra de S. Miguel e Picuhy. Cada uma destas repartições
tem um administrador, um escrivão e diversos fiscaes. Têm
estações de arrecadação : Pontinha , Areia, Alagoa Nova,
Taperoá, Araruna, Conceição, Espirito Santo, Mizericordia,
Piancó, Pombal, Pedras de Fogo, Pilar, Serraria, Soledade,
Santa Rita, São João do Cariry, Santa Luzia , S. João do
Rio do Peixe, Teixeira, Bocca de Matta, Conde, Gurinhem ,
e Alhandra . Estas têm sómente um chefe e um escrivão .
As rendas federaes, em 1908 , foram 1.262: 530$035 sendo
ouro 459 :410$ 129, papel 803: 119$806. Ha no Estado 20 col
lectorias federaes a saber : Alagôa Grande e Alagoa Nova ;
Alagoa do Monteiro ; Areia e Serraria ; Bananeiras e Ara
runa ; Brejo do Cruz e Catolé ; Campina Grande ; Cajazeiras
e S. José de Piranhas ; Santa Rita, Espirito Santo e Pedras
de Fogo ; Cabaceiras e Barra de São Miguel : Guarabira ; Mi
zericordia ; Piancó ; Princeza ; Picuhy e Cinté ; Pombal ;
Souza ; Patos ; Soledade e Taperoá ; S. João do Cariry ;
tabayanna, Pilar e Mamanguape.
Forca Publica
-- A segurança publica é mantida pelo corpo po
licial, dirigido por um coronel , um tenente coronel, um
major, 21 officiaes, um capicão medico A 700 praças, estando
este effectivo actualmente elevado a 1200. Na Capital faz
policiamento a guarda civil commandada por um capitão,
tendo um alferes ajudante e um effectivo de 95 guardas. A
guarnição federal consta de uma companhia de caçadores.
Geologia
Neste ramo não ha completos
estudos se al
guma noticia existe, se deve aos poucos engenheiros de
minas que visitaram o Estado. Em 1910, sobre o assumpto
escreveu Roderic Grandall interessantes observacões mas re
lativas a uma parte do sertão. Força é confessar que os
estudos conhecidos são ainda muito superficiaes. Seguimos,
para dar uma ideia mais approximada, o itinerario do en
genheiro inglez E. Willlamson, que , em 1866, do littoral
seguiu até Cachoeira das Minas, ou seja um percurso de al
gumas centenas de klometros : « A linha do perfil foi tomada
- 71 -

de Tambahi deve ser Tambahú ) pequena povoação de pes


cadores na costa do Atlantico, e atravez da cidade da Pa
rahyba até as minas de Cachoeira do Piancó, na extremidade
sudoeste da proviicia da Parahyba ; é quasi uma linha recta
de 300 milhas de comprimento atravez da direcção dos
stratos. Os stratos examinados pertencem a rochas de idades
muito differentes, como ao Terciario, Cretaceo e Lauren
ciano. Os Post- terciarios são representados pelos recifes de
coral da costa e os peculiares depositos de conglomeratos
ferruginosos e de margens arenosas que capeam as collinas
baixas da costa e revestem os flancos das montanhas do in
terior. Os detritos ferruginosos são mais interessantes, tendo
muitas vezes sido tomados erroneamente por viajantes como
pertencendo ao néo -grés-vermelho, com que se parecem tanto
que á primeira vista assim tainbem 03 suppuz. Do Tambahi á
Parahyba a superficie do solo acha-se coberta por espessas
jazidas de couglomeratos ferruginosos, destroços accumulados
das rochas gneissicas e schistosas do interior ; em alguns
logares os conglomeratos se tornam tão grosseiros que são
inteiramente compostos de seixos rolados de quartzo, gneiss
e as rochas schistosas mais duras, cimentadas com peroxydo
de ferro. As dimensões dos seixos variam da d'uma pequena
nóz a de blocos pesando de quatro a cinco libras ; esta classe
acha - se bem representada abaixo de Tambabi; mas ao passo
que se approximam do rio em direcção a Parahyba mistu
ram-se com jazidas mais finas e mais argilosas, até que por
fim , em Santa Rita , algumas milhas além da Parahyba (Ca
pital) se apresentam divididos em faixas regulares de margas,
areias e conglomeratos. No interior estas margas e areias
occorrem sempre onde as rochas gneissicas e granitoides se
acham largamente desenvolvidas, como em Teixeira, onde
obundam rochas granitoides e grandes quantidades de conglo
meratos brecciados, areias e margas são encontradas reves
tindo os flancos das montanhas e cobrindo os valles. Im
mediatamente subjacentes aos conglomeratos ferruginosos da
Parahyba, occorrem jazidas de calcareo terciario, tendo uma
direcção quasi norte a sul e mergulhando suavemente para
Leste . A maior parte destes calcareos é siliciosa, comquanto
por vezes se encontrem jazidas de calcareo quasi puro e
faixas argilosas ; os calcareos desta natureza são communs
em todo o Brazil, e sempre inconformaveis ás rochas ás quaes
subjazem . Os calcareos da Parahyba são fogsiliferos com

quanto apenas lograsse obter o molde de um deste de peixe


e alguns pequenos fragmentos de Estherea. Jazidas de
calcareos similares ás jazidas da Parahyba e abundantes em
restos de peixes, occorrem cerca de setenta milhas ao sudo
este da secção, nas minas da Cachoeira . Rochas Lauren
cianas Estas rochas, que occupam a maior parte da seccão
e existem em tão grande escala em ambas as provincias
Parahyba e Pernambuco ) são tão distinctas nos seus cara
cteres que só pode haver uma opinião quanto a sua
- 72

idade. A partir da Parahyba, o primeiro afloramento nitido


das rochas occorre em Batalha, no rio Parahyba ; é uma
rocha de honablenda com numerosas pequenas cintas de
quartzo e de feldspatho muito contorcido. Entre o rio Pa
rahyba e Pilar occorre um gneiss muito grosseiro com grandes
cristaes de feldspatho branco e mica preta ; em Pilar o gneiss
acha-se interstratificado com micaschistos, geralmente de
contextura fina ; em Mendonça, Mogeiro e Ingá Velbo oc
correm de novo jazidas de caracter similar interstratificadas
com goeiss ; no ultimo desses logares as jazidas schistosas se
tornam mais frequentes, até que em Ingá, o conjuncto das
jazidas é de schistos micaceos e de honablenda. Um pouco
além do Ingá apparece uma rocha dura de gnéiss densa
mente granulada, que reveste os flancos das montanhas do
Logradouro, as quaes consistem principalmente dum gneiss
porphyroide branco contendo grandes cristaes civaveis de
pura orthoclase, interstratificado com faixas de gneiss sye
nitico e granitoide, muito similhante ao granito ; no flanco
septentrional o gneiss duro e densamente granitado, occorre
de novo. Entre Logradouro e Campina, occorre uma faixa
muito pronunciada de porphyro granitoide elevando-se de
50 a 100 pés acima das rochas mais tenras que a cercam ;
este porphyro contem graodes crystaes de orthoclase branca.
Em Campina occorre uma série de jazidas micaceas contendo
placas de micas ; a maior de cerca de duas pollegadas de
diametro, mas me inform » ram que se encontram placas de
um pé em quadro ; acrmpanhando esta série de schisto -mi
caceo ha uma faixa de porphyro na qual grandes crystaes
civaveis d orthoclase branca se acham embebidos numa
matriz de quartzo e feldspatho. Nào consegui descobrir
linhas verdadeiras de aleitamento, mas do seu pendor e ori
entação e ininterrupto affloramento sou inclinado a pensar
que sejam ent-raleitadas ; as rochas immediatas são mica ,
schistos e gneiss. Em Cacimba Nova, occorre uma outra
faixa de rocha granitada e dura ; depois desta ha uma longa
série de micachistos e gneiss ; perto de Caracol occorre uma
série de schistos pretos altervando com faixas de rocha preta
granular ; os schitos são occasionalmente micareos. Em Ca
racol uma pequena série de mica -schistos divide duas largas
faixas de rocha granitoide, que em alguns Jogares se pa
rece muito com os verdadeiros granitos ; sonrejacente á su
perior ha uma estreita faixa de schisto hornableudico seguida
de uma longa série de mica -schistos flacidos. Em Carpabuba
succedem a estas faixas de granito duro, densamente gra
pulado, que em Teix.ira revestem os flancos da montanha
(rochii de caracter sinilar occorre em Queimadas, na en

costa opposta ): as rochas das montanhas de Teixeira têm


tamanha sim Ibanca com as de Logradouro, que supponho
são apenas uma repetição das mesmas jazidas. Entre Quei
madas e as Minas da Cachoeira occorre outra larga série da
mesma classe ; o resto das rochas pa secção são gneiss al
- 73

ternando com faixas de micaschistos. Em varios pontos da


secção se encontram jazidas de quartzo, e de quartzito com
placas de mica interstratificadas com as rochas mais duras ;
as jazidas variam em espessura de dois a duzentos pés ; as
faixas mais delgadas eram com frequencia bellamente opa
lescentes , e as maiores granulosas ou amorphas ; senc pre as
acompanham minerios de ferio titanico e haematitico .' Du
rante a minha viagem da Parahyba ás minas, não logrei
observar jazidas de calcareo interstratificadas com as rochas
laurencianas ; mas fai informado de que se tem observado
calcareo interstratificado com as rochas em outros logares
onde os calcareos nồo se acham occultos pelo revestimento
de detritos ferruginosos . As rochas das Minas de Cachoeira
e a posição dos veios auriferns serão mais bem comprehen
didos a vista da secção annexa tomada ao longo do Rio das
Bruscas, numa extensão de quasi seis milhas. Na extremi
dade meridional , divididas por uma faixa de rochas mais
friaveis, se encontram duas largas e bem pronunciadas faixas
de gneiss syenitico, uma das quaes forma o leito da bonita
cachoeira do Bruscas ; subjacente a estas ha uma série de
gpeiss schistosos e uma delgada faixa de syenite ; é uma
rocha crystalina ciozeuto- azvlada e tem grande similhança
com algumas das rochas de feldspatho de cambriano-superior
de Galles. Seguem -se - lhes as séries auriferas, que cousistem
quasi inteiramente de gneiss micaceo de granulação fiva pas
ando imperceptivelmente para micaschistos. Atravessando a
curva do rio, pouco antes de chegar ao veio do Lima, oc
corre uma estreita faixa de rocha de feldespatho bruno - cin
zento escuro , que é subtransiuzente, em alguns logares apre
senta cores cambiantes : um pouco mais adiante ha uma faixa
de calcareo crystalino branco, contendo crystaes hexagonaes
de biotite ; no leito do rio é estreita. mas cerca de uma mi
lha mais para leste deste ponto, num logar chamado Pião ,
constata uma milha de largura no affioramento. Um pouco
a leste do ponto em que o veio Descobridora atravessa o
rio, occorrem algumas jazidas de schistos arenosos, plumba
ginosos, nos quaes se observam dois veios lenticulares de
graphite ; parecem ser de pequena extensão e de qualidade
inferior. Em Cacimbinhas, poucas milhas além do veio da Boa
Esperança, occorre uma outra faixa larga e bem pronunciada
de gneiss syenitico, do tamanho da de Cachoeira. Os veios au
riferos que cruzam estas rochas são muito numerosos, apare
cem como massas lenticulares irregulares, correndo parallelas
á orientação, mergulhando com frequencia entre as jazidas,
mas raras vezes atravessando - as. A matriz dos veios é um
quartzo grosse irr , branco, e semiopacn, contendo pequenas
quantidades de arsenitos e sulphitos de ferro, sulphitos de
cobre, chumbo e zinco ; a maior parte das galerias contem
antimonio. A variedade de mineraes resultantes da de
composição destes minerios é muito numerosa, carbonato de
zinco, carbonato de chlorophosphato de chumbo, phosphato ,
74

arseniato e carbonato de cobre, oxydo de antimonio e enxo


fre nativo são muito commus em alguns veios ; sulphato de
cobre, sulphato e chromato de chumbo são mais raros : ouro
nativo acha - se escassamente espalhado em quasi todos os
veios e no da Boa Esperança se encontram grãos de platina.
A carreira das rochas no valle do Bruscas é muito aurifera
e os veios de quartzo são abundantes, e conquanto as rochas
estejam muito contorcidas, nenhum vestigio de uma falha
verdadeira se encontra em qualquer parte de todo o distri
cto ; esta singularidade parece pertencer a todas as rochas
alteradas que examinei na Parahyba e em Pernambuco, por
quanto no decurso de minha viagem , a cavallo, de 1000 mi
Thas, não notei uma só ; é a falta de fracturas verdadeiras
que atribuo a pobreza dos veios de quartzo, nada favore
cendo a concentração dum dos minerios, o outro distribuiu
se igualmente por todos os veios ... »
Historia

O territorio da Parahyba fazia parte da capitania de Ita


maracá, doada em 1534 a Pedro Lopes de Souza que não cogitou
da colonização da Parahyba, voltando esta ao dominio da corôa.
O rio desta, então denominado S. Domingos, era conhecido
dos francezes e outros traficantes de pau brazil , emquanto no
interior, na caça de escravos, andavam os mamelucos. Um
destes attrahiu o gentio da Copaoba contra um engenho em
Tracunhanhem , da capitania de Pernambuco, no qual foi
horrivel o massacre . D. Sebastiào, sabendo do caso e insti
gado mais pelo receio de que os francezes se situassem na
Parahyba, ordenou ao governador geral Luiz de Brito de
Almeida que fosse escolher local para uma povoação na Pa
hyba, indo, no anno de 1574 , porém , em seu logar o ouvi
dor de Pernambuco, dr. Fernào da Silva. Não colhendo re
sultado, resolveu Luiz de Brito ir em pessoa conquistar e
povoar a Parahyba, e aprestou uma armada de 12 vellas com
os apetrechos e mantimentos necessarios ; partiu em setem
bro de 1575, soffreu ventos contrarios, arribou á Bahia e
deixou no olvido a conquista. Em 1578 , o governador Lou
renço da Veiga insistiu sobre o caso. Assumindo o governo
de Portugal o cardeal d . Henrique, e tendo sido abando
nada a conquista da capitania, estava em Lisboa Fructuoso
Barbosa que muito conhecia o rio Parahyba por ter alli tra
ticado pau brazil com os selvagens ; a este, proprietario em
Pernambuco, encarregou o rei, da colonização, que, reali
zando, e povoando, seria do conquistador por 10 annos. Em
1579 , estava Fructuoso Barbosa , de volta, em Pernambuco
com uma poderosa frota, não querendo porém entrar em
acordo com os da terra. Uma tempestade destroçou - lhe a
armada e o donatario foi arrastado até a India onde perdeu
a mnlher e donde partiu para a metropole, já sob o gover
no de Felippe I. Nesse anno, João Tavares levantou, para
75

logo abandonar, um fortim na ilha Restinga. Voltou Fru


ctuoso Barbosa a Pernambuco e com auxilio de Simão Ro
drigues Cardoso veio a conquista da Parahyba, onde apri
sionou cinco vaus francezas de 7 que estavam carregando
pau brazil. Mas no dia seguinte uma emboscada do selva
gem matou 40 homens, inclusive um filho do conquistador,
que, dahi por diante, tomou horror ao local que vinha po
voar. Simão Rodrigues marchando por terra teve diversas
refregas com o gentio e encontrou o chefe desanimadissimo,
regressando todos immediatamente para Pernambuco ; solici
taram socorro ao governador geral e este mandou o almi
rante Diogo Flores Valdez trazendo em sua companhia o
ouvidor Martim Leitão. Chegaram a Pernambuco em 20 de
março de 1584, organizaram uma expedição por mar e por
terra, vindo nesta o capitão Fructuoso Barbosa. Depois de
destruir algumas naus francezas, e tendo -se -lhe reunido a
expedição, deliberou Valdez coustruir um forte, « defronte da
ponta da ilha, da parte de cima, onde o rio se começa a
dividir e fazer ilha, se fez o primeiro forte » tendo o nome
de S. Felippe e S. Thiago, segundo as indicações do padre
Jeronymo Machado ; sendo o local do forte o que hoje se
chama Forte Velho. Pouco tempo depois os colonos abando
naram aquella posição, deitaram ao mar a artilheria e fugi
ram para Pernambuco, acossados pela fome, pela miseria e ,
mais, pela cobardia . Em março de 1585 chegou á Parahyba
uma expedição commandada por Martim Leitão, o verdadeiro
heroe da conquista e colonização da Parahyba. Bateu os in
dios de Piragibe e seus alliados em Tibiry, reparou o forte
e fez uma excursão ao rio Mamanguape e a Bahia da Trai
ção, expellivdo os francezes e regressou a Pernambuco onde
entrou no dia 6 de abril do dito anno . Porém só depois
que Piragibe desligou - se dos potiguaras, se ſoude realmente
começar a povoação da Parahyba . A 2 de agosto de 1585,
partiu João Tavares numa caravella , a 3 subia pelo rio Pa
rahyba, fez alliança com Piragibe e outros principaes chefes,
a 5 saltou em terra, chamando ao local onde ia fundar o
povoado, N. S. das Neves. Mandou recados a Martim Leitão
e este em 29 de outubro do mesmo anpo , chegou á Para
hyba, com pessoal, material e familias, levadas todas a sua
custa , e começou a edificar um forte á sombra do qual cres
ceu a sede da capitania sobre a collina banhada pelo rio
Sanhauá. Em quanto andavam os trabalhos, foi Martim Lei
tão com João Tavares até a Copaoba, e lá destruiu diversas
aldeias de indios e baten os francezes, tendo tambem ido á
Bahia da Traição. Homem de energia rara , deixou na cidade
mais de 50 familias e completou a conquista com um forte
em Tibiry, S. Sebastião, para garantir a aldeia e o engenho
de assucar que primeiro alli se edificou . Os governadores
que o succederam não desenvolveram grande actividade e
preciso foi que Duarte Gomes da Silveira offerecesse pre
mios a todos que quizessem edificar. Em 1625 quando os
76

hollandezes convergiram suas vistas para a capitania, a en


trada do rio Parahyba era defendidapelos fortes Santa Ca
tharina, Santo Antonio e Restinga. Os batavos fizeram a pri
meira tentativa em 5 de dezembro de 1631 , com uma

expedição de 1600 soldados sob o commando do coronel


Callenfels ; a segunda em 26 de fevereiro de 1634, constava
de 20 navios, com 1500 bomens de desembarque sob o com
mando do almirante Lichthard e do coronel Sigismundo van
Schkoppe ; deu desembarque na enseada de Lucena e depois
de varios ataques as fortalezas, retirou-se o inimigo em 1
de março do mesmo anno, para voltar em 4 de dezembro,
sob os commandos anteriores com 29 paus e 2354 soldados.
Desembarcaram na enseada do Jaguaribe, bateram uma guer
rilba e marcharam sobre Cabedello. Tomaram primeiro o fortim
da Restinga. Em 19 de dezembro rendia-se o fortim de Santa
Catharina, em 23 o de Santo Antonio e no dia 24 entrava
o exercito hollandez na cidade, então incendiala e evacuada
por seus habitantes. Os conquistadores mudaram o nome da
cidade para o de Frederikstad . Quando os batavos senho
rearam a capitania, esta já contava na varzea do Parahyba
18 bons engenhos. A dominação hollandeza não foi de
nenhum proveito á Parahyba, pela luta continua que se se
guiu. André Vidal de Negreiros, o maior parahybano de to
dos os tempos, e um dos mais dignos brazileiros, preparou a
expulsão, voltando a capitania ao dominio portuguez em 1645,
tendo tomado posse como governador, em 2 de fevereiro, o
heroe João Fernandes Vieira. A Parahyba começou a ex
pandir - se. Antonio de Oliveira, seus filhos e sobrinhos, to
dos da grande familia Oliveira Ledo, guiados pelos indios,
auxiliados pelos missionarios, emprehenderam entradas e
conquistaram o sertão, de modo que em 1689 já Theodosio
de Oliveira Ledo era capitão -mor de Piancó e Piranhas .
Entretanto a Capital prosperou lentamente, sempre ignorada
e sempre sob a tutella de Pernambuco. Com a independen
cia adquiriu novas esperanças, mas as seccas, e o abandono,
não a deixaram evoluir muito . Com a Republica, prrém , cujo
primeiro governo se organizou no dia 18 de novembro, entre
à maior indifferença e pasmo do povo , entrou a Parahyba,
após a primeira phase de duvidas e explorações, em vias de
prosperidade lenta, porém constante. Acostumados com o
antigo regimen, diziam que o Estado não tinha recursos
para manter - se, mas o certo é que desde que teve adminis
tradores economicos, não só se mantem sem compromissos
como está realizando melhoramento ; de custo elevado.
A contar dos tempos coloniaes, dirigiram o destinos da Pa
rahyba : 1.º capitão -mór Fructuoso Barbosa que tomou posse
em 1582, tentou estabelecer o primeiro nucleo colonial so; 2.º
bo
capitào -mor Joào Tavares, tomou posse em 15-5 e
influxo e auxilio pessoal e material de Martim Leitão fun
dou a capital ; 3. capitào -mor Feliciano Coelho de Córvalho,
homem de muita energia, tomou posse em 1595 ; 4.° capi
77 -

tão - mor Francisco de Souza Pereira, tomou posse em 1600 ;


5.° capitào-mor Francisco Nunes Marinho de Sá, nomeado
em 1603 ; 6.º capitão-mor André de Albuquerque Maranhão,
tomou posse em 1617 ; 7.º capitão-mor Francisco Coelho de
Carvalho, nomeado em setembro de 1608 ; 8. capitão -mor
João Rebello de Lima, nomeado em 18 de julho de 1612 ;
9.º capitão -mor João de Brito Correia, nomeado em 28 de
janeiro de 1616 ; 10.º capitão -mor Affonso de França, no
meado em 17 de setembro de 1618 ; 11.º capitão -mor Anto
nio de Albuquerque Maranhão, nomeado em 9 de agosto
de 1622 ; no seu governo deu -se a invasão hollandeza ; 12.º
capitão-mor Francisco Souto Maior, nomeado em 19 de
setembro de 1631 : não tomou posse . Dominio hollandez :
13.", director Servan Carpentier, tomou posse em 1635 ; 14.',
director Ippo Eysens, tomou posse em 1636 ; 15.º director
Elias Kerckman, tomou posse em 14 de outubro de 1636 ;
16.° director Gibert Wilth tomou posse em 1644 ; 17." di
rector Paulo Linge, tomou posse em junho de 1645 ; sendo
nesse ando expulsos os hollandezes da capitania ; 18.º trium
virato composto por Lobo Curado Garro, Jeronymo de Ca
dena e Francisco Gomes Muniz, posse em 1 de setembro de
1645 ; 19.º governador João Fernandes Vieira, tomou posse
em 2 de fevereiro de 1655 ; 20.º capitão -mor interino An
tonio Dias Cardoso, tomou posse em 19 de agosto de 1657 ;
21.º capitão -mor Mathias de Albuquerque Maranhão, tomou
posse em 17 de outubro de 1657 ; 22. capitão-mor João do
Rego Barros, tomou posse em 1663 ; 23.° capitão -mor Luiz
Nunes de Carvalho , tomou posse em 1670 ; 24.º capitão -mor
Ignacio Coelho de Carvalho, tomou posse em 1673 ; 25.º
capitão -mor Manoel Pereira de Lacerda, tomou posse em
1675 ; 26.º capitão -mor Alexandre de Souza Azevedo, tomou
posse em 1678 ; 27.º capitão-mor interino Antonio da Silva
Barbosa, tomou posse em agosto de 1684 : 28.º capitão -mor
Amaro Velho Cerqueira, tomou posse em setembro de 1687 ;
29.º capitão-mor Manoel Nunes Leitão, tomou posse em ju
nho de 1692 ; 30.º capitão -mor Manoel Soares de Alberga
ria, tomou posse em setembro de 1697 ; 31.º capitão -mor
Francisco Alves Pereira, tomou posse em 1700 ; 32.º capi
tão -mor Fernando de Barros e Vasconcellos, tomou posse em
novembro de 1703 ; 33.º capitão -mor João da Maia da Gama,
tomou posse em junho de 1708. Prestou inolvidaveis ser
viços á capitania, mas impopularizou -se na guerra dos mas
cates ; 34. capitão -mor Antonio Velho Coelho, tomou posse
em maio de 1717 ; 35.° junta composta dos officiaes da ca
mara : João de Moraes Valcaçar, Feliciano Coelho de Bar
ros, Francisco Souto Maior, Jeronymo Coelho de Alvarenga,
Diogo Vandernes e Eugenio Cavalcante de Albuquerque,
tomou posse em 14 de agosto de 1719 ; 36. ° capitào -mor
Antonio Fernão Castello Branco, tomou posse em janeiro
de 1720 ; 37.º capitão -mor João de Abreu Castello Branco,
tomou posse em janeiro de 1722 ; 38.º capitão -mor Fran
78

cisco Pedro de Mendonça Gurjão, tomou posse em março de


1729 ; 39. capitào-mor Pedro Monteiro de Macedo, tomou
posse em junho de 1734 ; 40.º junta dos officiaes da camara :
João de Almeida de Gouvêa, Manoel da Rocha, André Dias
de Figueredo, Domingos dos Santos de Oliveira e Cosmo
Ribeiro da Costa, tomou posse em maio de 1744 ; 41.º ca
pitão -mor interino João Lobo de Lacerda , tomou posse em
agosto de 1744 ; 42. governador Antonio Borges da Fon
seca, tomou posse em agosto de 1745 ; 43." capitão -mor Luiz
Antonio de Lemos de Brito, tomou posse em 19 de novem
bro de 1753 ; 44.° capitão-mor interivo José Hepriques de
Carvalho, tomou posse em abril de 1757 ; 45.º capitão- mor
Francisco Xavier de Miranda Henriques, tomou posse em
janeiro de 1761 ; 46. capitão-mor Jeronymo José de Mello
Castro, tomou posse em 20 de abril de 1764 ; 47. trium
virato : ouvidor geral Antonio Felippe Soares de Andrade
Brederodes, sargento-mor João Ribeiro Pessoa de Lacerda, e
o vereador da camara Luiz Alves da Nobrega, posse em 13
de maio de 1797 ; 48,º governador Fernando Delgado Freire
de Castilho, tomou posse em 23 de março de 1798 : 49.° go
vernador Luiz da Motta Feo, tomou posse em 15 de se
tembro de 1802 ; 50. governador Amaro Joaquim Raposo
de Albuquerque, tomou posse em 24 de julho de 1805 ; 51.º
governador Antonio Caetano Pereira, tomou posse em 30 de
agosto de 1809 ; 52.° Triumvirato : ouvidor geral Andié
Alvares Pereira Ribeiro Cirne, tenente - coronel Francisco
José da Silveira e o vereador Manoel José Coelho, tomou
posse em 12 de dezembro de 1815 ; 53. governo revo
lucionario : tenente - coronel Amaro Gomes Coitinho, tenente
coronel Estevão José Carneiro da Cunha ; posse em 13 de
março de 1817 ; 54.“ governo provisorio republicano : Padre
Antonio Pereira de Albuquerque, Ignacio Leopoldo de Al
buquerque Maranhão, Francisco José da Silveira e Fran
cisco Xavier Monteiro da Franca , posse em 16 de março de
1817 ; 55.º triumvirato realista interino : capitão João Soa
res Neiva, ouvidor geral interino Gregorio José da Silva
Coitinho é vereado, Manoel José Ribeiro de Almeida, posse
em 7 de maio de 1817 ; 56.º triumvirato legal : ouvidor ge
ral André Alvares Pereira Ribeiro Cirne, coronel Mathias da
Gama Cabral e Vasconcellos e o vereador Manoel José Ri
beiro de Almeida ; tomou posse em 12 de junho de 1817 ;
58. governador Joaquim Rebello da Fonseca Rosado, tomou
posse em 25 de agosto de 1819. Seguiram - se tres juntas
provisorias e, proclamada a independencia, vieram os seguin
tes presidentes : 62.° Felippe de Nery Ferreira que tomou
posse em 9 de abril de 1824 ; 63.º Alexandre Franco de
Seixas Machado que tomou posse em 22 de junho de 1824 ,
que em 2 de Maio de 1827 passou o governo ao vice -pre
sidente dr . Francisco de Assis Pereira Rocha ; 64.° dr. Ga
briel Getulio Monteiro de Mendonça , tomou posse em 12 de
fevereiro de 1828 e passou o governo ao vice-presidente
79

dr . Francisco José Meira em 21 de março de 1830 ; 65.º


dr . Manoel Joaquim Pereira da Silva ; tomou posse em 6 de
agosto de 1830 ; 66.° dr . José Thomaz Nabuco de Araujo,
tomou posse em 18 de janeiro de 1831 e passou o governo
ao vice-presidente dr. Francisco José Meira em 14 de agosto
do mesmo anno ; 67.• Galdino da Costa Villar, tomou posse
em 16 de janeiro de 1832 e em 21 de setembro do mesmo
anno passou o governo ao vice - presidente dr. Francisco José
Meira ; 68.° André Albuquerque Maranhão Junior, tomou
posse em 28 de outubro de 1832 e em janeiro do anno se
seguinte passou a administração ao vice-presidente Francisco
José Meira ; 69.º Antonio Joaquim de Mello, tomou posse
em 16 de março de 1833, passou o governo em 7 de ja
neiro de 1894 ao vice- presidente Affonso de Albuquerque
Maranhão que em 26 de abril do mesmo anno entregou ao
vice- presidente Bento Correia Lima, que 26 de julho do
mesmo anno entregou ao vice-presidente José Luiz Lopes
Bastos; quepassou o governo em 7 de abril de 1835 ao
vice-presidente Bento Correia Lima, que passou no dia 14
do mesmo anno e mez ao vice-presidente Manoel Maria
Carneiro da Cunha e este entregou em 12 de julho do
mesmo anno ao vice-presidente Luiz Alves de Carvalho que
em 10 de setembro passou ao vice-presidente Francisco
José Meira que em 1 de fevereiro de 1836 entregou a Ma
noel Maria Carneiro da Cunha ; 70.º Brazilio Quaresma
Torreão que assumiu a administração em 18 de abril de
1836 e em 11 de março de 1838 passou 80 vice-presidente
Manoel Lobo Miranda Henriques ; 71.° Joaquim Teixeira
Peixoto de Albuquerque, tomou posse em 14 de abril de
1838 ; 72." dr . João José de Moura Magalhães , tomou posse
em 12 de dezembro de 1838 e passou o governo em 17 de
março de 1839 ao vice -presidente Manoel Lobo de Miranda
Henriques que em 7 de abril o entregou ao vice-presidente
Trajano Alipio de Hollanda Chacon, que em 22 de feve
reiro de 1840 o passou ao vice-presidente dr. Antonio José
Henriques ; 73. dr. Agostinho da Silva Neves, tomou posse
em 7 de abril de 1840, passou o governo ao vice-presidente
dr. Antonio José Henriques em 17 de setembro do mesmo
anno : 74.° Francisco Xavier Monteiro da Franca, assumiu
a administração em 7 de setembro de 1840 ; 75.“ dr. Pedro
Rodrigues Fernandes Chaves que tomou posse do governo
em 4 de maio de 1841 ; passou a administração ao vice-pre
sidente André de Albuquerque Maranhão, em 4 de feve
ceiro de 1843. Este presidente indo ao interior da Provin
ria, milagrosamente escapou de uma emboscada, que se
postara no Manema, além do Tambahy. No crime foram im
plicados diversos senhores de engenhos da varzea do Para
hyba ; 76.° Ricardo José Gomes Jardim , tomou posse em 14
de março de 1843 ; 77.º Agostiuho da Silva Neves, tomou
posse em 2 de dezembro de 1843 ; 78.° dr. Joaquim Fran
cisco de Sá, tomou posse em 22 de julho de 1841 , em 2 de
80

agosto passou ao vice - presidente dr. José da Costa Machado


Senior que, em 9 do mesmo mez , passou ao vice-presidente
André de Albuquerque Maranhão Junior, que em 14 do
mesmo mez entregou-a ao vice -presidente dr. Franco Sá ;
79.• dr . Frederico Carneiro de Campos, tomou posse em
18 de dezembro de 1844 e em 16 de março de 1848 passou
ao vice-presidente João de Albuquerque Maranbão ; 80. dr.
João Antonio de Vasconcellos, tomou posse em 11 de maio de
de 1848 ; 81.° José Vicente de Amorim Bezerra, tomou posse
em 23 de janeiro de 1850 ; 82.• Agostinho da Silva Neves,
tomou posse em 30 de setembro de 1850, em 4 de abril de
1851 passou o governo ao vice-presidente dr. Francisco de
Almeida Albuquerque, que 8 de maio de 1851 passou ao
vice-presidente Francisco Antonio de Almeida Albuquerque;
83.º Antonio Coelho de Sá e Albuquerque, tomou posse em
4 de julho de 1851, passou o_governo em 29 de abril de
1853 ao vice -presidente dr . Flavio Clementino da Silva
Freire, que em 7 de outubro entregou ao vice-presidente
Frederico de Almeida e Albuquerque ; 84.° dr. João Capis
trano Bandeira de Mello, tomou posse em 22 de outubro
de 1853, passou o governo em 6 de junho de 1854 ao vi
ce -presidente dr. Flavio Clementino da Silva Freire, que
passou a administração ao vice -presidente dr. Frederico de
Almeida Albuquerque em 25 de setembro do mesmo anno ;
85. dr. Francisco Xavier Paes Barreto, tomou posse em 23
de outubro de 1854 e em 16 de abril de 1855, passou o
governo ao vice-presidente dr. Flavio Clementino da Silva
Freire ; 86 dr. Antonio da Costa Pinto e Silva tomou posse
em 26 de novembro de 1855 e passou a administração ao
vice - presidente Manoel Clementino Carneiro da Cunha em
10 de abril de 1857 ; 87. Coronel Henrique Beaurepaire
Rohan , assumiu o governo em 10 de dezembro de 1857 .
Prestou á provincia bons serviços ; procurou desenvolver as
industrias e a agricultura ; são do seu governo os unicos
estudos topographicos que hoje existem , relativos á Para
hyba ; 88.° Ambrosio Leitão da Cunha , tomou posse em 4
de julho de 1859 e em 16 de abril de 1860 passou o go
verno ao vice -presidente Manoel Florentino Carneiro da
Cunha ; 89. • dr. Luiz Antonio da Silva Nunes , tomou posse
em 18 de abril de 1860 e passou o governo ao 1.º vice
presidente , Barão de Mamanguape, em 19 de maio de 1861;
90.º dr. Francisco de Araujo Lima, assumin o governo em
19 de maio de 1861 e em 17 de fevereiro de 1864 entre
gou ao 1.º vice -presidente dr. Felizardo Toscano de Britto,
passou em 17 de fevereiro de 1864 ; 91.° dr. Sinval Odo
rico de Moura, tomou posse em 18 de maio de 1864, em 22
de julho de 1865 passou o governo ao 1.º. vice-presidente
dr. Felizardo Toscano de Britto que em 4 de agosto de 1866,
passou ao 3.º vice-presidente commendador João José Inno
cencio Poggi ; 92.• dr. Americo Braziliense de Almeida
Mello, tomou posse em 4 de novembro de 1866 e em 20
- 81 -

de abril de 1867 en regou a administração ao 2. vice -pre


sidente Barão de Maraú. Neste anno o imperador d . Pedro
II visitou a Parahyba. 93.° dr. Innocencio de Assis Carva
valho, tomou posse em 1 de novembro de 1867 e pa -sou o
governo ao 2. vice-presidente padre Francisco Pinto Pes
sôa em 29 de julho de 1868 ; 94.° dr. Theodoro Machado F.
Pereira da Silva, tomou posse em 17 de agosto de 1868 e
passou a administração em 9 de abril de 1869 ao 2.º vice
presidente padre Francisco Pinto Pessốa, que a entregou
em 16 de abril de 1869 ao 1.º vice - presidente dr. Silvino
Elvidio Carneiro da Cunha ; 95. dr. Venancio José de Oli
veira Lisbôa, tomou posse em 11 de junbo de 1869 : 96 .
Senador Frederico de Almeida e Albuquerque, tomou p sse
em 24 de outubro de 1870, passou a administração ao 3."
vice - presidente dr. José Evaristo da Cruz Gouvêa em 13
de abril de 1871 , este entregou - a em 17 de outubro
ao mesmo presidente que lhe tornou a passar o governo em
23 de abril de 1872 ; 97." dr. Heraclito de Alencastro Pe
reira da Graça, tomou posse em 26 de junho de 1872 ; 98 .
dr. Francisco Ferreira de Sá, tomou possa em 11 de no
vembro de 1872, om 17 de setembro do 1873 passou o go
verno ao 2.• vice- presidente commendador João Inpocencio
Poggi que o entregou ao 3." vice - presidente dr . José Eva
risto da Cruz Gouvêa em 20 de seteinbro de 1873 : 99.• dr.
Silvino Elvidio Carneiro da Cunha, tomou posse em 17 de
outubro de 1873; 100.º Barão de Mamanguape, tomou posse
em 10 de abril de 1876, passou a administração em 9 de
janeiro de 1877 ao 2. vice- presidente dr. João da Matta
Correia Lima que a entregou ao 1.º vice-presidente dr. José
Paulino de Figueiredo em 9 de março de 1877 ; 101.º dr.
Esmerino Gomes Parente, tomou posse em 24 de abril de 1877,
passou o governo em 2 de março de 1878 ao 1.º vice -presi
dente dr. José Paulino de Figueiredo : 102. dr. Ulysses Machado
Pereira Vianda, tomou posse em 11 de março de 1878 e passou o
governo ao 2." vice-presidente padre Felippe Benicio da Fonseca
Galvão em 20 de fevereiro de 1879 ; 103.° dr. José Rodrigues
Pereira Junior, tomou posse em 12 de junho de 1879, pas
sou a administração ao 2. vice-presidente padre Felippe Be
nicio da Fonseca Galvão em 30 de abril de 1880 e entre
gou - a ao 1.º vice- presidente dr. Antonio Alfredo da Gama e
Mello em 15 de maio do mesmo ando ; 104. dr. Gregorio
José de Oliveira Costa, tomou posse em 10 de junho de
1880 e em 3 de setembro do mesmo anno passou o gover
no ao 1.º vice - presidente dr. Antonio Alfredo da Gaina e
Mello ; 105. ° dr. Justino Pereira Carneiro , tomou possa em
20 de outubro de 1880 e em 4 de março de 1882 passou o
governo ao 1.º vice -presidente dr . Antonio Alfredo da Gama
e Mello ; 106.° dr. Manoel Ventura B. Leite Sampaio, to
mou posse em 21 de maio de 1882 H em 2 de novembro
entregou ao 1.º vice-presidente dr. Antonio Alfredo da Ga
ma e Mello ; 107.° dr. José Basson de Miranda Osorio , to
S2

mou posse em 5 de novembro de 1882 e passou o governo


ac 1. vice-presidente dr. Antonio Alfredo da Gama e Mel
lo em 17 de abril de 1883 ; 108. dr. José Ayres do Nas
cimento, tomou posse em 7 de agosto de 1883 ; 109 ° dr.
Antonio Sabino do Monte, tomou posse em 31 de agosto de
1884 ; 110. dr. Pedro da Cunha Beltrão , tomou posse em 8
de julho de 1885 ; 111.º dr. Antonio Herculano de Souza
Bandeira, tomou posse em 20 de setembro de 1885 ; 112.º
dr. Geminiano Brazil de Oliveira Góes, tomou posse em 11
de novembro de 1886 ; 113.• dr. Francisco de Paula Oli
veira Borges, tomou posse em 10 de outubro de 1887 ; 114 .
dr. Pedro Francisco Correia de Oliveira, tomou posse em 9
de agosto de 1888, passou o governo ao 1.º vice -presidente
Barão de Apiahy em 14 de janeiro de 1889, reassumiu em
4 de fevereiro, passou o governo em 17 deste mez ao men
cionado Barão de Apiahy, que em 22 de juvho do mesmo
anno o entregou ao 1.º vice - presidente dr. Manoel Dantas
Correia de Góes ; 115.º dr. Francisco Luiz da Gama Rosa ,
tomou posse em 8 de junho de 1889 e deixou em virtude
da proclamação da Republica ; . 116.º Governo Provisorio
composto do : tenente -coronel IIonorato Candido Ferreira
Caldas, dr. Antonio da Cruz Cordeiro Senior, capitão de en
genheiros João Claudiuo de Oliveira Cruz, 1.º tenente da
armada Arthur José dos Reis Lisboa, commendador Thomaz
de Aquino Mindello, capitão Manoel de Alcantara de Souza
Cousseiro e dr. Manoel Carlos de Gouvêa, sob a presidencia
do primeiro; 117." o capitão de engenheiros João Claudino de
Oliveira Cruz, assumiu o governo em 2 de dezembro de
1889 ; 118.º dr. Venancio Augusto de Magalhães Neiva, to
mou posse em 6 de dezepibro de 1889 e em 31 de dezem
bre de 1891, foi deposto . 119. junta governativa constitui
da pelos srs. coronel Claudio do Amaral Savaget, dr. Euge
nio Toscano de Britto e o bacharel Joaquim Fernandes de
Carvalho ; 120.9 dc. Alvaro Lopes Machado, tomou posse em
19 de fevereiro de 1892 em 14 de abril passou a admi
nistração ao 1.º vice -presidente padre Walfredo Soares dos
Santos Leal, reassumindo a 25 de julho, passou novamente
o governo ao dito vice-presidente em 17 de maio de 1896 e
renunciou o mandato em 28 de julho do mesmo anno : 121."
dr. Antonio Alfredo da Gama e Mello, tomou posse em 22
de outubro de 1896 ; 122. ° dezembargador José Peregrino
de Araujo tomou posse em 22 de outubro de 1900 ; 123.°
dr. Alvaro Lopes Machado , tomou posse em 22 de outubro
de 1904 ; passou o exercicio ao 1.º vice-presidente dr. Se
raphico Nobrega ; reassumiu - o e novamente passou a admi
nistracão ao 2." vice -presidente monsenhor Walfredo Soares
dos Santos Leal que completou o quatriennio governa
mental ; 124.° dr. João Lopes Machado tomou posse do go
verno em 22 de outubro de 1908 ; 125. ° dr. João Pereira
de Castro Pinto, tomou posse em 22 de outubro de 1912.
83

Hydrographia
Tem a Parahyba dois systema, hydrographicos : um a
· Leste da Borborema, e o outro a Oeste . O primeiro é in
teiramente do Estado e constituido pelos rios Parahyba ,
Mamanguape, Guajú, Miriry, Gramame e Abia ; o segundo
é formado pelo rio Piranhas e seus affluentes o Peixe, o
Porcos, o Piancó e o Pinbaras . Inclina-se para NE entra
no Rio Grande do Norte tornando o nomede Assú . Em te
rritorio parahybano existem varias lagoas, quasi todasde pe
quena importancia : são mais notaveis as : de Bahia da
Traição, do Abiá, Puchy, do Páo e do Bé.
Immigração
Quasi insignificante tem sido a immigração estrangeira
para o Estado. Individuos que se dedicam ao commercio, vem
expontaneamente se estabelecer e não raras vezes consti
tuem familia . A maior colonia europea existente, é a ita
liana, entregando-se todos os seus membros ao commercio.
E' uma colonia que tem merecido estima por sua operosi
dade e por sua indole ordeira.
Instrucção publica
Não é satisfactoria a instrucção publica do Estado, a qual
somente agora vai rumando novos horizontes. O interior, é,
quasi sem excepção, uma lastima e muitas aulas só existem
nas verbas orçamentarias. A politica concorre para esse es
tado de atrazo, mantendo professores incompetentes , porém
amparados na mais cscandalosa protecção. A aula publica
cahiu em descredito. e os pais voltam-se para o ensino par
ticular que não está ao alcance de todos. Entretanto, norma
graças
aos novos esforços, vai a diffusão do ensino se
lizando, 0 governo está se interessando muito pe
lo assnmpto. O Estado, além de aulas municipaes, con
ta 40 aulas primarias para o sexo masculino, 42 mix
tas, uma modelo, a Escola Normal para formação do
professorado , o Lyceu Parahybano para o estudo de huma
nidades, tendo um curso de commercio ; e aulas de latim ,
portuguez e arithmetica em Mamanguape ; a diocese pos
sue o seminario e o collegio Pio X, accusando esses estabe
lecimentos uma matricula de 3.450 alumnos, os quaesero
addi
cionados aos dos cursos particulares attingem ao num de
10.387 , o que dá ainda uma media de 80 % de anal a ph
betos . A lastrucção Publica é dirigida por um director, um
conselho fiscal e diversos inspectores regionaes. O grande
adiantainento da população é mais notavel na capital. nas
cidades e villas ; os habitantes ruraes são quasi todos igno
rantes ; quando muito , alguns mal sabem ler. A linguagem
inesmo a das classes instruidas, é recheiada de plebeismos.
84 -

Não ha como o ignorante parahybano para crear termos,


alguns muito expressivos , os quaes passam logo, por um
inexplicavel phenomeno, ás classes mais polidas. Pode-se
dizer que om tuto , o sertanejo, tem quasi um dialeto ; •
veja - se a seguinte historia contada em gyria sertaneja : --
« Mofumbei a biscaia no lombo do barreiro e patinhando
em ovos ab quei o rancho sem respiro. Assuntando o logar vi
que areei -me no breu da noite ; roçando os enxamés, chamo
cambitos p'ra guente e topei ca miunça rimuendo na latada.
Arranco medonho ! Apalacado o estrupiço, destampei as onças
no espaço do canico . Dentro batiam bocce Joaquim ca es
pingarda : - oia María, se levantą vistas p'ro cabra, mostro
de quantos paus se faz uma cangalha ! E ella disse pura
qui assim : Não é cum medo de seu boquejar seu Quincas,
aqui eu não ligo outras calças ; é coisa que nem bate o
papo e nem d -ixo sua fiu espiar qualquer baugalafumengas.
O bafafá durou que nem o tempo, mas na primeira cantada
tudo era queto como um lageiro. Tirei antonce a espinha
de cobra e dei o risco do trato : primeira vez, nem mode
cousa , segunda vez, mesmo tom, repeti arrogante e quasi
não retraçava : a cahoca espirrou alisada e de fita cuma se já
fosse p'ros pés do padre . Era mavgerona só. » – O que tra
duzido ao pé da letra dá : – « Occultei a egua por traz do
balde do açudinho e pisando de leve encontrei-me no oitão
do casebre e fiquei im vel. Examinando o logar percebi
que , devido á escuridão da noute, eu me enganara ; encos
tei- me á parede e marchei, indo encontrar cabras e cabritos
ruminando na latada . Os animaes espantaram - se. Serenado
o rumor , e cutei entre as fendas da porta de varas . Dentro
de casa Joaquim discutia com a amazia. — Fica sciente,
Maria, que se olhares para o tal, dou -te uma grande sova !
E ella respondeu deste modo : Não é por temer suas
ameaças, seu Quincas , affirmo que aqui outro homem não
merece minha attenção , nem consinto que sua filha namore
qualqner João -ninguem . A discussão durou muito tempo,
mas ao cantar o gallo primeira vez, tudo era silencioso como
um lagêdo. Saquei a faca e fiz o signal combinado. Da
primeira vez , nada de resposta , da segunda vez nada ; repeti
mais forte e quasi não termino de riscar ; a cabocla surgiu
rapida , penteada e enfeitade, como se nós já fossemos nos
casar . Cheirava somente a mangerona... »

Literatura historica e geographica


Os melhores trabalhos existentes são de parahyba
nos ou de homens residentes no Estado, que, mais
por amor á terra do que pela competencia scientifica,
se interessam pelo assumpto . Em primeiro plano estão os
trabalhos do dr. Irineu Joffily Senior e dr. Maximiano Lopes
Machado. O primeiro deixou « Sinopsis das sesmarias) ,
« Notas sobre a Parahyba » e varios trabalhos publicados na
85

imprensa. O segundo, além de sua refutação « A Parahyba


e o Atlas do sr. Candido Mendes» , escreveu em dois volumes
a « Historia da Provincia da Parahyba» , a qual foi ultima
mente publicada em um só volume, por se ter extraviado
parte do original. Depois desses trabalhos se encontram
bôas informações nos Almanaks do Estado. O coronel João
de Lyra Tavares, deu à estampa « A Parahyba » , em dois vo
lumes, « Apontamentos para a historia territorial», tambem
em dois volumes. Celso Mariz publicou o seu « Atravez do
Sertão » e Irineu Ferreira Pinto, a primeira parte das suas
< Datas e Notas ) . O Instituto Historico mantem a sua re
vista . Todas essas publicações são utilissimas a quem desejar
conhecer a historia e , especialmente a chorographia parahy
bana. Na cartographia, temos apenas us esboços dos drs.
Ernesto Freire, Julio Destord, Maximiano Macbado senior e
Maximiano Machado Junior e são taes cartas muito deticien
tes e incorrectas, não se avantajando as outras feitas fóra
do Estado e que são consultadas nos estabelecimentos de
educação. Somente a costa da Parahyba, foi estudada e
cartographada pela meticulosa competencia de Vital de Oli
veira , sacrificado va guerra do Paraguay.
Mineralogia
Mau grado saber- se que o Estado é rico em mineraes, até
hoje não se fizeram explorações importantes, Nos tempos
coloniaes, lavrou - se o ouro no Pilar e no Piancó, e depois
da independencia ainda fizeram explorações deste metal, nas
cachoeiras do rio Bruxas. Ha simplesmente informações in
completas, deixadas por engenheiros como Brunet, Francisco
Retumba, Julio Destord e Paulino da Cruz. Dos minerios
o mais abundante é o ferro que o ha em todo Estado. Sali
tre, existe na serra da Caxexa ; carvão de pedra em Alagoa
do Monteiro e Santa Luzia ; estanho, antimonio , cobre e
manganez, em Picuhy ; ouro, em Alagoa do Monteiro, Piançó
e Princeza ; prata em Souza. As pedras preciosas se en
contram pas serras e leitos dos rios . A excepção do ferro,
cuja porcentagem estabelecida por F. Retumba será para
algumas jazidas de 80 % , os demais minerios têm sido ape
nas coutastados, excepção do estapho e manganez, de Picuhy,
onde houve um principio de exploração. A difficuldade de
transportes, a falta de boas vias de communicação, têm con
corrido para o esquecimento em que deixaram as riquezas
miperaes do Estado.
Origens
Duas raças distinctas habitavam a Parahyba , na

epoca da conquista : a dos tupis dos carirys. A


а

primeira habitando a região comprehendida entre 0 lit


toral e o subdivid
brejo, e em
ida duas a dos
trlbus
86

tabajaras occupando os terrenos ao S. do rio Parahyba, e a


dos potiguaras ao N. Quer uma quer outra, estiveram pri
meiro em contacto com os francezes que, em Pitimbú , Cabe
delio , Mamanguape e Bahia da Traição, ancoravam sus naus
e traficavam pau brazil. Depois os portuguezes fizeram al
liança com os tabajaras e submetteram os potiguaras.' Os
carirys occupavam todo o planalto da Borborema e o alto
sertão, subdividindo - se em muitas tribus como a dos sucurús,
que habitava os actuaes municipios de S. João do Cariry,
Soledade, Teixeira, Taperoá e Alagôa do Monteiro ; a dos
panatis, areás e pegas que occupavam Pinharas, Sabugy e
alto Piranhas ; os payacús a serra do Cuité e Picuhy ; a dos
curemas o Piancó e a dos icós e icosipho os actuaes muni
cipios de Souza , Cajazeiras, etc Todos os indigenas da
Parahyba estavam na idade da pedra polida e cultivavam o
milho e o algodão. Os carirys resistiram por muitos annos
aos bandeirantes e chegaram a formar uma confederação, que
seria fatal aos colonos se não fosse a defecção dos sucurús.
Estes desavieram -se per questão de um rapto de uma india
que um sucurú do Teixeira praticou numa tribu sucurú do
actual municipio de S. João.

Orographia

A’excepção da serra do Bongá, nos limites occidentaes do


Estado, a qua! é ramificação da do Araripe, todas as outras per
tencem aosystema orographico da Borborema que atravessa a
Parahyba de so . a NO, allongando muitas ramificações que re
cebem os nomes de Serra da Raiz, Araruna, Cuité, Bodopitá ,
Canastras, Carnoyó, Caturité, Bonita, Verde, Branca, Perú, En
xofre, Mongiquy, Pico, Teixeira, Jabre , Pivharas, Negra,
Commissario, Santa Catharina, Boqueirão, Mellado, Formi
gueiro, Jatobá, etc.

Paraby banos illustres

A Parahyba pode se orgulhar de ter sido berço de uma


centena de homens illustres. Sejam apontados os mais salientes :
André Vidal de Negreiros, Feliciano Dourado; marechal José de
Almeida Barreto, coronel Luiz Ignacio de Albuquerque
Maranhão, José Peregrino de Carvalho, Francisco Antonio
Carneiro da Cunha, Luiz Ferreira Maciel Pinheiro, Aristides
Lobo, Visconde de Cavalcante, Manoel de Arruda Camara,
Manoel Pedro Cardoso Vieira, João Florentino Meira de
Vasconcellos, Pedro Americo de Figueiredo, padre Lindolpho
Correia das Neves, padre Francisco João de Azevedo, d.
frei Vital Maria de Oliveira, Albino Meira e tantos outros .
87

Religião
Predomina no Estado a religião catholica aposto
lica romana. A diocese da Parahyba foi creada pelo
pontifice Leão XII, por bulla de 27 de abril de 1892,
ficando sufraganea do arcebispado da Bahia, e posterior
mente do de Pernambuco. Em seu começo comprehendia
tambem o Rio Grande do Norte, que depois foi tambem ele
vado a bispado. Em 4 de março de 1894 , 0 exmo . sr. d.
Adaucto Aurelio de Miranda Henriques, primeiro bispo da
Parahyba, assumiu pa egreja de N. S. da Conceição, da Ca
pital, o governo da diocese, que conta 45 freglezias. A re
ligião lutherana é seguida por uns 1.500 individuos e conta
um unico templo na cidade da Parabyba. Ha tambem na
Capital algumas sociedades espiritas.
Revoluções

Depois da luta com os hollandezes, não fallando nas lutas


de Pavellas de Miranda, na guerra dos mascates, ás quaes pres
tou a Parahyba auxilios, os mais notaveis movimentos ar
mados foram : o de 1817 , cujos chefes José Peregrino de
Carvalho, Amaro Gomes Coitinho, padre Antonio Pereira de
Albuquerque, parahybanos; Ignacio Leopoldo de Albuquer
que Maranhão, rio grandense do norte , e Francisco José da
Silveira, mineiro, foram garroteados no Recife, sendo os seus
corpos retalhados e enviados á Parahyba onde foram expos
tos nas vias publicas ; o levante de 1820 em Mamanguape
e Guarabira, contra a constituição portugueza jurada por
d . João VI, sendo os revolucionarios batidos ás portas de
Areia ; o de 1823 que irrompeu em Areia e Itabayanna pelo
facto de ter vindo como presidente da provincia um portu
guez. Rebentando a confederação do Equador em 1824 , estes
revolucioparios á adheriram e continuaram a luta , até que
foram batidos pelas tropas de Lima e Silva. O motimde
Pastorinha commandante da guarnição da Capital ; em 10
de setembro de 1823 entrincheirou -se em S. Francisco e com
uma peça e fuzis resistiu algumas horas, fugindo em segui
da num pavio estrangeiro ; o levante de 1848, em auxilio
da revolução praieira ; na Parahyba, deu -se o ultimo com
bate em Areia , sendo os revoltosos vencidos ; o dos quebra
kilos genuinamente parahybana, cujo fim principal não foi
c insurgir-se contra o systhema metrico decimal e varios
impostos . As partes officiaes dizem que o motim explodiu
instigado por membros do clero, em virtude da prisão do
bispo de Pernambuco, o parahybano d . frei Vital Maria
Gonçalves de Oliveira, envolvido na questão religiosa. Essa
borda selvagem destruiu valiosos archivos e foi batida pelo
general Severiano da Fonseca em 1875. Os quebra -kilos,
ou como taes denunciados, foram tratados com incrivel bar
baridade. Appareceu o collete de couro , genero de tortura
88

que se diz inventado por um parahybano, natural da praia


do Bessa, o capitão de infanteria Longuinhos. O collete de
couro consistia em adaptar-se ao tronco do prisioneiro, 10
thorax, uma tira de couro verde de boi , costurada bem justa
ás costas. A proporção que ia seccando, contrahia-se o col
lete de modo que, em poucas horas, se o infeliz não morria
asphyxiado, começava a vomitar sangue. O parahybano pres
tou os mais relevantes serviços á liberdade. Ajudou a con
quista do Rio Grande do Norte, do Ceará e do Maranhão, e
não poupou sacrificios para desafrontar o paiz durante a
guerra do Paraguay, concorr
rrendo, além dos irmãos que esta
vam em outros corpos, directamente com 3219 soldados, sendo
2854 para o exercito e 365 para a armada. O primeiro
corpo de voluntarios embarcou no dia 10 de abril de 1865,
sob o commando do herr ico parabybano, morto em Lomas
Valentinas , o tenente -coronel Luiz Ignacio de Albuquerque
Maranbào. A 30 de junho de 1870, de todos esses compa
tricios , apenas regres:aram 90.
Sciencias , Letras e Artes
As artes estão aivda no periodo de infancia . O desenho
quasi só existe nos programmas das Escolas cujo ensino se
limita á copia de modelos muito simples na qual mais se
emprega o crayon do que o pincel. Côres, sombras, perspe
ctivas, anatomia do corpo humano, estylos, tudo fica na defi
nição ; a musica que é bastante divulgada, não tem outra
aprendizagem que nào seja o valor das fi.uras e dos acci
dentes, que nào seja a parte puramente pratica. As leis da
harmonia e do contraponto continuam ignoradas. A escul
ptura é desconhecida nas escolas e, no entanto, a Parahyba
tem produzido genuinas vocações artisticas para a esculptura
e pintura. As artes mechanicas nada produzem de original.
Dentre as invenções a Parahyba orgulha-se de ter sido a
patria da machina de escrever de cujo invento criminosa
mente se apossou um americano. Foi seu inventor o padre
Francisco João de Azevedo, parahybano, que em_1823 esta
beleceu a primeira typographia na Parahyba. Era homem
versado em mathematicas, mechanica, pintura e musica. Im
plicado numa revolução em 1841 , refugiou -se no Recife. Em
1867 entrou ein negociações com um americano que se pro
poz mandar fabricar a machina de escrever nos Estados Uni
dos e uma vez de posse do segredo, abriu negocios em nome
proprio, deixando na mizeria o inventor. Até poucos annos
existiu uma dessas machinas, entre objectos do dr. Manoel
de Aragão e Mello, de quem foi muito amigo o padre Azevedo,
e em cuja casa falleceu, pelos annos de 79 a 80.
O progresso intellectual da Parahyba tem sido nas letras.
Alguns irabalbos de estatistica, outros referentes á historia, li
vros didaticos, volumes de versos, ensaios philosophicos, têm
sido publicados, e merecido bom acolhimento. E' , como se vê,
um povo que começa a expandir-se.
89

Seccas

Até hoje tem ficado sem explicação satisfactoria este phe


nomeno meteorologico. As theorias encalbam diante dos factos.
Por mais abundante que seja o inverno, no Estado , sempre fica
um recanto onde a chuva não chega e por mais rigorosa que
seja a secca, sempre ha um districto onde caiam abundantes
aguaceiros. O littoral e o brejo são quasi insensiveis ao phe
nomeno, mas a caatinga, o carisy e alto sertão, são por elle
muito acossados. Póde- se mesmo estabelecer que não ha ca
sos de se terem seguidos cinco annos de invernos. A secca
no Estado é tão velha quanto elle proprio. Sabe -se que
quando se fundava a capitapia de Itamarará, os indios da
Parahyba batidos pela secca e pela fome iam alli procurar
trabalho, ajudar os colonos. Pove ado o interior sempre sof
freu de seccas ; 4 descoberta do Piauhy por Mafrense, o deve
ás seccas no interior de Pernambuco. Durante muitos annos
se ignorou a existencia do flagello por ser muito reduzida a
população do interior, a qual quando lbe faltavam chuvas
se dirigiam em massa para as serras da Borborema, do Ara
ripe, e para os logares ferteis do Piauhy. Mas as serras se

povoaram , e se estabeleceram communicações com o littoral,


então começaram a descer. A secca nào é, portanto, uma con
sequencia da disposição das montanhas, nem da destruição
das mattas ; quando muito são circumstancias que aggravam
o mal. O phenomeno é caprichoso, mas, felizmente, o serta
nejo de hoje já o supporta sem temor, mesmo por dois an
nos, pois aprendeu a ser previdente. Assim estão sempre de
sobreaviso com as surprezas. A's vezes chove muito em todo
o littoral e em toda varzea ; chove abundante po brejo, fican
do completamente secca a caaringa que está de permeio e
e ouja largura pouco excede de 25 kilometros. Noutras occa
siões o inverno é excessivo no breju e vo sertão, mas a secca
é rigorosa, prolongando-se por tres e quatro annos, no pla
nalto da Borborema, que fica entre as duas zopas. Casos ha
inversos : a chuva chega ao planalto e não attinge ao sertão.
Em todo caso, não ha na Parahyba seccas geraes, graças
especialmente, as zonas do littoral e do brejo. Assim mesmo,
a secca de 1877 deixou dolorosa recordação. O Paiz gastou
na Parahyba a somma de 2.665:332$437 quasi sem proveito.
Colonias onde se alojaram mais de 3.000 retirados, ficaram
reduzidas a menos de 300 individuos.

Telegrapho e serviço postal

Em 1875 foi inaugurada a primeira linha telegra


phica na Parahyba, ligando a capital a Pernambuco. Hoje
uma rede de 800 kilms. de fios se desenvolve no Es
tado ; assim os municipios de Cabedello , Pedras de Fogo.
Mamanguape, Areia, Campina Grande, Alagoa Grande, Ba
90

naneiras, Araruna, Soledade, Taperoá , Patos, Santa Luzia ,


Teixeira, Piancó, Pombal, Souza e Cajazeiras são servidos
por estações telegrapbicas.
A repartição chefe fica na Capital e é subordinada ao
districto do Recife.
O serviço postal, se não é ainda satisfactorio, é bastante
desenvolvido e , além da Administração e uma agencia na Ca
pital, conta 74 agencias no interior. Nas localidades servidas
por ferro -via, o serviço postal é rapido, mas onde falta esse
meio de transporte, a couducção de malas é feita em costas
de animaes, pelo que no alto sertão chega a correspondencia
com uma demora de 8 a 15 dias .

Csos , costumes , festas e musicas populares


Sahido do dominio portuguez, ainda hoje o parahy
bano conserva reminiscencias da sociedade dos tempos
coloniaes. A familia está ainda sob a vigilancia severa
do pai , especialmente no interior onde elle é, dentro de sua
casa , senhor absoluto da mulher e dos filhos. Obsequiar é
um dever de todo parahybano ; chega na casa proxima, quer
na capital quer no centro, uma familia, é de bom uso fazer
uma visita, offerecer- lhe os prestimos, embora previamente
se tenha inquirido, em segredo, da conducta moral, das con
dições economicas do nosso vizinho. Feita a visita, deve ser
logo retribuida, sob pena de ser taxado de grosseiro ou or
gulhoso quero recebeu a gentileza . Estabelecidas as relações
de amizade , segue -se a troca de presentes : bolos, fructas,
doces, etc .; estreitando - se mais a intimidade não se pode
prescindir de passar um dia em casa de uma e outra fami
lia . Havendo uma reunião, não se tolera que se esqueçam
de convidar todas pessoas auigas. O namoro é cousa que
já vai sendo tolerado, especialmente pelas mães, mas o pe
dido de casamento tem certas formalidades. Raras vezes
pretendente vai , manda uma pessoa amiga, ou envia uma
carta. Sendo acceito , marca-se ao noivo a primeira visita
para a noute que se segue e serve-se um chá no qual tomam
parte os parentes e amigos dos nubentes. O pai da noiva
fornece o enxoval e o leito de nupcias, o noivo todos os ou
tros objectos domesticos. Gravida a mulher, é dever do ma
rido convidar logo os padrinhos do futuro filho, recahindo a
primeira escolha sobre os avós. E' uma sociedade severa
exigente e por isso procura-se a todo transe evitar actos que
possam ser julgados maliciosos, mas debaixo de toda essa
austeridade de costumes, ha muita bisbilhotice, muito me
xerico alimentados pela criadagem . A qualidade por excel
lencia do parahybano é ser obsequiador com os forasteiros e,
no sertão, acolher bem o viajante é preceito religioso em
virtude da regra : « dar pousada ao peregrino » . As diver
sões familiares são o baile e os serões em familia, nos quaes
se cantam modinhas ao violão ou ao piano. Em toda a parte
- 91

do Estado a festa religiosa do padroeiro tem uma ruidosa


parte profana, de fogos e musicas. O povo rude diverte-se
com uma armonica, senão dançam côcos ou samba ; o pri
meiro, que é commum ao littoral e aos engenhos, consiste
pum canto, rimado ou não, com uma resposta em côro, com
passada á palmas ; assim um canta :
Olha a roza amarella

Côro

Rosa !

Tào bonita e tão bella

Côro

Rosa !

O samba é sempre ao som da viola, acompanhado com 0

bater de uma chave numa garrafa botija » , cantando o tu


cador algumas quadras a que chamam lôa :
« Menina, dai.me uma lima
Da limeira dos teus pais ;
Dai- me uma, dai-me duas
Dai-me tres, não quero mais !
« Uma cousa me admira,
Chega a fazer confusão :
E ' o trem correr na linha
Sem braço, sem pé, sem mão . »
Nessas occasiões, ás vezes, chega um outro trovador e o
desafio começa com este :
« Senhor Mapé Cabaceira ,
Me louve e me trate bem ;
Me diga , meu moço honrado
Orde vai , p'ra onde vem ...
Do pilão que piso milho
Pinto não come xerem
E eu não vou criar gallinhas
P'ra dar capão a ninguen ! »
01 esta :

« Por este mundo onde andei


Nunca encontrei cantado ;
Dei surras de fazer do
E até Romano apanhô . >>
92

E a resposta :
« Você só fala em Romano
Porque elle já znorreu ;
Mas Deus sabe e você sente
As pizas que elle lhe deu. >>
Cada trovador compõe sua toada, e dào é raro que varias
vezes componba a letra e musica do canto religioso a que cha
mam bemdits Mas todas essas musicas, por mais originaes
que pareçam , sejam as dos bemditos, dos côcos, dos desafios, das
emboladas, do aboio , etc. , têm sempre a tonalidade menor,
ou a languidez deliciosa de um começo de volupia e lem
bram o fado portuguez.
Dentre os brinquedos populares, ha o de birca
de mar, de origem portugueza ; o waracatú de procedencia
africana ; o bumba meu boi e o caboclinho, creação brazi
leira, devendo o primeiro ter sua origevi ou na Babia, ou
en
Pernambuco, ou Parahyba. O maracatú, é grotesco e
surdecedor ; o caboclinho , recordação dos primeiros contactos
do europeu com o selvicola brazileiro, é gracioso : além de
falas sempre acompanhadas de danças que primam pela fle
xibilidade do gesto, acompanha o toré de uma gaita de ta
boca. De todos, porém , é digno de nota o bumba meu boi,
comedia bnrlesca de costumes do Brazil colonial ; embora já
esteja hoje muito adulterada, nella se notam ainda os typos
do senhor de engenho autoritario e ignoran'e, do caboclo
apalermado, do cirurgião charlatão, do africano que fugia,
do capitão de campo, do rabula , das superstições referentes
a burrinhas, caiporas, etc., girando tudo isso no eogenbo, e
em torno do boi, como que a traduzir que deste animal é
que procediam as riquezas e o sustento de todos os individuos.
No que diz respeito ás modas, a sociedade parabybana
regula -se sempre pelo figurino de Pariz e do Rio , logares
que fornecem , além dos artigos elegantes, os livros em que
a mocidade e os estudiosos adquirem noções dos sciencias ,
letras e artes. Sendo essa sociedade pobre, com pequenos
capitalistas, nào ba fausto, embora alguns iipitadores primem
por ostentar um luxo caricato.

Vias de communicação e transporte

Além da via maritima, para communicação com o paiz


e com o estrangeiro, tem o Estado uma rede ferrea muito
reduzida ainda , vão satisfazendo ás necessidades dos muni
cipios do sertão. Começa a via - ferrea na villa de Cabedello,
atravessa os municipios da Capital, do Espirito Santo, onde
se bifurca seguindo um ramal para o sul atravessando os
municipios de Pilar, Itabayanna, neste ponto liga-se o ra
mal de Campina Grande que atravessa o municipio do
93

Ingá. Do Espirito Santo continúa a linha para o NE,


atravessando os municipios de Pilar, Guarabira e Cai
çara ; de Mulungú parte o ramal de Alagôa Grande e de
Guarabia (ern Itainataby) o de Picuky. Assim a Capi
tal se cominunic + por via ferrea com o Recife e Natal, e
com Alagoas. Tem , portanto, a Uniảo na Parahiba 320 kilo 1
metros de via - ferrea. além de 120 em construcção , trecho
que brevemente ligará Guarabira a Picuhv. () Estado pos
sue 6 kilometros de via - ferrea ligando a Capital á Tambaú.
A primeira companhia que construiu a linha ferrea Conde
d'Eu, ligando a Capital á Independencia, hoje Guarabira,
foi a « Conde d'Eu Railway Company » , que iniciou os tra
balhos em 9 de agosto de 1880, correndo o primeiro com
boio em 30 de abril de 1881. Teodo terminado o contrato,
entregou o trafego ao governo do Paiz e este o arrendou á
« Great Westeru Brazilian Railway » . Além da via - ferrea
são principaes meios de communicação as estradas reaes,
todas em máu estado de conservação.
GUERRA DOS MASCATES
Genese da falsa
tradicção do 10 de novembro de 1710
PELO

Dr. Vicente Ferrer de Araujo


SOCIO CORRESPONDENTE DO INSTITUTO
Guerra dos Mascates

Genese da falsa tradição do 10 de Novembro de 1710

Quem estuda a formação de uma lenda, desde seu inicio,


sabe que ella dimana de facto real , truncado, no tempo ou
no espaço , pela tradição verbal ou escripta .
Quando, no transcorrer dos seculos, encontram -se ele
mentos, objectivos ou subjectivos, analogos aos que lhe deram
origem , occorre localizar -se a lenda, em diversas partes, ou
applicar-se a differentes pessoas.
Entre innumeros factos, basta citar aquella vulgarissima
historia do habitante de Lisboa que ia barbear-se a Almada,
pagando a travessia do Tejo, porque ali o barbeiro abatia
cinco réis no serviço.
Historia identica refere-se de morador do Rio de Janeiro,
que ia a Niteroi, e até de um do Recife, que ia barbear-se
á Olinda, pagando a viagem em capoa.
As lendas patrioticas e religiosas estão sujeitas a egual
processo, mais susceptiveis de truncamento, pela complexidade
de seus elementos.
dinda em referencia a obras e escriptores conhecidos e
apreciados, ha mistificações e confusões, propositadas ou acci
dentaes.
As trovas de Crisfal, até 1909, foram attribuidas a Chris
tovam Falcão, ignorante gentilhomem , que nunca fizera uma
quadra, quando são incontestadamente de Bernardim Ribeiro.
Não foi possivel verificar, até agora , se o Gil Vicente
poeta e o Gil Vicente ourives formam um só individuo, ou
devem ser desdobrados em dois .
Cremos ter mostrado, no trabalho com que concorremos
para o Primeiro Congresso de Historia Nacional, ser
inteiramente falsa a precursão attribuida a Bernardo Vieira
de Mello, não ser real a proposta de 10 de Novembro de
1710 , feita em imaginaria sessão do senado da camara de
Olinda .
O argumento base a que se apegou o nativismo feroz,
intolerante e calumniador, foi a obra Martyres Pernambucanos,
do padre Joaquim Dias Martins.
Devemos notar que se não pode affirmar se effectiva
mente os Martyres foram escriptos, no todo ou em parte, pelo
98

padre Martins; e se , depois da sua morte, soffreram qualquer


interpolação oa addição.
Demos, entretanto, como certa a autoria do padre, que se
afigura um desastrado, quer em apurar as tradições, quer
mesmo versando sobre factos contemporaneos .
E' , nestes, categoricamente desmentido por Antonio
Joaquim de Mello, e, o que é mais admiravel, pelo proprio
autor da Idéa Republicana no Brazil. ( Mello, Biographia de
Natividade Saldanha, pag. 12 ; Idéa Republicana citada, pag. 93 ).
Quaes as circumstancias que abriram espaço ás falsas e
declamatorias affirmativas do padre Martins ?
Respondemos : - as tradições que circularam em Per
nambuco, sobre o movimento revolucionaric do Maranhão, ini
ciado a 24 de fevereiro de 1684, de que foi chefe Manuel
Beckman .
Beckman era reinol (um João Fernandes Vieira, mais il
lustrado e honesto, e, por isso mesmo, menos feliz ), e vin
culára -se a nobreza da terra, pelo seu casamento ( 1 ).
A revolução de 1684 foi obra de nobres, que, allegando
hyperbolicos serviços na expulsão dos francezes, levantaram -se
contra o governador Ignacio Coelho da Silva, acoimado de
despotico e violento , pela creação do estanco ; e contra os
jesuitas, que impediam a escravização dos indios fôrros.
Na reunião de 24 de fevereiro, na cerca dos religiosos
de S. Antonio, em S. Luiz, Beckman, arengando aos con
jurados, disse que os revoltosos tinham idoneidade e expe
riencia para se governarem independentemente e como qui
zessem .

( 1 ) Manuel Beckman e João Fernandes Vieira foram contemporaneos . Este


morreu em 1681 .
Quaesquer que fossem os defeitos daquelle, valia mais , pela intelligencia e
moralidade, do que Vieira ,
Este seria muito capaz da traição de Lazaro de Mello , alias , um nobre .
Mau e astucioso , como soem ser os primeiros productos da mestiçagem . Vi.
eira , para attingir seus fins, mandava assassinar a quem lhe fazia sombra, não
respeitava a honra das mulheres, e lançava mão do alheio contra a vontade do
dono . Desceu até a vilezas de rufia, defraudando as infelizes, que se lhe en
tregavam e a seus filhos .
Almoedou todas as posições que occupou em Pernambuco, Parahyba e An
gola .
Traiu sempre os amigos, portuguezes e hollandezes .
Immoralissimo, a ponto de afrontar a esposa nobre, jovem e bella , concubi
nando - se com as escravas no proprio lár, alem de tres mancebas , teudas e man
teudas ; sem nenhuma qualidade affectiva ; era o typo acabado do mulato burlão
c esperto , mettendo -se com os brancos , para mistifical-os .
O maior crime da
nobreza pernambucana foi justamente deixar-se chefiar por quem não passava
na realidade de um agente prorocador estipendiado.
O que acabamos de expor , está comprovado por innumeros documentos au
thenticos, pelos escriptos de contemporaneos ; e tem a consagração quasi oftical
do Instituto Archeologico e Geographico Pernambucano, approvando e mandando
publicar, à sua custa, a obra do dr . Francisco Augusto Pereira da Costa 1
João Fernandes Tieira ilu : da historia e da critica ,tremenda synthese de to
dos os crimes, traições e desatinos do intitulado restaurador de Pernambuco e da
agreja ainericana .
Resta que o Instituto coherentemente o faça apear da iconostase de nossa his .
toria .
Reconhecendo a realidade das äccusações feitas a Vieira, outro não pode ser
o seu procedimento .
99

Ainda na sessão da junta dos três estados, disse : « se o


rei natural não os amparasse (aos revoltosos), pa atroz perse
guição que lhes faziam o governador e os jesuitas, irião buscar
a protecção de um rei extraphor. ( Como o Maranhão tivesse
estado sob o jugo do rei de França, até 2 de novembro de
1615, é muito possivel que a este se houvesse referido).
Quiçá principalmente por suas palavras imprudentes, foi
considerado réo do crime de lesa majestade, primeira cabeça,
condemnado á morte e executado no dia 2 de novembro de 1685 .
As noticias do movimento do Maranhão deviam ter che
gado a Pernambuco com larga demora, consoante a falta de
publicidade e difficuldade de communicação.
No caso, porém , deu- se a circumstancia de vir degre
dado para Pernambuco Thomaz Beckman, irmão de Manuel
Beckman ( que ali residiu alguns annos), cuja pena de morte
fôra commutada em degredo perpetuo.
Por isso, os factos da revolução de 1684 , ainda os mais
secretos, tiveram larga circulação no Recife, sobretudo entre
os nobres, que assás deviam sympathisar com o movimento.
Diga-se : Castro Caldas e mascates, ao envez de Coelho
da Silva e jesuitas, e encontrar-se-ão flagrantes analogias entre
a rcvolução de Beckman e a guerra dos Mascates.
As palavras proferidas por Beckman eram repetidas, já
alteradas, pelos nobres de Pernambuco, ainda em 1711, como
applicaveis a essa capitania. Basta attentar no que disse André
Dias a Leonardo Bezerra e seu irmão José Tavares de Olanda,
em um jantar na Piranga. ( Calamidades de Pernambuco,
pag. 79).
26 annos depois do movimento de Beckman, occorreu a
guerra dos Mascates .
Findo o periodo revolucionario, concorreram paralela
mente as tradições dos dois movimentos ; e, no decurso de mais
de um seculo, truncaram -se e confundiram -se, e applicando-se
ao movimento de Pernambuco aquillo que era do alienigeno.
Eis a tradição, no nosso pensar, vebiculada pelo autor
dos Martyres.
Si o padre Martins não passasse de chronista louvami
nheiro e de apologista soez, ter-lhe-ia sido facil apurar a ver
dade, pela destrinça das tradições.
Consultaria os chronistas contemporaneos dos dois mo
vimentos, e chegaria ao perfeito conhecimento das obras e
palavras de Beckman e de Bernardo Vieira.
Mas, ao contrario, no intuito de ser agradavel á nobreza
do seu tempo , seguindo o exemplo de muitos historiadores
antigos, inventou a proposta de Bernardo Vieira de Mello ,
amalgamando tradições e mettendo ainda ali, a fortiori, a
destruição dos Palmares !
Aquillo é tanto de Bernardo Vieira, como os discursos
que o mercenario frei Raphael de Jesus põe na bocca de
João Fernandes Vieira , um quasi analphabeto. Isto não era
100

de admirar nelle, quando o grande Pizarro nem o nome sabia


assignar.
Frei Raphael chegou a ponto de mentir sobreposse, dando
a Vieira logar na defesa do forte de S. Jorge !
E' tảo absurda e tão desconchavada a proposta de Ber
nardo l'ieira, não tendo a derida ligação, que é facil deter
minar até o que é obra original do padre.
Analysemos :
Bernardo queria uma republica ad instar dos venezianos ...
Isto se nos afigura original do padre, porque, em innu
meros documentos compulsados, nas chronicas e escriptos,
não lemos una só palavra a respeito!
E ' possivel que Bernardo soubesse da existencia de Ve
neza, mas duvidamos muito que lhe conhecesse as leis. Te
mos bastas vezes, lido a sua biographia.
Em nenhum dos movimentos revolucionarios anteceden
tes a nossa emancipação, cogitou -se de republica a moda
l'enezian ,
que se aproreitariı do recente exemplo dos Palmares .

O aristocrata ahi descia já, da republica á moda de


Veneza para aproveitar -se do exemplo dos calhambolas de
Palmares que, no dizer dos aristocratas e do gorerno de en
tào, viriam do assassinio e da rapina
Como iria referir - se a Palmares um dos seus assediado
res, que obrigou quasi todos os homens a morrerem de fome
ou precipitados nas furnas de Atalaia ; que , na venda das
mulheres e meninos, não satisfeito de sua parte, ainda fi
cou com a do governo ?
Como se comprehende que o espirito cruel e ganancio
so de Bernardo Vieira, fosse capaz de aquilatar a grandeza
de alma e o heroismo dos valentes negros de Palmares, e
lhes quizesse aproveitar o exemplo da desesperada defesa e
resistencia ?
( Bernardo foi o homem que calmamente deixou a pro
pria esposa assassinar a nora, empregando para isso, simulta
neamente, tres meios de realizar o intento homicida ! Po
dia ser um assassino, um heroe, nunca !
Elle, diz um escriptor, extinguiu até as ruinas da po
voação dos Palmares, mas ficou a memoria dos negros, mui
to mais corajosos do que a maioria da nobreza desses tempos !
no caso de desgraça, entregar - se aos polidos e guerrei
ros francezes, do que servir aos grosseiros, malcreados e
ingratos mascates .
A entrega aos polidos jrancezes é tradicção do movi
mento de Beckman , porque somente os maranhenses podiam
falar, com tanta certeza, da polidez franceza.
101

Os francezes occuparam o Maranhão de 1594 até 2 de


novembro de 1615 .
Bernardo Vieira devia conhecer algum francez, trafican
te ou pirata, mas nunca esteve na França , nem em tal con
tacto com francezes, que pudesse verificar a polidez.
Livros francezes não os havia. Pensamos que dos no
bres de 1710, pouquissimos teriam conhecimento da lingua
franceza .
Não nos admira o procedimento do padre Dias Martins !
Pelo máu exemplo dos antigos historiadores, pelos de
feitos de educação e pela estreiteza do meio, considerava a
historia uma especie de agiographia laica, onde era possivel
enxertar tudo em prol da individualidade, que se desejasse
louvaminhar !
Ainda no dia 10 de novembro de 1890, Maximiano Ma
chado, um espirito superior, critico consumado, historiador,
geographo, publicista , nos antigos paços do senado da cama
ra de Olinda, repetia em phrase tersa que ali, na manhã de
10 de Novembro de 1710, Berncrdo Vieira, de espada á cin
ta e de olhos vivificantes ao sol da equador, ergura o brado
mognan mo de independencia republicana, o primeiro brado
levantado na America .
Foi a fraqueza de Galileu . sem a ulterior confissão do
E pur si mu ve porque, em obra ulterior, dá o facto
.

occorrido em 27 de junho de 1711 , isto é, quando Bernar


do Vieira estava preso, no Re
Lisboa 29-4-1.915 .
O Brazil no Imperio Hespanhol
Conferencia realizada no Instituto Historico
a 5 de junho de 1915
POR

GONÇALO DE REPARAZ
O BRAZIL NO IMPERIO HESPANHOL

Houve um imperio hespanhol do qual durante 60 annos


o Brazil fez parte. Foi o maior do mundo, e os seus ini
· migos chegaram a recear (ou muito bem souberam fingir
esse receio) que elle viesse a dominar toda a Terra.
Que foi o Brazil pesse imperio ?
Que foi o imperio para o Brazil ?
Eis duas questões, dois problemas historicos que bem
merecem a vossa attenção, e que penso não tenham sido até
hoje objecto de especial estudo .
Nem na presente conferencia o posso fazer com a ex
tensão e com a abundancia de noticias que elles pedem , e que
eu desejaria. Bem mais modesto é meu programma no mo
mento presente Peregrinando pelo mundo faz mais de dois
annos ; longe dos meus livros e de papeis em que trabalhosa
mente reuni o fructo de muitos lustros de estudo, ſe encarando
diariamente com pavor a possibilidade de os ver apniquilados lá,
no Paris remoto em que os deixei, pela boinba de um Zepelin)
é quasi exclusivamente o armazem da minha memoria o for
necedor dos elementos desta oração. Considerai- a, pois,
como eu a considero, prólogo apenas de uma obra mais seria
e mais ponderada : prólogo que a resume nos seus traços
essenciaes e na sua tendencia , e que terá pelo menos a van
tagem de despertar a curiosidade dos verdadeiros eruditos, e
de attrahir para uma util e agradavel materia a attenção dos
que, como Vossas Excellencias, são dellas sabedores . Isto
por si só bastará para desculpar o atrevimento, que franca
mente confesso, de me apresentar perante esta illustre as
sembléa tão desprevenido .

a ) Cnidade da historia hispanica .


Começo declarando que para mim a Hespanha, a grande
Hespanha do tempo de Roma, do imperio visigotico, da 7 vezes
secular Reconquista, a que depois se expande pelo mundo inteiro
descobrindo mares e continentes, e circumpavegando o pla
neta, é uma unica nação caja casa geographica abrange toda
a Peninsula ; que a scisão politica em dois Estados não
106

quebrou essa unidade, e que a vida historica do povo pe


ninsular não pode ser fragmentada sem ficar incomprehensivel.
E é fragmentada, quer dizer incomprehensivelmente, que
ella se escreve !
E por ser assim escripta é que a Hespanha Maior ficou
reduzida á categoria de abstracção apenas percebida pelos
grandes historiadores : Oliveira Martins, Herculano ; pelos
literatos romanticos : Almeida Garret ; pelos poetas, princi
palmente por Camões, o cantor da epopea das descobertas,
para quem t3tus foram obra de

“ Uma gente fortissima da Hespanha "


Notemos que esta percepção da unidade do imperio é
principalmente portugueza. Vemos os grandes poetas cas
telhanos como Lope da Vega e Tirso de Molina tomar para
as suas obras, com o caracter de nacionaes, isto é, de hes
panholas, episodios da Historia de Portugal; escriptores por
toguezes escreverem em castelbano, como Camões que nesta
lingua nos deixou alguos bellos sonetos, e como muitos dos
quinhentistas ; vemos tambem classicos portuguezes figurarem
entre os mestres da lingua de Castella, como acontece com
D. Francisco Manoel de Mello : o que não achamos é um
escriptor castelhano escrevendo modelarmente o por uguez,
nem um historiador daquella procedencia inspirado no ver
dadeiro nacionalismo. Para o historiador hespanhol, come
çando por Lafuente, a unidade nacional fizeram -na os reis
Catholicos. No seculo XVI — na grandeza -- a Hespanha foi
uma forte unidade espiritual . Depois na decadencia – a
unidade espiritual desapareceu, e com ella a consciencia da
solidariedade entre os restos do immenso edificio derruido .
São bem infelizes os povos que ignoram a propria His
toria, porque elles caminham para o futuro ignoto sem guias
e sem luz !

b ) A geographia do imperio .
Diversas causas concorreram para a ruina do imperio
hespanhol. Talvez a mais decisiva foi a scisão peninsular,
a qual teve como consequencia immediata a scisão da
America iberica .
Mas o que vinha a ser o imperio hespanhol ?
Geographicamente era uma cousa enorme.
Na Europa comprehendia a peninsula iberica, a maior
parte da peninsula italiana, o Franco - Condado, uma parte da
França meridional de hoje, a Belgica actual com mais al
guns districtos que a França conquistou e aunexou a seu
territorio na segunda metade do seculo XVII . Como tambem
contava com a cooperação do imperio allemão, todas as forças
da Europa Central The obedeciam .
107

Na Africa, na Asia e na Oceania extendia - se poio li


toral barbaresco, de Tunes a Tanger (no Estreito de Gi
braltar) e dalli para o sul até o cabo de Bộa Esperança,
donde volvia para o norte até o Guardafui, seguindo por
Ormuz e o Golfo Persico, o Indostão, o Estreito de Malaca,
as Molucas e as Filipinas. O governador destas, D. Se
bastião de Sinde, informou a Filipe II de que por noticias
fidedignas, lhe constava haver alli perto um imperio vastis
simo e populosissimo chamado a China, pedindo licença a
Sua Majestade para o conquistar. D. Filipe, prudente
mente, respondeu « que não fizesse tal, que não seria disso
bem servido porque tinha terra demais . »
Para além das Filipinas, rumo a occidente, extendia
se, cheio ainda de misterios, o immenso Oceano Pacifico ,
grande elle só como todos os outros junctos, e maior que
todos os continentes. O imperio incluia-o nos seus dominios.
Vasco Nunes de Balboa descobrira-o nos começos do seculo
( 1511 ) e Magalhães sulcára --o, antes que nenhum outro na
vegante, 10 annos depois, completando a primeira viagem de
circumnavegação. Ambos morreram desastrosamente : o pri
meiro degolado ; o segundo num combate com os solda
dos do regulo de Mactan . Nem sempre a fortuna favorece
s
os audacioso !
Balboa e Magalhães caminhavam do oriente para oc
cidente : aquelle atravez das montanhas de Darien ; este pelo
Estreito por onde, ao sul do continente, se abre a commu
nicação entre os dois mares, o Atlantico e o Pacifico . Se
guiam o rumo que Colombo sonhára descobrir ; rumo errado
para ir as Indias, cortado pelo maior dos continentes e o
mais vasto dos oceanos . ( ) erro de Colombo deu ao im
perio hespanhol o seu mais bello florào : o Novo Mundo.
Extendia - se este na época de que falo (ultimo terço do
seculo XVI) desde a California Continental até a terra do
Fogo. As suas partes mais conhecidas e exploradas eram :
o Mexico, que Cortez submettera ; a terra dos Muiscas, ou
sejam os planaltos e serras de Cundinamarca ; o imperio do
Perú . Do Brazil ainda se não sabiam as riquezas mineraes.
Já Orellana fizera a sua famosa viagem de Quito á foz do
Amazonas, e constava que por alli corria um rio portentoso ,
sem igual no mundo. Mas o descobridor só trouxera noticias
de florestas immensas, de tribus barbaras e bellicosas. De
grandes imperios e de minas de ouro como as das regiões
andinas nada positivo . Lendas, muitas.

c) A fraqueza do imperio .
Tão vastos dominios escapavam á toda estatistica; ter
ras e homens pareciam incomensuraveis e inclassificaveis . Era
incrivel a variedade de climas, de producções, de raças
e de linguas. O colosso abrangia quasi toda a Terra, e os
108

que na Europa o combatiam para o destruir ( e uma vez

destruido herdal-o), acusavam -no de querer subjugar o mun


do todo, e fingiam grandes sustos, receios infinitos, origem de
successivas coligações europeas que a Inglaterra astuciosa e
infatigavelmente organizava em nome da civilização. • para
defender a Bélgica invadida pelas tropas de Filipe II !
Nihil novum ! ...
Nåo baveria tanto susto si a herança provavel não fisse
tão rica . ( gigante era enorme mas estava oco . Esqueleto
coberto apenas pela pelle, sem musculos nem sangue ! Só
o dominio do mar lhe podia dar força e tornal - o invencivel.
O mar, para a potencia que o possue, não é um fosso que
separa ; é um feixe de infinitos caminhos que ligam e for
tificam . O mar proprio é o melhor dos ligamentos entre as
differentes partes de um insperio. E tambem o maior e
mais invencivel obstaculo ao desenvolvimento de qualquer
rival : porque a superioridade maritima é a resultante de
muitas outras superioridades, e, portanto, só se alcança depois
de um longo acumular de trabalhos, e de uma capitalização
copiosa , sinthese de outras victorias parciaes. Quem toma a
dianteira neste « aminho conserva-a muito tempo. E o caso
do imperio inglez, o qual possue abundantemente a riqueza
e a potencia maritima de que careceu o seu predecessor o
imperio hespanhol.

d ) A constituição imperial.
Mas este corpo fraco alentava um grande espir to. A
Hespanha tinha idéas proprias pa philosopbia, na politica, na
sociologia, va literatura, e aplicava - as coiu a mais ingenua
rigidez, porque era crente e estava saturada de fé . Politi
camente julgava - se o povo escolbido de Deus no Novo Tes
tamento , como o povo israelita o fôra no Antigo. A sua
missào historica era defender a Igreja de Christo, e fazer
d'ella a Mestra e guia da humanidade. A espada da Hespanha
venceria turcos e bereges e os esteriinaria, se preciso fosse ;
e os missionarios hespavhres levariam as luzes do Evange
lho aos milhões de iufelires selvagens, cuja salvação Deus
confiára ao novo povo eleito . Eis a doutrina. Era simples
mente uma fórmula de civilização que falhou . Contorve com
ella foi a vida do imperio. Vel -1 -hemos principalmente no
Brazil .
O imperio era uma federação. Cada um dos reinos con
federados tinha a sua constituição propria e a sua adminis
tração particular. Castella , Aragao, Catalunha e Portugal
reuniam as suas Côries, que o Rei convocava e ire - idia .
Elle era a nação. Cada uma dessas Cortes votavaru con
tribuições diversas que diversamente pagavain o povo, ano
breza e as cidades e villas . Nem mesmo na constituição re
109

ligiosa havia a rara unanimidade que os mal informados


pensam . A doutrina. sem duvida era a inesma, mas as ins
tituições que a representavam nem sempre foram aceitas fa
cilmente. Impôr a Inquisição aos aragonezes custou tempo e
sangue. Era « contra - fuero », e o primeiro inquisidor, Pedro
de Arbués, morreu assassinado .
Filipe I reagiu contra os excessos do federalismo
vendo nelles, com razão, uma causa de fraqueza. Esta rea
cção estava, mais que no seu proprio caracter (mal com
prehendido) no espirito do seu tempo. As nações sabidas da
anarchia feudal tendiam para a expansão geographica e para
a affirmação da autoridade régia, sendo a monarchia a forma
expontanea da vontade popular . Eis porque nem povos , nem
politicos eram absolutistas, principalmente no imperio hes
panhol, onde o espirito da Igreja tudo inspirava. O absolu
tismo é um producto da velha antiguidade transmitido aos
tempos modernos atravez do temperamento francez sob tres
manifestações differentes de um só cezarismo verdadeiro :
Luiz XIV , o Terror, Napoleão.
Os grandes escriptores catholicos - e a Hespanha pro
duziu alguns dos maiores, Vitoria, por exemplo – eram opos
tos á tirania. quer dizer ao soberano superior ás leis. Ma
riana, Rivadeneira ( insignes publicistas da Companhia de
Jesus) e D. Francisco de Quevedo escreveram valentemente
contra o poder absoluto. () P. Mariana chegou a discutir a
questão de ser ou não licito matar o tirano. Filipe II
governava catholicamente uma monarchia catholica inspirada
nessa doutrina. E elle estava tão longe de querer governar
contra a lei, que foi, de quantos monarchas se assentaram no
throno da Hespanha, aquelle que maior numero de vezes
convocou as Côrtes ( embora os povos d'isso não gostassem)
e que por mais tempo as teve reunidas.
Algumas vezes, porém , as leis o incommodavam . Mas
para as atacar invocou sempre pretextos juridicos. Tal acon
teceu quando Aragão se revoltou em favor de Antonio Pe
rez ; todos então pecaram : el-rei , Antonio Perez e os ara
gonezes ; el - rei talvez mais gravemente do que os outros .
Filipe II não fez nenhuma outra tentativa contraria
á autonomia dos seus reinos. E' verdade que naquella data
( 1592 ) estava no fim da sua carreira.
Portugal nào foi absorvido por Castella, como não o
fóra Aragào . Ficou confederado, com as suas leis especiaes,
o seu governo autonomo residindo em Lisboa, e o seu con
selho particular em Madrid, constituindo uma especie de
Ministerio que el-rei consultava. Nos casos graves os prin
cipaes fidalgos eram chamados a Madrid para serem ouvidos,
ou para ouvirem ao governo central, como o fez Olivares
pouco antes da separação.
O pacto federalista fôra feito nas Côrtes de Thomar
entre el-rei e o povo portuguez. Nelle estão as raizes do
conflicto que acabou, infelizmente, com a unidade do impe
-
110

rio prostrando-o aos pés dos seus inimigos. Portugal aspirava


a ser cabeça, mantendo ao mesmo tempo a sua personalidade.
A monarchia representava o principio da unificação, mas
queria tomar a Castella por eixo e centro do sistema. Nas
Côrtes de Thomar, Portugal pediu a el-rei que residisse em
Lisboa quanto tempo The fosse possivel, que o principe
herdeiro fosse educado por professores portuguezes é que
aprendesse a lingua portugueza ; que fossem sempre portu
guezes os que governassem o reino e as suas colonias . Os
successores de Filipe II conservaram - se castelhanos de
mais. O Conde- Duque de Olivares, ministro de Filipe IV ,
quiz unificar a monarchia segundo o sistema francez. Pa
rece-me que tomou Henrique IV como modelo. Esta poli
tica unitaria, practicada sem talento, deu a um grupo de
fidalgos o pretexto da revolução separatista de 1640 .

e ) O Brazil no imperio hespanhol.


Filipe II ficou em Lisboa dois annos e meio estudan
do os negocios do seu novo reino, aos quaes deu toda a
preferente atenção que mereciam. Possuia aquelle soberano
uma capacidade de trabalho extraordinaria . Tudo lia, tudo
commentava por escripto, em tudo intervinha pessoalmente ;
e era tảo assiduo no exame dos assumptos do Estado como
inaccessivel ás recommendações, e indeciso para resolver. Os
archivos hespanhoes, principalmente o de Simancas, contém
innumeros documentos annotados de seu punho.
Quantos d'estes se referem á Historia do Brazil ? Eis
uma pergunta a que, por em quanto, ninguem pode responder.
E ' opinião quasi unanime dos historiadores que a união
de Portugal a Castella determinou a ruina do imperio colo
nial lusitano ou que, pelo menos, a acelerou . Esta opinião,
julgo - a errada.
Ja desde muito antes os piratas do Norte da Europa
tinham declarado Portugal bca preza. Excellente mesmo
por a verem tão facil. Portugal instintivamente viu a sal
vação na incorporação a Hespanha. E essa incorporação
não evitou a ruina, mas, em vez de a acelerar, demorou-a.
Filipe II foi bem acolhido porque representava o quinto
imperio, debelador de infieis e exterminador de piratas.
Todos os elementos conservadores da sociedade portugueza
expontaneamente o seguiram . (). Prior do Crato (homem
aliás muito mediocre) ficou sendo o representante de uma
demagogia aliada ao estrangeiro, quer dizer ao pirata.
Mandou cartas ás Camaras e aos governadores do Brazil
pedindo que o reconhecessem como Rei . Vieram em náos
francezas, o que para os brazileiros daquelle tempo era
como si o diabo as trouxesse. Ninguem o quiz seguir,
Filipe unanimente aclamado, e este soberano assim
- 111

introduzido — tão facilmente na amizade dos brazileiros


mostrou a sua habilidade politica aproveitando o primeiro
ensejo de entrar em correspondencis directa com elles .
Repellidos em Rio por Salvador Correa os francezes (as tres
náos portadoras das cartas do Prior) logo el-rei escreve ao
vencedor louvando o serviço e agradecendo - o, o que de
parte de monarcha tão poderoso, tào severo e tão occupado
foi assignalada honra de que Salvador Correa ficou muito
satisfeito .
Ainda estava D. Filipe em Lisboa quando ruzou o
Oceano a poderosa armada de Flores Valdés. Destinava - se
ao Rio da Prata , porém uma parte d'ella, cumprindo prova
velmente ordens que trazia, ficou em Rio com o almirante
Diego de Rivera * Pedro Sarmiento. Pouco depois ( 1583)
veio a armada de Telles Barreto, e com ella instrucções sobre
a procura da Serra das Esmeraldas, de que Adorno era sa
bedor. Via-se expressa nessas instrucções a esperança de
grandes minas como as de Mexico e Perú . Veiu tambem
nesta frota uma nova orientação financeira . A receita da
colonia orçava por 31.000 cruzados, dos quaes perto de um
terço se remettia a Lisboa . O povo governo mandou que
tudo se gastasse no Brazil . Preocupavam a el-rei a situação
precaria d’este paiz; e a necessidade de o defender contra
as continuas agressões de inglezes e francezes. Quiz reme
diar ambos os males.
Era evidente o retrocesso da colonia, e contrastava com
o progresso das de Castella. Só Pernambuco e Bahia go
zavam de uma certa prosperidade. Em Pernambuco havia
2.000 colonos e 1.000 escravos . Mais de 100 daquelles
tinham rendimentos que passavam de 5.000 cruzados, e
havia-os de mais de 10.000 . Mas como eram muito gasta
dores, vivendo com grande ostentação e vaidade, e o custo

da vida era muito elevado, todos tinham dividas, estando


por isso a fortuna colectiva como que no ar, e a economia
social exposta a devastadoras crises. Havia 66 engenhos que
lavravam por anno 200.000 arrobas de assucar, para cujo
transporte mais de 40 navios eram necessarios. Os colonos
da Bahia eram 2.000 com 4.000 escravos e 36 engenhos que
lavrayam 120.000 arrobas. A vida a mesma que em Per
nambuco.
Ilheos, Porto Seguro e Espirito Santo estavam em de
cadencia. Nesta ultima havia 6 engenhos. Em Rio só 3 ,
e 150 colonos. São Vicente, que chegára a possuir 600,
estava reduzida a 80. Itanhaem achava-se quasi despovoada.
Em Santos faltavam braços. O total de engenhos no Brazil
era de 120 com uma producção de 700. mil quintaes que
prefaziam 70.000 caixas.
Os colonos, em tảo reduzido numero, como fica dito, e
disseminados em vastissimo espaço, viviam no perpetuo
susto dos perigos que os cercavam : de um lado o sertão
immenso e desconhecido, com os seus indios ferozes : do outro
112

o mar infinito, com os seus piratas, não menos ferozes que


os indios. Estavam sempre é Gabriel Soares quem nol - o
diz com o fato eutrouxado para recolher ao mato , como
o faziam com a vista de qualquer náo grande, temendo se
rem corsarios .
O governo imperial comprehendeu que do seu dominio ultra
marinoa parte mais ameaçada, e a mais difficilmente defensivel,
era o Brazil, e que si este se perdesse, perder-se - hia indubita
velmente o resto. Factns e documentos o provam . Renun
ciou a mesquinha politica de considerar a colonia fonte de
receitas orçamentarias, e com mais altas vistas resolveu gas
tar os recursos do Brazil no proprio paiz.
Em 1584 chegou nova armada composta de 7 náos hes
panholas e duas portuguezas. Com ella se fez a expedição a
Parabiba do Norte, a qual começou com a queima ((cousa
inevitavel !) de 5 náos francezas. Feita a fortaleza, teve ella por
seu governador o castelhano Castejon com 110 homens da
mesma nação. A capitania de Sergipe del Rei, fundou - se
tres annos depois, começando logo a colonização de Alagoas,
e fazendo- se a seguir a ocupação effectiva do Rio Grande
do Norte. Esta foi muito especialmente recommendada por
Filipe II. Mandou que se gastasse pa empreza quanto
fosse preciso. A maior dificuldade veiu da aliança dos fran
cezes com os indios . Augmentaram - se as fortificações do
Recife, o construiram - se mais 5 fortes na Bahia. Seguindo
o mesmo programma politico fez-se, já em tempo de Fi
lipe III, a ocupação do Ceará. A do Maranhão, novo passo
para affirmar a posse do Norte brazileiro, e com elle a foz
do Amazonas , porta do continente e caminho provavel para
o Peru , é a mais illustrativa da minha these , e bem mere
ce capitulo especial.

Ao mesmo tempo que á defeza da costa, olhava -se ao


interior do continente procurando penetrar nelle e descobrir
The as grandes riquezas que se lhe suspeitavam . De grande
importancia foi a aventureira expedição de Diogo Soares ás
cabeceiras do rio São Francisco. Filipe II fez-lhe largas
concessões de terras, direitos e titulos. Soares acabou desas
tradamente, mas a sua aventura muito contribuiu para a ex
ploração dos sertões.
Parecido resultado deram as pretensões de Roberio Dias.
Foi este muito menos atendido por Filipe III , que o fôra
Soares por Filipe II , e morreu sem haver realizado as

suas viagens de descoberta, mas os governadores nem por


isso deixaram de fazer investigações no interior á procura de
tesouros mineraes cumprindo, é verdade, ordens da Côrte.
Os successores de Filipe II continuaram a sua poli
tica de ocupação do litoral norte do Brazil. Essa ocupação
cada dia se tornava mais urgente . Desde 15 4 Carlos de
Vaux e Jacques Riffault, dieppezes. tinham lançado no Ma
- 113

ranhão as bases de uma colonia. Os começos foram difficeis.


Não estava ainda a França, apenas convalescente das guerras
religiosas, para empresas coloniaes. Curou - a rapidamente Hen
rique IV, e as circumstancias eram mais favoraveis em 1612,
data da expedição de La Ravardière ao Maranhão. Não foi,
porém , feliz e teve de capitular embarcando para França
aos tres annos e meio da sua chegada.
Veiu este successo estimular o zelo do governo hespa
nhol. Cm ando depois da partida de La Ravardière fundava
Francisco Caldeira Castello Branco o forte de Nossa Senho
ra de Belém, origem da cidade do Pará . Os dois documen
tos seguintes que a laboriosidade do sr. Rodolpho Schuller
foi descobrir no Archivo de Indias de Sevilha, onde tantos
outros curiosos manuscriptos jazem ignorados, vão explicar
nos o alcance politico desta fundação :
77-3-18 Archivo Geral de Indias): 1 de Septiembre de
623. Decreto de Su Magestad. Guerra.
Con una Consulta del Consejo de Portugal sobre las
poblaciones del Marañon .
Vease con brevedad en la Junta de Guerra de Indias,
la Consulta inclusa del Consejo de Portugal sobre lo que
conviene enviar Governador al Marañon y capitan a la for
taleza del Para, y desa'ojar a los extrangeros que han ido
tomando pie en aquellas partes, y consulteseme lo que pare
ciere.

En Madrid a 1 de Septiembre 1623


Al Presidente de Indias
Señor. Bento Maciel Pariente, que está por capitão môr
na fortaleza do Pará, que dista de Maranhão cem leguas ao
Norte situada na boca do grão rio das Amazonas, em carta de
14 de Janeiro passado conta a V.“ Magestade de haver feito a
fortaleza que se lhe encarregou no mesmo sitio em que
Francisco Caldeira , seu antecessor, teve a cerca de madeira ,
por se julgar pelo mais conveniente, que tem 94 braças em
roda, hum baluarte com 4 peças de artilharia e um turrião
na esquinase, com casa par alo entocomde sua soldados
60 cav , e
sitio par a poderems fazera parajam200, a a roda
de 22 palmos de largo e 9 de alto, e que não tem dado fim
a toda a obra por lhe faltar gente, e muitas coisas necessarias
para ella e provimentos, de que tem precisa necessidade , e
se acha tão falto de fazenda , por haver gastado toda a que
tinha em sustentar os soldados que lhe não é possivel con
tinual-o. E lembra que convem que Manoel de Souza Deça
que lhe vae suceder, leve quantidade de munições, armas e
ferramenta , e cousas miudas de resgate , porque sem ellas
ficará sendo o trabalho de pouco effeito .
Dá juntamente conta Bento Maciel de aiguns rios e
portos que tem descoberto e de outros de que tem noticia,
e de se haverem tomado de ordem sua dous framengos, a
114

que se fizeram preguntas, a cada um de per si, e ambos


conformavão em que estrangeiros têm tomado pee em duas
partes chamadas Cuimena e Comorno, e que em cada uma
residem 12 soldados com 4 peças da artilharia, de mais que
na entrada da barra do rio das Amazonas da banda e junto
ao cabo do Norte estavam em huma povoação 150 soldados
Framengos, Pechelingues, Irlandezes e Inglezes posto que
não sabião se tiphào artilharia, e diziao aguardar neste mez
de Maio passado 120 naos grandes de mercadorias com 400
homens cada hua, que hião povoar aquella costa, da qual
tiravão pao de tinta, tabaco , carjurú , urucú, cujas, algodão
en
e outras mercadorias ; e refere Bento Maciel, que por
tender que aquelle sitio é o verdadeiro Maranhão desejou
de cometer e deitar delle os extrangeiros, mas que por falta
de embarcações e de gente que por vezes pediu ao gover
nador do Brazil, e se lhe não enviou deixou de o intentar e
fazer outros descobrimentos, e diz que um indio do Mara
nhão que estando preso se baptisou e foi chamado 1 ) . Luiz
de Souza e se acha em Lisboa é indigno da mercê que
pretende de S. M.
De ordem dos governadores se viu esta carta em Con
selho de Estado, e se fez consulta, em que se refere que
Gaspar de Souza, governador que foi do Brazil, declarou
que Bento Maciel não tinha qualidade para naquelle cargo
ser respeitado, e assim convinha que a hida de Manuel de
Souza Deça, que lhe vae suceder , se apressasse , por ser pes
soa de qualidade e partes e bem recebido dos naturaes, le
vando em sua companhia munição , gente e pagas , e ordem
para o capitão do M - ranhão lhos não tomar, de mais que
se podia valer dos indios pytigares, que he gente de pro
veito para a conquista , que tambem deve levar ferramenta,
e cousas de resgate com que o gentio se contenta , que são
de qualidade que farão pouca despeza , e officiaes para fa
zerem lanchas com que aquelles rios se navegão , e a Bento
Maciel se aceite o offerecimento que faz de desalojar os ex
trangeiros dos portos em que estiverem , e descubrimentos
que quer fazer, e ordenarlhe que para o conseguir se va
lha da ajuda do gentio, e que da queixa que faz de D.
Luiz de Souza indio do Maranhão não ha que fazer caso ,
por haver entre elles paixões e inimizades, antes conviria
ao serviço de V. M. por D. Luiz ser pessoa de importancia
naquellas partes que fosse a ellas contente , demais do exem
plo que com isso se daria aos mais indios .
Os mais votos do Conselho de Estado são de parecer
que o governador do Maranhão e o capitão do Pará, se de
vem embarcar logo, levando o capitão do Pará em sua com
panhia as cousas referidas, e fazendo-se o descobrimento e
expulsão dos estrangeiros na forma que fica apontada por
Gaspar de Souza, e um voto diz que os officiaes para fazer
lanchas podiam ir do Brazil quando os não houver no Ma
ranhão ou Pará , e se devia ordenar ao governador do Bra
-- 115

zil tenha boa correspondencia com o do Maranhão e capitão


do Pará, pois sem ella será impossivel fazer facção de im
portancia, e que tambem se devião enviar carpinteiros para
as madeiras que hảo de vir para as náos.
Aos governadores parece que convem muito enviar- se
governador ao Maranhão e em caso que se dilatasse deve ir
logo Manoel de Souza com a gente que está prevenida, por
quanto, ainda que seja em pouca quantidade, serviria em
quanto o governador não leva a mais, que o Maranhão se de
ve soccorrer, e prover desde Lisboa porque demais da cer
teza com que se fará se poupará uma quantidade conside
ravel, que para o descobrimento e empreza de desalojar os
extrangeiros se não nomee de ca pessoa, e V. M. cometa ao
governador, quando for, que com as considerações necessa
rias, escolha o que lhe parecer aproposito, e de mais sa
1 tisfacção, e que por do indio D. Luiz de Souza não haver
cnlpa alguma , e se deve dar pouco credito as queixas que
Bento Maciel delle faz, como refere Gaspar de Souza, seria
conveniente que V. M. The fizesse alguma mercê, com que
tornasse contente, e se embarcasse na paimeira ocasião, por
quanto se morresse em Lisboa serviria de desconfiar os gen
tios e obrigalos a proceder sospechosamente em diante.
Vendo se tudo em conselho , pareceo que por se haver
verificado com a confissão dos dois framengos que foram to
mados no Pará a sospeita que se tinha de que extrangeiros
se fortificavao na bocca do rio das Amazonas da parte do
Norte, a cujo descobrimento tem V. M. enviado Luiz Ara
nha de Vasconcellos que ainda não tornou , importa muito
tratar do remedio com suma brevidade, antes que o tempo e
desprezo o dificultem mais, e V. M. deve mandar que Ma
noel de Souza Deça provido da Capitania do Pará , em caso
que o governador sem esperar va logo entrar nella, e leve
consigo ao indio D. Luiz de Souza, com ordem de que ave
rigue a verdade do que contra elle escreveu Bento Maciel
Parente, para que sendo certo o entretenha e avise, e se
The constar que foi sem fundamento lhe de liberdade, por
que para o descobrimento e cultivação daquellas terras, he
de grande importancia serem os naturaes bem tratados e fa
vorecidos, e este, segundo a informação que ha, é de entre
elles pessoa de conta, e poderá fazer muito ; e que a Bento
Maciel pelo particular talento que tem para a empreza, e
boa vontade com que se offerece a ella, encarregue V. M. a
expulsão dos estrangeiros mandandoselhe demas Couzas
que pede, e assi o Capitão do Pará como OS governadores
do Maranhão e do Brazil ajudem e lhe assistam em aquillo que
cumprir. Porem porque pode ser que os inimigos estejam
tão arraigados que não baste o que hade levar Bento Maci
el para os desalojar e lançar daquellas partes, e a fazenda
de V. M. da coroa de Portugal se acha tão gastada e exhaus
ta, e com tanta necessidade de soccorro e remedio da India,
e defensão dos mares a que acudir, que não poderá supprir
- 116

maior gasto, e este caso toca igualmente a coroa de Castel


la por a vizinhança das Indias Occidentaes, em cujo distri
cto ja ficam as terras que os inimigos têm occupado, e por
o dano que de aly poderão fazer a passagem das frotas,
lembra o Conselho de V. M. que desde logo deve V. M.
mandar ver na Junta de Guerra das Indias , como se acudirá
a esta mat - ria tào grave para que se disponha a tempo con
vepiente, e se ganhe na execução, assegurando o bom suc
cesso que tanto importa. Em Madrid a 30 de Agosto de
623 ( Cinco rubricas ).
Estes documentos, bem examinados, muita coisa iute
ressante nos descobrem .
A primeira é que a antiga administração hespanhola
nem sempre pecava por morosa. O Conselho de Portugal in
forma a 30 de agosto, e em 1 de setembru seguiute El
Rei assigna o Decreto mandando ao Presidente de Indias faça
ver com brevidade a consulta do Conselho pela Junta de
Guerra. Hoje o negocio teria achado todos os organismos
administrativos dispersos nos portos de mar nas estações
termaes, por ser agosto a epoca de maior calor, e a solução
teria sido, sem duvida, mais demorada.
Outra é o aviso, que deram a Bento Maciel os prisio
neiros flamengos feitos no Amazonas, da chegada de uma
grande esquadra holandeza , com gente para fazer povoação,
noticia que podemos considerar como o anguncio da frota
que em 1524 veio sobre a Bahia .
E' tambem muito para notar a diligencia com que o
governo ordena a expulsão dos estrangeiros estabelecidos no
Amazonas , e se dispõe para a guerra naquellas paragens ;
e comu declarando o Conselho que o Thesouro de Portugal
se acha exhausto, e sem os meios de fazer as despezas da ex
pedição , se manda qus o custeio desta se faça pela Coroa
de Castella, por ser commum o interesse da defeza das In
dias, percebendo os conselheiros , com uma nitidez que mui
to honra a sua perspicacia politica, que este grande nego
cio pertencia ao imperio, e não exclusivamente a um dos
reinos confederados . Mostra tambem o erro dos historiado
res que attribuem aq governo castelhano indifferença , e
mesmo má vontade , respeito dos interesses de Portugal.
Por ultimo, vemos tambem com que escrupulo justicei
ro acolhe o Conselho a accusação de Bento Maciel ao indio
Luiz de Souza, pergunto se nestes nossos tempos de
mocraticos teria tão pouco peso na consciencia dos membros
de um tribunal uma tal queixa de um chefe militar poderoso
e respeitado, contra um simples indio. Resplandece neste
caso, e em tudo relativo a politica indigena , o espirito
humanitario que irspirou a legislação da Hespanha em Ul
tramar .
- 117

Tinha ella uma tradição expressa na admiravel colecção


legislativa chamada Leis de Indias. Essa tradição eontra
riava a cubiça do colono para quem o indio era a melhor
das minas, porque o seu braço o sustentava excusando-o de
trabalhar. Entre os philantropos que em Madr.d serena
mente legislavam e os aventureiros que no Novo Mundo
procuravam resolver o problema da vida á custa do esforço
alheio, precisa foi uma transação, e ella deu -se em toda a
America , variando apenas as formas. Daqui uma grande
differença entre o legislado e o vivido ; entre as doutrinas e
os factos.
A doutriva imperial era : Los Reyes de Castilla nos han
enviado, no a soju garos, sino a ensiñaros la verdadera re
ligion y a defenderos de vuestros enemigos, y asi todo s vo
sotros debeis tenernos por vuestros amigos protectores ».
E' Colombo quem falla. Estas palavras, que nem mesmo
quero traduzir, são da sua primeira alocução aos indigenas,
ao desembarcar na America . Pouco depois Ojeda dizia-lhes :
« Todos os homens são irmãos e iguars, como descendentes
de um unico casal , que se chamou Adão e Eva ; portanto o
indio é, como o bespanhol, um honiem livre » . Izabel a Ca
tholica diz no seu testamento, que tambem copio textual
mente : Nuestra principal intencion fué siempre la de pro
curar ipducir y traer los pueblos de las Indias a nuestra
Santa Fé Catolica, enviandoles prelados, religiosos y cléri
gos para instruir a sus vecinos, doctrinarles y enseñarles bu
enas costumbres » .
Pela Real Cédula de 5 de novembro de 1526 Carlos V
condenou a morte, com perda de todos os bens, a quem fi
zesse escravos em Indias " . Em 1530 D. João III de Portu
gal davalicença a Martim Aftopso de Souza para caçar in
dios no Brazil. Tào violento contraste não continuou. A po
litica de protecção aos indigenas brazileiros inicia se franca
mente desde a chegada dos jesuitas. Com a federação acen
tua- se, como bem o mostram as leis de 1595, 1596, 1605 e 1608.
O legislador exprime-se pos termos seguintes, bem ex
plicitos por certo :
“ Para atalhar os grandes excessos que poderá haver si
o captiveiro nalgum caso se permittir, e para de todo se
cerrar a porta a isto, declaram -se todos os gentios daquellas
partes do Brazil por livres. Conforo e o direito e o seu na
scimento natural, assim os que ja forem baptisados a nossa
Santa Fé Catholica como os que ainda vivem como gentios
conforme a seus ritos e cerimonias, os quaes todos serão tra
tados e havidos po: pessoas livres, como fão, e não serào
constrangidos a serviços, nem a cousa alguma contra a sua
livre vontade ; e as pessoas que d'elles se servirem nas suas
fazendas Ibes pagaräo seu trabalho, assim e da maneira que
são obrigados a pagar a todas as mais pessoas livres de que
se servem , podendo outrosim os ditos gentios com liberdade
118

e segurança, possuir sua fazenda e propriedade, e morar e


commerciar com os moradores das capitanias”.
Confiou -se o protectorado dos indios aos jesuitas, e deu-se
mesmo effeito retroactivo á lei declarando nullas as compras
já feitas.
O estudo da questão, e das discordias a que deu motivo,
não cabe nesta breve conferencia. Basta, para o meu objectivo,
provar que o não esqueci.

Voltemos á historia da occupação.


De nada valia assegurar o litoral sem ter o senhorio do
inar. () imperio perdera - o em 1588, com a Invencivel. Sa
biam -no os seus innumeraveis inimigos e audaciosamente as
saltavam -lhe as frotas. Desde os primeiros annos do seculo
XVII os mais atrevidos e vorazes eram os bollandezes. Só
num anno 1623 tomaram 70 navios da carreira do Brazil .
Acabava de se fundar a Companhia bollardeza das Indias
Occidentaes,associação de corsarios com subsidio official ( 200.000
florins ). O seu primeiro negocio devia ser a conquista da Bahia.
Soube- o o governo de Madrid, avisou e preparou diligente
mente uma grande esquadra de soccorro. Foi a maior que o
Brazil viu : 52 navios de guerra, grande numero de trans
portes, 12.500 homens de desembarque (4500 portuguezes ).
Mandava- a D. Fradique de Toledo, da casa do duque de Alba.
Podia o imperio dispor desta força porque se achava re
lativamente desafogado. E' verdade que, morto Farnesio, a
quem sempre a victoria acompanhára, fôra preciso conceder
tregua ás Provincias Unidas ; mas a França, depois do as
sassinato de Henrique IV, retrogradára para a anarchia ,de forma
que o inimigo principal estava fóra do combate. Infelizmente ,
paquelle mesmo anno de 1624 tomava Richelieu a direcção da
politica franceza orientando-a inabalavelmente para a revan
che de Pavia, a conquista das provincias do Rheno, e a ex
pulsão de hespanhoes e allemães da Belgica . Era isto o que
se entendia por abatimento da Casa de Austria .
Vainos ver immediatamente as suas consequencias no
Brazil .
De Flandres foi a Madrid , tambem esta vez em tempo,
o aviso da expedição contra Pernambuco. De Lisboa, em vez
de uma segunda armada poderosa, despacham a Matias d'Al
buquerque com 27 homens. Portugal está exhausto, cançado,
mal disposto. A confederação com a Hespanha não dava a
segurança que se esperava. Uma grande decepção lavrava no
espirito público. Os fidalgos, e grande parte do commercio
sentiam vivo desgosto por vão residir à Côrte em Lisboa.
Vão seria melhor romper a federação, e uma vez rota , nào
ficaria Portugal livre dos ataques dos inimigos da Hespa
nha ?. Agentes de Richelieu secretamente o insinuavam , e
alguns portuguezes ingenuamente o criam . Houve tumultos
graves em Evora e nos Algarves, provocados pelos impostos
119

necessarios para as despezas da armada de soccorro . La fóra


á voz da França, quasi toda a Europa colligada rompia pa
vorosa guerra contra o Imperio . Nassau, em Permambuco,
exultava : - " A Hespanha não poderá mandar uma esqua
dra ao Brazil " , pensava .
Mandou . Constava de 33 vasos. Chegou a Reciſe em ja
peiro de 1639. Mas o Conde da Torre que a comandava era
um incapaz, e foi derrotado. Pouco depois separava - se Por
tugal, e o Brazil, jubiloso , adheria ao movimento separatista .
Porqne ?. Deixo a resposta ao insigne historiador Porto Seguro :
“ O grande acontecimento da restauração de Portugal
promettia fazer mudar a situação do Brazil . A guerra dos
hollandezes lhe proviera de ser parte da Hespanha, e a Por
tugal e a Hollanda interessava alliarem-se para guerrear o
inimigo commum ” . (Hist. do Brazil, vol. 1 , pag. 589 ).
Com a mesma candura pensaram as autoridades coloniaes,
e logo o andaram a Nassau anaveis recados. As palavras d'este
forem doces, mas os actos deveriam parecer azedos ao portu
guezes. Nassau apoderou - se de Sergipe, preparou a expedi
ção a Angola, e conquistou o Maranhão.
Nassau agia logicamente. A Hollanda fazia a guerra ao
Imperio Hespanhol por este possuir um vasto e rico dominio
colonial que ella cubiçava. Como Portugal era a parte do Im
perio mais rica em colonias, contra Portugal dirigia princi
palmente as suas esquadras. A separação , que o enfraquecia,
era para os hollandezes um bello negocio. Fôra precisamente
para melhor o roubarem que os inimigos do imperio o di
vidiram .
Vidal de Negreiros, Fernandes Vieira, Camarão e os outros
heroes da lucta com os hollandezes tiveram um poderoso aliado :
o dictador Cromwell, que batendo a Holanda po mar impediu
a continuação da sua expansão colonial . O imperio dos mares
passou para as mãos da Gran Bretaoba que ainda o tem . Não
se preoccupou de fazer conquistas no Brazil. Era inutil . Do
minando a metropole economicamente dominava as colonias
sem riscos nem despezes. E apezar de Pombal , assim foi .

Em conclusão direi que o Brazil estava destinado a ser,


no Imperio hespanhol, a cabeça do immenso dominio ameri
cano. De que esse foi o proposito de Filipe II e dos seus
immediatos successores, parece -me haver bastantes indicios na
Historia. A prova definitiva só a podem fornecer as docu
mentos encerrados pos archivos da Ilespanha. Penso, portanto,
(e eu tenho o habito de exteriorizar com toda a clareza as
minhas opiniões) que a separação peninsular prejudicou o
Brazil, porque atrazou o seu desenvolvimento. O Imperio, mesmo
gravemente enfermo, era muito mais forte que qualquer das
suas partes, e parece -me que si elle tivesse escapadò intacto
á terrivel crise que o demoliu, todas as suas colonias ame
120

ricanas muito com isso teriam lucrado, preparando-se melhor,


com maior robustez economica e ethnica, para a inevitavel in
dependencia.
Haver - se - ia tambem conservado intacta a unidade es
piritual, vantagem importantissima. Homens superiores tra
balham hoje para a constituir, ou antes para a reconstituir.
Lembrar que ja todos vivemos unidos sob a mesma bandeira,
correndo junctos os mesmos perigos, e afrontando os mesmos
adversarios, não será facilitar o resurgir da consciencia co
lectiva ?. Separação politica, ainda bem : é um facto com que
devemos contar ; mas separação espiritual, sendo todos nós
apenas ramos de um mesmo tronco ? porque ?.
A unidade do nosso passado é evidente. A do nossos des
tinos futuros não apparece menos nitida a quem á luz da
sciencia os estuda. Tudo nos une, nada nos separa. A Geo
graphia e a Historia junctamente o affirmam . Seja, pois, o
posso lemma, vivermos cada dia mais unidos.
Mas, para isso, estudemos bem a nossa Historia .
DISCURSO DE POSSE
PELO

Prof. BASILIO DE MAGALHÃES


Socio correspondente do Instituto
Senhores :

Desde annos muito em fôr, quando, em geral, nos ce


rebros ainda em incipiente formação para a grande labuta
da existencia predomina apenas o vivaz e dispersivo pendor
para as doidivanices, peculiares aos que nasceram e se
criaram no conforto e na fortuna, ecessidade, de quem
a nec

muito bem disse eminente pensador que é « ama de seios


magros, porém que dá aos seus rebentos leite são e fortifi
cante», arrojou -me ao trabalho, antes mesmo de haver eu
attingido ao extremo da segunda edade.
Eu mal havia transposto os 13 annos, quando busquei
conciliar os estudos de humanidades com o ganha - pão, e o
conhecimento da arte typographica abriu -me emprego no
primeiro orgam republicano que repontou no berço do meu
conterraneo Tiradentes, « A Patria Mineira », onde um pugillo
de crianças, das quaes é já viageiro do Além o nobre espi
rito de Altivo Seite, e aqui estamos apenas dois, Sertorio de
Castro e eu, bebiamos sofregamente as lições de sciencias e
letras e os altos ensipamentos de civismo que nos ministrava
Sebastião Sette , hoje septuagenario, solida cultura e caracter
sem jaça, e condemnado pela politicagem nefasta e mesqui
nba e estrabica ao ostracismo injusto, que elle suavisa num
lar feliz, DO remanso bucolico do tradicional Capão da
Traição, o Mattozinhos de agora.
« A Republica Federal » de Assis Brazil , o primeiro livro
politico que me cabiu em mãos para uma constante e pro
veitosa leitura e a propaganda dos novos ideaes, indefessa
e acendradamente realizada por Sebastião Sette, fizeram -me
preferir á promettida protecção da herdeira do throno de
d. Pedro II, – da qual recebi, com gratidão, que sempre lhe
guardo, uma bibliotheca de estudos propedeuticos, o mou
rejar da cada dia, a ardua conquista do pão material e do
påo espiritual, e , simultaneamente, a audaciosa interpresa de
combater o grande combate pela radical transformação politica
de nossa Patria .
A crise auroral de 15 de novembro, infelizmente não
transmudada ainda na perenne luz de paz, de serena e ina
molgavel justiça, e, emfim , de vera e civil democracia , que
ajudei a prégar, achou -me de atalaia, no baluarte da
« Patria Mineira » , como a pequenina sentinella intimorata
que servia de avisar, lá do alto do torreko onde scintillava
adaalmenara,
victoria .
quer a apparição do inimigo, quer as alviçaras
- 124

Nortec u -me a vida, de então para cá, um consciente,


um esclarecido, um ardoroso amor patrio, que não cede o
passo a venbum outro dos meus sentimentos. E, para maior
felicidade minha, o restante da formação de meu espirito,
- vim fazel- o aqui, nesta gloriosa Athenas brazileira, onde
vivem e rebrilham , da imprensa, nos institutos scientificos e
literarios, pas cathedras das escolas, e aié nas tão requesta
das posições da politica, os meus nestres, os meus caniaradas
e os meus discipulos.
Dizia sempre, e sempre escrevia de mim , quando gen
tilmente me offertava as suas producções poeticas, o velho
satirico e bondoso padre que foi Corrêa de Almeida, que
eu era um « mineiro apaulistado ».
E' verdadeiro o asserto, ouso proclamol - o alto e bom
som .

Sem nunca olvidar o torrão patal , sem nunca perder as


affeições que lá me redouraram a infancia e we acompav ham
como um resplendor saudoso e suggestivo, aquei foi que
completei a minha educação social e aqui , força é que eu
pronuncie o termo necessario, foi que yankeezei o meu espirito,
plasmado pela febre de progresso, de praticidade, de arrojo,
de perseverança, que uns restos do sangue dos bandeirantes
punha na enfibratura desta gente hospitaleirs , fidalga e empre
hendedora, coadjuvada e cada vez mais impellida para deante
pelo braço estrangeiro, que trouxe energias povas a se jun
tarem ás energias deste admiravel povo paulista.

Passado o prurido das pugnas jornalisticas e dos arroubos


poeticos, -- apanagio daquella « primavera della vita » de que
fala Metastasio, - fui, pela porta larga de um concurso ,
assentar em Campinas a minha tenda de certamen , no ensino
publico.
Surprehendeu -me lá , srs., a eleição com que me honrastes,
Nunca me fiz lembrado para os cenaculos quaesquer .
nunca aspirei a frivolas galas inexpressivas e infecundas ;
mas tambem nunca recusei a minha parcella de actividade
aos que trabalham sériamente, aos que se votam sériamente
ao bem geral.
O Instituto Historico de S. Paulo, fundado pelos homens
que mais se dedicaram aqui ao culto das gloriosas e vene
randas tradições da terra dos intrepidos pioneiros da nossa
civilização, dos triplicadores da área territoriol do Brazil, e
contendo no seu illustre gremio o escol da intellectualidade
paulista, bem me ece, pela somma opulenta dos serviços já
prestados ao estudo da nossa evolução que eu lhe offereça,
no estricto limite da minha capacidade, a exigua contribuição
que ora lhe trago, e, mais do qne ella, o preito da minha
profunda admiração e do meu inequivoco reconhecimento.
125

O autor inglez de interes- ante obra, vinda a lume, em


meados do seculo findo, com o titulo Costumes da India ,
conta que , no reino de Onde, impunha o soberano, a quem
por elle quizesse ser recebido, lhe apresentasse 500 moedas
de ouro a luzırem sobre readilhado lençb de fioa seda.
Maior, por sem duvida, é o tributo que merece se lhe
renda esce sodalicio por parte dos a quem foi galardoada a
subida honra de ter o nome inscripto no seu quadro sociale
de ser aqui acolhido com tanta benevolencia e com tanto
carinho .
Não é o fulvo metal , srs ., que ostento nas mãos, neste
momento , para testemunho do meu ap.eço para comvosco .
E' , sim , a historia documentada dos que o descobriram
nos virgens recessos do sertão patrio e o arrancaram das en
tranhas fecundas do Brazıl que me vae sahir dos labios, como
prova do desejo sincero que tenho de collaborar comvosco
neste augusto ministerio de reevocar e engrandecer cada vez
mais o culto do passado, para que melhor nos guiemos no
presente e melhor preparemos o futuro.
Creio que só assim posso corresponder, embora muito
aquem do vultuo.o penhor a que me obrigastes, á distincção
de que me fizestes alvo e á affectuosa acolhida que acabaes
de dar -me no Instituto Historico de S. Paulo, templo em
hora boa erguido pelos descendentes dos bandeirantes aquella
a que Cicero chamou « luz da verdade, testemunha do tempo
e mestra da vida » .
E , ao coacluir este rapido agradecimento, devo tambem
consignar que profundamente me sensibilizaram , tanto as pa
lavras bondosas do sr. dr. Luiz Piza ( 1 ) como a presença do
digno repre-eotante do dr. secretario do Interior, como ainda
a presença de tào selecto auditorio.
( Vibrante salva de pa'mas acolheu as ultimas palavras
do orador ).

( 1 ) O recipiendario, introduzido no recinto das sessões por uma commissão ,


foi apresentado aos consocios e saudado pelo presidente exmo . senador Luiz
Piza
{
FreiGaspar da Madre de Deus
Conferencia commemorativa do segundo centenario
PELO

Dr. Affonso d'E Taunay


Orador official do Instituto
Frei Gaspar da Madre de Deus

Dentre o primeiro nucleo de fundadores de S. Vicente ,


gente havia muito bem aparentada em Portugal, - e isto
incontestavel é - pretendam o que quizerem as allegações
de certa corrente da moderna critica da nossa historia que,
obstipadamente, se recusa a aceitar as informações iniciaes
de Pedro Taques, inquinando-as de suspeitas ou lendarias,
nascidas da mania nobiliarchica e do primido, da vaidade
exagerada, frequente entre os genealogistas e os paulistas
em geral, accrescenta-se com certa malicia.
Desde muito, denunciando accentuado vezo destes não
dissera Garção que a todos procuravam aturdir : Co’a fabu
losa , illustre descendencia de seusclaros avós ... de Portugal
emigrados, no emtanto, em jaleco e ceroulas ? Incontestavel
é : no littoral vicentino estabeleceram - se, desde a primeira
decada colonizadora: portuguezes de prol.
Discutir este assumpto, que levou o illustre Candido
Mendes de Almeida o atacar com a maxima violencia o
historiador notavel , cujo segundo centenario agora se celebra,
em modesta e patriotica solennidade, demonstração de
justiça e brazileirismo : non est ibi locus.
I'm facto unico lembremos, porém , em opposição aos
argumentos aggressores.
Emphaticamente, denunciou o Senador maranhense, na
faina de demolir a Frei Gaspar, a improbidade, a tendencia
á invencionice do benedictino. Accusou - o formalmente de
haver forjado o famoso testamento de João Ramalho e, no
emtanto, poude o Dr. Washington Luis, ha alguns annos,
trazer a lume irrefragavel depoimento comprobatorio da ve
racidade e boa fé do historiador,
Assim , pois, repudiando esta ogerisa de Candido Mendes
e seus imitadores ao nosso biographado e à sua obra , que
nos parece a legitima demonstração de certa phobia nobi
liarchica, muito commum entre Brasileiros formados sob o
Primeiro Imperio e o periodo regencial , inclinamo -nos a
aceitar como perfeitamente admissivel as origens por Pedro
Taques attribuidas ás primeiras familias que aportaram ao
littoral vicentino .
Acaso procurou o linhagista — dominado como o monge,
seu primo, pelos mesmos preconceitos e ideas de casta - acaso
imaginou prender os primeiros povoadores de S. Paulo ás
130)

dynastias européas, sequer ás casas titulares portuguezas ?


Absolutamente não ; provêm os troncos de que se orgulha
da pequena nobreza do Reino, da boa burguezia ; aos mais
afidalgados attribue modestos morgadios e commendas.
Titulos para elle altisonantes são « a limpeza de sangue »
dos christãos velhos, livres da mescla de «juden, mouro ou
qualquer outra infecta nação » o emprego ao real serviço
e a ausencia de mecanismo nas progenies.
Seria tão difficil empreza obter -se em Portugal cincoenta
ou cem casaes nestas condições ? cincoenta ou cem individuos
pertencentes a familias distinctas, muito embora pobres , de
cadentes ou decahidas, a ponto de, como unica bagagem , só
poderem ao Brasil levar o jaleco e as ceronlas de que nos
falla o autor da Cantata de Dida ?
Representa isto, a nosso ver, tão pequenas exigencias,
por parte do genealogista e do monge chronista, que, fran
camente, não comprehendemos o furor do que se possuio o
illustre maranhense ante o que intitulou as pretenções dos
escriptores paulistas.
A nenhum dos dois cabe a recente fantasia , graças a
qual milhões dos Brasileiros de hoje provêm de Carlos Magno
e Meroveu, por linhas rectas e travessas, por bem ou por
mal, a trancos e barrancos , ..
A' Nobiliarchia Paulistana , pois , recorreremos sem O
menor escrupulo em aceitar-lhe as indicacões relativas á fa
milia de Frei Gaspar da Madre de Deus, no seculo denomi.
nado Gaspar Teixeira de Azevedo .
Sua arvore genealogica facilmente levantada , graças ás
nunca assás admiradas « diligencias infatigaveis de Pedro
Taques, colloca-o entre os membros dos mais velhos clans
vicentinos : os Lemes, os Buenos da Ribeira, os Siqueiras
Mendonças, os Pires e os Carvoeiros.
O fortissimo in breading, em terras paulistas havido,
nas familias dos primeiros povoadores , já em principios do
seculo XVIII, manifesta - se intensissimo, no cruzamento das
gerações de onde procede o benedictino. Pelos Pires recebeu
o affluxo do sangue tupy de Antonia Rodrigues, catechumena
do beato José de Anchieta e filha de Pequeroby, maioral de
Ururahy, pelos Carvoeiros o da india Isabel Dias , a filha de
Tybiriçá e mulher de João Ramalho, as duas princezas in
digenas, contra cujos titulos tanto investe a critica, procu
rando ridicularizal-as no afan de, em futil empenho, provar
que não passaram de duas bugros vulgares, filhas de vulga
rissimos tuxauas. Esquece - se a moderna balda, entre pa
renthesis, de quanto era familiar, aos portuguezes, e ainda
no seculo XVIII, designar as nossas tribus indigenas e as
da Africa pelo qualificativo reinos e seus chefes pelo de reis.
Quanto nos annaes de Goyaz e Mato -Grosso se falla em
reinos de ('ayapós e reinos de Payaguás ? E mais ... avul
tasse um guilombo e já lhe davam officialmente o titulo de
reino de pretos fugidos ... Se, portanto, caciques e zumbis
131

eram reis, natural que ás suas filhas cbamassem princezas


sem que a pinguem occorresse idéa da eqniparação das
dynastias pelle vermelhas ou negras aos sangues e institui
ções milliares da Europa. Aos nossos republicanos exaltados
dos dois primeiros quarteis do seculo XIX verdadeiro horror
causava a idea de localisação de principes nas terras da
lir e America, segundo o chavão consagrado ; dahi a má
ventade para com os historiadores e genealogistas de S. Paulo,
que tiveram a petulancia de remontar ao sangue azul dos
nossos principes tupys, transvasado nas veias dos filhos de
pretensos fidalgos reinos. E , no emtanto, repousa quasi tudo
isto na simples rememoração de quanto frequentemente mudam
o tempo e a evolução das ideas o sentido das palavras !
Questões affectas aos elucidarios como o de Vitó rbo provo
caram verdadeiras tempestades em copos de agua ... Des
cendente dos dous morubixabas ethnographicamente differia
Frei Garpar do primo, amigo intimo e confrade illustre,
Pedro Taques de Almeida Paes Leme, que se podia gabar
da pureza do sangue branco . Verdade é que nas veias do
benedictino notavelmente dynamizada se encontrava esta
proporção do sal da terra, do sainete brasilico , constante de
um cento e vinte oito ávos apenas.
Nos 256 antepassados do setimo gráo contava 254 bran
cos e 2 turys. Em compensação, era o genealogista muito
mais Brasileiro, pois, ao passo que os seus oito bis -ávos haviam
todos nascido no Brasil , entre os de Frei Gaspar cinco de
Portugal provinbam .
Tataraneto de Amador Bueno, o acclamado por elle se
aparentava aos dous Anhanguera, pai e fillo, descobridores
de Goyaz. I'm outro tataravô, Luiz Dias Leme, enviado
dos paulistas a Portugal para a Dom João IV levar a adhesão
da capitania vicentina, prendia -o á familia poderosa dos Le
mes , tornando -o primo de notabilissimos sertanistas como
Fernão Dias Paes, o Governador das Esmeraldas, João Leite
da Silva Ortiz, Bartholomeu Paes de Abreu, e ao « histo
riador dos bandeirantes » , Pedro Taques..
Além destas allianças com os clans de serra acima, o
que realmente dava á familia de Frei Gaspar verdadeira
proeminencia na zona littoranea, era a ascendencia dos Si
queira Mendonça estirpe santista , oriunda de Antonio de
· Siqueira , escrivão e tabellião da villa, 110 seculo XVI , e
gente que com o decorrer do tempo notavel posição de for
tuna adquirira .
Assim é que o avô materno do chronista provinha de
D. Anna de Siqueira e Mendonça e do pernambucano, Capitão
Mór da Capitania de S. Vicente e S. Paulo, Cypriano Tavares.
Era ello o sargento mór José Tavares de Siqueira,
Capitao da Fortaleza de Itapema, um dos homens opulentos
do littoral paulista e pessoa de prestigio « pelo merecimento
adquirido da commum estimação dos povos e igualmente des
grandes». Falleceu quando já velho e com o fim de refazer
132

a fortuna, ia de jornada de mudança para as regiões auri


feras novamente descobertas, o primeiro eldorado paulista, os
Cataguazes.
Quanto ao avô paterno de Frei Gaspar, o reinol Gaspar
Teixeira de Azevedo, natural de Bayão, homem de posição
e merecimento, governara a Capitania de São Vicente e
S. Paulo ( 1697-1699) e fora provedor dos reaes quintos das
minas de Paranaguá e Iguape, merecendo frequentes vezes
a « incomparavel honra » de receber cartas firmadas pelo real
punho do Sr. Rei D. Pedro II. Desposára uma neta de
Amador Bueno, e seu filho, Domingos Teixeira de Azevedo,
Coronel do regimento das ordenanças de Santos e S. Vicente ,
superintendente das minas dos Cataguazes e provedor da
real casa da fundição da villa de Paranaguá, casando-se com
D. Anna de Siqueira e Mendonça, filha do sargento mór
José Tavares de Siqueira e da portugueza D. Isabel Maria
da Cruz, foi o pai do nosso biographado .

Nasceu Frei Gaspar, segundo de seis irmãos, a 9 de


fevereiro de 1715, na fazenda de Sant'Anna, a seus proge
nitores pertencente. Era sua mãe senhora de alta intelli
gencia, esclarecida vontade e proposito firme, qualidades que
The provinham da herança materna, pois D. Isabel Maria da
Cruz, quando viuva, se notabilisára pela resistencia opposta
á prepotencia do Governador da praça de Santos, o Tenente
General Jorge Soares de Macedo, que, á viva força , lhe
occupára uns predios , sob requisição, para o real serviço,
pretexto que em tempos coloniaes revestia de sagrado caracter
e da intangibilidade correspondente os actos dos governan
tes, despoticos e arbitrarios que fossem . Longa luta sus
tentára D. Isabel com o poderoso adversario, levára a questão
ao Governador do Rio de Janeiro, Alvaro de Albuquerque, e
conseguira vencer , Em Setembro de 1703, após mil delon
gas, era o Tenente -General reprehendido pelas violencias
commettidas e em asperos termos intimado à indemnizar a
contendora pelas arbitrariedades soffridas. Ilerdára D. Anna
de Siqueira e Mendonça esta feição materna, e assim sor
prehendida pela morte inesperada do marido, da vida arre
batado na för dos annos, longe de assumir as attitudes da
incapacidade e timidez tão communs á mulher portugueza e
brasileira, em eras coloniaes, soube com admiravel tino gerir
os avultados bens do casal e encaminhar a educação dos
filhos. Além das fazendas vicentinas, possuia o Coronel Do
mingos de Azevedo largos tratos de terras no littoral para
naense , na zona aurifera de Minas- Geraes e nos Campos
Geraes de Curytiba nas paragens de Itayacoca, por sesmarias
concedidas em 1712, 1714, etc. Obteve du Capitão -General
133

Caldeira Pimentel, em 1728, a revalidação dos titulos de


suas terras longinquas ; nellas pôz administradores, emquanto
pessoalmente geria as de Sant'Anna e cuidava da educação
dos filhos.
Viuva aos 35 annos, talvez, viera a dôr da perda do
esposo fazer com que lhe redobrasse a já austera piedade.
Numerosos os seus parentes que haviam escolhido o estado
ecclesiastico ; entre elles um tio, Fr. João Baptista da Cruz,
Benedictino, abbade provincial do Brasil em 1720, e abbade
da Bahia , « homem de lettras e de virtudes», que acabou a
vida contemplativamente no mosteiro de Santos : outro tio,
Estevão Tavares, jesuita, e duas irmãs, D. Maria e D. Ca
tharina, professas no mosteiro de Sunt'Anna de Vianna do
Minho ; um sobrinho José da Costa de Britto, fizera- se car
melita. Entre os primos contava o deăn Dr. Gaspar Gon
çalves de Araujo, natural de Santos, clerigo de grande
prestigio no Brasil setecentista, o luminar da igreja Aumi
nense, Vigario Geral e Governador do Bispado numerosas
vezes, « rarão sapientissimo, certamente digno de seculo mais
attento , e gloria perduravel do cabido fluminense » ; coberto
de serviços puma longa vida de 98 annos não obtivera a
investidura episcopal, perque Roma se schava então muito
longe do Brasil e as dioceses do paiz cabiam só a Portuguezes.
Dentre os parentes do marido de D. Anna de Siqueira
Mendonça não menos numerosos os ecclesiasticos. Dos dez
filhos de sua cunhada D. Catharina da Silva Teixeira, dous
havia benedictinos, dous jesuitas, tres franciscanos e um
padre secular !
Esposa extremo sissima, seffreu D. Anya de Siqueira - já
dissemos — violento abalo com a morte prematuro do marido.
Deixava-lhe este quatro filhos e duas filhas ; des bemers
o mais velho era Gaspar, a quem föra imposto o nome in
tegral do avô paterno ; acima delle havia uma menina,
Isabel, abaixo tres rapazes José, Jcão Baptista e Miguel e
outra menina Anna Maria.
Tempos felizes os da infancia do futuro historiador,
passados no latifundio materno, onde grande lavoura de campa
e arroz florescia. Alli nascera e alli fôra baptizade ( 1 ) ;
outras pro; riedades extensas possuia a familia na vizinhança ,
como a grande fazenda do avó Gaspar Teixeira de Azevedo ,
a ilha do Teixeira e o sitio de Piassaguera. Monotopa corria,
porém, a vida, quando muito animada pela concurrencia dos
grandes dias santos do anno . A festa maxima celebrava
se em fins de julho : a da Senhora Sant'Anna, tradicional ,

(1 ) O facto de o registro deste baptismo haver sido feito Santo mse ,


induzio a crer que o historiador nascera nesta villa (Memorias 80) .
134

quasi secular na familia dos Siqueiras Mendonças desde que


o antepassado Alonso Pelaes , castelhano ouvidor de S. Vi
cente, quasi em eras martim -affonsinas a instituira deixan
do- a fersorosa devoção por herança acs filhos e netos. Gas
tára o genro Luiz Dias Leme, annualmente, grandes sommas
com a dulia á inăi da Virgem . Era a capella a primeira á
Santa dedicada, em terras do Brasil, e reinava na familia a
tradição de que Affonso Pelaes e sua mulher haviam lido
em certo livro, por acaso encontrado, uma prophecia affir
mando que « quem festejasse a gloriosa Santa não teria
detrimento no credito , nem fallencia nos bens da fortuna » .
Erguera Cypriano Tavares bisavô de Frei Gaspar a se
gunda capella, sendo a festa da orago bisada no dia do Apos
tolo São Thiago, Francisco Tavares Cabral , bisavô do nosso
chronista, ainda accrescentara a estas praxes devocionarias e
na sua capella « chegou a tanto merecimento o culto que os
Illms. Bispos lhe concederam muitos privilegios». Neste tempo
de Cabral foi, com effeito, a gloriosa Santa « applaudida com
grandeza » .
Eram dos magnos acontecimentos do anno, estas solen
vidades a que concorriam «os da primeira nobreza das villas
de Santos e de S. Vicente » .
Além das missas cantadas, executadas com o concurso de
theorias de celebrantes, regulares e seculares, « e estrondo de
instrumentos musicos » havia « festejos de comedias e banque
tes » . Basta lembrar que tudo se passava no Brasil , em prin
cipios do seculo XVIII, para sem difficuldade imaginar-se o
que seriam estas bodas de Camacho ; bem dispensavel, por
tanto, a addenda de Pedro Taques, quando nos diz que a
festa se realizava « com toda a abundancia de iguarias » .
E' precizo notar, em homenagem á verdade, que isto
contribuio para que viesse Cabral a « decahir da opulencia
em que se achava », motivo pelo qual « passou em muita parte
de sua familia para as minas dos Goyazes já com avançada
idade, attrahido das amorosas rogativas de sua rilha Dona
Francisca Xavier Tavares, que se achava nellas com grande
estabelecimento lavras mineraes
de numerosas escravatura
e ».
Nesta epoca feliz descoada infancia e adolescencia, que
nas terras patrimoniaes, adquirio o futuro historiador o en
tranhado affecto á marinha paulista, apaixonadamente amou
a vida toda. Desde estes primeiros annos consagrou a mais
forte amizade a sua mãi, com multiplas demonstrações de
affecto, formosas e tocantes. De perto fiscalisava D. Anna de
Siqueira os estudos dos filhos. Rapidamente progredia Gaspar
e em pouco tempo adquirio a justa fama de bom latino. « A'
lingua latina, diz Pedro Taques, applicou - se com desvelo»
igual aos estimulos da honra com o que o adornou a natureza
por tantos costados de nobre sangue» .
Quem lhe teriam sido os mestres ? Ignoramos por com
pleto ; em Santos numerosos eram os clerigos benedictinos,
135

franciscanos, carmelitas, jesuitas, e nesse tempo ainda se não


notava entre brasileiros e portuguezes a grande decadencia
· dos estudos do latim , tão accentuada no seculo XIX. Possuia
D. Anna de Siqueira na villa excellente «morada de casa de
sobrado» nos « Quatro Cantos», no começo da antiga rua Di
reita , principal arteria da povoação que se estendia do con
vento dos carmelitas ao Trem Real.
Para alli transferira a sua residencia a fim de completar
a educação dos filhos. Em 1731 , aos dezeseis anuos havia o
joven Gaspar feito taes progressos que, obedecendo á voca
ção ecclesiastica, achou se em condições de apresentar - se pos
tulante, ao noviciado benedictinr.
Passando por Santos o Abbade Provincial do Brasil, Frei
Antonio da Trindade, que regresava á Babia da sua visita
canonica aos mosteirios do Sul, a elle se apresentou o moço
candidato seguindo em sua companhia para Abbadia Geral,
naquella cidade, de que era então prelado seu tio avô Frei
João Baptista da Cruz. A 4 de agosto entrava no noviciado
e no anno seguinte , 1732, a 15 de agosto, diz-nos Pedro
Taques «recebia a illustre cogula de seu Santo Patriarcha
fazendo
Deus
profissão com o nome de Frei Gaspar da Madre de
,
Quer - nos parecer que a determinante inspiradora desta
nova denominação já fora o pender para as cousas da historia.
Tomando o nome de Made de Deus, lembrava o rovo monge
o engenho quinhentista de Pedro de Góes, o segundo fun
dado em terras vicentinas, logo após o do Senhor Governador,
mais tarde passado aos Schetz de Antuerpia, o tão conhecido
S. Jorge dos Erasmos .
II

Noviço na Bahia, applicou- se Frei Gaspar com extraor


dinario ardor ao estudo da philosophia, da historia e das
sciencias ecclesiasticas. Quando se ordenou presbytero consi
deravam -n'o os seus confrades como uma das bellas espe
da Ordem, professando pelo seu talento e saber pro
ranças acatamento
fundo .
Encontrára o joven vicentino, idoso monge portuense que
obtivera transferencia da Congregação do Oratorio para a Or
dem de S. Bento, o dr. Frei Antonio de S. Bernardo, homem
de grandes virtudes e conhecimentos, a quem , desde os pri
meiros dias, muito e muito se affeiçoou, e de quem recebeu
as primeiras lições de sciencias ecclesiasticas.
Viera o Vice - Reinado de Vasco Fernandes Cesar de Me
vezes, Conde de Sabugosa, trazer notavel brilho á Capital
brasileira, sobretudo porque nella creára uma atmosphera
intellectual inteiramente nova no paiz. Membro da notavel
familia dos Cesares de Menezes, illustrada pelo sol cesario, o
famoso Arcebispo D. Sebastião Cesar, por Pedro Cesar, Go
vernador de Angola, do Pará e do Maranhão ; Luiz Cesar,
136

Capitão -General da Bahia ; Rodrigo Cesar, Capitão -General


de S. Paulo, membro de uma das maiores casas do Reino,
pertencia o Conde de Sabugosa ao numero daquelles grandes."
fidalgos portuguezes e esclarecidos mecenas do typo dos Condes
de Ericeira, que tanto fizeram em prol das lettras nos se
culos XVII e XVIII. Vice- Rei da India, dalli se retirara em
1717 , coberto do mais merecido prestigio. Encetara em 17200
seu segundo. Vice - Reinado, o do Brasil, que devia durar quinze
annos. Muito lhe deveu o posso paiz, pois além de excel
lente administrador, a largueza de vistas attribuio -lhe ao:Go
verno uma caracteristica de grande realce e que até então,
totalmente faltara aos seus antecessores : Teve Vasco Fer
nandes Cesar a gloria de ser a primeira alta autoridade por
tugueza que se interessou pela cultura da grande colonia
luso - americana. Em 1724 fundava , como se sabe, a primeira,
associação litteraria no Brasil havida , a Academia Brasilica
dos esquecidos, frivola e futil como as congeneres européas,
oriundas do gongorismo e do marinismo, mas entretanto al
tamente significativa como documento e incentivo de civili
zação .
A compressão exercida no terreno das ideas pelo Go
verno da metropole, que tão tenazmente perseguia a imprensa
em terras brasileiras, não permittio que vivesse a Academia
Brasileira dos Esquecidos . Teve ephemera duração . Merece,
no emtanto, Vasco Fernardes Cesar, « sol do oriente ao OC
cidente passado» , que lhe contemplemos com a maior sympa
thia a generosa tentativa em prol das lettras brasileiras ; bem
lhe mede ella o amor das cousas intellectuaes e a affeição
amistosa das relações para com os colovos, geralmente olhados:
tão de alto e tão de longe pelos satrapas ultramarinos. Dos.
sete academicos dos Renascidos um apenas, o Vago, tinha ele
mentos para grangear real e duradora reputação : Sebastião.
da Rocha Pitta . Trouxe- lhe a publicação da 1Iistoria da Ame
rica Portugueza , em 1730 , immensa reputação. Passou a ser
o maior padrão da gloria, o expoente dir-se ia hoje, da men
talidade brasileira. Acolhida a obra com applausos em Por
tugal , com enthusiasmo no Brasil , valera ao. antor a elevada.
honra da eleição de gocio da Academia Real de lIistoria e a
merce de fidalgo da casa de D. João V. Septuagenario, rico,
glorioso, possuindo a moderação do sabio, placidamente des
fructou o historiador os ultimos annos de vida na Bahia,
cercado da unanime admiração dos concidadãos e de todo o .
Brasil. No seu remanso frequentou-o Frei Gaspar ; quanto não
diria ao joven monge cultivar o contacto com o adınirado e
invejado mestre supremo da historia nacional , o primeiro a
quem se attribuira o titulo de historiador, quando no paiz
não houvera até então senão chronistas ?
Viriam o decorrer dos anuos e sobretudo os estudos em
commum com Pedro Taques, fazer, com que muito se lhe di
minuisse esta veneração dos dias da mocidade. « Fantazioso e
credulo , incidio a sua «desenfreada penna » em muitos e pesca
- 137

simos erroso com o « afastar -se da alma da historia, que é a


verdades , dil - o Pedro Taques, em termos duros quanto pos
sivel, para com quem entendia ser o bonzo da historia brasi
leira da época setecentista.
Menos violento, lembrando-se talvez da sympathia que
lhe trouxera o conhecimento pessoal do historiador, entendeu,
do emtanto , Frei Gaspar advertir aos seus leitores que « se
não fiem no autor da America Portugueza, o qual muitas
vezes claudica, em sahindo fóra do sua patria, sendo mais
frequentes os lapsos quando trata de assumptos paulistas».
Deixando o convivo de Rocha Pitta e das notabilidades
babianas, antes de completos os estudos, passou -se o moço be
nedictino, já então professo, para o Mosteiro do Rio de Ja
neiro a mandado dos seus superiores. Alli , no severo scenario
tão altamente monastico daquella abbadia magestosa, conti
nuou a ser o discipulo querido do provecto mestre na Bahia
conhecido, o Dr. Frei Antonio de S. Bernardo. Já nos refe
rimos á amizade que ao seu mestre ligava Frei Gastar, ver
dadeiro affecto filial , que tambem se estendeu ao Abbade Dr.
Frei Matheus da Encarnação Pinda, cujo espirito de ener
gia, e as contendas em defesa de privilegios abbaciaes com o
Governador Luiz Vahia Durão, que o chegara a exilar, ha
viam tornado muito conhecido, não só no Brasil como no Reino,
pois até a Côrte, com singular pertinacia , levára a sua ques
tão, defendendo em pessoas que entendia ser postergação
de direitos.
Illustrado e zeloso, muito a peito levava este prelado a
instrucção de seus religiosos, desvelou -se para que se apro
veitassem quanto possivel os recursos e dotes naturaes do
monge vicentino.
Em agosto de 1740, fazia Frei Gaspar os actos ou exames
finaes que lhe valeram o título de Passante : o diploma de
capacidade para o cargo de substituto e auxiliar do curso de
seus mestres, por estes e pelo Abbade conferido.
« Continuou, diz -nos Pedro Taques, os seus estudos de
philosophia e de theologia, em que fez tão grandes progres
sos que se constituio digno para lhe darem a cadeira de mestre
no Mosteiro da cidade do Rio de Janeiro » .
Dentre em breve via o novo e joven lente os seus cur
sos summamente acreditados ; pelo brilhantismo da exposição,
fluencia da phrase, firmeza dos conbecimento, e sobretudo a
innovação dos methodos de ensino philosophico , Proferio, em
dous annos consecutivos, series de conferencias que tiveram
larga repercussão : « Duas vezes leu philosophia, conta - nos
Pedro Taques, com gloria de ter sido o primeiro que na sua
Provincia dictou phlilosophia moderna » .
Qual teria sido esta philosophia moderna que tanto lustre
trouxe á reputação de Frei Gaspar nos centros intellectuaes
e scientificos do Brasil de antanho ?
Não existia entre os benedictinos uma tradição philoso -
phica original ; grande pbilosopho da Ordem um apenas se
138

apontava, verdade é que dos maiores, Santo Anselmo. Os Je


suitas, com a prodigiosa energia que lhes caracterizára o surto
inicial , avassalando o ensino universitario em todo o mundo
catholico, haviam , desde os primeiros dias, imposto a sua
philosophia o famoso Cursus Conimbricensis ; Suarez, o doctor
ecimius, Vasquez, reivaram soberamente no mundo philo
sophico iberico durante os seculos XVI e XVII .
Em meiados do seculo XVIII, po ém , estavam estes ve
lhos escolasticos summamente gastos : na propria Companhia
de Jesus innumeros eram os cartesianos. Vio- se Frei Gaspar
entre as grandes correntes do seu tempo, fertil em pensado
res illustres. De um lado o ultra espiritualismo de Descartes
Leibnitz e Malebranche, perfeitamente aceitavel por ca
tholicos ; de outro o materialismo dos positivistas ingle
zes, o sensualismo dos que reagiam contra Descartes os nomes
illustres de Hume, Loke e Condillac e, afinal, a escola athea
e sceptica cujo chefe era Bayle, Bossuet, escolastico em theo
logia, representava em philosophia, o eccletismo, graças aos
esforços empregados com os recursos integraes de seu geuio,
para harmonisar Descartes e Leibnitz, Aristoteles e os Padres
da Igreja .
Tudo isto fazia com que no terreno compressivel e es
caldante da philosophia setecentista nascesse certo mal - estar
nos meios ecclesiasticos do ensino da sciencia . Se, em seu
curso, contentou - se Frei Gaspar em ser apenas um vulgari
sador intelligente e modernisado, transmissor do criterio médio
do ensinamento philosophico catholico contemporaneo, é pro
vavel que em Logica se mostrasse aristotelico, em psycholo
gia espiritualista com tendencias demasiadas ; em cosmologia
adepto de certo dynamismo anti-materialista , em moral apo
logista do individualismo caracteristico do seculo XVIII ; em
theodicéa partidario exagerado da acção directa de Deus sobre
a alma, reflexo das ideas jansenistas, que tão poderoza e vi
vamente se infiltraram até os nossos dias, nos cleros ibericos
e latino -americanos.
E ' possivel , tambem , que Frei Gaspar, espirito superior
mente dotado, fosse un pensador original , e imprimisse ao
curso o cunho individual das suas syntheses philosophicas.
Destruidos, quiçá occultos e destinados a reapparecer um dia ,
estão os manuscriptos de suas lições. Nada mais podemos
aventar pois, além de meras conjuncturas. De sua acção no
terreno das idéas e do ensino philosophico no Brasil fica -nos
o éco laconico das palavras de Pedro Taques, lisongeiro
quanto possivel para a sua reputação de homem de saber,
acompanhador do movimento scientifico da época e inimigo
do chinesismo esterilizante e dissolvente .
Proseguindo a carreira professoral, onde continuamente
adquiria novos louros, pois numerosos eram os moços alheios
ao Mosteiro, seculares e ecclesiasticos, que lhe vinham ouvir
as aulas, vio-se Frei Gaspar a 10 de agosto de 1743, aos 28
annos, investido da cathedra de Theologia que, durante largos
1.59

annos rageu com notavel brilho . A 18 de maio de 1749, pe


rante numeroso e selecto auditorio, presidido pelo Capitão
General do Rio de Janeiro, Gomes Freire de Andrade, Conde
de Bobadella, defendia elle theses de theologia e philosophia
ante uma commissão dos mais doutos theologos da cidade,
sendo estas justas brilhantissimas corôadas pela approvação
distincta do defendente, a quem se conferio a borla de doutor,
no meio dos applausos e felicitações geraes.
Proseguio á testa dos seus cursos de theologia, Regente
como então se dizia, até que, cansado do magisterio, obti
vessse jubilação .
Orador fluente, estribado no grande conhecimento das
sciencias ecclesiasticas, angariara «paripassu» , a fama de phi
losopho e theologo consumado, a de excellente pregador.
« Não só nas cadeiras e nas aulas soube reconcillar a sua
pe soa e a religião, exprime o seu biographo, da chronica be
nedictina do Rio de Janeiro : tambem no pulpito, fez esti
mavel o seu talento : e bem mostrou em muitos sermões que
de repente, ou quasi sem tempo , pregou, dentro e fóra do
Mosteiro, com applauso universal dos seus ouvintes ».
Nas vizinhanças de 1750, teve a grande alegria de ver trans
ferida para o Rio de Janeiro a residencia de sua mãi e irmãos.
Continuara D. Anna de Siqueira a viver, ora na fa
zenda de Sant'Anpa, ora em Santos, a cuidar da educação dos
demais filhos .
Dous delles, João Baptista e Miguel , manifestavam a
mesma vocação para o sacerdocio que actuara sobre o primo
genito da familia. Ao primeiro mandara D. Anna estudar
< nos pateoz, do collegio jesuitico de S. Paulo, onde tomara
o grao de mestre em artes : ordepara-se depois clerigo se
cular, send -lhe attribuida a parochia de S. Francisco do Sul,
como vigario da Igreja e da vara da villa .
Decidindo Miguel ser benedictino, como Gaspar, profes
sara no Mosteiro de S. Bento da Bahia , com o nome de Frei
Miguel Archanjo da Annunciação .
Um unico dos quatros irmãos, José Tavares de Siqueira ,
deixara pois de seguir a carreira ecclesiastica :
« Herdeiro da casa de seus pais, diz-nos Pedro Taques, deu
se muito ao cuidado de augmentar os bevs patrimoniaes della ».
Excellente a gerencia feita por D. Anna de Siqueira da
fortuva propria e dos filhos. En abril de 1744 obtivera do
Capitão General de S. Paulo, D. Luiz de Mascarenhas, Conde
de Alvor, a revalidação dos titulos de posse dos latifundios de
Itayacoca e Cabejú nos Campos Geraes de Curytiba, posseados
por seu marido e de que lhe fizera mercê o Capitão General
Caldeira Pimentel .
Alli havia «grossas fazendas» de criar, que José Tavares
passara a administrar : a de Itahupamiriin, na baixada para
náense, herança paterna e a do Tibagy, provioda de sua
avó D. Izabel Maria da Cruz , Multiplicando - se ( s re
banhos extraordinariamente, começou o moço administra
40

dor a encaminhal-os para S. Paulo e o Rio de Janeiro.


Em Setembro de 1749 obtinha de Gomes Freire uma ses
maria nos campos de Bocaina, no caminho que ligava as
duas cidades, com excellentes pastos para nelles engordarem
as boiadas que descem para o ialho», refere a « Nobiliarchia
Paulistana
Assim, pois, prospera quanto possivel a sua situação fi
panceira, passava D. Anna de Siqueira e Mendonça e suas
duas filhas, D. Izabel e D. Anna, a residirem no Rio de Ja
neiro, junto ao filho e irmão, de cujos talentos e virtudes
tanta gloria lhes cabia .
Reunido á familia , pôde Frei Gaspar, quanto lhe per
mittia a estreiteza da disciplina monastica , gozar da compa
nhia de sua măi, por quem professava a mais justa e extensa
das venerações . Ia, porém , D) . Anna de Siqueira passar a
viver só, pois as filhas, tomando a directriz que norteava a
familia, manifestaram o desejo de envergar o habito das freiras
do novo Convento de Nossa Senhora da Conceição da Ajuda ,
installado no novo e enorme edificio cujas dimensões eram o
orgulho dos Fluminenses da época. Desde 1745, em que as
sumira o governo da diocese fluminense, fôra a grande preoc
cupação do Bispo D. Fr. Antonio do Desterro a instauração
deste cenobio, construido no Sul para corresponder aos cons
tantes pedidos da Camara do Rio de Janeiro e aos votos da
população, « pois muito carecia a cidade, que já naquella ,
epoca contava mais de dez mil familias um mosteiro de
religiosas em que poudessem ser offerecidas a Deus as fi
lhas de seus habitantes, que merecessem do céu esta vo
cação, sem que se viessem precizadas a ir buscar o da
Babia, ou os do Reino, com o perigo de padecerem a es
cravidão dos barbaros que, com seu corso , infestavam os mares ,
diz a « Gazeta de Lisboa , de 1 de dezembro de 1750 .
Decididas a professar no novo mosteiro, fizeram - lhe as
irmãs de Fr. Gaspar doação da fortuna pessoal , ajuntan
do D. Anda de Siqueira avultada somma á já consideravel
dadiva das filhas.
A 30 de Maio de 1750 iniciava- se a vida regular do
convento edificado pelo Brigadeiro Alpoim e cuja regra ia
ser a de Santa Clara ; para elle entravam as novas religio
sas dez acompanhando lhes ( s coches o Capitão Ge
neral , o Bispo e seu Cabido, os Ministros da Justiça, o Se
nado da Camara, com seu estandarte , as « Religiões » , Con
frarias e Irmandades, nobreza, funccionarios, cidadãos, a po
pulação em peso da cidade .
Sahido o prestito da igreja de S. Bento, passou pelas
ruas alcatifadas de flores, espadanas e folhas, entre paredes
de tapeçarias e colchas riquissimas e as alas de soldados dos
tres terços da guarnição e dos auxiliares, a Companhia dos
Estudantes e a cavallaria da « terra firme e outra banda »,
« retinindo a harmonia festiva dos instrumentos bellicos» ,
pois, havia cada mestre de campo levado, uns dez, outros
141

mais musicos pretos, « vestidos todos á tragica, mas de dif


ferentes côres» relata um comtemporaneo.
Durante largo tempo impressionou aos Fluminenses a
magnificencia das ceremonias e festejos da inauguração do
Convento da Ajuda.
« Foram tres dias de jubilo para os moradores da cida
de, pelo grande bem que se lhe segue desta fundação, ma
nifestando todos o seu contentamento com as innumeraveis
luminarias, com que desmentiram a tenebrosidade das noites
e com discretissimas poesias que se recitaram nos outeiros
Appollineos» .
A 8 de Junho de 1751 faziam as duas irmãs solenre
profissão perante o Diocesano, sua mãe e irmãos, passando a
chamar- se de ora em diante Soror Izabel Maria da Cruz e
Soror Anna Maria do Sacramento . Fundadoras do Mosteiro,
pode - se dizel-o, foram - lhe por ordem de antiguidade as pri
meiras religiosas.
Algum tempo mais tarde chegava a Frei Gaspar a no
ticia de que o Capitulo Geral de sua Ordem celebrado em
Portugal, no Mosteiro Primaz de Tibães, a 28 de Dezembro
de 1752, elegera-0 Abbade de S. Paulo .
Resolveu, no emtanto, recusar tão alta dignidade ; não
desejava sabir do Rio de janeiro, interromper os cursos de
philosophia e theologia , nem deixar a mãe e irmãs. Alle
gou diversos pretextos, entre outros o de precisar gerir a
fortuna materna, dada a ausencia dos irmãos. Continuou
pois, entregue a seus estudos e affazeres , occupando -se muito
de assumptos bistoricos, já nesta época era o revolvedor in
em communicação
cansavel de cartorios e archivos e estavacia
assidua com Pedro Taques, corresponden que com a esta
dia do genealogista em Goyaz soffreu larga solução de con
tinuidade.
Em 1756 incumbiu -o o Provincial de defender os di
reitos do Mosteiro Benedictino de Santos á posse da Ca
pella de Monteserrate, direitos estes que os Carmelitas con
testavam .
A fundo estudou a questão, in loco, produzindo a Disser
{ ações e Explicações, sobre as terras litigiosas, libello que
revella profundo conhecimento da historia territorial qui
nhentista do littoral de S. Paulo. O capitulo de Tibães, em
sessão de 4 de Fevereiro de 1756, elevara-o a Definidor
Primeiro, collocando -o no «Conselho de Estado » da ordem no
Brasil, pois aos Definidores cabia a confecção dos proje
ctos de reforma a effectuar, relatar as queixas e reclamações,
suggerir medidas disciplinares, etc.
Invocando os mesmos pretextos, pediu Frei Gaspar dis
pensa dos novos e honrosos encargos que lhe eram attribui
dos. Não desejava afastar-se do Rio de Janeiro.
Era então das mais salientes figuras intellectuaes da
cidade ; cada vez mois se lhe affirmavam os creditos de phi
- 142

losopho e theologo, orador sacro e conhecedor profundo da


historia brasileira .
A exemplo do Conde de Sabugosa, promovera em 1736,
Gomes Freire de Andrade a fundação da Academia dos Fe
lizes, com 30 academicos de numero e cuja existencia ôr:
das mais fugazes. A 30 de Janeiro de 1752 renovara - se a
tentativa de 36, surgiudo a Academia dos Selectos, que, se
gundo parece , celebrou uma unica sessão, a inaugural, de
dicada ao seu protector o Capitão General , que acabava de
ser promovido ao posto de Mestre de Campo General ,
Todo o gongorismo das nuvens de incenso dos acade
micos condensou - se nos Jubilos da America, polyanthèa de
dicada ao querido sinceramente querido e ilustre pa
trono da illustre companhia a quem , talvez, só faltou cha
marem bonito heróe, Doutores e licenciados, Padres e Frades,
Physicos - Moraes e desembargadores, Militares e Funcciona
rios, e até a poetisa d . Angela do Amaral Rangel , céga a
nativitate. A 6 de Junho de 1759 inaugurava - se na Bahia
a quarta academia brasileira, a dos Renascidos, cujo symbo
lo era o phenix e cujo numero de membros effectivos se fi
xara nos quarenta, que a imitação da França suggeria . Ha
via no emtanto, elevado numero de socios supra - numerarios,
ou correspondentes, distribuidos pelo Reino a peninsula ibe
rica e todo o Brasil , desde D. Agostinho de Montiano y
Loyondo, director perpetuo da Real Academia de Historia
da Hespanha até o vigario das minas de Tocantins em Go
yaz, perdido nas solidões centraes do continente. Não podia
Frei Gaspar deixar de ser distinguido com a eleição de aca
demico e com effeito figura como numero quarenta dos su
pra -numerarios Renascidos, attribuindo-se-lhe o qualificativo
de «mestre jubilado na sagrada theologia » . Pouco, tambem
devia durar a pobre academia, ferida de morte, em 1760 , com
a subita e mysteriosa prisão de seu presidente, o Conselhei
ro José ode Mascarenhas, arbitraria e inexplicavelmente en
carcerad por Pombal durante dezesete annos .
Acreditavam - se cada vez mais os meritos oratorios de
Frei Gaspar, cuja « admirada erudição e eloquencia frequen
temente brilhava em improvisos.
Em 1758 alcançara notavel triumpho a sua oração fu
nebre nas exequias solemnes do bispo titular de Arecpolis .
D. João de Seixas da Fonseca Borges, que, desde 1745, volun
tariamente vivia recolhido ao Mosteiro de S. Bento, na
observancia da disciplina monastica .
Com o maior pesar vira-o Frei Gaspar desapparecer : a
dôr se lhe traduzira em expressões de verdadeiro e inspirado
surto oratorio .
Uma circumstancia occorrera que sobremaneira lhe au
gmentora a melancolia e lhe afinara a eloquencia : 0 falle
cimento do irmão José nas fazendas dos Campos Geraes.
Poucos annos antes, em Junho de 1754 , finara- se tambem o
virtuoso vigario de S. Francisco, João Baptista de Azevedo;
143

pouco depois em 1760, morria uma das freiras da Ajuda a


agora Madre D. Maria do Sacramento « primeira religiosa
que para o céo deu o convento » , diz- nos Pedro Taques. Em
seis annos presenciara d . Anna de Siqueira Mendonça o
desapparecimento de tres dos seus filhos.
Nesse mesmo anno de 1760 teve porém D. Anda de
Siqueira a consolação de ver a outra filha, a Madre D. Isa
bel Maria da Cruz , eleita Abbadessa da Ajuda.
Ia o Mosteiro mal diz- nos Pedro Taques, e a nova su
periora, sentindo em si a energia da avó é homonyma, ju
rou reformal- o por completo e extirpar -lhe da administra
ção e da vida convantual os abusos intoleraveis.
Ouçamos o genealogista no seu estylo pittoresco :
« As suas grandes prendas lhe adquiriram a pluralidade
dos votos pa a ficar com o peso daquella clausura. Foi es
ta eleição geralmente applaudida por toda a cidade, pelo
grande conceito que tinha adquirido a vida religiosa da
Madre D. Izabel. Não faltavam o obsequio dos primeiros
grandes do governo ecclesiastico e secular, o Exmo, é Revmo.
Bispo D. Fr. Antonio do Desterro, o Illmo. Exmo. Conde de
Bobadella Gomes Freire de Andrada. Governador e Capitão
General da Capitania do Rio de Janeiro, S. Paulo e Minas
Geraes. Desempenhou a expectação em que havia posto a
todas as grandes virtudes moraes da madre D. Izabel.
Dotada de afabilidade, prudencia e humildade, conse
guiu lentamente um total reforma na sua clausura, lançan
do della tudo quanto era indecente nos moveis, com que as
religiosas adornavam as ceilas, em muitas das quaes haviam
cadeiras de dainasco, cortinados e pannos de bofete da mes
ma seda. Fez tambem lançar para fóra o excesso de cri
adas com que se serviam as religiosas, com tanta superflui
dade e indecencia. Em fim , suspendamos a pepa em formar
o caracter desta religiosa e prelada porque as linhas do
sangue nos embaraçam os periodos por não ficarmos sujeitos
á emulação dos que nos quizerem constituir affastados da
pureza , e sipgeleza com queescrevemos a a
nossa Histori
Genealogica . »
Em 1762 reelegera o Capitulo Geral , ou Junta de Ti
bães Abbade do Rio de Janeiro ao Dr. Frei Antonio de S.
Bernardo e este allegando a idade o o estado valedudinario,
pediu e obteve do Abbade provincial que lhe desse substi
tuto da pessoa do discipulo Frei Gaspar da Madre de Deus.
Sensato e prudente como era , euteudera que melhor cabia a
carga ao amigo, cuja energia e valor tão bem conhecia, pois
exigiam as difficuldades da época uma série de qualidades,
proprias dos homens vigorosos, para o prelado que houvesse
de assumir o governo da abbadia fluminense. Máos tempos
corriam para a secular instituição benedictina ! Confiantes
na vitalidade da metro ;ole braslleira haviam os prelados an
teriores gasto avultadas sommas cons.ruindo predics nas ruas
recentemente abertas em sua antiga e vasta « Horta », sobre
144

tudo na « rua nova de S. Bento », attendendo aos rogos do


Senado da Camara fluminense . Para subvencionar as des
pezas pedira o Mosteiro elevadas sommas a juro : contava
amortizal-as paulatinamente com os rendimentos dos predios ;
occorrera , porém , um certo periodo de estagnação da cidade,
de modo que numerosas casas não achavam alugadores e as
dividas da Abbadia sobremaneira cresceram .
Devia ella nesta época 57 contos, somma que hoje re
presentaria uns dous milhares de contos de reis. Velho, ti
mora:o, e acima de tudo, tão dedicado á sua ,Ordem quanto
notado de nitida percepcão da gravidade do momento, pediu
Fr. Antonio de S. Bernardo ao discipulo que lhe passasse
dos já debeis hombros para as robustas espaduas o peso do
tão espinhoso governo .
Gostosamente anuindo a tão honrosa indicação assumiu
o monge vicentino o governo da grande abbadia fluminense
a 2 de Outubro de 1763 « com geral aplauso de seus con
frades e de todos os grandes da cidade » diz-nos um autor ,
Recentemente ainda brilhara -lhe o talento sobre diversos as
pectos, em festivas e lugubres occurencias : Convidara-o o
Bispo do Rio de Janeiro a proferir na Sé da cidade, o ser
mào em acção de graças do Te - Deum , remate dos grandes
festejos provocados pelo casamento da infanta D. Maria, a
futura D. Maria I , e as suas expressões de jubilo, haviam
provocado as mais agradeveis impressões. Um anno mais
tarde, em Março de 1762 , outro assumpto feliz, o Te- Deum
pelo nascimento do Principe da Beira, fazia com que ao
pulpito voltasse, agora na igreja de S. Bento, merecendo o
sermão geraes applausos pela elegancia dos conceitos e pro
priedade das expressões.
A 1 de Janeiro de 1763 occorria o fallecimento de Gomes
Freire de Andrade no meio do mais profundo e sincero pezar
dos Fluminenses, que se não consolavam de perder quem du
rante 29 e meio annos os regera com tana rectidão e de
· votamento, generosidade, largueza de vistas e moderação ,
Amigo particular dos benedictinos e do seu abbade Fr.
Antonio de S. Bernardo déra aos monges, havia alguns an
nos, ganho de causa numa questào com a Relação do Rio,
obrigando esta a retirar Patibulo do lugar onde o collo
cara , em face ao Mosteiro .
Perante o seu cadaver, e em presença de incontavel
multidão, pathetica e arroubadamente traduziu Fr. Gaspar a
dor que aos Fluminenses trazia o desapparecimento do 10
tavel homem de Estado .
A 28 de Janeiro nova oração funebre produzio, por oc
casião das exequias celebradas pelos benedictinos, e este no
vo sermão luctuoso teve, como o primeiro, larga repercussão
em todo o Brasil, a julgarmos pelo testemunho dos contem
poraneos.
Nada mais natural portanto, do que o apreço que ao
novo abbade de S. Bento consagrou o successor de Gomes
145

Freire, o Vice- Rei Conde da Cunha, empossado a 16 de Ou


tubro de 1763 .
Fóra a capital brasileira transferida da Bahia estacio
naria, senão decadente, para o Rio de Janeiro, prospero, cheio
de enorme vitalidade, crescendo prodigiosamente, desde que a
descoberta e povoamento do territorio de Minas Geraes The
trouxera a inultiplicação da população e o augmento colos
sal do ' commercio .
III

Ao assumir o Governo do seu Mosteiro sentiu Fr. Gas


par tumultar em si as impulsões autoritariamente esclareci
das, o amôr a linha recta, o zelo, a consciencia, os escru
pulos que tanto lhe caracter zavam o pai e o avô, e a este
haviam valido a deposição do cargo de Superitendente das
Minas, pelos povos revoltados com a sua austeridade.
De sobra sabia quanto o esperavam difficuldades de
toda a especie ; inteirado se achava dos segredos da admi
nistração da Abbadia ; muito havia que corrigir , muito que
sanar, muito que combater . Encetou o governo « tendo OS
olhos fitos na santa regra do seu Patriarchas, diz-nos um
chronista, e os seus primeiros cuidados foram o exame e ba
lanço das condições espirituaes em que se achava o seu ce
nobio . Iutrinsecamente piedoso, como era, receiou que as
obrigações devocionarias do Mosteiro para com os seus bem
feitores e doadores do patrimonio , defuntos, houvessem sido
postergadas.
Escrupuloso inquerito levou-o á convicção de que, desde
longos decenios, 2.312 missas se deviam ' ás almas destes
bemfeitores. Embora lhe objectassem que taes compromis
sos se achavam satisfeitos, na duvida que lhe ficou ao es
pirito, preferia renoval-os, o que dentro em breve realizou .
Ainda : ao encontrar no cofre do Mosteiro o testamento
do padre Estevam de Rezende, que fizera os benedictinos seus
testamenteiros, verificou que varios legados bavia a pagar :
com afinco procurou reparar a desidia até então havida, cus
tando - lhe o cumprimento destes esforços não pequenos gas
tos e trabalhos .
Assim tambem estabeleceu immediatamente a procissão
annual de S. Gonçalo, em Jacarepaguá, cumprimento de uma
clausula do testamento da doadora e bemfeitora D. Victoria
de Sá, festa esta que se não realizava havia muitos annos
As questões de liturgia, desde o primeiro dia de prela
tura , o preoccuparam como apaixonado que era da pompa do
ritual benedictino, «o culto divino e as funcções da igreja
The mereceram a sua maior attenção fazendo, que ellas se
executassem com o maior asseio e decencia, principalmente
na musica, e canto em que excedeu os seus antecessores ».,
relata -nos a chronica da Abbadia Fluminense.
Reformou os antigos paramentos e, de accordo com as
prescripções do cerimonial, substituiu as casulas destina
146

das as missas de « requiem », trocando ás roxas de outróra por


outras pretas, das quaes uma de velludo agaloada de ouro.
Novas dalmaticas igualmente agaloadas forain preparadas, e,
vieram rica ambula de ouro, varios e pesados castiçaes e
lampadas de prata , artisticamente lavrados, enriquecer o the
souro da Igreja abbacial.
Entrou o vasto templo em obras de aformoseamento ;
novos retabulos foram postos em diversos altares, recebendo
a capella do S. S. Sacramento «a rica obra de talha e a
porta de jacarandá, refendida que é a melhor obra que tem
de madeira este « santuario », diz-nos o singelo dietarista.
Voltando o zelo e a actividade incansavel para os re
paros e melhoramentos do Mosteiro, ordenou a construcção de
aprazivel sala para a recreação dos monges, em jogos lici
tos e conversação nas tardes e dias permittidos « ao mesmo
tempo que zelava com cuidado todo e qualquer excesso
deste divertimento » .
Duas officinas fundou : a de encadernador e pintor, logo
frequentado por numerosos artifices do Mosteiro e da cidade.
Varios predios do patrimonio abbacial foram por elle
então, construidos, e numerosos reconstruidos, sobretudo na
Prainha.
Passando a inspeccionar as fazendas, tomou as melho
res e mais efficazes providencia para que florecessem . Não
fora elle o benedictino em toda e extensão da palavra ! da
raça dos arroteadores e civilizadores de terras ! Em Iguassú
installou excellente forno, na Olaria, na Ilha do Governa
dor, optimas moendas para canna. As fazendas de Jacaré
paguá e Camorim, Vargem Grande, as mais importantes do
patrimonio, muito lhe deveram , realizando- se agrande mu
danças em suas lavouras e fabricas ). « Nada se poupou ou
deixou de fazer que não fosse util ou necessario ». Arrote
aram -se as ferteis terras com arados de que já se não CO
nhecia o uso, que antigamente tiveram ».
Reformou -se todo o material agricola , repararain - se as
estradas valas e cercados ; tomou a pecuaria grande incre
mento e reencetou - se o serviço de exploração de madeiras
para as obras da cidade .
Achavam -se as importantes terras da Vargem Grande
quasi abandonadas « destituido o engenho de todo o neces
sario e absolutamente farto de tudo » .
No breve espaço de dous annos nellas se operou enor
me transformação.
Grande réde de canaez foi aberta para drenar as terras
empantanadas, levando-lhes as aguas para a lagôa de Camo
rim , tudo isto a custa de « grande despeza o maior trabalho
de indios » .
Excellente casa de morada construio-se vasta e confor
tavel, em optima posição.
Enthusiasmado classifica - a o chronista : obra a mais
completa e de melhor gosto que se tem feito neste Mosteiro
147

neste genero : della resultou o adiantamento com que fica


ram muitos escravos, officiaes de carpiteiros e pedreiros que
nella trabalharam . O asseio e ornato inferior é correspon
dente a sua grandeza e nella se pode accommodar até doze
hospedes .
Ao lado deste pequeno Mosteiro rural ergueu - se ele
gante e ampla igrejinba, consagrada a N. S. do Pilar, pa
droeira da fazenda. Fez-se a consagração do novo templo com
grande solennidade e concurrencia de convidados e povo,
nelle se enthronizando jubilosamente as imagens da Virgem
de Sant'Anna e S. Bento.
Se ao patrimonio, tantos e tão especiaes carinhos dedi
cou, comprehende se bem quanto intenso seria o amor com
que cuidou de cousas e factos directamente ligadas ás ins
tigações da intellectualidade.
Mereceram - lhe os já avultados Bibliotheca e Archivo do
Mosteiro a mais saliente attenção desde cs primeiros dias de
prelatura.
Apaixonado da historia, natural que consagrasse o maior
amor a livros, codigos e documentos ! Pensou logo em «au
gmentar e conservar a casa da livraria » a que foi annexa a
officina de encadernação.
Assim pois : « não duvidou recolher um livreiro a quem
pagava todos os annos avultado salario para conservar os
livros damnificados do bicho, ensinando justamente este offi
cio a um escrivo que se lhe destinou para ter cuidado no
asseio e limpeza da casa».
Vieram numerosas e boas obras enriquecer a bibliotheca
a que incorporou a excellente livraria particular do Abbade
Pinna, de quem mandou fazer um retrato a oleo ainda hoje
existente .
Os trabalhos do Archivo realizou-os Frei Gaspar pes
soalmente com aturada paciencia, pertinaz e singular intel
ligencia : grande desordem nelle reinava : refez os antigos
livros do tombo do Mosteiro do Rio deixando principiada
«uma historia chronologica de todos os documentos perten
centes ás propriedades do Mosteiro».
Tudo isto a custa de enorme labor. Ouçamos o dieta
rista : « Só pode fazer uma idéa verdadeira do quanto tra
balhou o Prelado em formar estas relações quem sabe o
estado ou confusão em que se achava naquelle tempo o
mesmo cartorio. Com ellas é facil hoje reduzil- o á melhor
fórma. Esta obra ou este trabalho seria o mais interessante
se o vissem completo os que hão de succeder » .
O afan com que agio Frei Gaspar para a organização
do archivo repousava em grande parte numa serie de argu
mentos e razões ligadas a estricta defesa da vida de sua
ordem .
Tormentosos se annunciavam os tempos para os reli
giosos : triumphara Pombal dos jesuitas, expulsos de Portu
gal e do Brasil em 1759 : proseguindo na serie de violencias,
148

fazia em 1761 queimar o padre Malagrida ; em 1762 rompia


as relações de Portugal com a Santa Sé e logo depois dei
xava vêr quão funda era a sua animosidade contra os re
gulares.
Aos Benedictinos escolheu como alvo das primeiras hos
tilidades anti-monasticas.
Expedido ordens restrictas para que nos Mosteiros de S.
Bento se não acceitassem mais noviços até pova autorisação
do poder civil. Logo depois exigia dos cenobios do Reino e
do Brasil relações exactas e pormenorisadas de todas as ab
badias, priorados e presidencias, com o numero de sacerdo
tes, coristas e donatos, e a descripção dos respectivos patri
monios.
Veio este periodo de afflicção encontrar o previdente
Frei Gaspar a testa do Mosteiro Fluminense : a 15 de ou
tubro de 1764 entregava elle, ao Abbade Provincial do Bra
sil minuciosissimo relatorio do estado financeiro da Abbadia :
nelle descriminando os rendimentos urbanos, os dos foros, os
ruraes e os da sacristia . Se avultado era o patrimonio, avul
tadas tambem as dividas : mais de cincoenta e seis contos
que dous mil seriam actualmente, como atraz deixamos no
tado. Cincoenta e dous monges de côro , seis coristas e tres
donatos viviam no Rio.
Nove religiosos administraram as grandes propriedades
ruraes da Abbadia .
Logo depois novo alarma : pedia -lhe o Conde da Cunha,
Vice-Rei do Brasil, a mandado de Pombal um estudo sobre
a posição da Ordem nas Capitanias do Rio de Janeiro e de
S. Paulo no que foi promptamente satisfeito a 9 de feve
reiro de 1765.
Accentuavam-se cada vez as ameaças de proxima e gra
vissima tormenta : ainda em 1765, a 6 de julho, recebia o
Abbade uma carta do Corregedor da comarca do Rio de
Janeiro dr. Alexandre Nunes Leal exigindo, em cumprimento
de ordens da Côrte, a prompta entrega , por parte do Mos
teiro, de todos os titulos e documentos de propriedades con
cernentes aos seus predios e terras.
Mareara-lhe o magistrado um prazo inadiavel, de dous
mezes, para a apresentação dos papeis : a 2 de setembro re
cebia das mãos de Fr. Gaspar todos os documentos, em re
gra e admiravelmente coordenados : fôra este o resultado da
reorganização do Archivo, sabiamente levada a cabo pelo
historiador precavido.
Aproveitando os dias criticos que a Ordem Benedictina
atravessava, pretenderam os procuradores dos Viscondes de
Asseca, recorrendo á violencia, dar um golpe decisivo em
favor das pretenções de seus constituintes, no interminavel
processo por elles movido ao Mosteiro de S. Bento, do Rio
sobre a posse contestada de enormes latifundios, nos,então
chamados Campos dos Goytacazes, prccesso este que foi dos
mais celebres e longos jámais havidos no Brasil. Se nos não
149

trahe a memoria , só veio a terminar em 1895 , pois a Ca


mara Municipal de Campos, dizendo -se cessionaria des di
reitos dos Viscondes, retomou -o e afinal perdeu o.
Agio , Fr. Gaspar, nesta difficil contigencia , com a mais
sabia prudencia e energia, e começou pretendendo negociar um
accordo. Convocou o conselho de sua communidade e fez ver
quanto seria conveniente ceder as terras chamadas da « Res
tingaa em troca da cessação do processo . Acceito o alvitre,
propôz o Abbade aos adversarios a nomeação de um tribu
nal arbitral para dirimir o litigio, cujos membros seriam esco
lhidos pelo Visconde de Asseca, reservando-se o Mosteiro
apenas o direito de vetar esta ou aquella escolha
Acceita a proposta declarou F. Gaspar pessoa de toda
a confiança, o Chanceller João Alberto de Castello Branco e
o Conego Francisco Simões, apontados pelos adversarics.
Note-se, havia pouco föra o chanceller summamente rispido
para com o Prelado numa carta em que, por ordem real,
convidara -o a declarar « em que direitos se fundava o Mos
teiro do Rio para impôr nos districtos ruraes de suas pro
priedades a eleição de juizes conservadores » , consulta esta
que motivara, em contestação, erudita e cabal exposição de
motivos .
Ia começar o tribunal az bitral os seus trabalhos quando
vendo-se em má postura, decidiram os procuradores denun
ciar a couvenção firmada, a conselho do Advogado Manoel
Henriques, «a quem não podia fazer conta o nosso socego e
quietação », diz o Ditarista.
Grande victoria moral fôra, porém , devida a acção de Frei
Gaspar.
Triumphos judiciaes obteve-os varios o nosso biograr hado
durante a sua prelatura, devido ao seu conhecimento dos
documentos.
Assim , por exemplo : a uma causa perdida imprimio
nova e victoriosa feição — a do Mosteiro contra o Senado da
Camara do Rio de Janeiro, sobre uns chãos do Campo de
S. Domingos, graças a descoberta de antiquissima sesmaria .
Se como administrador revelava o Abbade vicentino
qualidades superiores , outra notavel face de caracter simul
taneamente apresentou á admiração de seus jurisdiccionados
e dos fluminenses em geral : a da philantropia esclarecida, e
incansavel. Avultaram sob o seu governo as grandes esmolas
habituaes do Mosteiro : procurando-se então, sobretudo, pro
teger discretamente os necessitados, a quem a ostentação da
miseria era o mais penoso dos sacrificios :
Soccorreu o Abbade, principalmente aos que viviam
occultos e recolhidos », conta- nos a chronica e , como receiasse
exorbitar, recorreu constantemente á pingue bolsa materna
sempre posta ao serviço do bem e da caridade.
Visitando nos primeiros dias do seu Governo, a forta
leza da Ilha das Cobras, voltou Fr. Gaspar com o coração
confrangido do aspecto dos seus lobregos subterra neos, da
150

quelles sipiztros calabouços, onde ha ainda tão poucos annos


se passou uma das scenas mais vergonhosas, um dos nefan
dos crimes, felizmente raros, que a nossa historia registra :
Longamente conversou com os grilhetas, ouvio -lhe os
brados de augustia e as queixas dos máos tratamentos de
correntes do terrivel systema penitenciario de antanho : pro
metteu minorar-lhes os coffrimentos, quanto lhe fosse possivel
e durante o seu periodo de prelatura não houve segunda
feira em que aos calabouços do presidio não chegasse um
bom jantar « para grande consolação dos miseraveis alli de
tidos », conta -nos o « Dietario». Alargando o circulo de sua
caridade recommendou expressamente aos adminisrradores das
fazendas de São Bento a maior brandura para com os escra
vos. Ouçamos as simples palavras da chronica, ricas de an
tiquado sabor :
« Ordenou que sustentassem as creanças com os manti
mentos da fazenda e tivessem cuidado de as bem vestir,
sempre que nellas conhecessem a necessidade. Prohibio ao
mesmo tempo que se tirasse o dia de sabbado aos escravos
naquellas semanas em que occorriam dias festivos de guarda
por mais urgente que se representasse a necessidade » .
Grande carestia de mantimentos, occorrendo em 1764 no
Rio de Janeiro e circumvizinhanças, ordenou o abbade largas
distribuições, aos pobres, de cereaes, que fez vir das fazendas
do Mosteiro,
Era natural , pois, que revelando a superioridade sob
tantas formas, angariasse o prelado paulista o maior prestigio
entre a população fluminense e as mais altas autoridades da
colonia .
Aprectador de seus meritos, grande amizade dedicou-lhe
o Vice - Rei Conde da Cunha, homem aliás reservado e ris
pido, que deixou o governo no meio da maior antipathia dos
fluminenses , muito embora bastante pela cidade houvesse feito
durante o seu quatriennio e , em termos severos, ousasse re
presentar ao omnipotente Pombal contra a iniqua lei de
1765, suppressora das industrias brasileiras. Installara o
Vice-Rei 0 Arsenal de Marinha no sopé do morro de São
Bento ; ao localisar- se o estaleiro da construcção dos navios
de guerra, quizeram os mestres collocar a carreira de modo
tal que se tornava incommoda ao Mosteiro : a pedido de Frei
Gaspar, por quem tinha « especial veneração », ordenou o
Conde que de modo algum se molestasse os religiosos, veri
ficando - se então que havia manifesto proposito de invadir os
terrenos da Abbadia, abuso tanto mais reprovavel quanto
cedera este á Corôa, a titulo de occupação provisoria, o local
do Arsenal .
Pouco depois, novamente, valeu o Vice-Rei ao Abbade,
assaltado por grandes tribulações.
Ameaçava um grande capitalista da época, certo Pan
taleão de Sousa Telles, executar o Mosteiro pela quantia de
quarenta e dous mil cruzados, de que desde alguns annos era
151

credor. Representaria hoje este credito uns setecentos contos.


Muito embora offerecesse reforma dos titulos, com reforço de
garantias e augmento da taxa de juros, nada alcançara o
prelado. Era a situação melindrosissima : tinha, aliás, Pan
taleão Telles razão de sobra pois já doze mil lhe eram de
vidos de juros vencidos, mostrou - se, pois, irreductivel. Re
correu Frei Gaspar ao Vice- Rei, e este, com o prodigioso
prestigio que o cercava naquelles tempos do « quero, posso e
mando », obteve um praso de seis mezes, para os seus amigos
de S. Bento, sob promessa solemne de que não seria exce
dido. E , realmente, antes que se vencesse pagava Frei
Gaspar dous terços da divida, obtendo novo emprestimo a
juros mais cominodos, que veio desafogar o Mosteiro de parte
de tão grandes encargos .
Com todo o empenho procurava o Conde Vice -Rei au
xiliar os beneditinos : tanta affeição lhes consagrava que
continuamente affirmava « á vista das pessoas mais autori
zadas, que os Monges lhe não davam cuidado ao seu Go
verno e que parecia não haver na terra esta regular corpo-.
ração, resultando destas honradas expressões um respeito e
veneração dos mesmos seculares para toda a communidade »,
diz -nos Dictario da Abbadia Fluminense.
Grato a estes serviços e demonstrações de amizade, a
elles procurou Frei Gaspar do melhor modo corresponder .
Fallecendo a Coudessa de Val dos Reis, sogra do Vice-Rei ,
fez celebrar na sua igreja abbacial solennissimas exequias,
com toda a magnificencia liturgica , « acceitando o Conde
este obsequio com grandes demonstrações de agradecimento
Estava a expirar o prazo governamental de Frei Gaspar.
Occupava os ultimos mezes em confeccionar o seu relatorio :
o Estado que devia ser presente ao Capitulo Geral dos Ti
bães. Acerca dos bens da Ordem em Campos, escrevera
minuciosa « relação para que os prelados futuros os pridessem
conhecer ) .
Mais brilhante não podia ter sido o balanço da sua ad
ministração : Deixava pagos mais de metade dos compromissos
assumidos para custear as obras da Rua Nova. Desta divida
de 47.000 cruzados, vinte e quatro mil estavam amortisados,
achando- se o Mosteiro habilitado a uma nova prestação de
cinco mil para o mesmo fim . Haviam ao mesmo tempo as
outras dividas diminuido de tres mil cruzados !
Immenso o que conseguira ! Tão benemeritos serviços,
em todos os campos de demonstração da actividade abbacial ,
tiveram immediato e justissimo galardão. A 19 de Agosto
de 1765, reunia -se em Tibães o Capitulo Geral sob a pre
sidencia do Abbade Geral Frei João Baptista da Gama.
Votou a assembléa un voto de summo louvor ao prelado flu
minense, e por unanimidade de votos, elevou-o á mais alta
dignidade da Ordem no Brasil : a de Abbade Provincial,
cargo de que tomou posse a 9 de Fevereiro de 1766.
152

Encetou immidiatamente o novo Provincial as visitas


canonicas ás cinco abbadias, tres priorados e seis presidencias,
que a congregação contava no Brazil , de Santos á Parahybai
do Norte.
Em cada casa tudo quiz ver e examinar por si : nada
lhe escapou . Os livros do Mosteiro de São Paulo mostram
quão escrupulosa foi esta perquirição methodica e infatigavel.
A 25 de Agosto de 1768 reunia o Conselho desta nl
tima abbadia para ouvir o pormenorisado relatorio sobre as
occurrencias notaveis da vida do estabelecimento no ultimo
triennio , estudar - lhe as necessidades, satisfazer - lhe os re
clamos urgentes de ordem moral e material, tomando - se então
numerosas providencias de toda a especie para que males e
inconvenientes sanados fossem .
Os livros das fazendas soffreram rigorosa busca, escru
puloso como era o Provincial teve diversas duvidas a lver
assim, pois, na fazenda de São Bernardo fez revalidar nu
merosos casamentos de escravos, por lhe parecer que não
haviam sido realizados de accordo com as prescripções da
Igreja . Um facto curioso nos mostra quanto era incançavel
em sua fiscalisação : encontrando num dos livros do Mosteiro
de São Paulo a transcripção de velho manuscripto que certo
monge fizera , entendendo salval- o da ruina, pelo tempo e os.
insectos, cotejou - a com o original e com a maior franqueza .
escreveu-lhe a margem , assignando as, diversas notas : Neste
trecho o cópista foi ipfiel , « este trecho nao pode ser aceito
pois não concorda com o original , e assim por diante.
Por toda a parte identicamente procedeu nas visitas ca
nonicas. A ida a Olinda forpeceu- lhe o ensejo de visitar os
archivos de Pernambuco e, sobretudo, os das Camaras Mu
nicipaes, out'rora pertencentes ao quinhảo de Itamaracá, an
nexa á Capitania de Santo Amaro, como se sabe..
A questào do cumprimento exacto dos legados, uma das
suas maximas preoccupações, tomou - lhe muito tempo e muito
cuidado em todas as casas visitadas.
No Rio de Janeiro a sua politica de ordem e economia
esclarecida continuara a dar os melhores fructos. Pôde seo
successor , Frei Francisco S. José, aproveitando o vigoroso
impulso do triennio precedente, concluir a edificação da Rua
Nova e ainda amortizar quarenta mil cruzados das dividas
do Mosteiro.
Em sete annos salvara - se, graças a Frei Gaspar, a si
tuação financeira ’ da grande Abbadia. Devera em 1763
cento e quarenta mil' cruzados mais de dous mil contos
hoje - e em 1770 restavam - lhe pagar quarenta mil apenas
Durante o provincialato, tentou o historiador fazer sustar
os effeitos do aviso pombalino de 30 de Janeiro de 1764, em
que se prohibia terminantemente a acceitação de noviços nos
cenobios de Portugal e Brasil. Mallograram - se - lhe os passos
inteiramente : em 1769 expedia Sebastião José de Carvalho
um aviso sobre o assumptı, mais rigoroso do que o primeiro ::
153

«E ' de conjecturar- se a profunda magua com que este religioso


varão de tão grandes lettras, como de preclaras virtudes, re
cebeu a noticia », observa Ramiz Galvão. Remedio não havia
sinão conformar - se ...
Outros grandes desgostos de ordem intima assaltaram a
· Frei Gaspar, neste mesmo periodo : em fins de 1764 fôra sua
irmă obrigada a renunciar ao exercicio da prelazia do Con
vento da Ajuda : adoecera de modo tal que inteiramente
inutilizada ficara. Durante tres annos ainda devia arrastar
uma existencia de soffrimentos e da mais austera devoção,
até que viesse a fallecer em outubro de 1767, summamente
contristando a mãe e ao irmão esta ausencia de pessoa a
quem tanto queriam .
Mais ou menos nesta época , começava a série dos ex
traordinarios infortunios de Pedro Taques. Soubera Frei
Gaspar, em fins de 1766, com verdadeirý desgosto, e maior
sorpresa , dos desarranjos financeiros do querido amigo e con
frade. E o peior era que se tratava de uma questão de al
cance e em uma repartição publica de caracter ecclesiastico,
a thesouraria da Bulla da Santa Cruzada, por quem se res
ponsabilisara o genealogista. E peior ainda aos olhos do
austero prelado : fôra a fonte desses males, o « eterno femi
ninos , avassalador do avelhantado linbagista. Succedera ao
terno coração do historiador, viuvo duas vezes e cincoentão,
render-se aos encantos de uma viuva desassisada e prodiga:
föra agua abaixo a pontualidade irreprehensivel e celebrada
do antigo thesoureiro das minas do Pilar. De sua caixa
distrahira forte somma para attender ás « amorosas rogativas
da dulcinéa, archi-quaren'ona, quicá possuidora de apreciaveis
reminiscencias estheticas. Emprestando-lhe Pedro Taques
avultada quantia arrecadada não pudera a dama restituil-a na
época convencionada, muito embora imprescriptivel, fatal se
annunciasse a expiração do praso para o entrega do saldo
liquido do exercicio annuo, a partida da frota de 1767 a 1
de junho . Urgia providenciar : era o alcance forte; espavo
rido ante as consequencias da imprudencia, obtivera Pedro
Taques, de sua devedora tambem desprovida de valores re
alisaveis . na occasião, que procurasse vender no Rio de Ja
neiro a baixella de prata de sua casa .
Comprára - a um ourives mas, apezar de tudo, insuffi
ciente föra o producto da venda . Nestes transes afflictissimos
recorreu o genealogista a Frei Gaspar, acenando- lhe com a
proximidade da voragem que o ameaçava tragar. Era o Ab
bade , como já vimos, generosissimo coração, um amigo dos
bons e dos ináos dias. A experiencia dos homens e o con
tacto com suas fraquezas fel -o encarar indulgente a falta do
amigo ; soccorrendo - se da fortuna materna, promptamente veio
em seu auxilio, embora apenas trouxesse esta interveação ge
nerosa o adiamento da fatal catastrophe. Mezes mais tarde,
pelo seguimento natural das cousas, era Pedro Taques desti
tuido do cargo e via seus bens e os de seus fiadores seques
154

trados pelo Commissario da Bulla em S. Paulo, preludido este


da serie de desgraças que o reduziram á mais deploravel si
tuação.
Fundamente magoaram , como é facil suppôr, estes acon
tecimentos a Frei Gaspar, cujos ultimos mezes de provincia
lato se passaram na faina de redigir e documentar o relatorio
devido ao proximo capitulo geral.
Longamente meditada exigio-lhe esta peça immerso labor.
De todos os contratempos havidos durante o seu Governo ne
nhum o incommodara tanto quanto a insistencia com que
Pombal mantinha fechadas as portas do Noviciado. Começou
pois a sua exposição de motivos pelo desabafo da magua que
The provocara a intolerancia ministerial. Proseguindo, apon
tou diversas medidas a tomar, confirmando anteriores resolu
ções, ou ditadas pela experiencia do provincialato e o extremo
amor á boa reputação do seu habito ; lembrou por exemplo a
conveniencia dos superiores das diversas abbadias fornece
rem informes annuaes sobre o prestimo, capacidade, instrucção
e qualidades dos religiosos, em vista do seu ulterior apro
veitamento para os altos cargos da Ordem ; igualmente a ne
cessidade de se não outhorgar aos religiosos com menos de
vinte annos de habito a permissão de possuirem escavos , bem
a qualquer monge, quer o contacto prolongado com os fa
s
mulos negros, quer a licença de alugaremo escravos pos
suidos a titulo pessoal . Prohibição expressa , reclamava, se re
novasse aos monges de irem aos lugares de mineração, focos
de espantosa corrupção de costumes; asim como a permissão
para que os prelados fizessem retirar dos mosteiros todos os
moveis e alfaias não condizentes com a simplicidade monas
tica. As festas em adros de igrejas , abuso muito commum no
Brasil colonial , deviam igualmente ser rigorosamente inter
dictas ; assim tambem se vedasse aos seculares o intimo con
vivio com os religiosos , como então muito se praticava.
Fosse dos abbades exigido, sob pena de immediata sus
pensão do cargo e inhibição por seis annos de exercer qual
quer dignidade, trouxessem sempre em dia os livros de deposito
e escripturação do Mosteiro.
Nenhum monge de illustrrção conhecida pudesse ser no
meado para a administração das fazendas .
Ao lado destas medidas administrativas e disciplinares
pedia o Ex - Provincial á Junta que toda a attenção prestasse
aos cursos professados nos Mosteiros, aos « Collegios de Phi
losophia », á assistencia e vigilancia dos Mestres Leitores aos
« actos e conclusões» . Aos Provinciaes, cohibindo-se abusos,
devia fallecer a autoridade para conferir o grao de Doutor,
regalia privativa do Capitulo Geral.
Foram estas algumas das mais importantes medidas, entre
muitas outras, pelo zelo e intelligencia de Frei Gaspar sug
geridas ao Capitulo Geral da Copgregação Benedictina Por
tugueza aberto a 5 de agosto de 1768 em S. Martinho de
155

Tibães, sob a presidencia do Abbade Geral o Dr. Frei Caetano


de Loreto.
Em uma das primeiras sessões leu-se o Estado do Mos
teiro do Rio de Janeiro, o relatorio relativo á administração
de Frei Gaspar, documento que desencadeiou verdadeiro coro
de applausos ao prelado vicentino, consignando-se em acta
que «a Junta não podia deixar de louvar o incansavel tra
balho , particular zelo e economia com que scubera administrar
o patrimonio de Jesus Christo ».
Logo depois tomava- se conta dos actos do Provincialato
cajo triennio expirava exprimindo a Junta a sua satisfacção
pelos « trabalhos incansaveis » com que o M. R. P. Provincial
agira nas visitas de todos os Mosteiros do Brasil. Ao exame
da obrigação dos legados attribuiu o Capitulo Geral a maxima
importancia satisfazendo o modo pela qual föra tratado aos
dictames da mais escrupulosa consciencia .
A 20 de agosto realizavam - se as eleições para o triennio
de 1769 a 1772 ; não eram de praxe as reeleições na Ordem
Benedictioa ; assim ; pois, querendo o Capitulo testemunhar o
seu grande apreço a Frei Gaspar elegeu-o prelado do Mos
teiro capital da Provincia Brasileira o de S. Sebastião da
Bahia, caja situação se achava então precaria.
Foi a noticia recebida com o maior jubilo no Brasil ;
representava um testemunho de apreço e sobretudo de justiça';
ao mesmo tempo appellava a Congregação para os talentos
consagrados do administrador.
«Havendo satisfeito no supremo lugar da Provincia com
os maiores acertos, e desinteressada conducta a expectação
dos que o elegerem, « diz o chronista anonymo do Dietario,
no fim do seu triennio o escolheram os Padres da Junta de
1868 », para D. Abbade do Mosteiro da Bahia, collacando-se
neste Revmo. P. huma bem fundada esperança de restabele
cimento daquella casa. »
« Teve por hem , porém , renunciar, escolhendo para viver
retirado o Mosteiro de Santos, sua patria ». Com effeito, re
solvera Frei Gaspar, de modo inabalavel, por termo à sua
caireira prelacial. Recusou terminantemente as novas honras e
em janeiro de 1769 recolhia-se humildemente ao Mosteiro de
Santos « para descançar com tranquillidade de espirito no re
tiro de uma cella, feito subdito quem desprezava ser prelado»,
escrevia a este respeito Pedro Taques, commentando tal re
solução.
Quaes teriam sido as determinantes de semelhante acto ?
E' difficil explical-o. Quiçá desgosto do fallecimento recente
da Abbadessa da Ajuda, a nostalgia do torrão natal, a at
tracção vehemente pelos estudos historicos tão sacrificados
pelos affazeres e preoccupações dos altos cargos exercidos nos
ultimos annos ...
- 156
IV

Fosse como fosse , em 1769, voltava Frei Gaspar a seu


caro berço, satisfeito de se ver no lindo mosterinho santista
typicamente architectural em sua simplicidade, amplo, sym
pathico acolhedor, situado no dorso do Monteserrate, em si
tuação felicissima, tendo para a alegria dos olhos, extenso e
risonho panorama, o que, desde um millenio, faz parte dos
programmas da collocação dos filhos de S. Bento, o patriarcha
que amava as collinas e os largos golpes de vista.
Fôra Frei Gaspar substituir ao Irmão, Frei Miguel Ar
chanjo, que após seis annos de presidencia do cenobio santista ,
acabava de ver pelo mesmo Capitulo Geral galardoados os
meritos com a investidura da importante abbadia olindense.
Na presidencia de Santos dous religiosos apenas havia,
o presidente e o nosso historiador, « agora por vontade pro
pria humilde subdito de quem recentemente ainda, fôra o ar
chi-hierarcba. Organizou elle logo a sua nova vida na pe
quepa e calma villa littoranea . Voltava D. Anna de Siqueira,
acompanhando o filho querido, a residir em sua casa dos
Quatro Cantos, onde diariamene ia ter o Ex - Provincial, apenas
terminados os deveres espirituaes da manhã ; o dia occupa
va - o em visitar os archivos, a coordenar a enorme messe de
documentos trazidos do Rio de Janeiro e da Bahia, a tradu
zil -os e commental-os.
Sentia -se tão feliz naquelle placido ambiente que nada
mais dalli o conseguiram arrancar, no longº periodo de trinta
annos que ainda lhe caberia viver.
Por vezes viajou em busca de documentos a S. Sebastião,
Itanhaem , Iguape e Cananea, subindo frequentemente a S.
Paulo pelo caminho que classificou « talvez o peior que tem
o mundo ». Que enthusiasmo porém lhe provocava a evocação
do panorama offerecido pela « serra escabrosissima de Para
napiacabar aos que lhe vencem as quebradas e esperezas : «o
jardim amenissimo de ruas alagadas e canteiros de vegetaes
sempre verdes que o mar e a floresta foram aos olhos des
lumbrados do viajor. « Prospecto mais agradavel que este vão
ha ! » affirma em patriotico a rroubo. As bellezas sem conta
do littoral paulista compensadoras da monotonia paizagistica
do planalto , transportavam - no. Nas excursões pelas praias mui
tas vezes se deteve a explorar os sambaquis, preoccupado com
os aspectos da prehistoria brasileira. Indo a São Paulo, no
exercicio das funcções de Commissario Geral Visitador dos
Mosteiros da Capitania, cargo de que não pudera eximir -se,
completou o historiador a sua documentação. Data dahi o mais
prolongado contacto com Pedro Taques. Ao illustre genealo
gista persegaido reduzido a miseria, tendo a saude arruinada
trouxe poderoso conforto moral e material. Eram os dois unicos
picos preeminentes na depressão profunda da vida intellectual
da época, em São Paulo ; typos superiores, incomparavelmente
157

acima de quantos os cercavam, não os podiam comprehender


e provavelmente os desdenhavam .
Precisava um do outro : dahi o affecto entranhado, a admi
ração reciproca , leal, intensa.
Ora era Frei Gaspar quem á rua do Carmo, á triste
morada do linhagista, viuha trazer a alegria da sua presença,
o pretexto para interminaveis conversas sobre os factos da
historia patria, ora avisava Pedro Taques ao amigo que,
precisando ir a Iguape, passaria uus dias em Santos em sua
companhia, desde que lhe chegasse certa « remessa de
Guayazes ». SOMEO
« Vivia tão flagellado, porém , que os mezes passavam
sem que pudesse adiantar certo trabalho pedido pelo seu
correspondente » e antevia com o coração estortegado pelo
pezar o provavel fim dos seus escriptos « papel para os fogos
das noites de S. João .
Muitos sacrificados lhe iam os estudos, não sentia em
si força para os proseguir, poder pagar a um secretario era
irrealisavel sonho de quem nem siquer possuia nais a fa
culdade de escrever ! con
Quanto estimaria poder offerecer -lhe a copia das pre
ciosas obras e manuscriptos a elle dados - presentes do
Brigadeiro Sá e Faria durante a sua passagem em S. Paulo
- via - se na impossibilidade de o fazer pela miseria em que
vivia, graças cá paixão odiosa que o privava de fazer este
mimo sem o contrapeso do desembolso do amigo ! »
Permutavam os dous historiadores tudo quanto tinham :
assim pois commentava é annotava Pedro Taques as folhas
das «Memorias » e submettia ao correspondente, para o mesmo
fim , os seus titulos genealogicos e a narrativa dos episodios
mais notaveis da historia paulista muitos dos quaes infeliz
mente para nós perdidos, como por exemplo a historia da
expedição de Estevão Bayảo aos sertões bahianos, entre tan
tos outros.
Continua - já o dissemos — a troca de documentos e
manuscriptos entre os dous historiadores ; da sua extensa
correspondencia conseguio Antonio Piza encontrar duas cartas
apenas ; por uma dellas, interessantissima, repleta de infor
mações valiosas, é facil aquilatar-se a importancia da perda
que sua destruição á historia de S. Paulo acarretou .
Quando a adversidade accumulou sobre o illustre ge
nealogista golpes tão frequentes quanto crueis, como a perda
dos dous filhos homes, o aggravamento da penuria, vizinha
da miseria , a série de attribulações judiciarias, devida aos
tramites doprocesso de desfalque da Bulla Cruzada, acom
panhou Frei Gaspar, quanto pôde, ao infelicissimo amigo ;
foi com Agostinho Delgado Arouche, o amigo para quem o
Donec eris felis nada significava. Approvou com todas as
forças o projecto de seu regresso ao Reino a pleitear pe
rante o Governo da metropole uma indemnização reparadora
da magna e já seini- secular injustiça feita a seu pai, um
158

dos descobridores de Goyaz, espoliado dos beneficios constan


tes de promessas majestaticas pela tyrannia e falta de es
crupulos dos sattrapas coloniaes e seus perversos conselheiros.
Assim , pois, agitou -se o benedictino, quanto de tảo
longe lhe era possivel, para que ao infeliz surtisse algum
effeito a penosa viagem emprehendida em tão dolorosas
condições.
Recorreu aos irmãos Azeredo Coutinho, o Desembargador
e o Bispo Conde de Coimbra, seus illustres e poderosos pri
mos, homens de pról na Côrte de D. José I, e ao despedir-se
de Pedro Taques a quem levara ao navio, na tarde de 29
de junho de 1774, procurou incutir ao desventurado amigo
uma confiança no bom exito da viagem que provavelmente
lhe era muito contingente.
Neste anno de 1774 , grandes desgostos saltearam o velho
benedictivo ; falteceu em fevereiro, no Rio de Janeiro, co
berto da annos e de prestigio, o mestre e amigo Frei An
tonio de S. Bernardo e a sua perda lhe foi summamente
sensivel ; o fim do anno lhe iria trazer novo e mais doloroso
golpe ; finou - se - lhe a mãi, com quem tantas affinidades sem
pre sentira . Acabara - se - lhe « a terna consolação desta vida »
como em carta lhe dizia Pedro Taques. Resignado respon
dia-lhe o monge que Deus lhe conservara tal consolo até
que entrado já se achasse nos annos da velhice.
Más The vinham as noticias do genealogista ; peiorava
sempre ; a estação nas Caldas da Rainha, de nada lhe valera;
o despacho do requerimento intermino se apresentara, incrivel
a inercia governamental, se não o descaso e a má vontade.
Reduzido a quasi completo tolhimento da acção, nem
por isto deixara elle de frequentar os archivos, pesquizava
e
estudava continuamente a historia paulista . Pedia ao
« amabilicimo amigo » senhor todo da sua fiel veneração, que
The remettesse os seus cadernos da Historia do Paraguay,
que os queria combinar com algumas memorias da Torre do
Tombo.
Annunciava -lhe ao mesmo tempo que a cerca de muita
cousa « em Portugal descobrira o que totalmente ignoravam
ambos . »
Em principios de 1777 , voltava Pedro Taques a Santos,
semi-moribundo, apenas alentado com as esperanças nas
vagas promessas reaes, com que o embalaram até a hora extre
ma
Grande dôr teve Frei Gaspar, ao recebel-o, tão cruel
mente combalido pela molestia ; bem percebia que as mercês
acenadas e entrevistas se reduziam a simples miragem ; a 3
de março fallecia o misero historiador em plena lucidez, a
esta illusão agarrado com todas as forças da vitalidade a
esvahir- se .
Grandemente soffreu o amigo com 0 seu desappareci -
mento. Era o liphagista o homem cuja intelligencia e cultivo
mais o impressionara : « Portento de retentiva , escreve, con
seguira pasmosa erudição das antiguidades do Brasil » , a sua
159

autoridade para elle fora sempre de grande peso. «Genealo


gista eruditissimo e muito verdadeiro » , não lhe ousava pôr
em duvida as affirmações nem comparar seus escriptos aos
proprios. « Erudito rebuscador, só lhe escapara um unico
livro da Camara de S. Vicente e os seus manuscriptos pre
ciosos eram o fructo das pesquizas apaixonadas em todos os
archivos da Capitania, dos cartorios ecclesiasticos e seculares
durante quasi meio seculo » .
A este culto á memoria de Pedro Taques së deve em
grande parte, certamente, a conservação do que resta da
Nobiliarchia Paulistana e das demais obras do chronista das
bandeiras .
Para ellas chamou a attenção de Diogo Ordonhes, São
Leopoldo e Varnhagen . Do seu archivo particular passaram
ás mãos de S. Leopoldo cópias da Historia da Capitania de
S. Vicente e da Inform -ıção sobre as minas de S. Paulo,
que em meiados do seculo passado, o filho de Fernandes
Pinheiro offereceu ao Instituto Brasileiro, sem saber identi
fical- as, 'attribuindo - as á penna do benedictino.
Em todas estas manifestações procedeu Frei Gaspar com
a lisura que tanto lhe traduz a rectidão do caracter. Quanto
sem perigo nem responsabilidade alguma, poderia ter se
aproveitado da obra do amigo illustre e confrade invejado !
Quão grande lhe poderia ter sido a tentação de appropriar
se do que lhe estava á mão, abandonado, e tanto admirava !
Procedeu, no emtanto, sempre com uma escrupulosidade
digna de admiração.
Fallecendo D. José I, a 24 de fevereiro desse mesmo
anno de 1777, decidio a Camara de Santos, ao saber da
noticia, mandar celebrar solennes exequias pela alma do
soberano que — alheio ao que se lhe attribuia, como ao
hollandez proverbial — se convencionara appellidar o Re
formador.
A 14 de julho pronunciava Frei Gaspar o ultimo dos
seus grandes sermões, correspondendo assim ao instante e
honroso convite da Municipalidade santista . Não é certa
mente esta oração funebre uma obra prima; muito longe
disto : nem o panegyrico de D. José I , assumpto capaz de
inspirar um surto oratorio de certo vulto . Não podia um
espirito como o de Frei Gaspar illudir - se acerca do que, na
realidade, föra o titere real, engonçado na mão potente de
Pombal, a quasi abulica nullidade coroada, que
ministro manejava a seu talante ; o que do pulpito entendeu
fazer foi uma demonstração de fidelidade, propria e em nome
dos habitantes de Santos, á corôa luzitana , um preito de
lealismo do vassallo reverente ao soberano respeitado com
todas as veras do coração . Optimo o ensejo para dar larga
aos sentimentos que constituiam a trama da sua formação de
aristocrata e tradicionalista.
Assim , pois, esquecendo - se de Pombal e de D. José I,
vio Frei Gaspar no morto apenas El-Rei e convicto prestou
160

sincera homenagem de respeito e affeição á memoria de


quem, por mercê de Deus e sem o concurso da vontade dos
povos de áquem e além mar, vinte e sete annos governara
o Imperio luzitano ou passara por fazel- o .
Era o momento de angustias e vexames, apossara-se o
hespanhol da ilha de Santa Catharina, exactamente no dia
em que morrera o Rei , sem encontrar a minima resistencia
da guarnição portugueza capitulante. Achando -se o povo
de Santos « muito consternado pela vergonhosa entrega » .
aproveitou - se Frei Gaspar para fazer vibrar a nota patriotica
no seu sermão : assim , habilmente, principiando pela com
paração entre certa feição da vida do Rei defunto e a do
santo varão Job, confronto este encarado sob curioso aspecto,
embora bastante forçado, achou meio de apontar ao seu
auditorio a esperança de proximo e completo desforço, sob
a inspiração da nova soberana, mulher forte, tão illustre
quanto a grande Catharina das Russias, escolhido por Deus
como Debora para redemptora de Portugal » . Se a ilha de
Santa Catharina cahira no dia do fallecimento de D. José I,
é que a Morte, alliando- se ao inimigo, escolhera aquella
data paralevar ao monarcha « por saber que o estylo ordi
nario dos militares é renderem - se, quando lhe morrem os
commandantes no conflicto ». Tudo, porém , se sanaria breve
para maior gloria do Luzo e castigo do Castelhano.
Ila no sermão algum tanto do empolamento tão cara

cterisado daquella época de decadencia litteraria no mundo


portuguez. Não podia o antigo academico supranumerario
dos Renascid s deixar de sacrificar no altar do gongorismo,
muito embora o contivessem a habitual modestia e o com

medimento do austero historiador.


Fazia Frei Gaspar o possivel para afastar-se das glo
rias do mundo e tornar -se esquecido na paz do seu viver
actual , e , no entanto, até ao longe, muito ao longe, reper
cutiam ainda os écos de seus ineritos e acções ; ao solio
real chegaram as vozes canglorosas da sua nomeada ; ines
peradamente recebeu certo dia, directamente emanada da
Côrte, um convite a que acceitasse a mitra madeirense .
Tratando -se de um Brasileiro, era a lembrança regia o mais
raro e honroso attestado de apreço : espavorido com a idéa
de deixar o canto natal, recusou peremptoriamente o histo
riador o baculo que lhe offerecia o Soberano ; nada mais
desejava da vida do que presentemente possuia : Santos, a
sua querida Sant'Anna, valiam -lhe tanto quanto os legumes
de Salonica ao Imperador Deocleciano.
Respeitosa repassada de reconhecimento, mas terminante ,
foi a recusa . Ainda assim nào o deixaram em paz ; em
Abril de 178 pedia - lhe o Capitulo Geral que assumisse O
cargo de Vestre dos Noviços no Rio de Janeiro.
A isto não se pôde furtar o ex . Provincial, dadas as cir
cumstancias que então occorriam : um aviso de D, Maria I,
esperado a todo o momento, ia reabrir o uoviciado da Or
161 -

dem, fechado havia dezeseis annos por Pombal : collocando


F. Gaspar na posição de preceptor dos jovens monges que
iam reatar a successão das gerações monasticas dava -lhe o
Capitulo Geral a mais estrondosa prova de apreço. Enten
deu não poder esquivar -se a um chamamento de tal impor
tancia e assim voltou ao Rio de Janeiro, por alguns mezes,
em fins de 178. Com o maior zelo e paciencia exerceu a
missão de educador dos jovens confrades apezar da idade
avançada em que já se achava : jubiloso vira revogar a lei
< que ameaçava estancar as fontes da vida do seu Instituto »,
e quiz reatar a tradição entre os novos benedictinos do
Brasil e as camadas de seus predecessores.
A Santos, voltou passado certo tempo, para não mais
sahir das terras paulistas. Em 1784 alli o vemos redigir a
Noticia dos annos em que se descobrio o Brasil», o opus
culo que, devido à famosa referencia a João Ramalho, iria
tanta celeuma provocar mais tarde e tantas aggressões in
justas e insultuosas trazer á memoria de seu autor.
Em 1786, teve Fr. Gaspar a grande alegria de
irmão attingir ás culminancias onde já estivera elle. Elegeu
a Junta de Tibães a Frei Miguel Archanjo Abbade Provin
cial do Brasil para o triennio de 1787-1789, justo remate
de uma bella carreira de serviços e dedicação á Ordem . E
com effeito, Presidente em Santos, durante seis annos, fôra,
eleito tres vezes Abbade de Olinda em 1769, 1778 e 1783 .
Definidor em 1780, e Assistente do Provincial em 1774 .
Sobremaneira engrandecera a importante abbadia olin
dense ; reconstruira -lhe a Igreja, obedecendo a uma directriz
esthetica e reconstruira - lhe parte do avultado patrimonio,
bastante combalido então . De seus esforços se dissera em
Junta que administrara « com incansavel trabalho » .
A faina de percorrer os mosteiros de toda a provincia
brasileira , trouxe - o á cidade natal, proporcionando -lhe 0
ensejo de se avistar pelas ultimas vezes com o irmão. Or
gulhavam -se um do outro e tinham no de que, durante
longa existeneia ,haviam sabido honrar -se mutuamente, hon
rando as tradições da familia e o habito da sua eleição.
Findo o provincialato , em 1789, retirou - se Fr. Miguel
para o seu mosteiro de Olinda, não mais voltando ao Sul.
Ainda devia Frei Gaspar viver onze annos, da sua ro
busta ancianidade, ora no cenobio santista, ora viajando á
S. Paulo, como em Agosto de 1793, em que o vemos, então
visitador commissario dos mosteiros da Capitania, tomar par
te comotestemunba no processo de justificação de nobreza
de seu amigo Agostinho Delgado Arouche.
Em Santos residia em companhia do Presidente Fr.
Miguel de Santa Catharina Motta ; eram os dous os unicos
moradores do mosteirinho de Montesserrate ; Presidio - o Frei
Miguel Motta durante mais de trinta annos, dos quaes vinte
sete passados em companhia de Frei Gaspar. Tocante o es
pectaculo da amizade dos dous velhos monges ; viviam como
162

se fossem pai e filho ; o historiador ancião, octogenario, en


tregues ás preoccupações intellectuaes e seu companheiro de
habito, sexagepario, chamando a si o governo da casa
cheio de defferença filial para com 0 amigo e commensal
illustre.
De vez em quando ia Frei Gaspar reviver as leinbran
ças dos dias da infancia, nos locaes onde tão feliz lhe cor
rera a vida nascente, em Sant'Anna, na velha fazenda pa
trimonial, agora em decadencia franca, como aliás toda a
zona litoranea e a Capitania pauli- ta em geral .
Sahido de Santos em escaler, ia o chronista reconhe
cendo as paragens familiares aos annos da meninice : horas
inteiras a navegar no largo e extenso canal de Guarapis
sumă, hoje reduzido ás dimensões muito menores do Canihú,
pela conquista do mangue sobre o mar, desde o « Porto do
Bispo , onde vinham encontrar-se as duas antigas directrises
galgadoras da serra, o « caminho velho 0e « caminho do
Padre José » .
Em certa altura defrontava- se - lhe o local famoso do
antigo du « Engenho do Senhor Governador », o primeiro ha
vido em terras vicentinas, a celebrada usina assucareira dos
opulentos Schetz, de Autuerpia. Quanto não devia dizer
ao historiador dos annos primevos de S. Paulo a vista deste
local de S. Jorge dos Erasmos ! Pouco depois entrava a
montaria na extensa e sinuosa Volta de Sant Anna e assi
gnalava - se a Pedra do Judeu, padrão da secular sesmaria
patrimonial , fincado na sombria encosta de serra onde a
matta opulentissima assume todos os matizes possiveis do
verde. Um pouco mais longe e eram as aguas do Boturoca
sulcadas até o seu pequeno affluente , o Acarahú , correndo
ambos entre a inextricavel manguezal cheio de pittorescas
abertas. Do ponto de desembarque caminbava- se em dire
cção a uma eminencia no sopé da grande serra, seguindo o
declive de pequeno vale ao lado de poetico arroio e galgado
o outeiro, desenrolava-se o vasto panorama littoraneo, glo
ricso de luz, ens.)berbecido da cercadura majestosa da mon
tanha e abrangendo a extensão inmensuravel da floresta .
Alli se erguia a famosa « capella de Sant'Anna », ampla
como uma grande igreja matriz, orgulhosa do seu cyclopico
arco cruzeiro, da larga nave central e da capella-mór, onde
a orago, a Senhora Sant'Anna, em altares valiosos, hospeda
va a Virgem sua filha : a Senhora do Pilar e da Piedade, e
onde, entre outros, Santa Quiteria, Santa Escolastica e Santa
Rita de Cassia lembravam certas preferencias devocionaes
da ultima possuidora da igreja e ainda, entre as toscas of
ferendas votivas da singela piedade dos povos daquelle
quasi perdido recanto, surgiam as imagens de S. Sebastião,
o santo querido dos lusos, e Santo Antonio, gloria maxima
da hagiographia portugueza, esculpidos toscamente em barro
por artistas locaes, cujo talento modelador era escasso, mas
cuja fé era viva .
163

Duzentos metros mais longe levantava - se O solar de


Alonso Pelaes e Luiz Dias Leme, casarão que O decorrer
dos seculos fizera avultar, a cavalleiro dos térreiros das sen
zalas e dos paioes, assente sobre as alvenarias espessas que
caracterisavam a construcção portugueza .
Do alpendre não menos deliciosa perspectiva se a bria
aos olhos do apaixonado de paizagens : a capella e a sua

linha elegante , os candaviaes no seu alegre verde gaio, os


pomares, as casinhas dos colonos nos primeiros planos até
as marsas aguas do Boturoca ; mais longe as sinuosidades a
perder de vista da. Volta de Sant Anna, a grande área dos
manguezaes enquadradoras do lagamar de reflexos cinzentos .
No fundo, as cristas da Serra do Mar envoltas na magnifi
cencia do manto de sua selva virgem ...
Este contacto com a natureza e as tradições do lati
fundio avoengo devia ser delicioso para o historiador ! Não
ha impressão mais funda nem inebriante como sensação
da intimidade do passado, das cousas idas e das gerações
mortas.
E' é um privilegio de raros , a apprehensão de tal con
vivio, uma eleição sobremaneira singular composta de poesia
e mysticismo que só é dada aos espiritos cuja elevação e
cultura se aferem uma pela outra . Traz o sentimento do
contacto com o passado particular estado dalma que é, uma
suave oppressão, indefinivel mal estar, ao mesmo tempo de
licioso, em que a curiosidade exacerbada, a soffreguidão, a
ancia de explorar a trera causam indizivel perturbação ao
lado do gozo que as evocações provocam . E sob o imperio
deste flebile nescio quid, que se evidencia em toda a sua
magnitude a exactidão do poderoso axioma comtista acerca
da dominação que os mortos sobre os vivos exercem.
Retemperado por estas excursões. pelo passado, e as re
cordações das pessoas amadas volvia o bistoriador ao traba
Tho .
Tão uniforme lhe corria a vida em Santos ! Na pe
quena villa escassamente havia então quatrocentos fogos
para 3.500 habitantes, dos quaes mil brancos.
No coração da futura cidade os Quatro Cantos onde se
as
achava a casa paterna do chronista, cruzavam -se-lhe
principaes arterias, a rua Direita , a mais importante, vinda
do largo do Carmo, em direcção á casa do Trem Real , a rua
de Santo Antonio, que morria no convento deste nome , e a
da Praya, dando volta da parte do Norte, até entrar na rua
Santo Antonio e comprehendendo os moradores da « ilhota » !
Modestas então as fortunas locaes ; alguns abastados
commerciantes « com commissões de Lisboa » , havia , comtudo,
e varias pessoas possuiam numerosa escravatura, sobretudo
lavradores. O mais opulento, porém , destes agricultores não
colbia annualmente mais de cem arrobas de café, cem al
queires de arroz, nem fabricava mais de 10 pipas de aguar
dente. Toda a exportação santista , arrôz, aguardente, cou
-
164

ros, farinha, taboas, peixe secco, azeite de baleia , gomma,


montava, segundo era calculo official, a 12 contos de réis em
1795 ; quinhentos contos hoje ; commerciava-se com o Reino,
Pernambuco , Bahia , Rio Grande e sobretudo com Rio de
Janeiro .
( ) ouvidor Marcellino Pereira Cleto, constatando em fins do
seculo, na sua Dissertação a grande decadencia de toda a
capitania paulista e sobre tudo da marinha, reclamava para
remediar os males, a transferencia da Capital, de S. Paulo para
Santos, e o fomento da navegação directa este porto e o Reino,
pois, até então eram menos de meia duzia, se tanto, os na
vios que annualmente dalli iam ter, das escassas dezenas de
embarcações que constituiam todo o movimento maritimo .
Exaurira - se S. Paulo a sacrificar no altar do bezerro de ou
ro das minas : estancara - lhe quasi a aura sacra fames as
fontes da vida. « Sirvam de exemplo a Villa de Santos e
seu termo em que, em 1693, havia mais de quatrocentos ho
mens lavradores habeis para servirem na Camara, e desta
qualidade não ha hoje meia duzia E ainda se conhece
que todo o termo era povoado e cultivado ; agora quasi tu
do são nelle ruinas, e desersão ; o ouro das minas veiu a di
minuir, o negocio tambem diminuiu ». E impressionando - se
com as proprias palavras, bradava o magistrado, sem o con
selheirismo da adjectivação gravibunda : que em S. Paulo
ficaram todos « sem minas, sem negocio e sem agricultura ».
Consistia o supremo remedio, porém , em que, « General
e Ministros castigassem exemplarmente os Vadios, distin
guindo no que fosse honroso, e util primeiro » a todos aquel
les que mais se adiantassem na agricultura, mineração e com
mercio » .
Das lucubrações profundas do Dr. Cleto subsiste a Dis
sertação. Quanto lhe abençoariamos a memoria se houvesse
desistido de taes veleidades historico - litterarias ! Para a dei
xar na magreza das suas 50 pagivas, escassas, requisitou ra
pou os archivos de Santos, S. Vicente e Itanhaem : onde, em
lugar dos inestimavelmente preciosos, dos veneraveis livros
de vereanças, registros e tombo, ficaram os seus autographos
de agradecimento á complacencia dos ignaros Camaristas
que Varnhagem teve a occasião de lêr . . .
Deploravel economista historiador este Dr. Marcellino
Pereira Cleto !

Se a vida em Santos corria na placidez da singeleza


diaria, nem por isto faltava a Frei Gaspar o convivio de
pessoas illustradas . .
Numerosos os ecclesiasticos da villa nada menos de
onze seculares e nove regulares ; exercia o curato o Vi
gario José Xavier de Toledo, homem de excellentes lettras,
diz- nos o Visconde de S. Leopoldo ; o unico capaz talvez de
165

em toda a capitania de fallar o francez ; occupava o juiza


do de fóra o Dr. Sebastião Luiz Tinoco da Silva, integro e
illustrado magistrado que devia acabar Senador do Imperio.
O Capitão -mor da Villa, Francisco Xavier da Costa Agui
lar cunhado dos Andradas , era hornem intelligente e de lar
gueza de vistas e entre as pessoas a quem preoccupavam as
cousas da historia encontrava o benedictino attento interlo
cutor, entre outros, lia pessoa do velho Capitão Governador
da Fortaleza de Itapema, João Teixeira de Carvalho, possu
idor de numerosos documentos velhos .
Assistiu o historiador aos primordios da carreira dos ci
dadãos illustres que tanta gloria haverim de trazer á villa
santista . Viu José Bonifacio partir para Portugal , aos 18
annos , levando as esperanças enormes que todos os conterra
neos fundavam em seu futuro, dada a reputação que os pre
cóces talentos lhe angariavem , e pôde ouvir-lhe os écos dos
triumphos além mar . Presenciou ao desabrochar da intelli
gencia de Antonio Carlos, Martim Francisco e José Felici
anno Fernandes Pinheiro e acompanhou -lhes os primeiros
passos da carreira illustre .
Em 1795 completara o historiador oit -nta annos de ida
de e nada publicara ainda . Volumoso : manuscriptos tinha
es na celia que não se resolvia a imprimir .
Timidez ? modestia ? afastamento das officinas typogra
phicas de que não havia uma só em toda a vastidão brasi
leira ? Certo é que a morte se lhe avisinhava sem que se
pudesse salvar da distruição o que tanta trabalho custara .
Recursos pecuniarios possuia - os sobejos como sabemos :
achava melhor empregal-os em obras que lhe não viessem
exaltar o amor proprio. Dava, e dava muito, esm las aos
pobres e subvenções ao seu mosteiro, cujo patrimonio se re
duzia a quasi nada, custeio da festa de Sant'Anna que fez
celebrar até o ultimo anno de vida etc. , relatam-nos os livros
de contas do cenobio santista .
Receiosos de que se perdessem os escriptos do amigo,
lembraram - se Agostinho Delgado Arouche e seus filhos de
apresental-os ao exame da Academia Real de Sciencias,
immensamente prestigiada no mundo intellectual lusitano,
desde que, em 1780, surgira, sob a inspiração de D. João de
Bragança, Duque de Lafões.
Föra um dos filhos de Agostinho Delgado, o Dr. Diogo
de Toledo Lara e Ordonhes, Ouvidor em Cuyabá, eleito em
1795 socio correspondente da Academia . Tanto elle como o
irmão, o futuro Marechal Arouche, tambem formado em Co
imbra, conservavam excellentes relações nos meios litterarios
portuguezes, sem contar que o parentesco e amizade com o
Bispo Conde de Coimbra , Reitor da Universidade, muito os
prestigiava .
Tomou a si Diogo Ordonhes a iniciativa da apresenta
ção dos manuscriptos do amigo e delles fez a remessa para
166

Pirtugal á commissão academica de exame de memorias


ineditas .
Déra Frei Gaspar á sua obra o titulo seguinte : Fun
dação da Capitania de S. Vicente e acções de Martim Affon .
so de Souza .
Enviara, depois de certa hesitação, estes dois primeiros li
vros , o terceiro não ousara infelizmente annexal - os aos mais;
precisava limal - o, dar- lhe definitiva feição, circumstancia
infeliz, que trouxe o desapparecimento da preciosa continu
ação .
A 23 de Fevereiro de 1796 officiava a Diogo Ordonhes
o illustre mathematico Francisco de Borja Garção Stockler,
mais tarde Barão de Villa da Praia, e então Vice - Secreta
rio da Academia, que a obra de Frei Gaspar merecera ge
ral applauso dos seus examinadores .
Estava a Academia prompta a imprimil-a «debaixo do
seu privilegio» , impondo -lhe em compensação, porém certas
modificações.O titulo seria outro, Memorias para a Histo
ria da Capitania de S. Vicente ; supprimisse o auctor o
epitheto novato dado aos portuguezes recem - chegados ao
Brasil, por descortez, a palavra bugre e outros brasileirismos,
« por não serem termos geralmente adoptados na lingua por
tugueza », ou então em notas, lhes explicasse a significação.
Omittidos fossem os epithetos de «doutissimo e erudito »
attribuidos pela generosidade do autor ao Padre Santa Ma
ria e a mais alguns escriptores citados « de merecimento não
distincto » .
Finalmente exigia a Academia a correcção de phrases
do jaez de « contendas que houveram », escrevendo « conten
das que houve », etc , « como praticarain constantemente os
escriptores de melhor nota, sem se atreverem a emendar um
idiotismo geralmente adoptado » ,
Aplainadas estas pequenas difficuldades, foram impressas
as Jemorias < á custa da Academia e debaixo do seu privi
legio », segundo se decidiu em sessão de 5 de Abril de 1797.
Ainda no mesmo anno se ultimou a confecção do vo
lume, revisto pelo illustre erudito Antonio Caetano do Ama
ral , Secretario interino da sábia Companhia.
Em principios de 1798 recebia Frei Gaspar os primei
ros volumes de sua obra .
Grande prazer lhe devia ter causado este acontecimento
que lhe libertava a obra principal da sorte precaria dos ma
nuscriptos. Era um escriptor estreante para o publico, O
octogenario ex - Provincial !
Recebida foram as Memorias com verdadeiro enthusias
mo e angariaram desde os primeiros dias, entre os Paulistas
a reputação que Varnhagem veio encontrar summamente
enaltecida em 1840, quando « com Fr. Gaspar á vista » an
dou em Santos « a examinar as localidades e inscripções» e
em S. Paulo vio numerosos documentos paleographicos qui
uhentistas, traduzidos provavelmente por Taques e o bene
167

dictino, e em S. Vicente constatou a destruição do mais ve


Iho archivo brasileiro e a fatal passagem do Dr. Cleto pelo
cartorio. Nesta occasião « verificara e acertara , pela confron
tação, varias investigações do chronista » .
E, realmente, outro não podia ser o confronto, tal a
minuciosidade da citação das fontes principaes : os cartorios
da Provedoria da Fazenda Real em S. Paulo, de notas de
toda a Capitania , o registro das sesmarias, os cartorios civis
e ecclesiasticos da capitania, os archivos da propria familia
e os das camaras de S. Vicente, Santos, Itanhaem , S. Paulo,
Goyana, dos mosteiros de S. Bento de todo o Brasil, dos
conventos do Carmo de Santos e S. Paulo, sem contar os
volumosos mananciaes dos archivos do Estado do Brasil na
Bahia e no Rio de Janeiro. As citações e transcripções at
tingem , na absoluta pormenorização, ao limite do exigivel
pelos mais incontentaveis rigoristas.
Das paginas das Memorias surgem , na sua plenitude, å
boa fé, a lealdade do historiador, que se orgulha da sua ve
racidade : « A boa fé com que escrevo obriga-me a não oc
cultar outra noticia que parece destruir quanto fica dito ».
Trahem -lhe a cada passo os preconceitos, as ideas de
casta, a noção do valor proprio . sabe que é um homem ce
lebrado em todo o Brasil. Se se refere a Amador Bueno e á
sua aventura real « não é pelo gosto de o contar entre os
seus terceiros avós e sim para propôr ao mundo um exemplo
da mais heroica fidelidade ». Sobremaneira o lisonjeia ser
aparentado com muitas « nobres familias existentes nas capi
tanias de S. Paulo, Goyazes, Geraes, Cuyabá e Rio de Ja
neiro » , entre outras com a casa de Marapicú, dos illustres
Azeredo Coutinho » .
Vibra nas Memorias a uota patriotica intensamente. In
dignam - o as « fabulas» de Charlevoix contra os Paulistas, a
proposito dos destruidores das reduções do Paraguay : « ho
mem sem criterion , fantazioso autor de historias da carocha»
como a do Hirco -cervo dos antigos logicos » , « cego pela pai
xão » , « escriptor de cousas ridiculas e futeis.» .
Trouxe - lhe leitura da obra do jesuita francez, certa
mente um accrescimo da antipathia de fundo atavico á Com
panhia de Jesus .
Não fôra elle tảo intrinsecamente - paulista para não
apreciar os antagonistas seculares dos descedores de indios,
os invasores de oeste que teriam trazido as lindes hespa
panholas ao coração do territorio vicentino se a isto se não
oppuzessem os « famosos sertanistas desalojadores dos taes
padres Castelhanos e arrazadores de suas missões». O entra
nhado espirito regionalista denuncia -se a cada passo em Frei
Gaspar : ora o leva a protestar na mais justa alias das
reivindicações contra as allegações insultuosas de Dom Vais
sette, historiador maurino, ora a demonstrar quanto em terras
de S. Paulo era já volumosa a corrente nacionalista e quanta
consciencia já ahi se tinha da importancia do indigenato
-
168

brasileiro. À codem -lhe ao bico da penna, honesta e comme


didas, severas palavras, e irritados conceitos.
Dom Vaissette; seu irmão de habito benedictino, «his
toriador celebre e sábio monger , aliáes, se envergonharia de
ter illudido o publico a respeito dos Paulistas» a quem tanto
calumniaria, chamando - lhes bandidos e piratas sem fé, lei,
nem rei « se não houvera bebido no mesmo charco que Char
levoix » .
Descendente dos mais velhos sangues vicentinos, a co
gula do monge não lhe comprime as idéas e preconceitos
nobiliarchicas. « Podia, como tantos outros patricios, apontar
a nobreza dos 3.°", 4.0 , 5.05 e 6.ºs avós » e lembrar o que
entre os seus succedera e tão frequente era nas terras de S.
Paulo a chegada de «sujeitos de certa qualidade », da Eu
ropa ou de outras capitanias brasileiras, « certos de um bom
casamento, ainda que fossem muito pobres » , e a facilima
acquisição, subsequente aos ricos dotes, « de muitas terras,
indios e pretos com que vivessem abastados ». Os paulistas
antigos, « desinteressados e generosos, altivos em demasia,
porém » , attendiam « por conta desta elevação de espirito »
mais ao nascimento do que ao cabedal daquelles que haviam
de ser seus gepros » .
Surtos de estylo aão devemos esperar nas « Memorias » ,
nellas ha, porém, certa feição litteraria que os nossos criticos
contemporaneos assignalaram , assim , por exemplo, no auge
da indignação que ao autor inspiram as historias de Char
levoix, despontam paginas vivas e coloridas como as que
narram o episodio de Ruy de Moschera .
Cabia, 20 anno de 1798, trazer a Frei Gaspar outra
grande alegria : á beira tumulo, devia receber uma ultima e
notavel demonstração de apreço de seus irmãos de habito :
recommendava expressamente o capitulo geral de Tibães, na
sessão de 20 de julho, aos Abbades Provinciaes do Brasil,
que, «nas visitas, em virtude da Santa Obediencia, seguissem
o methodo, declarações e apontamentos praticados pelo M.
R. P., ex - Provincial Frei Gaspar da Madre de Deus» .
Era a justa consagração de uma longa vida de serviços
relevantes e devotamento continuos.
Anno e meio devia ainda viver o historiador, trabalhan
do sempre .
Em 1796 concluira o catalogo dos Capitães -Móres e Ge
neraes do Rio de Janeiro que Antonio Piza descobrio. Eleito
em 1774 Chronista - Mór da Ordem no Brasil , e , successiva
mente, reeleito até 1798, escreveu, durante vinte e cinco
annos, o historico das occurrencias principaes da provincia.
Até os ultimos dias esforçou -se no proseguimento das
« Memorias», promettido no fim do seu livro, e nesta conti
nuação, hoje extraviada, reside um dos principaes problemas
da bibliographia nacional.
Coube a Antonio Piza a fortuna de encontrar uma pe
quena parte dos materiaes reunidos pelo chronista e salvou
- 169

os da destruição irremediavel imprimindo- os. Constituem a


Relação dos Capitães - Tenentes da Capitania de S. Vicente
e as Notas Avulsas.
Teve Varnhagen a occasião de ver em S. Paulo um
exemplar manuscripto das « Memorias », acompanhado das
notas que o historiador «já havia talvez recolhido para a
composição do outro livro promettido no fim do impresso ».
Julgou Sylvio Romero trazer a lume a revelação da
existencia da cubiçada continuação, nos depositos de ma
nuscriptos da nossa Bibliotheca Nacional.
No inquerito a que procedeu o illustre sr. Dr. Manoel
Cicero Peregrino da Silva, a pedido nosso, ficou patente que
o codice proveniente da collecção dos Marquezes de Castello
Melhor é uma simples cópia com pequenas variantes do texto
que servio de guia aos compositores das « Memorias» .
Continua o problema, pois, á espera de solução.
Diz-nos o recenseamento de 1799, em Santos, que Frei
Gaspar, Dr. , Padre Mestre Jubilado, ex - Abbade Provincial,
contava 84 annos, e seu unico companheiro do claustro, alli,
o Prior Presidente Frei Miguel de Santa Catharina Motta
63. Tres escravos de propriedade do ex-Provincial e do Prior
serviam -nos assim como tres outros mais, pertencentes ao Mos
teiro, cujos rendimentos mal davam para o sustento da casa
pois continuava a marinha paulista a deperecer, vivendo
agora quasi em cachexia economica.
Doia ao velho monge tão aferrado a sua região natal
constatar « este estado miseravel a que se achava reduzida
toda a costa da Capitania», tudo porque os Governos só
cuidavam do planalto, sem ligar importancia á parte vulne
ravel da circumscripção. Havia alguns indicios de melhores
dias, no emtanto : « o commercio principiava a reviver».
Foi sob a impressão destes felizes pronuucios divisados,
das épocas, proximas talvez, que a seu querido torrão have
riam de trazer a compensação dos longos annos de abati
mento, e doloroso confronto com os dias venturosos do pas
sado, que « adormecendo no Senhor » suavemente se extinguio
o historiador a 28 de janeiro de 1800 .
Delle se poderia dizer, como dos patriarchas biblicos :
morrera senex et plenus dierum, realizando essa comparação
poderosa, que tão frisantemente traduz a imperiosa necessi
dade do somno eterno a assaltar os organismos privilegiados
daquelles para quem a vida, por mais longa que haja sido,
verificou o perfeito concerto das funcções physiologicas.
Em dezembro de 1803 tragava o tumulo o seu fiel com
panheiro dos trinta ultimos annos de vida, Fr. Miguel Motta.
Em dezembro seguinte des apparecia em Olinda o irmão
Fr. Miguel Archanjo...
VI

Do espolio de Frei Gaspar recolheu o Mosteiro de S.


Paulo a Noticia dos annos em que se descobrio o Brasil, pu
170

blicada por indicação do Conselheiro Amaral Gurgel , e a


Dissertação e Erplicações que tivemos a honra de fazer im
primir. Muita cousa se perdeu dos seus manuscriptos, como
por exemplo o Extracto Generalogico de que nos falla o
Visconde de S. Leopoldo.
Possuia o Marechal Arouche varios escriptos do bene
dictino ; das ruinas de seu archivo salvou Antonio Piza os
fragmentos a que nos referimos.
A questão da continuação das Memorias preoccupou
vivamente os espiritos dos nossos historiographos a ponto de
yocar uma das mais flagrantes apocryphias de que reza a
proyd
nossa historia bibliographica.
Publicou - se no tomo 24 da R vista do Instiiuto Histo
rico Brasileiro uma « Continuação das memorias de Frei
Gaspar da Madre de Deus», que reputamos, de accórdo com
o parecer dos nossos mais eruditos criticos, inteiramente falsa.
Offerecido ao Instituto pelo Brigadeiro Raphael Tobias
de Aguiar, constam as 77 paginas do tal mixtiforio da indi
gesta serzidura de trechos mal copiados da Histuria de Ca
pitania de S. Vicente de Pedro Taques e do resumo mal
feito e annotado de outros trechos da mesma obra .
A isto se annexa a transcripção de diversos documentos
do archivo da Camara de S. Paulo e uma lista de ouvidores
de Sào Paulo, varios dos quaes posteriores ao fallecimento
de Frei Gaspar. A ultima parte da pretensa Continuação
é da lavra de Manoel Cardoso de Abreu, official maior da
Secretaria da Capitaria de S. Paulo em 1797, segundo ex
pressa declaração nella consignada, circumstancia esta que
inexplicavelmente escapou á commissão de redacção da
Revista .
Sobremaneira acatado por quantos estudavam a historia
do Brasil, prestigiado pela autoridade de Porto Seguro, que
o admirava, em 1847, lhe reeditou as Memorias e lhe cha
mava o Jaboatão do Sul ; soffreu Frei Gaspar enorme de
preciação de sua obra e do seu renome, com a furibunda e
celebre aggressão de Candido Mendes em 1876, ataque este
que por infelicidade do chronista teve a maior repercussão,
dado o valor e a reputação do seu refutador .
Tomou-se o illustre senador maranhense de verdadeiro
odio á pessoa e á obra do benedictino, e como já o lembra
mos atacou-os com uma vehemencia pouco consentanea da
moderação e imparcialidade exigida dos historiadores, pois
se
principio usou de phrases commedidas, acabou com ver
dadeiro desabrimento de expressões.
Legitima gloria do Brasil imperial, grande talento ser
vido pelas mais poderosas faculdades de dialectica , possuidor
de immensos conhecimentos das cousas brasileiras e ameri
canas, produzio Candido Mendes duas longas memorias onde
o grande advogado e jurisconsulto, o brasilologo e america
nista sabio , patentearam a opulencia da cultura privilegiada,
- 171

correndo as argucias da argumentação parelhas com as ful


gurações da cerebração.
Aos olhos do observador moderno que não pode afastar
se do axioma de que a historia se faz com os documentos,
e só com os documentos de nada vale, porém , este amon
toado de argumentos, todo o arrazoado eloquente em que
tudo ha, menos a mais elementar pesquiza documentaria.
Fulminando a excommunhão vitanda a Frei Gaspar,
baseou Candido Mendes a sua sentença no seguinte facto :
desvairado pelo orgulho de casta e pelo bairrismo, falsificara
e forgicara o benedictino os documentos acariciadores da sua
megalomania incommensural, sobretudo o testamento de João
Ramalho, feito em S. Paulo a 3 de maio de 1580 .
Accumulando as deducções sabiamente encadeiadas,
demonstrou o senador maranhense que Ramalho « uma unica
pessoa com o bacharel de Cananéa » não podia ter vivido
além de 1560.
E no entanto, tres annos mais tarde , reproduzia a obra
de Azevedo Marques a celebre acta da Camara de S. Paulo,
de 15 de fevereiro de 1564, em que vem uma declaração do
famoso naufrago confessando - se maior de setenta annos, então!
Desabou de vez o , já combalido castello de cartas tão
penosamente edificado por Candido Mendes, com a descoberta
do documento publicado por Washington Luis em 1905.
Alguem mais, além do chronista havia lido o original do
malsinado testamento, não o inventara pois Frei Gaspar...
Assim succedeu a muitos historiadores, de maior polpa do
que o nosso illustre compatriota, a muitos e eminentes es
criptores de historia que tentaram supprir a documentação
pela argumentação.
Haja vista e por exemplo os esforços de Ranke, de
Voigt e de outros grandes bistoriadores papaes, detidos pela
intransponivel muralha das portas dos archivos vaticanos.
Os esforços extraordinarios para tirar premissas e conclusões
da deficiencia das fontes consultadas, máo grado toda a ener
gia da pujança mental totalmente os mutilisou a apparição
de uma serie de documentos inatacaveis trazidos á luz por
Pastor, a quem dera Leào XII o sesamo do archivo pontificio.
« Causa dó vêr tanto e tão nobre trabalho perdido ! »
exclama o illustre historiador contemporaneo. Assim succedeu
a Candido Mendes.
Movido por generoso impulso de desaggravo ao que ima
ginava ser um attentado á verdade da historia brasileira
levou -o a paixão muito além do que devia ir. A voz dos
documentos rehabilitou a memoria de Frei Gaspar das in
crepações e invectivas do seu adversario ; o que ainda subsiste
de tão formidavel assalto pouco desmerece o valor da obra
do chronista .
Nova e estrondosa reparação devia proporcionar ao
benedictino o segundo ataque a sua obra, verdade é que
incomparavelmente menos ponderoso ...
172

Generalizando, avançara imprudentemente Candido Men


des que no formigar das patranhas de Frei Gaspar uma
havia de singular descaro : as invencionices relativas a
Amador Bueno.
Lançou o repto que Moreira de Azevedo soffregamente
reaffirmou em 1887 , com verdadeira leviandade.
Que bella occasião para faire aussi son petit Niebuhr,
pensou o aliás tão sympathico autor d'O Rio de Janeiro !
Achou a tarefa tão facil que nem sequer se deu ao
traablho de ler attentamente as indicações do benedictino
relativas aos documentos por elle Moreira acoimados a priori
de falsidade !
Mandou procurar a folhas 125 de certo livro do archivo
da Camara de S. Paulo o que Frei Gaspar declarara achar
se á f . 125 de outro no da Camara de S. Vicente !! E
como naturalmente não encontrasse 0 que alli nunca se
achara fulminou que o frade mentira e que o frade in
ventara ! »
Tivemos o prazer de publicar o documento em questão ,
cujo original se acha desde 1700 no archivo do Rio de Ja
neiro, á inteira disposição de todo e qualquer consulente .
E' ipsis verbis o que Frei Gaspar transcreveu ...
Para muitos dos nossos historiadores, sobretudo os de
certa época imperial , era singularmente absurdo escrever a
historia recorrendo ao que ainda não fôra impresso !
Não se gabava o velho Mello Moraes de ter sido o unico
Brasileiro que durante longo decennios lera documentos no
Archivo Nacional ?
Quo valor pois attribuir aos ataques dos abbades Vertot
brasilicos ?
Fizeram elles entretanto muito mal á reputação dos
nossos chronistas ; diminuiram - lhes o prestigio, foram os
inspiradores das palavras e conceitos depreciativos de Sylvio
Romero e muitos mais.criticos.
A hora de rehabilitação soou, porém para Frei Gaspar,
desde 1905 .
A commemoração que o Instituto Historico e Geogra
phico de S. Paulo levou a effeito reveste-se dos attributos
de uma solennidade desagravante e reparadora. O tempo se
encarregará de remover do nimbo que envolve a memoria
do historiador honesto, que Frei Gaspar da Madre de Deus
foi, os vestigios do embaciamento produzido pelas invectivas
de seus detractores. Novos documentos clamarão a sua de
fesa de profundis, dos recessos dos archivos onde os irão
buscar os ardorosos pesquizadores, dia a dia a avolumar - se
no paiz e inspirados nos verdadeiros principios da moderua
critica historica. Assim tambem o senso das cousas histo
ricas não trahia a Porto Seguro quando comprovou varias
das asserções do autor das Memorias.
Defendido pela voz dos documentos inatacaveis confun
dirá Frei Gaspar as ultimas allegações de seus adversarios.
-- 173

Já está um delles, Moreira de Azevedo, fóra de comba


te ; longe de conseguir amesquinhar o apreço em que a obra
do benedictino deve ser tida , proporcionou retumbante en
sejo para que de modo absoluto se evidencie quão grande o
respeito por elle consagrado á exactidão dos documentos,
transcriptos para o alicerçamento de suas affirmações leaes.
Na sessão de hoje, meus senhores, realizamos uma obra
de justiça, promovendo a glorificação do historiador vicentino,
amante da verdade, cujas faltas e cujos deslises não são
senão as manifestações da boa fé, productos sub -conscientes
do mais geral, do mais intriseco dos attributos humanos : a
inevitabilidade do pendor para o erro .
Se Frei Gaspar mal inspirado nem sempre escreveu a
Verdade na plenitude de sua pureza, procurou, estamos con
victos, fazel - o com todas as veras da alma agindo com o
maior escrupulo, vencidas tentações torturadoras, após as
longas meditações e o extenuante labor das pesquizas e dos
cotejos rigorosos.
Haverá historiador que melhor possa ter procedido ?
!
a)
A lenda de Amador Bueno
b)
O livro terceiro das « Memorias para a His
toria da Capitania de São Vicente »
PELO

Dr. Affonso d'E . Taunay


socio effectivo do Instituto
I

A Lenda de Amador Bueno

A’ formidavel aggressão de Candido Mendes a Frei Gas


par da Madre de Deus (1 ) seguio -se, alguns annos mais tarde,
à de Moteira de Azevedo ( 2 ) . Acompanhando as inspirações
do illustre antecessor, de rijo atacou o escriptor fluminense
ao benedictino e a Pedro Taques, pretendendo destruir o que
intitulou a lenda de Amador Bueno. Partio porém de pre
missas falsas, ao asseverar que o Senador maranhense já pro
vara não serem exactos no que escreveram de João Ramalho
e Tebiriçás os dous chronistas de S. Paulo ; muito mais sen
sato e prudente seria no entanto avançar que as hypotheses, do
demolidor de reputação de historiographos, e a sua argumen
tação, apenas se revestiam , do aspecto da verosimilhança, pois,
com effeito , nenhuma prova cabal pudera adduzir da falsi
dade daquelles a quem detratára. Entendeu Moreira de Aze
vedo propicia a occasião para faire aussi son petit Niebuhr.
Grata e elegante tarefa ! Muito pouco presta para o dominio
da lenda a historia do Brasil , tắo exigua, tão despida de
grandes lances. Já Varnhagen pulverizara a de Caramurú e
Paraguassú afilhados dos reis Christianissimos; assentou pois as
suas baterias e estimavel autor d'O) Rio de Janeiro contra
Amador Bueno, que lhe pareceu summamente expugnavel, ccusa
de quatro ou seis tiras de papel. De um facto simples, tào ve
rosimil e possivel de se ter passado como esse da acclama
ção de Amador, quiz fazer monstruosa deturpação da Verdade
Historica, com V grande e A maiusculo, obra da vaidade in
commensuravel, da descabellada imaginativa, do bairrismo
super - exaltado dos dous chronistas. Tado isto transeat ; in
justissima, porém , a pecha de falsificadores de documentos
irrogada aos dous escriptores setecentistas de S. Paulo. E
assim , ab ovo, decretou que a famosa patente de capitão , pas
sada a Manoel Bueno da Fonseca pelo Governador do Rio de
Janeiro Arthur de Sá e Menezes, base de toda a documen
tação de benedictino e do genealogista, fóra escandalosamente
manipulada, se não, mais escandalosamente ainda , inventada.
Como argumento insophismavel fizera copiar do Archivo da
Camara de S. Paulo no livro de Registros «que principiou

(1 ) Revista do Instituto Historico e Geographico Brasileiro, tomo, parte 18


2) Ibid Tomo 4, parte 2, pays , 1-10, 1887 .
178

em 1684 » á fl. 125, o malsinado documento, vibrando de in


dignado quando o archivista lhe communicara que não eu
contrara vestigio deste acto. Que maior prova do embuste do
que esta ? « A citação feita por Frei Gaspar do livro de 1684
ás folhas citadas contém registrodifferente do que elle se re
fere. Vê -se pois que não foi o chronista exacto no documento
que exibio » « Proh pudor ! » não teria deixado de accrescen
tar o rectificador, caso fosse o Conselheiro Accacio. Perfidia
ou mera e aliás grave distracção, inspiraria o escriptor ao
traçar estas linhas ? Commettera no entanto monstruoso en
gano. Não se dera ao trabalho de prestar attenção á mais ele
mentar indicação das fontes documentarias do chronista, pois
quizera encontrar em São Paulo o que lá jámais existira. A
patente de Manoel Bueno da Fonseca achava-se registrada
diz -nos com toda clareza o benedictino (Memorias, 1.a edição,
nota 2. *, pag. 134 ) no Livro de Registros que principiou em
1634, á fl. 125 do Archivo da Camara de S. Vicente !!!
Triumpho completo para o nosso Niebuhr brasilico que
para mero desencargo de consciencia ainda allega pequenas
buscas realizadas sempre no archivo da Camara de S. Paulo,
afim de poder er - cathedra e ex-corde fulminar esta sentença
« Assim não ha documento algum que prove a acclamação e
recusa da corôa por Amador Bueno, sendo este facto apenas
uma tradição,
Tal prurido em expurgar a historia brasileira da pre
tensa lenda de Amaor Bueno, filho da precipitação leviana,
do juizo malevolo e preconcebido, ha de custar-lhe a reputa
ção de historiador bem grave nodoa, porém .
Vendo-se desmentido agora, e formalmente, pela voz do
documento que declarou forjado, dirão os observadores impar
ciaes que ao accusador de Frei Gaspar bem se pode attri
buir o baldão arrasador, lançado pelo velho Mello Moraes á
sua geração de historiadores, de que jamais de leve sequer
perscrutara os arcanos dos Archivos Nacionaes ; verdadeiro
horror consagrava ao contacto com 03 papeis velhos, á
« poeira dos seculos » unicas fontes da verdade historica . His
toriadores á feição de certo Conselheiro fariam o historico
dos cercos como o abhade Vertot ...
Se o chronista vicentino e se Pedro Taques (3 ) decla
raram , do modo mais formal, que a patente fôra passada por
Arthur de Sá e Menezes, nada mais elementar, como justiça

(3) «A substancia do referido caso se confirma com as palavras de Ar


thur de Sá e Menezes , Capitão General da Repartição do Sul e Governador da
cidade do Rio de Janeiro, em uma patente de Capitão e Governador da Compa
nhia dos Officiaes de Guerra reformados, Juizes e Vereadores, que tivessem ser .
vido na Camara de 8. Paulo, por elle passada a Manoel Bueno da Fonseca, e
datada aos 3 de Março de 1700 *. Memorias, 1.a edição, pag 131. Este facto
da intentada acclamação de Rei , que não aceitou Amador Bueno, se lê no Ar.
chivo da Camara da Villa Capital de S. Vicente , no livro grande de registros,
tit , 1.681 . fls . 123 até 126. No mesmo Archivo, livro 1.681 até 1.702 , f1 125 , se
acha a patente de Arthur de Sá a Manoel Bueno da Fonseca, em que se declara
a lealdade de Amador Bueno, sendo acclarado pelo povo . Nobiliarchia Paulis.
tana , Revista do Instituto Brazileiro , vol. 32, pag. 182 .
179

e como criterio, do que suppôr no Archivo Nacional , no Rio


de Janeiro, em algum livro de registro daquelle notavel go
vernador do Rio de Janeiro, a existencia do original trans
ladado para outro livro identico da Camara de S. Vicente,
apontado pelos autores desmentidos. Para tanto era precizo,
porém , ir ao Archivo e remexer papeis velhos. Muito mais
facil declarar pura e simplesmente « demolida » a reputação do
frade e do genealogista, como a simples affirmação de que
haviam sido os autores de colossal invencionice. E no em
tanto, bem a mão se achava a defesa dos calumniados.
No livro VII da collecção Governadoresdo Rio de Ja
neiro de Al. 82 (4) em diante se encontra o documento
rehabilitador que mais abaixo na integra transcrevemos, delle
havendo graciosa cópia, graças à obsequiosidade extraordina
ria do nosso erudito amigo, versadissimo na historia nacional,
Dr. Eduardo Marques Peixoto.
Não é nossa intenção discutir detidamente as opiniões e
affirmações de Moreira de Azevedo ; haveremos de fazel-o com
mais vagar, apenas aqui desejamos offerecer aos estudiosos da
historia do Brasil o acto reivindicador das accusasões aus dous
chronistas, inteiramente destituidas de base e, sobretudo, cla
morosamente injustas.
Patente de Capitão Governador da Companhia dos Re
formados a Manoel Bueno da Fonseca Arthur de Sá e

Menezes. Faço saber aos que esta minha Carta patente virem
que tendo respeito ao muito que convem ao serviço de sua
Majestade que Ds. gde. e ao bem Cumum destes Povos de
São Paulo alistaremce todos os homens que ha capazes de
pegarem em armas para o que formei dous terços de auxi
liares e ordenança e porque a principal gente está por alistar
que vem a ser os officiaes de guerra Reformados, Juizes e Verea
dores que tem servido na Camara e porque estes são os prin
cipaes para qualquer incidente que suceda, porque de todos
fio o brasão conforme a sua nobreza e pessoas, e para governar
esta infantaria. Se necessita de Capitão de grande talento,
experiencia. Valor e respeito que com sua actividade e disposi
ção obre com acerto que se espera e vendo eu os serviços que
tem feito Manoel Bueno da Fonseca, além de ser húa das
principaes pessoas das familias de São Paulo e de ter ser
vido a Sua Magestade q. Ds. g.de nos postos de Alferes de
Infantaria da ordenança Capitão e Sargento-mór Com muita
acceitação e zello, e sendo Juiz ordinario na Camara desta
Villa. Sabendo as ordens 9. Sua Magestade 9. D.s G.de
tinha mandado sobre a baixa da moeda Logo pos em exe
cução a d.“ baixa. Sendo Contra a vontade de muitos mal
quistando se e pondo se em Risco de perder a Vida no que
se mostrou Com deliberada Resolução mostrando o zello de
leal vaçalo por dar a verdadeira Execução as Reais Ordens

( 1 ) Annaes do Archivo Vacional, tit . XI , pag . 91 .


-- 180

E na occasião q. se lhe encarregou a arrecadação do Dona


tivo Real foi á Villa de Jundiahy arrecadar o D.° Donativo.
Como consta dos seus papeis e quando não basiarão estes
serviços era merecedor de grandes Cargos, por Ser netto de
Amador Bueno q. Sendo chamado pello Povo para o accla
marem Rey obrando Como Leal e verdadeiro vaçallo com
evidente perigo de Sua Vida, Exclamou dizendo que vivesse
El -Rey Don João o quarto seu Rey e senhor q: pella fidellidade
9. deria de vacallo queria morrer nessa defença e respeitando
en neste tão Louvarel Vacallo digno de grande remuneração
Hey por bem nomear, e eleger, como pela prezente faço,
nomeo, elejo ao d . ° Manoel Bueno da Fonseca por Capitão
Governador da Com ." dos Reformados, Juizes e Vereadores
q. tem servido na Camera e sirvitá o d . ° posto emquanto Sua
Magestade q. D.s G.de o ouver assim por bem ou eu nào
não mandar o contrario, esperando delle que entudo o de 9 .
for Encarregado dará inteira satisfação. Como delle espero,
e gozará com o d. ° posto de todas as honras e previlegios .
Liberdade e yzenções que em rezão delle lhe pertencerem e
será yzento dos terços, e só se agregará na occasião que por
mim ou o Capitam lhe fôr ordenado, e ordeno a todos os
officiaes mayores de guerra e justiça tenhảo, honrem e es
timem e conheção ao d .° Manoel Bueno da Fonseca por Ca
pitão Governador da Comp.a dos Reformados, Juizes, Verea
dores q . tem servido na Camera, e ordeno a todos os officiaes
e soldados da sua Com .“ The obedeção como são obrigados,
guardando suas ordens por escripto, e de palavras e jurará
em minhas mãos de bem e verdadeiramente cumprir com as
obrigações do sen posto para firmeza do q. lhe mandei passar
a prezente sob meu signal e sello das minhas armas q . se
cumprirá como nella se comtém. Registrando-se nesta secre
taria em livros da Camera da Capitania. Dada nesta villa
de São Paulo aos tres dias do mez de março de mil sete
centos. O secretario Joseph Rabello Perdigão, o escrevi . –
Arthur de Saa e Menezes. — Lugar do sello. - . Carta patente
por q . V. S. fas m.ce nomear no posto de Capitão Gover
nador da Companhia dos Reformados, Juizes, Vereadores que
servirão na Camera a Manoel Bueno da Fonseca pellas razões
nella declaradas. P.« V. S.. Ver.
Dos mais interessantes é o cotejo do texto da Patente
e o do autor das Memorias.
TEXTO DO DOCUMENTO DO AR
TEXTO DE FREI GASPAR CHIVO NOCIONAL

« E quando não bastavão « E quando não bastavão


estes serviços era merecedor de estes Serviços era merecedor
grandes cargos, por ser neto de grandes cargos, por Ser
de Amador Bueno, que sendo netto de Amador Bueno, q .
chamado pelo Povo para o sendo chamado pello Povo
acclamarem Rei, obrando como para o acclamarem Rey, obran .
181

leal e verdadeiro Vassalo, com do como Leal e verdadeiro


evidente perigo de sua vida, vaçallo com evidente perigo
clamout, dizendo, que vivesse de sua Vida, Exclamou di
El Rey, Don João o IV seu zendo q. vivesse El Rey Dom
Rey e Senhor, e que pela fi- João o quarto seu Rey e Se
delidade que devia de Vas- phor q . pella fidelidade 9 .
sallo queria morrer nesta de- devia de vacallo queria mor
fensa ; e respeitando eu tão rer nessa defença e respei
louvavel Vassalo, digno de tando eu nesta tão louvavel
grande remuneração, hei por Vavallo digno de grande re
bem nomear... » muneração, Hey por bem no
mear .

Mais favoravel não pode ser o confronto ; inequivoca


mente demonstra a escrupulosa fidelidade de Frei Gaspar.
Pondo de lado as divergencias meramente orthographicas sem
importancia alguma, notamos num dos documentos clamou e no
outro excl mou : na do original um neste que não existe no
de São Vicente e só... Raramente se commetteu tão séria
injustiça contra a reputação de um historiador quanto a de
Moreira Azevedo em relação ao chronista vicentino. Lavrou
o decreto condemnatorio do benedictino e da demolição da
lenda de Amador Bueno e as consequencias da tão iniqua sen
tença, revestidas da apparencia da verdade, não se fizeram
esperar. Assim pois estribado no que escrevera o auctor d’O
Rio de Janeiro avança Sylvio Romero na Historia da Litte
ratura Brasileira : « Investigações recentes provaramo exa

gerado do caso, reduziram -no a proporções mais modestas» .


Protestando contra o injustificavel emprego do substan
tivo inicial e do verbo de que é sujeito, entendemos que o res
peito ás fontes historicas impõe a substituição da phrase por
outra : < Recentes hypotheses e méras conjecturas, sem fun
damento documentario algum , pretendem demonstrar o exa
gerado do caso, reduzindo- o a proporções mais modestas» .
Esta é a verdadeira lição que se deprehende do exame das
allegações de Moreira Azevedo, que longe de conseguir ames
quinhar o apreço em que a obra de Frei Gaspar é tida, pro
porcionou retumbante ensejo para que de modo absoluto se
evidenciasse quão grande o respeito pelo chronista consa
grado á exactidão dos documentos transcriptos para o alicer
çamento de suas affirmações leaes.
182

II

O Livro terceiro das (Memorias para a


Historia da Capitania de S. Vicente)
« Em virtude deste contrato se reuniram como era justo
á Corôa, as 50 leguas de Pero Lopes, constitutivas da capi
tania de Santo Amaro ; ellas motivaram grandes discordias,
e foram causa de nada possuirem os herdeiros de Martim
Affonso, até que a Rainha, nossa senhora, foi servida conce
der -lhes um equivalente pela capitania de 100 leguas de
costa, chamada de São Vicente, como se verá em outro livro
que destinamos publicar sobre estas materias » .
Taes são as ultimas linhas do paragrapho nonagesimo,
com que termina o segundo e ultimo livro das Memorias para
a Historia da Capitania de São Vicente.
Publicadas em fins de 1797, quando o auctor, mais que
octagevario, se achava quasi á beira do tumulo, é de suppor
que tal continuação se achasse, pelo menos, em adiantada
elaboração, quando as suas primeiras partes foram entregues
ao prelo. Morto Frei Gaspar, em Janeiro de 1800, disper
saram - se os seu papeis como havia succedido aos de Pedro
Taques : foram alguns recolhidos ao archivo do Mosteiro de
São Bento , de São Paulo, como a Noticia dos annos em que
se descobriu o Brasil e o libello do proccesso de Montserrat
em Santos ; grande parte foi ter ás mãos do dr. José Arouche,
unico Brasileiro realmente culto e amante das cousas intel
lectuaes, vivendo na Capitania de São Paulo, em principios
do seculo XIX . Passando por São Paulo, em 1840 ( 1 ) pôde
Varnhagen comprovar a existencia de dous exemplares ma
nuscriptos das Memorias ; pertencia um ao então Presidente
da Provincia Raphael Tobias de Aguiar e outro ao archivo
da Camara Municipal de São Paulo. Ao primeiro acompa
nhavam as notas que o historiador «já havia talvez recolhido
para a composição do outro livro, promettido no fim do im
presso » , dizia em carta ao Instituto Brasileiro.
Assim tempo mais tarde por suggestão de Porto Seguro
talvez, offertava o Brigadeiro Raphel Tobias, ao Instituto, a
Continuação das Memorias de Frei Gaspar da Madre de
Deus. Trouxe a publicação deste manuscripto, no tomo 24
da Revista grande desillusão aos estudiosos da historia pau
lista. E'ra totalmente apocrypha a tal continuação, indigesta
serzidura de trechos, copiados, interpolados e deturpados, da
Historia da Capi ania de São Vicente, de Pedro Taques, e
do resumo, muito mal feito e annotado de outros pedaços da
mesma obra. Como annexos se adicionam diversos docu

( 1 ) Revista do Instituto Brasileiro, tomo II, pags , 524 e 529 .


183

mentos do archivo da Camara de São Paulo e uma lista de


ouvidores em que se mencionam magistrados muito posteriores
á morte do Benedictino ! Rematando este acervo de apocry
phos, surgem as Noticias sobre a vinda dos primeiros Go
vernadores até o presente Capitão General, de que Manoel
Cardoso de Abreu, ( 1 ) official maior da Secretaria da Capitania
São Paulo, em 1797 , se attribue a auctoria de taes paginas
circumstancia essa que, de todo e inexplicavelmente, escapou
á vigilancia da commissão da redacção da Rerista.
As ineditas e excellentes Votas, esparsas, que Antonio
Piza descobrio por acasc , identificou e publicou, salvando-as
de fatal destruição, d'entre maços e maços de documentos
abandonados e deteriorados de um dos mais ricos archivos
particulares de S. Paulo, as notas insertas no tomo quinto
da Revista do Instituto IIistorico de S. Paulo, juntamente
com a Relação dos Capitaes Loco - Tenentes da Capitania de
S. Vic nte, pertencem , quer nos parecer, ao arcabouço do
cumentario do terceiro livro das Memorias.
Veio a Exposição de Historia do Brasil, em 1881 , pro
vocar o apparecimento de monumental Catalogo, titulo ma
ximo de benemerencia que aponta o nome do illustre Ramiz
Galvão á gratidão nacional.
Revelou o Catalogo (2) a existencia nos depositos da
Bibliotheca nacional , de volumoso manuscripto de Frei Gas
par, 134 folhas, numeradas, « in folio , lettra do seculo
XVIII, e esta indicação levou Silvio Romero a declarar que
encontrada fôra a « continuação » authentica, real e ardente
mente procurada, o terceiro livro das Memorias para a lis
toria da Capitania do São Vicente. « Existe em manus

cripto um terceiro tomo na Bibliotheca Nacional . E' a ge


nuina continuação das Memorias ; é um codice authentico,
em letras do seculo passado », affirma da Historia da Litte
ratura Brasileira, sem que comtudo haja cotejado o manus
cripto com algum exemplar impresso da obra do chronista
vicentino.
Occasionou-nos esta ausencia de confronto, e tão formal
affirmativa, cruel decepção. Encarregados pelo Instituto
Historico de S. Paulo da reccnstrucção biographica do be
nedictino, tendo em vista a commemoração do segundo cen
tenario do seu nascimento, consideravamos como que a re
compensa dos esforços despendidos no desempenho da difficil
commissão, o desvendamento do incognito em que até hoje
se envolve o paradeiro do ultimo – talvez jámais escripto
– livro das Memorias.
Muito nos sorrio a idéa da revelação ao publico de tảo
importante documento sobre a historia patria e neste pro
posito, impacientemente consultámos o eminente Director da
Bibliotheca Nacional, e nosso bom amigo, 0 illustre Dr.

( 1 ) Manoel Cardoso de .
(2) Annaes da Bibliotheca Nacional, tomo IX , pg. 471
184

Manoel Cicero Peregrino da Silva , benemerito guarda de


um thesouro incalculavelmente precioso, hoje, graças a elle ,
sobretudo, condignamente installado, ao alcance dos estu
diosos, quer pelo accesso franco, facil , immediato ás suas
peças componentes, quer pela communicação destas por meio
da transcripção commentada aos consulentes afastados do
Rio de Janeiro, como é o nosso caro . Delle obtivemos a
seguinte e desanimadora resposta :
« A cópía que a Bibliotheca Nacional possue das «Me
morias para a historia da Capitania de S. Vicente por Fr.
Gaspar da Madre de Deus » , e a que se refere a nota que
se segue ao n . 5.510 do Catalogo da Exposição de Historia
do Brasil, não vai além do livro 2.º. Não estava bem in
formado Sylvio Romero quando na « Historia da litteratura
brasileira , affirmou tratar -se do livro 3.", « genuina conti
nuação das memorias » .
O manuscrito da Bibliotheca Nacional pertenceu á col
lecção dos Marquezes de Castello Melhor, em cujo catalogo,
está mencionado sob o n . 162 como inedito o autographo (? ).
Confrontando -se o manuscripto com o impresso (a edi
ção do Rio de 1847 reproduz a de Lisboa de 1797 ), nota -se
que os . paragraphos são numerados diversamente ; que não é:
a mesma a orthographia ; que não ha no manuscripto varios
trechos, como por exemplo as linhas 3 a 19 da pagina 27
da edição do Rio, ao passo que outros ha que não constam
do impresso, como por exemplo os SS 13, 14 e 134, a nota
8 do § 165 e vinte e quatro linhas da nota 24, S 166 do
livro 1.°, nota que corresponde á de n . 2 da pagina 115 da
edição do Rio, e as onze ultimas linhas da nota 1 do § 28
do livro 2. (Ó § 28 corresponde ao 27 do impresso ); que ha
finalmente innumeras variantes, se bem que, em geral, pou
co importantes.
O livro 2.º termina no § 91 que é o seguinte : «Em
virtude deste contrato se reunirão á Corôa as 50 leguas de
Pedro Lopes, constitutivas da Capitania de Santo Amaro ::
ellas motivaram grandes discordias, e foram occasião de nada
possuirem no tempo presente os herdeiros de Martim Affon
so , como tenho dito , e hei de repetir no livro seguinte.

LIVRO 3.0

(Seguem -se varias folhas em branco).


O original dessa cópia do seculo XVIII deve ter pre
cedido aquelle que servio para a publicação das « Memorias »
pela Academia Keal das Sciencias em 1797 .
Taes são as informações que posso prestar a V. Exc. €
ao Instituto Historico e Geographico de S. Paulo a respeito
do codice em questào.
Queira V. Exc. aceitar, etc.
185

Accaso teria Frei Gaspar redigido o seu terceiro VO


lume ? Eis um problema da nossa bibliographia nacional
cuja solução nos parece summamente obscura.
Parece -nos que , se não terminou o livro, deixou - o adi
antado , pois trabalhou continuamente , até os dias extremos
da longa vida. Revela o estudo de seus manuscritos quanto
eram lentos os seus processos de composição ; emendava muito
e copiava frequentemente os seus assumptos, duas e tres
vezes .
Receiava, certamente, ser encontrado em contradicção
com a verdade dos documentos, besitava e isto 0 tornava
tardo em publicar, tanto mais quanto no seu tempo nada
havia de definitivamente assentado sobre as cousas da his
toria do Brasil meridional .
Que trabalhou até á extrema velhice demonstram - n'o
os originaes do seu Catalogo dos Capitães Móres e Gover
nadores do Rio de Janeiro, de que existem dois exemplares,
cheios de emendas e rasuras . Em uma das paginas lê - se a
data dous de Fevereiro de 1796 : tinha o monge quasi 81
andos completos e escrevia diuturnamente, estava em ves

peras de publicar as suas « Memorias » .


Ninguem pode emittir hypotheses sobre a possibilidade
do encontro do terceiro volume de Frei Gaspar num paiz
como o nosso em que, salvo de infima minoria de escla
recidos, profundo despreso ha, e mesmo acirrada antipathia
e repugnancia aos papeis velhos. Em que estado foi Anto
nio Piza encontrar tantos e tantos dos preciosos documentos
que salvou da destruição, a começar pelos que pertenciam
ao patrimonio publico ? !
Possivel é tambem por diversas razões que em Postugal
se encontrem os manuscriptos de Frei Gaspar. Remetteu-os
elle a seu primo Diogo Ordonhes para que os apresentasse
á Academia Real das Sciencias ( 1 ) quando pensou em im
primil - os e eis como o codice actualmente na Bibliotheca
Nacional foi ter á livraria dos Marquezes de Castello Me
lhor, onde nenhum bibliothecario, aliás, soube, identifical-o,
como da leitura do catalogo se deprehende. Muito prova
velmente felos tambem conhecidos de seus outros primos os
Azeredos Coutinhos, protector e amigos de Pedro Taques,
Brasileiros de excepcional prees
stigio no seculo XVIII aos
olhos de todos os compatriotas pela importancia dos cargos
exercidos no Reino .
« Florente ramo da America Brasilica , cujos troncos de
Pires, Buenos e Rendons, ficarão em S. Paulo, de onde se
transplantou hu garfo para o R.° de Janeiro ( 2 )
irmãos fluminenses João Pereira Ramos de Azeredo Couti
nho – Desembargador da Casa da Supplicação, Procurador

( 1) Documentos Interessantes, IV - 25 .
(2) Carta de Pedro Taques a Frei Gaspar , Doc, Interess. III – 11 .
186

Geral da Corôa, Guarda - Mór da Torre do Tombo, procura


dor da Santa Igreja de Lisboa e D. Francisco de Lemos
Faria Pereira Coutinho, Bispo-Conde de Coimbra e Reitor
da Universidade, fascinavam a todos os brasileiros de então,
modestos, humildes, constantemente supplantados em sua
patria pelos reinoes, graças ao brilho da extraordinaria car
reira, em terras de além mar . Affaveis, serviçaes, amigos
dos compatriotas, directamente relacionados com Pedro Ta
ques, a quem protegeram quauto possivel, mereceu 0 pri
meiro amistosa referencia de Fr. Gaspar nas « Memorias » .
« Respeitavel por tantos titulos ! delle diz 0 monge ,
cheio de veneração por tão illustre parente, encaixando - lhe
o nome no seu § 185, como o de Pilatos se vio transportado
para o Credo, se nos é permittida a vulgar comparação..
Assim como Varnhagem se julgava não muito longe de se
avistar com os manuscriptos de Pedro Taques em Coimbra,
deve-se admittir a possibilidade de algum pesquizador feliz,
um dia ou outro, descobrir em Portugal o terceiro livro das
Memorias para a Historia da Capitania de S. Vicente .
Ineditos de Frei Gaspar da Madre de Deus
documentos sobre o historiador
COLLIGIDOS PELO

Dr. Affonso d'E . Taunay


socio effectivo do Instituto
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Fac - simile de um autographo do historiador
Oração Funebre
Nas Exequias, que pelo
Serenissimo Senhor D. José Primeiro,
Rey Fidelissimo de Portugal,
Mandou celebrar
A Camara da Villa do Porto de Santos ,
aos 14 de Julho de 1777

Recitou-a
o Dr. Fr. Gaspar da Madre de D.S

Estando o povo m ."' consternado pela


vergonhosa entrega de S. Catharina
NOTA

Foi Fr. Gaspar da Madre de Deus um dos mais illus


tres prégadores brasileiros do seculo XVIII; diz a chronica
benedictina da Abbadia do Rio de Janeiro que desde muito
moço constantemente recebia chamados para occupar o pul
pito, quer na cidade quer em sua redondeza.
Dentre os seus numerosos e applaudidos sermões, ao ol
vido escaparam alguns, proferidos em occasiões solennes e
que aos auditorios impressionaram fundamente : assim , por
exemplo o panegyrico da infanta, futura D. Maria I, no Te
Deum propiciatorio pelo seu casamento, a oração, em acção
de graças pelo feliz nascimento do infante D. José, Princi
pe da Beira, durante a Missa Pontifical rezada na igreja de
S. Bento, a pedido do diocesano D. Fr. Antonio do Desterro
a 7 de Maio de 1762, com assistencia do Conde de Boba
della, Capitão General, « Senado da Camara e nobreza do
paiz », os elogios funebres do Conde de Bobadella na
igreja do Convento do Desterro e na de S. Bento a 2 e 22
de janeiro de 1763, o de D. João de Seixas, bispo titular
de Areopolis , no Rio de Janeiro, igualmente, em 1758, etc..
Seu ultimo grande sermão foi o que agora a Revista
insere, graças á extrema gentileza do nosso illustre consocio,
sr. dr. Max Fleiuss que offereceu a copia por onde se
fez a composição. Obra de velhice e infelizmente, segundo
cremos, o unico trecho de oratoria do benedictino escapo á
destruição do tempo, pertenceu -lhe o original ao visconde de S.
Leopoldo cujo sobrinho o conego Fernandes Pinheiro o of
fertou ao Instituto Brasileiro . No catalogo do archivo da
sabia companhia tem o numero 785. Representa o panegy
rico de D. José I, a expressão dos sentimentos de lealdade
do fiel vassalo para com o soberano.
Ab imo pectore, por mais realista fosse , não podia
o illustre benedictino professar tão grande estima quanto
alardêa, pelo pobre titere real que a mão poderosa de Se
bastião José de Carvalho movia á vontade, para a direita e
a esquerda. Tratava-se d'El -Rei porém ... devia-lhe o sub
dito duplamente fiel , como sacerdote irreprehensivel, um preito
de respeito e affeição ; prestou - o convicto e reverente á me
moria de quem governara o reino lusitano ou fingira poder
governal.o por mercê de Deus e sem o concurso da von
tade dos povos de aquem e alem mar. Assim pois no sermão
de 16 de Julho de 1777 ninguem encontrará os arroubos de
191

oratoria do monge vicentino que tanta reputação lhe gran


gearam entre os contemporaneos...
A feição que o seu seculo applaudiu é nos hoje insup
portavel ; apesar de tudo, a sobriedade relativa do historia
dor das Memorias attenuando os empolamentos do antigo
academico supranumerario dos Renascidos ainda é a oração
funebre de D. José I uma peça que além de certo cunho
pittoresco possue alguns dos caracteristicos d'aguillo que con
soante o conceito voltaireano torna aceitaveis todos os ge
neros litterarios, excepto um unico .
Julho - 1915 .
AFFONSO D'E . TAUNAY,

Mortuus est senex et plenus dierum ( ob. 42. 16)

Eu , eu mesmo havia de ser o mais severo accusador da


minha imprudencia e tambem da vossa insensibilidade, se
não föra extremosa a vossa dôr nesta occasião. ou tivera eu
o desaccordo de reprehender o vosso pranto diante do ceno
tafio que nos traz à memoria o Mausoléo onde gloriosamente
descansam as cinzas respeitaveis do Serenissimo Sr. D. José I
Rey Fidelissimo de Portugal . Todos me pareceis vivas ima
gens, do maior sentimento ; em cada hum de vós estou divi
sando os lastimosos characteres, por oude se conhece os si
mulacros da tristeza ; e supposto mereçam reprehevsão os
luctos desordenados, não devo hoje conservar o vosso, o qual
mal pode exceder os limites da recta razão, concorrendo
tantos, para deplorarmos a falta de um Rey tão digno da
nossa candade.
Oh ! morte , como és cruel, pois com hum só golpe fe
ristes a tantos, e levastes o sentimento a todas as quatro
partes do mundo !
Roubou -nos meos irmãos , roubou-nos esta inimiga do
genero humano o Monarca, que mais attendeu ao mereci
mento de nossos compatriotas, excedendo nesta parte até a
seu incomparavel, e nunca bem louvado Pay , que tanto fa
vorecêo aos Naturaes da Capitania de S. Paulo, e com muita
especialidade alguns da Villa do Porto de Santos : privou
nos de hum soberano que gastou somas muito importantes
no transporte de soldados, armas, munições e outros petre
chos bellicos , attendendo a segurança da Nossa America :
para que nos fosse mais sensivel a chaga, esperou , que o
Vice -Rey de Buenos Ayres declarasse guerra aoFidelissima
Brasil e
então cortou o fio da vida a Sua Magestade ,
quando mais necessitavamos de hum Principe valeroso e ex
perimentado, que nos defendesse : ligou-se com nossos eni
migos; e por saber que o estylo ordinario dos militares hé,
renderem -se em vez morrendo cs commandantes na occasião
do conflicto ; matou-nos aquella insolente o nosso Imperador
no mesmo dia em que os Castelhanos assaltarão a villa de
195

Santa Catharina, para que lhes fosse tão facil, como foi,
victoria .
Enganou -se, porém, a morte se entendêo, que conspi
rando contra a vida do Sr. D. José e elevando ao throno a
Rainha N. S. , dava auxilio aos hespavhoes. Sim , enganou
se, e se discursava com acerto, havia de assentar, que a
nossa maior ventura consiste em reger a Lusitania huma
Senhora no presente seculo, em que Venus se tornarão Mar
tes e as felicidades dos Estados na Europa annexos ás dis
posições do sexo feminino .
Tem por ventura a Sra. D. Maria , nossa Augusta So
berana, menos valor do que a Czarina da Russia ? Tem
menos fortaleza, menos constancia , menos prudencia e menos
juizo que a Imperatriz Rainha de Ungria ? Excede- a po
merecimento para com Deos alguma destas 'Heroipas ? Hé
certo que não : Logo, se Catharina na Russia pode eclipsar a
Lua Ottomana, tambem a Sra. D. Maria poderá defender-se
do Leão, que merece hua casa entre os signos celestes ; e
se as desgraças que Maria Thereza sofreo no principio de
seu reinado depois da morte de Carlos seo Pay, forão an
nuncios de gloriosos trofeos e paz constante ; da mesma sorte
a nossa adorada Maria, depois de lavrar para si hum solio
de palmas,
pa
fará, que gostem seos vassalos os doces fructos
da z.
Hé mulher, eu o confesso, porém mulher forte : bé mu
lher porem varonil e escolhida por Deos como Debbora, para
redemptora de Portugal. Não quiz o Senhor, que se defen
desse à Ilha de Santa Catharina aos 24 de Fevereiro, dia
fausto, e infausto, no qual hum planeta maior da Lusitania
chegou ao occaso e outro de igual grandeza appareceo
no Oriente para que não se disputasse a gloria do triunfo
entre Debbora e Barac, e as victorias futuras se attribuko
somente á religião, e piedade de huma mulher virtuosissima
em cuja defensa da qual as estrellas sairão a campo , o céo
dará batalha e o Senhor dos exercitos abençoará os nossos
como fazia no tempo dos Affonsos Henriques e Nunos Pe
reiras, de quem a Sra . D. Maria, e o Sr. D. Pedro herdarão
a santidade.
Mas ay ! quanto não custou aos Portuguezes a fortuna
de que hoje gozão. Gosos mundanos, porque vos vendeis tão
caros ? Não podiamos entrar na posse do bem actual sem
primeiro chorarmos a falta do não existente . Lastima hé
na verdade, que sendo ditosas as Monarchias quando nella
succede hum Principe amavel a outro de igual merecimento,
tenhão todos a desgraça de não poderem ao mesmo tempo
desfratar a beneficencia de ambos, como DOS acontece com
alguns astros, que nunca apparecem juntos no nosso hemis
ferio.
Por este motivo antes de se exaltar sobre o throno de
seus Augustos Predecessores a estrella benigna, que nos pro
gaostica multiplicadas felicidades, era indispensavelmente
196

necessario o occaso do Sol que lamentamos no Poente. Oh


como somos ditosos ; por encherem seo logar outros planetas
igualmente beneficos e não menos illustres ! Muitas finesas
devemos a nosso defunto Monarcha ; porem nenhuma tama
nha como a de produzir a unica creatura capaz de enchu
gar as nossas lagrimas. Elle remediou o maior infortunio
de Portugal, gerando huma filha que o excedesse na bon
dade, e educando-a de maneira que fosse exemplar de todas
as virtudes , para que tivesse consolação a nossa dôr, quando
chegasse o infausto dia 24 de Fevereiro de 1777 em que
pagou o geral tributo á mortalidade com 62 annos, 6 mezes
e 18 dias incompletos de vida muito curta, se medimos
pela duração, que lhe augurava o nosso desejo ; porem bas
tantemente provecta, e mais dilatada, que a dos Reis seos
Progeuitores da Serenissima Casa de Bragança, os quaes não
chegarão a essa ed de. Mortuus est senex et plenus dierum .
Com estas palavras relatou Moyses o transito do santo Job,
aquelle Rey de Faran na Idumea que Deos havia creado
para exemplar de almas sinceras ; para modello de espiritos
tão amantes da verdade, como inimigos da simulação ; e
para uorma da conformidade quando o Senhor por seus altos
juizos för servido purificar -nos com trabalhos : aquelle tam
bem conheceu os enganos do mundo, que chorou seos def
feitos, que morreo penitente e hoje descansa glorioso no
Empyreo. Eis aqui, meos irmãos o heroe que nos servirá
de gia para vos dar huma tosca idea do Monarcha, que
perdemos. A sinceridade do Sr. D. José, a sua recta in
tenção, a sua paciencia eximia, o seu desengano, e peniten
cia final , hão de ser a materia deste funebre elogio.
Espirito consolador, Mestre da Verdade, Luz dos cora
ções, não permittais, que eu com lisonjas profane a cadeira
da doutrina evangelica, quando tenho a honra de elogiar a
hum principe, que aborrecêo a mentira, e com acções louva
veis deixou exuberante assumpto aos panegerystas da sua con
ducta. Assim como a elle inspirastes o desejo santo de bene
ficiar a seos vassallos ; inspira-me tambem a mim idéas justas
e somente as necesarias para aumento da vossa gloria e edi
ficação de meos ouvintes.
Nunca melhor se conhece a fallencia dos nossos juizos,
e a miseria da natureza humana vulnerada pela desobediencia
de nossos primeiros Pays, de que quando bem se nota a il
lusão, com que afirmamos o mesmo, que fóra justo despresas
semos ; oneramos o que deveramos abominar ; e honramos
alguns objectos que só merecem sel - o da nossa total execra
çảo ; comettendo a desordem , que lamentou S. Gregorio o
grande, quando se queixava, de que o mundo insulte com
irrisões, como a fatuos os varões sinceros, e tenha na conta
de sabios, circunspectos, e grandes Politicos aos maliciosos
que desamparando o caminho direito da virtude, seguem os
falsos torcicollos da simulação, sobre a qual estribão a ma
china de suas ambiciosas idéas, e tendo arte para enganarem
- 197

aos individuos de sua especie, conseguem a reputação deuteis


ás Republicas, ao mesmo tempo que a natureza não estrema
sair a luz com feras igualmente pocivas á humanidade. Que
maior engano do que dar- se o venerando nome de pruden
cia consumada á detestavel cavillação refinada d'esses aspides
venenosos e cobertos de fôres ; lobos revestidos com pelle de
ovelha ; e crocodillos, que mostrando-se lastimados das nossas
desventuras, chorarão raivosas, por não poderem fartar-se de
sangue humano ? Pelo contrario que cousa há tão digna da
nossa veneração, ou que a Deos tanto agrade como OS SO
geitos, em quem ainda se conservarão algumas reliquias da
innocencia congenita do homem , o qual então hé mais
simelhante á natureza infinitamente simples de seo Auctor,
quando menos falto de sinceridade virtude tão nobre como
rara, propria somente de almas grandes, companheiro inse
paravel de espiritos generosos, forma constitutiva de heroes
virtuosos e character, por onde se distingue os varõos supe
riores á esfera commum a dos homens. Esta foi meos Irmãos
huma das mais conhecidas no Snr. D. José. Nada tipba S.
Magestade ... nada de malicioso, pela razão de que sendo sêo
sangue o mais illustre de todo o mundo era sua alma ainda
mais nobre. do que seo proprio nascimento . Animava-o huma
indole tão benefica, que nem por pensamento offendeo a pes
sôa algum sospei ando mal de seos proximos. Por si jul
gava aos outros e como vão era capaz de enganar assentava,
que todos lhe fallavão verdade. Conhecêo a mentira como a
conhecem os Aujos, especulativa, e não praticamente. Assim
merecêo, que nos marmores da sepultura onde espera pela
resurreição dos mortos, em lugar de epitafio se gravem aspa
lavras de Moyses : Era vir ille simplex et rectus ac timens
Deum et recedens a malo .
Com estas formou o sagradc historiador o mais honrado
elogio de Job vindo em huma a dizer, segundo explicão os
melhores interpretes, que o Santo havia sido varão perfeito,
enteiro, recto é bem intencionado. Estes nobres predicados e
os mais estimaveis nos soberanos , só negaria ao nosso, quem
ignorasse seo bello genio , ou não souber destinguir na bis
toria de sêo reinado as acções que forão delle. Daqui veio ser a
sua Politica cooforme á do Evangelho e a mesma que en
sinou nosso divino Mestre, quando a seus difcipulos mandava
que governassem com simplicidade de pomba e prudencia de
serpente. Na verdade esta foi a Politica de S. Magestade e
não a outra antichristam, oriunda do inferno, e hoje muito
usada em algumas Côrtes fóra de Lisboa, aquella digo , in
solente, que em despreso da Providencia, e quasi com total
exlusão da Primeira Causa arroga a si o governo das couzas
humanas, por olhar com indeferença, ou incredulidade para os
negocios mais importantes respectivos ao outro mundo, aquella
digo que despoja da consciencia a sêos professores, para me
Thor se desembaraçarem nas duvidas ou dependencias do Es
tado ; aquella, digo, que nunca se ajunta com a probidade ;
198

que foge de entranhas compassiveis ; que desconhece o temor


de Deos, que zomba da religião, como de prejuizo fanatico,
que somente adora o interesse, e tem por ultimo fim a exe-
cução de suas desordenadas paixões ; aquella que ensina o
mostrar melhor cara a quen se conserva por vontade; que
prescreve huma simulação eterna ; que manda approvar tudo,
ir com todos, e dizer o contrario do que se entende, quando
assim hé necessario, para se conseguir a propria utilidade,
executar-se algua vingança ; aquella finalmente que nunca
attende ao bem commum , nem obra com recta intencção.
Com a Politica que acabo de descrever, não se confor
mou o Snr. D. José e se a conheceo, foi somente para detestalla ,
pois até negação tinha para abraçar as maximas desta arte
infernal, que somente cria grandes homens a seu modo,
quando recae sobre genios naturalmente perfidos , reconcen
trados , injustos, malignos e ambiciosos. A outra classe muito
differente pertencião os illustres attributos, com que a natu
reza oraou o generoso espirito de nosso Rey defunto, o qual
por inclinação innata era franco, affavel, compassivo , desen
teressado, benevolo, e bem intencionado, em gráo tảo sublime
e com tanta evidencia que chegou a conseguir o raro privi
legio de ficar nesta parte isento até de falsos testemunhos,
nào havendo quem deixasse de entender, que tudo dispunha
com desejo de acertar.
Senhor, já conhece V. M. o quanto lhe aproveitou esta
virtude ; pois comparecêo num tribunal , onde não nos pedem
couta dos bons, ou máos successos das nossas acções e so
mente se examina a honestidade dos fius, e meios, com que
obramos, como com razão advertio S. Agustinho.
Que fructo tiraria V. Mag. de tantas emprezas ma
gnanimas felizmente executadas , se deixassem de ser vir
tuosos os motivos com que os projectou ? 0 fructo seria,
meos Irmãos, expôr-se El-Rey a perder no outro mundo a
gloria eteraa e nesta não conseguir elle, ou caducar brevemente
a que mereceo pelas leis santas, que promulgou ; pelos se
minario dos Nobres, que fundou ; pelas escolas, que abrio ;
pela eradição da Universidade, que reformou ; pela conve
niencia das manufacturas, que introduzio no Reino ; pelos
fructos da agricultura, que promoveo; pela riqueza do com
mercio que protegêo ; pela igualdade da justiça que distri
buio : e tambem pela severidade dos castigos, que deo ; pois
hé certo que nenhúa destas acções admiraveis havia de ser
meritoria, se as inficionasse deprovados motivos ou deixasse
de influir para ellas a sauta simplicidade, e recta intenção
que exalta, condigna, illustra e glorifica os operantes con
forme a doutrina certa de nosso senhor Jesus Christo : Si
oculos tuum fuerit simplex totum corpus tuum lucidum
erit : si autem nequam fuerit, etiam crpus tuum tenebro
sum erit. Luc. 11 , 13 .
A Lucerna da recta intenção que o Snr. D. José con
ervou sempre, acesa perpetuará o seo nome e eternisará a
199

sua gloria muito melhor que a Estatua Equestre consagrada


á sua memoria . Chegarão os annos futuros, lerão os vindou
ros com espanto da sua vastidão os grossos volumes das Leis
Josefinas ; e se algúas lhes vào agradarem pela variedade
dos tempos, ou mudança das circumstancias, nem por isso
deixarão de estimar em muito o zelo do Legislador, pois hé
tão conveniente aos homens a recta intenção, que os faz
dignos de louvor até quando se enganão com erro inven
civel .
Contarão aos filhos, e netos dos Luzitanos, agora exis
tentes, primeiro seos Pays e Avós depois os historiadores ,
que o Rey D. José 1.° edificou e proveo Arsenaes, alistou
soldados, regulou a milicia, concedeo privilegios aos Auxi
liares , formou exercitos e pol-os em campo , e tudo isso só
afim de cumprir com à sua obrigação, que vinha de pro
curar a segurança e defensa de seo povo ; e tanto louva
rão vossos descendentes o valor do Rey como a sua mode
ração. Entrarão em Lisboa os que viverem depois de nós e
admirarão a magnificencia de seos palacios ; a formusura de
suas ruas ; a uniformidade de suas casas, e sobretudo a re
gularidade e symetria de seos edificios : e passando a con
sultar os Annaes acharão, que depois de destruida a Côrte
por hu terremoto espantoso, a reedificou D. José 1.º não
vaidoso como os de Babel a terra para eternisar o s60 nome
nem ambicioso como Semiramis a Babilonia, para covil de
onde saisse a roubar todo o mundo, mas siin levado do doce
amor da Patria, e compadecido dos incomodos, que sentiam
seos vassallos por falta de Casas, onde se abrigassem , e se
rão esses, que depois de nós venerem eternos pregoeiros da
piedade, a munificencia, e liberdade do segundo e mais gene
roso Ulisses .
Irá finalmente a posteridade notando, nas chropicas
todas as acções do Sor. D. José, e tambem reparando nas
causas que o moverão e executar tantas empresas e virá no
conhecimento, de que o motivo de húas foi a Justiça, de
outras a Piedade, de varias o zelo, de muitas a utilidade
publica, e de todas algúa virtude , a consequencia deste co
nhecimento hade ser approvarem as edades seguintes a sua
conducta, respeitarem o seo nome, e elogiarem o seo gover-
no, ficando assim permanente a sua gloria a que não havia
de acontecer, se deixara de ser recta a sua intenção, ainda
que fosse bôa .
Assim he, assim he, nem as acções mais brii hantes do
nosso Rey merecerião os applausos devidos á virtude, se na
pratica dellas uzasse de meios illicitos. Para ser recta a
nossa intenção, não basta que o fim seja bom , além disto hé
necessario que se appliquer meios honestos. Oh ! quantos
homens grandes e muito bem intencionados, mas violentos ;
obrando com bom fim acções utilissimas ás Republicas, des
merecerão a gloria eterna, e não conseguirão a temporal,
porque satisfeitos com a honestidade dos motivos, olharão
200

com indefferença para malicia dos instrumentos, sem igno


parem que não he sufficiente qualquer bondade para coho .
nestar as nossas operações, e basta qualquer defeito para
totalmente as viciar.
A estes imitào os Principes que tudo consultão com a
sua vontade, ou só se conformão com os dictames do proprio
juizo . Os que a imitação de Saul não operão o conselho de
Samuel, ou como Ozias se arrojão a queimar no templo o
incenso, despresando as santas advertencias dos sacerdotes.
zelosos, esses não obrão com recta intenção, nem ainda quan
do offerecem a Deos sacrificios e perdem - se por não quere
rem examinar a bondade dos caminhos que devem seguir
para serem agradaveis ao Senhor as suas determinações. Pelo
contrario outros, que nada fazem , sem primeiro se aconselha
rem como ensina o Espirito Santo, estes sim , estes obrarão
com intensão reetissima, desejão acertar, assim no meio,
como no fim da viagem , e por isso buscão guias peritos,
que os conduzão a salvamento.
Hum delles foi o Snr. D. José o qual nada obrou sem
conselho : criou novos Tribunaes, para que fosse maior o
numero de seus conselheiros : antes de fazer as Leis ou
passar os decretos, mandava ouvir os Theologos, canonistas
e jurisconsultos na sua estimação mais sabios, mais virtuo
sos , e mais desapaixonados: na distribuição dos empregos
antepunha os sugeitos que julgava mais dignos e para as
Igrejas escolhia somente ( s sacerdotes de quem tinha me
lhores informações. O que supposto, se algúa vez o infor
marão mal, não o devemos considerar responsavel no dia de
juizo , pelas acções que obrasse enganado , depois de fazer as
deligencias necessarias por accertar ; porque tambem os Reys
são filhos de Adão, sugeitos as miserias que acompanhão ao
peccado original nem S. Magestade estava obrigado a pene
trar os corações alheios, por ser esta húa moção superior á
intelligencia creada e reservada pelo Ente Supremo só para
si e seo Filho o Rey de todos os Reys de cujo tribunal
(segundo eu piamente creo) sahio corðado o Snr. D. José
com laureola de gloria infinita, por isso mesmo, que Jesus
Christo conhecia a sua recta intenção.
2.“ – Desta misericordia o considero tambem digno por
sua grande Paciencia e Virtude, em que tanto imitou ao
Rey de Farau.
Quem ignora o muito que padeceo Job por divina per
missão ? Duas vezes foi atacado seo Reino, hua pelos sabios,
e outras pelos Caldeos, que inesperadamente lhe fizerão gra
vissimas hostilidades : o ceo fulminando raios e accendendo
espantosas chamas contra o Estado de Job abrasou , num
instante, a muitos vassallos seos'e consumio o seo cabedal :
húa tempestade furiosissima lançou por terra o seo palacio,
e matou parte de sua familia.
Os amigos que devião consola-lo quando padecia, re
tirazão -se delle, e não tendo motivo algum para detrahirem
- 201 -

das suas acções, aggravarão o seo martirio com calumnias


injustissimas: sofreo ultimamente húa doença enfadonha e
e dilatada, por maleficio de Satanaz a quem o Senhor deo
licença, para atormentar o seo corpo e só não facultou a
permissão de lhe tirar a vida .
Que fertil campo para o meu discurso se eu me atre
vera a ponderar com as reflexões necessarias, todas as ad
versidades, com que Deos examinou a paciencia do nosso
Monarca, as quaes mais identicas que semilhantes as de Job !
Vos direis nesse caso, do Senhor D. José o mesmo que
d'aquelle Santo escreveo Severo Sulpricio Predives Job opi
bus ; sed co illustrior, quod his neque integris corruptus ne
que amissis depravatus :
Que sua Magestade foi Princepe illustrissimo pela gran
deza de seos Estados, porem ainda mais, pela razão que
nem as felicidades o corromperão, nem as desgraças o de
pravarào .
Porque se Job sofrêo as consequencias lamentaveis de
duas guerras não esperadas, tambein duas vezes hostilisou
Hespanha a Portugal no reinado do Snr. D. José sem justa
suppondo - a nós amiga no tempo, em que fomos
invadidos. Se húa tempestade arrninou o palacio de Job, e
e o fogo reduzio a cinzas os seos bens e , Vassallos ; o mes
mo aconteceo ao Snr. D. José na occasião do terremoto for
midavel de 1755. Se os amigos do Santo com murmurações
intentarão denegrir a sua illustre fama, da mesma sorte con
tra nosso Rey se armarão com imposturas alguns monstros
ingratos a quem S. Magestade muito amava e favorecia .
Se Job padeceo húa queixa grave e dilatada, El- Rey
nosso Senhor esteve gravemente enfermo muito tempo. Se
ao corpo de Job maltratou o Diabo, tambem ao Snr. D.
José feriu Satanaz por ministerio dos infernaes assassinos,
que cometerão o horrorosissimo attentado de matar a S. Ma
gestade e se não conseguirão tão depravado intento, foi
porque Deos com especial providencia lhe conservou a vida
como ao Santo Job.
Assim se formão os Heroes e se aperfeiçoão os justos.
Os trabalhos fizerão -se para os Hercules, Agamenões e todos
quantos merecerão estatuas honorificas , ou dixos gloriosos no
Pantheon consagrado aos maiores homens d'antiguidade. As
portas do céo são estreitas e cheias de abrolhos o caminho
por onde nos introduzimos no Palacio da Gloria eterna. Julgar
que ao Empyreo se chega pela Via Latea ou estrada de
leite, he dar assento a fabulas gentilicas, pois a fé nos en
sina que o atalho mais breve e mais seguro para a Côrte
Celestial vai pela rua da amargura, por onde Jesus Christo
caminhou para o reino de seo Pay com a cruz ás costas. O
ouro não se livra de fezes, emquanto o não mortificão as
chamas ; a terra não produz sem que a rasgue o arado ; e
as imagens só se consegue sua ultima perfeição depois da
materia soffrer varios e repetidos golpes. He nossa alma
202

como o diamante, que não se lapida, sem o desfazer a roda ;


hé como a tocha que não dá luz, sem a derreter o cebo ; e
hé como a rozeira, que não floresce sem a cercarem espinhos;
porque nunca chega a ser confirmada nas virtudes a alma,
se a não consomem trabalhos .
E como se portou El - Rey nas occasões dos seos !
Perdeo a gravidade invata a seo magestoso aspecto ?OSMudou
de côres seo rosto ? Viram - se menos serenos seos
olhos ? Turbou - se a ordinaria tranquilidade de animo
sempre igual ? Procurou desafogo a sec coração, rom
pendo em vozes colericas, ou dando ays pusillamines ? Não,
não foi esta a pratica do Sr. D. José nas occasiões em que
Deos provou a sua paciencia com varios accidentes tragicos.
Hua successão continua de molestias, e acontecimentos in
faustos tolerados por elle com resignação catholica até o ul
timo instante da vida ; nos offerece irrevogavel testemunho
de sua magnanimidade espantosa e superior as maiores ad
versidades. Não hé por ventura argumento infallivel de
Piedade e Paciencia chrystan mostrar -se idifferente hú en
quer seja a
fermo, para que Deos fôr servido determinar, Não
vida quer a morte ou o aumento das dores ? hé de
monstração evidente compadecer - se extremosamente hú Pay
e ficar como insensivel, quando padecem , e morrem os filhos
a quem ama com ternura ? Nào hẻ prova incontestavel re
ceber bú Monárca grande, as injurias mais atrozes sem a
menor alteração, nem desejos de vingar-se ? Estes são os
attributos da paciencia heroica depois de constituida no gráo
mais sublime; e estas forảo tambem as pedras de toque onde
se conhererão os quilatcs da virtude, com que o nosso Rey
lavrou para si uma corôa de valor inestimavel.
Elle supportou as dôres de uma queixa prolongada sem
mostrar fraqueza, nem ainda quando o corpo estrva desti
tuido de forças. A continuação da molestia que a todos en
fada, no Senhor D , José produzio certo habito que muito
facilitava o soffrimento. Algumas vezes forão - lhe mais do
lorosas as curas, que as chagas, e nem por isso deixou de
sujeitar - se ao tormento que lhe davão os cirurgiões, quando
lhe procuravão o allivio . Vào padeceo só no corpo tambem
sentio húa aftlição de espirito tanto mais rigorosa quanto era
mais delicado o subjeito da sensação. Matava - o a viveza da
sua imaginação representando-lhes húas vezes lugubres tra
gedias de attentados só existentze na fantasia, e outras mos
trando -lhe as tristes imagens sem subsistencia, que costuma
fabricar a melancholia nas doenças desta qualidade. Mas
assim atormentado n'alma, e no corpo nunca diminuiu a for
taleza de seo coração magnanimo. Quando mais augmentava
a violencia das dôres então se forçava a natureza, para lhes
resistir ; e se armava de conformidade o espirito, para to
lerar o martirio, de sorte que merecesse o galardão destinado
por nosso Senhor Jesus Christo, a quem abraça gostoso — a
sua ' cruz .
203

Contudo não furão estas as vezes, em que mais se exaltou


a Paciencia do nosso Rey, o qual menos sentia os incom
modos proprios, do que as miserias dos seos vassalos, aquem
amava como filhos. Naquelle dia horrorosissimo, que a Lisboa
parecêo o do Juizo Universal , foi quando a Paciencia do Sr.
D. José lhe conseguio a melhor grinalda. Já sabeis que
fallo do tempo do terremoto , então vio o nosso Monarca num
instante abatida a sua Côrte, e sem mag -stade a Capital
que de: de do Occidente ao Oriente dava Leis a todo mundo .
Então vio repentinamente desfeitas as casas , cahidas as torres,
destruidos os templos, e ameaçando prompta ruina ( s edi
ficios que ainda se conservavam em pé. O fogo acceso em
muitas partes e reduzindo a cinzas as alfaias de maior valor ;
o mar saindo fóra de seos limites, e arrojando - se com vio
lencia sobre a infeliz metropole, não para extinguir o incendio
mas para augmentar o estrago ; o receio de que outras vezes
se aballe a terrra com igual ou mais furioso impulso ; a
consternação do povo , os seos clamores , os roncos do alterado
oceano , o estrepido das chamas que mais se augmentão ; o es
trondo dos edificios, que vão caindo ; o estampido subterra
neo, que continua ; tudo juncto faz hú espectaculo horrivel,
forma hum ceo medonho , que espanta que assombra, que
acobarda e enche de pavor os corações mais intrepidos.
A tudo está presente o Pay da patria sentindo mas não
desmaiando : basca seos queridos vassallos ou filhos e a in
numeraveis encontra defuntos, a muitos acha ainda vivos,
mas já sepultados entre as ruinas ; a huns vê correndo pelas
ruas atonitos, e quasi nús, a outros tropeçando com os pe
rigos, onde esperavão achar segurança e caminhando para a
morte com os mesmos passos, que davão em busca da vida ;
a estes tentando apagar com lagrimas o fogo, que os cerca,
aquelles pedindo soccorro, aquem necessita de remedio ; a
todos espavoridos, a todos assustados e a nenhú sem temor ,
e falta de meios necessarios, para subsistirem . Valma sentia
El- Rey o infortunio de húa multidão de povo sem numero ;
era seo peito o alvo para onde, como setas voavão as penas
de todos ; e supposto o feriảo , e acomettendo- o todas juntas
nunca o renderào. Parte-se de dôr, e conserva-se inteiro o
seo coração ; não o afogão as lagrimas que deseja enchugar
e não półe ; não o desfazem as chamas que quer apagar, e
The não hé possivel, nem o abate os edificios arruinados, a
quem não pode evitar a queda.
Qual rochedo no meio do mar combatido de ondas por
todas as partes conserva - se firme no meio de tantas afflições;
e sem nunca desteaiar, nem perder a conformidade, mostra
a sua rara providencia nas ordens, que distribua para o al
livio dos miseraveis, e a do Senhor adora reverente , bumi
lhando-se na sua presença, levantando as mãos ao céo, dan
do-lbe graças e offerecendo - se em sacrificio para espiar as
culpas de seo povo e aplacar a ira divina.
Assim comprovou o Sr. D. José a sua grande paciencia
204

e melhor demonstrou noutras occasiões, que nem eu posso


relatar sem horror, nem vós ouvir sem escandalo. Qual foi
de vós, meos irmãos que se não enchesse de furor, de raiva,
de zelo, de indignação, quando a esta villa chegarão noticias,
insultos nefandos, que lá nos infernos se idearão contra o
nosso Rey amabilissimo. Ouve n'Europa, n'America, e na
n'Asia , n'Africa, algú Portuguez que não requeresse vingança
de tão atrozes delictos. Houve hú, só hú.
Quem foi esse traidor, quem esse malvado ? Não era
traidor, não era malvado, e se quereis saber quem era, ouvi
e dai -me credito ainda que vos admireis ; o mesmo Rey of
fendido foi o unico que se oppôz a vingança, não consentin
do que na sua presença se tratasse della, e como ainda de
pois de morto, e hoje mais, que nunca, aborrece hua paixão
tão vil , o meu respeito me obriga (quando tenho diante o
cienotaphio dos nr. D. José) ao remetter ao silencio esse as
sumpto, de que Sua Magestade não quiz se tratasse. Sim não
fallemos mais em vigança, e ponderemos somente , o castigo
o qual não poderá deixar de ser agradavel a hu Monarca
tão justo.
Porém que digo ? Enganei -me, elle amava e observa
va a justiça vindicativa, porém , só nos casos em que o
mesmo Rey não era a parte offendida . Tinha na mão a es
pada que a Divina Previdencia entregou aos Soberanos para
evitarem culpas futuras, vindicando as preteritas : podia com
ella cortar por seus inimigos sem escrupulo de offender a
Deus, nem receio de cahir na indignação dos homens, e com
tudo foi necessario que a virtude da justiça, desembaichasse
essa espada, e o constrangesse a ferir . Ainda assim força
do, ainda assim violentado, ainda assim obrigado, desejou
evitar o golpe que devia descarregar ; em fim elle nunca o
deo, outros processarão desculpas , outros, determinarão a pe
pa, outros executaram a sentença ; e emquanto os réos com
sangue illustrissimo aumentavão a ignomia do mais infame
patibulo , estava El Rey no seo Oratorio encommendando -os
à Deos e orando compadecido por suas almas. Sempre de
sejou perdoar a todos ; mas porque, nem a justiça da Ma
gestade , nem o zelo dos Vassallos fieis, permittiam que fi
casse impunidos os mais culpados , reservou El - Rey a indul
gencia para tempo mais opportuno ; e quando se dispunha ,
para receber o sagrado Viatico, mandou soltar a quantos se
acbassem presos por seu respeito ordenando a Rainha N. S.
que os puzesse em liberdade . Ah ! que dirião a isto, si
ainda vivessem os cortezãos que assistirão as ultimas dispo
sições de David ? Diriảo cheios de admiração e tambem de
inveja, que não fez o maior e mais santo Rey de Israel , o
que obrcu o nosso em Portugal; pois sendo David hú Mo
narca em toda a sua vida o mais soffredor de aggravos,
quando se dispunha, para sahir deste mundo, recommendou
a Salomào , seu filho e successor,que castigasse os imprope
rios, com que o tinha injuriado Semei havia tantos annos .
205

Pelo contrario o Snr. D. José depois de muito tempo ainda


se lembrou para o perdão das offensas que nunca lhe vie
rão a memoria para a vingança pedindo a Rainha sua filha,
e nossa Senhora que soltasse os presos. Com esta miseri
cordia exaltou sua justiça ; captivou os corações dos mesmos
a quem deo liberdade, soltou as linguas da fama, para de
cantarem a sua clemencia levando a sua gloria até os ulti
mos fins da terra ; e dispôr na sua alma hospicio agradavel
ao cordeiro sacramentado.
Como não seria fructuosa a sua comunhão se para re
ceber a Jesus Christo se havia preparado, da sorte que 0
mesmo Senbor ordeuou, dizendo aos seus Discipulos : Se junto
ao altar te lembrar que teo proximo esta queixoso de ti ,
larga o sacrificio e vai primeiro reconsiliar-te com elle ,
Este mandamento observou D. José com tanta , pontualidade
que na opinião dos mundanos excedeo os limites do precei
to, pois sendo Rey, sendo Senhor, sendo o aggravado, bus
cou com a mercê aos Vassallos, que o havião offendido. Oh .!
que confuzão para mim e para vos meos Irmãos, que não
sendo Principes nem Dominantes, tantas vezes chegamos a
meza Eucharistica, sem pedirmos perdão a quem está jus
tamente queixoso de nós, pelos damnos que lhes temos cau
sado com a nossa injastiça malidicencia, e desattenções ! As
sim disposto e contrito, recebeu tambem o sacramento da
Extrema Unção e roborado com a graça destes sacramentos
depois de afogar seos peccados nun mar de lagrimas, consu
mou o curso de sua vida, como se esperava de sua pacien
cia, virtude, que segundo diz Tertuliano dizpõe-nos para a
Penitencia final, confirma -nos na Fé, solida -nos na Esperan .
ça, abraza-nos na Charidade e abre-nos as portas do Céo on .
de supponho ao Snr. D. José livre ja dos trabalhos, que
sofreo com tanta resignação.
Se quereis meos Irmãos gozar da mesma felicidade,
abraçae o conselho que vós da S. João Chysostomo : elle
prega que as honras mundanas não utilisão aos condemna
dos no Inferno, elle clama que sem fructo gravareis vossos
nomes nas materias mais perduraveis se Deos os não tiver es
cripto no Livro da Vida ; elle assegura que somente por
meio das virtudes chegareis a conseguir hua gloria intermi
navel assim neste como no outro mundo. E com razão,
porque elogios não merecidas mais são ironias, que infamão
do que suffragios uteis ás almas .
Ainda fallando temporalmente bem estarião os Magna
tes somente 110 caso que a lisonja pudesse sempre encobrir
a malicia das acções humanas, mas a sua desgraça consiste
em não haver industria efficaz para desmentir a Jesus Christo.
Primeiro se afastarão os globos dos seos eixos, e as estrellas
cahirão do firmamento, do que se falsifiqnem as proposições
do Flho de Deos e este asseverou que as nossas maldades,
quando mesmo estarião occultas até certo tempo ; e na mes
ma hora, em que se manifestarem as intenções depravadas
206

dos Grandes caducará a sua gloria sem que lhes aproveitem


os especiosos pretextos, de que seria a dependencia para co
honestar as suas iniquidades, pondo -lhes mascaras hypocritas
que as desfigurão e representão com louvavel aspecto e mui
to differente do natural. Assentae, assentae, que applausos
de lisongeiros são fumos de incendio, que logo se dissipa
deixando mais denegrida a fama dos mesmos, a quem se
rende o culto falso ; e os monumentos honorificos que não
se estribào nas virtudes, ou durão pouco , ou servem tão só
mente de perpetuar a infamia dos mesmos, a quem os dedi
cào fazendo que nunca cesse a lembrança dos seus delictos .
Não receio que isto aconteça ao Sr. D. José aquelle
Monarca grande que sempre desejou ter por mestre a Pro
videncia, por Directora a Justiça, por conselheira a Chari
dade . A sua recta intenção, a sua paciencia, e outras vir
tudes suas, preservarão de corrupção a sua memoria . Não
pode arruinar-se o templo da sua gloria, tendo por alicerces
virtudes tão solidas .
Sim , muito Alto e Poderoso Rey e Senhor nosso , a glo
ria de V. Magestade hade ser mais duravel que os bronzes
e mais permanente que os marmores : passará alem dos se
culos e não terá fim com o mundo ; porque es meritos com

que V. Magestade entre nós perpetuou, o seu nome, o col


locarão noutra Região onde costuma ser eterna a gloria dos
que lá existem . Já finalisarão para V. Magestade os tra
balhos, no mesmo instante fatal em que para nós tiveram
principio as saudades.
Não ignoramos o muito que em V. Magestade perde
mos ; mas assim mesmo consollamos o nosso tormento com a
esperança de seo descanso ; pois não somos tão ingratos que
anteponhamos a nossa conveniencia a vossa eterna felicidade.
Choremos nós muito embora cá neste valle de lagrimas,
com tanto que descanse V. Magestade lá no Empyreo e des
canse em paz . Requiescat in pace . Amen .

FIM

Copia extrahida do documento n . 785 pertencente ao


Archivo do Instituto Historico e Geographico Brazileiro pelo
Official da Secretaria do Instituto, Francisco Martins Gui
marães .
Trecho de
Parecer sobre um estudo
genealogico
NOTA

Os interessantes ineditos que a estes reparos se seguen


parecem - nos da lavra de Fr. Gaspar da Madre de Deus.
Tal a forte presumpção que de sua leitura nos decorre.
Assim pois : começam por tratar da descendencia de João
Ramalho. questão que o chronista tanto tinha a peito , como
setimo neto que era do famoso Alcaide Mór de Santo André.
« Este homem centenario », nelles se diz revivendo fa
etos que tanta celebridade deram as suas revelações sobre o
testamento de João Ramalho na Noticia dos annos em que
se descobriu o Brasil e lhe valeu a formidavel e injusta
aggressão de Candido Mendes, assessoriado por Moreira de
Azevedo.
« Em que Gonçalo Camacho foi genro de Jorge Fer
reira, veio por fim a assentar Pedro Taques nos ultimos an
nos de sua vida, segundo elle me escreveu de São Paulo
em carta, que ainda conservo » lê-se pouco depois.
Esta allusão á correspondencia de Pedro Taques parece
nos nova e evidente mostra de que a incognita autoria deve
ser attribuida , ao escriptor das Memorias. Era elle o unico
homem com quem entretinha Taques activo e ininterrupto
commercio epistolar, acerca de assumptos de historia. Outros
letrados på houve em terras paulistas no seculo XVIII,
pelo menos que se dedicassem ao estudo da historia.
Provas documentarias a este respeito dão-nos as duas
tão interessantes e valiosas cartas, por Antonio Piza trazidas
a lume e insertas no tomo quarto dos Documentos Interes
santes.
Diz - nos o Dr. Silva Leme, possuidor dos ineditos que
os houve do Dr. Augusto de Siqueira Cardose. Pertenceram
á collecção de papeis da familia Taques e são pelo Dr. Car
doso attribuidos ao General Arouche. A lettra, evidente
mente não é a do benedictino, tambem não é a do Marechal
Arouche nem do seu irmão Diogo Ordonhes ; de ambos exis
tem numerosos autographos no archivo do Estado. Cotejamos
cuidadosamente uns e outros. De mais tinham Ordonhes e

Arouche, em 1777 , quando Pedro Taques falleceu, respecti


vamente, vinte e quatro e vinte annos de idade. Ora, Pedro
Taques, semi-paralytico, muito antes de morrer, flagellado
por terrivel nevrite não se correspondia com os dous irmãos
entãe estudantes em Coimbra . O diario de marechal, refe
210

rente ao anno de 1777, nem sequer lhe menciona o falle


cimento .
E ' o estylo dos ineditos muito semelhante do do bene
dictino e revela acentuado cunho setecentista. O que se diz
da attitude de Tebyreçá para com os portuguezes, recem.che
gados ao littoral, comprova a versão das Memorias (8 45-51 ).
As fontes citadas são aquellas em que habitualmente se abe
berava o monge : o cartorio da Provedoria Real em Santos,
o archivo da Camara de S. Vicente, o da Camara de Ita
nhaem.
Vê -se, além de tudo, que não foram estas paginas ano
nymas, escriptas em S. Paulo, pois nellas se fazem referen
cias ao cartorio de notas segundo d'aquella cidade e sabem
todos que Fr. Gaspar escreveu a sua obra em Santos onde
quasi sempre viveu salvo pequenas interrupções de 1768 a
sua morte em 1800 .
A referencia aos Rendons pode fazer presumir que se
trata de escriptos de alguns dos irmãos Arouche, delles des
cendentes ; é tão ligeira, porém , que della nada se pode
inferir de positivo ; e ha a considerar no emtanto que os
irmãos Rendon foram casados com duas tias-avós de Fr.
Gaspar, justificando isto o facto do benedictino conservar
carinhosamente certidões a ambos relativas.
Da leitura dos ineditos resalta -nos a impressão de que
se trata de um parecer du historiador sobre certa arvore ge
nealogica, acompanhada de annotações historicas e documen
tarias, que lhe foi submettida a estudo. Este parecer copiado
evidentemente no seculo XVIII , como tanto indica o exame
paleographico, foi ter, não sabemos como, ás mãos dos irmãos
Arouche , grandes colleccionadores de documentos paulistas.
A Diogo Ordonhes se devem a copia da Nobiliarchia
Paulistana , feita á vista dos originaes pertencentes ao Des
embargador João Pereira Ramos de Azevedo Coutinho, e as
annotações e enxertos á obra de P. Taques. O marechal
Arouche guardava no seu archivo numerosos ineditos de Fr.
Gaspar, entre elles os dous exemplares autographos do Ca
talı go dos Capitães Móres e Governadores do Rio de Janeiro,
que Antonio Piza descobriu e fez copiar para os publicar no
tomo 44 dos Documentos Interessantes.
Fizeram os ineditos que commentámos parte do archivo
em questão e salvo melhor interpretação assumem todo o
aspecto de proceder da penna do autor das Memorias.
Se acaso outra origem lhes cabe excellente arguinento apre
sentam em defesa de Fr. Gaspar contra as accusações de
invencionice, provocadas pela questão do testamento de João
Ramalho. Já o Dr. Washington Luis (Revista, IX, 563-569)
descobriu o publicou documento reivindicador dos creditos
do historiador, irrecusavel testemunho de alguem que tambem
leu o malsinado testamento e sobre elle escreveu .
Surge agora um novo, embora anonymo , contemporaneo
de Taques e de Fr. Gaspar, correspondente do primeiro, que
211

se refere a João Ramalho e centenario. E '. uma nova voz

que se ergue em defesa do benedictino, a admittirmos a


hypothese acima enunciada.
AFFONSO D'E . TAUNAY.
S. Paulo, julho de 1915.

Parecer sobre um estudo genealogico

A esta D. Anna Camacha appelida D. Leonor Domingues


Camacha em trez Taboas das sobreditas ; e na quarta
emendada diz que esta D. Leonor Domingues era filha de
Gonçallo Camacho, e de sua mulher Jeronima Dias . Esta
Jeronima Dias, filha de Lopo Dias, e Beatriz Dias ; e Beatriz
Dias filha de João Ramalho . Antes de fazer a correcção ;
escreveo que Leonor Domingues Camacha era filha de Bar
tholomeu Camacho, e Jeronima Dias ; Jeronima Dias filha
de Jeronimo Dias, e N. Ramalha, sem apontar o seo nome.
Tanta variedade, e mudanças feitas sem titulos nem docu
mentos, que indicão, senão incerteza ? Devemos, pois, con
fessar, que ignoramos quem forão os nossos Ascendentes mais
remotos .
Parece -me, que com nenhuma das Taboas sobreditas,
que eu vi, se conforma totalmente o sabio author da Ge
nealogia , que me foi remettida. Asseguro e he para mim
couza indubitavel, que nem Beatriz Dias, nem Catharina
Ramalha forão filhas de João Ramalho, o qual não teve
filha alguma, que se chamasse Beatriz ou Catharina . Este
homem centenario, pouco antes de sua morte fez testamento,
onde declarou todos os seos filhos, assim maches, como fe
meas, e do sexo feminino apontou somente trez, a saber,
Joanna Ramalha, Margarida Ramalha, e Antonia Quaresma.
Nenhuma dellas cazou, nem podia cazar com Gonçallo Ca
macho, por este ser marido de huma netta de João Ramalho,
filba de Jorge Ferreira, e de sua mulher Joanna Ferreira ,
a qual Joanna Ferreira era filha de Ramalho. Em que
Gonçallo Camacho foi genro de Jorge Ferreira, veio por fim
a assentar Pedro Taques nos ultimos annos da sua vida ,
segundo elle me escreveo de S. Paulo em carta , que ainda
conservo . Eu me conformo nesta parte com a sua opinião,
a qual me parece quazi certa ; por se inferir de huma escri
ptura, que Gonçallo Camacho cazou com filha de Jorge
Ferreira . Nestes termos, se eu compuzesse a Historia Ge
nealogica de D. Bernarda Luiz, havia de escreve - la da
maneira seguinte conformando -me com a opinião mais pro
vavel.
Martim Affonso Tebyreçá, Regulo de Piratininga, em
quem todos os Indios da nação Goayaná reconhecião algum
genero de superioridade, foi bum Principe Brazilico, que fez
serviços muito relevantes á Coroa de Portugal.
- 212

Quando aqui chegarãoos nossos primeiros conquistadores,


não só os recebeo amigavelmente, mas tambem veio de Pi
ratininga na testa de hum esquadrão armado, para os de
fender dos Indios de varias Aldeas, que se havião confede
rado, para os expulsarem da Bertioga onde se estavão
fortificando. Elle conseguio com seo exemplo, e authoridade,
que se ligassem com nosco os mesmos , que havião descido
as Serras, para nos hostilizarem . Devemos- lhe em grande
parte a restauração do Rio de Janeiro, e expulsão dos Fran
cezes que alli estavào bem fortiticados no Vergalhão, cuja
Fortaleza se rendeo, por ter Martim Affonso posto fogo com
suas proprias maons , e grande perigo de vida ao Armazem
onde os inimigos guardavão a sua pólvora.
Na occazião em que todos os Barbaros nossos vizinhos
se ligavão, para exterminarem os Brancos destas Capitanias;
Tebyreçá foi o unico Cacique, que prezistio na possa ami
zade, defendendo-nos a todo o risco, quando em S. Paulo
o acometteo hum exercito muito numeroso de Bugres, no
qual se achava a maior parte dos seos vassalos, até alguns
parentes seos muito proximos, huns e outros rebellados contra
elle, por não querer apartar-se da liga, que com nosco havia
feito . Por estas outras innumeraveis finezas honrou-o
sua Magestade com o habito da Ordem de Christc, e fez - lhe
varias mercês. Elle teve huma filha, a quem no Baptiza
mento derão o nome de Izabel.
Com esta Princeza Izabel , sendo inda pagãa cazou o
famoso João Ramalho , e della entre varios filhos teve a
Joanna Ramalha. Esta contrahio matrimonio com Jorge
Ferreira, hum dos principaes Portuguezes, que vierão servir
a El- Rey na Armada do Conquistador Martim Affonso de
Souza . Depois de cá estar rezolveo-se a ficar povoando a
terra, onde primeiro foi Cap. mór de Santo Amaro e ao
depois Ouvidor e Capitão mór Governador da Capitania de
S. Vicente. Taques diz, que tivera o foro de Cavalleiro
Fidalgo no tempo em que este era o maior da Caza real :
eu só posso assegurar, que era nobre e outro sim , que suas
filhas cazarão com maridos tambem nobres ; porque isto
affirma Antonio Rodrigues de Almeida, Capitão mór de Santo
Amaro, em huma sesmaria datada no Porto de Santos aos
10 de março de 1566 a qual se acha no Cartorio da Pro
vedoria da F. R. de Santos liv. 2 de Reg. 1562 até 1580 .
fols. 22, onde diz :
Faço a saber que por Jorge Ferreira . morador
na Capitania de S. Vicente, me foi feita huma
petição .... Visto a petição do Supp.º ser e o
que diz nella e eu conhecer o dito suppl . ser
pessoa nobre, e de muita fazenda, e de muitos
annos a esta parte ser morador em esta Capitania,
e ele ser cazado, e ter filhas cazadas com pessoas
nobres, das quaes tem nettos.
213

Do consorcio de Jorge Ferreira com Joanna Ramalha


nascerão varios filhos, e filhas e entre as mais huma, cujo
nome se não sabe. Esta cazou com Gonçallo Camacho, na
tural de Vianna, de onde veio para esta Capitania ou no
tempo da conquista ou logo depois disso. O dito Camacho,
e sua mulher N. gerarăo a D. Anna Camacho, consorte de
Domingos Luiz a quem chamarão o Carvoeiro, por ser na
tural de Marinhota, Freguezia de Santa Maria da Carvoeiro
em Portugal, e bem pode ser que o appelidassem dessa sorte
por descender da familia dos Carvoeiros, a qual he das nobres
do Reino, e tem armas proprias. Este Domingos Luiz foi
Cavalleiro da Ordem de Christo e Fundador da Igreja de
N. S. da Luz em o citio dos Campos de Guaré no rocio da
Cidade de S. Paulo, dotando a com renda sufficiente ; e bas
tante prata, como consta do Cartorio 2. de Notas daquella
Cidade, livro, que servio pelos annos de 1576 , fols. 19 e 22
do seo Inventario no Masso dos Invent. Letra D. e da Ca
mara Episcopal Tombo das Igrejas an . 1727 .
Domingos Luiz Carvoeiro e sua mulher D. Anna Ca.
macha, forão pays de D. Bernarda Luiz, mulher de Amador
Bueno. Entre varios filhos que tiverão os sobreditos Amador
Bueno e D. Bernarda Luiz foi ..... O mais, como está na
Genealogia. que veio.
Pag, 18. diz que Dom João Matheos Rendon de Que
vedo levantara em S. Paulo huma Companhia a sua custa
e que com ella fora soccorrer á Capitania de Pernambuco.
Neste mesmo lugar citado, querendo honrar -me o sabio
Author da Genealogia, suppõem na minha pessoa qualidades
que não tenho, e assevera que conservo Certidoens, por onde
consta que D. João Rendon de Quevedo fez aquelle serviço
ao Estado. He certo, que esta noticia achei na Taboa Ge
nealogica do Conego Manoel Villela Bueno, composta por
Pedro Taques na era de 1742. Nenhum fundamento tenho,
para della duvidar, antes pelo contrario julgo verossimil ,
que o dito D. João fez o serviço mensionado ; devo, porem ,
protestar, que se isto escrevi alguma vez foi meramente is
tribando -me na authoridade de Taques, a qual para mim
sempre será de grande peso ; mas, se alguma vez alleguei
com titulos, enganei -me por falta de memoria, trocando os
nomes dos Irmaons e adoptando a D. João os documentos
respectivos a D. Francisco os quaes são os unicos que con
servo por copia de minha letra.
Tendo os Olandezes tomado a Cidade da Bahia em Mayo
de 1624 retirarão-se os moradores para a campanha vizinha,
onde fizerão as prevençoens necessarias para se defenderem .
Forão chegando os Portuguezes habitantes no Reconcavo e
tambem alguns Indios Christaons, com os quaes se engrossou
o nosso campo e todos unidos tomarão a valeroza resolução
de obstar aos progressos do inimigo de sorte que no espaço
de hum anno que os Bélgas se conservarão na Cidade sem
pre estiverão como bloqueados pela parte do sertão, reco
214

lhendo- se derrotados todas as vezes, que sahião das suas


trincheiras .
Nesse tenipo escreveo o Governador Geral a todas as
Capitanias do Estado, pedindo soccorro e Salvador Correa
de Sá natural e morador no Rio de Janeiro, a quem El-rei
havia conferido o posto de Superintendente de toda a costa
do Sul nas materias de guerra, veio á Capitania de S. Vi
cente, onde alistou 300 voluntarios. Com esta gente em
barcada em duas sumacas, e trez canoas de guerra, navegou
para a Capital do Brazil. Sabendo na altura da Capitania
do Espirito Santo, que no seo porto estavão navios Olande
zes, buscou aquella barra com intuito de soccorrer ás villas
da Victoria e Espirito Santo. Encontrando aos inimigos,
pellejou com elles duas vezes, e obrigou - os a fugirem der
rotados. Depois de conseguida a victoria seguirão nossos
compatriotas a sua derrota para a Bahia de todos os Santos,
onde desembarcarão e assistirão até Mayo do seguinte anno
de 1625, em que a Cidade foi posta em liberdade por duas
Armadas combinadas, huma de Castella e outra de Portugal ,
que se unirão nas Ilhas de Cabo Verde : era General da
Portugueza D. Manoel de Menezes e da Castelhana, D.
Fradique de Toledo Marquez de Uvaldéça.
Que erào da Capitania de S. Vicente os 300 homens,
com que Salvador Correa de Sá afugentou os navios Olan
dezes e soccorreo á Cidade da Bahia ; consta da Patente ,
que El-Rey D. Felippe passou ao dito Salvador Correa,
quando o criou Governador do Rio de Janeiro a qual se
acha registada 20 Archivo da Camara da Villa de N. S. da
Conceição de Itanhaen, Livro do Tombo, numerado por Car
dose, que principia aos 28 de Janeiro de 1635 a folhas 27 .
Nella entra outros serviços faz o rey mensão do seguinte :
Nos trezentos soldados, que foi levantar á Ca
pitania de S. Vicente, com os quaes e com trez
canoas de guerra e duas caravelas se achou pa
restauração da Bahia, soccorrendo de caminho a
Capitania do Espirito Santo em tempo, que o ini
migo acometteo , com o qual pelleijou duas vezes
matando - lhe muita gente.

Na dita Armada destinada para a restauração da Bahia,


em que se embarcou a flor da Fidalguia Espanhola, e Lu
zitana , vierào servir a El- rei dois Irmaons, e illustres Ca
valleiros D. João Matheos Rendon de Quevedo e D. Fran
cisco Rendon de Quevedo. Ambos ficarão no Brazil, e forão
estabelecer- se em S. Paulo . Na era de 1630 se introduzirão
os Olandezes em Olinda , e depois de conquistarem não só a
Capitania de Pernambuco quazi toda, mas tambem diversas
terras , pertencentes á Coroa de Portugal, assim na America ,
como na Azia e Africa ; João Mauricio, Conde de Nasau , e
General das Conquistas Olandezas no Brazil , veio do Recife
215

em 1638, sobre a Cidade da Bahia com huma poderoza Ar


mada, e intento de a render. Atacou a fortemente mas por
fim vio-se obrigado a levantar o cerco o retirar-se.
A noticia de tamanha empreza ainda que frustrada,
despertou a indolencia do Governo Castelhano, e El - Rey
Catholico mandou ao Brazil huma Armada combinada de
Portugal e Castella, tảo poderoza, que promettia a restau
ração de Pernambuco. Para General de ambas, depois de
unidas, elegeo a D. Fernando Mascarenhas, Conde da Torre,
que vinha por Governador e Capitão Geral do Brazil . De
Lisboa sahio a Esquadra Portugueza em Outubro de 1638
morreo lhe muita gente em Cabo Verde, onde se demorou a
esperar pela outra de Castella ; e tanto que esta chegou
logo toda a Armada se fez á vela para a Bahia de todos os
Santos, portr, em que surgio no mez de Janeiro de 1639 .
Aqui se deteve pouco menos de hum anno, per ser necessa
rio fazerem -se levas de soldados, que suprissem a falta dos
mortos em viagem .
Era nesse tempo Governador do Rio de Janeiro Sal
vador Correa de Sá e Benevides, a quem ordenou o Conde
General que fizesse reclutas nas Capitanias do Sul, e as
embarcasse para a Bahia. Na mesma occasião lhe cometteo
os seos poderes, e mandou que os habitantes das ditas Ca
pitanias dessem prompta execução as ordens do seo comissa
rio. Archivo da Camara de Itanhaen Liv. que principia em
1639 e acaba em 1642. fols. 19. Em virtude da jurisdição
a elle delegada pelo Governador Geral do Estado, mandou
Salvador Correa de Sá em huma Provizão sua, dada no Rio
de Janeiro aos 18 de Março de 1639 ao Capm. D. Francisco
Rendon de Quevedo que fizesse as levas possiveis nas Ca
pitanias de S. Vicente, e S. Paulo, e as conduzisse para o
Rio de Janeiro de onde com a gente que ficava alistando
paquella Cidade serião remettidas para a da Bahia Archivo
da Camara de S. Vicente Liv . de Regis. que principia em
Janeiro de 1638 e acaba em Agosto de 1642 Als. + vers .
Executou D. Francisco a ordem e navegou para o Rio
de Janeiro com 76 bomens alistados e conduzidos á sua
custa. O Governador desta Cidade não só o fez Capitão da
gente q'elle havia conduzido , e de alguma infanteria que
lhe ajuntou ; mas tambem o nomeou Cabo de todo o soccorro,
que determinava mandar a Bahia ; recebendoação
porem segunda
ordem do Governador Geral com recomend de que o
soccorro fosse muito avultado, e tambem a Provizảo , que
adiante hei de copiar ; passou dito Salvador Correa de Sá
patente de Capm . de Infanteria a D. Francisco Rendon com
o soldo de 40 escudos, que elle entrou logo a vencer.
Ordenou lhe outrosim , que voltasse para esta Capitania
e nas villas de Serra acima reclutasse o maior numero de
soldados que pudesse, visto recomendar o Governador Geral
que o soccorro fosse avultado, e mostrar desejos de que nelle
fossem Paulistas , por se ter assentado que a concurrencia
216

dos ditos Paulistas a quem o mensionado Governador Geral


dava o nome de gente do certão, seria muito conveniente
naquella guerra. Tudo isto consta de duas Provizoens, que
existem no Archivo da Camara de S. Vicente Livro de Reg .
que principia em 1638 e acaba em Agosto de 1642 fols.
8 vers. et 9 .

Salvador Correa de Sá e Benevides.. Faço


saber, aos que esta minha Provizão virem , que
dando-me avizo o Sr. Conde da Torre ...
DISTORI
FEVERER

PAULISTA
COMMEMORAN
ILLUST

PRIMERA
PAULOAG

TENARION
AMEMO

HISTORI
O- NSTITUT
EOGRA
CONSAGR
GASPAR
MADRE
FREI

CEI
PREITO
DEUS
-DASTE

OSEGUNDO
DE

SÃO
DE

EDE

,DAS
E

G
I

Placa commemorativa do bicentenario natalicio de Frei Gaspar da Madre de Deus, solennemente


collocada no peristylo do edificio do Instituto a 17 de Julho de 1915.
Extracto do Inventario de
D. Anna de Siqueira Mendonça, mãe de
Fr. Gaspar da Madre de Deus
Documento do Archivo do Mosteiro de São
Bento, em Santos
NOTA

No resumido archivo do Mosteiro de S. Bento em San


tos que o Rev. Prior D. Macario Schmidt teve a gentileza
de me franquear encontrei sob a forma de um caderno
dobrado em quatro, certo documento extraordinariamente
maltratado pelo tempo e pelas traças e onde sobre a primeira
folha li o seguinte : Parecer do Di. Fr. Gaspar da Madr.
de Ds em ordem supplic .... se conceder .... da restitui
ção .... integra .... para .... se seguir.... Está o resto irre
constituivel graças aos estragos dos insectos papyrophagos.
A' margem, em calligraphia diversa e caracteres muito mais
apagados decifrei : Autographo de um parecer sobre um ....
dado por o Me Fr. Gaspar da Me de Deus.
Grande movimento de curiosidade despertou-me este ine
dito do illustre historiador ; que seria o tal parecer ? . Es
tavam as folhas do caderno colladas como tanto succede ao
papel destruido pelos insectos devastadores de archivos ;
verifiquei, porém , que o parecer se reduzia a umas vinte
linhas ; nellas reconheci à calligraphia do autor das Memo
rias que me é familiar ; a separação das duas folhas redu
zira - os no emtanto a frangalhos ; apenas pude reconstituir
os seguintes termos iniciaes costumão saber as pessoas de
igual condição .... Ficou o papel de tal modo rendado pelas
traças que impossivel se torna pensar em estabelecer sen
tido com as palavras escapas à destruição total. Notam-se
nellas algumas em latim, de uma citação que parece extensa
e outras em portuguez. O final lê -se bem : Este é o meu
parecer salvo melhor juizo Mosteiro da Villa de Santos aos
25 de Julho de 1790. Entre Mosteiro e da ha uma cruz

que se refere as palavras traçadas á margem : de S. Bto.


Continuando a separar as folhas não numeradas do ca
derno vi que ao do interior estavam relativamente bem con
servadas e verifiquei então que nellas copiára alguem parte
do inventario da mãe do historiador, D. Anna de Siqueira e
Mendonça. Não se pode pôr em duvida de que se trata do
inventario desta senhora pela discriminação dos bens de raiz
feita nas ultimas paginas e de uma allusão á « testadora D.
Anna de Siqueira »
Infelizmente falta o testamento originariamente annexo
a estes papeis eo proprio rol dos bens está á primeira vista
lacunoso interrompida como se acha a lista dos escravos de
D. Anna, por exemplo. E ' o documento do archivo de S.
222

Bento de Santos uma copia e um não original. No alto da pri


meira folha lê-se á margem a referencia .... ario 3 y a 15,
isto provavelmente porque o testamento tomava as paginas
1 , 10, 2 v, 3 e parte de 3 v.
No fim da copia lê - se a seguinte e curiosa recommen
dação : V. Rma. nunca diga que lhe dei o extracto do In
ventario pois o não posso fazer Ve. Induzem -me estas pa
lavras a crer que Fr. Gaspar, meticuloso como era mandara
copiar para si, do cartorio onde se processára, parte do in
ventario de sua Mãe, para guardar o traslado entre os seus

papeis.
Ha evidentes lacunas na descripção dos bens de D. Anna .
Assim é que entre suas terras não figuram as dos Campos
Geraes, posseadas por seu marido e a ella doadas pelo Ca
pitão General Caldeira Pimentel, quando já viuvo, revali
dando esta seswaria o Capitão General D. Luiz de Masca
renhas, conde de Alvor, por acto de 15 de Abril de 1744,
passado em Santos. (Archivo do Estado de S. Paulo, 12 TC,
pags. 118 a 119 v.)
Não só não se mencionam estas terras de Itayacoca e
Cabejú a na passagem velha do ribeiro chamado Tibagy entre
o capão chamado dos Porcos até entestar com o matto grosso
de Itaimbé » , como tambem ha absoluto silencio sobre a ses
maria obtida por José Tavares de Siqueira a 13 de setem
bro de 1719 nos campos da Bocaina « po caminho novo de
S. Paulo ao Rio de Janeiro » . ( 1 ) E no emtanto havendo
José Tavares fallecido solteiro era natural que seus bens
revertessem a D. Anna de Siqueira, sua Mãe. (? )
São os excerptos do inventario interessantes ; dão algu
ma ideia de como era mobiliada a residencia de uma pessoa
opulenta do littoral paulista em fins do seculo XVIII.
Tratando-se da progenitora do autor das Memorias jul
guei dever copiar o inventario embora truncado o que ipsis
verbis fiz. Muito raras falhas apontadas por meio de reti
cencias resultam da impossibilidade de traducção dos ca
racteres ; provêm quasi todas dos estragos devidos a acção dos
insectos .
Santos, julho de 1915.
AFFONSO D'E . TAUNAY.

INVENTARIO

.... ario 3 v a 15
10 pratos de estanho de guardanapo, vistos e avaliados
cada prato a cento e vinte réis em hom uso.
18 ditos m ....orsinhos ( ?) com bastante uso vistos e ava
liados cada prato a 100

( 1 ) Annaes do Archivo Nacional , tomo V , pg . 19 .


(2) Fallecido em 1774 ou em 1775 .
223

dito cor.... e hum mais pequeno raxado por 24 reis.


Bacias velhas com seus jarros e um bulle de chá e hum
prato com duas galhetas tudo de estanho .elho do peso de
4 1/2 libras a 60 reis.
Cobre
1 tacho grande com dois remendos no fundo com o peso
de 22 libras.... a pataca a libra.
1 dito em bom uso com o peso de 24 libras a libra a
280 .
1 lembique de estillar agua de flor com o fundo re
mendado com .... a libra 200.
1 chiculateirinha de cobre com hum par de bater chi
colate moldada por 320.
1 candieiro de latão pequeno uso por 800 .
1 martellinho ....
velho por
1 tacho grande em bom uso com 24 libras a 280 rs.
1 dito mais pequeno com duas soldas com o peso
de 8 libras a 220 rs.
1 dito mais pequeno com o peso de 5 libras.
1 lambique de estillar flor com o de cbumbo e 0

f .... de cobre todo furado foi avaliado por 630.


1 Marmita furada e velha com o peso de 9 libras a 160.
1 bacia de arame (?) com o peso de 4 libras bem
usada a 240.
1 dito mais pequeno de ferro com a borda meio que .
brada com o peso de 3 libras a 200 a libra.
cob
1 dita de co re m uso com o peso de 3 libras a
80 a libra .
2 ditas de arame velhas huma de pão de ló outra de
banho com o peso de 6 libras.
1 candieiro de latão velho feio antigo com ofeso de
9 libras e 16 onças 160.
1 candieiro de latão de velho prato fundo avaliado
por 200 .
2 lançoens de bertanha fina rendada coin renda larga
em bom uso avaliada em 3600 rs.
4 fronhas pequenas e 2 grandes companheiras dos lan
çoens assima avaliadas por 1920.
2 lançoens de bertanha rendados com seus piques ava
liados 5120 - renda e .... (palavra illegivel).
2 fronhas companheiras dos mesmos lançoens asima
avaliadas por 640 rs .
2 lancoens de renda de bertanha com bom uso e todos
furados avaliados por 640 rs.
6 fronhas de bertanha rendados, quatro grandes e 2
pequene.s com seus piques e rendados avaliadas por 640.
12 guardanapos de algodão e damascados e hum .... ava
liados por 1020 .
1 colxa de damasco carmezim a do
de tafetá verde muito velho, picado o damasco por 1280.
224

1 colxa de setim carmezim bordado forrado de tafetá


azul avaliada por 8000.
1 dita de setim carmezim bordada e forrada de tafetá
carmezim e está todo roto e avaliado por 3200 rs.
1 colxa de serafina labrada forrada de brim riscado ....
de algodão em bom estado e avaliada por 1920 rs.
1 colxa de chita da India com huns furos velha ava .
liada por 1280.
1 dita mais pequena tambem velha é picada avaliada
por 260 .
1 toalha de meza cambraya rendada em bom uso ava
liada por 1600.
1 dita de cambraya rendada em bom uzo por 1280.
1 com seus ramos com que salvas de prata
com avaliada em 800 .
1 bofé de jacarandá de Bahia pés torneados com duas
gavetas com chave avaliado por 1600.
1 mesa redonda de jacarandá avaliada por 800.
3 tamboretes de sola pequenos e velhos e hum quebrado
dos dittos avaliados por 1120 .
1 espelho velho com 2 palmos e meio de vidro ava
liado em 1270 rs .
1 painel de Santa Escolastica e imagem de nosso Se
nhor avaliados por 1600 .
1 coxim de Damasco com suas borlas usado por 600 .
5 fronhas de tafetá carmezim usadas duas grandes e
tres pequenas avaliadas por 640 rs
3 portas de cortinas de Damasquilho amarello com suas
sanefas com bastante uso e com suas .... avaliados por 3600 rs .
2 portas de cortinas com suas sanefas de damasquilho
amarello avaliadas por 3600 .... avaliadas por 1600 rs.
1 porta de cortina de damasquilho amarello avalia
dos em 800 rs .
2 portas de cortinas com suas sanefas avaliadas por
1600 rs .
1 alcatifa em bom uso avaliada por 4000 .
2 pannos de cobrir taboleiros delo (?) de flores por 640 .
1 porta de cortinas de oratorio delo de flores com um
galão falso avaliadas por 480 .
1 prato grande de louça de India entretino com pintu
ras .... ornados verdes avaliado por 480 rs.
1 dito azul e branco fino avaliado por 560 meyo fundo .
3 pratos ditos azul e branco fundos avaliados a 560 rs.
cada hum .
3 ditos mais pequenos azues e brancos avaliados por 320
cada hum .
1 prato grande doirado fino avaliado por 800 rs.
16 pratos de guarda .... da India .... azul e branco
avaliados por 2080 .
4 ditos avaliados por 320.
225

4 chicaras e 3 pires de louça da India parda avaliados


por 320.
3 pires e 2 chicaras de louça da India branca com

figurinhas, desirmapadas a 40 rs. cada huma.


7 chicaras de louça de Macau branca e azul avaliadas
a 40 rs. cada huma.
13 chicaras cumpridas e hum pires de louça da India,
com uns riscos dourados quatro destas raxadas
.... ava
liado tudo por 1200 .
pardos com ramos vermelhos e verdes de 4 libras
avaliada por 640.
6 copos de vidro, tres de ramos azul e encarnado bran
co, tres brancos pequenos avaliados por 480 rs.
2 tabuleiros pintados com bastante uso avaliado por 320 rs .
1 pincel de .... avaliado por 240.
3 canecas de estanho velhas uma grande e duas pe
quenas avaliadas por 240.
3 Balanças de gancho grande com dous pesos de ferro,
hum de meya aroba e outro de outo libras mais hum pezo
de chumbo de outo libras outro de quatro outro de duas
outro de huma outra de meya e outro de quarta avaliado
tudo por 1440.
4 foucas uma das quaes de melhor uso e tres muito
velhas tudo por 640.
6 machados muito velhos avaliados por 1000 .
5 enxadas bastantemente usadas avaliadas por 728.
banquinha com o pezo pouco mais ou menos de 112
aroba avaliada por 800.
1 frasqueirinha velha de caixa sem chave com seis
frascos por 960.
1 frasco por 160.
3 garafas de quartilho avaliadas por 320 .
1 Mancebo de jacarandá com suas carancas nos
pés.
1 caixinha de pau sem fechadura de dous palmos e
meyo por 160.
1 .... caixa quadrada grande por 160.
1 bandeja de pão
2 alguidares hum grande e hum pequeno avaliados por
160 .
1 bispote branco por 120
2 farquilhas de jacarandá torneadas por 160
1 peneira de seda com d .... pequeninas por 200
1 imagem de S. Anna de madeira de palma e meyo de
cumprido por 2560.
1 imagem de S. Quiteria dourada de um palmo e meyo
avaliada por 960
1 imagem de Christo com sua cruz e pianha antigo
por 640
226

1 imagem de Nossa Senhora do Pillar de madeira de


palmo de cumprido por 160
1 imagem de Christo de latão com sua cruz de pau
a 160
1 imagem de Nossa Senhora da Piedade de palmo e
meyo hua de Santo Antonio de palmo e meyo hua de Santa
Rita de hum palmo huma de S. José hua de S. Sebastião
tudo de barro que se lhe não deu valor por ser barro
1 lamina de S. Jeronymo de menos com sua mol
dura muito escuro de fumaça por 100
1 vidro de palmo e meyo com a pintura do menino
perdido por 320
1 rede de algodão azul com alguns cordões reventados
no punho e as barandas com seus boracos por 1280
1 caixa de tartaruga de tabaco por 320
1 caixa de oculos de tartaruga por 610 .
1 .... grande 320
.... to piqueno 160
1 estrado de madeira da terra 240
1 chapeu de sol grande ... com bastante uso avaliado
por 1600
1 leito de jacarandá grande da Bahia feitio antigo com
falta de alguns bilros avaliados per 3200
1 mesa redonda de madeira da terra com duas gavetas
com feichaduras e chave aranhada (?) avaliada por 960
1 oratorio de madeira da terra com cinco palmos de
largura e duas portas avaliado por 480 rs.
1 caixa de jacarandá com duas gavetas com sete palmos
e meyo de cumprido com sua chave aruinada avaliada por
3200
1 dita de madeira da terra com tres palmos e meyo
com fechadura e chave o tampo raxado pelo meyo por
210
1 leito de jacarandá piqueno da Bahia muito velho
avaliado por 1280
1 bofete de madeira da terra, velho, pés torneados com
duas gavetas sem chave por 320 rs .
1 catre tosco de madeira da terra velho por 200
1.6 livros velhos .... diversos Autores avaliados por 800
1 bofete de jacarandá da Bahia com tres palmos e meyo
de cumprido bastantemente velho e destroncado avaliado
por 1600
2 ditos de pau da terra com gavetas avaliados a 320
por cada hum
2 leitos de jacarandá torneados, velhos, da Bahia e des
troncados por 2560
1 leito de jacarandá da Ba muito velho que se lhe não
deu valor
2 caixões de despejo que foram de Assucar mto velhos
hum sem tampa e o outro repartido por dentro com seu al
çapão que serviu de despença tudo mto velho por 320
227

1 painel grande da benção do Senhor com suas mol


duras e forrada de detrás com madeira avaliado por 480
4 ... todos por 160
1 (a) e 8 libras de lan de colxão cumprida a 50 v ....
de dita .... e custa 43 11218as de prata a 80 velha
1 relicariosinho de prata com o peso de 12 112,8as a ....
1 morada de casas de sobrado foreiras aos Religiosos do
Carmo que partem de hua banda com os herdeiros de Franco
Tavares Cabral e por outra com casas que forão de Rafael
Carvalho e hoje são de Escolastica Roiz avaliadas por 350 $
1 morada de casas terreas defronte das casas de sobrado,
que partem por hua banda com casas de José Pedroso Car
neiro e por outra com casa da Testadora D. Apna de Si
queira avaliadas por 51 $ 200
1 morada de casas terreas foreiras ao Carmo que par
tem de hua banda em chãos dos Padres do Carmo e pela
outra com as ditas asima avaliadas por 38 $ 400
Citio de Sta Anna
no Districto de S. Vicente
As terras do Covatão no mesmo districto de S. Vicente
Terras em Curitiba
No Districto da Villa de Pernagoa hua legua de terras
asima do porto velho de Corituba onde chamão Itaopemirim
de hua e outra banda do Rio reservando trezentas bra
çals de terra no porto de Sima que reservão por ordem de
S. Mage para o serviço dos passageiros.
Mais hua legua de terra de hua e outra banda do Rio
onde chamão os morretes reservando tambem outras trezen
tas braças no porto que tambem se tomarão para nellas asis
tirem ....... o dito porto ........ porém estas duas leguas de
terra lanção se aqui somente por lembrança ........ para rei
vindicarem de muitos sugeitos que em má fé ........ nellas
e as estão possuindo
Escravos

1 Escravo por nome Joaquim de Vação Banguela torto


de hu olho de idade de sincoenta annos pouco mais ou me
nos avaliado por 38$400
1 dito por come Domingos de Nação Angola de idade
de 40 annos pouco mais ou menos com hua perna mais fina
que a outra avaliado por 51$ 200
1 Escrava de nome Antonia de Nação Banguela muito
velha e doente com o dedo de hua mão direita cortado que pela
sua incapacidade mandarão sahir com um . $ ...
Extracto do
Dietario do Mosteiro de São Bento do
Rio de Janeiro
relativo á administração de
Frei Gaspar da Madre de Deus
NOTA

São as paginas que seguem a cópia de um certo numero


de folhas do Dietario manuscripto do Mosteiro de São Bento
do Rio de Janeiro, codice precioso, quer pelos assumptos
de que trata, quer pelo primor calligraphico de que está re
vestido. Nestas informações se encontram quasi todos os por
menores biographicos correntes acerca de Frei Garpar, hauridos
aliás da obra de Balthazar da Silva Lisboa, que no volume
6.° dos seus Annaes ao tratar da historia da Ordem Benedictina
no Rio de Janeiro nada mais fez do que copiar e resumir ,
uma vez ou outra os dizeres do Dictario. Obtivemos a
presente copia graças á extrema gentileza dos Revs. P.es
Dom Leandro Marques de Souza e Dom Meinrado Mattmann,
respectivamente Archivista e Vice-Prior da Abbadia do Rio
de Janeiro .
A. d'E . TAUNAY.
São Paulo - Junho de 1915 .
0. V. P. M. D)" Jub. Fr. Gaspar da Madre de Deus
56,0 D. Abbade

A renuncia que fez o P .: Mestre Frei Antonio de São


Bernardo deo lugar de leisão do N. P. M. ex Provincial
e Door Jub. Frei Gaspar da Madre de Deos. Este he o
primeiro filho que a vila de Santos deo a nossa Provincia
para occupar as suas maiores dignidades ; illustrando-a igual
mente com as suas letras, e com o seo zelo .
Nasceo no anno de 1714, e forão seos pais o coronel
Domingos Teixeira de Azevedo , e D. Anna de Siqueira e
Mendonça : ambos igualmente ricos, e nobres, porque os seos
antepassados eram das principaes familias da Capitania de
S. Paulo .
A sua educação correo inteiramente por conta de sua
excelente mae, por que seo pae faleceo nos seos primeiros
annos. Contava dezasete, quando desprezando as conve
niencias que podia ter na sua caza por ser o primeiro de
seos irmãos, tudo renunciou por se recolher na clauzura
Benedictina.
O N. P. Provincial Frei Antonio da Trindade, trazendo-o
consigo, o levou para o Mosteiro da Bahia, aonde foi no
visso sendo Abbade seo Tio, irmão de sua Avó, o N. P. M.
ex Provincial Fr. João Baptista da Cruz.
Depois de profeso foi mandado para esta caza estudar
Filosofia e Teologia , sendo discipulo do mesmo P. M. Fr.
Antonio de São Bernardo, a quem mereceo grande afecto , e
huma fiel amizade em toda a sua vida. Pela sua aplicação
e progresos no estudo d’estas ciencias foi eleito Pasante, fa
zendo os actos em Agosto de 1740, e continuando n’este
exercicio foi nomeado Lente de Teologia do curso que teve
principio no anno de 1748 ; e graduando -se de Doutor em
18 de Junho de 1749 continuou depois o segundo curso de
Teologia em que foi Regente , e se fez jubilado. Não só
nas cadeiras, e nas aulas soube reconciliar a sua pesoa, e a
Religião os maiores creditos ; tambem nos pulpitos fez esti
mavel o seo talento : e bem o mostrou em muitos sermoens

que de repente , ou quasi sem tempo pregou dentro , e fóra


do Mosteiro, com aplauso universal dos seos ouvintes.
Finalizados os seos estudos o elegerão D. Abbade do
Mosteiro de São Paulo na Junta de 22 de Dezembro de
232

1752 que renunciou pela preciza asistencia que devia fazer


neste Mosteiro, nas dependencias de sua caza destituida já
de seos irmãos seculares, e de sugeitos que podesem tratar
dela : e pelo mesmo motivo não exerceo o cargo de Definidor
primeiro para o qual foi escolhido na Junta de 20 de Feverero de
1756 Promovido depois para a dignidade de Prelado desta
casa, dela tomou posse aos 2 de Outubro de 1763, sendo o
quinquagesimo sexto D. Abbade, e governou dous annos , e
quatro mezes até 9 de Fevereiro de 1766.
Neste lugar fez patente o seo ardente zelo pela obser
vancia regular. Era caritativo com os pobres a quem so
corria com amabilidade, principalmente aos que vivião ocultos
e recolhidos. E para os muitos prezos que se achavão na
fortaleza da Ilha das Cobras destinou a segunda feira de
todas as semanas, no qual dia mandava repartir hum jantar
com grande consolação daqueles mizeraveis .
O culto divino, e as funsoens na igreja lhe merecerão
a sua maior atensão, fazendo que elas se executasem como
maior aseio , e decencia, principalmente na muzica e Canto
em que excedeo os seos antecesores. Achando que a Sachris
tia estava onerada com muitas misas de dous Monges fale
cidos em outro tempo sem haver certeza de que estivesem
satisfeitos mandou dizer todas as que se poderão no seo
tempo, que ainda forão duas mil , trezentas, e doze, Livrando
se desta sorte de semelhantes escrupulos.
Para ornato das imagens do altar mor mandou fazer
cortinas de damasco carmezim franjadas e agaloadas de ouro ,
sendo as mais ricas que se tem feito até o presente. E por
que se dizião que as misas dos defuntos com ornamentos
roxos, mandou fazer huma ordem de cazulas pretas ordinarias
para se cumprir com o Ceremonial e huma de veludo aga
loado de ouro , reformando -se as dalmaticas antigas com novos
galoens que tudo importou mais de quatrocentos e quarenta
mil réis. Para o Sacrario se fez hum vazo, ou Ambula de
ouro com quatrocentos mil réis que por sua morte nos deixou
para iso mesmo Marçal de Magalhães Lima, de quem foi tes
tamenteiro Manoel Ferreira Gomes. Este vazo he huma pesa
curiosamente lavrada ; e só tem o defeito de ser pequena .
A irmandade de São Braz, fez hum novo retabulo para o
altar : e a de Santa Gertades quatro castiçaes de prata para
a sua banqueta. Acabou-se a talha da Capela interior e se
fez à porta de jacarandá refendida, que he a melhor obra
que tem de madeira este Santuario.
Desejando de alguma sorte conservar, e augmentar a
caza da Livraria, não duvidou recolher hum livreiro a quem
pagava todos os annos hum avultado salario para conservar
os livros danificados do bicho ; ensinando juntamente este
oficio a hum escravo que se lhe destinon para ter cuidado
no aseio, e limpeza da Caza. Comprou alguns volumes, e
acresentou as estantes com livros do N. P. M. Fr. Matheos
da Encarnação Pinna, de quem tambem erdou o Mosteiro
~ 233

duas cazas terreas na rua do Rozario feitas em chãos do


mesmo Mosteiro da herança do P. M. Fr. Francisco de
Jesus Vilaslobos, as quaes tinba comprado o dito P. ex
Provincial por escriptura de 27 de Junho de 1723. E para
conservar a memoria deste respeitavel Monge, o mandou re
tratar depois de morto, colocando-se na sala principal o seo
quadro, como exemplar digno da nosa imitasão.
No Arquivo do Mosteiro deichou principiada huma his
toria chronologica de todos os documentos que nele se con
servão pertensentes as propriedades, e fazendas do Mosteiro.
Esta obra, ou este trabalho seria o mais interessante se o
visem completo os que nos hão de suceder. O motivo dela
foi a precizão que lhe derão as Ordens do Soberano ; e as
duvidas que havião com os Excmos Viscondes. O pe Provin
cial Fr. Francisco de S. Jozé lhe tinha pedido huma rela
ção dos bens, e rendimentos do Mosteiro com o numero dos
seos Monges a que obedeseo dando - a em 15 de outubro de
1764. Deo outra do numero dos Mosteiros, e dos Monges das
Capitanias do Rio de Janeiro e S. Paulo ao Conde da Cu
nha Vicerei do Estado , e governador desta Cidade aos 9 de
fevereiro de 1765. No mesmo anno, aos 3 de julho foi no
tificado por carta do Corregedor da Comarca Alexandre Nu
nes Leal para aprezentar no termo de dous mezes todos os
titulos das fazendas, e terras que possuia o Mosteiro, o que
executou no di 2 de setembro do dito anno . Só pode fazer
idéa verdadeira do quanto trabalhou este Prelado em formar
estas relasoens, quem sabe o estado, ou confuzão em que se
achava naquele tempo o mesmo Cartorio : e com elas he
facil hoje reduzil-o a melhor forma . Tambem neste tempo
mesmo o Chanceler Joào Alberto Castelobranco lhe partici
pou por carta a ordem de S. Magestade para declarar os
juizes conservadores que tinba o Mosteiro, e os Direitos em
que se fundava para a eleisão deles, ao que satisfez com a
devida prontidão.
Fez toda a deligencia para concluir as duvidas com os
procuradores dos Exemos Viscondes, sugeitando- se ao que
julgasem , e sentenceasem os dous Juizes arbitros dos mes
mos fidalgos que erão o Conego Francisco Frz Simoens, e o
sobredito Chanceler. Em de ontubro de 1765 propoz no
Concelho o ceder a Restinga, para efeito desta composição
e convindo os Padres dele nesta cesão alcansou o fazer - se
huma confcrencia ; mas sem efeito algum pela conduta de
Manoel Henriques requerente das cauzas dos mesmos fidal
gos, a quem não podia fazer conta o noso socego, e quie
tasão. Venceo no seo tempo huma demanda antiga que ti
pha o Mosteiro com D. Maria Vianna viuva de Jozé de
Souza Guimaraens sobre huns chaos que servem de fundos
as cazas da rua dos Pescadores . A sentença foi dada aos 23
de fevereiro de 1764 , e se tomou pose dos chãos em 23 de
maio do dito anno . O vencimento que teve o Mosteiro no
triennio seguinte da causa que trazia com Amaro Luis de
234

Amorim sobre os chãos do N. P. Fr. Ignacio do Rozario no


Campo de S. Domingos, consistio na Sesmaria comua da
quelas terras que soube descobrir, e pôde achar a sua dili
gencia; sem a qual se não podia defender, e sustentar a
nosa Justiça contra os direitos do Senado. Tambem se deve
a sua diligencia a satisfasão da testamentaria do P. Este
vão Pacheco Rezende, que havião muitos annos estava pa
rada, e quasi esquecida; fazendo que se podesem descobrir
no distrito de Maricá, e no Reino algumas pesoas a quem
se devião satisfazer alguns legados, e contas. E só depois
destas diligencias se veio a concluir e dar contas deste tes
tamento que foi depois em 16 de maio de 1778.
No Guindaste mandou fazer por baixo do dormitorio do
Pilar huma casa de jogo para recreasão dos Monges nas
tardes e dias permitidos, ao mesmo tempo que zelava com
cuidado todo e qualquer exceso deste divertimento. E tam
bem fez duas cazaz para as oficinas do Livreiro , e Pintor.
Com a legitima que recebeu do P. D. Abbade de Albania
ainda antes de sua morte, fez trez moradas de Cazas, na rua
da Prainha, segurando desta sorte aquele dinheiro que an
dava a juros, e fazendo continuar a rua de Cazas que tem
o Mosteiro pela parte da Orta.
0 augmento e utilidade das fazendas mereserão a este
Prelado huma grande parte do seo desvelo . Deo as melho
res providencias, que se podião dezejar para este fim , que se
teria conseguido se fosem exactamente praticadas e conti
nuadas. Movido de caridade e de justiça obrigou a todos os
Padres administradores que sustentasem as crianças com os
mantimentos proprios das fazendas : e tinha cuidado de os
vestir todos os annos , e sempre que neles conhecia a nece
sidade. Prohibio ao mesmo tempo que se tirase o dia do Sa
bado aos escravos paquelas semanas em que ocorrião dias
festivos, e de guarda, por mais urgente que se representase
a vecesidade. Só estas duas providencias serião capazes de
fazer todo o seo elogio, quando não tivese outras qualidades.
Tendo examinado seriamente as cauzas, e principios da
decadencia das fazendas dos Campos, procurou evitar a sua
ruina dando as disposisoens que pareserão mais uteis, e
necesarias ; porem não estava na sua mão o remediala em
tam pouco tempo e de huma só vez.
E para que os Prelados futuros as podesem conhecer
mandou escrever no seo Estado huma verdadeira relasão destas
fazendas. Na fabrica da Olaria do Iguasú se fez um terseiro
forno ; e grande, com o qual se podem cozer mais cem mi
lheiros de tijolos todos os afuos. Para o engenho da Ilha
comprou huma caldeira de cobre, que he a melhor dos nosos
engenhos, e se fizerão humas boas moendas.
Teve o acerto de escolher para os engenhos de Camorim
e Varge dous Padres zelosos, e aplicados ; e estas duas fa
zendas tiverão grande mudansa e augmento nas suas lavou
ras e fabricas. Nada se poupou ou se deichou de fazer que
235

fose util necesario, os partidos se beneficiarão com arados de


que já não se conhecia o uzo que antigamente tiverão. A cons
trução de novos carros ; o reparo, e beneficio dos caminhos,
e a largueza dos novos pastos fizerão venser a maior diffi
culdade que havia na conservasão das boiadas para o serviso
e trabalho ; e logo se virão bois muito capazes, para o ser
viso dos engenhos, e condusăo das madeiras da Náo nova,
como se dise já ; e se experimentou grande fartura de manti
mentos . No engenho de Camorim fez cumprir hum legado da
S. D. Vitoria que consiste em huma procisão em dia de S.
Gonsalo depois da sua festa a qual se não fazia havião muitos
annos.
No engenho da Varge foi maior o seo cuidado. Ele es
tava destituido de todo o necesario, e absolutamente tudo
nele faltava. A tudo acodio ; porque no breve espaso de dous
annos, fornecendo - o de escravos (para o que comprou vinte
e quatro ) se fizerão rosados , valas, pastos, caminhos, e par
tidos. Mandou abrir com grande despeza e maior trabalho de
Indios huma vala ou rio nos dilatados Pantanos com o fim
de os secar para pastos, conseguindo ao mesmo tempo fazer
huma comonicasão ontre a fazenda e a Lagoa muito provei
toza para a subsistensia dos seus vizinhos ; esta obra seria de
grande utilidade, e daria nome a este engenho se fose posi
vel concluir-se no seu tempo.
Este engenho lunca teve caza de vivenda ; e poriso
nunca os Prelados se demoravão nele ainda por hum só dia ;
e desta falta procedeo sempre o seo total esquecimento, e
desprezo . Com esta certeza escolhendo hum sitio elevado , e
aprazivel, nele mandou edificar humas bôas cazas de pedra e
cal com janelas, e portas de Cantaria , e as deichou perfei
tamente acabadas , e preparadas . Esta obra he a mais com
pleta, e de melhor gosto que se tem feito neste Mosteiro deste
genero ; e dela rezultou o adiantamento com que ficarão muitos
escravos oficiaes de Carpinteiros, e pedreiro que nelas traba
lbarão. O aseio, e ornato interior hé correspondente a sua
grandeza, e nela se pode acomodar até doze hospedes, junto
as mesmas cazas deo principio a nova igreja, deichando a
Capela môr, e Sachristia acabadas e preparadas com muito
aseio, e riqueza . () retabulo he 'curiozamente dourado , e a
tribuna està ornada com cortinas de damasco carmezim com
franjas, e galoens de ouro. Neste altar se colocarão as ima
gens de N. S. do Pilar padroeira da fazenda, de N. S. Pa
triarcha, e de Santa Anna que se fez de novo, fazendo -se huma
devota procisão, e hum triduo solene na sua transladasão para
à nova Capela no mes de janeiro de 1766 .
A rua nova teve hum avultado desempenho, porque se
pagarão vinte, e quatro mil cruzados de principal, ficando o
seo empenho só em vinte e tres : para o que deichou mais
de dous contos de reis que brevemente se cobrarão no trien
nio seguinte. Pagou tambeni por conta do empenho do Mos
teiro mais de tres mil Cruzados, não obstante as precizas des
- 236

pezas, e carestia de farinha que experimentou geralmente a


Cidade neste tempo .
Este Prelado mereceu ao Conde da Cunha Vice-rei do
Estado huma venerasão especial logo desde a sua chegada , e
pose que tomou do governo, que foi aos 16 de outubro de
1763. A este excelente governador deve o Mosteiro a estrada
livre de sua ladeira, quando no mes de janeiro de 1764 deo
principio ao Arsenal para a construção da Náo S. Sebastião
que nele se fabricou. Os mestres instarão que se não podia
fazer a carreira sem se ocupar toda a praia, e rua da mesma
ladeira , porem ele constantemente rezolveu, que ela se fizese
com inclinasão para hum lado só afim dos livrar deste grande
encomodo.
De outro não pequeno nos livrou tambem , não duvidando
interpor a sua autoridade para com Pantaleão de Souza Teles ,
que nos executava pela quantia de quarenta mil cruzados ,
que se lhe tinbão tomado a juros nos triennos antecedentes
para as despezas da rua nova, e compra da fazenda de An
tonio Jozé Freire nos Campos ; fazendo que nos concedece
tempo para a solusão desta divida avultada. O Prelado que
padeceo huma grande aflição com este negocio, teve o gosto
de achar antes dos seis mezes concedidos quem lhe ofertase
trinta mil cruzados a juros com os quaes foi facil afrontar o
resto que forão doze com o premio vencido.
Outros lanses se não fazem patentes, pela sua mesma
qualidade ; e não só para credito do Prelado, se não tambem
para demonstrasão do noso agradecimento, bastará dizer-se
que este generozo fidalgo não duvidava afirmar a vista das pesoas
mais autorizadas, que os Monges de S. Bento lhe não davão
cuidado no seo governo ; e que parecia não haver na terra
esta regular corporasão ; rezultando estas honradas expresoens
hum respeito, e venerasão dos mesmos seculares para toda a
Comunidade. Falesendo na Corte a Condesa de Val dos Reis
mãe da Condesa da Cunha sua espoza, o Prelado lhe fez ce
lebrar no seo Mosteiro no anno de 1764 humas solenes exe
quias ; cantando a Misa de Pontifical, e asistindo a elas o
mesmo Vice -rei que aceitou este obsequio com grandes de
mostrasoens de agradecimento.
Reconhecido pela Congregação o seo merecimento e o
zelo com que atendia para o augmento do seo Mosteiro, foi
eleito pelo Remo. Pe. Geral Fr. João Baptista da Gama, e
mais Padres da Junta de 19 de agosto de 1765 para a dig
nidade de Provincial, da qual tomou pose aos 9 de fevereiro
de 1766 entregando o governo da caza ao seo sucesor N.
Pe . Fr. Francisco de S. Jozé que acabava de Provincial .
Neste supremo lugar da Provincia satisfez com os maiores
acertos, e dezinteresada conduta a expectasão dos que o
elegerão ; de tal sorte que no fim do triennio o escolherão
para D. Abbade do Mosteiro da Bahia na Junta de 5 de
agosto de 1768, colocando todos peste Revmo. Pe. huma bem
-- 237

fundada esperansa do restabelecimento daquela caza, que teve


por bem renunciar, escolhendo para viver retirado o Mosteiro
Santos sua partia.

Referencias acerca de Frei Miguel Archanjo da Annunciação Tei


xeira de Azevedo, (1) presidente do Mosteiro de Santos, treze
vezes Abbade do Mosteiro de Olinda e autor da chronica
da abbadia até o anno de 1763 e Abbade Provincial da
Ordem Benedictina no Brazil.

EXTRACTO DA CHRONICA GERAL DA ABBADJA DE OLINDA,


E REFERENCIAS DOS LIVROS DO SEU ARCHIVO, COPIADOS PELO
ARCHIVISTA , REV . P. Dom Tito DOBBERT, 0. S. B.

« 74. Prelado e 61. Abbade. 1769-70-71-72 . ( M.


R. P. Frei Miguel Archanjo da Annunciação tomou posse
pela 1.4 vez como Abbade de Olinda em 27 de Agosto de
1769. Serviu - lhe como prior o R. P. Frei Manoel de S.
José Simões. Consta do livro dos gastos que este Prelado
concertou ou renovou em grande parte as vestes sacras e que
deu principio á pintura do forro da Igreja. Teremos
ainda occasião de falar neste Prelado, que foi dos ornamentos
mais bellos da nossa Congregação no periodo de seu 2 e 3.
triennio » .
€ 77. Prelado e 63. Abbade. 1778-79-80. O. R. P.
Frei Miguel Archanjo da Angunciação, tomou posse pela
segunda vez como Abbade deste Mosteiro em 1. de Junho
de 1778. Serviu-lhe de Prior o R. P. Frei Luiz d'Assum
pção. A este Prelado devemos nossa Igreja tal qual agora
possuimos.
Prova certa disto é a pedra que foi assentada no muro
que olha para o Varadouro e que traz o seguinte verso :
« Aspice, qualis fuit Salomonis nobile templum . Michael
ædificans, conjice, qualis erat. 1779 » .
N. B. (No frontispicio da Igreja está gravado sim
plesmente o numero 1761).
Para alcançar este seu intento, demoliu a velba sa
cristia para no lugar della fazer o nosso actual Presbyterio.
No corpo da Igreja não alterou nada, como provam bastante
os trabalhos de seus predecesores. Com a nova Capella- mor
fez -se tambem a actual Capella Abbacial e o corredor que
fica por debaixo della .
N. B ! (A citada inscripção latina, occupa a parede ex
terior da Capella Abbacial .)
Parece que principiou tambem a sacristia, pois uma
pedra no muro diz : « Anno Domini 1783. Dita sacristia
( 1 ) Irmão mais moço de Frei Gaspaa .
238

tinha dois andares até o anno de 1860, quando o edificio


ameaçava ruinas e exigiu a demolição do 2. andar. — Com
prou uma grande salva de prata para a sacristia por 75$310) .
« 79. Prelado e 65. Abbade. 1783-84-85-86 . 0. M.
R. P. Frei Miguel Archanjo da Annunciação tomou posee
pela 3. vez desta casa em 23 Outubro de 1783. Era seu
Prior o R. P. Frei Vicente da Trindade . Mandou fazer em
1784 as duas imagens de S. Gregorio e de S. Escolastica
por 75$, sendo 20 $ para a madeira e 55$ para o esculptor ;
mandou fazer o esguicho de marmore da sacristia por 300 $ ;
comprou as ferragens para os caixões da sacristia por 131$810
e por mais de 600 $ ouro para dourar, o que me leva a
suppor que o Altar -mor é tambem obra sua.
Tornou - se logo depois deste triennio Provincial e fal
leceu em 3 de Dezembro de 1804 e foi enterrado na sa
cristia , no centro della » .
( N. B. ) Seu epitaphio reza assim : S. DON P. M."
P. EXPROV.AL FR . MIGUEL ARCANJO D'ANNUNCIA
Ç..0 . FALLECEU EM 3 DE DEZ.BRO DE 1804 ). O seu
retrato acha - se na antesala do côro superior. (N. B.) E '
um quadro pintado a oleo do tamanho 98 x 76 cm . sem o
caixilho e que offerece laconicamente esta indicação escripta
no sopé : « O R.mo P. EX - PROUINCIAL FR .' Miguel» ).
Devemos a este prelado a chronica do nosso Mosteiro que
temos encontrado e que vae até o anno de 1763. Prova
disto se acha na vida do 15 . Prelado 34. Abbade. pois lá
diz : « ... sem ella escriptura de composição não
poderia eu conseguir felizmente a tombação do engenho de
Mussurepe no 3. triennio de minhas abbadias » . Ora o tom
bo de Mussurepe neste triennio sempre é assignado por Fr.
Miguel Archanjo da Annunciação , D. Abbade de S. Bento .
Trabalhou tambem no frontispicio novo da Capella dos Pra
zeres, pois fez rubricar em 1786 em um livro novo os gastos
feitos com o frontispicio desta Capella desde 1875 , obra esta
que tinha sido principiada anno antes por Fr. Manoel de S.
José Simões, quando era regente da Capella . Como se vê
no livro dos conselhos era Fr. Miguel Archanjo muito con
siderado na communidade por sua prudencia e circumspecção
de sorte que antes de tomar uma decisão , foi sempre pri
meiro consultado e seu parecer parece ter prevalecido quasi
sempre » .
Até aqui a «chronica » do nosso Mosteiro no que diz
respeito a Frei Miguel. O que segue é tirado do « Livro
dos inventarios 1752-1820 » :
Inventario dos bens do uso do N. R.mo.P.e Ex-Prov.al
Fr. Miguel Archanjo da Annunciação que falleceu em 3 de
Dezembro de 1804 .
Quatro pares de oculos, 5 camisas, 6 lenções , 7 siroulas,
4 tualhas de linho e 3 de algodão, 4 fronhas grandes e pe
quenas, 1 guardanapo: 9 lenços de côr, 8 pares de meias, 1
colxa , 1 tunica, escapulario e capelo, 3 folhas de flandres,
239

1 boceta de chifre, 26 cadernos de papel, uma pessa de


sarge, 4 pares de meias pretas, 3 miadas de linhas, um pouco
de retroz , 8 varas de panno de linho, 3 travesseiros. 1 colxão
uma cama, 1 bahú , 1 canastra velha, 1 gamel velha, 1 papeleira
velha, 1 caldeirão, 1 chicolateira, dois potes, 1 meza, 1 poltrona,
4 pratos e 2 tijelas, 2 sopeiras pequenas, 2 copos pequenos
e 1 grande, 3 frascos, 1 vidro branco e 3 garrafas, 1 bule ,
2 pratos de estanho, 1 garrafão pequeno e 2 pinicos, 1 co
lher e 1 garfo de prata, 1 candieiro com 1 prato de esta
nho, 2 rosarios, cilicios e disciplina, 1 bengala e 1 vassoura.
1 docel com uma Imagem de N. Spr. J. C. , 1 agulha de
marcar, 2 ratoeiras, 2 tizouras . Dinheiro 3 520.
Livros :
Sur moral em Folio . 4 T Sentimentos afectuosos IT
Miscilania em f . . . IT Novena de S. Anna IT
Portuguez lastimoso em f. IT Arte de M. Abr . IT
Ceremonial Benedictino Observações de medico
Corelhas em F. . . IT Colecção Sacro-Dolorosa IT
Concina em f . Compendio doutrinal . IT
Constituição Monastica Breviario 2 T
Ortografia de Moraes . 4 T Horas de N. Sar.. . IT
Concina 2.º. IT Exarcicio espirit. IT
Colecção de de Bullas: IT Ripam . . IT
Jabuatão Mistico IT Perseguição do Clero
Francez . . 2T
Sermoms desour. . . IT Kempis . . IT
Cinozura Teologia . . IT Portugal restaurado . 2T

Rematação dos bens do uzo do d . falecido P. Er Prov.al


MO
P > toda a roupa branca a N. R. 8 $640
uma colxa branca ao P. M. Fr. An.lo
do Carmo . 19760
mo
um chapeo des tustoens ao N. R." 1 $000
uma tunica p." caza . 2 $ 240
8 varas de panno de linho a s . Rita a 460 3 $680
3 miadas de linhas a 70 r. a N. R.mo $ 210
uma papeleira ao P. Prior . 4 $000
um caldeirâo ao d . • P. M.º. 28000
uma pessa de sarge a 960 p .“ Caza . 38 $ 400
uma chicolateira a N. R.m 1 $ 000
uma agulha de marcar ao d.º $ 800
uma tizoirinba ao d.º $080
uma d.* maior a Ir. Fr. Joâo de S. Anna $ 120
um bahú ao S. Rita 2$240
um candieiro a N. R." 0 1 $ 700
um pouco de papel ao p .: Ex Abbade
Fr. M.el dos Prazeres . . $ 400
> pela loiça ao d.º 18280
pelos frascos ao S , Rita 1 $ 320
240

>>
colher e garfo de prata a 80 r. com 22
mo
oit.as a N. R." 1 $ 760
um sinete oit. r. ao P. Ex Abb. $080
uma boceta a N. R.mmo quar.' r . $ 040
2 novelos de algodão p ." Caza $ 080
1 funil p ." a d ." quar.' r. . $ 040
um colxãosinho ao S.ta Rita $ 160
um exercitatorio ao P.° Ex Abb . $ 400
mo
dois bispotes a N. R." $ 700
a Caza
11 oit.as de retróz a 60 r . p.“ $ 690
um 1.º a N. R.mo $ 040
uma meza ao P. Prior . $320
uma Canastra velha ao P.• Ex Abb. $ 160
umas horas de N. Sor." ao P. Prior . $240
Ceremonia e lei ao S.ta Rita . . 1 $600
>>
uma pessa de ganga q . The devia a Casa
de um cat.ão vencido 1 $ 280
3 pares de meias pretas q . se venderão 1 $920
>>
dinheiro que se achou onze patacas . 3 $ 320

83 $ 450
>>
dinheiro que estava na mâo do N. R."
P. D. Abb.º perten . “ a d.º 86 $ 920

1708370

Que dividido em tres partes


cabe ao Mostr.. 113$580
e a terça do defunto 56$790

170$370

Certifico, q . destribui pelos Monges Sacerdotes deste


Mostr.“ cento e cecenta e oito Missas com a esm . " de tre
zentos e vinte e dez com a esm . de trezentos r . pela alma
de N. R.mo P. Ex Prov.al Fr. Miguel Archanjo da Annun
ciação, conforme a tenção das Actas ; e por ser verd. juro
em fé do meo oficio como sou obrig . Mostr.° de S. Bento
de Old.” 30 de Agosto de 1805. Fr. Gaud.io de J. M. " Ba
iâo Sacr.am Mor.
(N. B. Do citado Livro dos inventarios 1752-1820 ,
consta ter Frei Miguel exercido os cargos monastico de « In
ventariante e Depositario . )

Os dois trechos seguintes são tirados do Livro da Sa


cristia 1757-1800 » : « O P. P. Fr. Mig.•l Arcanjo da An
nunc.am Prov . al da ordem de S. B.to com o nosso Compr.º
e P. Pregoor Fr. Luis da Assumpção visitando nos este
Mostr .° de S. B.tº de Olinda, e tomando contas a este L.º
do gasto da Sacr . achamos haver recibido do Deps . ° tres
241

contos cesenta e tres mil oito centos e nov.ta e cinco reis,


haver gasto o mesmo. E desta f.* damos estas contas por
boas e ajustadas. Mostr.° de Olinda 13 de Abril de 1787 .

Fr. Miguel Arcanjo da Annunc.am Pr.al


Fr. Luis da Asumpção Compr. e Secretr.
« O P. Pr. Fr. Miguel Archanjo d'Annunciação Prov.il
da ordem de S. Bento do Brasil coin o nosso Compnr. 0 P.
Pr. Fr. Luis d'Asumpçam , Visitando Nós este Mostr.° de S.
B.tº de Olinda e tomando contas a este 1.° gasto da Sa
christia, achamos haver recebido do Dep.' deste а Visita
passada thé a prez.te sete contos, sincoenta e nove mil, se
tecentos e vinte e haver gasto o mesmo. E nesta fr .* da
mos estas contas por boasſe ajustadas. Mostr.° de S. B.
de Olinda 4 de Maio de 1789.
Fr. Miguel Arc." da Annun.cam Prov.* ?
Fr. Luis da Asumpção Compr. e Secretr.,
Tudo o que se segue é tirado do Livro dos Conselhos
de 1793-1869 » ;
« Aos 18 de Março de 1794 convocando 0 N. M. R.
P. M. D. Abb .' e os M.R.dos P.c do Conc.° lhes pergun
tou se vinhão algm. couza q. advirtir p." o bem espiritual e
temporal do Mostr.° : responderào q. suas faltas e negligen
cias : e logo advirtiu o N. R." P. ExProv.al Fr. Migl.
Archanjo d'ANNUNCIAÇÃO q . se devia com brevid . cui
dar na Cauza da Provisam Regia q . temos p ." demarcarmos
as terras de Tapacorá : Tambem foi proposta p." todas as
Ordens Sacras o Ir. Fr. Ign.cio de S. José e sendo exami
nado seg.do ordena a Constituição ficou aprovado : nada
mais se passou no d . Conc." de q. dou m . “ fé. Era ut su
pra.
O D. Abb ."
Fr. Fr.co da M. de Ds. Notario . »
« Aos 30 de Maio de 1794 convocando o N. M. R. P.
M. D. Abb." os M.R.dos P. L. do Conc.° lhes perguntou se
tinhão alguma couza q. advirtir p." o bem espiritual e tem
poral do Mostr." – responderào q. suas faltas e negligen
cias – e logo advertio o N.R.mo P. ExProv . l Fr. Miguel
Archanjo da Annunciação q. se devia cuidar na conserva
ção e acceyo dos livros da Livraria nada mais se passou
no d. Conc.', de q. dou m.“ fé. Era ut supra.
O D. Abb.de
Fr. Manoel do Loreto Basto Vice -Notario . »
« Aos 2 de Maio de 1796 convocando etc. e logo pro
pes - se seria ou não conveniente desmanchar-se duas casas
242

cabidas e totalm .“ aruinadas q . possue o Mostr, na rua de


Matthias Ferr. p ." se aproveitarem os materiaes p ." outras
obras ? Respondeu o N. R .** ExProv. Fr. Miguel Archanjo
q. não era conveniente desmancharem-se por ser patrimonio
do Mostr.° q. só sim se podia aproveitar o material ma
deira já cahida por se não utilizarem os ladrões e não des
mancharem-se as paredes, no 9. tambem annuirão alguns
p.cs ... advirtio logo o mesmo R. q . devia
q. temos em Beberibe fazendo - se plantações -see andar ro ...
mais . bem
feit . q. fossem uteis ao Mostr.° : advertio mais não ser con
veniente, q. se tirassem da escola 03 dous rapazes Joaq ." e
Thomé sem estarem desembaraçados no ler e escrever, p."
serem ao depois entregues a algum musico perito e se apli
casem ao depois ao Orgam e q . lhe parecia ser mais con
veniente q. o rapaz Thomé depois de estar desembaraçado
no ler e escrever não aprendese a solfa porém sim fosse
aplicado á arte da pintura p." o q. tem admiravel inclinação
e q. nesta arte seria de mais utilid . ao
Mestr. E nada
mais etc.
Fr. Franc." da M." de D. Notr." do Mostr.º. »
« Aos 17 de Julho de 1796 convocando o N. M. R. P.e
D. Abb. os M. R.dos P.es do Conselho lhes perguntou se

tinhảo algua. cousa q. advirtir p. ' o bem espiritual e tem


poral do Mostr." disse o N. R. Fr. Miguel Archanjo d'An
nunciação q. no Choro se não conformavam os Ir . Choristas
conf. ordena o Ceremonial e o respeito das inclinações e da
mortificação conf . se deverá portar perto e nos mais actos
conventuaes e q. erão ...... ainda nos dias classicos. Logo
propos o N. P. D. Abb ." q . intentava fazer huas casas
passageiras de estacadas e barro p." nellas povoar o Minis
tro, officiaes e Religiosos q.º se fizessem as demarcações das
terras de Tapacorá resolveu - se q. prº fosse bem religioso
calculo o q.tº importariam p .* ver si as terras nos Dionos da
Leg. visto não haver da L.ça do M. R.mo P. ExProv.al p."
se fazerem obras i o preço excedesse ao ... a mesma Con
stituição d'Acomine. Propoz o P. M. C ... 1 q . era con
veniente o fazer - se M." de Ir." Advirtio logo o M. Rmº Fr.
Miguel q. os Choristas trazião meias brancas contra 0 9.
determinam as visitas. Propoz ultim ." o R. P. D. Abb. q.
era conveniente fazer-se Prior e consultou p .“ esta impreza
o R. P. Colegial Fr. José de S. Gertrudes Cousseiro. Dice
o N. R.m. Fr. Miguel q. era necessario q. se aposentassem
C ... es e o Cert ... o se o d . • P.° 0 .... já ..... ant.
do habito completos. Nada mais etc ..
Fr. Fran.co da M. de Ds. Notario do Mostr." >
« Em 19 de Obro. de 1797 convocando etc., neglicencias.
<<

Logo mandou v N. P lêr hua petição dos R.dos P.es deste


Mosteiro na qual pediam não atendendo ao pequeno nu
243
1
mero de Preg.es que haviam er ... grande .... pelos
m.ies sermões que se costumavão pregar, não sendo m.tos de
rigorosa obrigação se houvessem de tirar alguns afim de não
serem tão onerados 03 d ." Preg ." atendendo a estarem oc
cupados na administração dos Eng.Os de S. Bernardo e Goitá
e o R. P. M. Fr. M.el do Loreto na occupação actual de
Leitura . E consultando sobre isto aos P • ° do conselho dice
o N. Rmo D. Ex . Prov.al Fr. Miguel Archanjo que era
justo se reduzice o numero dos Sermoens a 3 cada Preg.or
e que se tirassem os Sermoens das Confrarias recebendo o
Mostrº menos doq . recebia ficando os festeiros por isso obri
gados a procurar Pregoor pia as suas festas e isto só emq.to
não havia maior numero de Preg .“ e q . p . " as festas dos
Oragos das nossas Capellas o N. P. pudia encomendar aos
Collegiaes q. p . esse tempo já estarião na Theologia e nisto
se assentou . Mandou mais o N. P.“ D. Abb.e ler hua Pet.am
de Vicente escravo do nosso Eng . ° de S. Bernardo na qual
‫ ור‬0
pedia ao N. R. " . P. Prov .«l licença p . " puder libertar hua
sua velha mulata por nome Firminiana, e despachada esta
mo
pello N. R. com o despacho remetio ao N. M. R. P.
D. Abb . p . * que com o seo conselho examinando se estava
nos termos que requerem as actas lhe arbitrassem o preço
q . devia dar pella sua liberdade e depois de consultados os
p . “ se assentou por votos unanimes que devia dar cento e
quarenta milreis . Nada mais etc.

Fr , José de S. Gertrudes Couceiro Notario do Mostr. ' »


« Aos 3 de Fevereiro de 1798 convocando etc. negli
gencias : Logo dice o N. M. R. P. D. Abb . q . como o
R. P. Subprior se achava fe ...ando no nosso Eng ° de
Mussurepe e este Engiº precizava de um Religioso q . 1 .
assistisse a tirar a safra pelos m . annos do M. R. P.
Ex . Abb. ......de S. José, propunha se seria conveniente
demorar lá por mais tempo o d . ° P. Subprior ao q . res
pondeo o N. R.mo P. Ex. Prov.al Fr. Mig .' Archanjo q .
não podia o d . P. ' demorar-se por esta razão de ser Co
legial em tempo lectivo e Subprior onde não havia Prior, e
dice mais q . aquelle Eag.º ainda deteriorado e com admi
nistrador já alcançado em annos fazia mais que os otros .
Logo se juramentou o R. P. Col. Fr. Inacio de S. José
Soares p. assistir aos Conselhos. E dice o d .° P. que ti
nhamos huas casas na rua da .... rala cujas loges se aluga
vam a varios moradores, cujos alugueis botavào em 10 p.tos
mas q . estes raras vezes se cobravão por q . de ordinario só
bião p . ellas pessoas q. não pagavão e fugião com as cha
ves, causando o prejuizo de mandar fazer outras e q. o alu
gador de sima queria ficar com as loges mandando-as abrir
por dentro e pagando por anno a quantia de 10 p . e assim
TON

propunha ao Cons.° a ver o q. resolvia : assentou -se por


unanime consentimento que se alugassem as d.as loges ao
244

morador de sima pagando a d .* quantia de 10 p.tos pois me


lhor era cobrar esta doq. perder tudo, nada mais etc.
Fr. José de S. Gertrudes Couceiro Notario do Mostr.° »
« Aos 3 de Dezembro de 1798 convocando o N. M. R.
P.e Presidente os MM . RR PP.es do Conselho etc .. Mostr .
Dice o R.m P. Ex . Provincial Fr. Mig. Archanjo q. no
termo anteced. não tinha explicado num clamor q. elle fez
no concelho passado, a saber q . o nosso sitio de Beberibe
se achava des .... nossa lenha p . q. todos tiravão lenhas e
os Religiosos de S. Theresa tiravão q." queriam e q. agora
denovo faria o mesmo clamor ao q. respondeo o M. R. P.
Prese q. daria nisso providencia logo propoz o M. R. P.
Pres. q . o nosso Eng. de Goitá não dava lucro algum ao
Mostrº visto mesmo clamor o M. R. P. Preg .or G .... sto
dice o N. Rómo P. Ex . Prov . ' q. seo parecer era q . se
procurase um Feitor capaz de fazer trabalhar, visto q. neste
Mostr . ° não havia Monge q. lá se pozesse por serem Cole
giaes e Choristas Advirtio mais o M. R. P. Preg .
or
G. 9 .
estavamos sem Cirurgião e q. Rodrigo p ." cá não vinha e
nem asistia na cid . ao q . respondeo o M. R. P. Presid.e
q. se visse ôtro e q. se dicesse ao prez . q . ou cuidase em
sua obrigação ou se dece por despedido e nada mais se pas
sou do q. dou a minha fè . Era ut supra .
Fr. José de S. Gertrudes Couceiro Notario do Mostrº.>>
Aos ... de 8bro de 1799 convocando o N. R.mo P. • D.
Abb . os MM. RR. PP. digo o N. R.mo P.e D. Abb. Fr.
luis d'Assumpção os MM. RR. PP . do Conselho e pergun
tando-lhes se tinhão alguma couza , q. advirtir sobre o bem
espiritual e temporal do Mostr. — The responderão - Que
suas faltas e negligencias. — Logo propoz o d .° N. R.mº P.
D. Abb .° sobre a pergunta do Ex.mo Bispo a resp.tº da de
sobediencia q. q." considerar nos dois PP. de Goytá e Re
medios por não comparecerem em presença do Viz.or se devião
ou não castigar-se os dos PP. p.a deste modo acautelarmos
alguma violencia do m m . o Ex.mo Bispo na conformidade
de dois despachos seus, em q . ameaça, q. não castigando
os PP." o R. P.mo D. Abb. elle supprirá essa negligencia
pela autoridade q. lhe dá o Concilio e Alvarás de S. Mag.
e correndo - se votos e sendo seis os assistentes no pres.
Conc. tres annuirão q . fossem puaidos os PP., ao menos
apparentem .' depois de recolhidos: mas tres não assentirão ;. .
por q. houve empate de votos desempatou o N. R.mo P.' D.
Abb." ... que disia se recolhessem os PP. e se satisfizesse
ao q . insta o Sr. Bispo pia acauteler. algumas consequen
cias, q. de contrario se nos podem seguir. Declaro mais q.
o N. Rw . Fr. Miguel e o P. Basto dicerão que nada se fizesse
sobre isto sem conc." dos Jurisconsultos sabios; por q. elles
245

aconcelharião os meios de evitar toda e qualquer violencia,


visto q. o Exwo Bispo não mandou culpa formada e só or
dem , q. se convenção os PP. e então os castiguem e não
poderá o E. B. castigar sem se convincer culpa, q. por hora
não ha feita. Em p ... o um segundo ponto se se deve re
correr immediatam.te ao Serenissimo Principe Regente p."
explicar o Alvará declarando q. as nossas Capellas deverão
ser ou não visitadas p.° Ordin.° ou se deve ser por meio de
recurso sustentando a pres.te acção ? Assentarâo q. se ou
visse o parecer dos Letrados. E nada mais se passou do 9.
dou m .* fé. Era ut supra.
O D. Abb .
Fr. Manoel de Loreto Bastos 0. S. B. Vice-Notario. »
« Aos 9 de Obro de 1799 convocando o N. R.mo P.. D.
Abb.e os M. R. P.es do Conc.° lhes perguntou se tinbâo al
guma couza, q. advirtir para o bem espiritual e temporal do
Mostr. : responderâo q. suas faltas e negligencias. Logo
disse o N. R.mo P. D. Abb . q. p." satisfazer a advertencia
feita pelo N. R.m. ExProv. Fr. Miguel Archanjo e o Lente
Fr. M.el do Loreto Bastos no Concelho passado sobre o con
sultar -se algum sabio Jurisconsulto q. douta- e prudentem .
ino
nos aconcelhase o como nos deviamos portar com o Ex.."
Sr. Bispo no Caso já declarado no Conc. antecedente pro
curou este mesmo Prelado ao .... Desembargador Ant.° Luiz
Pr.ra da Cunha ouvidor q. pr... me.te acabou e depois de lhe
ponderar todo o acontecido q. o mesmo Desembarg. sabia
bem pelo miudo, resolveu afinal q., o q. julgava mais acer
tado e chegado a melhor prudencia e razão era q . o Prelado
do Mostr.° procurase ao Snr. Bispo e certificase q. em aten
ção a queixa 9. o mesmo tinha dos ... dous ... por deso
bedeceram ou em parte ao Viz.or q. fassa reclusão no Mostr.º
por alguns dias e q. os obrigasse a dar ao mesmo Viz.ºr uma
satisfacção apresentando- lhe as L." que tinhâo de confeção,
pregação ; mais q. S. Ex..cia R.m4 houvesse por bem mandar
suspender a instituição de Visitas das Capelas dessas granjas
ao menos até S. Mag. declarar positivam.te a clausula do seo
Alvará de 5 de Março de 1779 ; .... os Juris Ordinarii
lhes era permittido o Visitarem as Capelas das Granjas dos
.... oros ; o q. ouvido pelo Concelho e correndo- se o escru
tinio aprovarão todos a douta veralução e q. se suspendesse
o agravo q. se intentava : nada mais se passou do 9 dou
m . fé. Era ut supra . O D. Abb .
Fr. Fran.co da M." de D. Vice-Notr.io ,

Parte II.- Referencias acerca da pessoa de


FR . GASPAR DA MADRE DE DEUS
E' tirado o seguinte trecho de Mordomia. Livro de des
pezas 1763-1766 > ; O M. Fr. Gaspar da Madre de Ds. Ju
bilado na Sagrada Theologia D. Abb. Prov.al da ordem de
· 246

S. B. nessa Prov. do Brasil Com o nosso Comº o P. Preg.or


Fr. Miguel da Conceyção ; visitando nós este Mostr. de
S. Bento de Olinda, e tomando contas a este Livro do gas
to do Mostr ." do triennio passado, achamos haver recebido
dos Padres Depositarios, dous contos, quinhentos e vinte e
Sinco mil, oitenta digo, oito centos, i noventa, e treis reis ;
e haver gasto com o alcance o mesmo ; e nesta forma da
mos estas Contas por boas e ajustadas ; Mostr.° de S. Bt.º
de Olinda 8 de Fevr. ° de 1767 .

O M.° Fr. Gaspar da Madre de Ds. Prov.al


Fr. Miguel da Conceyção Comp.', e Secretr...>
Do « Livro da Sacristia 1757-1800 » são as seguintes
duas noticias : O M. Fr. Gaspar da Madre de D.* D. Abb.
Prov.al da ordem de S. B.tº do Brasil Com o nosso Comp."
o P. Preg. Fr. Miguel da Conceyção, visitando nos este
Mostr. de S. Bento de Olinda e tomando Coutas a este Livro
do gasto da Sachristia achamos haver recebido, no triennio
passado dos Padres Depositarios duzentos cesenta e oito mil
cento e doze réis ; e haver gasto o mesmo .
Triennio prez.te achamos haver recebido dos Padres deposi
tarios cento e trinta e oito mil, cento e dez, e haver gitº o mesmo :
e nesta forma damos estas contas por boas e ajustadas ,
Mostr .° de S. B.to de Olinda 7 de Fevr." de 1767 .

O M. Fr. Gaspar da Madre de D. Prov.al.


Fr. Miguel da Conceyçảo Comp. e Secretario ».
O P. P. Fr. Miguelda Conc.an Comp. e Visitador: p. Com
missão do N. R.m• P. M. o D.or Jubilado o Fr. Gaspar da M.
de Ds . com o nosso Comp. 0 P. P. Fr. B.tº da Conc.am, vi
sitando nos a este Monst . de S. Bt." de Olinda tomando con
tas a este L.° do gasto da Sachristia, achamos haver rece
bido do deposito um conto, trezentos e Sinco mil, oito centos
e Sincoenta e sinco e haver gasto o mesmo ; e nesta forma
damos estas contas p. boas e ajustadas.
Fr. Miguel da Conceyção.
Vizitador

Fr. Bento da Conceyção


o Comp.' »
U. I. 0. G. D.
Abbadia de S. Bento
Olinda
7. X. 14 .
247

BIBLIOGRAPHIA

OBRAS DE FREI GASPAR

Memorias para a historia da Capitania de S. Vicente.


Manuscripto da Bibliotheca Nacional do Rio de Janei
ro e copia com variantes do texto que serviu para a impres
são das memorias.
Noticia dos annos em que se descobriu o Brasil e das
entradas das religiões e sua fundação.
Relação dos Capitães locotenentes da Capitania de S.
Vicente.
Notas avulsas sobre a historia de S. Paulo .
Dissertação e explicações sobre terras de contenda entre
o Mosteiro de S. Bento e o convento do Carmo em Santos.
Oração funebre nas exequias que pelo Serenissimo Snr.
D. José Primeiro mandru celebrar a Camara de Santos.
Catalogo dos Capitães Mores, Generaes e Vice - Reis que
governarum a capitania do Rio de Janeiro.

Pedro Taques Nobiliarchia Paulistana .


Ayres do Casal Corographia Brasilica .
Ramiz Galvão A pontamentos historicos sobre a 01
dem benedictina.
Fernandes Pinheiro A Academia Biasilica dos Es
quecidos .
Fernandes Pinheiro A Academia Brasilica dos Re
nascidos.
Monsenhor Pizarro Memorias Historicas.
Balthazar da Silva Lisboa Annaes do Rio de Janeiro.
J. M. de Macedo Anno Biographico .
J. Norberto de Souza e Silva Memoria na Revista
Popular do Rio de Janeiro 1860.
Candido Mendes de Almeida Os p imeiros povoado
res. Quem era o bacharel de Cananéa ? João Ramalho o
bacharel de Cananéa, precedeu a Colombo na descoberta da
America ?
Moreira de Azevedo Amador Bueno .
Sylvio Romero Historia da Litteratura Brasileira .
Rocha Pitta Historia da America Portugueza .
Monsenhor Ferreira dos Santos Noticii Hist, rica da
Ordem da Immaculada Conceição .
Ouvidor Marcelino Pereira Cleto Dissertação a res
peito da Capitania de S. Paulo .
Washington Luis 0 Testamen'o de João Ramalho.
Benedicto Calixto Uma vista as ruinas da Capella
de Sant'Anna.
248

Continuação das Memorias de Frei Gaspar da Madre


de Dens falsamente attribuida ao benedictino e inserta na
Revista do Instituto Brasileiro.
Azevedo Marques Apontamentos sobre a Provincia de
S. Paulo .
Sacramento Blake Diecionario Bibliographico Brasi
leiro .
C. Sentroul Que seria a philosophia moderna em
1750 ?
Annaes da Brbliotheca Nacional.
Annaes do Archivo naeional t. XI
Revista do Archivo Publico Mineiro (tomo 5.").
Documentos interessantes para a historia e costumes de
S. Paulo (4 e 17 )
Collecção da Gazeta de Lisboa, 1750.
Rerista do Instituto Historico e Geographico Brasileiro .
Revista do Instituto Historico e Geographico de S. Paulo .
Documentos ineditos e Manuscriptos
Actas dos Capitulos Geraes da Congregação Benedictina
de Portugal realisadas no Mosteiro Primaz de S. Martinho
de Tibães.

Dietario anonymo do Mosteiro de S. Bento do Rio de


Janeiro .
Inventario de D. Anna de Siqueira Mendonça.
Historia de S. Puulo por Manoel Cardoso de Abreu.
Testamento de Pedro Taques.
Livros das actas dos conselhos da mordomia, das vistas,
do tombo, numerosos documentos esparsos dos Archivos dos
mosteiros benedictinos de S. Paulo, Santos, Rio de Janeiro
e Olinda.
Os Jubilos da America Polyanthéa manuscripta do
Archivo do Instituto Brasileiros.
Recenseamentos coloniaes de Santos, S. Vicente, S. Paulo
e outros documentos do Archivo do Estado de S. Paulo.
Frei Joaquim do Monte Carmello Memoria historia
ea sobre o Mosteiro de Santos,
Documentos do Archivo Nacional sobre Amador Bueno
e Gaspar Teixeira de Azevedo, D. Izabel Maria da Cruz etc.
1715 — 1915
Segundo Centenario de Fr. Gaspar da Madre de Deus

A Fazenda e a Capella de Santa Anna de Acarahú em São


Vicente

Noticias genealogicas da Familia de Fr. Gaspar.


Alguns apontamentos dos Archivos das matrizes de São
Vicente, Santos e Itanhaen

Varios outros apontamentos

A Lapide Tumular de Fr. Gaspar


POR

BENEDICTO CALIXTO DE JESUS


socio honorario do Instituto
I
A Fazenda e Capella de Santa Anna do Acarahú, em S. Vicente,
onde nasceu ee foi
foi baptisado o chronista Fr. Gaspar
da Madre de Deus
A

A Fazenda de Sant'Anna do Acarabú acha -se situada


na embocadura do rio Boturóca, que desagua no Largo de
Sant'Anna » .
O « Largo de Sant'Anna » , assim como o « Largo dos
Barreiros », são pequenos braços de mar que constituem , em
seu conjuncto, o estuario ou Lagamar de S. Vicente.
Dos dous largos, do « Barreiros » e de Sant'Anna, ou
melhor, da bifurcação destes , deriva - se ainda o « Largo
do Pombéva », o qual seguindo em rumo de NW., vae
fazer juncção com o Lagamar de Santos, no « Largo de
Canibú », formando assim a ilha de « Ingaguassúr, onde estão
fundadas as duas cidades Santos e São Vicente .
O rio Boturóca é formado pelo rio Branco e por outros
affluentes que tem as suas nascentes na « Serra do Mars ou
< Serra do Cubatão », que se bifurca, com a « Serra do Mon
gaguár, da Cordilheira Paranápiacaba.
Não nos é possivel, como desejáramos, por falta de do
cumentos, fazer a descriminação exacta da extensa área que
constituia outr'ora a primitiva « Fazenda de Sant'Anna do
Acarahú » ; pois nas investigações, que levamos a effeito nos
cartorios de Santos, não nos foi dado encontrar o inventario
de D. Anda de Siqueira de Mendonça, mãe de Fr. Gaspar .
Em alguns documentos, dos quaes faremos menção, ver-se-á
entretanto que a fazenda em questão, mesmo em vida de
Fr. Gaspar, e de sua mãe e irmãos, já estava dividida entre
outros herdeiros collateraes da familia, como aliás o prova
a quella doação feita pelo Capitão -mór de Itanhaem - Gastão
ou Gaspar Gonçalves de Aguiar – á sua filba Helena quando
esta se casou com Jeronymo Bittencourt (ou Bettencórt). (Vide,
adiante carta de D. Ignacia da Silva Cruz de Azevedo Marques ).
Segundo referencias de pessôas antigas e idoneas, resi -
dententes em São Vicente, e principalmente pelas infor
mações fornecidas pelo sr. Frederico Bittencourt ( filho de
Fernando Bittencourt, que legou á sua familia grande parte
dessa fazenda), verifica - se que a área, que occupava a «« Fa
zenda de Sant'Anna» , abrangia desde o rio « Aracahú de
Cima », affluente do rio Boturóca , até além do pequeno rio
252 -

ou ribeiro denominado « Sant'Anna » , que desagua no « Largo »


do mesmo nome.
A divisão da dita fazenda, desse lado, devia entestar
com as terras do « Sitio dos Queirozes » , no « Cubatão de
Baixo » .
As 'terras pertencentes á familia de Fr. Gaspar em fins
do seculo 18. já não abrangiam, como ficou dito, toda a área
comprehendida desde o rio « Acarahú de Cima » ( 1 ) até o re
ferido « Sitio dos Queirozes» , no « Cubatão 'de Baixos, ou
« Piassaguéra de Baixo >>
As terras da « Fazenda de Sant'Anpa» , que pertenceram a
Fr. Gaspar e sua familia, e nas quaes se vêm ainda hoje as
ruinas da casa onde elle nasceu, e da capella onde foi bap
tisado, então situadas no centro da sesmaria ; dividindo para
Oeste com terras da familia Bittencourt, e para Leste com
terras de donos diversos .
Essas terras, que dividem , nos fundos, com as vertentes
orientaes da já referida Serra do Mar, ou Serra do Cubatão,
estão actualmente sendo cultivadas por um capitalista por
tuguez residente em Santos, que alli tem grandes plantações
de bananaes.
Este capitalista usofrúe essas terras em virtude de um
contracto de aforamento com a « Mesa Administrativas da
Sociedade de Beneficencia Portugueza, da cidade de Santos,
que é, segundo nos consta, actual proprietaria das terras da « Fa
zenda de Sant'Anna », em consequencia de um legado ou
deixa , feito por um individuo conhecido pelo nome de
João Grande.
Nas indagações que temos feito, procurando descobrir
quem teria sido o legitimo possuidor da « Fazenda de Sant
Anpas, possuidor que deveria ter succedido aos herdeiros de
Frei Gaspar, ou do seu irmão Miguel Teixeira de Azevedo,
(ou Fr. Miguel Archanjo da Annunciação ), que foi o ultimo
dessa nobre familia, que sobreviveu ao illustre chronista Vi
centino, nada pudemos apurar.
Por intermedio de um nosso amigo, o sr. Ludgero dos
Santos, que como nós é um fanatico pelas tradições historicas
de nossa terra, pudemos apenas descobrir que a pessoa
que venden essas terras ao tal João Grande, foi o sr. J.
Baptista de Lima, e que um filho deste, o sr. Domingos
Baptista de Lima, capitalista e proprietario residente na
Villa Mathias, em Santos, possue o velho traslado da escri
ptura de venda que seu pae fez, ao citado João Grande, das
terras de Sant'Anna » .
Não obstante o grande empenho que temos feito no
sentido de vêr esse documento, unico que nos poderia elu
( 1 ) Dentro das terras da fasenda de «Sant'Anna do Acaráhús extstem
dous rios, affluentes do Boturóca, com o mesmo nome de Acarahú – « Acarahú
de Cima» e « Acarahú de Baixo » . E' na zona regada por esses dous rios que
estão as terras pertencentes hoje á Familia Bittencourt.
253

cidar, esclarecendo -nos sobre a posse daquella propriedade,


após a morte de Fr. Gaspar e seu irmão Fr. Miguel, nada
nos foi possivel conseguir até agora ; pois o sr. Domingos de
Lima, o possuidor desse documento, desculpa-se sempre, al
legando que « ainda não o pôde descobrir no meio da sua
papelada.

Na visita que vimos de fazer á antiga e tradicional


« Fazenda de Sant'Anna do Acarahú », em companbia de meu
filho e do sr. Frederico Bittencourt, examinamos, demorada
mente, não só os logares onde se acham as ruinas da casa e
da capella, como tambem o aspecto topographico dessa extensa
área que constituiu outr’óra a dita « Fazenda» , de cujas
ruinas eu e meu filho esboçamos alguns croquis.
Ao chegarmos ao « Largo de Sant'Annas, proximo á
fóz do rio Boturóca, o nosso olhar investigador estende-se
por toda essa sombria encosta , formada de contrafortes e
cadêas de montanhas que , em decliveis suaves, vêm-se es
estendendo até morrer nas aguas calmas do « Lagamar » , ou
na margem esquerda do rio Boturóca, que percorre o extenso
valle, fraldejando os espigões azulados da Serra do Mar, a
qual se prolonga á nossa esquerda longitudinalmente, unin
do- se ao longe com a Serra de Mongaguá. Deante de nós,
cortando uma restinga de mangue, vê-se um pequeno canal
que vae direito a um espigão que avança até perto do « La
gamar» ; é o « porto de embarque», onde as canôas e mais
embarcações estão abrigadas sob grandes ranchos cobertos de
zinco e palha.
Essas embarcações são empregadas no transporte das
bananas que vão ter ao porto de Santos.
Esse espigão da serra, que vem até o porto, visto do
« Largo », dá uma bella nota , quente e vibrante no meio
daquella encosta monotona e sombria. e cujas abas estão re
pletas de bananeiras, as quaes, com o verde frio e pallido
de suas largas folhagens, fazem destacar, nitidas, aqui a côr
amarello fulvo dos grammados, alli asmanchas avermelhadas
produzidas pelas terras laboradas de fresco .
Renques de bambús, jaboticabeiras e larangeiras fron
dosas, fructeiras silvestres - cambucys, cambucás, grumi
xamas margeam de um e outro lado, o largo caminho que
sulcando o dorso do espigão vae alcançar o alto do morro
onde se ergue a casa do actual Administrador e dos demais
colonos que ali cultivam a banana.
E' d'ahi, do alto desse espigão, que a nossa vista se
expande , por toda aquella massa de luxuriante verdura , de
cambiantes variados e infinitos, e que, como um recamado
tapête, estende- se por sobre os valles, as collinas e as en
costas da Serra , estas outróra cobertas de cannaviaes e ou
tras seáras... e hoje repletas inteiramente de bananeiras ...
254

A partir desse espigão, a varzea ou valle, onde estere


antigamente a « Fazenda . , faz uma grande curva, ou melhor
um amplo angulo reintrante.
E' ahi nesse valle , sulcado por um pequeno arroio (Rio
de Sant'Anna), sobre uma pequena eminencia que nasce no
sopé da Serra que estão situadas as ruinas da celebre
capella, onde o famoso Fr. Gaspar recebeu as « aguas los
traes do baptismo » .
Vistas de longe, no meio daquelle extenso e monotono
bananal, e atravéz das moitas de matto que as cercam , essas
ruinas se nos afiguram bem mesquinhas e pouco notaveis.
Vistas, porém , de perto, ellas ganham de importancia,
não só pelo aspecto de suas paredes seculares, como pela
amplitude de seu perimetro, bastante vasto para uma sim
ples capella de Fazenda.
Tivemos, entretanto, logo a seguir, uma impressão dolo
rosa ; confrangeu - se - nos a alma ao examinarmos detidamente
aquellas ruinas veneraveis, por vêr que grande parte das
suas paredes, assim como uma bôa porção do arco - cruzeiro,
haviam sido demolidas e esborôadas de pouco, pois as pedras
e a caliça alli jaziam ainda amontoadas, na desordem cara
cteristica dos desmoronamentos recentes .
Notamos tambem que, em muitos logares , as paredes es
tavam desaprumadas, e que os pavimentos da capella-mór e
da nave central haviam sido revolvidos por excavações
fóssos ; e que, em consequencia dessas excavações recentes,
é que as paredes tinham em parte cedido e ruido.
Indagamos do Administrador, que nos acompanhava, a
razão de ser desses fóssos e dessas devastações.
O homem ficou um tanto embaraçado : hesitou ... mas
afinal resolveu a dizer-nos toda a verdade, como se vae ver :

- « Logo que aqui chegamos, eu e os camaradas, antes


de roçar o matto para o bananal , referiu - nos elle, já sa
biamos da existencia de uma igreja e de um « Convento », fei
tos pelos jesuitas aqui nesta Fazenda. Apezar de suspei
tar que os jesuitas tivessem deixado aqui algum thesouro
enterrado, nunca nos démos ao trabalho de o procurar.
Ultimamente, porém , um dos camaradas teve um sonho.
Appareceu - lhe uma visão , designando um logar, aqui na ca
pella, onde elle deveria escavar durante a noite, pois ahi se
achava enterrado um grande thesouro, una grande riqueza ...
Como esse sonho foi depois divulgado entre os colonos ,
cada um se esforçou , naturalmente, em obter a sua parte ...
e assim se foi removendo e esburacando o chão da capella,
e minando as suas paredes...'
O Administrador, que sem duvida foi um dos que «so
nharam com o thesouro» , e que pouca ou nenhuma importan
cia ligaria a essas ruidas, é afinal um bom homem .
De bom grado elle nos acompanhou en todos esses
lugares, designando os pontos e abrindo caminho para que
pudessemos bem observar aquelles vestigios de habitações.
255

Prometteu -nos que não mais consentiria que seus ca

maradas continuassem nas devastações da capella.


Não garantimos entretanto que elle venha a cumprir á
risca «a sua palavra» .
Depois de termos examinado as ruinas da capella, o
mesmo administrador nos foi mostrar os pilares e restos de
muro que pertenceram ao vasto solar onde nasceu Fr. Gas
par .
Estas ruinas estão situadas no alto de uma outra coli
na, duzento3 metros, mais ou menos, ao Norte do lugar da
capella, proximo á encosta da Serra.
Por entre as touceiras folhudas das bananeiras e, do
mato que viceja por toda a parte , vê - se surgir, entre negros
escombros, um ou outro pilar e restos de paredões enegre
cidos pelo limo do tempo e pelo fumo das coivaras. Notam
se tambem as lages que serviram de degráos e pavimento
dos terreiros e alpendres.
Tudo isso esteve durante mais de um século, occulto
pela floresta que, em toda essa região de vargeados e des
montes de Santa Anna do Acarahú, havia adquirido um as
pecto selvagem de mata -virgem , como se verifica pelos
grandes troncos e grossos lenhos das arvores tombadas, que
por ali jazem , e pelo aspecto da mata ainda intacta, nas

fraldas da Serra.
E' deveras encantador o golpe de vista panoramico que
dessa eminencia os nossos olhos descortinam !
No primeiro plano, a chapada da colina com suas rui
nas vetustas ; depois a varzea e a graciosa colina onde an
tigamente se erguia a capella ; na parte meridional, ao
fundo, a encosta ensombrada da Serra, onde deveriam estar
os grandes canaviaes ; mais adiante, avançando até o -
largo do mar pequeno, o espigão, ainda com o resto dos
velhos pomares e suas rusticas habitações, occupadas hoje
pelos colonos ; na extremidade deste o Porto de embar
que com suas pequenas embarcações ; além , OS listões
curvas e
prateados do « Lagamar de S. Vicente » com suas

sinuosidades caracteristicas, a se perderem de vista ; e ....


no fundo, a esbaterem - se no ambiente e nas brumas do
Atlantico, os vagos perfis azulados das serras de Itaipús,
Inga -Guassú e Bertioga.

Occupados em tomar estas notas e a graphar nervosa


mente esses croquis, coadjuvados por meu filho, e, ao mesmo
tempo, considerando no que é e no que foi outrora esta im
portante « fazenda de Acarahú », não tivemos ensejo de galgar
a outra encosta, nos fundos da collina onde se acha a Capella,
para examinar as ruinas do Engenho que o administrador
nos diz serem importantes em obras de alvenaria.
256

« E' la, onde se acham as ruinas do Convento dos


Jesuitas, repetia-nos elle, designando com grandes e re
petidos gestos — o local do Engenho , com vagas suspeitas,
talvez, ( Deus lhe perdoe !) de que o nosso grande interesse
por aquellas pobres ruinas de vetustas edificações seculares,
e o nosso intuito, não podia ser outro sinão a explora
ção de algum thesouro fabuloso, ali occulto pelos filhos de
Santo Ignacio de Loyolla.

Segundo se infere das proprias « Memorias » de Fr.


Gaspar, essas terras do Acarahú foram concedidas a Pedro
Leme, natural da cidade de Funchal, filho de Antão Leme,
que exerceu o cargo de juiz ordinario, em S. Vicente, no
anno de 1544.
Diz Pedro Taques que este Pedro Leme fôra o pri
meiro, da sua nobre familia, que passou a S. Vicente , vindo
da Ilha da Madeira .
Era com effeito a tradição commum de seus descenden
tes, acrescenta Fr. Gaspar : « porem de um livro mais an
tigo desta Capitania de S. Vicente, que é um caderno onde
se lavravão os termos de vereanças, verifica - se que Antão
Leme já se achava em S. Vicente, antes da chegada de seu
filho Pedro Leme, pois que assignou diversas vezes no dito
livro de vereanças cujas datas são anteriores a 1544. »
O sr. dr. Gonzaga Leme ( « Genealogia Paulistana » , Ti
tulo Lemez) ao tratar de Pedro Leme, diz : « Pedro Leme >
passou da Ilha da Madeira para S Vicente , com sua filha
Leonor , já casada com Braz Teves . Pedro Taques menciona
a este Pedro Leme como o primeiro da familia, chegado a
S. Vicente ; porem Fr. Gaspar assevera ter visto o livro
mais antigo de termos de vereanças de S. Vicente (não con
sultado por Pedro Taques) onde consta que Antão Leme foi
juiz ordinario na dita villa em 1514 ; portanto, este (e não
seu filho Pedro Leme ) deve ser considerado como tronco dos
Lemes em S. Paulo . ó
Não será pois temerario afirmar tambem que, Antão
Leme, o tronco da genealogia de Fr. Gaspar, foi o primeiro
possuidor dessas terras do Acarahú, que passaram depois a
pertencer a seu filho Pedro Leme.
« Duas vezes casou Pedro Leme, diz Fr. Gaspar, uma
no Funchal com Luiza Fernandes, da qual teve a D. Leo
nor Leme, unica filha, e outra em S. Vicente, com Gracia
Rodrigues de Moura, sem geração. Elle foi o primeiro po
vôador da Fazenda de Santa Anna, onde nasci, e fui rege
perado pelo Sacramento do Baptismo, que ali me conferiram
- 257

na Capella de meus Pais. Santa Anna (do Aracahú) demora


no Termo e Freguezia de S. Vicente ; mas como os Senho
rés desta Fazenda, seus filhos, escravos e administradores,
erão, neste tempo, parochianos da Matriz de Santos, por
costume que principiou em vida de meu terceiro -avô Luiz
Dias Leme, e confirmou o Prelado Administrador da Diocese
do Rio de Janeiro Manoel de Souza, em um dos capi
tulos da Constituição por elle assignado na Villa de Santos,
daqui veio reputarem -me natural da mesma. Morreu Pedro
Leme em S. Paulo, com testamento feito em S. Vicente, e
foi approvado pelo Tabelião Francisco Torres, aos 21 de
Setembro de 1592, o qual diz no termo da referida appro
vação : « Nesta caza do Senhor Pedro Leme, Fidalgo da
Caza d'El-Rey nosso Senhor, onde eu publico Tabelião ao
diante fui, etc. etc. »
« Leonor Leme, filha de Pedro Leme, veio do Funchal
em companhia de seu Pai e Cazou com Braz Esteves .
Deste cazal procedem os Lemes da « Caza de Santa
Anna » (do Acarahú ) etc. etc. »
Existe ainda uma divergencia entre o que diz Fr. Gas
par e seu parente Pedro Taques, a proposito do dito Pedro
Leme, como se vae ver :
Diz Fr. Gaspar, conforme já foi transcripto, que « Pedro
Leme cazou duas vezes, uma no Funchal com D. Luiza Fer
nandes, da qual teve a D. Leonor Leme, e outra em S. Vi
cente , com Gracia Rodrigues, sem geração » ; ao passo que
Pedro Taques assevera que o mesmo « Pedro Leme , antes de
vir para $. Vicente, deixara a Ilha da Madeira e estivera
no continente, na Côrte de D. João III , onde cazou- se,
1." vez, com Izabel Paes, açafata do paço, natural de Abran
tes, filha de Fernando Dias Paes, que era tio de Joãn Pi
nheiro, desembargador do paço ; passou a morar em Abran
tes onde teve o filho Fernando Dias Paes. Fallecendo esta
sua primeira mulher D. Izabel · Paes, voltou Paes Leme a
Ilha da Madeira com seu filho, e ahi cazou-se segunda vez, com
D. Luiza Fernandes de quem teve a dita filha D. Leonor
Leme que casou com Braz Esteves, vindo ambospara S. Vi
cente, tepdo ficado da dita Ilha seu irmão Fernando Dias Paes,
que mais tarde tambem mudou - se para S. Vicente , onde
cazou com sua sobrinba Lucrecia Leme etc .. D. Gracia Ro
drigues de Moura, de S. Vicente, é por tanto a terceira
não segunda esposa de Pedro Leme, como por engano es
creve Fr. Gaspar
E' necessario ficarem bem esclarecidos todos estes pontos,
não só para evitar duvidas e confusões na genealogia de
nosso illustre chronista vicentino, como tambem para saber
mos quaes foram os primeiros povoadores da Fazenda de
Santa Anna do Acarahú .
O leitor que desejar elucidar bem todos estes pontos e
as razões que levaram Pedro Taques a fazer estas alterações,
258

deve consultar a obra do Dr. Luiz Gonzaga da Silva


Leme - « Genealogia Paulistana » , vol. 2." , Tit. Lemes.
E ' de toda a conveniencia consignar, nesta ligeira noticia ,
quaes os ramos principaes que constituem a « arvore genea
logica da Caza de Santa Anna do Carahú » , isto é da fami
lia de Fr. Gaspar da Madre de Deus, o que farei adiante,
em capitulo especial, visto como é necessario dar já alguns
esclarecimentos sobre a Capella de Santa Anna » onde foi
baptizado o nosso illustre chronista, conforme elle mesmo
declara em suas « Memorias » .
Diz Pedro Taques na sua « Nobiliarchia » que o se

gundo fundador da Capella de Santa Anda (do Acarahú) em


S. Vicente, foi o capitão Luiz Dias Leme e que essa mesma
Capella já havia sido principiada, anteriormente , por Alonso
Pellaes .
Luiz Dias Leme falleceu em 1659, com testamento, e
foi sepultado na Egreja de S. Francisco, provavelmente em
S. Paulo) como Irmão terceiro . Foi cazado com D. Catha
rina Pellaes, natural de S. Vicente, filha do dito Allonso
Pellaes, cavalheiro castelhano e de D. Luiza de Siqueira e
Mendonça, natural de S. Vicente, da nobre familia de seu
apellido.
Conforme a declaração feita pelo proprio Fr. Gaspar,
como ficou transcripto, este Luiz Dias Leme « segundo fun
dador da dita Capella de Santa Anna, era seu terceiro -avó. »
Não se pode infelizmente pricisar o anno em que foi
principiada essa capella e nem a data em que Luiz Dias
Leme a concluiu, e Pedro Taques diz que, Luiz Dias Leme
era, nessa época, « Capitão da Villa de São Vicente » , mas
não menciona o anno .
Nas diversas relações dos Capitães -móres de São Vi
cente e de Itanhaem , de que temos conhecimento, nas quaes se
poderia verificar essa data, não consta o nome de Luiz Dias
Leme.
Na relação dos Capitães - lóco - tenentes que governaram a
Capitania de S. Vicente, desde o anno de 1536 até 1709,
publicado no vol. V da « Revista do Inst. Hist. e Geogr. de
S. Paulo » , pelo Dr. Antonio de Toledo Piza , que é a mais
completa, não vem , tampouco, o nome deste Capitào, o que
é deveras lastimavel e prova quam deficientes são ainda os
dados historicos que possuimos .
Entretanto , a personalidade de Luiz Dias Leme, da
qual nem Azevedo Marques faz mensão, não é de somenos
importancia, na historia paulista, para ser assim posto á
inargem .
Pedro Taques e o Dr. Gonzaga Leme assim se referem
ao tratar desse terceiro - avô de Fr. Gaspar : « Foi estabele
cido na villa de Santos e S. Vicente, e o homem de maior
respeito e autoridade que houve nesse logar , geralmente es
timado por suas virtudes. Foi da governança da terra com
o primeiro voto em todas as assembléas da Villa de S. Vi
259

cente ; foi elle o eleito para acclamar rei a Dom João Il' ,
em opposição ao partido dos poderosos castelhanos, que tendo
acclamado rei em S. Paulo a Amador Bueno da Ribeira, o
leal vassalo que mostrou sua lealdade, repellindo essa honra
etc.... Foi capitão da Villa de S. Vicente e o segundo
fundador da Capella de Santa Anna do Acarahú, etc. etc.... »
A acclamação do rei D. João IV, em S. Vicente, feita
por Luiz Dias Leme, em nome do povo, teve lugar em abril
de 1641 , e nessa época Luiz Leme já era homem de idade
avançada, e por isso muito respeitado no lugar.
Tendo fallecido em 1659, dezoito annos após a data da
acclamação, é presumivel que estivesse com mais de oitenta
annos e que, portanto, a reedificação, ou « segunda funda
ção » da Capella de Santa Anna do Acarahú tivesse sido
effectuada ou no começo do seculo XVII, ou no fim do se
culo XVI, época em que elle estava na flor da idade.
Quanto á primeira fundação da dita Capella, por Alonso
Pellaes, sogro de Luiz Leme, pode-se presumir que houvesse
sido feita de 1560 em diante .

II
“ Apontamento e Notas" _para a Genealogia da familia de
Fr. Gaspar
Em 1810 o meu velho amigo , Snr. coronel Almeida Mo
raes , de saudosa memoria , escreveu para um jornal de San
tos , sob as simples iniciaes A. M ; unia pequena «memoria »
sobre Fr. Gaspar com o titulo :
ESCAVAÇÕES HISTORICAS E GENEALOGICAS »
Vào ellas aqui reproduzidas.
« Na fazenda de Santa Anna» do « Acarahú » , situada no
municipio de S. Vicente, pertencente ao Coronel Domingos
Teixeira de Azevedo, natural da mesma villa, que éra ca
sado na então villa de Santos a 6 de julho de 1712 com D.
Anna de Siqueira e Mendonça, que em dita villa fôra ba
ptisada a 22 de Abril de 1692, deste casal nasceu em 1714 ( *)
o notavel e famoso monge benedictino Fr. Gaspar da Madre
de Deus, que no seculo chamou - se Gaspar Teixeira de
Azevedo, assim como, segundo se presume, mais os seguin
tes irmãos : José Tavares de Siqueira , João Baptista de
Azevedo, Miguel Teixeira de Azevedo, D. Izabel Maria da
Cruz e D. Anna Maria de Siqueira, que eram filhos legiti
mos do legitimo matrimonio do casal supra referido e netos
paternos do celebre e tão notado Capitảo -mór Gaspar Tei
xeira de Azevedo, que foi superintendente das minas de
( * ) 9 de fevereiro de 1715 é a data do seu nascimento .
260

Cataguazes, provedor da real casa de fundição da villa de


Paranaguá , na Capitania de S. Vicente ou de Itanhaen e Co
ronel das Ordenanças da villa de Santos e São Vicente.
E porque esta familia se tornou notavel , não só por
suas virtudes moraes e pelas linhas de sangue de suas
a scendentes, como pela educação que receberam desde o berço
até a edade de maiores, mórmente em grau de instrucção ,
de rigorosa justiça que em Santos e S. Vicente se tor
nem bem conhecidos os dotes que adornavam a alma da
quelles que tiveram a suprema felicidade de ser o rebento
de tão abençoada arvore ; pelo que valendo-nos de Pedro
Taques de Almeida Paes Leme, damos, de cada um de seus
membros, uma noticia tanto mais ampla quanto nos foi pos
sivel para acomodar em um artigo de jornal.
1.° - Gaspar Teixeira de Azevedo, tendo - se applicado
com desvelo, (egual aos estimulos da honra com que o ador
nou a natureza, por tantos costados de nobre sangue) a lingua
latina, recebeu no mosteiro franciscano da Bahia a illustre cogula
de seu Santo Patriarcha em 15 de Agosto de 1732 e fez
profissão com o nome de Fr. Gaspar da Madre de Deus .
Continuou os estudos de philosophiae theologia , en que fez
tão grandes progre :so , que se constituiu digno para lhe
darein a cadeira de mestre do mosteiro da Cidade do Rio
de Janeiro, onde duas vezes leu philosophia com gloria de
ter sido o primeir ), que na sua provincia dictou philosophia
moderna. No mesmo mosteiro se doutorou, tomando a bórla
de doutor
No anno de 1752 sahiu eleito D. Abhade do mosteiro
de S. Paulo que renunciou. No anno de 1763 sahiu eleito
D. Abbade do mosteiro do Rio de Janeiro, cujo triennio
acabou com grande satisfacção de seus subditos e com egual
applauso de todos os grandes ecclesiasticos e seculares da
mesma cidade Deste emprego de D. Abbade sahiu eleito em
provincial do Estado e provincia da Babia depois do anno
de 1763, em que se esperava de sua grande litteratura , in
teiresa e religiosa observancia , grandes creditos e utilidade
da provincia. Hlaja vista, « As memorias para a Historia da
Capitania de S. Vicente » .
Falleceu em Santos, contando 86 annos de edade e jaz
sepultado no mosteiro de S. Bento , em cuja lapide, que se
perdeu (**), apenas encerrava uma muito simples inscripção !
(Felizmente houve alguem que, com intervenção da Camara
Municipal desta cidade de Santos, mandou collocar, em uma
das paredes internas do mosteiro, um placa de bronze, com
dizeres, que bem perpetuam a sua memoria . (***)
( ** ) Adeante, sob o titulo – A lapide tumular de Fr. Gaspar diremos :
- como foi que se deu o desapparecimento desta lapide, e porque forma foi
ella descoberta , nos arredores do mosteiro ,
( ***) Esse alguem que se empenhou, e se encarregou afinal da collocação
da dita placa commemorativa, de acordo com o Snr. Coronel Almeida Moraes,
que era então Presidente da Camara de Santos , foi o humilde autor desta linhas
261

- 2." - José Tavares de Siqueira, familiar de Santo


Officio, foi destinado para herdeiro da « casa de seus paes » ;
e tendo - se dado muito ao cuidado de augmentar os bens pa
trimoniaes della, assim vas grossas fazendas dos campos-ge
raes de Curityba, como nas que fez estabelecer nos campos
da Bocaina, no caminho do Rio de Janeiro, com excellentes
pastos para nelles engordar boiadas que descem para o ta
Ibo desta cidade, falleceu solteiro em 1758 , a 6 de dezem
bro, nas suas fazendas de Campos Geraes ; jaz sepultado na
Capella de Santa Barbara do Pitingay , termo da villa de
Curityba, que fóra da administração dos P. P. Jesuitas do
Collegio de Paranaguá.
3. – João Baptista de Azevedo, seguiu os estudos
no pateo do Collegio de S. Paulo, tomou o grau de mestre
em artes. Ordenou-se de clerigo secular e passou a ser vi
gario da Egreja e da vara da villa de S. Francisco do Sul ,
onde falleceu, em 3 de junho de 1754 , com a mesma occu
pação ; jaz sepultado na egreja -matriz, da qual foi parocho.
4." - Miguel Teixeira de Azevedo, entrou monge
Benedictino e professou no mosteiro de S. Bento da cidade
da Bahia e ficou chamado Fr. Miguel Archanjo da Annun
ciação.
Foi presidente do mosteiro da villa de Santos e com
missario de todos os mosteiros da Capitania de S. Paulo.
- 5.° – D. Label Maria da Cruz, existiu religiosa no
convento de N. Senhora da Ajuda, da cidade do Rio de Ja
neiro ; foi uma das doze fundadoras do dito convento, onde
entrou no anno de 1750 ; sahiu eleita em abbadessa e sen
do a 2.a prelada na ordem de numero, foi a primeira na
ordem da profissão .
As suas grandes prendas lhe alquiriram a popularidade
dos votos para ficar com o peso daquella clausura. Foi esta
eleição geralmente applaudida por toda a cidade, pelo grande
conceito que tinha adquirido à religiosa vida da madre D.
Izabel Maria da Cruz .
Não faltaram a obsequial-a os primeiros grandes do
governo ecclesiastico e secular o Exm .° e Revm .° Bispo D.
Fr. Antonio do Desterro, o illustre e Exm.º Conde de Bo
badella — Gomes Freire de Andrade, governador e Capitão
General da Capitania do Rio de Janeiro, S. Paulo e Minas
Geraes.
Dotada de affabilidade, prudencia e humildade, conse
guiu, lentamente, uma tal reforma na sua clausura, lançando
della tudo quanto era superfluo e indecente nos moveis, com
que as religiosas adornavam as cellas, em muitas das quais
haviam cadeiras de damasco, cortinados e pannos de bofête
da mesma seda. Fez tambem lançar para fóra o excesso das
criadas mulatas com quem se serviam as religiosas com tanta
superfluidade, como indecencia.
262

Fez reformas completas no convento , manifestando assim


o seu caracter de religiosa prelada, vindo a falecer a madre
abbadessa, no seu convento da Ajuda, no anno de 1768.
- 6. – D. Anna Maria de Siqueira, que da profissão de
religiósa no convento da Ajuda da cidade do Rio de Janeiro ,
tomou o nome de Maria do Sacramento ; nelle viveu com
exemplar vida e tendo sido uma das doze primeiras fuuda
· doras, tambem foi a primeira que para o céu deu este con
vento. Falleceu a 12 de Agosto de 1760.

Pela parte materna, esta familia tem a sua ascendencia


em pessoas de real importancia, em Santos, S. Vicente, e Ita
nhaem , pois que vem em linha, sem quebra, do sargento-mór
José Tavares de Siqueira, que occupou diversos cargos da
Republica da Praça de Santos , sendo um delles o de Capitão
da Fortaleza do Itapema, com 40 $ 000 rs . de soldo, até pasar
a sargento -mór da Comarca com 800$000 rs. de soldo , Fez
estabelecimento no sitio de Santa Anna do Acarahú, que lhe
veiu por herança de seus antepassados ; - de Cypriano Ta
vares, natural de Pernambuco, onde tendo seguido o real
serviço até a restauração de sua patria, veiu para Santos, e,
em posto de Capitão -mór e Governador da Capitania de S.
Vicente e S. Paulo, tendo feito preito de homenagem vas mãos
de Salvador Corrêa de Sá Benevides , governador do Rio de
Janeiro, em 1.º de janeiro de 1762 ; – De Allonso Pellais ,
cavalheiro Castelhano, sugeito de grande auctoridade e esti
mação na villa de S. Vicente e ouvidor desta Capitania. Foi
o primeiro fundador da Capella de Santa Anna do Acarabu ,
com gloria de ser esta Capella a primeira que no Brasil se
erigiu, para culto e veneração desta prodigiosa Santa, dizen
do - se então que, movidos marido e mulher da lição de um
livro , em o qual se acharam que. quem festejasse a glo
riosa Santa Anna, não teria detrimento no credito, nem fal
lencias nos bens de fortuna ; De Luiz Dias Leme, que fez
assento e estabelecimento nas villas de Santos e S. Vicente, onde
foi muito venerado, geralmente de todos, pelas suas grandes
virtudes, de magnanimidade, prudencia, rectidão, affabilidade e
caridade. Pela sua grande autoridade, teve a honra de ser eleito
para ser elle que acclamasse o Rei D. João IV, estando na
quelle tempo a capitania fortificada de Castelhados de res
peito, que formavam o corpo tumultuoso, mas que, felizmente,
nem vas villas de Santos, S. Vicente, Itanhaem , nem em S.
Paulo, não chegou a vencer o seu depravado intento de que
rerem conserval -as com a voz de Castella
Ainda ha outros costados nesta familia, mas, que nào
podem caber em um simples artigo. »
Não temos a pretenção, nem a competencia para com
pletar as linhas de costados, na genealogia de Fr. Gaspar,
afim de completar este ligeiro artigo escripto pelo saudoso
amigo Almeida Moraes. Apenas, como um fraco subsidio, of
- 265

feremos essas ligeiras « notas esparsas » afin de que, os en


tendidos pa materia, d'ellas se utilisem para preencher as
lacanas que possam existir, fazendo as ligações na respectiva
arvore, já delineada por Pedro Taques, Dr. Gonsaga Leme e
pelo proprio Fr. Gaspar da Madre de Deus.
Na copia dos documentos que ahi vảo, extrahidos dos
fraginentos de Livros do Archivo da matriz de S. Vicente e
Itanhaem , bem como de algumas certidões e mais documentos
que conseguimos obter da matriz de Sautos, São Sebastião e
Ubatuba, vê -se, a cada passo, os nomes das familias, Silva
Cruz, Mendonças, Siqueiras, Tavares, Oliveiras, Gonçalves de
Aguiar Castro, Ferreiras e tantos outros titulos ou ramos que
se prendem á respectiva arvore, segundo suppomos.
Na obra « Genealogia Paulistana » do Dr. Gonzaga Leme,
(vol. II. Titulo Leme, $ 7." ) vê-se que D. Anna de Siqueira
de Mendonça, casada em Santos em 1712, com_Domingos
Teixeira de Azevedo f.° do Capitào -mór Gaspar Teixeira de
Azevedo e de 1 ). Maria da Silva , (avós de Fr. Gaspar, como
ja ficou declarado ; ) tiveram os seguintes filhos : 1.° Maria
Izabel da Cruz, que foi professa no convento de Santa Anna
de Vianna do Minho. 2 • Catharina Baptista de Jesus, idem.
3. João, que falleceu solteiro, com 15 annos. 4. ° Josepha
Maria da Cruz, casada em 1724, em Santos, ccm Antonio de
Brito Ferreira, fidalgo da Casa Real, natural da villa de Vianna
do Minho (irmão do mestre de Campo João da Costa Ferreira
Brito, e governador da Praça de Santos, e de Thomaz da
Costa Ferreira) filhos de André da Costa, fidalgo da Casa
Real, e cavalheiro professo da Ordem de Christo etc. , e de
D. Anna Maria Ferreira . Teve tres filhos. 1.° Izabel que
falleceu com 11 annos ; 2." André da Costa , que foi servir o
rei em Moçambique e o 1.º José da Costa de Brito, que foi
carmelita no Rio de Janheiro .

Francisco Tavares Cabral, ultimo filho do Capitão -mor


Cypriano Tavares, natural de Pernambuco, conforme ja ficou
mencionado pelo Snr. Almeida Moraes, casou, em 1.ºk nup
cias com D. Izabel da Silva, natural de Santos, filha do Ca
pitào -mór Gaspar Teixeira de Azevedo, e segunda vez com
D. Ignez de Castro Corrêa , filha de D. Izabel da Silva e de seu
2. marido Dominges de Castro Corrêa, natural do Minho. Fal
leceu Francisco Tavares em viagem para Minas e Goyaz, em
avançada idade , decahido da fortuna, onde ia a convite de
sua filha Francisca Xavier Tavares que la estava estabele
cida com lavras mineraes e numerosa escravatura .
Da 1.4 mulher teve Francisco Tavares oito filhos dos
quaes dous casaram em Santos e constituiram familia, a saber :
D. Maria da Silva Tavares, que casou em Santos com o
Juiz de Fora Dr. Mathias da Silva e Freitas, natural de
Olinda, que foi corregedor e Ouvidor da Comarca de S. Paulo
e Ouvidor da Cidade do Maranhão. Ficando mal de fortuna
foi a Goyaz e estabeleceu -se no Pilar. Teve um unico filho
264

natural de Santos, Mathias da Silva e Freitas . A 2. * filha


de Francisco Tavares e D. Izabel da Silva , foi D. Francisca
Xavier Tavares que casou em Santos, com Francisco Xavier
Pissarro, natural de Chaves, professo da Ordem de Christo e
Capitão- mór. Deste casal houve uma unica filha , D. Eufrazia
Maria Xavier Pissarro, que casou, em 1753, no Pılar, com o
licenciado Francisco Gomes Tissão . Da 2.“ mulher D. Ignez
de Castro Corrêa, teve Francisco Tavares, entre outros , uma
filha de nome Izabel Corrêa da Silva que casou com o opu
lento mineiro Antonio Pereira Lago.

III
Uma carta de D. Ignacia da Silva Cruz de Azevedo Marques
S. Paulo 4 de Nov. de 1913 .
Illm . Sr. Benedicto Calixto de Jesus Saudações.
Em tempo recebi sua presada carta de 23 do pp.
Devido à temperatura que aqui encontrei, apanhei um
resfriamento que me privou de responder logo, como desejava.
Tambem queria procurar em papeis antigos alguma infor
mação sobre o assumpto de sua carta , que muito me inte
ressa . Infelizmente não consegui esclarecimento algum .
Dizia o Fernando (1 ), que eramos parentes de Fr. Gaspar,
mas sem descriminar o ramo e grao de parentesco que julgo,
ignorava. Não sei se a Capella de Santa Anna e caza fazem
parte das terras do Acarahú (2 ), porem ouvi ha muitos annos
o Fernando dizer que ainda existiam as ruinas da Capella.
O filho delle, mais velho, que sempre rezidio no sitio (3 ),
talvez saiba se as ruinas (se ainda existem) estão situadas
nas terras do Acarahú, (4 ) ou de algum sitio annexo. () que
posso garantir é que a casa actual da viuva do Fernando,
foi reconstituida sobre as ruinas primitivas, feita por Jere
nymo Bittencourt, (5) para sua rezidencia.
Não me recordo de ouvir fallar em D. Genebra . ( 6 )
O que sei sobre meus antepassados é o seguinte : Minha
bisavó Helena Maria de Assumpção Bittencourt e mais duas
irmães – Beatriz e Filippa, éram filhas de um capitão -mór
de Itanhaen . ( 7 )
Em pequeno «memorial» sobre o sitio do Acarahu, que
me deu o Fernando, diz elle que essas terras foram dôadas
á minha bisavó Helena, como presente de nupcias) por seu
pae Gastão Gonçalves de Aguiar (8) quando esta contrahiu
matrimonio com Jeronymo Bittencourt , natural da Ilha Ter
ceira . Por fallecimento de minha bisavó, herdaram essas
terras seus filhos : Antonio Mariano, Manoel Antonio,
Ignacio, — Francisco Vicente, - André Quintino, Salvador.
-José , ( Pai do Fernando ) Vicente, Anna, Gertrudes, -
Méssia, — Ignez e Maria, (minha avó) que foi cazada com
( 1) Estas notas acham-se no fim deste capitulo .
- 265

Tenente Coronel João da Silva Cruz Lustosa , irmão do


Sargento -mór Bento da Silva Cruz Lustoza (9) (de Itanhaen )
Capitão Felippe da Silva Cruz Lustoza e do Padre José da
Silva Cruz Lustoza .
Estes Lustozas eram filhos de João da Silva Cruz, na
tural de Póvoa e Maria Francisca Lustoza, natural de Santos .
Não me recordo ouvir fallar na caza dos quatro Cantos.
( 10) Tambem ignoro se o Snr. Thomaz e João Marcelino de
Azevedo (de S. Vicente), éram parentes de Fr. Gaspar. Sei
que o Sor. Thomaz de Azevedo arrematou, em hasta publica,
uma pequena parte de terras do Acarahù, que pertenceu a
José Justiniano Bittencourt, filho de Salvador Bittencourt,
que ja referi.
Tenho vaga reminiscencia de ouvir meu pai referir -se
a um tio-avô de cujo nome não me recordo, que éra Abbade
e tivha uma irmã chamada Anna. ( 11) Esse Abbade foi
quem hospedou o Bispo D. Matheus de Abreu Pereira Cou
tinho, quando em Maio de 1797 de passagem por Santos,
veio para S. Paulr. ( 12)
Ainda possuo uns graudes pratos, de porcellana da India,
de um aparelho que serviu para essa hospedagem . ( 13)
Seria esse Abbade o proprio Fr. Gaspar ?
Sinto não poder auxilial -o, prestando meu contingente
a um fim tão elevado, mas além da ignorancia estou muito
desmemoriada devido aos meus 75 annos .
Sabendo quanto o Sr. se interessa e dedica a estudos
historicos da nossa terra, mais de uma vez disse aos filhos
de Fernando que desejava muito conversar corn o Snr ., pa
esperança de obter algum esclarecimento sobre meus ante
passados de Itanhaen . ( 14 )
Ainda muito moça e despreoccupada perdi meu pai , que
podia esclarecer -me sobre este assumpto.
Estimo que o Snr. tenha de outrem , melhores informa
ções ; continúo ao dispor, subscrevendo -me com estima e
consideração.
Att. Venr.4 e Obr. "
Ignacia da Silva Cruz de Azevedo Marques.
Notas :

( 1) Fernando J. Augusto Bittencourt éra um dos pro


prietarios actuaes de uma bộa parte das terras da antiga
fazenda do Acarahú , em S. Vicente, onde rezidiu sempre
com sua familia. Foi casado com D. Ermelinda R. do Couto
Bittencourt. da qual teve os seguintes filhos : Fernando,
Frederico, Franklim , Fausto, Theolino, Flaminio, Francisco e
mais trez irmãs .
Fernando J. Augusto Bittencourt falleceu em 1907,
porem a sua viuva continúa a rezidir namesma fazenda ,
em companhia de alguns filhos.
- 266

Fernando Bittencourt, éra aparentado com D. Ignacia


da Silva Cruz de Azevedo Marques, como se verifica pelo
conteúdo desta carta e , segundo o que elle nos declarou ,
mais de uma vez , - descendia tambem da familia de Fr.
Gaspar, ramo collateral ) . E'ra homem intelligente e de
algum preparo , occupando por mais de uma vez cargos pu
blicos de eleição, na Villa de S. Vicente, onde possuia
outras propriedades.
Declarou -me mais de uma vez , que tinha parentes em
Itanhaen e descriminou 0 ramo da familia ou « arvores a
que estava ligado.
( 2) — As ruinas da Capella e da casa primitiva, na fa
zenda de Santa Aona, não fazem parte da sorte de terras
em que residio o Snr. Fernando Bittencourt, porque, com o
desmembramento dessa fazenda , cuja area era enorme, as ditas
ruinas, ficaram em outro quivbào, que hoje pertence a
pessoas estranhas á mesma fazenda e « Caza » do Acarahú,
como adiante explicaremos.
( 3) - () 2.° filho mais velho do Sur. " Fernando Bitten
court é o Snr. Frederico Magno Bittencourt, negociante e
proprietario, rezidente em Santos. E ' elle que administra os
negocios de sua màe e foi em nossa companhia á fazenda
de Santa Anna afim de indicar as ruinas da primitiva casa
e capella da familia de Fr. Gaspar, como adeante se verá .
D. Ignacia, que foi proprietaria de uma grande
parte dessas terras do Acarahu, que herdou de seus antepas
sados , ignorava que «esses sitios annexos » fizessem parte das
terras da mesma fazenda de Santa Anna.
Este Jeronymo Bittencourt era genro do Capi
tào -mór de Itanhaem - Gaspar Gonçalves de Aguiar que
doôu, como presente de nupcios, á sua filha Helena, essa
sorte de terras na fazenda de Santa Anna de Acarahú . As
ruinas, a que aqui se refere D. Ignacia , não são da primitiva
Casa da familia de Fr. Gaspar, mas da Casa de residencia
de Jeronymo Bittencourth , que ficou ligado á familia de que
estou tratando, por ter casado com d . Helena Maria de Ás
sumpção Bittencourt, bisavó de D. Ignacio da Silva Cruz
Azevedo Marques .
No tempo em que esse Capitào -mór de Itanhaem , pa
rente de Frei Gaspar, fez doação desse quinhão de terra no
Acarahú, essa fazenda, mesmo em vida de Frei Gaspar, já
estava dividida entre seus parentes collateraes, por terem
fallecido todos os seus irmãos. Parece que elle reservou,
para si, apenas a parte onde estavam situadas a « Casa
Capella de seus paes ». Ver-se-á adiante a quem pertencem
hoje essas terras .
(6) Esta D. Genebra era filha do Tenente Claudio
Alvares de Araujo e de D. Thereza de Jesus Fajardo, filha
de Pedro Jacome Fajardo, todos de Itanhaem . ( Genealogia
Paulistana , vol. II Titulo Lemes - ) 1 ) . Genebra teve ,
entre outros irmãos, Pedro Jacome Fajardo (neto do 1.") e
--- 267

D. Felippa Maria de Jesus que casou com Manoel José Fer


reira, portuguez, e deste consorcio bouve, entre outros, dois
filhos que se tornaram notaveis nessa época . – 0 Padre
João Baptista Ferreira e Fr. João de Santa Mafalda , que
foi Provincial dos Franciscanos no Rio de Janeiro, segundo
se lê no < Dicionario Bibliographico de Sacramento Black ».
Manoel José Ferreira, que casou em Itanhaem com D.
Felippa de Jesus, já havia contrahido primeiras nupcias em
Curityba, com D. Antonia Maria Ribas, de quem era viuvo,
quando casou com D. Felippa . E ' isto que se presume.
Desse primeiro consorcio com d . Antonia , teve Manoel José
Ferreira uma filha D. Victoriana Ferreira Ribas, que
casou em S. Vicente com o Capitão -mór José Gonçalves de
Aguiar , que falleceu com testamento, em S. Vicente , a 22
de Dezembro de 1843, na edade de 78 annos. ( Liv . de assen
tos de obitos da matriz de S. Vicente ). D. Genebra , consta , que
casou em S. Vicente com parentes collateraes de Fr. Gaspar.
( 8) – Creio haver engano no « memorial » do snr. Fer
pando Bittencourt, quanto ao primeiro nome deste Capitão
mór de Itanhaem . No testamento que existe no referido li
vro da Matriz de S. Vicente, de que tiramos copia, declara o
Capitão -mór de S. Vicente, José Gonçalves de Aguiar, ser
filho legitimo do Capitão Gaspar Gonçalves de Aguiar e de
D. Beatriz Corrêa de Oliveira (de Itanhaem ) e ser casado
com D. Victoriana Ferreira Ribas, natural de Curityba ;
esta , filha legitima de Manoel José Ferreira e de D. Antonio
Maria Ribas, do qual matrimonio houve varios filhos, das
quaes só existiam quatro, seus legitimos herdeiros, a saber :
o Capitão José Manoel Gonçalves Ribas e D. Maria da Luz
Gonçalves Ribas, casada, sem geração. D. Carolina de Oli
veira Ribas, casada com João Machado, com geração e D.
Gertrudes Gonçalves Ribas, casada em primeiras nupcias com
um tal Sodré de S. Vicente, de quem teve um filho de nome
João Sodré ; e em segundas nupcias casada com José Igna
cio de Oliveira , em Itanhaem , de quem teve um filho de
nome Francisco, casado , com geração .
No « memorial» que o snr. Fernando deu a D. Ignacia,
o nome deste Capitão-mór, pae de José Gonçalves de Agui
ar , esté trocado; pois diz ser Gastão e não Gaspar, - como
vejo escripto no testamento.
Parece, entretanto , estar provado que este Capitão -mór,
Gaspar Gonçalves de Aguiar é o pae de . D. Helena, mulher
de Jeronymo Bittencourt e foi elle que doou essas terras
do Acarahú á dita sua filha, ainda em vida de Fr. Gaspar .
Veste periodo de decadencia que se achavam as
duas villas primitivas S. Vicente e Itanhaem , o cargo de
Capitão -mór · ja se succedendo de paes a filhos ou entre
membros da mesnia familia. Era uma especie de oligarchia ;
e isto se explica , já pela falta de pesssoal idoneo já pela
deferencia com que eram tratadas essas familias, « pelo pri
vilegio de Castas » de que ainda gosavam .
268

O Capitão -mór de Itanhaem , Antonio Gonçalves Neves,


que foi o ultimo, e succedeu ao Capitão Gaspar Gonçalves
de Aguiar, era , como se vê, parente deste, e falleceu a 20
de Setembro de 1852 .
Na copia do seu testamento, que temos em nosso poder ;
vê - se que era natural de Itanhaemn , filho legitimo de Anto
nio Gonçalves Neves e sua mulher D. Flóra Maria das Ne
ves ; casou em Itanhaem com D. Francisca Emilia da Sil
veira , com geração .
(9) Adeante, no caderno IV de documentos, ver-se-á
quem eram esses Lustosas (da Silva Cruz) naturaes de San
tos, os quaes se tornaram notorios em Santos, S. Vicente,
Itanhaem e Ubatuba, onde tiveram grande influencia por
serem pessoas de alta consideração.
( 10) Esta Casa dos Quatro Cantos era um sobrado
antigo que existiu na esquina do Becco do Consulado, ou
Becco do Inferno, no começo da Rua Direita ( hoje 15 de
Novembro ). Esse Becco do Inferno , foi mais tarde alargado
e melhorado, recebendo o nome de « Rua Frei Gaspar » que
ainda conserva .
Diz a tradição, em Santos, que esse velho sobrado da
referida esquina, pertenceu ao Pae de Frei Gaspar, que ali
residia, quando vinha de sua fazenda do Acarahú . Consta
tambem que a casa fronteira, para o lado do consulado, que
era tambem um sobrado, ho e demolido, pertenceu á familia
Silva Cruz, parentes de Fr. Gaspar.
O nome de « Rua Frei Gaspar» dado a esse antigo hec
co, foi devido a essa tradição popular.
( 11 ) Este abbade – tio avô —de D. Ignacia, cujo no
me ella diz ignorar, « que tinha uma irmã chamada Anna » ,
não pode deixar de ser o chronista Fr. Gaspar, que teve
uma irmã com esse nome . E que outro abbade santista ,
seria esse, parente de D. Ignacia da Silva Cruz, residindo
em Santos, nessa época ?
( 12) D. Matheus de Abreu Pereira, 4.° bispo de S.
Paulo, eleito em 1.° de Junho de 1794 e confirmado por
Bula de 17 de Junho de 1795 , passou por Santos em fins
de Maio de 1797 e fez sua entrada solemne em S. Paulo, a
31 desse mesmo mez.
Nessa época, trez annos antes de sua morte, em idade
já avançada , Fr. Gaspar, ao que parece, achava -se em San
tos, e foi elle já como primeira autoridade ecclesiastica, já
como pessôa respeitavel e filho do lugar, quem hospedou o
Bispo D. Matheus.
( 13) D. Ignacia, que apezar de sua avançada idade,
dispõe admiravelmente de suas faculdades intellectuaes;
lendo e escrevendo admiravelmente, tem um verdadeiro culto
pelas nossas tradições .
269

Essas « peças de procelana da India» , que serviram nes


sa hospedagem , feita pelo seu tio-avó, ao Bispo D. Matheus,
ella as guarda e venera como uma verdadeira reliquia.
(14) Pelos documentos , que vão transcriptos no Ca
pitulo VI ver-se-á quaes eram os parentes que D. Ignacio
da Silva Cruz de Azevedo Marques tiuha, e talvez ainda
tem , na villa de Itanhaem .
N. do A.

IV
Silva Cruz Lustoza
« Illm . e Rvm . Snr. Vigario da Vara. Diz João Pedro
da Silva Cruz que para bem de seu direito precisa que VS.“
lhe mande passar por certidão o dia , mez, e anno, em que
o supp. toi baptizado, cujos ascendentes forào - João da
Silva Cruz, e sua espoza Maria Gertrudes da Purificação e
de cuja graça E. R. M.ce
Despacho : Passe-- na forma pedida. Santos 6 de M.co
de 1840 . Barboza .

Certifico que revendo os livros de Baptismo desta Fre


guezia, em um delles a fls. 215, achei o assento seg te : - Aos
doze de Julho de mil sete centos e oitenta e nove annos,
nesta Matriz, baptizei e puz os Savtos Oleos a João , filho
de João da Silva Cruz , e de sua mulher Maria Gertrudes da
Purificação, naturaes desta Villa : nettos por parte paterna
de João da Silva Cruz, natural de Póvoa, e Maria Francisca
Lustoza, naturaes desta Villa ; e pela materna de Jeronymo
Francisco Bittencourt, natural da Ilha Terceira e Helena
Maria da Assumpção, natural da Conceição de Itaphaen :
Foram Padrinhos João Baptista da Silva Passos e Dona
Joaquina Pinto da Silva Bustamante, freguezes de S. Paulo.
etc. etc. 0 Vigario José Xavier de Toledo »
Firmas reconhecidas pelo Tabelião Manoel Marques de
Carvalho, em março de 1840.
Para bein esclarecer este ponto, sobre a ascendencia e
descendencia dos — Silva Cruz Lustoza da Vil'a de Santos,
em falta de outros documentos, escrevemos a um amigo em
S. Paulo, -o coronel Narcizo de Andrade, natural de Santos,
que em data de 1.º de Outubro de 1914 assim nos respondeu :
Am .° B. Calixto. Junto envio a certidão de baptismo de
meu tio José Ignacio de Oliveira, pai de Francisco Ignacio
de Oliveira Ribas (Vid. cap. IV que trata do Capitão - mór
de S. Vicente – José Gonçalves de Aguiar — nota 8). Foi
o documento mais importante que encontrei entre os papeis
velhos em meu poder. Ahi está a minha raça , os meus
antepassados por parte paterna .
270

Nessa certidão que é do anno de 1807 , minha avó


chama - se : Anua Luiza de Nossa Senhora da Piedade , na
tural de Lorena ; mas, n'outra certidão de baptismo de 1810,
d’um José filho de José Ignacio de Oliveira, ella chama
se Anna Luiza de Andrade, natural da Villa da Piedade.
Supponho pois ser engano, dos padrinhos na primeira
certidão, quando derain as informações para o lançamento ,
ou do padre que se enganou no dito assento. Pois eu co
nheci - a ainda com vida e o seu nome éra Anna Luiza
de Andrade .
Sou pois filho legitimo do Capitão Mancel Bento de
Andrade e de sua mulher D. Marianna Augusta de Andrade
(tia de João Pedro de Jesus, pai do piutor B. Calixto de
de Jesus), neto de Bento Antonio de Oliveira (senhor do
Vúvóca) e de sua mulher D. Anna Luiza de Andrade, bis
neto do Capitão Thomaz Antonio de Oliveira e sua mulher
D. Angela Maria de Jesus e do Sargento -mór Bento da ,
Silva Cruz Lustoza e de D. Leonor Caetana de Andrade.
D. Maria Gertrudes de Oliveira, irmã de Bento Antonio
de Oliveira e do Capitão João de Paula Oliveira (senhor do
Súarão) era filha legitima do Capitão Thomaz Antonio de
Oliveira e de D. Angela Maria de Jesus, »
Copia do documento :
« Illm . " e Rv,tuo Snr. José Ignacio de Oliveira, natu
ral desta Villa de Itanhaen, filho legitimno de Bento Antonio
de Oliveira e de sua mulher D. Anna Luiza de Andrade,
necessita que V. Rvm ." lhe passe por certidão o dia, mez e
anno em que foi baptizado nesta matriz. Portanto, V. Rvin .“
se digne passar em termos que faça fé.
E. R. M.cc

Certifico que revendo o livro dos baptizados desta Igreja


Matriz de Santa Anna da Villa da Conceição de Itanhaem ,
nelle a fls. 42, achei o assento do theor seguinte :
Aos desaceis dias do mez de Maio de mil oito centos e
sete anuos, nesta Igreja Matriz da Gloriosa Santa Anna, da
Villa da Conceição de Itanbaen , baptizei, e puz os Santos
Oleos a José innocente, filho legitimo de Bento Antonio de
Oliveira e de D. Anna Luiza de Nossa Senhora da Piedade ,
esta natural da villa de Lerena, e aquelle desta Villa ; netto
por part. paterna do Capitão Thomaz Antonio de Oliveira ,
e sua Mulher D. Angela Maria de Jesus, ambos naturaes
desta mesma Villa, e pela materna do Sargento mór Bento
da Silva Cruz Lustoza, natural da Villa e Praça de Santos
e de D. Leonor Caetana de Andrade, natural da Villa de
Santa Catharina ; nascido aos sete dias do mez de Maio éra
ut supra : Foram padrinhoso mencionado Sargento -mór
Bento da Silva Cruz Lustoza, casado e D. Maria Gertrudes
de Oliveira, todos moradores desta Villa, do que para constar
- 271

fiz este termo que assignei. O Vigario Coadjuctor Padre


João Baptista Ferreira etc.
Villa da Conceição de Itanhaen, 4 de Abril de 1838.
0 Vigario Fr. Luiz de Santo Ambrozio . »
SITIO DO « VILLÃO »

( em Peruhibe)
Pertence aos herdeiros do Tenente Coronel Joào da
Silva Cruz Lustoza , de Santos, e ao Sargento-mór Bepto da
Silva Cruz Lustoza , de Itaphaen e ao Cap. Felippe da
Silva Cruz Lustoza, como provam os documentos seguintes,
copiados do original que existe actualmente em mão de D.
Igpacia da Silva Cruz de Azevedo Marques, viuva de Ro
berto Maria de Azevedo Marques, irmão do historiador Ma
noel Eufrasio de Azevedo Marques.
Dizem o Tenente. Coronel João da Silva Cruz, o Sar
gento -mór Bento da Silva Cruz Lustoza e o Cap . Felipe
da Silva Cruz Lustoza, que p . bem de seo direito e Justiça
precisão que do Livro de Registros de testamentos, lhe passe
por certidão o Esc.m do testamento ou codicilio com que
falleceo o Irmão dos sup ."s o Reverendo José da Silva Cruz,
do mesmo a verba em que deixa as terras e Citio denomi- .
nado Villão aos sup.“ e porisso
Despacho : P. P., a VS." M.m Sur. Dr.
P. Como pede, não havendo Juiz de Fora se digne man
inconveniente. dar passar tão somente a dita
Villa de Ubatuba em 16 verba tendente as terras .
de Julho de 1824 .
Brandão. E. R. M.

José Teixeira Nepomuceno, Escriv . " de Orfãos da Villa


de São Sebastião e todo seo termo, com Provizão Regia , em
esta Villa de Ubatuba em diligencia nomeado pelo D." Juiz
de Foia etc. Certifico e porto por ffé que em cumprimento
do despacho Retro do Doutor Juiz de Fora, Pedro Madeira
Abreu Brandão, revi o Livro de Registro de Testamentos e
nell- a folhas noventa e quatro verço se acha Registrado o
Condicilio com que falleceo o Reverendo José da Silva Cruz,
do qual copsta a verba do teor e maneira seguinte –
Declaro que no Referido meo Testamento declarei ter
recebido o Citio do Vilão na Villa da Conceição, de Minha
falecida May para meo Patrimonio , como de facto assim he
porque o não levei em conta na minha legitima, porisso he
o mesmo Citio de meus Irmaons, Bento, João e Felipe, e
se per direito alguma parte me tocar no dito Citio que o
deixava aos ditos mecs Irmaons. E mais bem acordado de
claro que por dezencargo de minha Consiencia nada me
pertence do dito Citio, e sim todo elle hé dos referidos meus
272

Irmaons, e por isso delle não se deve fazer menção no In


ventario dos meos bens ,
E nada mais se continha assim declarado em a dita
verba a qual aqui bem e fielmente trasladei do proprio con
dicilio registado no Livro de Registos ao qual me reporto e
dou fé pois vai sem couza que duvida faça .
Villa de Ubatuba 16 de Julho de 1824 .
José Teixeira Nepomuceno.

A'signaturas das authoridades de Itanhaem , que vem no


mesmo documento.
Vereadores :
Antonio Luiz de Andrade
Baptista Leite
José Arlindo da Luz
Manoel Pereira Guimarães
Fernando Sobral de Souza
José Antonio da Luz
Joaquim José de Almeida Pedro (ou Prado)
Andre Lucio
Juizes de Paz :
João Leite da Fonseca
José Ignacio de Oliveiru
Felipe Nery
José de Sobral
Juizes Municipaes :
Pedro Jacome Fajardo
Foncéca Leite
Testemunhas :
· Bento de Araujo
Bento José Labre
Arlindo Pedro
Joaquim Gonçalves
Antonio Gonçalves Veves (Capitão Mór)
Theodoro Muniz
José Antonio da Fonce ca Leite
COPIA DA PETIÇÃO QUE TRATA DAS TERRAS DO VILLÃO,
em Peruhybe, municipo de Itanhaen
« Diz o Sargento Môr Bento da Silva Cruz Lustoza, o
Capitão Felippe da Silva Cruz Lustoza, moradores da Villa
de Ubatuba, e João Pedro da Silva Cruz, morador na Villa
de Santos, reprezentando seo Pay o Tenente Coronel João
da Silva Cruz, que não podendo mostrar com brevidade suas
folhas de partilha , por ser feito seo inventario amigavel
naquella Villa de Ubatuba, em que lhe pertence igualmente
as terras do Sitio chamado Villão no rio Peruibe, com pe
273

quenas vargens e outeiros, que pela parte do rio acima par


tem com terras da chamada Fazenda pertencente a extincta
Aldea de S. João de Peruhibe, e pela parte de baixo pelo
Outeiro chamado a Moenda, com terras do morar, com fundos
até o cume mais alto , vertentes do dito rio Peruhibe confi
nando com terras hoje Sesmarias do licenciado João José
Leite da Fonseca, lhes é necessario habilitarem - se herdeiros
de sua fallecida may Dona Maria Francisca Lustoza provan
do-se os itens seguintes Que o finado Tenente João da
Silva Cruz e sua mulher Dona Maria Francisca Lustoza,
possuirão aquellas ditas terras como suas compradas com seo
dinheiro por rematação em hasta publica no Juizo desta
Villa nos bens de fulano do Couto, senhor que foi do dito
Sitio Villão – Que os supplicantes são filhos e neto dos
mesmos fallecidos , João da S.“ Cruz e Dona Maria Fran.ca
Lustoza e por isso seos legitimos herdeiros a quem devião
passar como passarão todos os bens dos ditos fallecidos,
por tanto etc. etc. »
O Sargento -mór Bento da Silva Cruz Lustoza e seu
irmão o Capitão Felippe da Silva Cruz Lustoza eram resi
dentes em Itanhaem onde constituiram familia, conforme se
vê nos papeis antigos da Camara de Itanhaem e nos termos
de baptizados e cazamentos da matriz de Itanhaem , onde
vem declarado serem os mesmos moradores d'esta villa . Nesta
época, em que éra Vigario em Ubatuba o seu irmão Reve
rendo José da Silva Cruz Lustoza, elles foram temporaria
mente residir naquella Villa.

Dom Pedro, por Graça de Deos, é Unanime Acclama


ção dos Povos, Imperador Cunstitucional, e Defensor Per
petuo do Brasil : Como Grað Mestre da Ordem da Rosa,
Faço saber aos que esta Minha Carta virem, que, Hei por
bem Nomear Cavalleiro da dita Ordem a Joao Pedro da
Silva Cruz, pelo que lhe Mandei passar a presente Carta, a
qual, depois de prestido o juramento do estilo, será sellada
com o Sello das Armas Imperiaes. Pagou de Joia vinte mil
reis como consta do respectivo conhecimento em formo. Dada
no Palacio do Rio de Janeiro em vinte de Fevereiro de mil
oitocentos e cincoenta, Vigesimo nono da Independencio e do
Imperio .

3g
Tipo hendid
ar

dardlys
274

Carta, pela qual Vossa Magestade Imperial Ha por bem


Nomear Cavalleiro da Ordem da Rosa a Joao Pedro da Silva
Cruz, como acima se declara .

Para Vossa Magestade Imperial Ver . Por Decreto de ?


de Drzembra de 1849 .

Jurou por procurador em 20 de Março


de 1850 .
V. de Mont' Alegre.

Regda a f 221 v do Lº 20 de Diplo


mas da Ordem da Rosa. Secretaria de
Estado dos Negocios do Imperio em 22 da
Março de 1850.
Estacio Maria da Costa e Abreu .

N. 257 20 $ 000
Pg. vinte mil rs. No 11 de Mco de
1850.
Lino
Oliveira
Manoel Corrêa Fernandes a fez.

V
a
)


Itanhạem — 1790
Resumos de alguns assentos de cazamentos copiados de
folhas disperas e puidas de um livro da matriz de Itanhaem ,
« Aos 2 de dezembro de 1790 , em presença do vigario An
tonio Pereira Jorge, e das testemunhas o Capitão José
Mendes do Prado, solteiro, Luiz Alvares França,casado, ambos
freguezes desta Parochia de Itanhaem , se receberão em ma
trimonio – Guilherme de Fontes Goudinho, viuvo de Maria
Ritta do Nascimento, filho de Pedro de Fontes e D. Maria
de Oliveira , naturaes todos desta freguezia ; com Marianna
Francisca dos Santos, filha lig. de João dos Santos Valle e
de sua mulher D. Anna Garcia de Siqueira, esta nat. desta
275

Freguezia e aquelle vindo das partes da Europa : Avós pa


ternos e maternos do contrahente não derão noticia alguma,
assim tambem da contrahente, cujos avós paternos ignorão
por serem da Europa ; porem os maternos declarão que são
Francisco Gomes de Siqueira e D. Maria Gonçalves... mo
radores no bairro de Peruhybe, naturaes desta freguezia etc. »

e Aos 10 de julho de 1794 , casou em Itanhaem Claudio


de Freitas Pereira, natural de Iguape, filho de Claudio de
Freitas e de D. Clara do Espirito Santo, com Maria Fran
cisca do Espirito Santo, natural desta villa, filha legitima
de Pedro Celestino e de sua mulher D. Anna Antonia de ... ,
freguezes desta Parochia . Forão padrinhos o Capitão Mi
guel Victoriano dos Santos, cazado, e o Tenente José An
tonio Garcez, ambos desta freguezia etc. »

« Aos 3 de setembro de 1795, em presença das teste


munhas Joaquim de Meira, solteiro, e Felippe da Silva Cruz,
( 1) cazado, ambos moradores em esta freguezia e parochia de
Itanhaem , se receberão em matrimonio Antonio Felippe
Soares filho de José Apolinario Soares e de Luiza da Silva,
todos desta parochia, com Luiza Francisca filha de Antonio
Rodrigues Bernardes e de sua mulher D. Joanna da Silva ,
todos desta Parochia. »

« Aos 15 de outubro de 1791 , em presença das teste


munhas, a saber : 0 Capitão de Auxiliares José Mendes do
Prado, solteiro, e Henrique José Lisboa, casado, ambos desta
freguezia, se receberão em matrimonio Manuel Furtado de
Oliveira, filho legitimo de Thimotheo Furtado de Oliveira e
de D. Josepha Ribeira (?) de Escobar, naturaes de São Se
bastião, com Senhorinha Maria da Trindade, filha lig. de
Antonio Francisco ... e de sua mulher D. Catharina de Sone
da Pa ... (?), naturaes desta Freguezia. etc.»
(este assento está muito dilacerado e puido).

« Aos 3 de outubro de 1790, em presença das testemu


nhas, adeante nomeadas nesta Igreja Matriz de Itanhaem , se
casarão José Antonio da Silva , filho de José da Silva Pais e
de sua mulher D. Maria Francisca do Rosario, natural desta
villa, com Joanna Maria do Espirito Santo, naturaes da villa
de Iguape , filha legitima de Ignacio Garcia Véras e de sua

( 1) E' o mesmo Cap. Felippe da Silva Cruz Lustoza, irmão do Sargento


mór Bento da Silva Cruz Lustoza, residentes em Itanhaen e inmãos do Tenente
Coronel João da Silva Cruz Lustoza, residente em Santos .
276

mulher D. Escolastica Dias de Siqueira. Forão padrinhos :


José Simões da Silva, casado e Francisco Xavier de Carvalho,
solteiro, ambos desta freguezia. etc. »

b )

Itanhaem, 1820 em diante


Resumo de alguns assentos de baptizados, copiados de
folhas avulsas e dilaceradas, de um livro da Matriz de Ita
nhaem.
« Aos 20 de maio de 1821 , nesta Egreja Matriz de Santa
Anna da V." da Conceição de Itanhaem , o Rev. coadjuctor
Padre Domeciano da Silva, baptisou o innorente João, filho
do Licenciado João José Leite da Fonseca ( 1 ) e de sua mulher
D. Gertrudes Thereza Leite, esta natural da cidade de S.
Panlo e aquelle da villa de Santos, assistentes nesta villa de
Conceição do Itanhaem , netto por parte paterna do Licen
ciado José Antonio da Fonseca, e de Dona Francisca Xavier
de Paula , moradores da V. de Iguape, por procuração que
apresentarão o Cap. -mór Antonio Glz. Neves e sua irmã D.
Clemencia Roza ... »

« Aos 23 de junho de 1833, nesta egreja de Itanhaem , o


mesmo Padre coadjuctor, Pedro Domiciano da Se. baptisou ao
inocente Luiz filho de José Antonio da Luz e D. Catha
ripa Roza de Jesus, neto paterno de Antonio José da Luz e
Bernardino Adriano, e pela materna de Claudio Alvares de
Araujo e D. Anna Maria do Espirito Santo, todos naturaes
desta Villa de Itanhaem . »

1704

Resumo de alguns assentos de obitos de pessôas illustres,


que constam de um fragmento do Livro da Matriz de S. Vi
cente, correspondentes aos annos de 1704 em diante :
« Maria Soares Chaves, natural da Villa da Conceição
de Itanhaem , filha legitima de Domingos Soares Chaves e de
sua mulher D. Antonia ... Vieira dos Santos, falleceu , em
S. Vicente a 21 de ... 1708, com testamento . Deixa como seu

( 1 ) O licenciado João José Leite da Fonseca éra o proprietario, nessa épo


ca , das Sesmarias do Guarahú, que confinavam com as terras do Vilão, em
Peruhybe, come se vê dos documentos já transcriptos neste caderno.
- 277

testamenteiro a seu genro o Capitão Jacintho Vaz de Gus


mão e seu filho Felix Soares Pedrozo. Declaro que foi ca
zada com Manoel Alvares Pedrozo, do qual matrimonio tive
ram cinco filhos e uma filha a qual casara coin o Capitão
Jacintho Vaz de Gusmão etc. etc. »

* Catharina da Silva, natural da Villa da Conceição de


Itanhaem , filha ligitima de João da Silva e de sua mulher
D. Izabel Maniz. Falleceu em S. Vicente, com testamento,
em 22 de setembro de 1708. Deixa como seu testamenteiro a
seu marido Paschoal Leite de Oliveira, e a Balthazar Ribeiro
Garcia. Declara que de seu cazamento como dito Paschoal
Leite de Oliveira teve dois filhos João Leite da Silva, que
está cazado ... e Agostinho José Lobo, os quaes são seus

herdeiros etc ...

d)
Assentos de Cazamentos, do anno de 1700 , em diante,
(da Egreja Matriz de S. Vicente.)
« Aos 5 dias do mez de maio de 1720, nesta Eg. Matriz
de São Vicente, em presença de mim vigario encommendado
Estevão de Oliveira, sendo presentes por testemunhas o Ca
pitão Antonio Francisco Lustoza e Joaquim Pinheiro da Guerra
e D. Maria Leme, todos moradores em Santos e D. Theo
dora Justiniana Adorno, moradora nesta villa, se receberão
por palavras de presente, na forma do sagrado Concilio Tri
dentino, Frederico Lopez de Gusmão, filho ligitimo de Fran
cisco Lopez Gamarra e de sua mulher D. Thereza Muniz ,
moradores nesta Villa de S. Vicente, com D. Izabel Pedroza,
assistente em caza de Manoel Domingues Callassa, filha de
João Baptista Pedrozo e de sua mulher D. Maria de Abreu,
moradores que forão da Villa da Conceição, visto haver de
corrido seus banhos (pregões) na sua freguezia e constar não
haver empedimento algum canonico senào serem parentes jà em
quinto gráo, como consta da certidão do vigario etc. etc. »

« Aos 16 de julho de 1719, em presença das testemu


nhas o Cap. Manoel da Fonseca Collasso, José Furtado, e D.
Helena Dias, e D. Anna de Moraes, nesta matriz de S. Vi
cente, se receberam em matrimonio – Lopo Muniz das Neves,
filho ligitimo de José Bernardes Muniz e de sua mulher D.
Maria Jorge Verdelho, com Ignez Gonsalves Ribeira, filha
lig. de Lucas de Soueral, já defunto, e de sua mulher D.
Izabel da Costa Callassa, todos moradores nesta V.* de S.
Vicente etc. O vigario encommendado Estevão de Oliveira . »
278

« Aos 8 de maio de 1713, em presença do vigario da


Matriz de S. Vicente, Estevão de Oliveira e das testemunhas
– o Sargento -mór Mauoel Gonsalves de Aguiar, morador na
villa de Santos e dc Capitão Vieira de Souza, morador nesta
V. de S. Vicente e de Dona Maria Pinheira, moradora na
villa de Santos, e de D. Margarida Coelho de Mendonça,
moradora nesta villa, se receberão em matrimonio, Manoel de
Araujo, filho do Capitão Manoel Alvares de Abreu, já de
funto e de sua mulher D. Anna Joã.., com Anna Rodri
ques de Lara, filha lig. de Francisco Rodrigues de Lara e
de sua mulher D. Filippa do Prado, naturaes e moradores de
S. Vicente , etc. »

« Aos 25 de setembro de 1713, em presença do dito vi


gario e das testemunhas João Barboza da Costa e Luiz de
Freitas Gamarra e D. Margarida Coelho de Mendonça e D.
Anna Rodrigues, moradores desta villa, se receberão em ma
trimonio Miguel Rodrigues de Niza, filho lig. de Antonio Al
vares Pedrozo e de sua mulher D. Anna Rodrigues de Niza,
com Catharina Barboza de Vilhalva, filha de Domingos Gar
cia Viana e sua mulher D. Joanna Caminha ; todo moradores
em S. Vicente, etc. »

Aos 3 de setembro de 1713, nesta matriz de S. Vicente,


em presença do vigario encommendado Estevão de Oliveira
e das testemunhas o S. « Manoel Francisco da Costa e o Ca
pitão José Francisco Espinheiro e D. Izabel de Siqueira , mo
radores da Villa de Santos, e Ù. Maria Muniz, moradora nesta
villa, se receberão em matrimonio José Dias Furtado, filho
lig. de Francisco Furtado de Mendonça, e de sua mulher D.
Igpez Dias Pedrozo, moradores desta mesma villa, com Theo
dozia Justiniana Adorno, filha de José Muniz e de sua mu
lher D. Maria Jorge Verdelho, todos desta Villa de S. Vicente
etc. etc. »

« Aos 7 de setembro de 1713, em presença do mesmo


vigario e das testemunhas Lopo Roz. Velho e Luiz de Frei
tas Gamarra e D. Maria Vieira e D. Anna Pedroza de Al
varenga , se receberão em matrimonio Antonio Furtado de
Mendonça, filho lig. de Sipriano Furtado e de sua mulher
D. Michaela de Freitas, com Maria dos Reis, etc. todos desta
Villa etc. »

Aos 13 de fevereiro de 1713 , na presença do dito vi


gario e das testemunhas o Cap . João Furtado de Mendonça
e D. Margarida Coelho de Mendonça e D. Anna Rodrigues,
desta villa, se receberão em matrimonio Francisco Dias Fur
tado, filho lig. de Francisco Furtado de Mendonça e sua mu
279

lher D. Ignez Dias Pedroza, com Izabel Gonsalves Vieira,


filha de Vicente Gonsalves ... e de sua mulher D. Anna da
Costa ; todos maradorcs nesta Villa de S. Vicente etc. ,

« Aos 25 de fevereiro de 1724, na matriz de S. Vi


cente, sendo presentes o sargento -mór da praça de Santos —
Manoel Gonsalves de Aguiar e o Capit. Pedro de Moraes de
Lara e D. Catharina de Sône de Mendonça e D. Paschôa
Pinheiro, se receberão em matrimonio Mathias de Oliveira,
filho lig. de Mathias de Oliveira Lobo e de sua mulher D.
Anna de Moraes, naturaes de S. Paulo -, com Anna Pinheiro
da Guerra (*) filha lig. do Capitão Pedro da Guerra e de
saa mulher D. Beatriz Pinheiro, moradores da Villa de San
tos. etc. »

Nota :

(*) Em baixo desta folha acha-se esta nota escripta


por nós em 1892 : « A Condessa de Vimieiro, 4.* herdeira de
Martim Affonso de Souza, chamava -se D. Marianna de Souza
da Guerra. Estes « da Guerra» de S. Vicente e Santos se
riam parentes dessa condessa ? »
« A esta nossa pergunta respondeu o Dr. Luiz Gonzaga
da S.* Leme, na mesma pagina em 1901 , quando manuseou
estes papeis : Não. Estes da Guerra provem de Sebastião
Roz. da Guerra, fidalgo Gallego. Na nota C que vae no
final do caderno « Apontamentos diversos, vem uma referen
cia feita por Fr. Gaspar, a familia destes da Guerra, que
exerciam grande prepotencia, ou influencia, na Camara de
S. Vicente, em 1690 .
e )
Livros de assentos de Baptisados na Matriz de S. Vicente.
« Aos 5 dias de dezembro de 1757 , pelas 6 horas
da tarde, nasceu Mariana , filha legitima de Claudio Caetano
Ferreira e Thereza Maria de Jezus, naturaes moradores
desta villa e freguezia de S. Vicente, netta por parte pa
terna de Manoel da Fonseca Callaça , nat. desta V«, e de D.
Helena Dias de Siqueira, natural de S. Paulo, e pelo ma
terno, netto de avós cujos nomes se ignora.
Foi baptisado em 11 do dito mez e éra, por mim Tho
mé Rodrigues, vigario collado desta Matriz de S. Vicente
etc. Foram padrinhos Carlos Ferreira Gomes da Va. de
Santos, por seu procurador Valentim Rodrigues da Silva e
Domingas Maria de Jezus, mulher de Raymundo Pereira de
Mendonça da dita Va de Santos, etc. »
280

Aos 10 de agosto de 1700, baptisei e puz os Santos


oleos a Salvador, innocente filho de Antonio e de sua mu
lher Archanja, servos do Capitão-môr Diogo Pinto etc. (*)
Foram padrinhos Antonio Lopes Gamarra e D. Margari
da Pires. »
Nota :
(*) Este Capitão -mor de S. Vicente, chamava - se Dio
go Pinto do Rego. Tomou posse do cargo a 28 de Dezem
bro de 1678, serviu até 1687 e foi substituido por Thomaz
Fernandes de Oliveira. (Vid. a nota B que vai no fim des
tes apontomentos .)
(*) Vide nota C, no fim .

Aos 5 de julho de 1757, pelas dez horas da noite, nas


ceu Antonio, filho legitimo de Antonio Furtado da Luz e
Beatriz da Silva naturaes e moradures desta freguezia, net
to paterno de Antonio Furtado e D. Maria Lopes dos Reys
e pelo materno netto de Amaro Rodrigues da Silva e D.
Anna Garcia Mendes, já defuntos e freguezes desta Villa .
Foi baptisado a 12 do dito mez e anno por mim Thomé
Rodrigues, Vigario collado nesta matriz de S. Vicente, etc.
Foram padrinhos Gaspar Gonsalves de Aguiar e D. Maria
da Silva irmã da dita mãe Beatriz da Silva . »

« Aos 5 de outubro de 1756 , pelas duas horas da ma


nhã, nasceu Anna, fillha legitima de Jarintho Muniz de
Gusmão (* ) e de D. Maria Thereza de Jezus, naturaes
moradores desta freguezia, netta por parte Paterna de Ja
cintho Vaz de Gusmão e D. Maria Alvares Pedrozo, e pelo
materno do Capitão Pedro de Moraes e Silva e D. Catha
rina de Leme e Mendonça, todos avós, naturaes desta l'a .
excepto o materno, que he natural de Santos . Foi bapti
sado aos nove do dito mez e éra, por mim Thomé Rodri
gues, vigario collado nesta matriz de S. Vicente etc; etc.
Foram padrinhos Salvador Gomes Ferreira, da villa de
Santos, e a dita avó materna D. Catharina de Sêne e
Mendonça .»
Nota :
(*) Nos papeis antigos dos nossos antepassados temos o
original do » Instrumento de Brazão de armas » destes Mu
niz de Gusmão, de S. Vicente, com certidões, alvarás e
inquirições, requeridas nesta mesma villa, pelo Capitão An
tonio Muniz de Gusmão, em 1669 ; cuja petição inicial co
meça assim :
« Diz o Capitão Antonio Muniz de Gusmão, morador
nesta villa de S. Vicente, que a elle lhe é necessario o
281

traslado de seu Brazão de Armas, por lhe pertencer, a elle


supplicante, por via directa e masculina de seus avós e trez
avós, e mais descendentes ; e mais o alvará passado a seu
trezavó Garcia de Gusmão Muniz, com mais papeis que a Vm.ce
offerece ; pelo que pedia Vm " ., lh -os mande dar authenticos
em módo que faça fé em juizo e fóra delle . E. R. Mºc.
« Despacho » De- se-lhe os traslados como pede. S.
Vicente vinte e quatro de Abril de mil seiscentos e ses
senta e nove Collaço , »
Do dito « alvará » consta que o seu antepassado Gar
cia de Gusmão Muniz, morador na cidade de Lisboa, foi ar
mado Cavalheiro, em Masagão, por acto de bravuras mili
tares, nas guerras contra os mouros , a 23 de maio de 1562 .
( vai esta nota com toda a reserva ).

Aos 8 de outubro de 1755 foi baptisado na matriz


de S. Vicente o inocente Joaquim , filho legitimo de José
Dias Barbosa e D. Izabel Justino Adorno, naturaes da mes
ma villa, netto paterno de Christovảo Dias Barbosa e D.
Luiza Costa, e netto materno de José Dias Furtado e D ..
Justiniana Adorno, todos naturaes de S. Vicente . Foi ba
ptisado pelo padre José Gonsalves de Aguiar, coadjuctor da
dita matriz, etc. Foram padrinhos, eu o Vigario Thomé Ro
drigues e D. Maria Thereza de Jezus, mulher de Jacintho
Muniz de Gusmão, desta Villa. »

« Aos 19 de abril de 1753,foi baptisado em S. Vicente.


pelo padre José Gonsalves de Aguiar, coadjuctor) a ino
cente Gertrudes, filba legitima de Sebastião Pires e Leonor
Ribeiro netta paterna de Simão Rodrigues Affonso e D.
Jeronyma Gonsalves etc. Foram padrinhos Gaspar Gonsal
ves de Aguiar e sua irmã D. Anna Francisca de Aguiar,
irmãos do padre José Gonsalves de Aguiar.

Aos 12 de março de 1751 , pelas nove para dez horas


da manhà nasceu Antonio filho ligitimo de João Cheren
de Sá, natural de S. Paulo e de D. Maria Ignez de Andra
de, natural da villa de Santos, e ambos moradores nesta
Villa de Sam Vicente : netto por parte paterna de Antonio
Cheren de Sá, natural do Rio de Janeiro e D. Florencia de
Pinna Pereyra, natural de Santos . Foi baptisado em ne

cessidade por Jeronymo Monteiro de Mattos, desta fre


guezia, e sub - conditione pelo padre José Gonsalves de
Aguiar, coadjuctor desta matriz de Sam Vicente, aos vinte
282

e hú do mesmo mez e éra ; por duvidar do primeiro baptis


mo , etc etc.
Foram padrinhos Carlos Joseph de Oliveira, seu tio, e

a dita sua avó materna Florencia de Pinna Pereyra . »

« Aos 23 de junho de 1754, pelas sete para oito horas


da manhã pasceu Bento, filho legitimo de João Ayres de
Oliveira e D. Florencia de Pinna Pereyra , desta freguezia,
netto paterno de João Ayres de Aguiar e D. Ignez de An
drade, do Rio de Janeiro ; e pelo materno netto de Bartho
lomeu de Pinna Pereyra, tambem do Rio , e de Antonio Pi
nheiro da Guerra. (*) etc.
Foram padrinbos Luiz da Costa Siqueira e D. Anna do
Prado , mulher de Pedro Pacheco da Fonseca . »

« Aos 20 dias do mez de agosto de 1754, pelas oito


para as nove boras da noite, nasceu Felippe, filho legitimo
de Antonio de Moraes e Sylva e de D. Maria de Jesus Pe
reyra , desta freguezia, netto patterno do Capitam Pedro de
Moraes e Sylva e de D. Catharina de Sêne e Mendonça, e
pelo materno netto de Agostinho Pereyra Botelho, e D. Lu
iza Gomes da Sylva, etc. Foram padrinhos Bento Antonio
Ferreira da Cunha, sobrinho do Padre André Alvares, da
Villa de Santos e a dita avó D. Catharina de Sêne e Men
donça, ella e todos desta Villa de São Vicente . »

« Aos 28 de julho de 1754 foi baptisado em S. Vicente


José filho legitimo de Manoel Fernandes Castro e de
D. Maria Lôba da Sylva, netto paterno de José Rodrigues
da Sylva e de D. Izabel Bicudo de Mendonça, e pelo ma
terno netto de Manoel Gomes ..e D. Joanna Gomes. »

« Aos 28 de dezembro de 1753 , foi baptisado em S.


Vicente Maria filha legitimo de Antonio Furtado da
Luz e D. Beatriz da Sylva , natural de S. Vicente, netta
paterna de Antonio Furtado e D. Maria Lopes dos Reys ;
pelo materno de Amaro Rodrigues da Silva e D. Anna Gar
cia Mendes etc etc. »
Foram padrinhos Francisco de Miranda Tavares e Ꭰ .
Anna Francisca, filha do Sargento - inór Joseph Gonsalves de
Aguiar, todos de S. Vicente .«
Nota :
Precisa não confundir este - José Gonsalves de Aguiar
( Sargento -mór) com o outro José Gonsalves de Aguiar,
que foi Capitão -mór em S. Vicente, e falleceu em 1843,
(* ) Vide a nota no caderno dos « assentos de casamentos. *
283

com testamento na idade de 78 annos . Quando a fi


lha do Sargento -mór José Gonsalves de Aguiar, D. Anna
Francisca , servio de madrinha á filha de Antonio Furtado da
Luz e de D. Beatriz da Sylva , em 1753 , ainda não tinha
nascido o outro José Gonsalves de Aguiar , que foi Capitão
mór de S. Vicente . Tendo este fallecido em 1843, confor
me diz o seu testamento, « com 78 annos de idade », conclue
se dahi que nasceu em 1765 , e éra, segundo parece , netto
do primeiro .

« Aos 24 de fevereiro de 1753 foi baptisado em S. Vi


cente – Mariana filha legit. de Antonio de Moraes e

Silva e de D. Maria de Jesus Pereira ; netto paterno do Ca


pitão Pedro de Moraes e Silva e D. Catharina de Sêne e
Mendonça, e pelo materno, netto de Agostinho Pereira Bo
telho e D. Luiza Garcez da Silva , todos desta freguezia etc.
Foram padrinhos Ignacio de Moraes e Silva e D. Fe
lippa de Moraes e Silva, irmãos do mesmo Antonio de Mo
raes e Silva . »

( Aos 8 de outubro de 1753, foi baptisado em S.Vi


cente Brigida filha legit. do Capitão Claudio Cestano
da Fonseca e de D; Thereza Maria de Jesus, naturaes des
ta freguezia ; netto pat. do Capitão Manoel da Fonseca Cal
laça e de D. Helena Dias de Siqueira .
Foram padrinhos Francisco Miranda Tavares e D. Ma
ria Thereza de Jesus, casada com Jacintho Muniz de Gus
mão . »

« Aos 10 de agosto de 1752 foi baptisado em S. Vi


cente Thereza de Assumpção filha legitima de João
Vieira Goudinho e D. Martinha Alvares Pedroso, netta pa
terna de João Vieira Goudinho e de D. Izabel Furtado, na
turaes da Villa da Conceição de Itanhaen ; e pelo materno
netto de Miguel Rodrigues de Niza e D. Carolina, digo, D.
Catharina Barboza, desta freguezia etc. Foram padrinhos o
Tenente Manoel Muniz de Gusmão e sua mulher D Izabel
Francisco do Prado . »

« Aos 2 de fevereiro de 1759 , nasceu e foi baptisado


Joseph filho legitimo de Duarte Lopes de Oliveira e
D. Euphrasia Maria de Jesus, netto paterno de Thimotheo
Gonsalves Leme e de D. Jeronyma Lopes do Rosario, datu
raes desta freguezia e da parte materna netto de Jacintho
Pereira Botelho, natural de Iguape e de D. Luiza Garcez da
Silva , naturaes de S. Paulo, etc etc.
Foram padrinhos Francisco do Prado ; da freguezia de
Sto Amaro, e Maria Lopes, irmă do mesmo Duarte Lopes . »
284

« Aos 22 de março de 1759 , foi baptisado em S. Vicen


te Antonio fillho de Caetava (bastarda) ( B) solteira , e
de Antonio Alvares Pedroso, desta freguezia ; netto paterno
de Miguel Rodrigues de Niza e de D. Catharina Barboza , e
pela parte materna netto do Capitão Joseph de Araujo Gui
marães e de D. Maria Pedrozo etc. »
Nota :
(B) Desta época em deante, como se vê do termo acima,
os altivos habitantes de S. Vicente, já pela falta de popu
lação devido á decadencia da Villa, já pela escacez das fa
milias onde sempre predominou o « preconceito de castas»
iam tendo ligações illicitas com a plébe, e augmentando ca
da dia o numero de « bastardos .>>
Entretanto não deixavam de reconhecer na pia baptis
mal, esses « filhos naturaes» e fazião questão em que fosse
declarado no termo do « baptismo», 0 tronco genealogico
donde provinham . Infelizmente esse louvavel costume foi
cada dia , dahi em diante, cahindo em desuzo, não só pela
falta desse pessoal de élite , de maior destaque que se foi
retirando e mesmo extinguindo, como pela negligencia dos
respectivos parochos, em abreviar e suprimir, nos ditos
termos de baptisados, e obitos, todos esses esclarecimentos
genealogicos que tão util se tornaram aos genealogistas e
chronistas dos secules passados .
Os livros velhos da matriz de São Vicente , não consti
tuem hoje propriamente « um archivo » , como era de espe
rar , em uma localidade como esta , tão importante pelas suas
tradições .
Depois da morte de Fr. Gaspar esses papeis velhos da
Camara e da Matriz de S. Vicente, e mesmo de Santos, ca
hiram no mais completo abandono e foram destruidos pelas
traças , e mais ainda pelo descuido .
Quando ha quinze annos , viemos residir nesta localidade ,
descobrimos , em baixo da « sala do throno » , entre um montão
de cousas velhas e inuteis , uma caixa velha, sem tampa ,
cheia de lixo e de papeis amarrotados e puidos : Era o ar
chivo da velha matriz que, não sei por que milagre , ainda
ali se achava, naquelle canto escuro e ignorado ...
Com authorização do respectivo vigario de Santos que
então parochiava a freguezia de S. Vicente, comesamos a pôr
em ordem esses papeis que emmacei e numerei, pedindo ao
actual Fabriqueiro que mandasse fazer um armario, com
devida segurança, afim de que esse archivo, mesmo incom
pleto e deteriorado , fosse conservado como era mister. In
felizmente esse nosso pedido não foi attendido, e dahi para
cá, esses papeis velhos, que já prestaram depois disso rele
vantes serviços ao nosso illustre amigo Snr. Dr. Gonzaga
Leme, para a sua importante obra « Genealogia Paulistana »,
como já haviam prestado igualmente a Fr. Gaspar e Pedro
Taques, nas obras que escreveram , estão cada dia sendo dis
285

persados e destruidos, por falta do necessario caidado e des


vello que delles se deveria ter.
Não ha um unico livro ou caderno inteiro, nesses do
cumentos de 1600 e 1700. () que existe actualmente são
folhas esparsas e puidas, das quaes, só com grande difficul
dade se pode extrahir alguma cousa.
Entretanto, isso mesmo que ahi está, nesse deploravel esta
do, é ainda , como se vê, de grande valor para a nossa historia.
Não condemno os babitantes de S. Vicente pelo estado
em que se vê o precioso archivo de sua matriz, por que
ainda assim , velho e desfalcado, elle existe e está nos pres
tando os subsidios de que tanto carêcemos. O que é de facto
para se lastimar, - é o desapparecimento, quasi completo,
dos documentos antigos, não só da matriz, como da Camara
e dos Cartorios da Cidade de Santos.
Si em S. Vicente e Itanhaen, pelo atraso e decadencia
dessas povoações, o povo e as autoridades respectivas não
ligaram o apreço devido a esses « calhamaços venerandos »
o mesmo não se deveria dar em Santos, onde sempre houve
homens de letras, e pessoal mais culto, que deviam , de al
guma forma, interessar-se pelos annaes historicos dessa cidade.
E' triste, mas é forçoso dizer : Em Santos, o archivo da
matriz, resume-se aos livros de assentos de cazamentos, nas
cimentos e obitos destes ultimos tempos.
O livro mais antigo, de assento de obitos (onde deve
riam estar consignados as deixas pias testamentarias dos ha
bitantes) é de 1810 em diante.
Si alguem precisar hoje uma certidão de nascimento ou
de obito, relativa a Fr. Gaspar ou a um dos Andradas , não a
conseguirá.
Sabe-se entretanto que os vigarios que tem ultimamente
parochiado esta cidade, não tem a minima culpa nesse de
sastre, e são os primeiros a lamentar e a soffrer as conse
quencias delle.
Assim é que as propriedades que constituiamo unico
patrimonio da mesma matriz, e que estão hoje em mãos de
estranhos, como é aliás bem conhecido, não podem ser rei
vindicadas por falta de documentos, por que até o « livro do
Tombo » desappareceu, como desappareceu o de S. Vicente !...
0 « livro do Tombo » actual , que ali existe, é muito novo ,
aberto em 6 de julho de 1892, por ordem do Bispo de S.
Paulo, o Snr. D. Lino. Nelle não se encontram transcripções
do primeiro, o que denota que esse livro primitivo, não des
appareceu por velbice, pois nesse caso seria traspassado para
outro. O livro do Tombo foi sem duvida, subtrahido do res
pectivo archivo. E ' isso que me afiançou o ultimo Vigario
Conego Martins Ladeira, que parochiou por muitos annos
essa matriz e foi um dos que mais se esforçou em transcre
ver, nesse livro, todos os dados e apontamentos historicos
que conseguiu, em mãos de particulares, relativos a velha
matriz e a outras Egrejas e Capellas primitivas.
286

Os apontamentos que contem estes cadernos, como já


referi, extrahidos desses fragmentos puidos dos livros da
matriz de São Vicente e da de Itanhaen, apesar de incom
pletos e desordenados, não deixam de ter algum interesse ,
pois nelles vem referencias importantes sobre pessoas que
estão ligadas á arvore genealogica de Fr. Gaspar da Madre
de Deus e Pedro Taques.
Foi por isso que nos demos ao trabalho de decifrar e co
piar, desses velhos alfarrabios, a parte que nos pareceu mais
importante.
Fiz isso tambem no interesse de salvar esses documen
tos prestes a desapparecerem , em consequencia do estado
deploravel em que se acham . (*)
Nelles vem - se frequentemente os nomes dos Da Guerra,
Mendonças, – Siqueiras, - Tolledos, -- Oliveiras, - Fur
tados de Mendonça, Gonsalves de Aguiar, Silva Cruz,
- Lustozas, - Adornos, — Rodrigues de Niza , – Alvares Pe
drosos , Andrades e tantos outros titulos de familias que
se prendem á Genealogia Paulistana, cuja ligação será facil
para aquelles que, por ventura, se interessam ainda por este
genero de estudo tão importante de nossa historia.

Nota C
que se refere ao « 2.° assento de baptisado o destes
« apontamentos » : (Cap. IX. )
O successor do Capitão -mór de S. Vicente Diogo
J'into do Rego, que servio de 1678 a 1687 foi o Capitão
Thomaz Fernandes de Oliveira o qual exerceu o referido
cargo até 1640, em que foi substituido pelo Capitão Manoel
Pereira da Silva, que falleceu e foi sepultado em Santos,
em 1692.
A proposito da morte deste Capitão -mór de S. Vicente
o proprio Fr. Gaspar escreveu, na respectiva lista, a seguinte
nota que muito nos interessa . Eil-a :
« Por morte deste Capitão -mór houve grandes duvidas
entre a Camara de S. Vicente e o Sargento-mór Domingos
de Araujo, meu bisavô materuo, a respeito da successão do
governo. » ( Domingos de Araujo foi pai de D. Izabel Maria
da Cruz, esposa de José Tavares de Siqueira ; deste casal
éra filba D. Anna de Siqueira Mendonça, esposa de Domin
gos Teixeira de Azevedo e mãe de Fr. Gaspar, que éra por
tanto bisneto de Domingos de Araujo. )
« A Camara de S. Vicente, apossada pela familia dos
da Guerra, teimava em que a ella, como cabeça de Capita
( *) Tendo nós , em companhia do vigario respectivo de S. Viceute, con
sultado ao Exm . Sr Arcebispo D Duarte sobre o que se deveria fazer, afim
de assegurar a conservação desses papeis velhos e puidos, resto do velho ar
chivo parochial, S. Exc. autorizou -nos a conserval-os, por enquanto, sob a
nossa guarda, em consequencia de não haver na dita matriz , local apropriado e
seguro .
287

nia , competia o governo, tanto militar como politico de toda


a Capitania. Domingos de Araujo, a quem seguiam a maior
parte da Capitania e a familia de seu genro José Tavares
de Siqueira, nunca consentiu que a dita Camara se intro
mettesse no governo militar, que supunha pertencer-lhe pela
razão de ser elle o primeiro official de guerra, depois do
Capitão-mór-governador.
Foi o caso por aggravo á Relação da Bahia, na qual
se dicidiu que o governo militar, na falta do Capitão -mór,
pertencia ao Sargento -mór pago da Capitania e o politico a
cada uma das Camaras nos districtos respectivos.
O governador geral reprehendeu severamente aos cama
ristas de S. Vicente. »
Tudo isto consta da sentença e carta do Governador, de
que Fr. Gaspar tinha copia.
Domingos de Araujo, pela razão de ser Sargento-mór
da Capitania , tomou posse do Governo militar aos 24 de
Janeiro de 1692 .

VI

A Lapide Tumular de Fr. Gaspar da Madre de Deus


A lousa ou campo de granito que cobria a humilde se
pultura do notavel chronista benedictino - Fr. Gaspar da
Madre de Deus – teve infelizmente a mesma sorte da la
pide tumular de Braz Cubas, o fundador de Santos : Essa
lapide de Braz Cubas foi desapiedadamente arrancada do
primitivo local, e destruida, conforme se lê na « noticia »
fornecida por nós e publicada no « Diario de Santos » , em
1897, por occasião do IV centenario de Braz Cubas, e tran
scripto no folheto que sob o titulo Braz Cubas foi es
cripto e publicado, em 1907, pelo Sr. Almeida Moraes, Dr.
Eugenio Egas e o humilde autor destas linhas. Esse folheto
acha - se hoje transcripto na Revista do Instituto Historico e
G. de S. Paulo.
Desse acto vandalico e impiedoso, como já referimos na
aludida noticia - resultou não só - a perda irreparavel do
epitaphio primitivo de Braz Cubas, com as respectivas datas ,
como a perda e confusão da meşma sepultura, na velha ma
triz de Santos ; pois, quando se quiz proceder á exhumação
dos restos mortaes do fundador de Santos, para serem transfe
rido para a crypta do monumento que então se erigio na
mesma cidade, nada se encontrou .
A sepultura de Braz Cubas não foi encontrada, por que,
a « lousa de marmore polido » que tão desastradamente ha
via substituido a tosca e primitiva Lage, com o verdadeiro
288

epitaphio, não se achava mais no lugar da sepultura, como


tivemos occasião de deciarar á respectiva « Commissão » , no acto
solemne da exhumação dos despojos mortaes de Braz Cubas.

A Lapide de Fr. Gaspar, que marcava o lugar sagrado


de sua sepultura , no mosteiro de S. Bento de Santos, bem
como as lapides de outros prelados e dignatarios da mesma
ordem , que ali eram respeitosamente conservadas, foram tam
bem , como as de Braz Cubas, arrancadas e jogadas fóra,
com o maior despreso : algumas para fóra dos muros do
mosteiro e outras, aproveitadas, como lages, no calçamento
que se fez no pateo externo do mesmo mosteiro.
Quando em 1377 ou 1878, o Sr. Manoel Eufrazio de
Azevedo Marques, andou fazendo excavações nos archivos de
Santos, para a sua obra « Apontamentos Historicos e Ge
nealogicos » , essa lapide de Fr. Gaspar ainda se achava no
respectivo local, d'onde elle copiou fielmente o epitaphio :
« Sepultura do II. R. P. M. Ex - Provincial
Fr. Gaspar da Madre de Ders.
Falleceu em 28 de Janeiro de 1800. >
Falleceu
Vê - se, pela disposição epigraphica, que elle copiou , fiel
mente, essa inscripção, que é a unica que nos dá hoje 0

dia exacto do fallecimento do chronista vicentino, bem como


o unico documento pelo qual se -, pode comprovar essa data,
visto que os assentos de nascimentos e obitos da matriz de
Santos, dessa época, já não existem , como já tivemos occasião
de referir nestas mesmas notas .
Relataremos agora, com a maior franqueza , a fórma por
que foram desmarcadas essas sepulturas e jogadas, para fóra do
Templo, essas preciosas lapides, de Fr. Gaspar e de outros
prelados benedictinos do Convento de Santos.
Em 1892, o sr. Antonio Militão de Azevedo, tendo ad
quirido um terreno , ao lado do mosteiro de S. Bento, pro
ximo a fonte. no patamar da Ladeira que vae dar ao adro
da Egreja, afim de edificar uma casa para sua moradia, pre
cisou fazer no sopé do morro , algumas escavações, afin de
aplainar o terreno. Para isso teve elle necessidade de re
mover algumas pedras que serviram , como degraus, na en
trada da dita ladeira .
Em uma dessas lages, de forma rectangular, descobriu elle,
do lado de baixo, alguns caracteres alphabeticos. Examinando,
com interesse, essa lage esborcinada que servia de degrau,
teve a feliz sorpresa de vêr e lêr ahi o Epitaphio com
pleto da sepultura de Fr. Gaspar da Madre de Deus !
Não tendo, nessa época, frade algum no dito mosteiro,
o Snr. Antonio Militão, recolheu piedosamente a sua casa ,
289

não só essa lapide, como outras mais, com epitaphios, que


ali encontrou nas mesmas condicções.
Quando mais tarde, suggerimos ao nosso amigo Almeida
Moraes, então Presidente da Municipalidade de Santos, a
idéa de fazer-se uma placa de bronze, para colocar como
memoria, no mosteiro de S. Bento, onde föra sepultado o il
lustre chronista Fr. Gaspar, por ter desapparecido a lapide
de granito primitiva, foi então que vim a saber, que essa
lapide havia sido encontrada e, felizmente , guardada pelo
Snr. Antonio Militão de Azevedo .
Tendo então nos entendido com este Spr. , prompta
mente elle acordou em fazer a entrega dessa e de outras
lapides, afim de serem repostas no dito mosteiro.
Nessa época já o mosteiro de Santos estava, ( sob as or
dens de D. Miguel Kruse) entregue ao zeloso frade Fr. D.
Dionyzio Verdin , que havia substituido ao Dr. Fr. Joaquim
do Monte Carmello, que tão relevantes serviços havia pres
tado a esse convento , na restauração do bello retabulo, (óbra
do Padre santista Jesuino do Monte Carmello,) que ali na
quella Igreja foi collocado e inaugurado por ordem de D.
Miguel Kruse, em 1963.
Infelizmente não nos foi possivel repôr essa lapide sobre
a sepultura de Fr. Gaspar, porque, nem eu , nem o coronel
Almeida Moraes, nem D. Dionyzio Verdin , sabiamos o lu
gar em que o iilustre monge repousava, no Presbyterio da
quella Egreja.
Procurando, nas indagações que fizemos, quem teria sido
e o autor » dessa impiedade inqualificavel, para com a campa de
Fr. Gaspar e de outros Prelados da mesma ordem benedictina,
em Santos, cheguei emfim a saber, pelo mesmo Snr. Militão
e por outros moradores da cercania do Convento, que :
esses actos de vandalismo se deram antes do anno de 1892,
na occasião em que se fizeram algumas reformas no pavi
mento do dito convento, então adminittrado por um frade
brasileiro Fr. Baraúna ...

Ultimamente, os monges benedictinos que tem adminis


trado aquelle mosteiro, entre estes o Rev. D. Macario, nas
obras de concertos e melhoramentos que tem feito, encontra
ram tambem , no patio externo do mesmo convento, outras
lapides tumulares, servindo de lages para o calçamento, as
quaes foram recolhidas ao templo e dispostas perpendicular
mente nas paredes da nave.
Entre essas lapides vê- se uma bem notavel pela forma
epigraphica com que está gravada, e pelos bellos caracteres
palleographicos que constituem essa inscripção, a qual nos
lembra os tumulos dos primitivos christàos, nas cryptas dos
90

catacumbas de Roma, anteriores a época « Damasiana > ; como


se vê pela reprodução dessa lapide e das demais, nos clichés
que acompanham este capitulo .

A inscripção da « Placa de bronze » que, por nosso inter


medio, o Snr. Almeida Moraes, em nome da Camara Muni
cipal de Santos, mandou collocar na pave - central do Con
vento de S. Bento. no anno de 1902, conforme se vê no
cliché, é a seguinte :
« Jaz sepultado neste Convento dos Benedictinos, a cuja
Ordem pertenceu e tanto illustrou ,
Frei Gaspar da Madre de Deus,
Nascido a 9 de Fevereiro de 1715 em S. Vicente e fal
lecido nesta cidade, no anio de 1800 .
Paz á Sua Alma e Gloria á Sua Memoria.
Camara Municipal de Santos
22 de Outubro de 1902. »

A inauguração dessa placa não pôde ser feita nessa


data, mas no anno seguinte, 1903, que foi quando ficaram
concluidas as obras da restauração e assentamento do reta
bulo e altar da Capella -Mór, obra do Padre Jesuino, a qual
foi removida de uma Igreja de S. Paulo, para o dito mos
teiro, pelo velho monge benedictino Dr. Fr. Joaquim do
Monte Carmello, como ficou referido.
Nesse retabulo, ao lado do Evangelho, foi tambem , a
nosso pedido, collocada uma placa de bronze, com estes dizeres :
« Este retabulo é obra do P.e Jesuino do Monte Car
mcllo ,virtuoso sacerdote, nascido em Santos, a 25 de Março
de 1764 e fallecido em Itú, a 2 de Junho de 1817.
Camara Municipal de Santos - 1903. »

Em uma das cellas do mesmo mosteiro, ao lado direito


do corredor, foi pela mesma forma, seguado as indicações que
nos havia dado o velho monge Fr. Joaquim do Monte
Carmello — colocada uma outra placa de bronze com esta
instripção :
« Esta é a Cella que pertenceu a Fr. Gaspar da Madre
de Deus.
Foi aqui que elle meditou e escreveu parte das suas obras.
Camara Municipal de Santos 1903 »
Divergencias entre o manuscripto das
Memorias para a historia da Capitania
de São Vicente existente pa Bibliotheca
Nacional e os textos impressos.

Verificado inilludivelmente que o manuscripto da Bi


bliotheca Nacional do Rio de Janeiro, não é o livro ter
ceiro da ovra de Frei Gaspar, como pretendia Fr. Sylvio
Romero, occorreu me indagar do illustre Snr. Dr. Manoel
Cicero Peregrino da Silva se entre o seu texto e os das
edições impressas não havia divergencias como aliás já o
deixárias notado. Teve o nosso sabio consocio a gentileza
de mandar proceder ao cotejo dos manuscripto e das duas
edições do livro de Fr. Gaspar.
As variantes en ontradas aqui as transcrevemos prece
didas da nota recebido da Bibliotheca Nacional .

AFFONSO D'E . TAUNAY .

S. Paulo - Julho de 1915.

Os $ $ 13 e 14 do msc. devem ser intercalados no s


12 do impresso em logar do trecho seguinte que não está
no msc. : « El Rei D. João III sempre fez ..... e vilido
do mesmo Rei » .
O § 134 do msc. deve ser collocado entre o 133 e o
134 do impresso.
A nota 8 do $ 165 deve ficar entre a 1.", 2. " da pag.
110 da edição de 1847 .
A nota 24 do § 166 corresponde á 2." da pag. 115 da
edição de 1847. A parte transcripta está substituida no im
presso pelo seguinte trecho : « Mesmo no tempo da união .....
não se oppupham efficazmente ás suas invasões, trecho que
com pequena differença está comprehendido na transcripção.
292

Livro Primeiro

13. Logo nos primeiros annos deo signars evidentes de o


animarem espiritos generosos. Havia se hospedado
em caza de seo . Pays Gonçallo Fernandes de Cor
dova, por autonomazia o Grão Capitão, e ao des
pedir-se, ordenou Lopes de Souza a este filho, que
o acompanhasse até certo lugar : obedeceo o man
cebo e querendo Gonçallo Fernandes mostrar-se
agradecido ao obzequio, offereceo - lhe no fim da
jornada hum collar de muito preço ; mas o gene
rozo mancebo cortezmente se escuzou de o aceitar,
dizendo, que para sua escravidão bastava a cadea,
com que o prendera a benignidade do Doador . Este
admirado do brio, e discrição do Moço, rogou - lhe,
que ao menos acceitasse a sua espada : não a re
geitou Martim Affonso, e sempre a estimou muito,
por ser o instrumento, com que Gonçallo Fernan
des havia conseguido o nome de Grão Capitão, que
elle dezejou merecer desde o tempo da sua pue
ricia .
14. Deixou a Côrte do Duque de Bragança, a quem servia
seo Pay, e trocon - a pula do Rey D. Manoel. A
hum amigo que lhe estranhou a novidade, respondeo :
( duque pode fazer-me Alcaide -Mór, El - Rey póde
fazer -me duque. Por ser ainda mancebo nesse

tempo, servio de pagem ao Principe, que ao depois


sobio ao trono com o nome de D. João 3.º Por
certo motivo, que sentio como muito briozo , au
zentou - se para Salamanca, e alli se casou com huã
Senhora Castella por nome D. Anna Pimentel, a
qual trouxe consigo para Portugal. Era muito dis
creta, e della se conta , que dizendo- lhe a Raynha
· D. Catharina, quando seo marido estava governando
a India - Dizem -me, que fazeis huàs cazas muito
formozas, para quando vier Martin Affonso ? re
spondeu - lhe -- Senhora, si elle vier pobre, as que
agora temos, nos bastão ; e se vier rico , deve morar
no Limoeiro. Quando voltou de Castella para Por
tugal, jà governava o Principe seu Amo: este tornou
a admittillo ao seo serviço, e sempre fez delle grande
apreço, assim pela sua qualidade, valor e serviços
muito relevantes, como por attenção ao Conde da
Castanheira D. Antonio de Ataide, Primo de Martim
Affonso, e Valido do Rey. ( f)
f) Santa Maria . Anno Histor. dia 25 de Ju
lho, n . 1. Tom . 2 Jaboat. Preamb. Digres. 4. Es
tanc . 1 , p . 45 .
A Cronologia Charlevois demonstra com evidencia, ser
mero patranha tudo quanto elle, e outros referem
293

de Mochéra. Diz o Padre, que este sujeito, retira


va de S. Vicente, desembarcava na Ilha de Santa
Catharina, na qual se não demorava muito tempo
e tornando logo a embarcar a sua Tropa, conti
nuara a derrota para Buenos Aires aonde chegara
em 1537. Por estas contas sahîo de S. Vicente no
proprio anno de 1537 porque as viagens ordinarias
desta Villa para aquella Cidade fazem -se em
muito menos de hum mez . Todos os Eruditos sa
bem , que Martim Affonso na era de 1534 sahîo de
Lisboa para a India com o emprego de Capitão
mór dos mares d’Azia , onde se demora alguns an
nos, sem nunca mais voltar a S. Vicente : segue-se
logo por inegavel consequencia, que este grande
homem estava na India, temido dos Princepes mais
poderozos do Oriente, no mesmo tempo, em que os
Historiadores do Paroguai o representão abandonado
de seos vassallos em S. Vicente, e captivo de Ruy
Moschéra .
165.

Os Portuguezes tem outras colonias nesta Ca


pitania : huâ das principaes he S. Paulo, Cidade
situada imediatamente debaixo do Tropico de Ca
pricornio ( 7) na parte septentreonal da Capitania
(8) 35 legoas do Norte de Santos (9 ).

(8) Supposto que os Donatarios de S. Vicente


possuhirão mais de hum seculo a Villa de S. Paulo,
sem ninguem lhes disputar o seo dominio, contro
verteo -se depois disso, á qual das Capitanias per
tencia, se á de S. Vicente, ou á de Santo Amaro ;
e bem póde ser, que esteja situada em hûa nesga
de terra nunca doada a pessoa alguâ que fica no
meio das ditas duas Capitanias, como direi a seo
tempo liv. ( sic ).
166 .

(24) Os Magistrados, e Governadores Portu


tuguezes huns erão particulares, e outros comuns :
os Capitaens móres, Ouvidores, Provedores da Fa
zenda Real , Juizes Ordinarios, e Camaristas desta
Capitania, intereçavão no captiveiro dos mizeraveis
Indios, como os outros Moradores, e por este mo
294

tivo se prohibirão apparentemente as entradas do


Sertão, para mostrarem , que davão comprimento ás
leis, em segredo as aconselhavão, e favorecião, quanto
lhes' era possivel ; os Governadores, e Ouvidores
Geraes tambem as disfarçavão por zelo indiscreto
da religião, e conveniencia do Estado. Julgavão ser
mais util aos Infieis viverem captivos, mas Chris
taons , entre os Brancos, do que morrerem sem o
Baptismo na sua liberdade, e condemparem -se : re
conhecião, que da escravidão dos Indios dependia a
riqueza , e aumento destas Capitanias ; e os mais
zelozos do bem comum , e aumento da Igreja, erão
por isso os menos solicitos na observancia das leis
oppostas á escravidão. Mesmo no tempo da união .
das duas coroas sobre huâ só cabeça , não podião
tolerar os Magistrados Portuguezes, que os Jezuitas
Espanhoes fossê com suas Missoens estendendo como
por
tentozamente as Provincias Castelhanas ; e
vão havia outro meio de repellir a força e deter
aquelle injusto progresso, senão convindo com a
vontade dos Paulistas, não se oppunhão efficazmente
ás suas invazões.
Depois que se tomou a rezolução de trabalhar
vigorozamente no descobrimento de Minas, e se
conbeceo, que somente os Paulistas erão capazes de
fazer ao Rey este grande servico, o qual elles não
podião emprender sem Indios, occorreo de novo
outra razão forçoza, para se permittir, que os con
duzissem dos Sertoens. Mas tanto que os Senhores
Reys Portuguezes promulgarão as leis novissimas
respectivas a escravidão dos Brazis, e assim os Ge
neraes, como os Ouvidores Geraes se persuadirão,
que devião zelar a sua execução, por terem já ces
sado as cauzas motivas de antes a disfarçarem, logo
todos os Indios , e os descendentes das mulheres
desta gente, forão postas em liberdade, e ninguem
mais se arrojou a hostilizar aos Barbaros .
R.S.M.
Sepultura

lc'diea
pdDaelrelo
fr.=asoval
Mo
D

00
Ex
SJaanr
GPr
18
28
de

Esta é a lapide de Fr Gaspar, que, com as demais , foram encontradas servindo de degraus, na
CD

entrada da ladeira do Mosteiro


ARIM
PREZECENDO
VER.
MGOM.
MOTA
CAT

. 1 3EBRO
SA
SID
DE
FAL
DE
DEZ
186
A2DE

Esta lapide foi encontrada pelo Sor. Antonio Militão de Azevedo , junto á lapide de Fr.
Gaspar , na entrada da Ladeira , servindo de degrau a uma escada
1

:s

FR.MADE

17 54
DESTAGES
Aos 7 & ATO
Lusta FALO
R.P.D.Abb.
SAD.M.)

DeLibonia.
lapide
foi
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,cencontrada
Mosteiro
do
aipateo
virada
nscripção
om
o
calçamento
,servindo
baixo
para
ao
Lage
de
BAPTISTA CEPELLOS
Conferencia realizada na sessão de 5 de
Agosto de 1915
POR

LELLIS VIEIRA
Socio effectivo do Instituto
Baptista Cepellos
Embóra nesta casa se cultue a historia , não é descabido
fallar - se tambem da poesia, pois que esta, como aquella ,
sendo uma das mais altas actividades mentaes, se irmacam
perfeitamente, quando se collimam para a esthetica. As ma
nifestações da emoção humana pela poesia têm sempre pon
tos intimos de contacto com as emoções humanas escriptas
pela historia, porque uma e outra representam a expressão
idealisada ou não. Tácito burilando as mais altas paginas
da sua « Germania » , ou retraçando os seus « Annaeso
Virgilio cantando o naufragio das civilisações da Hellade, ás
margens do Lacio, aicandorando para os cimos da epopea os
heroes gregos em versos de bronze ; Suetonio fazendo em
largos esboços os perfis politicos dos doze Cezares ; Dante
synthetizando na sua immortal « Divina Comedia » a lucta
entre os Goelfos e Gibelinos ; Camões resumindo todo o pé
riplo agigantado da navegação dos luzos no poema immar
cessivel dos « Luziadas » ; todos emfim , poetas e historiadores,
andaram sempre irmanados, quasi que, tornando synonimos
-- Historia e Poesia .
Não está portanto desadrede, trazer para o culto deste
sodalicio o nome de um dos mais alevantados engenhos poe
ticos, de um dos mais galhardos manejadores da penna, que
se chamon Manoel Baptista Cepellos. Não foi um historia
dor o poeta dos « Bandeirantes » ? Quen como elle cantou
as arrancadas épicas das bandeiras paulistas, invadindo flo
restas, vadeando rios, galgando montanhas, saltando catara
ctas. com a fé no coração , com o sorri- o nos labios, abro
quellados de perseverança, escudados de coragem em demanda
dos confins da nossa patria, a procura de ouro e de pedrarias,
bem pode ser poeta e historiador.
Vejamol-o neste soneto :
AMADOR BUENO

( Proclamado Rei de S. Paulo a 1 de Abril de 1641)


S. Paulo se alvoroça. O povo amotinado,
Como um rio a rugir para fóra do leito,
Alevantando a voz, num poderoso brado,
Prega a revolução em nome do Direito !
304

Aqui não ha de ser D. João IV acclamado


E o jugo portuguez ha de cahir desfeito ! »
E cada cidadão se ergue como un soldado,
Sentindo um referver de enthusiasmo no peito !
E , num grito geral , num vigoroso aceno
Eis a proclamação que nos ares rebôa :
« Viva o Rei de S. Paulo, o grande Amador Bueno ! »
Mas o nobre paulista afasta o movimento,
E , inabalavelmente, engeitando a corôa,
Desapparece no mosteiro de S. Bento !
Ha nos « Bandeirantes » , poema historico, em cada verso
alexandrino ou decassylabo , em cada estancia, no boleio de
cada en j’embemin sonoro , todo o scenario evocador de uma
bravura inegualavel, de uma epopea ivaudita, velada pela
forma mais rutilante de uma musica embaladora, onde o
sonho se entrelaça com a realidade, a docilidade de um ca
rinho com as violencias do esforço ; onde cada verso parece
photographar um canto da nossa natureza e relembrar um
episodio de galhardia innata da nossa raça de paulistas .
Mas, desde que mostramos a razão de Baptista Cepellos
ser lembrado neste recinto, como poeta historiador, permitti,
que o recorte nos tambem sob a sua feição mais caracteris
tica, em que a sua individualidade tem um aprumo fulgu
rante ; a feição ampla de poeta parnasiano, lyrico , decadente .
symbolista e philosopho.
Ninguem mais do que elle tinha a ambição da gloria,
a necessidade impreterivel de amar a vida, como requintado
epicurista.
Cantar o ainor em todas as suas modalidades, desde a
ternura com que Casemiro sabia entretecer nas malhas da sua
poesia toda subjectiva, até ao arrebatamento de uma luxu
ria candente ; ou então, cheio de uma espiritualidade, ora
· philosophando alto, ora descendo ás cousas terrenas como um
materialista, Cepellos o soube como ninguem . Vejamos o
seu lyrismo nestes versos :
PHASES DA VIDA
I

Encontraram -se os dois, um certo dia.


Como foi decisivo esse momento
Que os ligava na mesma sympathia,
Inspirada no mesmo sentimento !
No seio de ambos , onde o amor batia ,
Numa plethora de renascimento,
Um roseiral de aspirações se abria ,
Sob a luz germinal do firman ento.
305

E elles viam por toda a patureza,


Numa folha que ao vento sussurrasse ,
Um jurado protesto de firmeza !
Que delicioso, que perfeito enlace !
Quem dera que, na humana correnteza,
Esse instante de amor se eternisasse !

II

O arbusto se fez arvore frondosa,


Opulenta de seiva e de verdores ...
E, altos, cantando, na amplidão radiosa ,
Rejubilavam sóes fecundadores !
E a arvore, em que depois rebentam flures
Entre gorgeios, na manhã formosa ,
Revestida de luz e de esplendores,
Desnastra a cabelleira victoriosa !
Depois da flor... bemdito seja o fructo !
-- Da primavera que não tem abrolhos,
Doce lembrança, natural producto .

Bemdito seja, entre os rendados folhos ,


Esse que, á luz da vida, alvo e impolluto,
Abre no berço os pequeninos olhos ...

III

Annos vieram e foram . Mas o certo


E' que, apezar do tempo e da mudança ,
O bercinho jamais se viu deserto,
Vem deixou de emballar uma criança .
E as crianças cresceram . Rumo incerto
As levou pela vida, na esperança
De alcançarem no mundo, longe ou perto,
A illusão que no mundo não se alcança...
E agora, murchecendo lado a lado,
Vêem os velhinbos que, do amor sonhado,
Só a memoria sarcastica perdura !
E estas boccas, sem dentes nem desejos,
Já vibraram de amor, cheias de beijos ,
Enlaçados no goso e da loucura !
306

IIII

A batalha da vida é tão mesquinha ,


Que um punhado de poeira é o seu trophéu
Quando a sombra da morte se avisinha,
E envolve a natureza como um véo !

E , emquanto o corpo humano se encaminha


A’ lama original, que é o seu labéo ,
A alma que adora a luz, como a andorinha,
Revoluteia pelo azul do céo ...
E os bons velhinhos, pelas noites calmas,
Chorando de praser, vêem duas almas,
Irem subindo, num luar em flor ...
E Deus consente que, immortal e bella,
Na doirada pupilla de uma estrella,
Se eternise uma lagrima de amor !
São quatro sonetos repassados de uma delicadeza de
dizer e de uma sensibilidade de sentimento , que ao lel - os .
a sua musica suave , cheia de uma doçura embaladora , mais
parecem minuetos rimados, tal a vaporosidade da forma e a
belleza da phrase illuminada.
E' um lyrico fidalgo, que sabe vestir a simplicidade do
thema, com a roupagem polycolor do estylo e da expressão.
Ouçamol- o agora, poeta parnasiano :
MODELO

Alta e branca, de pé, os cabellos em cacho,


Cahindo, hombros abaixo ...
E, emquanto a carne em flor, inteiramente núa,
Palpita como a Lua,
Eil-a que, num pudor de Nympha receiosa,
Curva a fronte graciosa,
os dois braços em cruz, macios como juucos ,
Leva aos seios aduncos ...
Estremece de medo ... olha em torno ... mas tudo
Jaz num extase mudo :
A pedra , a viração, o passaro, o arvoredo,
Tudo fala em segredo ...
E, sobre os pés de prata, o rio, que deslisa,
Nem sabe como pisa ...
E as correntes azues, que vão passando, ao vel-a,
Dizem : « Divina Estrella .
Não fosse a maldição eterna da corrente
Correr eternamente ,
E , as conchas de teus pés, cantando a ultima endeixa,
Cessara a nossa queixa ! »
- 307

E, assim, uma por uma, as correntes em bando,


Vão correndo e chorando ...
E ella , sem dar ouvido a esses ternos lamentos,
Trabalha em pensamentos ...
Junto ao flanco direito, a mão esquerda espalma ,
E, scismadora e calma,
Apoia sobre a mesma o vertice perfeito
Do alvo braço direito .
E , á mão dextra inclinando a cabeça risonha,
Cerra os olhos e sonha ...
E o cabello, cahindo, em negligentes ondas,
Nas espaduas redondas,
Vae descendo, descendo, a morder-lhe a epiderme,
Como um faminto verme.
E, á altura dos quadris, vão podendo ir adeante,
Pára e diz soluçante :
« Ah ! que bom não seria escorregar por entre
A curva do seu ventre ,
E cingir, e apertar, as suas alvas coxas.
Até ficarem roxas !
E, em seguida, envolver -lhe as deliciosas pernas
Em cadeias eternas,
Para que nunca mais, doidejando sem pejo,
Vão atraz do desejo !
E depois de beijar seus pésinhos macios,
E conseguir, por fim de alto abaixo envolvel a,
Ver a noite cruel destes escuros fios
Palpitar ao clarão dessa Divina Estrella ! »
Aqui, temol -o então o artista perfeito, na torturante
belleza da phrase, no burilado fino do verso e na torcedura
cantante da rima
Sob a mesma constellação do seu formoso talento, es
culpe ainda, os versos magistraes nas poesias, « Tentação do
Demonio» , « Decadencia do mar, e por fim os « Barbaros » ,
onde o poeta paraphraseando Flaubert, cinsela a revolta dos
mercenarios de Carthago .
Mas, ao nosso ver, permita - se - nos a audacia, Cepellos
se altea superiormente como pensador, quando se nos apre
senta naquelles soberbos quatorze versos da « Comedia Re
ligiosa » . Ouvi - a :
Cego de presuinpção, a arrebentar de orgulho,
Erguendo para o céu a cabeça leonina,
Entre um mar de paixões que o afoga em seu marullio,
O homem quer elevar-se A quelle que o domina !
E o mysterio recủa... Então como em tortulho
A blasphemia do incréo na sua alma germina ...
E, sumida a Consciencia em putrido mergulho,
Nem de longe ha de ver a Promissão Divina...
308

E , quando para o azul as pupillas eleva,


Clama : « Luz mentirosa ! antes o firmamento
Nos envolvesse o olhar num cingulo de treva ! »
E sempre esta comedia e este aborrecimento
Do homem , que não tem fé, procurar pela Altura
O Creador que está na propria creatura !
Ainda como pensador, como poeta philosopho elle es
creveu estes castissimos alexandrinos :

A' SCHOPENHAUER
A náu das illusões afunda - se nos dias,
Em que hão de naufragar os seculos tambem ,
E cada coração é como um Jeremias,
Chorando sobre o pó de una Jerusalem. ..
· Gelam sóes na amplidão ; sossobram continentes ;
Nasce uma geração, morre outra geração ;
Abate-se o poder dos reis omnipotentes ;
E o tempo destruidor assopra a destruição.
Tudo passa na terra, onde nada é perfeito :
A bocca da mulher e o calice da flor,
No fim de uma estação, como um sonho desfeito,
Perdem conjunctamente, o perfume e o viçor.
Muito vale o saber estudar o destino
Dos homens, atravez deste mundano mar...
Em vào ! O sabio morre, assim como o cretino,
E o riso da caveira é sempre um riso alvar. ..
Gloria ? Não ha mulher mais perfida que a gloria
Vaidade que enlouquece as alma « juvenis !
Ter um septro na mão, ter um nome na historia. ..
Escutemos, porém , Salomão o que diz...
Fausto ! De que valera a juventude e a vida,
Si o teu sonho de amor, como um sonho qualquer,
Havia de cahir aos pés de Margarida,
Exausto de fartura e velho de praser ?

Obliteram - se as leis ; corrompem -se as doutrinas ;


E o homem , a padecer, num desespero crú,
Procura neste mundo as tradições divinas,
E o mundo mais parece obra de Belzebuth !
Cai uma religião, como a folha outomnica,
E a nossa vasta sciencia, Hamleto, como é vã !
Si não ha Deus, não ha razão, não ha justiça,
E, peior que o dia de hoje, é o dia de amanhã !
309
Existe uma verdade : é a Dôr, a dôr eterna,
Esta, não ha fugir : é sombra e vae atraz !
Monstro mais infernal do que o monstro de Lerna,
Nem da terra da morte ella nos deixa em paz !
E ' triste alevantar os olhos para cima,
E ver, como no chão, a velha poeira astral...
Finda- se o inverno.Vem a primavera opima,
Varia a enscenação. Mas permanece o Mal !
Ao poço de Jacob , numa seccura louca ,
Nossa alaa vae beber , como a linda Rachel, ..
Debalde ! o coração nos amarga na bocca ,
Amargurando - a mais, que uma esponja de fel !
O soffrimento é a lei mais forte do Universo,
Onde a vida mais bella, é pobre como Job .
Existir é soffrer. Soffre o bom e o perverso.
Vào soffrerá somente o Inconcebivel ! só !
Por isso mesmo é que, Schopenhauer querido,
Mestre, cuja palavra é um caustico de luz,
Nunra poderá ser o teu nome esquecido,
Por nós, Christos sem fé pregados numa cruz !
Bemdito sejas tu , semeador da verdade,
Bemdito sejas tu , verdadeiro Moyses,
Dos que vão a tactear , na immensa escuridade,
Ensauguentando as mãos e evsanguentando os pés !

Sente-se em todo este poema de desfallecimentos e in


certezas, de duvidas e de pezares, toda uma alma inquieta
que se debate nos torvelins de uma vida que se agita ,
descendo os ingremes declives da desillusão. Ha naquelles
versos lapidares, gemmas rimadas, a silhouete impressionante
de uma dôr, que vem sendo gemida, cantada e sentida pelo
ermo de uma existencia vasia...
Cepeilos não é grande somente, quando escreve, quando
plasma, modéla em versos, as suas emoções, os seus sonhos,
os seus sentimentos, os seus pensares ; é grande tambem ,
quando verte para esta lingua, herança dos luzos, as pro
ducções soberbas dos poetas que condensaram em linguas que
nào a nossa, os seus pensamentos, e as vibrações das suas
almas. E ' um traductor de pura linhagem . Se a poesia é
, traduzindo os bardos
alta, lavorada, emotiva, artistica emfim no
de outros idiomas, iguala - os sempre, mesmo arrojo da
imaginação, na mesmo forma do verso, no mesmo apuro da
linguagem , no mesmo encadeamento do pensar.
Traduzindo Stechetti, elle é Stechetti. Quando verte para
o vernaculo aquelle supremo artista que se chamou Bau
310

delaire, então Cepellos parece que se - lhe irmana, parece que


o copia, parece que se transfunde no proprio auctor.
« Harmonia da Tarde » de Baudelaire, se Cepellos a hou
vera escripto , Baudelaire a pudera assignar. Ahi o poeta
traduz- lhe toda a orgia daquellas phrases em que não se
sabe que mais admirar : a cor ou a musica, a forma ou o
sentimento .
Os versos « Maripha » de Paul Verlaine, vertidos pelo
posso poeta, são maravilhosos de perfeição. E' o proprio
Verlaine : simples, elegante, terso, original, fino, couservando
o donaire, a graça e a arte de Verlaine. Era esta uma das
faces, tambem do seu vigoroso talento. Baptista Cepellos,
ao lado de um exhuberante poeta, é tambem um prosador e
um romancista. Neste ou naquelle genero de litterat'ıra,
como o é tambem na poesia, manifesta - se sempre um escri
ptor de raça, um vigoroso artista da palavra escripta, ma
nejando a lingua com desgarre, escrevendo com perfeição e
claresa, amaneirado e gentil, sabendo dizer com precisão,
dominando emfim « a bravura da phrase portugueza » , como
elle proprio dizia. Como prosador, abi estào as pagidas ful
gurantes dos « Os corvos » . Abri quaesquer dellas : < A Theo
ria da formosura» , « Os Milagres» , «Nostalgia do verde ,
« A dança das varejeiras », « Belleza posthuma , « A Noiva » ,
« Depois do diluvio » , todas emfim que, tratadas como são
num alto requinte de estylo e sonoridade, de leveza e finura,
bastariam para firmar o brilho e a reputação de um escriptor.
Vejamol- o nesta pagina :
AO FIM DO DIA

« Sobre a sangrenta derrota de mais um dia'


se distende a aza vulturipa da noite. Salve, bem
dita paz das trevas e da morte ! A enxada do
lavrador cessa de morder a terra e a espada do
guerreiro entra na bainha, como a cauda flamivo
ma de um cometa mergulba no espaço.
Os homens dormem nos seus leitos, como as
feras repousam nos seus antros. A face das estrel
las sorri nos altos , sardonicamente sorri dos sonhos
tolos que os homens sonham emquanto dormem .
Os homens sonham ... cousa admiravel ! No
entretanto, este dia passado, ao se engolphar na
eternidade, deixou para os outros que hão de vir
successivamente , uma farta messe de maleficios .
Ah ! não se pode viver impunemente um dia, entre
tantas ambições e contrariedades, que se entrecru
sam como balas num campo de batalha, sem que a
nossa alma, ao cair do sol , apresente o signal de
uma ferida ! O homem que tem basofias de Rei,
não passa de um recrutado da Vida : marchar é o
sen dever. Amanhã, quando a galante aurora de
311 -

Homero abrir no horisonte os seus finos dedos ro


sados, cada homem ao levantar - se, sentirá sobre os
hombros a força de uma formidavel mảo de ferro,
a empurral- o para a frente ! E o infeliz seguirá
como um galé e tomará o seu logar nas fileiras do
trabalho.
Levantando palacios, propagando idéas, ou di
rigindo naves, o homem cava. Cavar é o seu officio,
que não só do coveiro. Ao fim da lida, está aberta
por suas proprias mãos a sepultura, que antes de
receber o seu cadaver, já devorou todas as corôas
de sonhos que lhe aureolavam a arrogante cabeça !
Eu, por minha parte, saudo alegremente o des
apparecer de cada dia, porque, a cada dia que
desapparece, avanço mais um passo no caminho da
liberdade e arreio dos hombros cançados uma boa
porcentagem do peso mortificante que carrego. Mais
um dia de vida , menos um dia de miseria. Mas ,
como os dias são lentos e a vida progressivamente
se torna mais insupportavel, eu ás vezes tenho im
peto de atirar a carga ao diabo, e dar um mergu
lhão na eternidade ! »

Poeta complexo, prosador de alta estofa , temos Baptista


Cepellos, romancista. Nesta manifestação da sua vibrante
intellectualidade, elle o é tambem de escol. Escreveu um
unico romance ( l’il Metal. E' uma obra de observação,
de profunda psychologia, de uma bella naturalidade de estylo
e de surprehendente movimentação. Assumptada em costu
mes, habitos e personalidades communs , o romance tem no
entretanto uma forte rajada de vida, desenrolando-se em

magnificos dialogos e descripções soberbas de tintas e colo


ridos. Percebe-se sempre, em toda a obra, aquella empol
gante mestria de sua phrase, cuidada e brunida, faiscante
de precisão. Quando faz relampejar a sua chispante ironia,
o vocabulo sae-lhe da penna magica como pingo de fogo .
E sempre . do começo ao fim do livro, o arco - iris do seu
talento, illuminando -lhe a phrase lapidar, pompea e deslumbra.
Assim um só romance , que é um escrinio de periodos
rutilantes, basta para elevar Cepellos á culminancia do re
nome que conquistou como poeta prosador.
O conjuncto de manifestações intellectuaes de Manoel
Baptista Cepellos, enfeixado nas suas obras : « A derrubada »,
< () cysne encantado., « Os corvos » , « Os Bandeirantes », « Vai
dades » e o « Vil Metal», surgiu com desassombro no meio
literario do paiz. E foi tão victorioso o seu apparecimento ,
tão galhardos os seus talentos, que a sua fulgurante indi
vidualidade mental se impoz como um vencedor.
Apparece primeiro como poeta e O seu verso , não é o
trabalho paciente de um medidor de syllabas, nem de um
garimpeiro de vocabulos retumbantes ; não é a monotonia
312

ronceira da rima, achada suarentamente nos cascalhos dos


lexicons . Nào.
Na sua estrophe, no languor ou na vivacidade da ex
pressão, precisamente se engasta uma Idéa alta, uma philo
sophia austera, um pensamento profundo. Não ha pa sua
poesia, a phosphorecencia vasia de tropos abracadabrantes :
ella se espraia, voluptuosa ou dolente, reçumando sempre um
motivo ensinador , ou sorrindo discretamente das banalidades
terrenas, das parvoeiras da vida ...
Cepellos, avesso a evidencia, no turbilhão do mundo,
não escalou as invias cercanias da politica, nem se alçou ás
posições proeminentes pelo seu temperamento recluso e por
um infundado modo de ver os homens ... eis, porque tem
sido pouco lembrado. O Artista das « Vaidades » via a massa
humana atravez de um prisma desolador de travos e amar
guras ; parecia que a sua alma, engolphada numa mysan
thropia perenne, vivia debaixo de um temporal de lagrimas !
Talvez que o seu espirito de moço tivesse surtos de
esperanças e ambições, polarisasse a imaginação azul aos
sonhos ; mas, de chofre rolava dessas alturas ephemeras, para
uma realidade fria do necropole. Conquistas brilhantes que
sonhasse, ideaes gloriosos que tivesse, horisontes cor de rosa
que antevisse, elle proprio apunhalava. Dahi, talvez, o seu
livro, « Surtos e Quedas » .
A morte do desventurado poeta foi um poema vivo, que
elle mesmo escreveu e elle mesmo representou. Diz elle nos
« Os Corvos » :
« Assim o homem de genio, cançado de mergulhar no
abysmo do coração humano, onde tantas scenas dolorosas se
passam, enfara-se de tudo que o cerca, e sente um profundo
desgosto de si mesino .
Então a sua alma, sequiosa de infinito, se desprende e
se eleva bem para cima, bem para longe ! E , lá de longe,
lá de cima, a Terra lhe parece um fructo podre, onde os
homens vaidosos pullulam como vermes ... »
Elle reproduziu a scena ao vivo ... para morrer... en
farado do formigueiro humano da cidade, acoitado talvez
pela injustiça dos homens, com a alma combalida por tantas
dores, vinda já de muito soffrer, com o coração gelado de
indifferenças e torturas, com o espirito arroxeado de desil
lusões e todo elle , uma dor incuravel e um osco profundo
pela humanidade, subiu um dos mais altos morros do Rio de
Janeiro ... olhou ainda uma vez a cidade, philosophou sobre
a amalgama humana que tanta cicatriz lhe deixara na vida,
fixou atravez das suas lunetas de myope, a eclosão das luzes ,
lá em baixo, vibrando na escuridão da noite, e num impeto,
e num arranco, e numa decisão firme e irrevogavel, de quem
anceia e palpita pela liberdade, voltou -se para o ceu es
campo , recebeu na larga fronte o beijo Inminoso das estrel
las e despenhou - se do alto da montanha, como um astro que
se desloca, dando « um mergulhão na eternidade» .
UNIÃO CENTRO AMERICANA
PELO

Dr. Leopoldo de Freitas


Socio effectivo do Instituto
1
UNIÃO CENTRO- AMERICANA

« O general Justo Rufino Barrios foi o valente caudilho


da União Centro - americana . Dissolvido em 1839 o accordo
federal de dezembro de 1823, que creou as Provincias Uni
das, o Estado de Guatemala cahiu sob o dominio tyrannico
dos conservadores, que durou trinta annos : até 1871 quando
o grande reformador liberal ergueu pas alturas de Tacaná
a bandeira da revolução, e triumphante, com o tribuno e
jurista dr. Miguel Garcią Granados novos horizontes des
vendaram - se aos destinos da Patria .
Libertador politico e no exercicio do poder, o general
Justo Barrios, reconstruiu a administração da Republica, em
prehendeu melhoramentos materiaes da importancia do plano
de viação -ferrea inter - oceanica, actualmente executado e em
trafego ; telegraphos e correios ; reformou a instrucção pu
blica , regularisou as finanças e disciplinou o exercito ao
ponto de preparal- o para a grande campanha militar do
restabelecimento da União dos Estados de S. Salvador, Hon
duras, Nicaragua e Costa Rica , em 1885.
Foi este o seu luminoso ideal de patriotismo, centro
americano : a unificação das cinco Republicas.
Principiou a preparar o terreno em 1876 agradavdo ao
povo de S. Salvador ; celebrou um accórdo com o governo
desta Republica irmã e do mesmo modo procedeu com o
presidente de Honduras, o liberal unionista dr. Marcos Au
relio Soto « para que se unificassem os interesses dos tres
Estados soberanos nas suas relações internas e exteriores » .
Nicaragua e Costa Rica prometteram a sua cooperação
no caso de resolver -se alguma cousa quanto á nacionalidade
commum .

Mas, o dr. Rafael Zaldivar, embora promettesse que a


Republica do Salvador, da qual era presidente, desejava
firmemente acompanhar a confederação centro - americana
encontrava pretexto para escapar ao convenio, dizendo que
este dependia do voto da Assemblea legislativa ; que a si
tuação era difficil e que o seu governo luctava contra uma
opposição forte .
Assim foi, a Republica de S. Salvador, eximindo - se, até
o anno de 1884, de adherir em definitiva ao presidente de
Guatemala e, o dr. Zaldivar deixou o poder executivo do
seu paiz para ir á Europa.
- 316 -

No anno anterior, 1883, o i!lustrado presidente de Hon


duras, dr. M. Aurelio Soto, renunciou o cargo e a 30 de
novembro foi substituido pelo general Luiz Bográn, que se
mostrava de accórdo com o presidente Barrios, de Guatemala.
O dr. Zaldivar voltou de sua viagem e reassumiu o go
verno da Republica de S. Salvador, tendo recomeçado as
negociações politicas com o general Justo Barrios, com quem
conferenciou acompanhado pelo general Bográn , chefe de
Estado de Honduras, trocando-se cortezias e expressões de
amistosa reciprocidade, para a coufederação das tres Repu
blicas, e promessas de esforços bons para a acceitação de
Nicaragua e Costa Rica.
Deante destes antecendentes, o general Justo Rufino
Barrios acreditou na opportunidade para realizar - se a União
e a 28 de fevereiro de 1885 baixou o decreto proclamando - a,
sob a forma unitaria .
Em consequencia, elle assumiu o commando militar, na
qualidade de chefe supremo do poder publico até que as
outras nações se unissem definitivamente .
Foi , tambem , convocada uma Assemblea Constituinte,
para a qual cada Estado designaria quinze representantes
para redigirem o projecto da Carta fundamental da Repu
blica Centro - americana e determinarem a fórma e o tempo
das eleições presidenciaes, assim como escolherem a cidade
para capital nacional.
Pelo decreto de 28 de fevereiro, a bandeira da Repu
blica da União seria a mesma, azul e branco , de Guate
mala e o escudo d'armas « um Quetzal pousado numa co
lumna em que houvesse escripta a legenda : « Liberdade e
Uniảo 15 de Setembro de 1821 – 28 de fevereiro de 1885 » ,
E' o que consta do sexto capitulo da « Historia da Ame
rica Central», por d. Antonio Villacorta ; « Las Republicas
Unitarias ».
Resta vêr, porém , depois deste accórdo, qual a attitude
dos governos de Nicaragua e Costa Rica .
Nenhum dos dois se conformou com as disposicões do
general Barrios, apesar das promessas feitas anteriormente
pelo presidente de S. Salvador, dr. Rafael Zaldivar e se

preparavan para reagir.


Governava o Estado de Nicaragua o dr. Adão Carde
nas, que recebeu a communicação official de se achar pro
clamada a União Federal. Elle a levou ao conhecimento da
Assemblea Legislativa, a qual declarou , a 8 de março, que :
« A Republica nicaraguense não acceitava a dictadura
militar que o presidente de Guatemala pretendia impôr ao
Centro - America e que energicamente repelliria qualquer
tentativa que lhe fizessem » .
O presidente Cardenas despachou emissarios para os Es
tados de Costa Rica e Salvador ; ordenou a mobilisação do
exercito, ao mando do general Florencio Zatruzh, para au
317

xiliar as forças militares de S. Salvador já em lucta com as


de Guatemala.
Pela sua vez, o presidente de Costa Rica, general Pros
pero Fernandez, enfermo em Arenas, recebeu o emissario
enviado de Nicaragua e deu conhecimento ao ministro das
relações Exteriores de tudo o que occorria .
A Camara Legislativa reuniu -se extraordinariamente,
rejeitou o decreto de 28 de fevereiro, auctorizou a defesa
nacional , com a formação de um exercito de cinco mil ho
mens para guardecer a fronteira e tomar parte na guerra.
Era violenta a comoção politica.
O presidente Prospero Fernandez não vio a terminação
do conflicto porque falleceu em meiados de março e foi
substituido pelo dr. Bernardo Soto.
Não ficaram indifferentes a esta situação da America
Central, as duas importantes Republicas visinhas Mexico e
Estados Unidos, mesmo porque os governos de Nicaragua,
Costa Rica e Salvador dirigiram notas ás chancellarias me
xicana e porte - americana impugnando o procedimento do
general Barrios, presidente de Guatemala e solicitando que
ambas se oppozessem a esses projectos de confederação unio
nista.
0 general Justo Barrios, homem resoluto e patriota,
convencido da superioridade dos seus planos e intenções para
crear
uma só Republica forte e grande, expediu a 9 de
março uma proclamação geral declarando que :
« Não aspirava a presidencia da America Central, que
estava deliberado terminantemente á recusal- a e que não
podia admittir a supposição de que para dar um passo tão
importante, houvesse influencia de algum interesse mesqui
nho ; offerecia -se á ser o primeiro em dar o exemplo de res
peitar e sustentar aquelle que os povos elegessem ».
O presidente dos Estados Unidos, mr. Grover Cleveland,
manifestou desagrado pelo acto do General Barrios e orde
nou a sahida de navios de guerra para os portos maritimos
da America Central, para protecção dos interesses dos cida
dãos norte - americanos.
O general Porfirio Diaz, presidente do Mexico, ordenou
a mobilisação de forças militares na fronteira occidental de
Guatemala e declarou mais que não permittiria que se rea
lizasse a unificação confederada dos Estados Centro -americanos.
- Ao intrepido general Justo Barrios cumpria o dever de
resistir contra aquelles que o illudiram e o conduziram á
aventurar-se ao emprehendimento de cousas politicas de tanta
importancia internacional.
Em face da attitude francamente hos til dos seus adver
sarios, organizou um exercito de quatorze mil e quinhentos
soldados, formado de divisões collocadas nos departimentos de
Jutiapa e Chiquimul, nas fronteiras de S. Salvador e Honduras.
No dia 23 de março, elle deixou a capital de Guatemala,
acompanhado de um luzido estado -maior, em que se achavam :
318

n marechal Victor Zavala, os generaes José Beteta e Pedro


R. Negrete, officialidade respectiva e uma guarda de honra
commandada pelo tenente -coronel Pedro Ramos.
A 26 , chegava a Jutiapa o chefe supremo do exercito
guatemalense , a 28, depois da reunião de um conselho de
commandantes, determinou a formação de tres alas que de
viam de avançar até as fronteiras, ficando a ala do centro
debaixo de sua direcção, approximar-se de Chalchuapa para
impedir ás tropas salvadorenses a estrada de Sant'Anna.
A 28, a brigada Girón occupou as posições de Chingo,
enfrentando com o inimigo em del Coco ; a 30 o general
Barrios chegou a Chingo, tendo neste dia e no dia 31 de
março combatido nos ataques de Coco e S. Lourenço, desalo
jando os salvadorenses graças ao fogo de artilharia contra as
suas trincheiras.
S. Lourenço era tambem um ponto fortificado e defen
dido pelo general Regino Monterosa, que retirou, vencido
pelos unionistas.

Voltemos a nossa attenção para o que faziam os adver


sarios do general Justo Barrios.
Na Republica de S. Salvador, o presidente Zaldivar le
vantou e mobilisou um corpo de exercito, ao mandu do ge
neral Lisandro Letona, na linha do Oriente ; outro corpo de
exercito ficou ao Norte, para que operasse sobre Chaltenango
ao mando dos generaes A. van Severeu a Jesus Parrilla ; fi
nalmente, o exercito do Occidente, sobre a fronteira de Gua
temala, ao mando do general Adão Mora .
Estabeleceu-se o quartel-general em Sant'Anna e a 19
de março alli chegou o presidente da Republica dr. R. Zal
divar.
Foram fortificadas as posições de Almachapan, Portezuelo
e Chalchuapa.
Honduras não procedeu deste modo.
O presidente general Bográn era unionista e acceitou o
decreto do general Justo Barrios, de 28 de fevereiro, approvado
pela assemblea legislativa da Republica. Tendo transmittido o
governo ao dr. Ponciano Leiva, o general Bogran assumiu o
commando do exercito e foi installar o seu quartel general
em Choluteca, para resistir ás tropas de S. Salvador que oc
cupavam Pazaquina, e, tambem ao exercito de Nicaragua que
avançava ao mando do general Zatruzh, seu chefe.
- Vai seguir-se a acção de Chalchuapa. Nesta campa
uha nacional do anno de 1885 ficou historico o logar em que
tombou ferido mortalmente o intrepido reformador, o presi
dente da Republica de Guatemala .
A 2 de abril o general Justo Rufino Barrios chegou do
manhà á fazenda de Santo Antonio , com o seu estado maior
o parou na entrada da casa de Santiago Perdomo.
3 :9

Desde - 31 de março que elle tinha mandado as brigadas


Reyna Barrios e Camilo Alvarez avançarem sobre a posição
de Chalchuapa e bombardear com artilharia : combate que
durou das onze horas do dia ás 4 horas da tarde.
O plano de batalha foi determinado pelo general Justo
Barrios para o 2 de abril , ordenando então o movimento das
brigadas Alvarez e Molina sobre a estrada de Sant'Anna,
emquanto o general Monterosa interceptava o de S. Lou
renço, o coronel Girón recebia ordens para atacar e apode
rar-se da Casa Blanca, uma posição vizinba de Chalchuapa e
bem defendida.
A's oito horas da manhã o fogo estava generailzado e
as vantagens do ataque eram favoraveis ao exercito guate
malense.
São interessantes os detalhes do que antecedeu ao ins
tante da morte do chefe supremo que dirigia as forças em
penhadas naquella peleja pela aspiração da União Centro
Americana .

Conta um documento desta época guerreira e de ideaes


politicos elevados, que o general Justo Barrios chegou a ca
vallo e parou para falar com o dono da casa, perguntando-lhe :
Que é da força que estava aqui ?
Sr. : Não havia força neste logar.
Fale-me a verdade, porque se não ...
General, estou acostumado à dizer sempre que é
verdade .
Então que gente era a que de longe se avistava aqui ?...
A gente que v. exa. viu quando começou o bombar
bardeio, sahiu hontem mesmo da fazenda, é a mesma que
agora se apresenta para saudar v. exa . , a qual sáe dos ter
reiros de café ...
O general Barrios convencido do que dizia o sr. Perdomo
voltou- se para aquella gente e assim falou ás mulheres, ame
drontadas : “ Não tenham receio , minhas filhas ; nada lhes
acontecerá ; quero que preparem algum alimento para os meus
soldados .
Dirigiu - se depois para a sua escolta, para prevenil
a de que não comettessem desordens e recommendou que
tratassem como irmãos os inimigos . Ouviram -se então vi
vas ao geueral Barrios e á União Centro Americana !
Apeou -se o general Barrios e pediu para falar em par
ticular com o sr. Perdomo ; do qual indagou que distancia
estava da povoação ?
Pouco mais ou menos quatorze quadras.
O general Barrios perguntou ao commandante Isaias
Llanos , que se achava proximo será exacto o que disse
este senhor ?
320

- Sim , é exacto, sr. presidente, eu aqui foi educado e


conheço perfeitamente o logar. Confirmo o que disse o sr .
Perdomo, que é um homem de bem .
As trincheiras a que distancia estão da povoação ?
Ficam á esquerda ...
Qual o numero das forças em Chulchuapa ?
Sr. : a esta pergunta nào sei responder ao certo ;
fala -se porem , que orçam por uns quatro a cinco mil ho
mens .
Bom , isto é de pouca importancia. Chamou o te
nente commandante Isaias Llanos e disse-lhe : reuna cem
homens do seu batalhão e marche à frente ; não tenha me
do porque eu sigo atraz, se puder entrar pela estrada fran
queie logo .
O general Barrios levantou -se do banco em que se as
sentára e sahiu .Elle mesmo mandou desfilar os cem sol
dados e com o seu estado maior acompanhou -os na reta
guarda.
Poucos momentos depois travou-se o combate , de parte
a parte houve um chuveiro de balas de fuzilaria. O exter
minio desdobrava o seu manto de luto e desolação sobre os
campos de Chalchuapa .»
Eram pouco mais ou menos dez e meia da manhã, es
creveu o sr. José Garcia Aguirre.
Da fazenda avistou-se um grupo de homens conduzindo
um corpo envolvido na bandeira nacional. « Era o cadaver
do general Justo Rufino Barrios, que acabava de tombar no
campo de batalha... »
Outro escriptor contou que um ajudante do coronel Gi
ron veiu trazer ao general em chefe uma communicação
grave e que este passou para frente do batalhão, comman
dou o assalto a Casa Blanca ; foi quando uma bala feriu - o
mortalmente .
Nesta situação de verdadeira difficuidade, o general Fe
lippe Cruz assumiu a direcção do exercito e ordenou a re
tirada .
Tal foi o desenlace militar da batalha de Chalchuapa .
Na capital de Guatemala celebra - se annualmente a tris
te data de 2 de Abril com homenagens á memoria do Heroe;
diante da sua estatua equestre, erigida no parque da Re
forma, realisam - se demonstrações officiaes e populares que se
couvertem nos mais hourosos testemunhos de civismo.
Um dos mais eloquentes oradores, nestas consagrações
organizadas pela « Associação da Juventude Liberal» , disse
num brilhante discurso que :
« O general Barrios passou no meio das tormentas da
vida coino uma gaivota branca.
Ergueu se num extremo do Estado de Guatemala para
sepultar -se nas fronteiras do seu oriente.
Sua existencia foi um deslumbramento ; alguma couza
de arco - iris com explendores de incendio !
321

Foi um heróe genial que começou pela reforma de sua


patria e quiz concluil-a pela união da mesma.
Subiu trabalhosamente a encosta do idéal, cavalgando
impavidamente na cauda luminosa de suas victorias.
Chegou ao cimo azul e encontrou o Calvario ; foi um

martyr pela 'unificação centro -americana.


Sua gloria da morte, uas planuras solitarias de Chal
chuapa superou a gloria de sua vida ! ... »
O escriptor Carlos H. Martinez, no artigo com que ce
lebrou o 28.° anniversario da morte do glorioso guerreiro
guatemalense, disse , com o brilhantismo da sua linguagem :
« Ao general Barrios, o exercito acompanhava com en
thusiasmo porque sabia que era sempre conduzido á victoria ;
rodeavam n'o os homens de talento porque, como figurava na
mesma altura cerebral dos mais adeantados os attrabia pela
força luminosa de suas idéas ; os povos o adoravam por mo
tivo da lei natural que nos obriga a admirar tudo que nos
deslumbra, tudo que nos seduz . Ref
Em consequencia disto foi que 0 ormador empre
hendeu o caminho da gloria, na confiança do triumpho, po
rém , a morte , fria e trahidora victimou - o no momento em

que era mais necessario para a Patria centro - americana ;


tombando gloriosamente, radiantemente no apogeo sude a
carreira salvadora ! ... »
Ao general Justo Rufino Barrios coube a nobre missão
de continuador do pensamento de dom Francisco Morazan ,
batalhador pelo idéal da unificação dos Estados da America
Central e que em Julho de 1839, dirigia da presidencia
de S. Salvador uma proclamação dos seus compatriotas re
cordando -lhes que o tempo e a desgraça não podiam
murchar nem arrancar os laureis da fronte dos libertadores... »

PALAVRAS INDIGENAS
com SUUS

etymologias e traducção portugueza


PELO

DR . DOMINGOS JAGUARIBE
Socio benemerito do Instituto
Palavras indigenas com suas ethymo
logias e atraducção portugueza
Dos relatorios do naturalista La - Cerda que apresentou
em 1780 o resultado de sua viagem do Pará a S. Paulo, e
do não menos interessante trabalho de Frei Francisco dos
Prazeres, sobre etymologia de palavras dos Tupinambás, e
do Relatorio de Barboza Rodrigues , sobre o Valle do Ama -
zonas, publicado em 1875, extraimos uma serie de palavras
que têm applicação aos nomes uzados em S. Paulo.
DR. DOMINGOS JAGUARIBE.
Palavras da lingua geral dos Tupinambás
NOMES RAIZES SIGNIFICAÇÃO
Abaité Aba-eté Abalizado, notavel
Acanguera Acan - guera Cabeça que foi
Acaracú Acara-có Roça, ou quintal de
acaros .
Acaréquiçaúma Acare -quicauva Rede, lugar de garças.
Aguapehy Agua- pi Planta aquatica.
Ajurua Ajurua Papagaio.
Anambuy Enambu-hy Rio das nambús.
Anajatuba Anaja - tyba Lugar abundante de
anajos .
Andiroba Jandi - iroba Azeite amargoso .
Anhanday Nhanda - yg Agua de ema .
Araquara Ara- coára Buraco do dia .
Araraconguaba Arara-canguá Lugar onde se come ca
beça de arara.
Ararauna Arara -una Arara preta.
Araray Arara- yg Rio das araras .
Assú, guaçú, oçú Significa grande.
Atuahy Atua - yg Cogote , agua.
Avanbandava Ava -nhandava Gente que corre .
Avanhandava Avanhandava Logar onde tudo corre .
Avaré Avari Padre naufrago.
Avaré Manduava Mano -ava Logar que morreu um
padre.
Banharão Baé -Nharau Coisa brava
Bambuy Bambu -yg Rio dos bambús.
Boypeba Boya - peba Cobra venenosa
Bujuhy Buju -hy Passaros, andorinhas.
Cabaybos Caba - ayba Mata virgem .
Caçuapara Coaçu-apara Veados de cornos tortos .
Cahetés Coa - eté Vespa má .
Caiçara Caiçara Curral
Cajubá Caa - jybá Braço de mato.
Caranary Carua Carua pequeno
Camapuan Cama -puan Bico do peito.
Camboyuoca Cambohy - oca Taquara rachada.
Cangucú Acangu -oçú Cabeça grande.
Capibaribe Capibara -yg Rio das capivaras.
326

NOMES RAIZES SIGNIFICAÇÃO


Caracú Cara - có Roça de cará .
Cayapos Cas - porá Habitador dos matos.
Cayté Coa-eté Mata virgem .
Cayuruguaçú Caa -uru - guaçú Mato grande.
Cayoaba Coa-abá Nação do mato.
Camandatuba Camenda -tyba Sitio abundante de feijão
Chiacá Uixi - uaca Nome de fructa, grande
porção .
Coary Coara - i Buraquinho.
Cunhamleiba Cunha - ayba Mulher má.
Curmatahy Crumata -yg Rio dos Crumatāns.
Curutyba Curú -tyba Sitio abundante de pi
nhões.
Cury Cary Argila roxa.
Cusuruy Curusú - yh Rio dos sapos .
Cuyabá Cuia -abá Nação dos cuyas.
Gaicurytuba Guaycury - tuba Coquinhos -abundancia
Guabirú Guabirú Rato .
Guamy Guamy Velha
Guarapuaba Guara - puame Guara em pé.
Guaratinguetá Guará -tinga - áté Guará muito branco .
Guava Guava Comer
Guaxindil - a Guaxine-tyba Sitio abundante de gua
xinis .
Ibiapaba Ibi -apaba Terra cortada
Içá Ig- cai Rio azedo.
Icó Yg -có Rio da roça.
Igatú Igua -catú Corrego bom .
Iguaçu Yg - açú Rio grande .
Iguapé Yg -apó Logar alagadiço
Iguarami Ig - guará, assú, Rio grande.
Iguaray Igara -yg Rio das canoas
Inambu Yg-enambú Rio dos nambús.
Ipuca Yg-puca Rio do rizo
Irapirang Ira - piranga Mel vermelho
Iray, Iroy Yra -yg Rio do mel.
Itábayana Itá-bayana Pedra da Bahia.
Itacolumy Ita-curumina Rapaz de pedra.
Itaguassava Ita - guassava Pedra que atravessa o rio.
Itahaen Itá- nhaém Alquidar de pedra
Itahim Ita -yg Rio das pedras.
Itanhaen Ita - nham Pedra que falla, tem echo .
Itapeva Itá - peva Chapa de ferro.
Itapicurú Itá-picura Pucaro de pedra .
Itapuqueti Itá -puqueti Pedra, esfregar.
Itapuan Itá - puan Pedra redonda.
Itapura Itá -pura Pedra de ponta.
Itauna Ita -una Pedra negra.
327

NOMES RAIZES SIGNIFICAÇÃO

Itu-guassú Itu-guassú Caxoeira que impede a


passagem do peixe.
Itupanema Ytú - panema Cachoeira ruim .
Itupeba Itu-peba Cachoeira chata .
Itupiru Itupyry Cachoeira sêcca .
Itupucu Itú -pucú Caxoeira cumprida
Jacarepira Jacaré -pipira Pestana de jacaré,
Jacarey Jacaré -yg Rio dos jacarés .
Jacuy Jacu-yg Rio dos jacús.
Jaguaribe Jaguaara -ayba Cào máo.
Jaguary Jagoara- yg Rió dos cães.
Jaguaryiba Jogoa-yg-ayba Rio do cão máo.
Jaguaryguatú Jagoara - yg -cotú Rio do cão bom .
Jahú Yg - jau Agua do Jahú .
Jatahy Jata -hy Fructa de casca grossa .
Jericoacoara Jerica - coara Baraco das tartarugas.
Jundiahy Jandy -yg Rio do azeite .
Jurumirim Juru -mirim bocca estreita
Maruy Meru - i Mosquito.
Meruoca Meru-óca Sitio de moços .
Motuaca Motum - óca Habitação de motuns.
Muirakitan Muira -kytan Páo – nó.
Muiratatá Muira - tatá Páo fogo .
Vhanpanupa Nhanpanupa Espancado.
Pacovahyba Pacoba - ayba Pacova , banana .
Pageú Page - úci Bebedouro feiticeiro .
Paracatú Para- catu Peixe bom .
Paraguay Paraya -yg Rio dos Papagaios.
Parahyba Pira-oyba Peixe máo.
Parahybuna Pira-oyba-una Peixe ruim , preto .
Parahytinga Pará-yg- tinga Rio do peixe branco .
Paranapanema Parana - panemo Mar, rio que não presta .
Paranatinga Parana - tinya Mar branco .
Paraupeba Pira - peba Peixe que não presta.
Paraty Para-tyba Peixe branco .
Pericunna Pery - canna Junco de canna .
Pernambuco Parana- búco Rio do peixe
Pindahyba Pinda - ayba Anzol máo.
Firacicaba Pira-cicaba Chegada do peixe
Pirajú Pira - já Peixe de espinho.
Piraim Pira-yg Rio dos peixes.
Piramirim Pira - mirim Peixe pequeno.
Pirapora Pirá -poré Salto do peixe.
Pirataraca Pirá- taraca Peixe estalo .
Piratininga Pira -tening Seccar peixe.
Piratininga Pirá -tinga Peixe branco .
Porá Pira Peixe .
Pororoca Pore-oca Rio de saltos e galopes.
Potundyva Potum -dyva Onde escurece a vista.
328

NOMES RAIZES SIGNIFICACÃO

Poyquicé Poy- kicé Senhor de faca.


Poytaguares Poty - guaras Camarão vermelho.
Sapé Ya -sapé Palha para cobrir casa
Sapopema Sapo-pema Arvore, especie de fi
gueira .
Sapucahy Sapucaia-yg Rio dos veados.
Sorocaba Soro - caba Lugar onde se rompe al
guma cousa , ponte que
se quebrou.
Taquaranxim Taquaranchim Taquara branca.
Tibagy Tiba - gy Rio da Feitoria.
Tipica Typi -oca Sitio ou lugar de esquma
Tiririca Yxu - ruruca Agua que chia, ferve.
Tobajara Taba-jara Senhor d'aldeia .
Topycuara Topi-cuara Buraco fundo.
Tupinambas Tupana-abá Povo de Deus.
Tyba Tyba Cocal .
Ubatuba Oba-tybá Feitoria de vestidos .
Uiticara Uiti-cuara Vento furacão .
Urubupunga Urubu- punga Lugar dos corvos.
Vacaburú Uu- caburu Bebedouro de cavallos ,
Vacary Vacca -yg Rio das vaccas .
Yacy Ya- cy Planta, mão . Os indios
tambem chamar a lua .
Yapó Ig - apó Lugar alagadiço.
Ynhangapy Anhanga-py Espirito dos mortos pe
queno .
DISCURSOS de RECEPÇÃO
PELO

DR . VICENTE MELLILO
Socio correspondente do Instituto
E PELO

DR . PEDRO RODRIGUES DE ALMEIDA


Socio effectivo

-
1
I

DISCURSO
Pronunciado pelo dr. Vicente Melilo, no dia 20 de fevereiro de 1915,
no acto de sua posse como membro do Instituto Historico e
Geographico de São Paulo.

Ecmo. Sr. Dr. Presidente


Dignissimos Membros da Directoria do Instituto His
torico e Geographico de São Paulo,
Meus senhores.

Não fôra a bondosa lembrança d'um dos vultos mais


eminentes do jornalismo catholico brazileiro ; d’uma das fi
guras mais esforçadas e fidas ao regimen decahido ; não fora
a amizade, convertida em veneração da minha parte e na
mais pungente das saudades pela impiedosa Parca, que
me ligava a esse grande luctador que em vida se chamou o
dr. Estevam Leão Bourroul, e cuja perda vestiu de lucto não
somente este Instituto como todos aquelles a que prestava a
collaboração preciosa de seu talento polychromo é fecundo .
Não föra, meus senhores, a gentileza fidalga e captivante
do meu distincto, amigo dr. Alfredo de Toledo, columna forte
desta casa, a quem devo attenções que sem modestia julgo
immerecidas ;
Não fôra, repito, a gentileza do vosso vice - presidente,
que, no incançavel e patriotico afan de estreitar as relações
entre este e outros centros da vida intellectual brasileira,
tantas vezes se dignou trocar idéas com a minha humilde
pessoa, e , certo , eu não teria tido a insigne honra de, apenas
calouro, ser eleito membro desta associação, que tão digna e
religiosamente sabe guardar as tradições gloriosas de S. Paulo.
Não fossem elles, e , neste momento, não teria segura
mente a occasião de agradecer - vos a recepção carinhosa que
me é feita.
Será necessario, acaso, dizer-vos, na indigencia do meu
esforço, que não tenho palavras para traduzir a commoção
de que sou preso neste instante ?
Eleito socio correspondente a 20 de Agosto de 1910, no
mesmo dia em que o foram o conselheiro Ernesto de
Carvalho e Vasconcellos, dr. José Lobo de Avila Lima, CO
ronel Abel Botelho, monsenhor Charles Sentroul, dr. Altino
332

Arantes Marques, dr. Laerte de Assumpção, Gelasio Pimenta


e dr. Benjamim da Luz Novaes, era de vêr o assombro que
me causou tamanha distincção, devida unicamente á gene
rosidade e indulgencia dos illustres proponentes.
A todos vós eu posso repetir e com verdade o Domine
non sum dignus.

Duas são as portas, bem sei, pelas quaes se alcança ' o


ingresso neste areopago de estudiosos : a do talento que
se impõe , larga, magestosa e triumphalmente aberta a todos os
merecimentos e da mocidade discretamente cerrada a
todas as esperanças e a todos os sonhos . .
Entrei pela porta das esperanças, pela dos sonhos, porta
ambicionada .
Era uma ambição inda longinqua que vós me tornastes
realidade inesperadamente .
A honorificencia que com isso me prestaes é tão grande
quanto immerecida.
Eutretanto, ouso affirmal - o, poucos como eu, talvez , fóra
e dentro destes muros, encaram este instituto como um dos
maiores monumentos da iniciativa dos paulistas.
E ' que com as instituições, como com os grandes homens
acontece o mesmo que ás montanhas : só podem ser con
templadas á distancia em trda a sua grandeza.
São Paulo contribuiu para glorificar o nome brasi
leiro em face das nações com uma pleiade brilhante de vultos
inconfundiveis nas letras e nas artes, nas sciencias politicas
e sociaes !
- Conseguiu impôr o nome de seus filhos em todos os
departamentos do saber humano !
- Inaugurou as bandeiras com a orientação apenas da
bussola e das noites constelladas !
S. Paulo não representa acaso , no concerto da con
federação, a perola mais cara da nossa nacionalidade ?
Nåo é porventura, como disse Ruy Barbosa, «um tor
rão privilegiado entre todos os torrões deste grande paiz ?»
No meio, porem , de todas as maravilhas do seu progresso,
de todas as manifestações de suas iniciativas e dos contrastes
de sua população cosmopolita, porque em S. Paulo, como
outrora em Roma, se acotovelam os representantes de todas
as raças e os secretarios de todos os credos, uma institui
ção existe que, melhor do que a politica falsaria em todas
as suas combiantes, melhor do que a imprensa com todas as
suas forças, do que a riqueza em todas as suas pompas e do
que as artes com todos os seus ideaes, representa o palladio
de nossas tradições e o fogo sacrosanto e mystico da nossa
fé nos dias do porvir.
- E' o Instituto Historico e Geographico de S. Paulo.
Como outrora, na cidade das sete collinas, fugindo aos
fulgores e á devassidão da terra dos cezares, se reuniram nas
333

catacumbas os discipulos do Nazareno, preparando o advento


da liberdade e da justiça, assim tambem na penumbra deste
Instituto vós vos reunis para levantar nas paginas da His
toria a imagem da Verdade e da Justiça, apontando ás ge
rações que passa n e dos estudiosos que nos visitam o traba
lho dos nossos grandes homens, as aspirações do nosso pa
triotismo e as nossas esperanças lampejando na obscuridade
do nosso futuro .
*
:: *

Conta -se que no fôro de Roma, certa occasião, entre ou


tros soberbos traba hos da arte hellenica, fôra exposto um
quadro original representando a figura dum pastor guardando
o seu rebanho .
Havia na ignobil figura desse homem coberto de andra
jos um tal requinte de verdade, uma tal finura de execução,
tantos e tão assombrosos traços impeccaveis que attrahiam de
um modo particular a admiração de todos os artistas e dos
visitantes em geral .
Podia haver nas outras telas um surto mais feliz de
inspiração ou phantasia ; um brilbo mais intenso de ideal ;
um encanto seductor de formas peregrinas ; nenhuma, entre
tanto, como aquella, possuia a seducção estranha da verdade;
nenhuma como aquella vivia mais exuberante no concerto
de suas linhas e suas cores .
Vào era a figura dum pastor ; era um pastor, va ex
pressão de cujo olhar, tranquillo como um lago, se liam os
pensamentos de sua alma, a nostalgia de sua vida, a vida
inteira dum affecto ponteando de lagrimas e risos nas longas
horas que passava em meio de seu rebanho.
Um embaixador inglez conduzido deante desse quadro
maravilhoso, depois de contemplal- o dois minutos, afastou-se
indifferente.
Alguem , surpreso, perguntou-lhe então que valor tinha
para elle essa obra prima.
E o diplomata, volvendo novamente os olhos pequeninos
para o quadro, disse :
Eu nem sequer de graça o desejava.
E accrescentou : é de lastimar que um grande artista
haja empregado o seu talento para reproduzir um typo ao
qual ninguem se dignaria lançar um olhar se o encontrasse
no caminho.
- O mesmo dirão de vós e da vossa dedicação estultos
que não faltam , embaixadores ou não.
eixal -08 !
A todos não é dado comprehender o valor de vossos
trabalhos e a nobreza das vossas dedicações e sacrificios.
A vaidade que contempla as gemmas que possue , relem
bra acaso os soffrimentos e os riscos que soffreram operarios
anonymos em arrancal-as da terra e lapid al-as ?
334

Eu tenho para mim a convicção intima, sincera e ina


balavel que neste sodalicio se reune um pugillo de homens
fortes que acima de tudo e com sacrificios indiziveis sabem
cultivar, no evangelho dos livros que compulsam , no estudo
a que se entregam e nos torneios que provocam , o fogo
sacrosanto que os iconoclastas das Letras e da Patria pre
tendem extinguir com as nossas tradições.
« Um desejo profundo de innovações, dizia Cimbali , uma
loucura febril de reformas em todas as multiplas espheras da
existencia, da sciencia, e da arte penetra e convulsiona vio
lentamente as fibras da sociedade moderna. Nenhum systema,
nenhuma instituição, nenhum organismo scientifico, artistico,
social , mau grado tenha o sinete e a consagração dos seculos ,
é hoje considerado inviolavel. Tudo cahe e se transforma a
olhos vistos sob o camartello inexoravel da critica » .
Emquanto, porem , lá fora, na loucura das luctas peque
ninas se desdobra a bancarrota dos caracteres, a baixeza das
negociatas, o naufragio das aspirações politicas , sociaes e
economicas do nosso paiz em contraste com as alleluias do
Progresso , aqui dentro, dentro desta casa , onde mal chegam
os rumores carnavalescos dessas luctas, a palavra rimbomba
salvadora entre as trincheiras dos livros que se encastellam
nas estantes.
Conheceis por certo a formosa lenda bretà narrada
pelo auctor da « Vida de Jesus » , a de uma cidade mysteriosa
submergida no oceano, que nos dias de tormenta mostrava
no concavo das vagas as flexas de seus templos e nos dias
de bonança deixava ouvir do fundo negro das aguas o bimba
lhar dos sinos cantando Ave -Marias !
O nosso Instituto é essa ilha mysteriosa que pode pas
sar despercebida nos dias de tormenta mas cujos echos em
tempo de bonança a ninguem é dado contestar.
A sua influencia benefica, como a das florestas estende
se ao longe sob todos os aspectos, e se considerarmos com
Reynard , que um carvalho, um pinheiro ou cedro apenas é
ás vezes sufficiente para paralisar o movimento de 10 m
metros cubicos de ar, ninguem poderá contestar que o tra
balho intelligente, a palavra autorisada daquelles que quo
tidianamente aqui trabalham não seja bastante para influir
benefica e redemptora nos pleitos da opinião publica e na
propria esphera da acção governamental.
Sobre o papel e acção edificante dos institutos literari
os e scientificos, em memoravel communicação feita ao Cen
tro de Sciencias, Letras e Artes de Campinas, já disse o
nosso distincto consocio dr. Alfredo de Toledo que elles
«têm no cultivo da sociabilidade seu merito principal, a que
no Brazil se deve accrescentar um outro de não somenos
valia,o de ser factor, senão creador, da unidade nacional com
o estobelecimento de relações entre os principaes centros
cultos do paiz. »
- 335

Atravez da historia da humanidade civil no concerto ou


desconcerto das nações, não raro encontramos a cada pagina
a lucta entre a autoridade e a liberdade ; a tendencia desta
emancipar - se daquella, como observa um distincto escriptor
italiano, e tão evidente que a historia parece o theatro du
ma tremenda contradicção : de um lado a necessidade natu
ral da sociedade para o homem , porque somente graças à
reciproca cooperação pode viver; de outro lado a necessida
natural do Estado para que a Justiça seja mantida no livre
exercicio da cooperação social .
Mas, eis que a revolta se levanta contra o Estado, as
pirando, conspirando e agindo para diminuir-lhe a acção .
A contradicção entretanto entre essas duas écorrentes
que se attrahem e se repellem ao mesmo tempo apenas
apparente.
A insistencia e o calor dessas luctas não são contra
Estado mas contra o principio de soberania, ou antes contra
a forma e o uso de governo .
Aqui , porem , emerge outra difficuldade : si um governo
é o producto dos interesses communs, é o Estado em func
ção , como explicar esse dissidio ?
O problema é dos mais difficeis.
Antes de tudo é necessario attentar a essas duas gran
des correntes que constituem nesse particular a doutrina me
taphisica de Rousseau e a sociologica de Spencer.
Em ambas, porém , quaes os factores da cellula social ,
isto é, do individuo natural e do aggregado ?
Que parte teve aquelle pa formação deste e que parte
tove este na transformação daquelle ?
A socicdade, o povo brasileiro, per exemplo, não é co
mo alguem pode suppôr uma reunião de cidadãos.
Forçoso é distinguir nos proprios cidadãos, além dos
meros attributos individuaes, os preconceitos, os uzos , os
costumes e as aspirações do nosso passado, do nosso presen
te e do nosso futuro .
A cellula do povo brazileiro, v . g ., só pode ser encon
trada no aggregado e não nos individuos, porque assim CO

mo a historia natural nos ensina que a cellula é um com


posto de moleculas, nos organismos sociaes as cellulas pro
priamente ditas são o resultado tembem de diversos e mui
complexos factores.
Ora , si é verdade que a historia literaria e a historia
politica dum povo se confundem numa unica e mesma his
toria, claro está que a influencia dos centros como este é
indiscutivel e não raro decisiva na vida nacional.
336

Longe iria si , para justificar o que vos disse, eu procu


rasse synthetisar os fulgurantes trabalhos do Instituto H. e
Geographico de S. Paulo, a respeito de todos e dos mais cri
ticos problemas que interessam a vida nacional sustentados
uesta tribuna.
« A palavra, dizia Brazilio Machado, não se gerou para
sonora e radiante atravessar somente os arcos de triumpho e
mover, cantando, os louros que a victoria da paz suspenda
aos muros da patria redimida : quando agitações como essas
que tanto nos preoccupam , saccodem por inteiro o organis
mo social ; quando em franca rebeldia levanta - se o hymno
das baionetas ao compasso dos tambores ; quando é mister
represar as paixões que tumultuam , reprimir os interesses
que affrontam os supremos dictames da lei e da ordem , en
tão, mais poderosa que a violencia, mais fecunda que a for
ça , deve começar a acção dominadora da palavra . Seja a
palavra da agonia de um povo, atravessando fremente a boc
ca de Demosthenes, seja a palavra da ressurreição do ho
mem sonorisando os labios de Jesus, a palavra no serviço do
bem e da verdade, regenera e redime, castiga mas salva . »
Saudando os batalhadores imperterritos desta casa é o Es
tado de S. Paulo que eu saúdo precoce na independen
cia e na propaganda e precoce na historia das grandes rei
vindicações.

II

Discurso proferido pelo dr. Pedro Rodrigues de Almeida


Exm . Sr. Presidente
Exm.as senhoras
Meus senhores
Illustre confrade, sr . dr. Vicente Melillo .
Nas vossas primeiras palavras, sem que o houvésseis
querido, se nos depara, offerecido por vós, um attestado bri
Thante do merito , que vos recommenda.
o vosso valor, em vão, vos esforçaes por discrétamente
disfarçal-o; em todos os passos, como em 0 vosso primeiro
periodo, elle vos trahe, pondo a nú o que, tảo cautelosa
mente, procurastes velar e esconder.
Evocastes, principiando, duas assignaladas figuras do
nosso meio social : uma saudade, que nos amarga o cora
ção ; outra — actividade, que nos alenta para o secombate.
E essa evocação é o melhor elogio, que vos póde
fazer .
337 -

0 Jr. Estevam Leão Bourroul, – filho da França me


ridional e cidadão no Brasil, soube aliar, na sinceridade do
seu culto, esses dois grandes paizes , offertando -lhes, ein tra
balho, claridades peregrinas de intelligencia.
Nascido nesse torrão patriarchal da Provence, onde é
mais dôce o mél e o tomilho é mais cheiroso ; vendo a luz
do dia, nesse pedaço feliz do mundo, onde o céu é sempre
azul e onde o sól não falta ; nesse recanto seductor, onde se
caldearam , aos fogos do meridiano, Aubanel, Roumanille,
Paul Arène Daudet e Mistral, « ce trouveur d'ondes jaillis
santes » e senhor dos espiritos nesse calmo dominio, - teve o
dr. Leào Bourroul o seu somno de criança — foi elle quem
nol -o disse embalado pela toada amena da canção de
Magali.
Politico, jornalista e historiador em nossa Patria, guar
dou a veneração da terra natal , e, erudito sem par em duas
litteraturas, em duas historias, na vida racional de dois povos,
pensou, escreveu , luctou , soffreu e sucumbiu á sombra de
duas bandeiras, na defeza de dois crédos. Monarchista e ca
tholico, perfez, com acção e energia, o espaço, que medeia
entre um berço, da França, acalentado pelos accentos da
lingua d'Oc e um tumulo, no Brasil, sobre o qual descanca
a grinalda da nossa gratidão e do nosso respeito.
0 dr. Alfredo de Toledo - paulista de rija tempera,
cujo nome se inscreve honrosamente nos annaes das mais
doutas sociedades scientificas, advogado -- e dos melhores,
historiador -- e dos mais conscienciosos, tem sido, de facto,
a alma de um dos mais bellos movimentos, que se têm im
primido a este preclaro cenaculo de tradições tào authenticas.
Ambos, um — como fundador, outro como reformador ;
ambos, pela sua inconteste boudade e reconhecida justiça,
um — mantendo a serenidade de apreciação, apezar dos des
bordamentos e excéssos affectivos de meridional; outro - con
servando a condescendencia generosa, apezar da grave reserva
e da exigencia do paulista, optimamente incarnam o criterio
do Instituto e, como patronos da vossa causa , como intro
ductores da vossa candidatura, fizeram da proposta, que vos
apresentou a esta casa, uma credencial digna de todo o aca
tamento .
Vós batestes á nossa porta coin uma senha que vos
honra .

E na sequencia natural do que vos tenho a dizer, azado


se me offerecendo o momento, não estranheis que ouse an
tepor - vos um minusculo reparo ás vossas considerações.
« Duas são as portas, bem sei, pelas quaes se alcança
o ingresso neste areopago de estudiosos : a do talento
que se impõe, larga, magestosa e triumphalmente aberta a
todos os merecimentos e a da mocidade discretamente cer
rada a todas as esperanças e a todos os sonhos...
338

Entrei pela porta das esperanças, pela dos sonhos, porta


ambicionada . »
Vós o dissestes .
A vossa modestia, illustre confrade, illudindo - vos a
observação, vos obrigou a uma apreciação menos exacta do
pensamento, que preside ás entradas neste cenaculo.
Não é pelas esperanças que nos abrimos, de par em
par, o recinto dos nossos trabalhos a novos e bem intencio
nados obreiros; é pelas realidades.
Esperanças, todos aqui o são ; todos aqui, porém, são
igualmente realidades .
Os mais velhos, aquelles cujas cans se contam pelos
serviços prestados ás lettras historicas, contém ainda, the
souros inesgotaveis de inédito, que sempre nos é licito es
perar, emquanto lhes réste uma migalha de vida.
Os mocos, os que, como vós, se iniciam, encerram, está
claro, um mundo muito mais vasto de promessas e especta
tivas ; esses têm diante de si a dilatada successão dos annos,
a desafiar o vigor e os alentos da juventude.
Elles, todavia, embora quasi só esperanças, sob o ponto
de vista da producção, entram para o Instituto, não pelo que
podem ser, mas, pelo que são, pelo que , em si, possuem de
força latente e que auctorisa a esperar d'elles bons e abuu
dantes fructos porvindouros.
Vós estaes neste sodalicio, porque sois realidade ; nảo
fosse a vossa aptidão de intellecto, não fossem o vosso amor
ao estudo, a vossa capacidade productora, os VOSSOS actos
intellectuaes de hoje e ninguem se fiaria neste saque contra
os actos de amanhã.
D'onde, a esperança, que dá ingresso no Instituto é
uma consequencia da realidade, que já existe ; sem isso não
haveria selecção, porque, diante da mocidade, são sempre
explicaveis as mais extravagantes perspectivas de futuro,
que se possam descortinar.
Vós entrastes, pois, pela nossa porta, pela unica porta
que nós temos.
Estaes entre nós, meu digno confrade.
Sede bemvindo !

Vós perfeitamente comprehendeis qual o fim d'este Ins


tituto e claramente exprimistes o seu elevado papel de de
positario, que é e tem sido, das nossas tradições.
Incançavel, propugna elle, de facto, por despertar o
interesse, infelizmente até hoje tão pequeno, pelos estudos
historicos e geographicos ; sem tréguas, desentranha, por
escavações pacientes de seus mineiros dedicados, os filetes de
ouro , esquecidos no solo estractificado das gerações.
339

Sciente, e com pleno conhecimento de causa, de que a


« historia hem ensinada », como diz Rollin , ( 1) « é uma escola
de moral para todos os homens e demonstra por mil exem
plos, mais persuasivos que todos os raciocinios, que, só exis
tem de grande e de louvavel a honra a probidade »;
sciente de que ella é , como opina Montesquieu, « o mais ne
cessario de todos os conhecimentos» . 0 idéal do Instituto
seria vel- a por toda a parte ensinada com carinhosa abne
gação ; seria encontral -a em merecida relevancia, no ensino
secundario e, cultivada, para arma do pensamento, por quantos
abraçam profissões liberaes; e , nesse proposito, não poupa traba
lho, dando o exemplo constante da sua apaixonada perseverança.
Convencido da tremenda cruzada que, consciente e in
conscientemente, se faz contra a verdade historica, conhece
dor do muito que permanece controverso e pouco esclarecido,
no tocante aos episodios da nossa existencia de colonia, de
império e por que não dizer de republica ? elle se recolhe
na obscuridade, a que alludistes, e age no seu nobre intuito,
tão alto e tão desinteressado.
Acompanha toda a evolução da historia, sentindo que
ella « não é um espectaculo morto, um quadro de ruinas» ;
inas, « um ser vivo, que nasceu na eternidade e que ahi re
pousará, um dia, e que, em seu caminho, á medida que
avança, nos diz o futuro com o passado, o que foi e o que
será, testemunha e prophéta ao mesmo tempo .» (2).
Percebestes bem e expressivo o significastes, no VOSSO
simile, o pouco que merecem da maioria dos homens insti
tuições como o Instituto Historico e Geographico de S. Paulo.
Nunca, por isso, esmmoreceram os infatigaveis membros
d'esta corporação, a quem não aterra a atmosphéra bolorenta
e empoeirada dos archivos, onde, não raro, o tempo gasto,
como a traça que abre rendas nos pergaminhos, consegue fazer
abertas de desanimo nas paciencias mais teimósas e fleugmaticas.
Dura taréfa a de escrever historia, neste seculo de tantas
exigencias ; neste seculo em que « ella péde ao escriptor a
inspiração, mas péde -lhe tambem a reflexão ; em que ella ,
si tem por operaria a imaginação creadora, tem por instru
mentos a critica prudente e a generalisação circumspecta .»
( 3) Em que, além de todas as massadas de chronologia e
de pesquiza. chega Taine a consideral a como « um problema
de mechanica psychologica » .
Estaş difficuldades todas, os mil tropeços, que se amon
toam nos caminhos da verdade, o labyrintho que é isso de
reconstituir épocas, ás vezes, por pequeninos indicios inter
mittentes, tudo isto nada é de natureza a impressionar o
mundo, que só procura , ébrio de brilho, o que lhe pareça
resultado do minimo esforço, o que lhe dê emoções, senti
( 1 ) Traité des études livre 5 - avant - propos .
( 2) P. Lacordaire - Oeuvres Philosophiques – Discours sur la loi de
l'istoire pag 260 .
(3 ) H , Faine ,
340

mentos, prazeres intellectuaes, sem o obrigar, um instante


siquer, a remontar-se ao trabalho ignorado, que lhes deu causa ,
nascimento e vida.
Assim aconteceu com todas as instituições, cuja acção
tem sido real e efficaz para as artes, para as sciencia, para
a civilisação .

Sobre o que vale o Instituto Historico para o cultivo da


sociabilidade e sobre a affirmação, que lançastes, «de que a
influencia de centros, como este, é indiscutivel e não raro
decisiva na vida nacional», não pode pairar a menor duvida.
O Instituto quer, no concerto das intelligencias, crear as
harmonias da vida social ; procura , approximando os espiritos,
obrigando -os a uma vida commum , fortalecer os laços de
cordialidade, formando assim uma communidade de corações ;
lucta por estreitar, nos resultados da producção conjuncta, as
canceiras e os triumphos , os fracassos e as consolações, con
stituindo de vontades diversas, de sentimentos extranhos, de
corvicções oppostas, um mesmo homein collectivo.
E , nesse accordo que elle géra, exerce a sua influencia
na vida nacional ; exerce -a como cellula da sociedade e como
tal se estende a todos os ramos da actividade humana.
O Instituto abre suas portas a representantes de todas as
sciencias o de todas as artes. Vós, illustre confrade, bem sabeis
que nem só profissionaes da historia e da geographia tem
assento nesta agremiação ; de vós não sabe o Instituto, si , na
especialidade, que se propoz desenvolver, muito tendes feito ;
sabe apenas que sois poéta e jornalista e orador e que uo muito
que publicastes encontrou elle a vossa capacidade litteraria.
O que o Instituto pretende é voltar todas as energias
artisticas e scientificas para o foco da historia ; é, despertan
do - lhes o gosto por esta disciplina, dando - lhes incitamento
para essa especie de estudos, dilatar, ao mesmo tempo, a es
phéra em que, anteriormente, se exercitavam .
« A historia é uma grande lampada, que brilha no cir
culo inteiro dos canhecimentos humamos ; á sua luz, o phi
losopho admira a grandeza e descobre as fraquezas dos sys
temas introduzidos por seus antecessores ; o sabio conta e
méde os progréssos, que antes d'elle fizeram os mais illustres
exploradores da natureza ; o politico assiste а ) nascimento ,
ao desenvolvimento e á decadencia dos povos ; o mora lista
penétra os segredos, que pôem em movimento as paixões e a
actividade dos homens ; o militar se instrue em todos os re
cursos de sua arte terrivel e gloriosa ; o litterato ou o artista
vê abrir - se, diante de si , a fonte das mais nobres aspirações e
vê passar cortejo imponente dos genios, que fi
0

xaram , em suas obras, um raio de belleza idéal; o cid a dão


prende os titulos de seus direitos e as glorias de sua patria » ( 4).
( 6 ) Rohrbacher Hist . dc- l'Eglise – Introduction de Emile Guilhau'me .
341

O Instituto Historico e Geographico chama ao seu seio


pensadores e poétas, esculptores e sabios, pintores e juriscon
sulto«, musicos e philosophos e, irmanando, cá dentro, a curva
e o som , o parecer e o livro, a côr e o verso, elle quer que
todos concorram para manter a chamma d'essa lampada e que
todos se doirem de seus reflexos maguificos, bebendo na luz,
que vigiam , mantém e alentam , fulgores sempre novos de novos
ensinamentos e de nova inspiração.
E elle conta com vosco , prezado confrade ; elle espéra
no contigente da vossa força, que, certo, não regateareis, con
correndo com a vossa mocidade e com o vosso talento , para
conservar o fogo sagrado, que aclara as sombras fecundas do
nosso passado ; elle conta comvosco e vos assignala, por meu
intermédio, um logar, que não significa apenas uma distinc
ção, mas um apello á vossa capacidade ; elle espéra nas es
peranças, que representaes, sem dispensar os fructos da rea
lidade , que sois.

Parece -me ter passado, ainda que brevemente, por todos


os topicos do vosso discurso.
E agora, illustre confrade, que chego ao fim d'esta ta
réfa, em que tão mal usei d'esse precioso instrumento da pa
lavra , a que vos referistes, em eloquente passagem de um
orador patrio, quero vos dizer que, si foi ao Estado de S.
Paulo que saudastes, si foi a elle que vos dirigistes, dirigin
do-vos á possa instituição, é o Estado de São Paulo, que vos
responde pela boca do Instituto.
E o Estado de São Paulo, nas tradições e nas glorias,
que o Instituto soube recolher ; sim , illustre confrade, falam,
em mim , o desbravamento das possas selvas, a catechese dos
nossos selvicolas, a fundação das nossas cidades ; falam , em
mim essas bandeiras, que, orientadas pelas estrellas da noite,
seguiram , rumo do sertão, em busca do ouro e da conquista ;
falam , em mim , esses vultos inconfundiveis que, no dominio
das letras, das artes, das sciencias sociaes e politicas, tanto
concorreram para a glorificação do nome brasileiro .
E o Estado de S. Paulo, guardado neste relicario de
preciosidades nacionaes; é o Estado de S. Paulo, cuja vida
enche os annaes desta casa , que agora vos atira a palavra
de boas-vindas ; é o Estado de S. Paulo , no seu passado,
pelas tradições, que nós reivindicámos e mantivémos ; no seu
presente. pelo trabalho, que, lealmente, lhe consagramos ; no
seu futuro, pelas glorias, pelos triumphos, pela immortalidade 7
que lhe prevêmos.
Em nome, pois, deste « torrão privilegiado entre todos os
torrões d’este grande paiz» sêde bemvindo ; tomae assento na
vossa cadeira e, na calidade do nosso affécto, exulte sempre
o vosso coração, e, no convivio das nossas intelligencias, pro
duza sempre o vosso espirito.
1
1

Varias notas historicas

Convento de S. Francisco. - Monte Alverne.


Padre Feijó – Revolução de 1842. –
Jayme S. Telles. – Barão de Limeira. –
Forum Criminal. – Santa Cruz do Pi
ques – Pyramide – Marechal Müller.
POR

Antonio Egydio Martins


Socio effectivo do Instituto
Varias notas historicas
Convento de S. Francisco . Monte Alverne. Padre Feijó .
Revolução de 1842. Jayme S. Telles. Ba
rão de Limeira. Forum Criminal. Santa Cruz
do Piques. — Pyramide. Marechal Müller.

Por alvará de 29 de Novembro de 1624 foi autorisada


a creação nesta capital do Convento de S. Francisco, come
çando a sua edificação em 1639, depois de haverem sido
examinados pelo custodio frei Manuel de Santa Maria o lo
cal e os recursos que os moradores offereciam .
Voltando á Bahia o custodio frei Santa Maria reuniu , a
6 de Agosto de 1639, os religiosos franciscanos lá residentes,
sendo então resolvida a fundação do actual Convento de S.
Francisco e nomeado, nessa occasião, para prelado fundador
do mesmo convento a frei Francisco dos Santos, que chegou
a Santos a 25 de Janeiro de 1640, acompanhado de frei
Manuel dos Martyres, frei Salvador do Nascimento, frei Pe
dro da Piedade, frei João da Luz, padres e os irmãos leigos
Simão Salvador e José de Santo Antonio.
Recolheodo - se estes frades e irmãos leigos á ermida de
Santo Antonio da então villa de S. Paulo e na mesma pra
ticaram os officios divinos, até que, a 17 de Abril de 1610 ,
passaram - se para a casa que junto á ermida estavam edifi
cando com o auxilio dos habitantes da mesma villa .
Em 1643, vindo a S. Paulo o custodio frei Francisco
das Neves e não achando conveniente o local que, segundo
consta, era nas immediações da actual egreja de Santo An
tonio, situado á rua Direita, ordenou a mudança para o em
que ora existe com a denominação de S. Francisco e S. Do
mingos, sendo que a primeira fundação fôra com o nome de
Santo Antonio ,
A construcção do segundo edificio e egreja, parece que
só teve principio em 1644, porque a expulsão dos padres da
Companhia de Jesus, então aqui resideates e que teve logar
em 1640, deu em resultado haver muitas questões e pertur
bação do socego publico, tendo - se envolvidos nellas o pre
lado frei Franisco dos Santos, que foi accusado pelos mesmos
padres jesuitas de haver feito causa commum com o senado
da camara e povo de São Paulo, ficando, em consequencia
disso, paralysadas as obras até 1644.
No velho edificio do convento, que é de vastas propor
ções e tem ao rez do chão varias salas em que funccionam
346

as aulas da Faculdade de Direito, que foi creada por de


creto de 11 de Agosto de 1827 , funccionou tambem a Es
cola Pratica de Commercio, fundada em 1.º de Junho de
1902, havendo sido o mesmo edificio restaurado, por ordem
do governo imperial, em 1884 , quando director da mesma
Faculdade o conselheiro dr. André Augusto de Padua Fleury,
que foi nomeado para esse cargo, em data de 16 de Janeiro
de 1883 .
O Convento de S. Francisco desta cidade teve a gloria
de abrigar, em seu seio; por muitos annos, o mais notavel
orador sagrado brasileiro frei Francisco do Monte-Alverne,
a quem , em 1836, sobreveiu a cegueira e falleceu em 1857 ,
havendo sido o ultimo guardião do mesmo convento frei
dr. José de Santa Delfina, o qual, por ordem do padre provin
cial, fez entrega delle. em principios de 1828, ao general
José Arouche de Toledo Rendon, primeiro director da Fa
culdade de Direito e fallecido a 26 de Junho de 1834 , na
edade de 78 annos .
Além de frei Monte - Alverve, tambem residiram , po
mesmo convento , trei Antonio de Sant'Anna Galvão, funda
dor do recolhimento de Nossa Senhora da Luz e fallecido a
23 de Dezembro de 1822, e frei Lucas José da Purificação,
fallecido a 28 de Abril de 1818,os quaes, pela austeridade de sua
vida e alguns factos quasi milagrosos, são venerados até hoje
como santos, havendo os mesmos religiosos franciscanos, que
eram naturaes de Guaratinguetá, desempenhado o cargo de
capellăes do referido recolhimento da Luz.
Va egreja do Convento de S. Francisco foi erecta, em
1772, pelos religiosos franciscanos, a irmandade de S. Be
nedicto, que foi, em 1908, suspensa pelo arcebispo metro
politano d. Duarte Leopoldo e Silva, havendo sido tambem
erecta pa mesma egreja, a irmandade de S. Francisco de
Assis, da qual só podiam fazer parte os lentes, estudantes e
empregados da Faculdade Direito.
O conselheiro padre dr. Vicente Pires da Motta , então
presidente da provincia, usando da attribuição que lhe con
feria a lei provincial n. 5, de 20 de Fevereiro de 1840,
confirmou, por carta de 2 de Julho de 1863, o compromisso
da mesma irmandade.
A festa desta irmandade era sempre incumbida a um
dos quintaunistas mais abastados, sendo por esse motivo, uma
das festividades mais pomposas que se faziam , antigamente,
em S. Paulo .
A ultima festa e procissão que se realizaram em honra
do padroeiro da irmandade, tiveram logar no dia 21 de Ou
tubro de 1869, sendo provedor da referida irmandade o es
tudante de Direito Joaquim José de Souza Breves Junior,
que fez acto pesse mesmo anno e tomou o grau de bacharel .
Em 16 de Fevereiro de 1880 manifestou - se um violento
incendio no edificio da Faculdade de Direito, reduzindo a
cinzas a maior parte do seu archivo e a capella -mór da egreja
347

do Convento de S. Francisco, contigua ao mesmo edificio,


sendo reedificada a parte do convento occupada pela mesma
Faculdade á custa do governo imperial e restaurada, por
iniciativa do dr. Clemente Falcão de Souza Filho, então
lente daquelle estabelecimento de ensino e fallecido a 4 de
A bril de 1887 , a mesma capella -mór, tendo por meio de
subscripção entre os membros da congregação, estudantes
e fieis, o mesmo dr. Falcão adquirido, na Allemanha, o altar
que ora existe na referida capella -mór.
No dia 8 de Julho de 1875 realizou -se, nesta capital . a
abertura da Exposição Provincial dos productos e objectos
enviados á Exposição Internacional de Philadelphia, nos Es
tados - Unidos da America do Norte, marcada para o dia 19
de Abril de 1876 .
Essa exposição, que foi a primeira que se fez em São
uma das grandes salas do Convento
Paulo, realizou - se em
de S. Francisco, que serve, actualmente, á Faculdade de
Direito .
A commissão central, nomeada pelo dr. João Theodoro
Xavier, presidente da Provincia, ficou composta do conse
lheiro dr. João da Silva Carrão, desembargador Bernardo
Avelino Gavião Peixoto, dr. Antonio de Aguiar Barros, de
pois marquez de Itú, e dr. Carlos Leoncio da Silva Carva
Tho, para promover a acquisição de productos e artefactos e
organizar a referida Exposição Provincial, havendo a mesma
commissão dirigido, em data de 7 de Dezembro de 1874 ,
circulares a todos que lhe pareceram estar no caso de po
derem concorrer para o bom exito da festa do trabalho hu
mano .
A proposito dos sinos da torre da egreja do Convento
de S. Francisco, o vice - director da Academia, por officio de
12 de Novembro de 1836, deu conhecimento ao presidente
da Provincia que , em observancia á portaria do Governo
Provincial, de 24 de Novembro de 1834, relativamente aos
toques de sinos na mesma torre mandou passar a seguinte
ordem :
« Em cumprimento da Portaria do Governo Provincial
de 24 de Novembro de 1834 ordeno a V. M.C que não per
mitta o tocarem - se os sinos senão em festas ou Academicas
ou Nacionaes ; e nas festas da Ordem 3." de S. Francisco a
saber : de Nossa Senhora, de S. Francisco , Chagas, S. Be
nedicto e Procissão de Cinza.
« Póde igualmente dar os signaes da Constituição do
Bispado quando algum irmão da Ordem 3.* vier sepultar - se
no Templo. Por zelo do serviço publico o Ill. Snr. Co
nego José Gomes d’Almeida vem todos os Domingos, e dias
Santos ás 7 horas dizer Missa e V. M. , querendo, póde
continuar a dar os sinaes do costume ; naquella Missa, e

naquella hora , sem porém consentirem excesso de toque.


Todos os toques de sinos devem ser em tempo, que não per
turbem o serviço das Aulas.
348

« Em todos os mais casos só com húa licença do Dire


ctor pode V. M.ce mapdar tocar.
<S. Paulo, 12 de Novembro de 1836. José Maria de
Avellar Brotero , Snr. Carlos Luiz Godinho » .
Contigua á egreja do Convento de S. Francisco está a
da Veneravel Ordem Terceira de S. Francisco da Peniten
cia que foi erecta em 1685, e a quem , em principios de 1828
foi pelo governo imperial , confiada a administração daquella
egreja do mesmo Convento de S. Francisco.
Na mesma egreja da VeneravelOrdem Terceira de São
Francisco da Penitencia havia, antigamente, pregações qua
resmaes, feitas pelo monsenhor conego arcediago dr. Francisco
de Paula Rodrigues, Capellão do Recolhimento de N. S. da
Luz, e fallecido a 21 de Junho de 1915, 0 qual como
os seus antecessores , na capellania do mesmo convento , pa
dres Francisco de Assis e José Cardoso , frei José de Qua
dros, conegos Jeronymo Pedroso de Barros, e João Baptista
Gomes, continuou a observar as boas lições e exemplos
deixados por frei Antonio de Sant'Anna Galvão e frei Lu
cas José da Purificação .
No jazigo da egreja da V. ( . de São Francisco da Pe
nitencia se acham depositados os restos mortaes de alguns
paulistas distinctos como os do padre senador Diogo Antonio
Feijó e do brigadeiro Raphael Tobias de Aguiar, chefe pro
eminente do antigo partido liberal, e outros.
O padre Diogo Antonio Feijó nasceu em São Paulo a
17 de Agosto de 1784. Foi professor de philosophia, retho
rica e latim em Parnahyba, Campinas e Ytú, e, em 1821,
deputado pela antiga provincia de São Paulo ás côrtes de
Lisbôa, onde tomou assento, retirando -se depois cym Antonio
Carlos de Andrada e outros para Falmouth ( Inglaterra ), onde
publicou um manifesto protestando pelos direitos sagrados
de sua patria.
Deputado á Assembléa Geral depois da independencia e
por ultimo senador do Imperio, pela provincia do Rio de
Janeiro, nomeado na vaga do marquez de Santo Amaro
( José Egydio Alvares de Almeida) a 1.° de Julho de 1833 ,
tomou assento a 15 de Julho do mesmo anno e falleceu no
dia 10 de novembro de 1843, ás 11 horas da noite.
Além dos cargos já aqui mencionados, o padre Feijó desemº
peuhou o de regente do imperio ( 1835 a 1837 ), tendo sido elle
o ministro da Justiça de 1831, que restabeleceu a ordem
publica na cidade do Rio de Janeiro. conflagrada pelo de
lirio dos partidos nos calamitosos dias 14 e 15 de Julho
de 1831 , sem quasi força alguma material e somente com o
unico prestigio de sua presença e de seu glorioso nome salvou
aquella grande cidade anarchisada e com ella todo o Brasil . Foi
nomeado bispo de Marianna (Minas -Geraes ), mas não acceitou
essa nomeação, preferindo a pobreza, a vida obscura e des
conhecida de simples sacerdote ás honras e aos empregos
349

lucrativos que lhe foram offerecidos com quebra da digni


dade da nação que regia.
Esse grande sacerdote e patriota. que residiu na antiga
casa assobradada, de janellas de rotula , hoje reformada si
tuada à rua da Freira, actualmente Senador Feijó, esquina
da rua Christovam Colombo, n. 29, foi embalsamado e de
positado na egreja da Veneravel Ordem Terceira de
N. S. do Monte do Carmo, sendo que a 9 de Novembro de
1852 os restos mortaes do mesmo padre Feijó foram trasla
dados daquelle jazigo para o da egreja da Veneravel Ordem
Terceira de São Francisco da Penitencia, onde se acham
conforme se vê da seguinte certidão :
« Secretaria da Veneravel Ordem Terceira de N. S. do
Monte do Carmo .
Cidade de São Paulo, aos 25 de Janeiro de 1908.
Certifico de Ordem do Carissimo Irmào Prior, que re
vendo o livro de terinos das resoluções das Mesas simples e
Redondas sobre acontecimentos e negocios extraordinarios da
Veneravel Crdem Terceira de Nossa Senhora do Monte do
Carmo de São Paulo , de 1819 a 1853, á folhas 55 se en
contra o seguinte :
Aos nove dias do mez de novembro de 1852 , em o Con
sistorio da Veneravel Ordem Terceira de Nossa Senhora do
Monte do Carmo desta imperial cidade de S. Paulo, acharão
se presentes os irmaos abaixo assigoados , e Rev." , Commis
sario desta veneravel Ordem 3." e abi compareceu Antonio
Benedicto Palhares de Camargo, apresentando um requeri
mento em que pedia ao Ex.m " Revd ." • Sr. Bispo Diocesano
a trasladação dos restos mortaes do Ex. "* Senador Diogo
Antonio Feijó que se achavão depositados no jazigo desta
Veneravel Ordem Terceira para a igreja da Veneravel Or
dem Terceira de São Francisco, cujo requerimento é do theôr
seguinte :
Ex.mo e Revd.mi Senhor. Diz Antonio Benedicto Pa
lhares de Camargo que tendo de trasladar os restos mortaes
do fallecido Padre Diogo Antonio Feijó da Ordem Terceira
de Nossa Senhora do Monte do Carmo para a de São Fran
cisco não pode fazer sem licença de V. Ex .^ por isso Pede
ma se digne conceder dita licença. E re
a V. Ex. " Revd .""
ceberá mercê. Despacho : Como pede. São Paulo 25 de
outubro de 1852 . Assignado Antonio, Bispo, e em virtude
do Despacho acima concordarão os irmãos presentes que se
entregasse os ditos restos mortaes o que neste mesmo dia
foram entregues ao dito Palbares.
E para constar mandarão lavrar o presente termo em

que todos assignarão, e eu Lourenço Domingues Martins, se


cretario que o escrevi. Antonio Benedicto Palhares de Ca
margo . Pro Commissario, Fr. José de S. Barbara Bitte.
Antonio Simplicio da Silva, Prior.
Nada mais continha. Eu Sebastião Felix de Abreu e
Castro, 1.° Secretario da Ordem , a escrevi. »
350

O corpo do padre Feijó esteve em exposição, durante


alguns dias , na casa de sua residencia, sendo a mesma guar
dada por praças, com armas em funeral , havendo o enter
ro do mesmo se realizado á noite e com grandioso acompanha
mento de povo, sendo que, até aquelle tempo, enterro igual
ainda não tinha sido visto ni capital de S. Paulo, pois nas
ruas por onde passou o prestito se agglomerou grande nu
mero de pessoas de todas as classes sociaes para vêr a pas
sagem do corpo do extraordinario paulista.
Por officio de 16 de Novembro de 1843, dirigido ao mi
nistro do Imperio, o coronel Joaquim José Luiz de Souza ,
então commandante das armas e presidente da provincia de
S. Paulo, participou, unicamente, aquelle ministro, que o
senador padre Diogo Autonio Feijó falleceu a 10 de Novem
bro de 1843 e que o seu corpo foi sepultado na egreja do
Carmo no dia 15 do mesmo mez .
Em 1827 o padre Feijó apresentou á consideração da
Assembléa Geral o projecto abolindo o celibato clerical e
nesse mesmo anno publicou um folheto sobre o mesmo as
sumpto, provindo dahi o desagrado da curia romana .
Em 1838 fez o padre Feljo publicar a respeito de suas
opiniões religiosas uma importante e expontanea declaração,
na qual o mesmo sacerdote diz que não querendo em nada
separar - se da egreja catholica e ainda menos escandalisar a
pessoa alguma, revogou e se desdisse de tudo quanto pu
desse directa ou indirectamente offender a disciplina eccle
siastica, que a mesma julgou dever ser conservada .
Em 1842 , o senador Diogo Antonio Feijó tomou parte
activa na revolução liberal, capitaneada pelo brigadeiro Ra
phael Tobias de Aguiar, fallecido a 7 de Outubro de 1857 ,
dr. Gabriel José Rodrigues dos Santos, fallecido a 23 de
Maio de 1858, e sepador Nicolau Pereira de Campos Ver
gueiro, fallecido a 17 de Setembro de 1859, sendo a mesma
revolução esmagada pelo presidente da provincia de S.
Paulo, conselheiro dr. José da Costa Carvalho, barão e
depois marquez de Monte Alegre, e que foi nomeado sena
dor do imperio pela provincia de Sergipe a 30 de Abril de
1839. Falleceu nesta capital a 18 de Setembro de 1860 .
A principal causa da revolução civil de 1842 foi a pro
mulgação da lei de 3 de Dezembro de 1841 , que reformou
o codigo do processo criminal, e a que creou um conselho
de Estado .
A commissão enviada pela Assembléa Provincial de São
Paulo, composta do senador do imperio pela provincia de
Mioas Geraes, conselheiro Nicolau Pereira de Campos Ver
gueiro, brigadeiro Bernardo José Pinto Gavião Peixoto, fal
lecido a 15 de Junho de 1859 , e coronel Francisco Antonio de
Souza Queiroz, depois senador do imperio por S. Paulo e barão
com grandeza, fallecido a 4 de Julho de 1891, tendo che
gado ao Rio de Janeiro no dia 3 de Fevereiro de 1842 ,
551

para tratar da não execução da lei que reformou o Codigo


Criminal e da que creou o Conselho de Estado e outros ne
gocios de interesse publico, recebeu a 5 do mesmo mez com
municação do ministro do imperio, Candido José de Araujo
Vianna, declarando que o ex - imperador do Brazil, que en
tão contava 16 annos de edade, havia resolvido não receber
a referida commissão, portadora de uma representação redi
gida em termos offensivos á Constituição de 1824, bem co
mo á lei n . 16, de 12 de Agosto de 1834 ( Acto addicional).
No processo instaurado, por crime de rebellião, foram
pronunciados em 1843 , os seguintes cidadãos : Brigadeiro
Raphael Tobias de Aguiar, senadores padre Diogo Antonio
Feijó e Nicolau Pereira de Campos Vergueiro, dr. Gabriel
José Rodrigues dos Santos, José Vergueiro, José Joaquim
de Lacerda, Tenente-coronel Jeronymo Isidoro de Abreu ,ma
jor José Joaquim de Santa Anna, José Rodrigues Leite,
João Viegas Jort Muniz, Luiz Antonio da Fonseca, padre
José de Almeida Campos, Tristão de Abreu Rangel, Manoel
Martins de Mello, capitão João Floriano Ortiz, Candido Jose
da Motta, major Francisco Galvão de Barros França, capi
lão José Corrêa Leite , vigario Manoel José de França, ca
pitão Joaqnim Floriano de Araujo, capitão Francisco José
da Silva, Antonio Mannel Teixeira, Reginaldo Antonio de
Moraes Salles, alferes Francisco Teixeira Nogueira, Paulino
Ayres de Aguirra, Manoel Paulino Ayres, capitão Francisco
Pereira de Assis , tenente -coronel Bento José de Moraes , ma
jor Francisco de Castro do Canto e Mello, Daniel Gomes de
Freitas, Antonio Alvares de Almeida Lima, Joaquim da
Silva Diniz e major João Bloem .
Em 5 de Julho de 1842 o barão de Monte Alegre, pre
sidente da Provincia, determinou que os senadores Diogo
Feijó, Vergueiro e Francisco de Paula Sousa e Mello se re
tirassem da Provincia .
Por decreto de 14 de Março de 1844 foi concedida ain
nistia aos compromettidos na revolução de S. Paulo e Minas
Geraes.
Por motivo da rebellião de 1842 foi organisado, para
defesa da capital, um corpo de volunturios, do qual foi
commandante o tenente - coronel Diogo José Machado, falle
cido a 25 de Outubro de 1863, fazendo parte da 1.* com
panhia do mesmo corpo os seguintes voluntarios : Jero
nymo Nunes Munhoz, João Homem Guedes Portilho, Miguel
José Corrêa, Salvador José Corrêa , Francisco Gonçalves de
Almeida, João Thomaz da Silva , Fraucisco Gonçalves de
Oliveira Machado, Antonio Samuel Strombek, Joaquim Ma
noel de Azevedo Marques, João Cancio Nunes Moreira , João
Rodrigues da Silva, Joaquim Maria Coelho, Constantino
Jo é dos Santos, Vital Antonio Corrêa Caldas, Joaquim José
Rodrigues de Sant'Anna, José Coelho Alves, Antonio Joa
quim Amaro, João Evangelista, padre Antonio José dos In
nocentes, padre José Joaquim Barbosa, padre Joaquim José
352

Barbosa, Florentino Pires de Oliveira, José Marcellino Ca


valheiro, Jesuipo de Cassia Lustosa, José Innocencio de Na
zareth , Francisco Mariano de Abreu , Francisco de Paula
Borges, João José Moreira Junior, João Damasceno Moreira ,
Albino José da Silva Latta, Manoel da Costa Guerreiro,
José Esprenger, Antonio José Leite, José Justino Vieira
Falcão, padre Joaquim de Araujo Rangel e Silva, Caetano
Antonio de Moraes, tanente Lourenço Josephino Cardim ,
João Alves Pinheiro, Thomaz Luiz Alvares , João Antonio
Mendes, Lourenço Domingues Martins, José Luiz Duarte,
José Alves de Sá Rocha, Domingos de Paiva Azevedo, Da
niel Sepra Cardoso, Manoel Serafim Rodrigues Lopes, Ma
noel Guilherme da Silva Cruz, Joaquim Pinto da Silva,
Manoel Soares da Costa, Manoel Joaquim de Andrade, Ayres
Coelho da Silva Gameiro, Antonio José de Lima, Antonio
Martins de Lima, Autonio José de Miranda, Antonio Ber
nardo Quartim , capitão Manoel Joaquim Coelho, Felisardo
Antonio Cavalheiro e Silva, Joaquim José Fernandes, José
Gomes de Faria, José Gomes Coelho, alferes José Joaquim
Rodrigues , Leandro José da Silva, João Martins de Azeve
do, João José de Sousa Fernandes e João Whitacker.
0 commandante dessa companhia foi o tenente Jayme
da Silva Telles, fallecido a 4 de Novembro de 1858, tendo
sido, pelo governo, encarregado de organizar a Contadoria
Provincial, boje Thesouro do Estado, em 1835 e sendo po
meado official-mor da mesma Contadoria por acto de i . ° de
Julho do mesmo anno e contador, a 7 de Março de 1838.
com a
O tenente Jayme da Silva Telles, que residiu ,
sua familia, no antigo predio terreo de janellas de rotula
da rua do Imperador, hoje Marechal Deodoro, n , 19, tomou
parte activa em a bernardo do coronel Francisco Ignacio,
pois quando, a 23 de Maio de 1822 , a tropa armiada desta
capital, sob a direcção do Brigadeiro Joaquim José Pinto de
Moraes Leme, coronel Francisco Ignacio de Souza Queiroz,
principal chefe da bernarda, coronel Francisco Alves Corrêa
do Amaral e dos sargentos -móres José Rodrigues de Oli
veira e Francisco de Paula Macedo, sabiu para а rua , O
mesmo tenente Jayme da Silva Telles, José Rodrigues de
Oliveira e Pedro Taques de Almeida Alvim , armados de es
pada e trabuco, andaram pelas ruas da cidade intimando,
com ameaças, aos timidos para que concorres: ein ao largo
de S. Gonçalo , hoje praça Dr. João Mendes, com fim de
0

engrossarem o movimento popular de 1822 .


No grande quintal do mesmo predio, onde residiu o di
to tenente Jayme da Silva Telles, que tambem desempenhou
o cargo de bibliothecario da Faculdade de Direito, existia
uma enorme jaboticabeira secular, a qual foi, la cerca de
30 annos, cortada , sendo feito nesse logar o predio 25
sobrado n . 19 - A , havendo sido o mesmo official, em 1846 ,
agraciado pelo ex - Imperador do Brazil com o grau de ca
valleiro da Ordem de Christo .
353

A proposito de um desacato que soffreram , na antiga


viila de Piracicaba, os tenentes Jo: é Ignacio de Andrade e
Vasconcellos e Jayme da Silva Telles, transcrevemos aqui a
seguinte e interessante representação que os mesmos dirigi
ram aos governadores interinos da provincia em data de 4
de Novembro de 1822 :
mos mos Sn.rs
« Ni.m e Ex.mo Representam a V. Exas. Os
Tenentes José Innocencio de Andrade e Vasconcellos, e
Jaime da Silva Telles, presos no Quartel Militar desta Ci
dade, que, achando-se elles na avenida da Constituição no
dia 12 de Outubro p . passado, quando naquella Villa, e na
casa da residencia dos supplicantes se fez a gloriosa Accla
macão do Snr. D. Pedro 1.' , nosso Augusto Imperador Con
stitucional , e p. a q.* l os Sup.es concorrerão, não só com
aquilo, q. lhes permetião suas posses, como até com servi
ços pessoaes, afim de q. se fizesse aq..e acto com mais pompa,
mo
e decencia ; acconteceo, q . na noite do m . dia, varias pes
soas da m.me V.", q. assistião aos festejos dedicados ao nosso
novo Imperador, esquecidos de seus deveres, passarão a in
sultar com palavras injuriosas ao Ten. Jaime, gritando em
altas vozes morra o Cap tão Jaime morra o Jaime -
0 q. ) vendo, q. o tumulto crescia, e q . sua vida se achava em
perigo, passou a requerer ao Cap.m Com . da V.* Dom.ºs es
Soares de Barros, desse provin.as p." que cessassem sem .
insultos ; pois q. do contrario elle se veria obrigd .” a defen
der sua honra, e vida injustamente atacada ; ao q. accudio
o Ten . José Innocencio dizendo , q. elle accompanharia,
se assim fosse percizo, não só p ." o defend er, como a honra
de sua Casa, e de sua familia . Com ef.tº o d.° Cap.m Com .
q. tão bem se achava na Casa dos Sup.es, falou ás pessoas,
9. promovião os ipsultos, e couseguio, q. tudo naq.la noite
mos
ficasse em sucego ; mas no dia seg.° os m . q . antes tinhão
incitado o povo, de novo principiarão a subleval-o, avisando
os Milicianos em nome de S. M. I. p ." q . nq. '* noite fossem
de novo insultar , e se fosse preciso matar ao Tenº Jaime, e
mais pessoas q. o defendessem , o q., sendo sabido pelo Comd.
da V.", que receioso de algû funesto acontecim . ' ' e de q .
suas ordens não fossem executadas pelos amotinados, limitou
se a ordenar som .“ aos sup.es se retirassem logo, e logo p.“
o Eogenho da resid . do Ten . José Innocencio , cuja ordem
foi pronta, e escrupulosam.te executadas pelos sup.es. Q.dº
les insultos socegarião com a auz."
parecia, q. os mutores daq."
dos sup.", pelo contrario logo q. de noite começarão os fes
tejos, eiles igualmente principiarão a insultaros Sup.es, a
D. Maria Angelica de Vasconcellos Verg.", e a sua familia,
com os nomes os mais injuriosos, cessando com os festejos os
insultos p ." elles praticados. Os mutores daq.la desordem re
ceosos, de q. so pedisse a V. Ex. húa satisfação, passarão a
empenbar se com D. Maria Angelica, afim de 9. nada re
queresse contra elles ; mas como vissem aq.l« Snr.” resolvida
a pedir a satisfação , temerosos do cartigo , q. lhes competia,
354

p.' terem perturbado o sucego publico, e atentado contra a


segurança pessoal de Cidadãos pacificos, nos dias 14, e 15
principiarão a convocarem - se p . virem a esta Cidade re
querer com antecipação contra os sup.es, persuadid.os que
deste modo minoravão seus Crimes ; porem conhecendo elles
a rectidão, e just." de V. Ex.as mudarão a sua viagem p . a
V. de Itú, onde achando q.m apoiasse as suas falsid.es, nos
persuadimos, de q. ali fomos accusados de crimes horrorosos,
à vista da maneira insultante, p . q. fomos presos, e condu
zidos até esta Cid . com o ultimo velipendio, sem atenção
algúa ás regalias, e foro, de q . gosamos, como Offi.es e Ci
dadãos livres, e manifesto insulto , e menoscabo de todas as
Leis, Bazes da Constituição, e Decreto de S. M. I. de 23 de
Maio de 1821 mui terminante a este respeito ; sendo muito
p.* admirar q., tendo sido cometidos na V.* da Constituição
os crimes, q . nos imputão, e havendo ali Justiças territo
riaes, só em Itú se desse a denuncia e se nos formasse 0

sumario ; q. as
mas
m.mas pessoas , q . vieram denunciar os sup.es
fossem as m , q . servissem de test. p." confirmarem os

ditos dos denunciantes ; pois q., de outro modo não se pode


comprehender, como distando Itú 14 legoas de Piracicaba em
menos de 24 horas fossem chamadas, e chegassem a Itú as
test." , q . devião jurar no Sumario ; q. , requerendo -se ali p."
nos serem declaradas as nossas culpas, p . serem aceitos em
nossa defeza alguns docum.tos, e algumas test.as q. se acha
vão em Itú, e q. tinhão presenciado em Piracicaba os factos das
noites de 12, e 13 ; a tudo se nos desse o Despacho de — In
deferido, ou de q . requeressemos pela competente Secr." d'Est.
de Justiça difficultando -se-nos, e tolhendo -se-nos todos OS

meios de hûa justa defeza. Vendo - se os Sup.'s privados de todos


os recursos, julgarão, q . nada mais devião requerer emq.to
não chegassem a esta Cid .", onde erperavão achar em V.
Ex.as toda a protecção p .* poderem mostrar sua innocencia e
defender sua honra injustam.º atacada os Sup.es confiados na
Imparcialid .° e Just." de V. Ex.ºs requerem a V. Ex.as
graça de mandarem proceder paq. V.“ da Constituição á
húa rigorosa Devaça, sendo para ella chamadas pessoas im
parciaes, fide dignas, e q . não sejam parentes dos mutores
dos insultos ali praticados, e q. jurem —
1.° – Se os Sup.cs forão, ou não insultados sem darem
motivo algú, em caza de D. Maria Angelica de Vas.106 Ver
gueiro, onde se tinha feito, e se continuava a festejar a
gloriosa Acclamação nas noites de 12 e 13 de Outubro p.° p.".
2. — Qual foi a conducta dos Sup.es q.do forão insul
tados e se derão motivo aos d.ºs insultos .
‫מן‬
3.0 Se o Alf. M.° Joaq.m P.tº de Arruda, e o Cabo
d'Esquadra Elias de Alm.da Prado andarão co dia 13 a sub
levar o Povo , e os Miliciannos a titulo do serv.° do Impe
rador p. continuarein a insultar os sup.es, p .* darem pan
cada, e até matarem se fosse percizo, ao Ten.° Jaime, o
355

Sarg.to Ant.' Joaq.m de Alm.da e F. Ferraz filho do falle -


cido João Ferraz forão convidados para este fim .
4.° – Se os mutores daq.les insultos forâo, ou nào empenha
rem-se com os Cap ." Dom .' Soares de Barros, João José da
Silva e com M. ' Duarte, afim de persuadiren a D. Maria
Angelica de Vas.los Vergr.° p ." não pedir satisfação dos in
sultos, q. se tinhão feito a ella, e aos Sup.cs
5. ° Se os autores dos insultos nos dias 14 , e 15 an
darão ou não a convidarein -se publicam.º huos aos outros p ."
virem jurar contra os sup.'s ; e se J. ° Fran ." , e Ant.° José,
moradores do Riº das Pedras forão ou não convocados, e q.al
o motivo, p . q. nào quizerão jurar.
6. ° Qual tem sido a conducta dos Sup.es durante o
tempo q. residirào naq.la V.", se na caza da sua rezid.4 ja
mais se falou contra o Imperador, ou contra o Erazil .
7.º - Se o Ten . Jaime tinha amiz.e ou medor CO
0

phecim.tº com os mutores dos insultos ; e se no dia 8 de


7.bro, unico, no q.al em caza do Vigr." daq.!“ V. concorreo
em comp . do Ten .° José Innocencio , com Mel de Barros
Ferraz, Vicente de Campos Gurgel, e José Ferraz, o d .“
Ten . Jaime dice algúa coiza contra 3. M. I. , ou se defen
‫ܕ‬

deo som .“ os habitantes desta Cid . atacados pelo d .° M.c de


Barros,
8. Se nos dias 12 , e 13 de Abro . havia na V.“ nu
mero de escravatura pert. aos eng.o* da administração do Ten.“
José Innocencio, q . pudesse cauzar a menor suspeita de vir
p . algú fim occulto .
9. – Finalm . se os sup.es intentarão ao menos frustrar
a Acclamação do nosso Augusto Imperador, ou se contribui
rào q . "" esteve de sua p.te p ." q . elle se fizesse inais pomposa.
Não he bastante, Exnos. Srs., q. V. Exas. expessão a
ordem p.: a Devaça acima requerida, unica prova capaz de
mostrar a falsidade com q. Os sup.'s são accusados ; he ne
cessario, que V. Exas. p . sua respeitavel ordem declarem ,
q. todas as pessoas devem sem temor jurar a verdade, visto
q. naquela V." se tem tido o desacordo de publicar q . S. MI.
aprovára os insultos feitos na V.* de Itú ao Sarg . mór
Francisco de Paula Macedo, e q. este era o melhor meio de
mostrarem o seu amor a Augusta Pessoa do m.mo Sr. , e
Cauza do Brazil. Os Suplicantes p . motivos, q . sendo per
cizo, apresentarào em publico, desde já dão p ." suspeitos ao
Ouvidor da Comarca de Irú, e todas as pessoas, q . jurarão
no Sumario contra os suplicantes não só por serem OS mu
tores de toda a desordem , como por deverem ser todos con
siderados como denunciantes, e como taes não poderem servir
ao mesino tempo de test."“, com o que claramente se mostra
o suhorpo, ou paixão, q. houve em todo este processo.
A rectidão de V. Exas. afiança aos suplicantes a graça,
q. hamildem . implorão, e q. esperão obter de V. Exas. q.
como prim . authoridade desta Prov.“, não só devem facili
tar aos sup." os meios q. se lhes nega p.* comprovarem sua
356

innocencia, como até mesmo evitarem, ou remediarem os


males, q. p .' motivos particulares , e q. os sup.cs ignorão se
lhes procurava fazer. “ Ds. g . a V. Exas. S.m Paulo 4 de
Obro . de 1822 . Illmos, e Exmos. Srs. Governadores in
terinos desta Provincia. José Innocencio de Andrade e
Vas.108 . – Jaime da Silva Telles »
Em 1865 foi mandada, pela Camara Municipal, abrir a
parte da rua da Casa Santa , hoje do Riachuelo, a começar
do velho edificio da Faculdade de Direito, para communicar
se com o bairro do Bexiga, prestando o vereador commen
dador Vicente de Sousa Queiroz ( barão de Limeira) e talle
cido a 5 de Setembro de 1872, gratuitamente o terreno
necessario para a abertura da mesma rua, tendo aquelle ti
tular, por termo de concessão lavrado a 26 de Janeiro de
1846, na Camara Municipal por ordem do presidente da Pro
vincia, datado de 8 de outubro de 1845, obtido permissão
para ter em sua cbacara (actual tvenida Brigadeiro Luiz
Antonio e ruas adjacentes, um anel de agua do encanamento
que então se fazia para a conducção das aguas ao chafariz
de São Francisco, offerecendo, paquella occasião, ao governo
da Provincia , para coadjuvação das despezas com as refe
ridas obras, a quantia de duzentos mil réis e mandando fazer
a sua custa o encanmento para a mesma chacara.
Esta chacara, que pertenceu aos religiosos franciscanos, foi,
alguns annos depois que os mesmos se retiraram do Convento de
São Francisco, vendida pelo padre provincial ao commendador
Vicente de Souza Queiroz ( barão de Limeira), filho mais moço
do brigadeiro Luiz Antonio de Souza, natural de Portugal e
fallecido a 30 de Maio de 1819, havendo o mesmo brigadeiro
residido no grande predio de sobrado da rua do Ouvidor,
hoje José Bonifacio, n . 30, sendo que por indicação do ve
reador dr. Francisco de Penpaforte Mendes de Almeida a Ca
mara Municipal, em sua s -ssão de 7 de janeiro de 1887 e
por unanimidade de votos, resolveu mudar o nome de rua do
Ouvidor para o de José Bonifacio (o moço).
Era na antiga casa terrea, que foi demolida e recons
truida em 1853, no mesmo local, o vasto predio de sobrado
n . 25 da rua do Riachuelo e que hoje serve de Forum Cri
minal que, até principios de 1828, os frades franciscanos
faziam distribuição de comida e esmolas aos pobres, que
eram soccorridos pelo Convento de São Francisco , sendo, por
esse motivo, a referida casa terrea denominada Casa Santa
e sendo a rua tambem denominada com o nome da mesma
Casa Santa , unica que nella existia em 1812.
Tendo a lei n. 1113, de 24 de Dezembro de 1907 , creado
na capital tres varas crimidaes e o decreto n. 1575, de 19 de
Fevereiro de 1908, regulamentado aquella creação, e sendo
por demais acanhado o antigo predio de sobrado da rua do
Quartel, hoje Onze de Agosto, n . 23, onde funccionavam os
serviços civeis, commerciaes e criminaes da comarca da ca
pital, e attendendo ao grande desenvolvimento que iam ter
1 357

os serviços crimes foi pelo dr. Washington Luis Pereira de


Sousa, então Secretario da Justiça e da Seguranca Publica,
tomado de arrendamento o vasto predio de sobrado p . 25 da
rua da Casa Santa , boje rua do Riachuelo, sendo ahi instal
lado o Forum Criminal, havendo o mesmo Secretario da
Justiça entregado o referido predio ao juiz de direito dr .
Adolpho Julio da Silva Mello, director do mesmo estabele
cimento publico, no dia 31 de Março de 1908 e effectuando
se a respectiva inauguração a 1.º de abril do mesmo anno .
O Forum Civel, que foi creado em 1896, funccionou
por espaço de 19 annos, no antigo predio da rua do Quartel,
hoje rua Onze de Agosto, n . 23 , passando, depois de feitos
os necessarios concertos a funccionar no grande predio de
sobrado da rua do Thesouro, pertencente ao Governo do Es
tado, realizando-se a sua instalação, nu presença do conse
Theiro dr. Francisco de Paula Rodrigues Alves e dr. Eloy
de Mirauda Chaves, Presidente do Estado e Secretario da
Justiça e da Segurança Publica, a 16 de Setembro de 1915 .
Esse mesmo edificio, que começou a ser construido no
governo do dr. João Theodoro Xavier (1872-1875 ), ficou con
cluido do gov - rno do dr. Sebastião José Pereira ( 1875-1878 ),
tendo tido logar a sua inauguração, com um grande baile
offerecido pelos capitalistas da cidade ao Conde d'Eu e a sua
coinitiva, na noite do dia 9 de Julho de 1877 , em regosijo
pela inauguração da Estrada de Ferro São Paulo e Rio de
Janeiro, que foi encampada pelo governo da União em 1890
e incorporara á Estra la de Ferro Central do Brasil .
Alguns dias depois que teve logar a mesma festa, foi
transferida para o mesmo edificio a R -partição do Thesouro
Provincial , que funccionava em uma das salas do antigo
Palacio do Governo, demolido em 1881 , por ordem do sena
dor rio-graodense Florencio Carlos de Abreu e Silva, eutão
presidente da Provincia .
Em 1880 a Escola Nor nal passou a funccionar no pa
vimento terreo do mesmo edificio, mudando-se depois para a
rua da Boa-Morte .
Em 1897 , depois de haver se mudado a Repartição do
Thesouro do Estado para o edificio em que ora se acha,
passaram , por concessão gratuita do Governo do Estado, a
funccionar, no referido edificio da rua do Thesouro, todas as
Repartições da Camara Municipal e da Prefeitura, havendo
estas se mudado, em meiados de Agosto de 1914 , para a

nova casa de quatro andares da rua Nova de S. José, hoje


rua Libero Badaró, n . 98 e pertencente ao Conde de Prates.
No dia 16 de Maio de 1894 teve logar a inauguração
da rua Brigadeiro Luiz Antonio e adjacentes, as quaes fo
ram pela distincta e virtuosa senhor: paulista baroneza da
Limeira, fallecida a 24 de Abril de 1905 , mandadas abrir,
tendo procedido a bençam das mesmas ruas o conego arci
preste dr. João Jacintho Gonçalves de Andrade. lente jubi
lado da Faculdade de Direito, e fallecido a 17 de Janeiro
358

de 1898 , e era irmão do conselheiro dr. Francisco Justino


Gonçalves de Andrade, fallecido a 25 de Julho de 1902 .
No largo do Ouvidor existia, nas immediacões dos pre
dioz terreo n . 4 e de sobrado n . 7 , uma grande cruz de
pedra de cantaria , a qual, ha mais de trinta anuos , foi de
inolida pela Camara Municipal, por pedido do conselheiro
padre dr. Vicente Pires da Motta, então director da Facul
dade de Direito, dando, como principal motivo, o facto dos
estudantes fazerem travessuras no mesmo local em que es
tava a Cruz, tendo derrubado um dos braços da mesma.
Na rua do Principe, hoje Quintino Bovayuva. tambem
existia uma grande cruz de madeira, pintade com tinta pre
ta, sendo que essa cruz, alguns annos depois da installação,
a 1 de Março de 1828 , da Academia, varios estudantes, pas
sando, á noite, por aquella rua, entenderam , por troça, tirar
a cruz do logar em quo se achava, que era entre as ruas
do Senador Feijó e do Riachuelo, e a levaram para o largo
do Bexiga, hoje do Riachuelo, e a jogaram no rio Anhan
gabalú, que pelo mesino Jogar passava e que , ha mais de
vinte anvos, foi canalisado .
Manoel José da Ponte, que naquella época residia nas

immediações daquelle rio, logo que viu a tradicional cruz

alli jogada, tratou, ajudado por algumas pessoas, de reti


ral-a e levou a para a sua casa , na qual mandou fazer uv a
capella, que é a que ora existe e se denomina Sonta Cruz
do Piques.
Em 1842, por occasião da revolução, foi, na ponte do
Piques, feita uma trincheira, sendo que, em Julho de 1794,
deu -se começo á obra da referida ponte sobre o rio Anhan
gabahú , a instancias do governador e capitão-general Ber
nardo José de Loreur, por subscripção publica, passando en
tão a mesma a ser denominada Pon'e do Lorena .
No dia 1.º de Janeiro de 1850 cahiu, nesta cidade ,
uma copiosissima chuva , desde 5 horas da tarde até 11 da
noite, que causou o transbordamento dos tanques do Bexiga
e Reúno, tendo crescido as aguas no rio Anhangabahú inun
dando muitas casas, destruindo completamente 15 e damnifi
cando consideravelmente em 12 e a quéda da ponte deno
minada da - Abdicaçãri na Jadeira do Acú e que ficava
perto do antigo Mercado de S. João, perda de tres vidas e
prejuizos publicos e particulares.
Esse Mercado, que ficava proximo do principio da rua
Formosa, foi construido no local em que , autes , existiram
pequeno; e antigos predios te reos, situados na rua do Se
minario e pertencentes á Santa Casa de Misericordia e que
confinavam : de um lado com o começo da rua de S. João e
do outro lado com o becco do Sapo e pelos fundos com 0
rio Anhangabahú, sendo esses pequenos predios desaproprin
dos em fias de 1886. pela Camara Municipal, pela quantia
de 28 contos e inaudados demolir para ser feito no local
Mercado de S. João, que foi inaugurado a 30 de Junho de
359

1890, importando as respectivas obras em cerca de cem


contos de réis.
Em principios do mez de Agosto de 1914 deu-se inicio
á demolição do Mercado de S. João, tendo-se inaugurado,
em substituição do mesmo, na rua Anhangabaho um outro
Mercado provisorio, a 14 de Agosto de 1914 .
Em frente do antigo Mercado de S. João existiu 0

theatro Polytheama, que foi construido em madeira e zinco.


A sua inauguração, com um espectaculo da Companhia
equestre dirigida por J. Pierantoni, teve logar a 21 de fe
vereiro de 1892, sendo o edificio do mesmo theatro destruido,
por um violento incendio, na tarde de domingo, 27 de de
zembro de 1914 .
O engenheiro marechal Daniel Pedro Müller, por porta
ria do governo provisorio de 26 de agosto de 1814, foi en
carregado da construcção da estrada do Piques ; e, dando
execução a esse trabalho, apresentou á coosideração do mesmo
governo a planta da referida estrada e de outros melhora
mentos no mesmo local, acompanhado de um officio datado
de 17 de outubro de 1814, o qual é o seguinte :
« Ex.mos e Ill.mos Snr", - Encarregado por V. Ex.cia, e
S. S. pela Portaria de 26 de agosto do presente anno, da
construcção da estrada do Piques, desta Cidade, posso apre
sentar as seg.te* reflexoens.
Na planta junta se vê a falta de parallelismo que há
naquella Rua, e que o lado A A hé muito mais alto que o
B B ; não ha pois outro meio se não faser duas ruas em dif
ferentes planos, sendo a mais baixa, como principal, a mais
larga incubrindo - se aquelle defeito : isto pode cer de dous
modos.
1.º Fazendo-se a muralha na direcção C, a, b, d, colo
cando o xafariz em 0 ; mas desta maneira se vê que a rua
alta fica com os seus lados em direçoens que hão de fazer
hum muito mao effeito, a praça do xafariz, e a rua maicr,
acanhadas ate mesmo ha de parecer irrisorio o formar-se huma
muralha, que só tem por fim sustentar os tres rediculos edi
ficios, que mostra o mappa .
2.• Edificando - se a parede na direcção e, f, g h com o
xafariz em R , arrazando -se o terreno b, g, h, i l, fica a obra
a mais perfeita, que posso conceber neste caso, porque o de
feito do parallelismo, que he mais preceptivel em lugares es
treitos, que nos largos fica muito remediado ; pois que na rua
alta he perfeito, e na baixa disfarçado pela praça ; resulta
pois muita mais elegancia, e menos despesa : porque as pa
redes que se hảo de construir são menores, e não ba neces
sidade de conduzir terras (que no 1.º caso ha de m.is“) apro
veitando- se as que se desmontão da parte elevada, particu
laridades estas, que certamente poupão, o que se ha de gastar
da compra do terreno.
Mas para se conseguir este segundo projecto, que neces
sariamente me parece se deve seguir, he necessario que V.
- 360

Ex.cin, e S. S. mandem proceder á avaliação do terreno b, g,


h, i, l, pelo Senado desta cidade, e que este se pague aos
seus dônos pelo cofre que deve fazer a despeza : ora esta
avaliação não pode montar a muito, as cazas são de muito
pouco valor, e os donos podem approveitarhuma grande parte
dos materiaes dellas ; clausula que os avaliadores devem ter
em vista.
Espero pois que V. Ex.cia, e S. S. attendendo a esta
minha represemtação, hajão de dar -me o mais breve possi
vel decisão a este respeito conforme o prudente e sabio jui
zo de V. Ex.cia , e S.S. julgarem acertado ; porque se deve
aproveitar, para principio dáquelle trabalho ( 1 ) que se vai
fazer em memoria do gov.° de V. Excia, e S.S., o resto da
estação secca deste anno. S. P.10 17 de Ebrº de 1814 .
Sou com todo o resp.º De V. Excia, e S.S. o mais re
verente subd.º Daniel Podro Müller , »
O governo provisorio, de que falla o mesmo marechal
Müller no final do seu officio era composto do bispo d . Ma
theus de Abreu Pereira, ouvidor d . Nuno Eugenio de Los
sio e Seilbz e chefe de esquadra Miguel José de Oliveira
Pinto e que, no dia 8 de Dezembro de 1814, entregou o
mesmo governo a d . Francisco de Assis Mascarenbas (conde
de Palma), nomeado governador capitão -general de São
Paulo, tendo sido, depois da independencia do Brazil, em
1822, nomeado senador do Imperio pela provincia de São
Paulo, por carta imperial de 22 de Janeiro de 1826 ; tomou
assento a 4 de Maio do mesmo anno e falleceu a 6 de Mar
ço de 1843 .
A pyramide do Piques, que se inaugurou no mesmo an
no de 1814, foi feita de pedra de cantaria e executada pelo
mestre de pedreiro Vicente Gomes Pereira , o mesmo traba
lho, sob a direcção do marechal Daniel Pedro Müller .
Este engenheiro veiu para S. Paulo como tenente -aju
dante de ordens do capitão- general Antonio José da Frap
ca e Horta, que governou a capitania de s . Paulo, desde
1802 até 1811 , havendo o mesmo marechal Müller feito
parte do governo provisorio, acclamado pelo povo e tropa
desta capital no dia 23 de Junho de 1821 , e prestou bons
serviços , como engenheiro , á antiga capitania e exe :utou
bons trabalhos cartographicos, sendo natural de Portugal de
familia alleman .
Por occasião do fallecimento, a 1.º de Agosto de 1841 ,
do marechal de campo reformado Daniel Pedro Müller, o
ministro da Guerra dirigiu ao chefe de esquadra Miguel de
Souza Mello e Alvim , então presidente da antiga provincia
de S. Paulo, o aviso seguinte :
« Aviso de 18 de Agosto de 1841 , em resposta do officio
d'esta Presidencia sob N.° 137 , de 6 do mesino mez.

(1 ) Pyramide.
361

Ill.mo e Ex.mo Sr. – Levei á Presença de Sua Mages


tade O Imperador o officio sob N. 137 , de 6 do corrente
mez, em que V. Ex. participa o lastimoso fim do Marechal
de Campo reformado Daniel Pedro Müller ; cuja perda , por
uma maneira tão deploravel, muito sensibilisou o Paternal
Coração do Mesmo Augusto Senhor. E respondendo á outra
parte do citado officio , em que V. Ex.a pondera a falta, que
faz ao serviço publico da Provincia de S. Paulo tão bom
servidor do Estado : communico a V. Ex.", que n'esta data
se expedem as convenientes ordens, para que o 1.º Tenente
de Engenheiros Manoel José de Araujo, parta quanto antes,
apresentar -se a V. Ex.“ Deos Guarde a V. Ex . Palacio do
Rio de Janeiro em 18 de Agosto de 1841 . José Clemente
Pereira . — Snr. Presidente da Provincia de S. Paulo..
O officio que o mesmo presidente dirigiu ao ministro da
Guerra dando a este conhecimento do lamentavel facto, que
muito emocionou o antigo povo paulista, é concebido nos
seguintes termos :
« N.° 137. — Ill . mo e Ex.mo Spr. - Possuido da mais
profunda magoa tenho a participar a V. Ex." que o Mare
chal de Campo Reformado Daniel Pedro Muller acaba de
perecer desgraçadamente. Sahiu elle a passear na tarde do
dia 1.º do corrente, da Chacara em que vivia, situada meia
legôa a Oeste d'esta Capital : não se recolheo essa noite ; e
no dia seguinte pela manhã foi a :hado morto afogado no
Rio dos Pinheiros, que corre perto de meia legoa alem d'aquella
Chacara. Conduzido o cadaver para a Cidade, foi no mesmo
dia 2 a noite sepultado na Igreja do Carmo, fazendo -se -lhe
as honras funebres que competem á sua Patente. Dos es
criptos que deixou á sua Familia se conhece ter sido elle
mesmo que voluntariamente procurou a morte . Parece que
a falta de meios que em silencio padecia , e 0 ver algúas
pessoas de sua Familia soffrendo as mesmas faltas sem poder
valer-lhes , forão os motivos que levarão hum homem de
tanto saber, e virtudes , a cometter o terrivel suicidio . A morte
d'este distincto, e habilissimo Engenheiro , que sendo húa
perda irreparavel para as sciencias, e para o Imperio , hé
para esta Provincia húa calamidade publica , me_põem na
necessidade de instar pela vinda de dois Officiaes Engenhei
ros, ou ao menos de hum para serem empregados nas obras
Publicas d'esta Provincia , conforme foi requerido a V. Ex. "
pelo meo antecessor em officio de 15 de Maio do presente
anno sob n. 73, e por V. Ex.“ concedido como consta dos
Avisos de 24 e 29 do mesmo mêz . Deos Guarde a V. Ex.*
Palacio do Governo de S. Paulo 6 de Agosto de 1841 .
- Ill.mo e Ex.mo Snr. José Clemente Pereira . Miguel de
Sousa Mello Alvim .
Com relação à estrada do Piques, transcrevemos aqui os
seguintes officios :
« P.a a Camara desta Cid . Remettemos a vm.ce o off.
incluso q. nos derigio o Ten . Coronel Daniel Pedro Muller
.
362

encarregado da obra que se vai fazer na Ladeira do Pir, ues


o qual nos representa a necessidad. que bá de se avaloar o
terreno, e tres pequenas casas nelle comprehendidas na m.ma
ladeira p." se dar principio, a dita obra : o que ordenamos a
ym .
ces assim o fação emmediatamente e com as clausulas do
mesmo Off. mencionadas, enviando-nos pela Secret." deste
gov .° a avaloação que fizerem de d.º terreno e Casas. D.
g.e a vm.ce. São Paulo 19 de 8hro. de 1814. - D. Matheus
Bispo. – D. Nuno Eugenio de Locio e Seilbs. – Miguel J.
de Oliveira Pinto . »
mo
Ex . " e Ill m : 8 Senhores . Em consequencia do Off.°
que V. Ex." e S. S. me dirigirão de data de 19 do corr.
se procedeo a avaluação do terreno, e tres propriedades de
Casas, que obstarão a maior perfeição, e facilidade na Obra,
que se vai fazer na ladeira do Piques, de que está encarre
gado o Ten . Cor. Daniel Pedro Muller ; e do termo de
avaluação incluso Verão V. Ex.“, e S.S., que emporta a
total quantia da mesma avaluação 440$ rs., reservadas as
telbas, e madeiras p. os proprietarios ; á favor de Cada hú
dos quaes, parece , que V. Ex ." e S. s. deverão mandar
passar Portaria ao Thesoureiro da Junta da Contribuição
Voluntaria do Caminho para lhes ser paga a q.ta rellativa a
Cada proprietario ; visto que p.' aquelle dinheiro se faz
aquella Obra , considerada como de estrada ; sendo serto que
na compra d’estas propriedades se vem a despender talvez
muito menos , do que na factura da muralha, que ao contra
rio se deveria fazer, ficando muito mais formosa a rua, e
toda a Obra : Deos G. a V. Ex. e S. S. São Paulo 22 de
Outubro de 1814. – 0 Juiz de Fora Presidente da Camr.
Estevão Ribeiro de Rezende . »
« P." o Ten . Coronel Daniel Pedro Muller. Remettemos
a vm.º a resposta q . nos deo o Juiz de Fóra desta Cidad . a
qual acompanhou a exorbitante avaloação q. p." ordem nossa
mandou proceder das tres pequenas propriedades mencio
ce
nadas na represent.am q.º vm . nos deregio p ." a vista da
ma
m. " informação nos informar se convem fazer - se a muralha
delineada no seo plano, ou comprarem -se as referidas Pro
priedades. D.* ge a vm.ces. S. Paulo 24 de 8br.º de 1814 .
D. Matheus Bispo . D. Nun. Eug.' de Locio e Seilbs.
Miguel J. de Olivr. Pinto. »
A Constituição de 25 de Março de 1824
Discurso proferido na sessão de 20 de Março de 1917
por

Affonso A. de Freitas
SOCIO EFFECTIVO DO INSTITUTO
« SNRS . CONSocios :

Decorridos mais alguns dias assistirá o Brazil á passa


gem da data anniversaria de um facto historico até hoje
pouco commemorado e quasi olvidado pela nossa nacionali
dade.
A 25 de março de 1824 , portanto, ha 93 annos menos
cinco dias, Pedro I , depois de dissolvida a Constituinte e
ligeiramente modificado pelos conselheiros de momento o
primitivo projecto apresentado á Assemblea dissolvida, jurou,
dizem as chronicas que solennemente, a primeira Consti
tuição politica brazileira.
Este acontecimento, apezar de sua alta relevancia poli
tica, jámais mereceu o carinho nacional : curioso e interes
sante é estudar- se no animo do povo brazileiro e ro gráu
de liberdade que o seu espirito de collectividade já na época
exigia, muito superior ao que lhe era concedido pela con
stituição outorgada. as causas da frieza com que foi recebi
do o gesto imperial.
Ao passo que o liberalismo dos Andradas, de Feijó e
de Evaristo, confundindo-se com o incipiente conservato
rismo de Araujo Lima e de Pereira da Cunha, aceitava sem
reluctancia o arrochante centralismo do pacto jurado, a
massa popular se agitava, pedindo maior dóze de liberdade
para sua acção e mais dilatada amplitude no direito de mais
de peito tratar de seus interesses.
As Juntas Provisorias creadas por carta de lei de 1.° de
Outubro de 1821 , assim como os Conselhos Provinciaes que
se lhes seguiram revelaram -se sempre incapazes de entestar
a evolução popular, por insufficiencia de autonomia, mani
festando -se praticamente sua acção, sivão como entrave, se
guramente como elemento inerte em face do progresso regio
nal . O presidente de provincia, delegado especial e de
intima confiança do Gabinete Imperial, só agia de accôrdo
com os interesses do governo central , os quaes nem sempre
eram confórmes aos das circumscripções administradas.
O povo brazileiro , esse mesmo povo a quem ainda hoje
se atira o calumnioso labéu de ter assistido bestializado ao
advento da Republica em 1889, já no principio do seculo
dezenove anciava por liberdade mais ampla que a concedida
pela constituição de 25 de março : no ambiente nacional , de
norte a sul, evoluiam alcandorados ideaes de democracia e
federação.
Em São Paulo as tendencias para um liberalismo mais
amplo e são elevaram-se em {breve das massas fignotas do
366

plebeismo ás cerebrações mais pujantes da politica regional


e, contemporaneamente ao apparecimento da imprensa local,
romperam pelas columnas dos jornaes com a feição de legi
tima aspiração nacional .
Em janeiro de 1832 apparece nesta Capital Federa
lista, pregando a doutrina de que « somente ao publico oc
corre o direito de determinar o que seja de utilidade publica » ,
porém , quem mais habil e mais desassombradamente se
bateu, antes e depois do Federalista , pelas reformas admi
nistrativas no sentido federativo foi o Observador Constitu
cional, periodico fundado por Libero Badaró e que sempre
conservou o espirito ardorosamente combativo do mallogrado
publicista .
Ao argumento dos conservadores de que o Brazil ainda
não possuia bomens aptos e nem recursos de dinheiro para
manter o regimen federativo, respondia o valente orgam li
beral , em editorial de 23 de setembro de 1831 , dizendo que,
tambem por occa ião da escolha de Deputados ás côrtes
portuguezas e das eleições á Constituinte Brazileira, os des
crentes e desanimados duvidaram que « houvesse homens no
Brazil capazes de sustentar nossos direitos em Côrtes » e
« Deputados que na primeira Assembléa Nacional firmassem
definitivamente possa independencia » .
() Observador era de opinião que « os homens appare
cem com as instituições » : « si as provincias, affirmava elle,
não têm hoje tantos homens sabios quantos sejam bastantes
para formar um conselho numeroso e que pela sua sabedoria
sejam capazes de apresentar discussões pomposas e brilhantes,
é inegavel que a maior parte dellas têm homens que possam
curar ile seus interesses com mais afinco e proveito, por isso
que estando elles mais em contacto com suas necessidades e
limitados em seus cuidados nos negocios provinciaes, podem
melbor covhecer e prover ao que lhes fôr mistér, do que
um Governo que, distante centenas de leguas, ignara na
realidade a maior parte de suas necessidades, finge ignorar,
por qualquer motivo, a maior parte de outras e, occupado
com o timão dos negocios geraes , provê coin insufficiencia
áquelles que de bôamente quereria prover, e em todos os
casos as provincias perdem » .
Prégando o ideal de descentralização, a novel democra
cia brasileira evoluia tambem no sentido da eliminação de
perpetuidade de privilegios, e tão impregnado veio a ficar
o espirito nacional da salutar doutrina, que a vitaliciedade
do Senado, debatida vas sessões de setembro e outubro de
1832, conseguiu apenas um voto de maioria e, para o con
seguir, mistér foi que o Senador Marquez de Queluz, pa
ralytico, paraplegico, se fizesse transportar ás Camaras reu
nidas, afim de dar o seu voto .
A vitaliciedade da Camara alta prevaleceu por 58 votos
contra 57 ; destes, 3 haviam sido dados por Senadores dos
quaes um , Nicoláu de Campos Vergueiro, representava São
567

Paulo. Votaram tambem contra a vitaliciedade os Deputa


dos paulistas Lourenço Pinto de Sá Ribes e Antonio Paes
de Barros, 1.º Barão de Piracicaba.
A campanha em prol do regimen federativo foi tão in
tensa dos tempos que se seguiram ao juramento da primeira
constituição politica, que, em 1832, a Camara dos Deputados,
arınada da lei de 12 de outubro, rompeu os debates promo
vendo a reforma liberal da lei basica em vigor.
Os representantes da nação mais radicados ás aspirações
liberaes bateram -se na Camara baixa pela eleição dos Pre
sidentes de provincia, pela concessão de uma coustituição
particular para cada circumscripção politica, pela transfor
mação dos conselhos em assembléas provinciaes, além de
outras reformas tendentes a integrar o regimen constitu
cional representativo em monarchia federativa .
Mas todos esses sonhos de alevantado progresso liber
tario destinados a se converterem em realidade somente com
o advento da Republica, evaporaram -se então através da
opposição parlamentar, tendo o liberalismo da época obtido
de apreciavel, com a promulgação do memoravel — Acto Addi
cional , — apenas a conversão dos Conselhos em Assembléas,
couquista illusoria pela ausencia de uma constituição pro
vincial e pela permanencia da escolha do Presidente da pro
vincia pelo Governo Geral .
Eotretanto, si attentarmos para as condições da nacio
nalidade brazileira por occasião da passagem da lei de 24
de agosto de 1834, conhecida por Acto Addicional , - te
remos de bemdizer dos retrogados, concordando terem eiles
bem nerecido da Patria , virtualmente resguardando - lhe a
unidade physica e politica.
Realmente, disseminado através de todos os parallelos,
por um territorio sem linbas isothermicas, de coincidencia
em mais ampla extensão, em grupos isolados pela carencia
de meios de communicação rapidos e permanentes que cor
rigissem os inco : venientes politicos decorrentes da nossa
formação territorial, teria o povo Brazileiro, de posse da fe
deração exigida pelos liberaes de 34 , sem o querer e sem o
sentir, fatalmente arrastado o Brazil á desaggregação poli
tica .
A causa provavel do quasi olvido a que temos votado
a data do juramento da nossa primeira constituição foi o não
ter esta sati: feito por completo as aspirações nacionaes de
todos os tempos .
Entretanto, embora assim sendo, embora sua promulga
ção haja sido uma violencia desnecessaria e um gesto de
impertinerte prepotencia do fogos2 imperante , gesto e vio
lencia que o deveriam conduzir ao 7 de Abril, o certo é
que a nossa primeira lei basica , collocando -nos definitiva
mente no regimen coustitucional , vibrou o ultimo golpe no
atavico absolutismo que até então nos vinha enervando , e
369

só essa circumstancia é bastante a impedir a relegação da


data de 25 de Março ao completo esquecimento.
A primeira constituição politica brazileira , embora jura
da fóra da Constituição, onde o deveria ter sido, foi o corollario
exigido pela proclamação de nossa independencia, e assi
gnala a etapa equidistante de liberdade entre o carunchoso
absolutismo bragantino e a conquista constitucional de 24
de Fevereiro de 1891 , no mesmo grau de significação patrio
tica com que o memoravel 7 de Setembro medianeia na
senda ascendente que nos conduziu do jugo luzitano ao re
gimen republicano actual.
Os medicos dos tempos coloniaes
PELO

DR. ALFREDO DE TOLEDO


SOCIO BENEMERITO DO INSTITUTO
Lançando vista esquadrinhadora sobre os dias idos, em
que a terra 'paulista era administrada pelos loco - tenentes do
donatario, e ainda sobre os tempos menos afastados em que
os capitães-generaes a governavam como directos represen
tantes da metropole , o investigador nelles não encontrará
muitos nomes de facultativos habilitados por gráus academi
cos para o exercicio da medicina. Mesmo em Portugal havia
então grande falta de medicos, porque a natureza dos estudos
que deviam frequentar os tornava suspeitos de impiedade e
os collocava sob a fiscalização rigorosa, esmiuçadora, impla
cavel do Santo Officio e assim o respectivo curso na Uni
versidade de Coimbra não poderia facilmente attrahir alum
nos. Os facultativos , para evitarem o perigo que similhante
suspeita lhe creava a fogueira em que foi queimado vivo
o dr. Joào Thomaz de Castro , medico fluminense , morador
em Lisboa , ou a prohibição de clinicarem no reino quando
sahissem reconciliados procuravam com empenho alistar -se
entre os familiares da Inquisição . Em taes circumstancias,
nos dominios coloniaes portuguezes, o exe cicio da medicina
não podia deixar de fatalmente cahir nas mãos dns cirurgiões ,
dos curardeiros, dos benzilhões . Simão de Vasconcelles , nar
rando em sua « Chronica da Companhia de Jesus » , que em
1554 grassou entre os indios da villa de São Vicente uma
como peste terrivel de priorizes e que os padres da Compa
panhia a combaterain realizando nove procissões e fazendo
sangrias com seus canivetes de aparar pemas, accrescenta que
não havia na terra medico ou saugrador, nem mesmo lanceta.
E de notar -se, para evitar a estranheza da falta de lancetas
em 1554 , que mais de dois seculos e meio depois , em 1811 ,
os cirurgiões da cidade de São Paulo , que o capitào general
1777 qualificára de máus, não dispunham de outros instru
mentos , e estes mesinos só um os possuia , que são « dous
athé trez Bistoris , alguma Lanceta , Penta, Agulha, Serra ,
Faca e Tornequeta » .
A carencia de medicos não occorreu apenas nos primeiros
annos da colonia, pois em 24 de Maio de 1722 o senado da
Camara e os homens bons de São Paulo, ponderando que
e hera muito conveniente houvesse hum medico de profissam
nesta cidade pelo prejuizo que Estam Experimentando todos
os moradores della em falta de medico » , deliberaram esta
belecer e hua congroa certa por anno » para pagamento de
um medico, fixaram -ua em duzentos inil réis e desde logo se
avençaram dezeseis casas para a formação da congrua . Apezar
dessa providencia do governo municipal, a medicina continuou
a ser exercida por cirurgiões e , entre elles, por Antonio da
372

Mota, a quem , por uma provisão de 20 de Março de 1714,


registrada na Camara Paulistana em 1718, foi concedida li
cença para usar da arte de cirurgia em todos os reinos e
senhorios de Portugal , porquanto a tinha aprendido e pra
ticado com Antonio Carneiro , cirurgião approvado do hospi
tal da cidade do Rio , e fora schado apto e sufficiante no exame
a que procederem o dr. Mauoel de Pinna Coutinho, cirurgião
mór do Reino , Francisco da Cruz e Filiciano de Almeida,
cirurgiões da Casa Real .
Em 1733, o governo da metropole estabeleceu o ordenado
annual de cem miı réis ao « medico que quizesseter o partido
e obrigação de curar a infantaria da praça de Santos », mas
nem assim attrahiu facultativo algum para a villa de Braz
Cubas, pelo que em 1736 a respectiva Camara fez uma re
presentação pedindo o augmento do ordenado, visto não terem
sido poderosas as repetidas diligencias para se conseguir
para
com tão diminuto ordenado > a vinda de um medico
clinicar na dita villa. D. Luiz de Mascarenhas, governador
= capitão general da antiga donataria de Martim Affonso, de
ferindo um requerimento de Joãs Corrêa de Andrade, em que
este allegava que vinha exercendo na villa de Santos < a
occupaçam de Sorgiam a bastantes annos com bôa satisfação
e aseitaçam do pouo » , concedeu- lhe por uma provisão de 9
de Junho de 1743 a pedida licença para continuar a exer
cel -a por seis mezes e por outra provisão de 29 de No
vembro do mesmo anno renovou a licença por outro egual
lapso de tempo. Manoel Pinto Moreira, que em 26 de Fe
vereiro e 23 de Junho de 1739 , assim como em 13 de Maio
de 1743, obteve provisões de procurador de causas em São
Paulo e sua comarca , justificou seu pedido da provisão , que
lhe foi passada em 29 de Janeiro de 1746 , de procurador na
villa de Guaratinguetá , com a necessidade de « sua esistencia
na d . V.", pois usava tambem o sup. e de curar certas
queyxas por não haver nella outra Pessoa de Profissão » .
João Baptista Victoriano, aprestando-se para entrar no
sertão á procura das minas de ouro a que alludia um antigo
e vago roteiro de Antonio Mendes, não ajuutou, por cautela
contra as molestias, á sua bagagem , constituida das provisões
necessarias para a alimentação da numerosa comitiva, outro
medicamento, outra mezinha que não uma formula para a
bençam do ar com a qual afugentaria todas as enfermidades :
« Em nome de D.s Padre + Em nome de D.s f.° + Em
nome do Espirito Sanco + Ar vivo, ar morto, ar de estupor,
ar de perlezia , ar arenegado, or excomungado, eu te arenego .
em nome da Santicima trindade q sayas do corpo desta
Creatura, ou animal e q' vas parar no mar sagrado p." q'
viva sam e aliviado r . 03 bandeirantes, que tornavam maior
a patria , afastando para o occidente o meridiano do tratado
de Tordezilhas, em suas entradas no sertão, percorrendo vales
transpondo montanhas, vadeando rios, varando mattas virgens,
373

palmilhando tremendaes, soffrendo o relento, estando á mercê


das intemperies, não se premuniam , e nesta affirmação não
vae exagero, contra as insidias do selvagem a não ser de
gibões alcochoados e contra as enfermidades se não de for
mulas de natureza egual a conservada por Victoriano : Ar
vivo, ar morto, ar de estupor, ar de perlezia, eu te arenego !
Esses benzimentos, em que se vê o consorcio das crenças
religiosas com a concepção fetichista do estado morbido, não
destoavam do empirismo que dominava sem contraste a arte
de curar, muito embora os principios do seculo XVIII já
tivessem presenceado, em Santos, São Paulo e outras villas
a clinica de um medico diplomado, muito provavelmente o
primeiro qne exercen sua profissão na Capitania, o dr . João
Rodrigues de Abreu. Nascido em Evora em 1682 , veiu em
1705 , em companhia de Antonio de Albuquerque Coelho de
Carvalho, primeiro capitão general de São Paulo, para o
Brazil onde se demorou até 1714 ; fvi physico -mor da ar
mada, medico da real casa e familiar do Santo Officio, além
de illustrado escriptor e distincto pratico. Em 1711 publicou
um trabalho sobre o « como se deviam haver na cura dos
enfermos dos navios os cirurgões que costumam embarcar
para o Ultramar » , e, mais tarde, escripta de accórdo com os
principios de George Stahl, a « Historiologia Medica » , na
qual se insurge contra a norma peripatetica da Faculdade
de Coimbra, combate a applicação clinica , por não possuirem
virtudes theraupeticas, dos coraes, aljofares e pedras preciosas,
impugna a polypharmacia da , época, faz considerações sobre
a nicociana e a ipecacuanha e refere que « Na cidade de S.
Paulo e em muitas outras do paiz dos Paulistas e o que
chamam de Serra acima são morbos endemicos as bexigas, e
é rara a pessoa a quem commetam que não matem . São
tão medrosos os seus habitantes desta queixa que até des
confiam de ouvir falar nella » .
Em 1732 estabeleceu - se nesta capital o dr. Ferreira Ma
chado e quando « havia mais de 15 annos que se achava
curando aos moradores da mesma Cid.e com gr.de acerto, e
aceytação de todos » , eis que os cirurgiões, o que é de ex
tranbar - se, alcançaram do Ouvidor que lhe fosse prohibida
a clinica ; mas contra semelhante inhibição reclamou elle ao
capitão general e este, por uma provisão de 25 de Outubro
de 1747, lhe concedeu « licença pa. poder curar a todas as
pessoas q' o chamarem , sem q' obste o impedim.to q' lhe foi
posto pelo Juizo da Ouvidr.* 2.
Por esse tempo, desde 1739, estava clinicando em San
tos o dr. José Bonifacio de Andrada a favor de quem a Ca
mara na mencionada representação de 1736 pedia a nomea
ção de medico do respectivo presidio dizendo que elle então
na Universidade de Coimbra, findando os seus estudos, « cowo
pacional desta V." , não só se acomodará com menos ordenado
q' outro qualquer, mas ainda curará a Infantr ." com mais
-

1
374

carid.e tanto pelo conhecim.to q ' tem da necessid.e de cada


hum , como pela experiencia do Clima e remedios do Paiz » .
O dr. José Bonifacio de Andrada era filho do coronel
José Ribeiro de Andrada e d . Anna da Silva Borges, tio dos
conselheiros José Bonifacio, o Patriarcha da Independencia,
Antonio Carlos e Martim Francisco ; casou-se em S. Paulo
a 1.º de Agosto de 1732, com d . Rosa Maria da Silva , filha
de José Dias da Silva e d . Leonor Correia de Abreu e neta
materna de Estevam Raposo Bocarro e d. Maria de Abreu
Pedroso Leme, e de seu consorcio teve uma unica filha e
esta ainda na infancia ficou cega em consequencia da variola
de que foi affectada . Por despacho do ( onselho Ultramarino
de i7 de dezembro de 1748 e provisão de 6 de novembro
do anno seguinte, o governo da metropole, tomando em conta
o grande cuidado e zelo com que assistia elle aos enfermos
e o bom successo e aproveitamento das suas curas, fez -lhe
mercê da occupação de Medico do Presidio da Praça de San
tos, que elle exerceu durante 23 annos e então já vinha
exercendo havia nove . Distinguiu - se nas sciencias physicas
e medicas e deixou, segundo affirmativa do senador Antonio
Carlos, varias obras manuscriptas. Tendo enviuvado, to
mou ordens sacras e foi sacerdote do habito de São Pedro.
Delle diz a auctor da « Nobiliarchia Paulistana » que foi
medico de grande nota e falleceu na villa de Santos, sua
patria , com geral sentimento dos que ficaram experimentando
à sua falta, por se ter constituido um medico de grande ex
periencia e egual sciencia .
Em 7 de abril de 1766, ó governador de São Paulo,
« attendendo a se achar vago o emprego de Medico do Pre
zidio e Tropas desta Capitania ,por fallecimento do Reverendo
Doutor Joseph Bonifacio de Andrada, e a ser muito preciso
prover- se o dº emprego em professor perito, e dotado de
todas as circumstancias, e requesitos necessarios », nomeou
para esse cargo o dr. Joaquim José Freire da Silva, medico
formado ре la Universidade de Coimbra, mais tarde, pomeado
tambem , aos 21 de dezembro de 1769 , guarda -mór das minas
do Cardoso e, aos 9 de outubro de 1771, escrivão da guarda
moria dos descobertos de Jaguary e Rio Pardo.
Estava a'expirar o seculo XVIII, cujo ultimo anno ia
já em seu terceiro quartel, quando o dr. Marianno José do
Amaral, graduado em medicina pela Universidade de Coimbra,
foi nomeado Physico Mór da Capitania de São Paulo, com
a obrigação de assistir aos doentes do Hospital Militar e o
ordenado de 500$000. Este facultativo orgavizou o regula
mento , approvado pelo Aviso Regio de 14 de dezembro de
1804, do Hospital Militar e Botica Real desta cidade.
O Conde de Linhares participou em 29 de dezembro de
1809 ao capitão general de São Paulo ter sido despachado
para o cargo de Physico Mór das Tropas da Capitania o dr.
João Alvares Fragoso, que em 1811 apresentou ao governo
um longo relatorio sobre os hospitaes de Santos e São Paulo
375

e em 1814 um minucioso projecto de regulamento para os


mesmos.
Nos ultimos dias do regimen colonial veiu para São
Paulo outro medico, o dr. Justiniado de Mello Franco .
Por incumbeucia do capitão general Oeynhausen formou elle
em 1819 o plano de um instituto vacinico antivarioloso. Uma
provisão do Principe Regente, expedida aos 28 de julho de ·
1821 , confirmou sua nomeação de Juiz Delegado Commissio
nario do Physico Mór do Reino em São Paulo.
Estes, e talvez um ou outro mais, cujos nomes os ar
chivos teimam em não desvendar, foram os esculapios diplo
mados que nos tempos coloniaes exerceram em São Paulo
seu nobre ministerio e cujos conhecimentos projectavam, sem
duvida, alguma luz sobre o empirismo reinante contribuindo
para a melhoria da therapeutica dos praticos.
Dos esculapios rememorados é justo destacar o nome de
José Bonifacio de Andrada. O Morgado de Matheus, apre
sentando como fundamento, entre outros, da mercê concedida
em 1 de fevereiro de 1766 a Bonifacio José de Andrada, o
facto de « ser Irmão Legitimo do defunto Reverendo Doutor
José Bonifacio de Andrada, o qual servio a S. Mag. no em
prego de Medico da Guarnição o espaço de 23 annos » , fez
um solenne reconhecimento official dos serviços prestados
pelo notavel paulista, cujo nome é, muito provavelmente, o
do primeiro medico nascido em terras de São Paulo e cuja
memoria bem merece o tributo de nossa veneração.
DISCURSOS DE ABERTURA E ENCERRAMENTO
- DO -

Segundo Congresso Brazileiro de Geographia


POR SEU PRESIDENTE

Dr. Domingos Jaguaribe


Socio benemerito do Instituto
DISCURSO
LIDO PELO PRESIDENTE DO 2.° CONGRESSO DE GEOGRAPHIA
POR OCCASIÃO DE SUA ABERTURA

A' feliz iniciativa da Sociedade de Geographia do Rio de


Janeiro, se deve o brilhante resultado da reunião do pri
meiro Congresso de Geographia, que, sob a presidencia ho
noraria do venerando Marquez de Paranaguá e effectiva do
General Thaumaturgo de Azevedo, de modo eloquente de
monstrou que taes congressos estão destinados a enriquecer
a Geographia do Brazil com estudos originaes de todos os
Estados : uma verdadeira obra de educação scientifica e
nacional .
Tendo sido designado este glorioso Estado de S. Paulo,
para a séde do segundo congresso, a escolha da actual Com
missão Organizadora que tem com a maior dedicação pro
movido os meios de corresponder condignamente á honra
inesperada e immerecida com que foi distinguida, obrigou
nos à tirar partido da bôa barmonia de todos, para supprir
a falta de competencia do seu presidente para tamanho
emprehendimento.
Houve mesmo duvida por parte de um dos membros da
Commissão si seria possivel, no limitado tempo de um anno,
conseguir reunir material e trabalhos originaes para corre
sponder a confiança depositada, visto que o General Thau
maturgo tornou vencedora a idea da reunião do congresso
ser feita todos os annos, no dia da gloriosa data nacional ,
devendo ser indicado nesse segundo congresso, qual o Estado
que, de accordo com seus representantes, deve ser designado
para séde do futuro 3.º congresso.
Mais uma vez ficou provado que São Paulo soube cor
responder ao patriotico dever ; porém , é preciso consignar, que
torna-se indispensavel ao poder legislativo da Republica,
dotar uma verba para auxiliar os trabalhos da commissão or
ganizadora e a publicação dos annaes, porque os esforços e
dedicação dos operarios desses certamens nas vesperas da
abertura do congresso, ficam na dependencia dos pedidos e
solicitações e sem resultado tal óbulo, indispensavel ás de
monstrações festivas para com tantos visitantes illustres e
principalmente como auxilio ás publicações de tantas mo

nographias e mappas apresentados.


380

Cabe aqui render nossa gratidão pelo projecto que nesse


sentido foi apresentado no dia 20 de Agosto pelo nosso di
gno collega, congressista do Estado do Paraná, o sr. Corrêa
Defreitas.
Srs. O conhecimeto da Geographia está tão intima
mente ligado ao da Patria, que melhor a amará, quem melhor
a conhecer.
As viagens dos aborigenas, cujo bom senso e instinctos
são bem conhecidos, concorreram para os primeiros mappas
do Brasil . Os sertanejos, verdadeiros pioneiros, audaciosos
exploradores, mais tarde chamados bandeirantes de S. Paulo,
que chegaram por via terrestre ao extremo norte do Bazil foram
os marcos gloriosos dos estudos descriptivos do nosso sertão.
São Paulo foi sempre a terra classica do povoamento .
Teve em Martim Affonso o primeiro dos fundadores, vindo
composta do melhor pessoal do Reino, que imitando as lições
do seu valoroso guia, collocou-se á frente de todas as ini
ciativas de modo que uma idéa vencedora em S. Paulo , é
vencedora em todo o paiz, sendo a historia de São Paulo, a
do Brazil inteiro.
A monarchia que por mais de meio seculo governou o
Brasil , mereceser recordada, como um élo que durante o
governo liberal de D. Pedro II esteve destinado a repre
sentar a evolução fatal, que elle preparou com tanta honra,
que a historia verá sempre n'elle o factor da nossa demo
cracia, que imprimiu o sentimento aos mesmos homens, que
sem querer caminhavam para os destinos a que fôram le
vados todos no Brasil .
Possc dar uma prova dessa verdade : Um dia, quando
eramos representantes da Nação , indo a Petropolis visitar o
Imperador, que nos conhecia por causa da campanha aboli
cionista, cujo desenlace fatal elle veiu verificar, em chegando
da Europa,perguntou- nos S. Magestade : « Como vão os re
publicanos de São Paulo ? » Ao que respondemos. Senhor,
elles vão crescendo sempre. Disse -nos o Imperador : « Se
eu não fosse monarcha, seria republicano, e, se eu e minha
familia soubessemos que éramos um embaraço á felicidade
do Brazil , immediatamente deixariamos a corôa » .
Eis as palavras profundas de um patriota, que conheci
das dos jornaes da época, não serviram senão para animar os
que nada tinham que temer do futuro.
Tanto a paseagem do Brazil colonia, como a do Brazil
imperio e a abolição da escravidão, fôram feitas no meio de
hymnos e applausos, sem luctas fraticidas.
Só a politica tem agitado por suas injustiças as poucas
perturbações da ordem , indicando a necessidade de reformas
que garantam a liberdade, a propriedade sob a egide da lei,
isempta dos politicos.
A viagem do allemão Schmidel em 1562, publicada por
elle na Allemanba, somente agora, em uma das sessões de
Julho no Instituto Historico de S. Paulo, foi devidamente
381

reconstituida no itinerario que descreveu o incansavel e il


lustrado Dr. Gentil Moura, desde o Paraguay até S. Vicente.
Toda essa travessia fôra percorrida, a pé, e en canôa pelo
corajoso investigador. A Geographia dessa immensa região
teve assim a sua primeira descripção.
Do mesmo modo o sabio Dr. Orville A. Derby, descre
veu no dia 31 de Agosto do anno passado, a viagem da Ex
pedição Espinhosa em 1553, abrindo e seguindo caminho dos
indios, desde S. Paulo até o littoral da Bahia, e tambem até
o extremo interior do Brazil , que estava ligado ao litoral,
havendo pes bacias do Jequetinhonha, R. Doce, S. Matheus,
Rio Pardo e Rio das Contas, estradas por indios e brancos
frequentadas.
Mas os paulistas bandeirantes, a cuja frente se collocou
Fernão Dias Paes Leme, excederam todos os outros explo
radores ; porque taes excursões visavam descobertas de minas,
e eram feitas com centenares de auxiliares, de modo que os
itinerarios constituiram as nossas primeiras cartas geographicas.
A Cartographia do Brazil deve os methodos e os principaes
resultados ao Dr. Derby, que conseguiu com o plano que es
tabeleceu em S. Paulo, dar um modelo do qual nenhum Es
tado poderá se afastar.
Eis como elle classifica, no Estado actual os dois gru
pos de mappas geographicos do Brazil :
I – Trabalhos iniciados pelo Governo Federal e dos di
versos Estados, visando a Cartographia completa de diversas
fracções administractivas do territorio nacional.
II — Trabalhos effectuados pelo Governo da União, e de
diversos Estados, e por empresas particulares, visando a Car
tographia parcial de determinadas zonas, restringidas pelas
exigencias de questões de limites, de communicação publica
ou outras similbantes.
Foi em 1886, que o benemerito Cons.° João Alfredo, nos
encarregou de escrever ao Dr. Derby, para apresentar um
plano de levantamento da Cartographia de S. Paulo.
As relações de amizade com que nos honrava o presi
dente, nos per littio de lambrar a S. Exc." esse grande ser
viço que elle prestou á Geographia do Brazil.
Em companhia do sabio professor Derby, veio o Dr.
Theodoro Sampaio : ambos nos fizeram a honra de ser nossos
hospedes, havendo entre nós sido trocada larga correspon
dencia que guardamos como preciosa recordação.
Desde esse tempo que admiramos a competencia destes
dois geographos, podendo-se dizer que aos estudos da Com
missão Geographica, cujos trabalhos os Srs. Congressistas
podiem admirar, deve-se mais do que a todas as propagandas
feitas com tanto dinheiro no extrangeiro.
Iniciado o serviço em São Paulo, o Estado de Minas
tambem seguiu o bom exemplo .
Ao preclaro Varnhagem deveu a historia e a geographia
o melhor dos contigentes ; porque a elle se deve o haver
382

conseguido descobrir innumeros relatorios de viagens, com


cujos estudos puderam Rio Branco e posteriormente o Barão
Homem de Mello, organizar os mappas mais perfeitos que
possuimos sobre o Brazil , que se avantaja a esse respeito á
grande nação franceza que, pelos seus livros, é a nossa mes
tra querida ; mas nunca poude desenvolver o ensino da Geo
graphia nas suas escolas.
Ao benemerito Rio Branco e a Eduardo Prado pedira:n
os proprietarios da Grande Encyclopedia, sob a direcção de
Berthelot, to.no 7 , os artigos sobre o Brasil .
Uma prova do que dizemos da França, pode ser tirada
da seguinte narrativa do Diccionario Larousse : Peguntou o
genial Gathe a um amigo :
Dizei-me : Qual a qualidade que distingue um francez
dos outros povos ? E' seu espirito ? Nào . Então é a sua
sociabilidade ? Ainda não . – Será seu caracter ? - Nåo .
Nesse caso desisto de acertar. Pois bem, disse. Gæthe :
E' sua ignorancia em Geographia.
Entretanto, a grande França, tem os melhores geogra
phos, mas naquelle tempo o ensino das escolas deu logar á
critica que trazemos aqui , para mostrar que a orientação dos
estudos da geographia em S. Paulo é a melhor possivel,
como os Srs. Congressistas vão verificar na visita aos Grupos
escolares, no dia indicado no programma dos nossos trabalhos.
O sabio professôr de Bordeus, Hevri Lorin , inscreveu - se
no 2.º Congresso, o vae fazer uma Conferencia na noite do
dia 8, mostrando as vantagens da raça latina e do actual
ensino na França.
S. Paulo teve o seu territorio vasto dividido pela Lei
que creou o Estado do Paraná, estabelecido na melhor re
gião do Sul .
Não foram os paranaenses que solicitaram esta provi
dencia que os chamou a collaborar, como Estado Autonomo
na Republica.
Oartigo 34 n. 10 da nossa Constituição, claramente
determina o modo de estabelecer os limites inter - estaduaes.
Tendo sido deslocada a questão de limites, que os tri
bunaes pretendem resolver, se nos afigura que aos Congressos
de Geographia deveriam ser affectas estas questões, que pelo
estudo imparcial e de accórdo com as suas resoluções deve
riam ser apresentadas ao poder legislativo, afim de que as
disposições do Artigo 34 da Constituição passam produzir
resultados praticos.
E' de esperar que o progresso dos estudos subinettidos
aos seguintes Congressos tornem harmoniosa a cooperação
dos competentes, com as necessidades de povoamento, que na
Republica Federativa precisa de ser voluntariamente resol
vido pelo povo, que não pode mudar o berço e a origem dos
seus maiores, e muito menos ser a viva força, incorporado
de uns para outros Estados.
383

A penetração da via ferrea do Brazil , tem sido o prin


cipal factor da nossa riqueza ; todos os dias, novos horizon
tes desconhecidos annunciam riquezas incalculaveis, e o ca
pital extrangeiro, a porfia, procura collocar-se para novos
commettimentos.
A esses trabalhadores da grandeza e do progresso, que
deixando familia e gosos, como engenbeiros e operarios, pas
sam a melhor da sua vida nos trabalhos do campo, devemos
dar um voto de louvor.
A importancia do 1.º Congresso de Geographia, pode-se
medir pelo valor de seus representantes. Quiz a fortuna
que varios paizes extrangeiros delegassem illustres congres
sistas ; mais sobe de importancia para nós brazileiros a re
presentação da Patria Mãe assim organizada :
O Exmo. Cons. Ernesto de Vasconcellos, secretario
geral da Sociedade de Geographia de Lisboa ; Abel Botelho,
chefe da Repartição do Ministerio da Guerra e o popular e
sabio professor da Universidade de Coimbra Avila Lobo, são
tão conhecidos no Brazil como na terra natal .
Depois de haver conseguido pela sua tenacidade e amor
aos grandes ideaes de felicidade para os dois povos irmãos
a vinda dos illustres representantes da Sociedade de Geo
graphia de Lisboa, antes de vêr o resultado desta victoria
que abre tanta luz sobre os destinos do Brazil e Portugal ,
eis que o telegrapho nos annuncia a morte de Consiglieri
Pedroso, o sabio presidente da Sociedade de Geographia de
Lisboa que nos fez a honra de enviar a Carta seguinte , na
qual faz a sua profissão de fé pela approximação das duas
Nações Irmans.
Illmo. Exmo. Sr. Dr. Domingos Jeguaribe.
Tenho o prazer e a honra de communicar officialmente
a v. exa. que a Sociedade de Geographia de Lisbôa resolveu
fazer -se representar no Congresso Brazıleiro de Geographia,
que se ha de realizar em S. Paulo, no proximo mez de se
tembro, pelos seus socios : conselheiro Ernesto de Vasconcel
los, secretario geral ; coronel Abel Botelho e dr. José Lobo
d'Avilla Lima lente da Universidade de Coimbra, os quaes
ao mesmo tempo levam a missão de saudar em nome desta
Sociedade e em meu proprio nome o congresso a que v. exa.
tão dignamente preside.
No momento em que por iniciativa desta Sociedade , a
ideia de uma approximação fraternal das duas nações, que
falam a lingua portugueza, entrou numa phase de realização
effectiva, não podia eu deixar de enviar, em representação
da collectividade á que tenho a honra de presidir, uma sau
dação calorosa aos illustres brazileiros, que por um bello
esforço de trabalho e de sciencia vão honrar perante o mundo
a possa raça, a qual tão altos destinos estão reservados , se
souber unir-se num grande impulso de solidariedade, em
presença da concorrencia dos outros grupos nacionaes, que
luctam pela hegemonia em todas as regiões do globo.
384

Pedimos pois a. v. exa., que acceite, como expressão des


sa unificação moral das duas nações, a que aspiramos, a sau
dação que pessoalmente pelos nossos delegados vae ser a v.
exa. transmittida, faço os mais sinceros votos pelo bom êxito
do congresso, que será tambem para a Sociedade de Geo
graphia de Lisbôa um justificado orgulho, pois são para nós
as glorias do Brazi) , como se fossem nossas proprias glorias.
Illmo. e exmo. sr. dr. Domingos José Nogueira Jagua
ribe, digno presidente da Coinmissão Organizadora do Segundo
Congresso Bra zileiro de Geographia.
O presidente
Z. Consiglieri Pedroso.
O acontecimento luctuoso como não podia deixar de
acontecer, emmudece seus admiradores ; que abrigados á som
bra do vulto heroico que engrandeceu Portugal na politica e
nas lettras, vêm iniciar- se no 2.º Congresso de Geographia,
a obra que elle concebeu e estou certo será aqui levada a
termo pelos seus discipulos e admiradores.
Deste modo as licções de historia que vamos passar em
ligeira synthese, recebem , com a honra feita ao Brazil e ao
2.º Congresso, os representantes da Sociedade de Geographia
de Lisbôa, celebre entre as mais notaveis do velho mundo,
da qual fez parte o patriarcha da nossa independencia José
Bonifacio de Andrada e Silva .

II

BRAZIL E PORTUGAL
Na historia da humanidade , nenhum povo pode ser com
parado ao Portuguez, quando se considera e admira o poder
immenso e a influencia que essa pequena nação exerceu no
mundo, ao tempo de suas descobertas e conquistas.
Agora que a nossa Mãe Patria, nos envia os seus de
legados, creando assim na consciencia esclarecida dos dois
povos irmãos os laços moraes que tornam indissoluveis as
crenças, costumes, a lingua , o sangue do mesmo povo, pó
de-se pedir a historia que substitúa a palavra do menos com
petente dos membros do Commissão Organizadora do 2.º
Congresso de Geographia.
O Brazil Colonial teve em Portugal o mais heroico dos
defensores de seu destino.
As invasões dos hollandezes no Norte, dos francezes e
dos hespanhóes no Sul, constitúem gloriosas paginas da nossa
historia ; sempre vencedores, nunca perdemos um palmo do
nosso territorio, e assim a mais pequena das Nações da Eu
ropa assombrou o mundo com as descobertas e o povoamen
to do maior paiz do mundo, vindo a repellir pelas armas,
poderosas nações.
385

Nós não existiriamos sinão forse Portugal !


Desde 1455 até 1510, o mundo antigo e o novo fôram
despertados pelos navegadores e geographos portuguezes.
Como se vão fosse bastante a descoberta do Brasil e a
descoberta da India , um eantor que não teve até hoje sub
stituto, o immortal Camões, appareceu ao mesmo tempo para
cantar as glorias da Patria.
Os portuguezes, perseguindo os mouros, se apoderaram
de Ceuta, fôram a Guiné, e auxiliados por D. Henrique fi
zeram a volta da Africa, chegaram ao cabo de Bojador.
Tristão Vaz descobriu a Ilha da Madeira .
Em 1555, chegaraın ao Senegal , descobriram as Ilhas
de Cabo Verde, a Ilha Arguim .
Pedro Cintra, domina todas as costas da Guiné.
A morte de D. Henrique vão fez arrefecer o empre
hendimento, havendo já se apossado os portuguezes das ilhas
de S. Thomé e do Principe.
Diogó Cam , descobriu o Rio Zaire no Congo. Affonso
d'Aveiro descobriu o reino de Benim. Bartholomeu Dias, chega
a extremidade Sul da Africa, dando o nome ao Cabo das
Tormentas, que D. João II, logo substituiu pelo de Bôa Es
perança, para que não ficasse vestigio de perigos que os
portuguezes nunca conheceram !
Foi sob o auspicio desse rei , que Affonso de Paiva e
Pedro Cavilham penetraram no interior da Africa. Depois
de haver feito a Carta Geographica das costas da Africa,
das costas do Mar Vermelho, da India, o grande monarcha
envia Vasco da Gama, o heróe, para tentar, rodeando a In
dia, as descobertas das costas de Cafraria, Moçambique o
reino Melinde indo até Calicut .
Quando o immortal Vasco da Gama, enriqu cia e en
grandecia as suas possessões portuguezas na India, Pedro
Alvares Cabral chega ao Brazil, como se um sopro divino o
impelisse, a fim de que junto com Colombo, as duas Ameri -
cas entrassem no convivio das Nações , para dellas serem as
gigantescas terras onde o futuro deve condensar a civilaza
ção e a felicidade da raça humana, que nas duas grandes
Republicas accumula os fructos da experiencia das nações
envelhecidas, em um tempo em que pela navegação e pelo
telegrapho se encurtam a distancia e o espaço !
Cabral, não cotente de dar um mundo a Portugal , voltou
a Quiloa para que Zanguebar ficasse assegurado á sua patria.
Em 1513, o grande Albuquerque, com as armas na mão
conquista para Portugal o Mar Vermelho.
O Brazil nasceu assim no meio desse alvoroço, que faz
com que, como a aurora, que se levanta cada dia, mais
bella, assim tambem os seus filhos, com o exemplo dos seus
maiores possam viver mais do que os seus progenitores, no
mesmo espaço de tempo .
A nossa raça, assimilando essas glorias e tradições, deve
estreitar os vinculos de amizade, bebendo as mesmas cren
386

ças e seguindo a mesma politica , que fatalmente repercutirá


entre povos tão intimamente irmanados.
As aguas perennes que movem as grandes usipas e que
servem para substituir no Brazil o carvão de pedra, nascem
em logares ignorados, mas a energia que fomenta o pro
gresso que dá a força e a luz não poderá ter como os ma
chinismos que só trabalham com o carvão, os dias contados
para sua morte. Aqui tudo respira liberdade e , o que é mais,
o tempo só faz com que suas raizes fiquem mais profundas.
E ' preciso confessar que a natureza, que nos dotou de
tamanhas riquezas, é a mais exhuberante do mundo.
Sors. Congressistas e companheiros da sociedade de Geo
graphia de Lisbôa e dos outros paizes, sejais bem vindos.
Possam os trabalhos do 2.º Congresso merecer o vosso apreço ,
e que no velho Mundo se saiba que a honra concedida ao
2.º Coogresso será dada á patria Brazileira ,
Por deliberação do 1.º Congresso de Geographia, fui
attribuido ' a esse 2.º Congresso, a organização de uma ex
posição acompanhada de um catalogo das publicações que es
clarecem o objectivo e estudos dos Congressns de Geographia,
desde 1881 , quando se f-z a Exposição de Historia do Brazil ,
a cargo da Bibliotheca Nacional.
O Instituto Historico de S. Paulo, ao qual rendemos
possa gratidão, poz á disposição da Commissão Organizadora
do 2.º Congresso de Geographia o seu predio, o que per
mit e que essa Exposição possa ficar aberta por mais de 30
dias, de modo que os estudiosos a frequentem , depois do en
cerramento do Congresso.
Exmos. Srs. Congressistas : Cabe -me o dever de vos
informar que á dedicação de Alfredo de Toledo, Gentil de
Moura, Affonso A. de Freitas, Edmundo Krug, Cyrillo Junior
e Ludgero de Castro, deve-se o êxito desse 2.• Congresso,
porque desde o primeiro dia de trabalho reconheci a minha
incompetencia para dirigir tão árdua empresa.
Agradecendo a honra com que os poderes publicos jul
garam nos distinguir com a presença dos seus representantes
e tambem as empresas de Navegação e Viação Ferrea, a
attenção que dispensaram , pedimos indulgencia no modo de
julgar dos trabalhos feitos, sem outro auxilio que o da de
dicação e patriotismo.
( Applausos geraes e prolongados ).
III

DISCURSO DE ENCERRAMENTO DOS TRABALHOS DO 2 : CONGRESSO DE


GEOGRAPHIA
( êxito do 2.º Congresso de Geographia, que parecia
duvidoso, ficou facil pela collaboração e dedicação dos Srs.
Congressistas que, a porfia, procuraram animar todas as reu
niões do 2.º Congresso e não só animaram , mais deram a
387

elle o mais brilhante resultado. Foi incontes'avelinente


á Delegação Portugneza que coube esse brilhantimo, que
animou e revelou ao mesmo tempo a capacidade dos 3 no
taveis representantes da Sociedade de Geographia de Lisboa ,
que não só pas conferencias dedicadas 80 2.° Congresso,
como nas que realizaram nos diversos centros intellectuaes
de S. Paulo, mostraram a mais alta competencia, grangeando
de toda a nossa sociedade as maiores sympathias.
A morte do grande portugurz, Consiglieri Pedroso, tào
sentida entre as duas nações justamente quando havia pela
carta que foi lida por occasião da abertura, feito a profissào
de fé e de um programma que tảo brilhantemente se reali
zou neste 2.° Congresso, impoz, como não podia deixar de
acontecer, obrigações de que ficamos depos tarios, tanto nós
como a delegação portugueza, que volta ao seio da patria
verificando quanto ancia pela unào inteilectual e economica
das duas pacões irmans, o Brazil representado pela maioria
dos seus Estados, nos delegades que tanta honra e luz deram
aos nossos trabalhos .
Raramente poderá se offerecer outra opportunidade para
o fim de demonstrar o valor da raça latina, como esta em
que vimos reunidos, sem ter havido por parte da Commissão
Organizadora, um deliberado proposito, tantas celebridades
que comparecerarn, para attestar que longe de desanimar, os
povos latinos devem se orgulhar de ver sempre vivificado ,
espirito immortal que es tem feito os directores do Occidente,
com uma civilização implantada na Ameri« a do Sul.
Aos srs . Ernesto de Vasconcellos, Coronel Abel Bo
t - lho, Dr. Lobo d'Avila Lima da embaixada portugueza, o
Dr. Henry Lorin, o Senador Durante, deputado Pantano e
o sabio professor de Palma Dr. Bertarelli, rendemos nossa
gratidão.
O que foi essa confraternização, sabem todrs 08 que
avaliam a importancia de um paiz, pelo merito de seus re
presentantes .
Já pertencem a historia os trabalhos do 2.º Congresso que
tivemos a honra insigne de presidir e de encerrar, cum priu
do-nos declarar mais uma vez que elles estão destinados a
realizar uma verdadeira obra de patriotismo e de educação
nacional.
Na medida dos esforços com que, devem continuar os
outros covgressos, é de suppôr que a expansão do trabalho e
estudo de geographia possam dar ao Brazil uma situação in .
comparavel para realizar a mais perfeita das Cartas Geogra
phicas de seu vasto territorio , pois estão em vista os melhores
methodos, tendo concorrido para melhorar e animar o assum
ptn a alta competencia do Cous.° Ernesto de Vasconcellos que
nis veio trazer com seus estudos carthograpbicos, map; as
preciosos que dão a medida do valor dos Cartographos por
tuguezes , que foram e são os nossos mestres. Agradecemos
os valiosos mimos que fez ao Instituto Historico de S. Paulo.
388

Deste modo na medida do tempo , a evolução se opera na


razão directa do povoamento que se fixa, e augmenta o valor
do Brazil .
Vê- se com effeito que territorios quasi desconhecidos,
como o Acre, em poucos annos são centros de producção e
de povoamento, capazes de rivalisar, pelas rendas aduaneiras,
cem os mais prosperos Estados da União.
Si a morte fez desapparecer o grande Consiglieri Pedroso,
a idea que seus companheiros vieram trazer ficr em solo
fecundo, e está provada a approximação intellectual e econo
mica dos dois povos, pelo valor com que estes 3 batalhado
res de idéas aqui encontraram os discipulos, que os ouviram .
Não tardou que José Virissimo mostrasse que uma é a
lingua e a licção de historia.
Em sua conferencia, ainda que extra -Congresso, elle
fez vibrar os echos de nossos romancistas, daudo ao theatio
pacional o seu verdadeiro papel.
Fausto Ferraz , o distincto representante de Minas Ge
raes, tambem veio trazer elementos do inaior valor para a
approximação de ideal commum as duas Nações. Resta que
sem demora sejam postas em pratica as providencias que
com tanto accerto elle indicou .
Portugal e Brazil , têm similhanças naturaes. Nas pos
sessões portuguezas os seus grandes rios nascem , como os
nossos, bem juntos ao mar ; mas pela disposição orographica
de ambos os paizes vão despejar nos estuarios centraes, per
mittindo que pelo clima e solo, só nestes dois paizes, se
possa contar com resultado, as culturas do cacáo, da borra
cha e da banana.
A essa capacidade para o progresso se adapta tào har
moniosamente a raça latina na sua importante subdivisão
portugueza - brasileira, que pode-se dizer, sein medo de errar,
que o espirito que immortalizou a primeira na época de sua
epopéa de descobertas e conquistas, vitalisou a segunda pelos
beneficios oriundos da educação, costumes e crenças, de mo
do que sem odio nem inveja , cada portuguez ficou no
Brasil mostrando que a valia de um povo provem da valia
de seus filhos,
Dahi proyeiu a familia, que é a unica religião que não
tem atheus, e com ella a decedencia que executa pela herança
dos seus ancestraes, a grandeza do caracter que em Portugal
e no Brazil se póde medir pela força inconsciente da morali
dade dos dois povos .
Eis ahi porque essas duas nações estão destinadas a dar
aos immensos territorios, que possuem os maiores rios do mundo,
campos de experiencia para nelles se abrigarem milhões de
seres, desfructando os gosos do clima e do solo privilegiados.
Senhores representantes da Sociedade de Geographia de
Lisboa, vós ides partir, fostes vós que aqui viéstes semear
as ideas que o benemerito Pedroso vys encarregou de espa
lhar no Brazil,
389

O campo é fertil, soubestes escolher o local para deixar


bem viva nos nossos corações e nos dos ouvintes, na moci
dade, a preciosa herança, e como para ficar mais inolvida
vel a vossa missão, foram escolhidos um marinheiro e geo
. grapho, um militar e escriptor, um professor, tres represen
tantes directos de uma só entidade verdadeira , que é o idéal
da approximação das duas nações irmans.
Certamente os Srs. Congressistas têem de levar para
cada Estado esse legado que nos viestes trazer, e ao encer
rar os trabalhos, nada me é mais grato do que declarar ġue
a elle dedicarei o resto de meus dias .
O Brazil não receia que as pretenções de alguns colonos
que formam respeitaveis nucleos allemães no sul, possam in
fluir de outro modo que o da corrente immigratoria das raças
latinas que tão admiravelmente se fusionam no nosso meio.
Entretanto, cumpre-nos assigvalar que nos Estados Unidos,
o governo impõe obrigações aos professores. E assim por
exemplo que se diz uma das obrigações do ensino.
« 0 professir não deve jamais esquecer que cada alumno
é um cidadão Americano, e que em todos os ensinos e em
particular no de gengraphia e da historia é a questão do
patriotismo, que deve dominar, afim de inspirar ao menino
uma admiração quasi sem limites para a grande nação que
elle deve chamar sua » .
Assim deve - se proceder no Brazil , como em Portugal
nas suas colonias : que se falle o portuguez, que se tenha
como obrigação amar a patria, e não disfructar e tirar da
terra riquezas, para exportar filhos e dinheiro .
å idéia da patria é a única que fica gravada na cri
ança, que nasce e vive em seu paiz. Quando os paes ten
tam apagar esta luz que entra por todos os póros, elles
perdem a opportunidade de dar a seus filhos os germens de
uma alma elevada .
Criticar esta fonte perenne do ensinamento moral ;
querer enfraquecer os exercitos feitos para defender a pa
tria, é como bem disse Gustavo Le Bon, condemnar a sof
frer as revoluções sanguinolentas , os Cezarex libe t dores,
isto é, todas as formas desta baixa decadencia pela qual
tantos povos têem perdido seu valor na historia.
SNRS. CONGRESSISTAS :

A representação dos Estados junto a esse 2.° Congresso,


foi um ponto para o qual a Commissão organizadora fez mais
empenho. Não é só porque a solidariedade deve ligar os
Estados e a geographia, para o exito do Congresso, que tem
que ir percorrendo os varios Es'ados da Republica, de modo
a influir e tornar decisiva a acção da geographia, como mais o
util dos estudos desse povo. Ha mais, com a presença dos
representantes dos Estados, nasce a esperança e á porfia
cresce o desejo, de um outro Congresso ser melhor do que
390

o que fioda. Só assim o estimulo entrará como elemento de


valor para os maiores commettimentos.
() Secretario Geral vai ler a pumerosa lista de 79 mo
nographias : por ella se pode avaliar quão util soi a mis
são deste 2.° Congresso, que só teve por auxilio a coutri
buição dos Srs. Congressistas.
As sympathias que nos uniram e o nosso meio educado
e progressista, concorreram para fazer com que a bôa har
monia presidisse a todos os nossos actos.
Nào são esses Congressos destinados a discussões, aqui vem
se para trabalhar e produzir, e cada Congressista deve sempre
ter por norma nos outros Congressos evitar discussões, porque
as Commissões foram feitas para apreciar o valor dos trabalhos
seudo talvez conveniente no futuro, que certa ordem de es
tudos como os da historia e principalmente da geographia,
pudessem ser estudados por uma commissão inter- estadual, de
modo que em cada Congresso fossem dois de seus membros
designados para socios perpetuos dos Congressos de Geo
giathia.
Só assim e por escolha de pessoal technico crearemos
cs tribunaes de competencia .
( Todos os congressisras applaudiram demoradamente o
orador que foi abraçado e felicitado ).
O “ CORREIO PAULISTANO ” EM 1831
Conferencia realisada na sessão de 20 de Outubro de 1915
por

Affonso A. de Freitas
Socio effectivo do Instituto
!
0 ( Correio Paulistano ) em 1831

Os ideaes politicos de partidarismo que, após a procla


mação da independencia nacional, conseguiram sobrelevar - se
ao encapellado pélago da opinião publica brazileira , somente
tiveram doutrinadores em S. Paulo, com o apparecimento da
imprensa na Capital , em 1827 .
Anteriormente, os elementos politicos preponderantes
pa terra dos Andradas e do padre Feijó, collimaram um fim
commum , trabalhavam sem esmorecimentos e sem quebra de
unidade de vistas para a emancipação politica da patria,
encruada questão que por muito tempo dormitou modorrenta
no Paço de S. Christovam , a espera de uma vontade firme
e soberana; que lhe dés se solução.
O principe-regente, caixeiro-viajante da creação de um
throno, não soubera desvencilhar o norte do Brasil da ne
fasta influencia da metropole lusitana e nada podia va ca
pital do paiz, onde quaši omnipotente imperava o elemento
recolonizador, poderosamente prestigiado pela tropa extran
geira.
Foi então que a figura veneranda de José Bonifacio sur
giu na suprema direcção politica do paiz : deu - se o mallo
gro da jornada de Minas Geraes, onde a habilidade de Es
tevam de Rezende, que se fizera braço forte do patriarcha,
esboroou - se de encontro ao prestigio e a prepotencia do com
maidante das armas e chefe do governo dissidente, coronel
Pinto Peixoto e o brado de Independencia ou Morte pre
parado para écoar pela nobre terra de Tiradentes , foi le
vantado na collina do Ypiranga, com o êxito completo que
todo o brazileiro conhece.
A José Bonifacio foi conferido pela gratidão nacional o
titulo de Patriarcha da Independencia , mui justamente consi
derado que ficou sendo o congregador e orientador dos ele
mentos factores da nossa emancipação politica. Dahi por
deante exiraordinario foi o seu prestigio na vida nacional
e tempo houve que S. Paulo só agia obediente á sua politica
a qual, de resto, foi sempre a politica dos interesses nacionaes,
impessoal e de desprendimentos.
Mas eis que surge o Farol Paulistano : fundado e orien
tado pelo dr. José da Costa Carvalho, homem intelligente e
portador de larga illustração, rico e energico, de espirito
eminentemente combativo e por isso mesmo incapaz de , em
politica , permanecer em posição hierarchica secundaria, pas
394

sou o primeiro jornal que regularmente appareceu em S.


Paulo a fazer politica propria , ora applaudindo, ora criti
cando a politica liberal dos Andradas, e não raro profligando
o primeiro imperio, mas prégando sempre um liberalismo
que gradualmente se ia saturando das ideas que mais tarde
serviram de programima ao partido conservador, do qual veiu
a ser o futuro marquez de Montalegre um dos mais presti
giosos chefes.
Em seguida ao Farol appareceu o Observador Consti
tucional, orgam independente , mas formando sempre ao lado
das opposições, a priocipio applaudindo a politica de Costa
Carvalho, depois, com a ascensão deste ao poder, defendendo
José Bonifacio da aleivosia lançada pelos amigos do governo
de se ter o grande brazileiro posto ao serviço do movimento
restaurador de 1832, e, por ultim desfraldando a bandeira
do federalismo, quando agitada a questão revisoria, que deu
em resultado a promulgação do Acto Addicional.
Vêm depois, na ordem de menção, o Novo Farol Pau
listano, o Paulista, A Voz Paulistana, O Federalista etc.,
defendendo uns os governos provincial a geral dos ataques
da opposição, atacando outros o governo despotico de Pedro
I , e os partidos Caramurú e Carijó, sympathicos á restau
ração do primeiro imperio, e prégando outros a federação das
provincias que, ao temp., se contentava com a transformação
dos Conselhos Geraes em Assembléas Provinciaes e como
preenchimento do cargo de presidente da provincia por eleição
popular.
Em seu primeiro decennio a imprensa paulistana foi
essencialmente politica : as publicações litterarias periodicas
ev aiadas na Academia de S. Paulo, desde 1830, só tiveram
incremento e principiaram a apparecer permanentemente de
1847 em deante . Mas em 1839 um novo genero de jorna
lismo vem escandalosamente mesclar a imprensa da sisuda e
recatada Paulicéa : em janeiro daquelle anno distribuiu-se
na capital o primeiro numero do periodico francamente por
nographico – 6. Pensador. Não sabemos de que modo foi
recebido o papelucho pelos venerandos e austéros contem
poraneos de Feijó. O certo é que, sem embargo do prover
bial recatamento paulistano, as crêspas e apimentadas pi
lherias do jornaleco revolucionario encontraram leitores, pois
o exemplar que possuimos d'O Pensador corresponde á 11.“
edição, distribuida a 31 de março do citado anno de 1839.
Felizmente não medrou a planta damvinha, e com o
desapparecimento daquelle periodico ficou S. Paulo, por
muitos annos, livre das publicações de tal genero, assim como
não teve propagação o jacobinismo ensaiado pelo 0 Teby
reçá, por odio ao marquez de Montalegre, contra os babianos
que exerciam funcções publicas em S. Paulo, e que morreu
com o orgam da revolução de 42, para resurgir somente em
1893, com os lamentaveis acontecimentos iniciados na re
volta de 6 de setembro.
395

Decorrencia natural do desforço cruento, estupida e des


necessariamente exercido na pessoa de Libero Badaró, pri
meiro redactor do Observodor Constitucional, a lucta de
idéas va imprensa por algum tempo esmoreceu, e as ques
tões partidarias, tratadas sob o regimen da censura atrabi
liaria que o exemplo da eliminação de Badsró mostrava bem
até onde podia chegar, decahiram de brilho e de interesse,
tornando- se incolôres, sob a atmosphera sombriamente car
regada de ameaças de represalias que , si não appareciam ex
pressas, eram, entretanto, claramente presentidas.
Foi por essa época, em 1831 , que appareceu o Correio
Paulistano, porque indiscutivelmente, provadamente , sem em
bargo das mil contradictas á referencia por nós feita em
nosso estudo « Iutroducção á Imprensa Periodica de S. Paulo »
- existia e por mais de um anno circulou na Paulicéa um
periodico hebdomadario com esse titulo, cuja primeira edição
foi distribuida em dezembro daquelle annn, tendo-se sua
vida prolongado, com segurança podemos affirmal - o, até fins
do anno seguinte.
Surgido num momento em que a liberdade de pensa
mento soffria a mais dolorosa coacção, claro está que o seu
programma não podia deixar de ser vago e pallido, parci
moniosamente comme idas suas discussões politicas, aliás
as unicas que, na época, devéras despertavam interesse e
prendiam a attenção do leitor.
Relativaniente á existencia e orientação deste periodico
escrevemos na Imprensa Periodica de S. Paulo » e já se
acham entregues ao prélo, algumas notas calcadas nas di
versas edições que possuimos do « Correio » : sendo o escopo
unico desta ligeira communicação accusar a existencia do
precursor do actual « Correio » , transcrevemos em seguida as
referidas notas.
Verdadeiramente não podemos affirmar ser o « Correio
Paulistano a de 1831 o mesmo de 1854 , de existencia bi
partida em phases pelo interregno de 22 annos. O jornal
de Azevedo Marques e de Pedro Taques de Almeida Alvim
ao se apresentar, em sua primeira edição, ao publico, não
fez a mais leve referencia ao contemporaneo do « Farol » e
do « Observador Constitucional » mas, confrontando - se o pro
gramma do segundo, com a acção desenvolvida pelo jri
meiro, descobre -se logo a uniformidade de vistas, « mutatis
mutandis » , nos dois « Correios » .
Esta circumstancia que poderiamos tomar por uma for
tuita analogia é, entretanto, corroborada pelo facto de ser
Joaquim Roberto, sobrinho, genro e grande amigo do pro
prietario e fundador do primitivo « Correio » , cidadão José
Gomes Segurado.
Si, pois, nos fallecem elementos para considerarmos o
decano da imprensa paulista como segunda phase do « Cor
reio » de 1831 , podemos, entretanto, affirmar ter sido elle
fundado sob as suggestivas reminiscencias do seu homonymo
396

indelevelmente gravadas no espirito affectivo de Azevedo


Marques .
Eis as notas a que acima nos referimos, relativas ao
primitivo « Correio » :

1831

6 – « Correio Paulistano » Periodico semi- official, de


propriedade do negociante José Gomes Segurado : combatia
as idéas restauradoras dos partidos Caramurú e Carijó, de
fendia ( s governos geral e provincial dos seus ataques e o
Conselho Geral da Provincia dos da Imprensa da opposição
local consubstanciada em 1832 n ' () Observador Constitucional.
Era impresso na typographia do Farol Paulistano »
e assignava - se na loja do seu proprietario e editor á rua
Direita 32, ao custo de 1 $ 410 por trimestre : vivha a lume
duas vezes por semana, ás terças e sextas - feiras.
Servia-lhe de divisa o seguinte trecho de B. de Constant :
« La publicité est dans tous les cas un moyen de s'enten
« dre , et une adresse votée aprés uue discussion a plus de
poids encore et plus de valeur » .
DIMENSÕES E FORMATO : 21 + 30, com quatro paginas a
duas columnas, compostas em typo 12.
O « Correio » mantinha diversas secções sob as epigra
phes : Interior — que abria espaço aos artigos de fundo,
tratando de ordinario da politica geral em defesa do go
verno ; - S. Paulo – destinada aos collaboradores do jornal
Rio de Javeiro – onde eram transcriptos e avalysados
os actos officiaes de maior interesse publico e inseridas no
ticias da Côrte, com particularidade as que se referiam á
politica nacional .
Nesta ultima secção, o n. 86 de sexta - feira, 12 de ou
tubro de 1832, estampa as seguintes interessantes noticias
sobre a questão da vitaliciedade do senado e eleição de um
senador pela provincia do Rio de Janeiro, em que obteve
maioria de votos o padre Diogo Antonio Feijó, em opposi
ção a candidatos da estatura politica dos Andradas e de Pedro
de Araujo Lima.
No dia 2 de outubro, informa uma dessas noticias, pro
cedeu - se a eleição de um senador, em logar do marquez de
Santo Amaro . ( 1 )

( 1 ) José Egydio Alvares d'Almeida : era senador desde 1826 e falleceu


victimado por insulto apopletico quando tomava parte na sessão do Senado, de
12 de agosto de 1832 .
- 397

A votação foi a seguinte :


Os senhores, Diogo Antonio Feijó 78 votos
Antonio José do Amaral . .

Bento de Oliveira Braga . 58


Martim Francisco Ribeiro de Andrada 50
João Pedro Maynard . 50
Antonio Carlos Ribeiro de Andrada . 38 >>

José Bonifacio de Andrada e Silva 27 >

Fedro de Araujo Lima 23


Joaquim José da Silva . 22 >>

Manoel José de Sousa França 9


José Pancracio . 7

Não obstante ter Feijó obtido maioria de votos nesta


eleição, o Senado, onde a energia inquebrantavel e a rispi
dez de caracter do ex- ministro da Justiça creára, a par de
verdadeiras dedicações, irreconciliaveis adversarios e que,
na memoravel sessão de 26 de julho de 1832 , obrigou o
grande estadista a abandonar o ministerio, rejeitando seu
projecto, aliás injusto e odioso, da suspensão de José Boni
facio da tutoria imperial, tentou reconhecer, em detrimento
do verdadeiro eleito, un dos caudidatos excluidos da lista
triplice por insufficiencia de votos : não o couseguindo, an
nullou o Senado, em sessão de 13 de abril de 1833, o pleito
de 2 de outubro, mandando que se procedesse a nova eleição.
Eleito Feijó e de novo escolhido pelo governo, é, pelo
Senado, reconhecida a validade do seu diploma, em sessão
de 15 do julho de 1833, sem embargo da preliminar de, - si
a eleição deveria ter sido feita pelos novos ou pelos anti
gos eleitores , – levantada na camara alta e vencida por 32
votos contra 10 em favor da legalidade do pleito. Na mes
ma data tomava Feijó posse da sua cadeira senatorial a qual,
dahi a pouco, deveria temporariamente deixar, chamado pela
vontade da pação a assumir a suprema direcção do paiz.
Em relação á vitaliciedade do Senado insere o Correio,
numero citado, as seguintes notas :
« Desde a sessão de 20 de setembro trata -se da questão
da vitaliciedade do Senado, e foi approvada a opinião do
que o Senado deve ser vitalicio .

É muito conveniente que chegue ao conhecimento de


todos a lista dos que votaram pró e contra a vitaliciedade
do Senado. Nós a transcrevemos da Aurora, (2 ).
Foram pela vitaliciedade do Senado :

( 2 ) « Aurora Fluminense ” , brilhantemente redigida por Ervaristo Fer


reira da Veiga : neste periodico collaborou tambem , por muito tempo. o cidadão
Antonio Barbosa Correia, conterraneo de Evaristo e avó materno de quem este
trabalho escreve .
-
398

Cs senhores senadores - Evangelista, Saturnino, Para


naguá, Santos Pinto, Bispe, Gomice, Palma (3), Lourenço
de Andrade, Costa Barros, Patı icio Lages, Furtado de Men
donça, Maricá, Manuel Caetano, Cayrú , Carneiro de Cam
pos, Barbacena, Caravellas, Batpendy, Carvalho, Inambupe ,
Itapoan , Valença, Oliveira, Duque Estrada, Queluz, Bacellar,
Jacarepaguá, Tinoco , Alcantara , Rodrigues de Carvalho, Con
gonhas (4 ), Padre Marcos, D. Nuno Aguiar.
Deputa lcs – Almeida Torres, Perdigão, Lopes Gamia ,
Rebello , Miranda Ribeir ), João Fernandes, Manuel Caval
cante, Mendes Ribeiro, Rebouças, Paim , Calmon, Veiga, Ge
tulio, Soares da Rocha, Maciel, Mello Mattos, Montezuma,
Martim , Vallasques, Cavalcante de Lacerda, Pedro Caval
cante, Paula Albuquerque e Neto ao todo 58 .
« Votaram contra a vitaliciedade OS srs . seuadores :
Vergueiro , Alencar e Borges.
Deputados : Limpo, Lemos, Paes de Barros ( 5), Belisa
rio, Pinto Peixot", Pinto da Gama, Carneiro da Cunha,
Brito Guerra, Bello, Fortuna, Andrade Lima, Rezende, Deus
e Silva, Gabricl Mendes, Souto, Amaral, Moura, Evaristo,
padre Ignacio da Costa, Junqueira, Gervasio, Gomes da
Fonseca , Ferreira França, Ernesto, Lobo de Sousa, Lessa ,
Custodio Diss, Feruandes da Silveira , Baptista de Oliveira,
Nascimento, Sebast : ão do Rego, Ferreira de Castro, Pereira
Ribeiro, Ferreira de Mello, padre Valerio, Pedro Muniz,
Barretto, Lino Va:concellos, Jocobina, May, Casia Ferreira,
Franci:co do Rego, Toledo, Sá Ribras (sic ) (6) Paula Si
mões, Jardim Correia Pacheco, Aureliano, Odorico Mendes,
Duarte Silva, Paula Araujo, dr. Moura e Costa Miranda
ao todo 57. Faltaram , deputados : -- srs. Clemente Pereira,
Castro Alvares. Monteiro de Barros (7), Sá Palacin , Alves
Branco, Ar ujo Fernandes e Baptista Ferreira. - Senadores
nem um só !!! Os srs . ! pambupe e Aguiar, que não tinbam
ido ás primeiras sessões, por enfermos, compareceram logo
que se agitou a questão da vitaliciedade : 0 sr. marquez de
Queluz, apesar do estado de paralysia em que se acha, fez -se
transportar á casa da reunião, para dar seu voto. »
Não sabemos ao certo
ao certo a data do apparecimento do
« Correio » : si , entretanto, as suas eaições primeiras vierain
a lume com regularidade, como acreditamos ter acontecido,
poderemo: fixar a data da impressão do seu primeiro nu
mero em 6 de dezembro de 1831 , porquanto o n . 6, que é o
mais antigo que conhecemos, corresponae ao dia 23 do mes
mo mez e anno .

( 3 ) D. Francisco de Assis Mascarenhas,marquez de S. João da Palma ,


senador por S. Paulo .
( 4 ) Lucas Monteiro de Barros, visconde de Congonhas do Campo, se
nador por s . Paulo ,
( 5 ) Sargento -mór Antonio Paes de Barros, deputado por S. Paulo .
( 6 ) Capitão Lourenço Pinto de Sá Ribas, deputado por S. Paulo.
( 7 ) Dr. Rodrigo Antonio Monteiro de Barros, deputado por S. Paulo
399

Ignoramos tambem a data do seu desapparecimento : o


numero mais alto que delle conseguimos ter noticia é o
citado 86, de 12 de outubro de 1832.
O Instituto Historico de S. Paulo possue um exemplar
de cada um dos ns. 6 e 86 que lhe foram offerecidos, res
pectivamente , pelos srs. Ignacio Cesar, de S. Luiz do Pa
rahytinga, e major Claudio Barbosa, da Capital.
CAPITANIA DE ITANHAEN
MEMORIA HISTORICA
POR

Benedicto Calixto
SOCIO HONORARIO DO INSTITUTO
A VERDADE HISTORICA
Relativamente á existencia politica da Capitania de Itanhaen
CAPITANIA DE ITANHAEN - é o titulo de uma Me
moria Historica que nos propuzemis a escrever, avimado e
auxiliado pelo historiador paranáense DR. ERMELINDO DE
LEÃO e por alguus dos illustres consocios do Instituto His
torico e Geographico de São Paulo .
Como porém , esse titulo — CAPITANIA DE ITANHAEN
tenha sido até hoje desprezado e mesmo considerado ille
gal por notaveis historiadores e cbronistas paulistanos, faz
se necessario que , antes da leitura desta Memoria , 0
publico em geral e os nossos digoos consocios em particular,
fiquem conhecendo as razões que nos levaram , pão só a dar
tão audacioso titulo a este trabalho, como tambem o motivo
principal que moveu nossa pessoa a emprehender tão ardua
quão ingrata tarefa, depois da publicação, em 1905 , da nossa
insignificante monographia - A VILLA DE ITANHAEN .
Todos os nossos dignos consrcios reste Instituto rrco
nhecem e avaliam os graudes e inolvidaveis serviços presta
dos a esta Instituição e á Historia de nosso ESTADO pelo
potavel e zeloso director do ARCHIVO PUBLICO DE SÃO
PAULO, I r. Antonio de Toledo Piza, de saudosa memoria,
não só com a publicação da série dos DOCUMENTOS IN
TERESSANTES — como tambem com a grande e forte con
tribuição de documentos e memorias de sua lavra que pu
blicou nos annaes desta Casa .
0 Sr. Dr. Antonio Piza, como sabeis, foi uin dus
historiadores paulistas que mais procurou accentuar e provar
que esse titulo de — CAPITANIA DE ITANHAEN nào
tinha, absolutamente, razão de existir, visto ser uma denomi
nação illegal, uma interpretação erronea por parte dos hs
toriadores que a elle se referem .
Durante a permanencia do Dr. Piza em São Paulo , nos
ultinios annos de sua laboriosa e proveitosa existencia, tive
mos a honra de travar e entreter relações de amizade com
esse diguo fuoccionario publico, trocando sempre idéas a
proposito de assumptos de nossa historia patria , em consul
tas que mutuamente faziamos, quer verbal, quer por escripto.
Parecerá, portanto, uma fata de respeito á memoria
desse amigo, e mesmo uma deslealdade de nossa parte, vir
- 404

hoje, quando seu corpo já dorme em paz e no silencio do


tumulo, contradizer as suas tão convictas affirmativas histo
ricas sobre a negaçaõ do titulo de — CAPITANIA DE ITA
NHAEN .
Para que se não diga que só depois da morte do Dr.
Antonio de Toledo Piza é que nos lembramos de vir em
publico discordar das suas opiniões sobre tal ponto, tão im
portante, aliás, de nossa historia, resolvemos e pedimos ve
nia, para trauscrever aqui a cópia de uma carta que, sobre
tal assumpto, lhe dirigimos em 1901, e a resposta, bem digna ,
por certo, de ser registrada nos annaes deste Instituto His
torico de São Paulo .
Eis a carta :

« São Vicente, 5 de Outubro de 1901 .


Illm .• Sr. Dr. Antonio de Toledo Piza .

Tenho, ultimamente, com regularidade, recebido os VO


lumes de sua excellente publicação official - DOCUMENTOS
INI ERESSANTES PARA A HISTORIA DE S. PAULO .
Não imagina o illustre amigo quanto nos interessam esses
documentos e quão gratos lhe estamos sendo por merecer
lhe a gentileza da remessa regular dos volumes publicados.
Cada dia mais nos convencemos do importante serviço
que o amigo está prestando á historia de nosso Estado e de
nossa Patria.
O ultimo volume que recebemos ( XXXII ) que, como
sempre, immediatamente consultamus, traz, além de outras
cousas interessantes, dois documentos referentes a ITANHA
EN, que nos interessam particularmente.
O primeiro ( pag. 7 ) é um officio do Capitão -General
RODRIGO CESAR DE MENEZES, governador de S. Paulo,
ao Rei D. JOÃO V. Essa representação, datada de 8 de
Setembro de 1721 refere-se a actos praticados por ANTO
NIO CAETANO PINTO COELHO, Capitão-mór Governa
dor da Capitania de NOSSA SENHORA DA CONCEIÇÃO
DE ITANHAEN, da qual era , então, donatario o CONDE
da ILHA DO PRINCIPE , D. ANTONIO CARNEIRO DE
SOUZA .
Esse documento traz, em baixo , uma « nota » , redigida
pelo amigo, explicando que : Capitanin de Itanhaen é cousa
que nunca existiu . O processo VIMIEIRO -MONSANTO
desapossou os descendentes primogenitos de MARTIN AF
FONSO DE SOUZA da villa de São VICENTE, cujos de
legados passaram a residir em 1 l'ANIAEN, que ficou elv ;
rada em séde da DONATARIA , mas a donataria era de
São VICENTE . ( Vid . processo VIMIEIRO -MONSANTO ,
no vol. V da REV. do INST. HIST. de S. Paulo ).
Essa « nota » nos surprehendeu devéras !
Como sabe o amigo, tivemos um dia a infeliz e, creio, a
estulta idéa e pretenção de ser escriptor de Memorias, e es
405

crevemos a pequena MONOGRAPHIA – A villa de ITA


NHAEN a qual o amigo leu antes de ser publicada e ap
provou . Ora, si os poss's conhecimentos sobre a historia de
İTANHAEN sito ainda hoje tào escassos, o que seria , pois,
- Imagine ! : FREI GASPAR,
naquelle tempo ?! ( 1895 ).
AZEVEDO MARQUES e MACHADO de OLIVEIRA fo
ram quasi os unicos auctor-s que vos guiaram então, por
serem os que, de alguma forma se occuparam ligeiramente
daquella antiga povoação paulista .
Após a publicação dessaMONOGRAPHIA temos, entre
tanto, continuado na pesquiza de documentos antigos que se
refiram a essa villa ; e , pouco, muito pouco mesmo, temcs
encontrado que nos possa adeantar em conhecimentos capa
zes de nos proporcionar meios para uma annotação séria e
segura sobre essa pobre monographia.
Parece -nos que uma dura e cruel fatalidade pesou sem
pre e pesa ainda sobre a sorte dos annaes dessa infeliz
Villa de ITANHAEN .
Cada dia mais nos convencemo ; disso . Não é só o fa
eto ou objecto da sua annotação citada - provando que « CA
PITANIA DE ITANHAEN nunca existiu » - que pos vem
suggerir estas ernsiderações, estas lamentações : NÃO : pois
nunca s firmámos que ITANHAEN houvesse sido « C'api
tania »
Reportando-nos aos dizeres dos chronistas, repetimos que
« ITANHAEV esteve como cabeça da DONATARIA de São
VICENT : » : tanto assim que,na referida monographia, ci.
támos este trecho de MACHADO DE OLIVEIRA : Em
quanto, porém , se discutia esta questão ( processo VIMIEIRO
MONSANTO ) a Captonia de S. VICENTE estaria ace
phala, com esbulho entre outros, das villas da mesma Capi
tania , seem 1624 e sob a auctorização da CONDESSA ve
VIMILIRO , se não instituisse a villa de ITANHAEN , em
cabeça de Capitania, como era a de S. VICENTE, passan
do para ella ( Itanhaen ) o lóco - tenente MANOEL DE CAR
VALHO, e, nesta cathegoria partiram dalli todos os actos
concernentes á < dministração publica. A villa de ITA
NHAEN continuou a gosar desse predicamento, de cabeça
de CAPITANIA de S. Vicente até o anno de 1079, e quan
do a possuia , por direito de herança , o CONDE da İLHA
DO PRINCIPE etc... ) ( 1 )
O que lamentamos, pois, é o silencio dos chronistas e a
falta absoluta de documentos que se nota sobre os fastos e
aondes dessa antiga povoação, que, em bóra pobre e humil
de, esteve tantos annos gosando dos fóros de cabeça de Ca
pitania da DONATARIA de S. VICENTE , e ainda depois
de despojada desse titulo continuou na cathegoria de séde

(1) Quadro Historico da Provincia de S. Paulou – de Machado de Oli


veira .
400

da Capitania dos herdeiros primogenitos de MARTIM AF


FONSO DE SOUZA , confórme rezam os poucos documen
tos que existem , dessa épocha, nos archivos ignorados da
Camara de ITANHAEN , dos quaes transcrevemos alguns
nesse citado folheto.
Nessa já tào lorga série de documentos publicados pelo
illustre amigo, os quaes attingem a 32 volumes, e nos quaes
os nossos ávidos olhares têm percorrido com tanto interesse,
pagina por pagina, nada, ou quasi nada se encontra refe
rente a esta autiga villa , não obstante terem dalli partido
durante mais de um seculo « todos os actus concernentes á
administração publica » .
Não acha o amigo que é deveras singular e inexplica
vel tudo ist ) ?!
ITAHNAEN foi a residencia, já não diremos dos pro
prios donatarios, herdeiros de MARTIN AFFONSO, mas,
de seus delegados e prepostos, gente essa de alguma impor
tancia e de grande prestigio ; entretanto, consulta ndo -se os
genealogistas PEDRO TAQUES, AZEVEDO MARQUES e
JOÃO MENDES DE ALMEIDA, pouco ou nada se encon
pra, procedente das velbas estirpes paulistana , dessa antiga
séde da Capitania dos herdeiros de MARTIM AFFONSO. !
Ao lermos este anno ( 1901 ) o Diccionario Bibliogra
chico Brazileiro de Sacramento Blacke, surprehendeu -nos o
deparar alli com o nome e a biographia de um illustre filho
de Itanhaen -Frei ANTONIO DE SANTA MAFALDA ( Pro
vincial do Convento de Santo Antonio, do Rio de Janeiro ),
filho de Antonio José Ferreira e de D. Felippa Maria de
Jesus, e irmão do votavel sacerdote secular Joà Baptista
Ferreira ; pessoas estas bem conhecidas em ITANHAEN e
citadas na nossa monographia. Pois ainda mais surprehen
didos ficamos quando o sr. Sacra:nento Blacke ves vem

declarar que esse distincto sacerdote é natural de São


Paulo !!! ( * )
Outro documento que nos chamou a attenção neste ul
timo volume dos « DOCUMENTUS INTERESSANTES » é
o que vem a pags. 247,249, sob o titulo « TRASLADO da
CONFIRMAÇÃO e doação do Exmo. Sr. CONDE DONA
TARIO, confirmada na éra de 1709 annos » . As annotações
VO
que abi se vêm, como as demais que enriquecem estes
lumes, provam bem a vasta erudição do amigo uesta mate
ria tão complicada de chronicas e annaes historicos paulistas,
dessa épocha .
Lemos com muito inter: sse as referidas notas , mas, in
felizmente, não podemos manusear nem 0 « VIMIEIRO
MO VSANTO) » nem a arvore genealogica de MARTIM AF
FONSO, pois não fazemos parte do INSTITUTO HISTO

( ) Esse engano acha-se rectificado na « Genealogia Paulistana do Dr.


Gonzaga Lemes .
- 407

RICO de SÃO PAULO , nem possuimos seus annaes . Por


conseguinte, na falta desses e de outros documentos que nos
possam elucidar pesta materia, pedimos- lhe que : se algum
interesse tomou va leitura dessa pequena monographia, nos
esclareça sobre estes pontos :
1.° – Tem razão Machado de Oliveira quando affirma
que ITANHAEN esteve como cabeça de Capitania de S.
VICENTE desde 1624 até 1679 ?
2. – ITANHAEN foi cabeça de Capitavia dos herdei
ros de MARTIM AFFONSO ? - E se vão foi, porque ra
zão se empregaram , nos papeis officiaes, naquelles mesmos
que emanavam das mãos dos reis das metropoles LUZITANA
é CASTELHANA , as fórmulas — CAPITANIA DE ITA
NHAEN de que é donatario o CONDE da ILHA do PRIN
CIPE, ou o c nde de Vimieiro ?
Precisamos esclarecer todos estes pontos e quem melhor
do que o illustre amigo, que sempre nos tem animado a
proseguir em taes investigações, nos poderá coadjuvar ?
Esta epistola já vae longa e convém não abusar, por
mais tempo, da sua paciencia, nea roubar -lhe o tempo aos
deveres de seu afanoso cargo .
Disponha do am.' cr. e obr.
Benedicto Calixto de Jesus. »

- O Dr. Antonio de Toledo Piza, sempre gentil e activo


nas suas attribuições, para com todos que delle se approxi
mavam , não foi surdo ao nosso appello e deu-nos, immedia -
tamente, a seguinte
RESPOSTA :

« São Paulo, 10 de Agosto de 1902.


Amigo e Sr. Benedicto Calixto.
Recebi hoje a sua carta de 5 do corrente ; foram pre
cisos cinco dias para vir ella de S. Vicente a S. Paulo !
Martim Affonso, ha quatrocentos aunos, teria gasto me
nos tempo no trajecto e sem estrada de ferro !
Gostei da leitura de sua carta , porque poucas, poucas,
recebo neste estylo.
Respondo primeiramente ao questionario final : Diz Aze
vedo Marques : Palavra ITANIA EM . < ITANHAEM teve
de 1624 a 1679, o predicamento de cabeça de capitania da
Condessa de VIMIEIRO, tempo em que esta senhora, suc
cessora legitima de Murtim Affonso foi expellida da Capi
tania de S. Vicente, pelo Conde Munsunto, « herdeiro de Pe
dro Lopes de Souza », por erro de demarcação da Capitania
de Santo Amaro, que invadiu a Capitania de São Vicente.
E ' correcta a primeira affirmação de Azevedo Marques e
confirmada por Pedro Taques, tomo 9.º, pag. 153, da Revista
408

do Inst. Hist. Brazileiro ; porém , ITANHAEN era a cabeça


somente ; a sede, quanto ao titulo da Capitania, era — CA
PITANIA DE S. VICENTE , embora a villa de S. Vicente
tivesse sido tomada, por erro de demarcação e annexada com
Santos, S. Paulo e Mogy, á Capitania de Santo Amaro.
A segunda affirmação de Azevedo Marques está errada :
O CONDE DE MONSANTO , não era herdeiro de Pedro .
Lopes; era filho de D. Ignez de Pimentel, e, portanto, peta
legitima de Martim Affonso de Souza e primo- irmão da
CONDESSA DE VIMIEIRO , que tambem era neta de Mar
tim Affouso. A duvida vem do facto que, Martim Affonso
teve um casal de filhos : 1.° Pedro Lopes de Souza que era
o morgado, h rdeirɔ do seu pae Martim Affonso, e pae da
CONDESSA DE VIMIEIRO ; 2.• D. Ignez Pimentel, que
sendo muluer não podia herdar, de seu pae, parte alguma
na Capitania, mas foi mãe do CONDE DE MONSANTO .
A Capitania de Santo Amaro veio parar as mãos da
CONDESSA DE VIMIEIRO por testamento feito por D.
Izabel de Lima, ultima descendente do donatario Pero Lopes
de Sousa ( irmão de Martim Affonso ) ; porém o CONDE DE
MONSANTO , seu primo - irmão, contestou - lhe essa berança
e ganhou o demanda.
Azevedo Marques, portanto , está errado quando diz que
o CONDE LE MONSANTO era herdeiro de Pedro Lopes ;
não era tal , mas era neto de Martim Affonso, tanto como a
CONDESSA DE VIMIEIRO era neta.
A familia do primeiro Pedro Lopes ( o donatario ) ex
tinguiu - se na pessôa de D. Izabel de Lima, sua ultima
descendente .
Assim vemos que ITANHAEN foi séde da Capitania de
São Vicente durante o longo litigio entre os VIMIEIRO
MONSANTO, porém , nunca houve Capitania de ITANHAEN.
Desappossados de São Vicente, durante o processo , os.
VIMIEIROS precisavam ter uma séde qualquer e preferiram
ITANIAEN , assiin poderiam ter preferido a povoação , de
CANANE 4 , porém a Capitania não seria de CANANEA,
assim como não foi de ITANHAEN, porque CAPITANIA
DE SÃO VICENTE era um titulo e este nunca foi mutado
a não ser mais tarde para CAPITANIA DE S O PAULO .
Se os chronistas falam ás vezes em CAPITANIA DE
ITANHAEN é somente por conveniencia , para não confundir
o dominio dos VIMIEIROS, depois que perderam a villa de
São Vicente, com os dominios dos MONSANTOS, depois
que estes ganharam a posse desta villa.
Nada, portanto, tenho a criticar no sen hello livro
A VILLA DE ITANHAEV - cujas provas li em tempo op
portuno e teria annotado em tempo se nelle tivesse encon
trado alguma cousa que parecesso contrario á verdade dos
factos .
- muito extranhavel, na verdade, a falta de documentos
sobre esse período da "istoria de ITANHAEN ; mas que quer,
409

se Santos , São Paulo, Mogy e outros lugares que existiam


ou foram creados durante o processo VIMIEIRO -MONSANTO
com excepção unica de IGUAPE e SOROCABA, ficaram
pertenceudo á CAPITANIA DE SANTO AMARO , dos
MONSANTOS, portanto, a jurisdição de ITANHAEN se es
tendia a IGUAPE, mais tarde a CANANÉA , UBATUBA e
talvez RIO DE JANEIRO , cujo territorio pertencia á CA
PITANIA DE SÃO VICENTE Se os archivos de IGUAPE,
SOROCABA E UBATUBA inda existissem . velles se deveriam
encontrar documentos relativos á ITANHAEN, quando éra
séde da Capitania de SÃO VICENTE . No vol. V de Re
vista do Instituto vem reproduzido o « Processo VIMIEIRO
MONSANTO , bem como a eseriptura de doação do CONDE
da ILHA do PRINCIPE e o Catalogo dos capitães- locotenentes
de SÃO VICENTE E ITANHAEN, com 43 notas avulsas
sobre a historia antiga de São Paulo tudo muito inte
ressante para quem se dedica ao estudo da nossa historia .
Disponha sempre, com franqueza, do Amigo Obr. Cr.do
Antonio de Toledo Piza.

Nesta mesma occasião, ou algum tempo depois, o dr .


Antonio Piza nos propuuha para socio deste Instituto Histo
rico e, uma vez bonrado com esse titulo pudémos com mais
vantagem e segurança nos dedicar a estes estudos .
As nossas investigações sobre a Capitania de Ita
nbaon pouco adeantaram nas consultas feitas então nos an
naes do Instituto e nos velhos archivos de São Paulo, parte
ainda inédito nesse tempo, cujos rebuscou fizémos auxiliado
pela bộa vontade e pelo interesse do nosso a nigo dr. An
tonio Piza .
Até a data do seu fallecimento pouco haviamos adean
tado nas nossas pesquizas no archivo publico e nas ligeiras
consultas feitas, por intermédio do dr. Ernesto Young, nos
annaes da camara de IGUAPE e nas demais camaras da
CAPITANIA DE ITANHAEN . Com essas investigações
tinhamos conseguido apenas augmentar o limitado numero
de , « Governadores de Itanhaen » no catalogo do JUIZ DE
FORA , Mareolino Pereira Cleto, já publicado pelo dr. Piza
no vol. V - da Revista do Instituto Historico de São
Paulo ».
Haviamos, entretanto, já esboçado o plano da « Memoria
Historica » que pretendiamos escrever para ajuntar á nova
edição da nossa pequena monograpbia « A VILLA DE ITA
NHAEN » quando fomos tào & gradavelmente surprehendidos,
em Maio de 1914, com a remessa que nos fez o distincto
historiador paranaense , dr. Ermelindo Leão , d'essa inte
ressante e preciosa m -morra jutitulada « AS CAPITANIAS
· DE IT A IIAEN E PARANAGUA ' , a qual já foi publi
410

cada nos jornaes e se acha trauscripta no ultimo volume da


« REVISTA DO INSTITUTO » .
A pequena e tão importante memoria que gentilmente
nos dedicou o erudito homem de lettras paranaense, desobri
gando-se assim de uma v lha promessa que nos havia feito,
foi um incitamento ao trabalho já emprehendido, ao qual não
podiamos agora nos fartar . Obedecendo pois ao appello que
nos dirigiu o dr. Ermeliodo Leão e animado ainda com o
auxilio de nossos distinctos conocios e, principalmente do
dr. Alfredo de Toledo, actual vice- pres dente desta insti
tuição, o qual sempre tão solicito tem sido em auxiliar-nos
nesta ardua e ingrata tarefa, desencovando dos velhos ar
chivos paulistas documentos de summa importancia, que nos
passaram despercebidos ; proporcionando ainda meios e fa
culdades para qua, com mais liberdade, pudessemos continuar
as posssas investigações nos velhos archivos de São Paulo,
pudémos emfim , não diremos levar a termo o nosso audac oso
intuito, pois é preciso que se note : o que temos escripto
com o pomposo titulo de CAPITANIA DE ITANHAEN
é apenas um parco e insigoificante subsidio que offerecemos
para a historia dessa contestada Capita ria de NOSSA SE
NHORA DA CONCEIÇÃO DE ITANHAEN, a qual, como
bem diz o douto historiador paranaense, é um brilhante ca
pitulo da historia patria, que ainda não encontrou quem o
traçasse, em todos os seus contcrnos, arrancando do olvido
tantos successos que contribuiram para dilatar o dominio por
tuguez ao Sul e ao Oeste da liuba divisoria fixada pelo tra
tado de Tordesilla » .
Não seremos nós, por certo, quem ha de desvendar os
fastos tão notaveis e tão gloriosos da CAPITANIA DE ITA
NHAEN, ao Sul , ao Oeste e ao Norte da Grande capital
Paulista , nessa época já memoravel pela historia das en
tradas e das bandeiras paulistas, no vasto
vasto territorio sul
americano .
Outros de mais competencia, que já têm esboçado as
linbas geraes desse grandioso plano, melhor orientados do
que nós nesta parte tão obscura, tão falha e contra lictoria
da historia da CAPITANIA DE ITANHAEN, hần de sem
duvida leval-a a effeito, preenchendo assim essa grave e las
timavel lacuna.
A vós, o que nos compete neste despretencioso trabalho
que vamos publicar, auxiliado por este Iustituto, é simples
mente provar a legalidade desse titulo — CAPITANIA DE
ITANHAEN a sua
existencia politica, e demonstrar as
injustiças de que foram victimas esses donatarios, herdeiros
primogenitos de MARTIM AFFONSO DE SOUZA , não só
pela prepotencia dos monarchas e governadores desta parte
da colonia luzitava, como tambem pela desconsideração e in
curia dos proprios historiadores e chronistas que nunca to
maram a sério essa capitania e tanto despreso votaram a
essa pobre e humilde Villa de ITANHAEN, que foi a sede
- 411

incontestavel dessa Capitania donataria por mais de um


seculo, conforme se verificou agora pelos restos dos velhos
annaes das camaras dessa capitania , sempre olvidados pelos
historiadores, que nuvca se dignaram investigal 03 sériamente.

A jurisdição da CAPITANIA de ITANHAEN não se

estendia unicamente, como diz o dr. Antonio Piza , « a SO


ROCABA , IGUAPE até CANANEA , e a UBATUBA e
talvez RIO DE JANEIRO , cujo territorio pertencia por
doação á capitania de São Vicente » .
As villas de CARAGUATATUBA. UBATUBA , PA
RATY, ANGRA DOS REIS E CABO FRIO estavam dentro
da mesma jurisdicção, fazendo parte, nào da capitania de
Sào VICENTE, mas da Capitania de ITANHAEN.
A villa de PARANAGUA, como confirma o Dr. Erme
liodo de Leão, esteve egualmente, durante um certo periodo,
fazendo parte da mesma Capitania de ITANHAEN.
Todas as demais villas ao Norte da Cidade de S. Paulo ,
além de MOGY, como São José dos Campos, Taubaté, Pin
damonhangaba e Guaratinguetá, bem assim as povosções
creadas nessa época, nas lavras de MINAS GERAES, es
tavam tambem dentro da jurisdicção da CAPITANIA DE
ITANHAEN, conforme se verifica das noticias sobre suas
respectivas fundações, que fazem parte desta Memoria e pelos
provimentos concedidos pelos donatarios da dita capitania,
por iutermedio de seus Govercadores e Ouvidores, residentes
nessa mesma villa de ITANHAEN. ( * )
Esses documentos, como se verá, faziam parte dos an
naes das camaras dessas villas da Capitania de ITANHAEN ,
merecendo portanto toda a fé.
Porém , o melbor e mais importante subsidio que obti
vémos para provar a importancia que gosou essa antiga ca
pitania, além desses documentos dos archivos municipaes a que
nos referimos e das cartas de Sesmaria passadas pelos Go
vernadores da dita CAPITANIA DE ITANHAEN, foi, prin
cipalmente, essa série de Peças Historicas » existentes no
Archivo Municipal do Rio de Janeiro, copiadas por ordem
do Governo do Estado de São Paulo, pelo socio correspon
dente deste Instituto sr. Basilio de Magalhães, documentos
esses que acabam de ser publicados na Revista deste mesmo
Instituto Historico .
Por esses importantes subsidios relativos ao « Bandeiris
mo Paulista » , no periodo de 1664 a 1700, extrabido do
Archivo Nacional, vê-se bem que a depominação de « CAPI
TANIA DE ITANHAEN > era incontestavelmente um titulo

( * ) As noticias que damos sobre a fundação das villas da Capitania de


Itanhaén , não abrange essa zona de Minas Geraes e sim , unicamente, as villas
do littoral e as que foram fundadas á margem do rio Parahyba.
412

officialmeute adoptado pelos respectivos donatarios e plena


mente reconhecido e sanccionado pelos monarchas e pelos
seus Governadores Geraes. Não era pois esse titulo, conforme
se attribue, uma interpretação erronea, adoptada somente
por um ou outro chronista, por conveniencia, para não con
fundir o domivio dos VIMIEIROS, depois que perderam a
Villa de S. Vicente, com o domiuio dos Mousảntos a , con
forme nos declarou o Dr. Piza , na carta já transcripta.
Os primeiros Governadores e Ouvidores da Capitania de
ITANHAEN , de 1624 em deante, no tempo dos Coudes de
VIMIEIRO e mesmo durante um certo periodo do dominio
dos Condes da Ilha do Principe, eram nomeados pelos respe
ctivos donatarios, sem a approvação do Rei , como se verá
na relação completa desses Governadores que conseguimos
organizar, a qual attinge a trinta e dois, abrangendo o largo
periodo de 1024 a 1721 .
Como es: as primeiras nomeações não traziam a sancção
del rei, poder-se - á allegar que não mereciam fé politica e
publica ; porém , mais tarde essas ditas nomeações eram já
feitas por meio de uma « Patente Regia » , conforme vae
explicado na dita « Relação dos Governadores e Ouvidores
da Capitania de ITANHAEN ».
Nesta < série de ducumentos dos Governadores do Rio
de Janeiro » , que vimos de citar, encontra-se uma collecção
de « PATENTES REGIAS » concebidas nestes termos : D.
Pedro II por graça de Deus, Rei de Portugal, Algarve,
etc ... Faço saber aos que estil minha Carta Patente virem ,
que por o Conde da ILHI do PRINCIPE, Donatario da
CAPITANIA DE NOSSA SENHORA DA CONCEIÇÃO DE
ITANHAEN me haver proposto trez sogeitos, na furana das
minhas Ordens, para Capitão da dita Capitania, e tendo
respeito a THOME' MONTEIRO de FARIA , um dos ditos
propostos etc ... hei por bem e me apraz de o prover e no
mear, como pela presente o Domeio por Capitão da dita
Capitavia de Nossa Senhora da Conceição de ITANHAEN ,
para que sirva o dito posto , por tempo de trez annos, e assim
e da maneira porque fizeram , até agora, os demais capitães
da dita capitania ... etc. LISBOA, 19 de Março de 1694.»
Quando este mesmo soberano e os demais que lhe succe
deram , davam provisão ou Patentes nomeando os auctori
dades da Capitania, a pedido dos donatarios, herdeiros pri
mogenitos de Martim Affonso, era sempre con este titulo ;
« DONATARIOS DA CAPITANIA DE ITANHAEN » ;
quando se tratava , porém , dos herdeiros da donataria de
Pedro Lopes - Os Condes de MONSANTO e os de CASCAES –
o titulo invariavel era sempre este : « DONATARIOS DA
CAPITANIA DE S. VICENTE » , para não confundir, está
claro, com a donataria de Martim Affonso , cujos donos eram
os Condes de Vimieiro e da Ilha do Principe, a qual dova
taria tinha então por titulo official e por séde ITANHAEN ,
ouforme havia sabiamente ordenado, em 1624, a Condessa
- 413

de Vimieiro, afim de não haver confusões futuras entre as


duas donataries, depois que os senhores de Monsanto e de
Cascaez usurparam -lhe, não só as villas de S. Vicente e de
S. Paulo e os derrais fund das durante a vida de Martim
Affonso, como tambem o titulo de sua antiga capitanis, que,
tambem foi usurpado, conforme vae melhor explicado na
parte em que nos referimos a essa demanda entre os respectvos
donatarios.
Vejamos pois, agora, os termos de uma outra « Pate te
Regia » do mesmo Rei D. Pedro II, passada um anno de
pois, a 13 de Dezembro de 1695 , a favor de Pedro Rodri
gues Sanches , para servir o cargo de Capitão da Capitavia
de S. Vicente e São Paulo ( * ):
« D. Pedro II, por Graça de Deus etc ... Faço saber
aos que esta minha Carta Patente virem que, por o Marquez
de Cascaes, donatario da Capitania de S. Vicente e São
Paulo, me haver proposto jara Capitão della, na fórma das
rinhas Ordens e suas doaçõ - s, a Pedro Rodrigues Sanches,
entre os mais sogeitos etc ... hei por bem e me apraz de o
prover e nomear, como pelo presente o nomeio, para Cap tào
da dita Capitania de S. Vicente e São Paulo, para que sirva
o dito cargo por tempo de trez annos, assim é da maneira
porque fizeram seus antecessores etc .... »
O'ra , si a antiga Capitania de Santo Amaro, havia
deixado de existir , com esse titulo , desde 1624, que foi
quando o Conde de MONSANTO ganhou a demanda e se
appossou das villas de S. VICENTE, Santos, S. Paulo e
Mogy ; si essa Capitania de Santo Amaro usurpou e adoptou
officialmente o titulo de Capitania de S. VICENTE , confor
me reconheceram os proprios ex-donatarios da dita Capitania
de S. Vicente, dando então um titulo diversn á sua capita
nia ; si esso titulo de Capitania de S. VICENTE, dado á
ex-capitania de SANTO AMARO pelos sors. de MON
SANTO e CASCAES . foi acceito, approvado e usado sempre
pas Patentes e Provisões R -gias e nos demais papeis offi
cias dos Governadores, dos Juizes e Officiaes e nos actos
das camaras de S. VICENTE e S. PAULO , conforme veri
fica -se hojo dos respectivos anuaes ; si , finalmente, o proprio
Rei e seus Governadores Geraes declaravam em suas Pro
visões que o Marquez de CASCAES era donatario da Capi
tan.a de S Vicente e S. Paulo ; como é que se nos vem
dizer que o « titulo de CAPITANIA DE ITANHAEV é
cousa que nunca existiu ? ! »
De que forma, pois, os condes da ILHA DO PRINCIPE,
para não contrariarem as opiniões dos nossos historiadores,
poderiam se arranjar se teimassem em dar á sua donataria
o titulo de CAPITANIA DE S VICENTE ? !

( * ) Em 1795 ainda não estava creada a Capitania de S. Paulo que só


foi estabelecicida em 1710 . A villa de S. Paulo estava , entretanto, já instituida
como cabeça de Capitania de S. Vicente .
417

Seriam então duas Capitanias diversas e distinctas, já


por suas naturezas tão embrilhadas em suas jurisdições, pelo
facto de estarem intercalladas uma na outra , existindo
com um titulo commum , o que redundaria ainda na mais
intrincada barafunda !!
Era isto, por certo, que desejavam os proprios donatarios
da ex - capitania de Santo Amaro e os seus patidarios e pa
tronos que tanto se interessavam nesse litigio, e cujo intuito
foi sempre confundirein esses titulos, em proveito de seus
constituintes e no interesse do proprio Rei e seus delegadı s.
E' ben sabido, como bem pondera un historiador, o quanto
se interessavam essas auctoridades em « peiorar cada vez
mais as condições da donataria do Martim Affonso de Souza,
afin de diminuir e cercear ainda mais os direitos dos Condes
da Ilha do PRINCIPE, no caso que o Governo da Metropole
resolvesse indemnizal-os, como fez ao Marquez de CASCAES,
comprando- he, em 1711 , essa parte da donataria de Pedro
Lopes, conhecida com o nome de CAPITANIA DE S. VI
CENTE, na intenção de acoroçôar ainda mais esst confusão
de titulos e de fazer suppor, por meio de subterfugios e
chicanas, que « essa devominação de Capitania de S. Vic nte
abrangia, nào só a parte do Marquez de CASCAES, anne
xada á corôa, como todo o restante das cem legras de costa ,
doadas a Martim Affonso , com o nome de CAPITANIA DE
S. VICENTE, conhecida então pelo titulo de CAPITANIA
de ITAVILAEN » .
Era, pois, com justas razões, receiando que essa confusão
de titulos viesse ainda mais embrulhar esse já longo litigio
entre as duas donatarias que os siirs. da Ilha do Principe
insistiam em conservar esse titulo de CAPITANIA DE
ITANHAEV e nào de CAPITAVIA DE S. VICENTE, da
qual estavrm de posse ( pelo menos desse titulo ) os snrs.
de MONSANTO e de CASCAES.
Si o Dr. Antonio de Toledo Piza tivesse, durante o pe
riodo em que estudou esta questão do litigio « VIMIEIRO -
MONSANTO » inanuse ado como nós os importantes docu
mentos das camaras das villas da Capitania de ITANHAEN ;
as cartas de Sesmaria concedidas pelos lócr - tenentes dos
Condes de Vimie'so e da Ilha do Principe, bem como essas
Cartas e Patentes Regias copiadas do Archivo Nacional do Rio
de Janeiro que só agora veem á luz, por intermedio do zeloso
e patriotico esforço do Governo do nosso glorioso Estado de
São Paulo, sem duvida teria rectificado e modificado a sua
opinião quando negava a legalidade official e politica desse
titulo – CAPITANIA DE ITANHAEN o qual attribuia
a uma má interpretação dos chronistas, quando a elle se
referiam .
Esses Chronistas, aos quaes o Dr. Piza se refere, não
deixaram , por sua vez, de contribuir para tal contusão de
titulos, pela forma velada e ambigua porque sempre discutiam
415

essa tão importante questão entre as duas donatarias, que,


afinal, nunca ficou esclarecida convenientemente.
Historiadores e Homens de Lettras, extrangeiros, que se
propuzeram a estudar a nossa historia paulistana, ao enca
rarem esses periodos assim vagos e contradictorios , escriptos
pelos ditos chronistas , vêm -se, naturalmente, embaraçados e
perplexos, como o profesor Dr. Vicenzo Gro.si, ao escrever
à « STORIA della COLONIZZAZIONE EUROPÉA al BRA
SILE » , o qual , depois de ter consultado todos os auctores
que se tem occupado da historia das Capitanias do Sul do
BRASIL , fica ainda indeciso ante a ambiguidade do quali
ficativo que os nosos chronistas dão á Capitania de São
Paulo e á CAPITANIA DE ITANHAEN , apóz a annexação
feita á COROA , em 1711, da parte da donataria de Pedro
Lopes , denominada então CAPITANIA DE S. VICENTE.
A pags. 48, 60 e 71 de seu livro, impresso em Roma
no anno de 1905, diz o digno historiador italiano VINCEN
ZO GROSSI, ao tratar das primeiras capitanias hereditarias,
que : « a CAPITANIA DE S. VICENTE ( ou dopataria
desse titulo ) foi readquirida pela corôa portugueza em 1791 » ,
divergindo, portanto, da opinião geral dos historiadores pau
listas quando affirmam que : « u data dessa desannexação
teve lovar, c m indemnização aos respectivos donotarios, de
1753-1754, por um act , do Marquez de POMBAL » , sem ,
entretanto, transcreverem tão importante documento, ou in
dicarem o archivo em que foi encontrado.
( No estudo analytico que sobre tal ponto fazemos na
parte desta – Memoria que a elle se refere, procuramos des
envolver e esclarecer melhor este importante assumpto ).
Na terceira parte da referida '' STORIA della COLO
NIZZAZIONE EUROPEA al BRASILE ” , pags. 36 e se

guintes, vem uma resenha mais desenvolvida da historia das


Capitanias Paulistas, na qual o auctor, reportando se, com
mais segurança, ars historiadores MILLIET de SAINT ADOL
PHE, J. M. de MACEDO , Dr. Joaquim Floriano de
DOY, Azevedo MARQUES, Alberto de FORESTA e dr.
João MENDES DE ALMEIDA, diz , entre outras cousas 0
seguinte : « Em 1624 o territorio das duas primeiras dona
tarias ( S. Vicente e Santo Amaro ), disputadas então por
diversos herdeiros, ficou fundida em uma unica propriedade,
( nas mãos de LOPO DE SOUZA ). Foi , porém , novamente
dividida em duas Capitanias , nessa mesma épocha, ficando
uma, a de Pedro Lopes, com o antigo nome de S. VICENTE,
e a outra, a de Martim Affonso, com o titulo de ITA
NHAEN
Depois de historiar, ligeiramente , as pbases por que pas
saram as ditas Capitanias de S. Vicente e CAPITANIA de
ITANHAEN , nesse segundo periodo do litigio que vae de
1624 a 1754, ( ou 1791 ), .conclue o criterioso historiador
416

italiano : « Quanto á Capitania de ITANHAEN, ou Capita


nia de S. Paulo – ( ? ) essa veio a ser incorporada á corôa,
CARTA REGIA de 31 de AGOSTO de 1753 e 28 de Ja
neiro de 1754, medicnte indemnização ao donataric ».
Discutiremos ainda , nesta MEMORIA , da parte rela
tiva a este ponto, sobre a incorporação, é corôa , da CAPI
TANIA DE ITANHAEN, nesta epi cha , afim de verificar se
é Azevedo Marques e outros historiadores paulistas que es
tão com a razão, – quando nos vem dizer que o « resto da
donataria de Martim Affonso (CAPITANIA DE ITANHAEN )
foi annexada á corða, com indemnização do donatario, em
1753 e 1754 « ou se são os historiadores Pedro Taques e
Frei GASPAR, que aliás, tanto se interessaram por esta
questão, que dizem a verdade sobre tal assumpto, quando,
movidos ou commovidos pelas injustiças praticadas contra os
legitimos herdeiros de Martim Affonso, então donatarios da
CAPITANIA DE ITANHAEN , vêm affirmar que « até o
anno de 1772 e 1791 , os Condes da Ilha do Principe, ainda
eram os legitimos proprietarios dessa dopataria e que só po
reinado de D. Maria I é que se lhes deu um equivalente
pela Capitania das vem legoas de costa, « como bem de
clara Fr. GASPAR no fim de suas Memorias para a Histo
ric da Capitania de 8. Vicente » .
O historiador italiano que vimos de citar, prescrutando
com imparcialidade os annaes da nossa Historia Colonial,
não poude negar, como acabamos de ver, o direito que ti
nham os herdeiros de Martim Affonso em dar, ao resto de
sua donataria, o titulo de CAPITANIA DE ITANHAEN ,
para não confundil-a com a Capitania de SANTO AMARO ,
que havia adoptado officialmente o titulo de CAPITANIA
DE S. VICENTE , de 1624 em deaute
Ao chegar porém , ao periodo da formação da Capitania
de S. Paulo, em 1709, que foi quando mais se accentuou o
conflicto entre as jurisdições dessas duas capitanias, isto é —
ex
entre os dominios dos Condes da Ilha do Principe e o
dominio do Marquez de CASCAES , o Dr. Vincenzo Grossi
não deixou de noiar a persistencia e teimosia por parte dos
ditos chronistas em confundirem a jurisdicção da Capitania
de S. Paulo, creada por carta Regia de 3 de Novembro de
1709, com a CAPITANIA DE ITANHAEN, da qual era
donatario o Conde da Ilha do Principe.
Como se verá do traslado de um documento que vae
transcripto em outro Capitalo, - em 19 de fevereiro de
1709, o Rei D. João V confirmava a posse dessa donataria
de Martim Affonso na pessoa de seu legitimo herdeiro e
successor - 0 Conde da Ilha do Principe, declarando que o
mesino Conde « era donatario das cem legoas de terra, por
costa , » « doadas a Martim Affonso de Souza ein 1530, » as
quaes cem legoas de terra, ( diz o documento firmado pelo
REI D. JOAO V ) « estão formadas em capitania, do dis
- 417

tricto do Rio de Janeiro, ( * ) para que as goze, logre e


possúa, por successão, com todas as jurisdicções, preemi
nencias, derrogações etc. etc ... )
A Carta Regia de D. JOÃO V vão declara , entre
tanto, talvez por malicia, o titulo dessa Capitania, cuja
posse elle vinha de confirmar ' na pessoa de D. Antonio Car
neiro de Souza, Conde da Ilha do Principe, mas está bem
claro, pelo que já ficou exposto, que não se tratava aqui da
Capitania de S. Vicente, mas sim da CAPITANIA DE ITA
NHAEN , da qual D. Antonio era donatario, conforme se
vê dos documentos já transcriptos.
Pois, não obstante o valor e a força desse direito con
firmado e outorgado pelo proprio REI, em 19 de Fevereiro
de 1709, alguns mezes depois dessa data, após a creação da
Capitania de S. Paulo, os Capitães Generaes e demais
auctoridades , por ordem do mesmo REI, invadiam e seques
travam os direitos jurisdicionaes da Capitania de Itanhaen,
da qual era donatario legitimo, conforme os dizeres da dita
CARTA REGIA – D. Antonio Carneiro de Souza, Conde da
Ilha do Principe .
A are jurisdicional abrangida pela Capitavia de São
Paulo, creada nessa data, nada mais seria, na realidade, do
que a parte adquirida pela corôa ao Marquez de Cascaes, a
qual consistia apenas nas dezeseis legoas,de costa compre
hendidas entre o RIO JUQUERYQUERÉ ( S Sebastião ) e
a barra de S. Vicente, incluindo, na marinha, as villas de
5. Sebastião, Santos, S. Vicente , e no interior a cidade de
S. Paulo e as villasde Parnahyba e Mogy, que constituiam os
dominios do Marquez de Cascaes, denominada então CA
PITANIA DE S. VICENTE. O resto dessa donataria do
Marquez de Cascaes, adquirida pela corôa, achava-se além
da Ilha do MEL, na fóz do layamar de PARANAGUA' , até
SANTA CATHARINA. Tudo o mais, de PARANAGUA'
até a barra de S. VICENTE, e da barra do JUQUERY
QUERÉ até CABO FRIO, ou MACAHÉ, com o respectivo
sertão, seguudo theor da Carta de Confirmação feita por D.
João V, em 1709, ao dito Conde da Ilha do Principe, es
tava dentro da jurisdição e dominio da Capitania de ITA
NHAEN .
Era este, aliás, bem claro, o estado dessa importante
questão ou desse conflicto de jurisdição entre as duas Ca
pitanias, demonstrando os direitos positivos do donatario da
Capitania de ITANHAEN, quando se creou a capitania de
São Paulo .
Teimaram porém os Capitães Generaes em não querer
ver essas razões, como teimavam e teimam ainda alguns

( ) O Governo Geral do BRAZIL estava então dividido em dois distri


ctos: o do Norte, na Bahia e o do Sul, no Rio de Janeiro : Dahi vem o dizer
se : districto do Rio de Janeiro « cuja Capital estava, aliás, dentro das cem la
gôas da Capitania de ITANHAEN, como bem diz o Dr. Piza ,
418

historiadores paulistas em não quererem reconhecer taes di


reitos .
Este conflicto de jurisdição entre as duas capitanias de
São Paulo e ITANHAEN durou desde 1710 até 1721, que
foi quando o mesmo Rei D. João V., irritadc, talvez , como
procedimento dos lóco -tenentes do Conde da Ilha do Prin
cipe, que, não obstante as suas ordens arbitrarias, insistiam ,
firmados aliás, no pleno direito que lhes assistia, em dar
provimento aos cargos de nomeação, dentro das suas alçadas
e attribuições governamentaes, ordenou ao Capitão General
Rodrigo Cesar de Menezes que « mandasse destituir dos
respectivos postos, algumax auctoridades nomeadas pelo Capi
tão-mór da Capitania de Nossa Senhora d:2 Conceição de IT'A
NHAEN , da qual era donatario o Conde da Ilha. » ( Doc.
Interessantes vol. XXXII ).
Attendendo ainda á representação que lhe fez o Conde
de Assumar, ordenava o mesmo Rodrigo Cesar de Mene
zes, em 1721 , « que se mandasse dar « bayoca » (boixa) a todas
as pessoas que estavam providas em postosdeordenança « por
essa mesmo Capitão -mór Governador de ITANHAEN , Anto
nio Caetano Pinto Coelho, logar-tenente do Conde da Ilha,
donatario da dita Capitanía de ITANHAEN, por não ter ju
risdição alguma para prover os ditos 1ostos e ... HAVER
SUA MAGESTADE, QUE DEUS GUARDE , MANDADO
SEQUESTRAR A JURISDIÇAO DO DITO DONATARIO
PARA A SUA COROA REAL » ( Vol. XX pag . 506.
dos Doc. Interessantes. ) Ora, esse Rei D. João V , que
pela sua Carta Regia de 29 de Fevereiro de 1909 reco
nhecia no Conde da Ilha do Principe, o legitimo senbor dessas
cem legoas de terra, por costa , doadas a Martim Affonso, e
lhe outorgava direitos com todas as jurisdições, era O mes
mo rei , que, por detraz das cortinas, ordenava que se désse
« baixa » ás auctoridades e o sequestro das mesmas juris
dições, em proveito de sua real corôa ! ...
Analysaremos, em um capitulo destas MEMORIAS, esses
actos despóticos, afim de demonstrar a causa primordial que
agiu no espirito ganancioso desse faustoso monarcha , para
assim negar os incontestaveis direitos dos ditos donatarios da
Capitania de ITANHAEN.
Não podendo, entretanto, derı gar a Lei que garantia,
pelo direito de primogenitura. O dominio e posse desses
donatarios da dita Capitania, D. João V mandava pagar - lhes,
pontualmente, até o fim do seu reinado. — “ as redizimas
a que tinham direito — como donatarios da Capitania de
ITANHAEN ” , conforme consta dos ditos “ Documentos In
teressantes publicados pelo governo de São Paulo, sob a
direcção do Dr. Antonio de Toledo Piza, nos volumes que se
referem aos Papeis avulsos de Rodrigo Cesar de Menezes
- 1721-1728 " .
Devido a essa dura prepotencia, mantida pelos Capitães
Generaes, os loco tenentes dos Condes da Ilha do Principe
419

e as demais auctoridades da dita Capitania estavam já in


teiramente coagidos, sem a menor parcella de acção gover
namental, pois a propria villa de Itanhaen , séde da dona
taria, estava, de ha muito, annexada á Capitania de S. Paulo,
fazendo parte de uma das comarcas crêadas pelo respectivo
Governo, em obediencia ás ordens desse mesmo soberano.
E' dessa data em deante, que a villa de Itanhaen , as
sim humilhada e despojada de seu titulo e das suas prero
gativas, cahe no mais triste e deploravel abandono , odiada
e.... porque não dizer ? - ridicularizada e aviltada, não só pelos
poderes governamentaes, como tambem pelos historiadores e
chronistas que nunca quizeram tomar a sério as suas tão le
gitimas prerogativas, nem os annaes de seus fastos, encerra
dos nos seus velhos archivos, que jámais, mereceram as honras
de uma consulta.

Pela rezenha das doze capitanias hereditarias doadas por


D. João III, de 1530 a 1535, vemos, pela ordem chronolo
gica de suas annexações á Corôa , que das dez que prevale
ceram , foi a Capitania de ITANHÃEN , na donataria de S.
Vicente, a ultima a ser annexada.
A 1.* A Capitania da BAHIA foi annexada e ex
tincta em 1548, a do CEARA ' em 1556 ( ? ) —, a deMARA
NHO em 1570, a de PERNAMBUCO em 1654, a de S.
Vicente ( ou SANTO AMARO ) em 1709, a de ESPIRITO
SANTO em 1718, a de ITAMARACA ' em 1743, a de PA
RAHYBA DO SUL em 1753 , a de PORTO SEGURO em
1579 ; cabendo o ultimo logar, na ordem das annexações,
á Capitania de ITANHAEN, que só foi extincta, não em
1759, mas em 1791 , segundo dados historicos mais positivos,
“ mediante uma equivalencia ". E' portanto dessa data ( 1791 )
e não de 1753, que a Capitania de ITANHAEN, foi verda
deiramente extincta, passando o seu territorio a fazer parte,
legalmente, da Capitania de S. Paulo .
Essa antiga Capitania de S. Vicente, que tomou depois
o titulo de Capitania de ITANHAEN, como acabamos de
demonstrar, foi incontestavelmente, a mais importante das do
patarias, não só pela sua vastidão e pelos fastos memoraveis
da sua historia, como pela immensa riqueza de suas minas
auriferas, principalmente neste ultimo periodo de sua histo
ria . Essas riquezas, entretanto, que abarrotavam as arcas do
Thezouro da Metropole, não saciaram , jámais, a desmedida
cubiça dos monarchas e de seus delegados , que agiam nesta
parte das colonias luzitanas. O producto dessas minas da
Capitania de ITANHAEN, isto é, " OURO DE LAVAGEM ”
extrahido nas terras dos vastos municipios , das villas de
IGUAPE E ITANHAEN e nos de CANANÉA , PARANA
GUA ’, bem como nos sertõesde PARANÁPANEMA ; o ouro
e as pedras preciosas provenientes das MINAS GERAES e,
finalmente, as centenas de arrobas desse precioso e vil metal
420

colhido á fôr do solo e arrancado depois, com tanto sacri


ficio, dessas remotas e fatidicas terras de MATTO GROSSO ,
estavam é preciso que se note, dentro dos dominios in
contestaveis dos herdeiros primogenitos de Martim Affonso de
Souza, donatarios ainda dessas cem legcas de costa , com o
respectivo sertão, que constitu'am a Capitania de ITANHAEN .
Essas fabulosas riquezas, esses mananciaes, essa torrente au
rifera, descoberta pelos paulistas e encanada directamente
para as arcas do Thezouro da metropole, não eram sufficientes,
como já ficou dito, para desalterar a sêde ardente dos mo
narchas e cortezăos ... e, por isso : em vez de cogitar-se
da indemnização aos ditos donatarios, só se agia no inte
resse da propria corôa , procurando cercear, cada vez, os di
reitos dos Condes da Ilha do Principe, por meios violentos,
como esse sequestro da jurisdição da Capitania de ITANHA
EN e pela “ Bayóca " ( baixa ) ordenada pelo Rei , como ainda
pelos subterfugios e pela requintada malicia da rabulice pa
laciada, no intuito de confundir a dita jurisdição de ITA
NHAEN com a Capitania de S. VICENTE, ( antiga de Santo
Amaro ), cujo feliz donatario, Marquez de CASCAES , já havia
sido generosamente indemnizado pela corôa portugueza .
Era preciso, pois, que essa Capitania do Marquez de
CASCAES , denominada então — CAPITANIA DE S. PAULO
- apóz a sua annexação á corôa, abrangesse toda a jurisdi
ção da antiga dopataria de Martim Affonso , e ... isso se pra
ticou e se conseguiu, de facto, mas vão de direito, contra o
dominio e a posse dos seus legitimos possuidores ! ...

Não precisaremos insistir sobre tal assumpto, que vae,


aliás , bem esclarecido em outra parte desta “ Memoria ", nem
procuraremos justificar, aqui, com outras razões, a legalidade
ou a “ verdade historica relativamente a existencia politica
da CAPITANIA DE ITANII AEN ” , pois cremos serem suffi -
cientes os argumentos já adduzidos neste intróito.
Precisamos, entretanto, ajuntar ainda uma ligeira expli
cação sobre os titulos dados a essas Capitanias hereditarias,
afim de melhor justificar a nossa asserção.
Os titulos das Capitanias hereditarias, de S. VICENTE
e SANTO AMARO , foram dados pelos proprios donatarios e
não concedidos pelo Rei D. João III, quando fez as respecti
vas doações.
Esta secção da donataria de Pedro Lopes não teve, va
primeira épocha, um titulo official e definitivo. Chamava se
CAPITANIA de PEDRO LOPES ou CAPITANIA DE D.
IZABEL de GAMBÒA, depois do fallecimento de seu marido
PEDRO LOPES DE SOUZA.
( nome e titulo de CAPITANIA DE SANTO AMARO
só apparece mais tarde, nas escripturas do sesmaria, depois
421

que os respectivos lóco - tenentos de D. IZABEL de:GAMBOA


se apossaram , indevidamente , dessa ILHA de GUAYMBÊ ...
( GUAYBE ), a qual ficou desde então conhecida por esse
titulo de SANTO AMARO, devido, simplesmente, a uma
capella, de existencia ephemera que alli se fordou, com a
invocação desse Santo Abbade. ( Veja -se 1.* parte do “ liti
gio entre os donatarios nesta “ Memoria ” ).
A Capitania de Sao VICENTE deve o seu titulo á
villa, que, sob tal denominação, aqui fundou Martim Affouso,
em 1532. Esse nome SÃO VICENTE – que abrangia
o rio ( Lagamar ) e toda essa região littoreana e sertaneja,
não foi dado por Martim Affonso, mas pelos primeiros nave
gadores luzitanos e castelhanos que aqui haviam estado e
povoado, talvez. muitos annos antes deste primeiro do
natario, o qual nada mais fez ( nesse sentido, aliás) - do
que adoptar esse titulo de SÃO VICENTE, já consagrado
nos mappas de marear dessa épocha.
Ora, si essa Capitapia de Pedro Lopes mudou tantas
vezes o seu titulo, como os proprios historiadores reconhecem ,
porque razão então, a Capitania de MARTIM AFFONSO
não poderia tambem mudar esse nome, uma vez que tal mu
dança fosse conveniente a seus donatarios ?
Não se mudam , ainda hoje, por qualquer motivo, os ti
tulos primitivos de logares e cidades importantes ?
Essa mudança de titulo , de Capitania de S. VICENTE
para Capitania de ITANHAEN, não foi, como pretendem al
guns historiadores, a consequencia de um erro de demar
cação ; pois cremos que em materia de direito não
se póde « qualificar de erro » uma cousa feita com O CON
senso e sentença de auctoridades legalmente constituidas e
sanccionada plenainente pelos Governadores Geraes e pelos
proprios monarchas de ambas as metropoles como foi o caso
dessa decisão apprı vada pelos es, que annexou as villas
de S. VICENTE , SANTOS , SÃO PAULO E MOGY á do
nataria de Pedro Lopes , sob o título official de CAPITANIA
DE SÃO VICENTE.
Poderia ser, como de facto foi , uma dessas grandes
e clamorosas injustiças praticadas contra os herdeiros primo
genitos de Martim Affopso, mas não deixou por isso de ser
ao mesmo tempo , uma cousa, si não legal, ao menos le
galizada, pois que os proprios herdeiros legitimos do pri
meiro donatario Martin Affonso a ella se submetteram .
E' que as sentenças, as leis, mesmo em nossos dias, em
bora iniquas e crueis, não deixain, por isso , de ser verda
deiras e cumpridas á risca : « A Lei é dura mas é a Lei » ,
affirma o proloquio latino.
O que é, de facto, e de direito , um erro, mas um erro

inqualificavel, bem mais clamoroso do que aquelle, por nào


ter siquer uma justificativa que o attenúe , -- è a må fé, em
se pretender, fóra da lei que protegia então os vinculos de
422

morgadío e progenitura, derogar os direitos dos donatarios


da Capitania de ITANHAEN, cercêando -lhes, por meios vio
lentos, os poderes juridicionaes, dos seus dominios, em pro
veito da corôa. Erro e erro lastimavel, é ainda a insistencia
dos historiadores em pretenderen
em reconhecer, como verda
deiros, taos actos e praticas arbitrarias commettidos pelas tricas
e chicanas machiavelicas dos ministros e demais prepostos, do
despotismo governamental dessa épocha ; erro, finalmente , é pre
tender confundir ainda a Capitania de Itanhaen com a Capi
tania de S. Paulo, depois de a ter confundido com de S. Vicente.
Dir -nos -ão, talvez, appellando para a opinião de alguns
historiadores que, si essa annexação da Capitania de São
Vicente, denominada então CAPITANIA DE ITANHA
EN, não foi regularmente feita á corôa no reinado
de D. JOÃO V, o Marquez de POMBAL, entretanto,
annexou, de facto , com a respectiva indemnização aos dona
tarios, em 1753 ou 1754, « e que, de então em deante , a
Capitania de São Paulo podia estender legalmente a sua ju
risdição por todo o territorio dessa antiga donataria .
Replicaremos, porém, ainda que : - Si tal annexação se
houvesse effectuado nessa épocha, por esse acto do ministro
de D. JOSE I , o bistoriador Pedro Taques não teria moti
vos para vir reclam ar os direitos que os Condes de VIMIE
IRO E ILHA DO PRINCIPE tinham ainda sobre essa do
nataria, em 1772, dezoito annos depois dessa data , que foi
quando elle escreveu a sua HISTORIA DA CAPITANIA
DE SÃO VICENTE » . ( Rev. do Inst. Historico do Brasil
vol. IX -pags. 137 em deante. )
Si essa questão houvesse sido liquidada em 1754, Fr.
GASPAR não teria razão, tão pouco, quando publicou as
suas MEMORIAS para a HISTORIA da CAPITANIA DE
S. VICENTE », em 1797, de vir apontar e defender ainda
esses mesmos direitos dos herdeiros de Martim Affouso e de
declarar que tal annexação só se fez no reinado da Rainha
Nossa Senhora que foi servida conreder - lhes um EQUIVALEN
TE pela Capitania das cem legoas de cost 2 » .
Será crivel, então ; será admissivel, pois, qne esses dois
historiadores paulistas, que tão minuciosamente estudaram
essa questão de litigio , ignorassem a existencia desses actos
officiaes do Marquez de POMBAL , de 1753 a 1754, anne
xando á coroa o resto dessa donataria de Martim Affonso,
com indemnização aos donatarios ? !
Ao expormos estos argumentos contra as fortes propo
sições acceitas e consagradas, talvez, na nossa historia pau
listana, não nos move qualquer paixão ou qualquer senti
mento de bairrismo futil e mal concebido, pelo facto de ter
mos nascido e passado os primeiros annos de nossa obscura
existencia nessa pobre e humide villa de ITANHAEN .
Não nos move, tampouco, o menor rancor nem qualquer
animosidade contra a villa de S. VICENTE ou contra a
423

antiga villa de S. Paulo de PIRATININGA , pelos antago


nismos e rivalidades que entre si mant verom outr'ora com
essa villa de ITANHAEN , séde da antiga copataria de Mar
tim Affonso.
Amamos e veneramos com ardor, as tradições gloriosas
de S. VICENTE e de S. PAULO, e não desejamos com
isto, tirar lhes a ininima parcella das glorias que, de direito
Thes cabem , nos annaes da historia, para reverter em proveito
dessa vetusta e quasi igoorada vilia de ITANHAEN.
O que desejamos é simplesmente que se dê a essa anti
ga e pobre povoação do nosso rico e glorioso Estado de São
Paulo o logar que lhe compete entre as demais villas pri
mitivas e que se reconheça e se preencha, na nossa historia
paulistana, essas lacunas, restabelecendo a verdade dos fa
ctos, restituindo assim , as importantes prerogativas a que
essa povoação tem direito , como séde de uma vasta e impor
tante capitania paulista.
E esse um dever que nos impõe hoje a justiça calma
e imparcial da historia , quando já não tem mais razões de
prevalecer essas tão ponderosas rizoes de Estado, essas bos
tilidades movidas pelos interesses particulares dos donatarios,
do extincto regimen feudal.
A gloria que resulta para o povo paulista, nos grandio
sos fostos de seus antepassados, é tão grande, tão avultada
que não se pode restringir ponto, ou local privilegiado, don
de a sua acçãr, se irradiasse de preferencia, para as pugnas
da conquista do vasto territorio sul-americano, que constitúe
hoje a grandeza de nossa Patria.
A alma, o sentimento patriotico e altivo do povo pau
lista, não se aniphava sómentc no coração dos habitantes de
São Paulo de PIRATININGA, nem po das villas qne The
estavam sujeitas, mas em toda essa vasta região das cem
legoas de costa doadas a Martim Affonso de Sousa por D.
JOÃO III .
Paulistas eram todos os homens nascidos nessa vasta
donataria . Paulistas eram os filhos ou og subditos, da Ca
pitania de ITANHAEN , nascidos em Sorocaba, Itanhaen ,
Iguape, Cananéa e Paranaguá, como eram os nascidos em
Caraguatatuba, Ubatuba, Paraty, Angra dos Reis e Cabo
Frio e bem assin, os de São José dos Campos, Taubaté, Pin
damonhangaba, Guaratinguetá e os das povoações das MINAS
CERAES .
No peito de todos esses subditos do Conde da Ilha do
Principe, como no dos subditos do Marquez de Cascaes, pul
sava a grande alma briosa e altıva do paulista. Os gover
nadores da Capitania de Itanhaen, nos ultimos tempos, eram
paulistas genuinos e notaveis que, além de outros feitos he
roicos, como bem diz o Dr. Ermelino de Leão : “ foram pra
ticar notaveis actos de bravura va conquista do Rio Grande
do Sul, dignos dos heróes americanos , no dizer de Pedro
Taques ...
424

Para bem demonstrar qual era ainda o ardor patriotico


desses filhos de ITANHAEN, quando essa pobre villa attingiu
o mais infimo grau de sua decadencia, transcreveremos aqui
o final de “ um termo de vereação, para se perpetuar o faus
toso dia duze de Outubro de 1822 .
DE ois de relatar -se a maneira faustosa e brilhante com
que esse povo solempizava, em Itanbaen , esse portentoso
facto da elevação do Imperio do BRASIL » , termina esse
documento pela fórma seguinte : « Por esta acertada reso
lução, por tanta gloria que resulta deste procedimento, ren
deram -se graças ao Omnipotente Arbitro dos Imperios, com
missa solenne, TE- DEUM LAUDAMUS, com igual assis
tencia e frequencia do povo, repetindo-se no fim , os vivas á santa
religião de nossos paes, ao Imperador Constitucional do Brasil ,
á sua Independencia, á sua Constituição, sua união e prosperida
de e bem assim aos benemeritos da Patria com especialidade ao
Exmo. Ministro do Estado , Sor. JOSE' BONIFACIO DE
ANDRADA E SILVA, gloria e ornamento desta provincia
de São Paulo !!
« De noite houve grande illuminação espontanea , carro
triumphal, e musica pelas ruas, fogos de ar etc ...
« Não houve assistencia de tropa, por se achar a Gom
panhia de milicia, desta villa , em actual serviço na Praça
de Santos, cujo Governador, sendo postulado mandal - a
a esta só para este acto, não quiz acceder á postulação
deste Senado.
« Assim foi celebrado nesta villa este Dia de TRIUM
PHO, este Dia de emancipação, este Dia que fará a ven
tura do Brazil e a espectação das Nações que tem de ad
mirar -- como chegou este paiz a dignidade de Imperio, para
a qual a natureza o havia disposto, podendo, emfim , assumir
os seus direitos e collocar o alicerce do Magestoso Edificio
de sua GLORIA E MAGNIFICENCIA , colligados pelos vin
culos da Paz, da UNIÃO e reprocidade, pelo orgão de suas
camaras. verdadeira representação dos povos.
« Para que fique pois eternizada a Gloria que immortali
ará nossos nomes, e o transmittirá ás gerações vindouras
que, pacificas, desfructarão as vantagens e os direitos im
prescritiveis, assegurados neste Dia VENTUROSO, – aqui
fica exarado todo o procedimento da camara e povo desta
antiga villa de N. S. da Conceição de Itanhaen , para feli
cidade dos presentes e futuros brazileiros, servindo a estes
de motivo para augmento e ultima perfeição do Grande Im
perio BRAZILICO , ora começado através das ameaças do
mundo antigo e dos perigos que temos ainda a vencer, ani
mados pela Legenda ; INDEPENDENCIA OU MORTE !!!
que em nossos peitos engastou o heróe do BRAZIL !! ...
( Seguem - se as assignaturas ).
Era assim , neste estylo, neste dipasão, que vibrava ainda
o patriotismo desse povo de Itanhaen, na épocha da nossa
Dr. Alfredo de Toledo
Illustre vice-presidente do Instituto Historico de São
Paulo a quem devemos o fornecimento de valiosos documen
tos e os maiores incitamentos para a publicação do presente
trabalho
Estampando nesta pagina o retrato do inesquecivel
amigo e emerito historiador rendemos á sua memoria as ho
menagens mais sinceras e o tributo da nossa grande e sau
dosa memoria .
1
- 425

emancipação politica, ainda incerta e cheia de terriveis apre


hensões para esses pobres habitantes do littoral, tão ludi
briados sempre, mas tão aferrados ainda a esses sentimentos
nobres, que tanto caracterizavam a alma paulista.
Approximando-se, pois, a épocha da commemoração do
primeiro centenario da proclamação da nossa Independencia,
nos campos do YPIRANGA, é justo que appellemos para o
digno presidente do INSTITUTO HISTORICO DE SÃO
PAULO, o Exmo. Sr. Dr. ALTINO ARANTES, que é tambem
O
actual presidente deste Glorioso E -tado d’oude partiu o
legendario brado de : INDEPENDENCIA OU MORTE ! -
para que tome em devida consideração as razões que aca
bamos de expôr, em relação à nossa historia .
Appellamos tambem para S. Excia. , afim de que lance
suas vistas patrioticas sobre esses restos de edificações mo
numentaes da antiga séde da Capitania de ITANHAEN ,
unicos vestigios, talvez, que ainda permanecem e nos lem
bram os fastos das passadas épochas,dos primordios de nossa
historia.
Si a incuria e o esquecimento dos homens deixou que
perecessem , ao abandono, os venerandos archivos de Ita
nbaen, que se tente, ao menos, em nossos dias, salvar ainda,
da ruina imminente, esses muros desmantellados, esse vene
rando Sanctuario de Nossa Senhora da Conceição de ITA
NHAEN, que a piedade dos humildes filhos do littoral ,
no seu amor ás tradições, tem podido conservar, em parte,
sobre essa rocha « A PEDRA GRAND 4 » , que foi tambem
o primeiro baluarte na parte austral da Capitapia de Martim
Affonso, onde se cavalgou e assestou artilharia, em defesa
do no.so territorio, já invadido, então, pelos castelhanos vindos
do Sui .
São as unicas reliquias que nos restam , dos primeiros
missionarios que desbravaram essas regiões do Sul e se
mearam a palavra evangelica que floreceu, fructificou e che
gou até a nossa geração actual.
O Missionario e o Bandeirante ! eis Exmo. Sephor Pre
sidente, as duas upicas forças, os dois unicos factores da
unidade e da grandeza de nossa PATRIA !!
São, portanto, nessas duas fontes, nesses ricos manau
ciaes, embora dispersos hoje, que os historiadores hào de
procurar beber as informações com que se ha de esciever a
verdadeira historia destas Capitanias Paulistas, que, coino
bem diz o historiador paranaense, é um dos mais brilhantes
Capitulos da HISTORIA PATRIA .

Esta « Introducção » foi lida pelo autor em Sessão extraordinaria do Ins


tituto Historico de S. Paulo, a 10 de Setembro de 1916 .
Capitania de Itanhaen
Capitulo 1
Os CAPITÀ ES -MORES DA PRIMEIRA E SEGUNDA ÉPOCA . SUAS
ATTRIBUIÇÕES NOS GOVERNOS DAS CAPITANIAS .
As attribuições dos cargos de Capitàes -móres, como go
vernadores e locotenentes des donatarios das antigas Capita
nias, que tão importante papel representaram nos tres pri
meiros seculos de nossa historia colonial, éram , seguvdo Aze
vedo Marques, e outros historiadı res, as seguintes :
Pertenciam estes governadores a duas ordens distinctas e
representam duas épocas memoraveis de possa bistoria .
A primeira é a época dos Capitães-móres Lóco - tenentes
dos respectivos dovatarios. dos quaes eram delegados. Eram
providos e munidos de procurações, com os respectivos poderes,
pelos mesmos donatarios e intervinham na governação da
terra, concedendo sesmarias, dando provisão para fundação
das Villas, recebendo proventos dos foraes de doações, dando
provimento para creação dos officios e encargos da Justiça e
da Fazenda Publica, com sujeição porém , aos governadores
Geraes do Estado, aos Ouvidores e provedores geraes, cujos
cargos eram , ás vezes, accumulados pelos proprios Capitães
móres .
Fiscalizavam os rendimentos dos Quintos Reaes, pas
repartições das Minas e promoviam as entradas no sertão
para a caça de indios e descobertos das Minas.
Eram providos por tres annos e a sua jurisdicção esten
dia-se para todas as pessốas da Capitania. Concorriam com o
Senado da Camara e harmonia con este accudiam a todos
os casos graves e urgentes, levantando forças e bandeiras
para a conquista de novos territorios, e defesa da mesma
Capitania. A nomeação destes Capitães -móres éra teita por
provisão dos proprios donatarios, até o anno de 1669 ; dessa
época em deante, porém, passaram esses Capitães -móres a
serem nomeados pela Corôa, mediante uma lista, com tres
nomes, dada pelo mesmo donatario, da qual o Rei escolhia um .
Esta primeira especie de Capitães-móres não foi extincta
em 1708, como diz Azevedo Marques, « quando a corôa com
prou ao ultimo donatario a propriedade das doações, e as en
corporou ao Estado » , mas sim em 1791 , que foiquando A
rainha D. Maria resgatou a Capitania de Itanhaen, que
foi a ultima , no sul do Brazil, que conservou , até essa data,
esta especie de Capitães-móres, como se verá adeante.
427

Era ainda donatario, nessa época, um dos descendentes


de Martim Affonso de Souza Carlos Carneiro de Souza
5.º Conde da Ilha do Principe, que adoptou o novo titulo de
e conde de Lumiares » .
A segunda época começou, em Itanhaen, quando termi
nou a primeira, em 1791 , e durou até a proclamação do In
dependencia. Dessa época, em deante os Capitães-móres
foram destuidos de suas attribuições, conservando, porém , o
titulo e as honras inherentes a seu cargo, como se vê nos

registros dos actos publicos ainda providos e assistidos por


esses ex -magistrados coloniaes .
Méros instrumentos do absolutismo dos governadores e
Capitães -generaes, diz Azevedo Marques, os Capitães -móres
da segunda época eram tambem providos por tres annos,
porém , quasi todos prolongavam o seu exercicio quasi vitalicio,
renovando -se as provisões, se baviam bem merecido por seu
zelo e passivilidade.
A sua jurisdicção limitava-se no districto da povoação em
que residiam, porém nellos superintendiam exclusivamente os
negocios policiaes, militares, recrutamento, obras publicas, e
con :orriam tainbem, com a Camara e Juizes, em todos os casos
graves e urgentes.

CONFUSÃO POR PARTE DE HISTORIADORES E CHRONISTAS , ENTRE


CAPITÃES - MÓRES DA CAPITANIA DE SÃO VICENTE E
CAPITANIA DE ITANHAEN . LISTAS INCONPLETAS DOS
CAPITÃES-MORES DE ITANHAEN.
« Azevedo Marques, refere o dr . Antonio de Toledo Piza,
( Rev. do Inst. Hist. de S. Paulo vol. V ), que é das melho
res auctoridades sobre a historia paulista , nos srus Aponta
mentos Historicos, dá uma lista dos Capitães-móres das Ca
pitanias de S. Vicente e de Itanhaen , que não se conforma
com a lista organizada por Fr. Gaspar. E ' verdade que Aze
vedo Marques não garante a inteira veracidade da relação
que apresenta , pela confusão em que ficaram os donatarios e
pela existencia , simultanea, de varios Capitães -Móres, porém ,
é tambem verdade que elle proprio confundiu os donatarios
aioda antes do litigio, e deu como Capitão-mór de S. Vicente
a Antonio Rodrigues de Almeida, que exerceu esse cargo na
Capitania de Santo Amaro ... »
Essa Lista dos Capitães-móres de São Vicente e Ita
nhaen dada por Azevedo Marques é , de facto, não só falha
com confusa ; pois elle vão distingue, a qual das duas Ca
pitanias, pertencem esses Capitães-móres ; e isto pela razão,
muito simples, da confusão que o dito historiador faz, entre
as duas Capitanias, mesmo depois do litigio, suppondo, como
muitos, aliás, que a Capitania de S. Vicente e a Capitania
de Itaphaen , era uma e a mesma cousa .
A Lista mais completa, não só dos Capitães-móres de S.
Vicente, como dos de Itanhaen é essa de Fr. Gaspar, que faz
428

parte dos papeis avulsos deixados pelo Tenente general José


Arouche de Toledo Rondon , copiados e publicados segundo
os esforços do dr. Antonio de Toledo Piza.
A Lista ou relação dos Capitães - Lóco - tenentes que go
vernaram S. Vicente, desde 1536 a 1683 , que foi o anno em
que essa Villa deixou de ser cabeça de Capitania, é de sessenta
e seis, começando no Capitão-mór Gonsalo Monteiro e ter
mivando com o nome de Francisco do Ainaral Coutinho, que
foi o ultimo .
No « Cathalago dos Governadores da Capitania de Ita
nhaen » , feito pelo Juiz de Fora, Marcelino Pereira Cléto,
que vem em seguida á mesma lista organizada por Fr. Gaspar,
segundo assevera o mesmo dr. Antonio de Toledo Piza, estão
apenas consignados dez governadores, cujo primeiro é Va
lerio de Carvalho, nomeado , em 1646, até o decimo Manoel
Gonçalves Ferreira, que tomou posse, na Camara de Itanhaen ,
aos 7 de Janeiro de 1706.
Esta lista, que nos merece toda fé, por ter sido confe
ccionada segundo dados positivos copiados nos registros dos
livros da Camara de Itanbaen , pelo dito Juiz de Fóra Mar
celino Pereira Cléto, e copiada, ou guardada, por Fr. Gaspar,
-

não está completa, como se poderá verificar pela relação, que


agora apresentamos.
Essa relação quasi completa, a qual procuramos dar uma
ordem chronologica, foi por nós organizada de accordo com
essa lista de Fr. Gaspar, bem como a que nos proporcionou
o Dr. Ermelino de Leão, segundo dados por elle colhidos
pos archivos do Paraná e nas « memorias » de Antonio Viei
ra Santos .
Um dos livros que tambem nos forneceu dados excel
lentes foi, « Memorias Historicas do Rio de Janeiro, pelo
monsenhor José de Sousa Azevedo Pizarro, publicada em
1822, e ainda os documentos copiados dos papeis das « Col
leções de Governadores do Rio de Janeiro » , do Dr. Basilio
de Magalhães, que vão fazer parte da « Revista do Instituto
Historico de S. Paulo » . Os demais apontamentos que nos
serviram para a organização da presente relação dos Capi
tães -móres -Governadores da Capitania de Itanhaen » , foram
extrahidos dos documentos das Camaras de Iguape, Itanha
en , Cabo Frio, Angra dos Reis, Paraty, Ubatuba, Caragua
tatuba, Guaratinguetá, Pindamonhangaba e Taubaté, como se
pode verificar, pelo resumo historico que damos em outro ca
pitulo, da fundação de todas essas Villas que estiveram sob
a jurisdicção da Capitania de Itanhaen , durante essse largo
periodo em que a Villa do mesmo nome esteve como sede
ou cabeça das « 100 legoas de costa » que constituiam a do
nataria de Martim Affonso de Souza, então representado pelos
seus legitimos herdeiros, os condes de Vimieiros e da Ilha do
Principe.
A presente lista por nós organizada abrange só a época
de 1622 a 1721 , estando ahi consignados os nomes de trinta
4:29

governadores, salvo algumas omissões que sem duvida nos es


caparam , a falta de dados historicos e sobre tudo pelo esta
do precario e ruinoso a que ficou reduzido o importante ar
chivo de Itanhaen e a escassez, quasi completo, dos docu
mentos referentes á Capitania de Itanhaen , não só nos ar
chivos do Estado de São Paulo, como pas memorias e chro
nologias dos diversos historiadores paulistas, que têm trata
do, até hoje, de estudar e csclarecer esses pontos obscuros
<<

de possa historia colonial » .


Nas considerações que adeante fazemos sobre este mesmo
assumpto, fica bem patente esta lacuna ou falha que existe
nesta lista, a partir de Antonio Caetano Pinto Coelho, que
é o ultimo governador conhecido e exerceu o dito cargo de
Capitão- Mór da Capitania de Itanhaen do anno de 1721 cm
deante. Dahi , até 1792 que foi o anno em que a dita Ca
pitania deixou de existir , por ter sido aonexada aos domi
nios da corôa, por Actos do Governo de D. Maria I, os an
naes da Capitania de Itanhaen são tão obscuros que não sa
bemos nem quaes foram os seus governadores. Nesta lista,
bem entendido, não estão os nomes dos primeiros- Capitães
Mores-que governaram a Villa de Itanhaen, desde a sua
fundação, 1561 a 1624 ; pois o nosso intuito é somente dar
a relação dos Governadores da Capitania de Itaphaen du
rante o largo periodo em que essa Villa gosou do titulo de
« Cabeça de Capitania », que vae de 1622 a 1792 .
RELAÇÃO DOS CAPITÃES-MÓRES-GOVERNADORES DA CAPITANIA
DE ITANHAEN, DESDE 1622 ATÉ 1721 .

1.º

JOÃO DE MOURA FOGAÇA. Foi nomeado Procurador


geral da Condessa de Vimieiros por cscriptura passada a 9
de Março de 1622.
Teve provisão de Capitão - Ouvidor das cem legoas de
costa pertencentes a Martim Affonso de Sousa, as quaes
terras constituiram a Capitania de S. Vicente, cuja séde pas
sou , nessa época , para a Villa de Itanhaen .
Essa provisão foi passada a 22 de Outubro de 1622.
João de Moraes Fogaça foi o fundador da Villa de An
gra dos Reis, cuja provisão foi passada em Otubro de 1624,
por sua constituinte, a Condessa de Vimieiros, donataria da
Capitania de Itanhaen , ( Vidc « Villa de Angra dos Reis ),
Fogaça, que foi o primeiro governador e ouvidor da
Capitania de Itanhaen , succedeu, na Capitania de S. Vicen
te, ao Capitão-mór Fernão Vieira Tavares, que então occu
pava esse cargo por provisão do Capitão-mór do Rio de Ja
Deiro Martim de Sá .
Rio de Janeiro fazia parte, nessa época, da Capitania
de S. Vicente, cuja séde, como já ficou dito, passou nessa
430

occasião para Itanhaen que ficou sendo a « Cabeça da Ca


pitania dos Condes de Vimieiros » , herdeiros de Martim de
Souza.
2. •

Gonçalo Correia de Sá. Sabemos apenas que este se


gundo governador de Itanhaen foi o sucessor de João de
Moura Fogaça, em 1626 , e que no anno de 1630 entregou
a administração da Capitania de Itanhaen ao seu successor
João Luiz Mafra.
3. °

João Luiz Mafra. - Foi provido no logar de governador


e ouvidor de Itanhaen em 1630, entregando o . governo ao
seu successor em 1633 .

4.0

Francisco da Rocha. – Este


Este governador e ouvidor de
Capitania de Itanhaen foi provido nos respectivos cargos,
como successor de J. Luiz Mafra, no anno de 1633, iguo
rando -se o dia em que lhe foi dada posse na Camara de
Itanhoen .
Em 20 de Janeiro de 1636 ainda Francisco da Rocha
se achava empossado dos cargos de governador e ouvidor da
Capitania de Itanhaen , pois, como tal , passou provisão a
Jacques Felix , oppulevto morador da Villa de São Paulo , au
ctorizando-o a penetrar no sertão de Taubaté, afim de des
cobrir minas e conquistar terras em nome da Condessa de
Vimieiros, cujos dominios, no sertão, eram ainda desconhe
cidos. sabendo - se apenas que iam confrontar com os con
quistas del Ruy del Castella. ( Vid. Villa de Taubaté ).
5. °

Vasco da Motta . Este governador de Itanhaen, um


dos mais esforçados nessa época, foi o successor de Francisco
da Rocha .
Administrou o governo da Capitania de Itanhaen desde
o anuo de 1636 até 1639 , em que foi substituido por An
tonio Barbosa de Moraes.
Tomou parte muito activa nas descobertas das minas de
ouro de Iguape e Paranaguá e iniciou as explorações de
ouro em Minas Geraes, cujos primeiros mineiros, já vaqueanos
e praticos nesse árduo mistér, pela pratica adquirida nas
« minas de ouro de lavagem » , em Iguape, partiram da po
võação de Taubaté obdecendo ás ordens deste governador de
Itanhaem .
Em 3 de Dezembro de 1637 , Vasco da Motta despachou
um requerimento de Francisco de Paula Vidal, concedendo
- 431

lhe sesmarias na Villa de Iguape, e deu outras providencias


sobre a administração das minas, como consta dos Archivos
da Camara de Iguape .
Em 30 de Junho de 1639 ratificou a provisão de seu
antecessor Francisco da Rocha — , concedendo licença e
ordenando para que em nome da Condessa de Vimieiros « as
expedições penetrassem naquelle sertão de Taubaté, afim de
descobrirem terras e minas » .
Em nome da mesma coadessa donataria concedeu , este
governador de Itanhaen , uma legoa de terra para o rocio da
Villa de Taubaté.
Nessa mesma época concedeu sesmarias a diversos mo
radores da mesma Villa de Taubaté.
Por outra provisão de 13 de Outubro de 1639 , ordenou
que Jaques Felix, capitão-mór- povoador » logo, que com
pletasse as obras para o fim de aclamar em villa a mesma
povoação de Tabatė, lhe avisa-se, para dar provisão do acto.
A povoação de Taubaté, entretanto, não foi elevada a
villa por este esforçado governador de Itanhaen, mas sim
pelo seu successor immediato, em 1645.
6.

Antonio Barbosa de Moraes ( ou de Aguiar ). Foi


Capitão -mór, Ouvidor e Alcaide -mór de Itanhaen, que su
ccedeu ao governador, e ouvidor Vasco da Motta, em 1640.
Entre os actos importantes praticados em Itanhaen por
este notavel governador cita-se a provisão de 5 de Dezembro
de 1645, concedendo predicamento de villa á importante po
võação de Taubaté, que era o ponto onde se organizavam e
partiam as expedições para a descoberta das « Minas Geraes ,
transpondo a cordilheira da Mantiqueira.
Pelos archivos das Camaras de Taubaté e Itanhaen vê-se
que a primeira eleição para os cargos de Juizes ordinarios e
officiaes da Camara de Taubaté, ordenada pelo Ouvidor e
Alcaide-mór de Itanhaen , Antonio Barbosa de Moraes, teve
essa
logar a 26 de Dezembro desse anno, de 1615, e que
posse solemne foi dada pelo proprio governador de Itanhaen
no dia 1.º de Janeiro de 1616 .
Vemos, nalgans documentos, este governador com o nome
de Antonio Barbosa de Moraes, entretanto , nos annaes da
Camara de Taubaté o seu nome é - Antonio Barbosa de Aguiar .
Diz o sr. Francisco de Paula Toledo, na sua « Historia
de Taubaté » : « Estando as ditas obras da matriz concluidas,
foi, em 1636, por provisão de Antonio Barbosa de Aguiar,
Capitão-mór, governador, Alcaide -mór e Ouvidor da Capi
tania de Itanhaen , pela condessa donataria , acclamada em
villa, com a denominação de São Francisco das Chagas de
Taubaté. Seu nome primitivo era Itaboaté , depois Taoaté,
Tabaté, depois Tahubaté e por fim Taubaté como actual
mente se escreve etc » .
432

« Os amigos de Jacques Felix , os novos povoadores de


Taubaté, não cessavam de ir a S. Paulo e de despertar a
attenção do governador Barbosa de Aguiar em beneficio da
florescente villa de Taubaté.
« Este por sua vez transmittia á metropole e ao Governo
do Rio de Janeiro as bôas e lisongeiras noticias que obtinha
da salubridatė, fer ilidade e riqueza da nova villa de Tau
baté : o que concorreu poderosamente para, em pouco tempo ,
a villa de Taubaté se tornar a povoação mais importante po
valle do Parahyba » . A séde da Capitania de Itanbaen não
éra em São Paulo, como suppõem o historiador de Taubaté,
mas em Itanhaen , para onde se dirigiam « os amigos de Ja
cques Felix » quando queriam se entender com os governa
dores da dita Capitania de Itanhaen, sobre os negocios re
lativos á povoação de Taubaté.
Em 1674, Fr. Jeronymo, religioso franciscano, obteve da
Camara e do povo de Taubaté um terreno para pelle fundar o
convento de Santa Clara , que muito prospero se tornou e o
qual ainda existe.
Nesse anno de 1674, quem administrava o Governo da
Capitania era o Capitão Henrique Roballo Leitão, que havia
sido nomeado e empossado nesse cargo em 1670, por D. Diogo
de Faro, como adeante se verá.
Na « Historia da Capitania de São Vicente » de Pedro
Taques vem ainda esta referencia ao governador da Capi
tania de Itanhaen Antonio Barbosa de Aguiar :
« Com este alvará (*) constituiu d. Affonso de Faro procu
rador bastante ao Capitão Manoel de Carvalho e a Valerio
de Carvalho, como administrador do morgado de Alcontre, a
cujas rendas pertence a Capitania de Itanhaen, de seu irmão
D. Sancho de Faro ( ** ), pelo teôr seguinte :
« D. Affonso de Faro, etc. Por esta procuração por mim
assignada, e sellada com o sello das minhas armas, como

administrador que sou do Morgado de Alcontre por provisão


de S. Magestade a cujo morgado pertence a Capitania de
Nossa Senhora da Conceição de Itanhaen, faço meus pro
curadores ao Capitão Manoel de Carvalho, morador na Ilha
Grande, e a Valerio de Carvalho, outro sim morador na dita
Ilha, a ambos e a cada um in solidum , para que possão tomar
posse da dita Capitania e todos as suas pertenças em meu
nome como administrado
r que sou do dito morgado que per
tence a meu irmão D. Sancho de Faro, ausente em Flandres
e na sua falta a seus filhos, fazendo autos e instrumentos
de posse ; e pedirão outrosim nomear pessoa da terra bene
merita de experiencia de guerra, que sirva de Capitão -mór

( * ) Alvará pelo qual el Rei dava posse do umorgado de Alcontre á D.


Affonso de Faro, filho da condessa de Vimieiros, o qual foi passado em Lisboa ,
a 24 de Julho de 1615 .
(**) D. Sancho de Faro, irmão de D. Affonso ( primogenito ) não tomou
posse por achar-se militando nos Estados de Flandres .
435

e Ouvidor por tres annos, por quanto o Capitão Antonio


Barbosa de Aguiar tem acabado o seu tempo, ou triennio, com
declaração que o Capitão e Ouvidor, nomeado por elles, me
responderá n'esta corte com 80$ rs. cada anno de direitos que
pertencem a dita Capitania e poderão outrosim cobrar dos
tabiliães da dita Capitania as pensões que conforme os foraes
são obrigados a pagar ; e concertar-se com os donos dos en
genhos em algum fôro ou tributo que lhe parecer a isto
conforme ao que cada hum agora lavra e que tudo está ex
presso na ordenação que aqui hei por bem expressada ; e
poderá outrosim requerer m .° justiça em todas as causas que
se moverem etc. etc. D. Affonso de Faro . Lisboa 31 de
Março de 1643 annos » .
Pelos documentos que já ficaram transcriptosneste « ti
tulo » vê -se que o Capitão Antonio Barbo: a de Aguiar, não
obstante ter findo o seu triennio em 1643 , exercia ainda o
referido cargo, de Governador da Capitania de Itanhaen, no
anno de 1615. No documento já transcripto, que se refere
ao predicamento de villa de Taubaté, vê- se que foi esse
mesmo governador de Itanhaen Antonio Barbosa de Aguiar,
que passou essa Provisão, em 1636. Essa data 1636 parece
estar em desaccordo com os documentos já por nós trans
criptos , pois que - o governador de Itanhaen , nessa época ,
não éra Antouio Barbosa, mas sim , Vasco da Motta ( vide
este nome ).
7. °

Calixto da Mota . 1641 a 1643 . A proposito deste


Capităc-mór e Ouvidor da Capitania de Itanhaen , Calixto
da Mota, recebemos do nosso illustre amigo e consocio Dr.
Alfredo de Toledo, Vice- presidente do Instituto Historico de
São Paulo, as seguintes informações :
Da vereança realizada em 17 de Agosto de 1641 , na
Camara de São Paulo, consta que Calixto da Mota, tendo
abandonado o officio de tabelliào de São Paulo, do qual éra
proprietario, estava serviudo de Capitão-mor e Ouvidor da
Capitania e repartição da Condessa de Vimieiro ( pag. 103 ).
Da Vereança de 28 de Outubro de 1643 , consta que
Calixto da Mota servia com licença do Ouvidor Geral , de
Capitão-mór em Conceição e que terminado o seu tempo ,
não assumiu o tabellionato, de que era proprietario, va villa
de São Paulo , por incompatibilidade com Sebastião Fer
nandes Camacho, seu parente, que então ( 1643 ) exercia o
cargo de juiz. ( Actas da Camara da Villa de São Paulo,
vol. V , pags. 103 a 107 ).
Da Vereança de 12 de Maio de 1635, a seu turno, consta
que Manel Alves Baioquo exercia então o cargo de Ouvidor
da Capitania de Nossa Senhora da Conceição. ( Actas da
Camara cít. vol. IV, pag. 253 ).
431

8. °

Valerio de Carvalho. Foi o successor de Antonio Bar


bosa de Aguiar ou de Calixto da Mota. Tomou posse do go
verno da Capitania de ltanhaen em 1646, como Capitão -mór e
ouvidor conservando -se na administração até o anno de 1648 .
E' realmente para se lastimar a carencia ou a falta dos do
cumentos no periodo adminisirativo destes trez governadores,
que tão importante se tornou pelos factos memoraveis que
occorreram da historia das descobertas das minas , não só no
littoral como no sertão da extensa capitania de Itanhaem .
O « Catalogo dos Governadores da Capitania de Ita
nhaem » feito pelo Juiz de Fóra Marcolino Pereira Cléto diz
que « D. Affonso de Faro primeiro conde de Vimieiro em
razão desta administração, nomeou seu procurodor ao Capitão
Manoel de Carvalho, morador na Ilha Grande, aos 31 de
de Março de 1646, e este em virtude dessa procuração no
meou Capitão-mór e Ouvidor da Capitania de Itanhaen a
Valerio de Carvalho, aos nove dias do mez de Novembro de
mil seiscentos e quarenta e seis, cuja nomeação se cumpriu
em Camara na dita Conceição de Itanhaen , aos vinte e oito
de Novembro de mil seiscentos e quarenta e seis » .
Entre os factos que se deram durante o periodo admi
nistrativo de Valerio de Carvalho, na Capitania de Itanhaen
destaca-se, sem duvida, um que se tornou assás memoravel
e a rrespeito do qual os annaes e as chronicas fazem especial
mensão , e a tradição popular ainda relembra em suas pie
dosas commemorações.
Foi a prodigiosa apparição, na praia de Pussauna,
entre Juruá é Una do Prelado, da sagrada e veneravel
Imagem do Senhor Bom Jesus, em fins de Outubro de 1647.
Na parte desta obra em a qual nos occupamos da fun
dação de Iguape, fazemos referencia a esse estupendo acon
tecimento, bem como dos beneficios e do incremento que
desse facto resultou para o desenvolvimento da povoação e
todo o vasto territorio de Iguape, conforme referem as chro
nicas da dita villa .
No « Esboço Hist: rico » sobre a fundação de Iguape, do
sr. G. Young vem interessante narração desses factes, escripta
po seculo XVIII pelo escrivão da Camara José da Silva
Rocha no qual demonstra bem o estado precario em que se
achava a Villa de Iguape e , – o grande impulso que essa
povoação tomou após a apparição da Imagem do Bom Ji sus »
Diz essa narração ( vid . « Villa de Iguape » ) que foi dessa
data, 1647, em diante , depois que « essa dadivá preciosa do
Céu appareceu , que a villa de Iguape e todo o valle da Ri
beira, « até quinze dias de viagem » , se foi povôando e des
envolvendo. Foi ainda nessa época que « comessaram as
descobertas das minas de ouro naquellas partes, caja ex
tracção foi permittida por S. Magestade, porque ainda hoje
( diz o narrador ), se conservar aqui, com as Armas Reaes,
435

a Casa que então servia para a fundição de Ouro. « Esse


periodo de prosperidade de Iguape que comessou em 1647 , no
governo de Valerio de Carvalho, durou até 1697 , que foi
quando se deu o exodo dos mineiros, e de parte dos habi
tantes do littoral, para as novas regiões auriferas de Minas
Geraes etc.
O « Auto de Passe » de Valvio de Carvalho, na Camara
de Itanhaen é o seguinte :
« Anno do nascimento de Nosso Senhor Jesus Christo
de 1646 annos, nesta Villa de Nossa Senhora da Conceição
de Itanhaen, estando juntos em vereação os officiaes da Ca
mara deste presente anno, por elles foi posto o cumpra -se na
procuração atraz ; e em virtude della foi mettido de
posse aos peocuradores que nella se declara désta Ca
pitania, em nome do Snr. D. Sancho de Faro, ( * ) dona
tario d'ella, como se vê do Alvará de S. Magestade, e de
hoje em diante reconhecem ao dito Senhor por donatario
desta Capitania, e como tal poderam fazer os ditos seus
procuradores em seu nome quanto lhe se éra ordenado ; como
tambem em Camara se deu juramento pelo vereador mais
velho João Lopes Martins ao dito Valerio de Carvalho, para
servir nesta Capitania os cargos de Capitão - Mór e Ouvidor ,
como nesta procuração se contem , e elle assim prometteu fa
zer, de que se fez este auto que assignaram , e eu Braz Nunes
Freire, escrivão da Camara, o escrevi. Martins de Aguiar
Daltro . Manoel da Costa Cardoso . João Lopes Martins.
Felippe Gonsalves . Francisco Pontes, Valerio de Car
valho . »
8.

Dyonizio da Costa. – Foi , pela primeira vez, nomeado


Capitão - Mór e Ouvidor da Capitania de Itanhaen , por pro
visão passada em Lisbôa a 20 de Novembro de 1648.
Toinou posse desses cargos, na Camara de Itanhaen , a
3 de Abril de 1649 e governou a dita Capitania até 1651,
anno em que foi substituido por Antonio Lopes da Costa.
Além dos beneficios que praticou nesta sua curta admi
nistração, no desenvolvimento geral da extensa Capitania,
Dyonisio da Costa procurou tambem melhorar e dar incre
mento, não só á Villa de Itanhaen séde da Capitania, com o
as de mais villas e povoações a ella annexas.
Em 13 de Fevereiro de 1651 , o Capitão - Ouvidor de
Itanhaen Dyonisio da Costa, em nome do conde donatario
- D. Diogo de Faro, deu provisão ao capitão Domingos
Leme, para a criação da Villa de Guaratinguetá.

Nota ( * ) Este donatario D. Sancho de Faro conservou-se nesta sua Capi


tania de Itanhaem até 10 de Novembro de 1648, em cuja data lhe succedeu seu
filho D Diogo de Faro e Souza , em cujo nome foi provido, no cargo de Capi
tão -Mór e Ouvidor de Itauhaen o capitão Dyonisio da Costa .
4:36

Este curto periodo da administração de Dyonisio da


Costa, não terminou, como se vê, no anno de 1650, segun
do as referencias que delle fez o nossso illustre consocio Dr.
Ermelino S. de Leão, na sua importante chronica « As Ca
pitanias de Itanhaen e de Paranaguá » já por nós transcri
to neste livro, a qual aliás tanta luz nos trouxe, na difficil
e ingrata tarefa a que nºs propuzemos de escavar e procu
rar esclarecer estes assumptos tão obscuros de nossa historia.
O governo de Dyonisio da Costa, durou , pois, até o fim do
anuo de 1651.

9. °

Antonio Lopes da Costa.


Foi o substituto de Dyonisio da Costa. Exerceu o car
go de Governador da Capitania de Itanhaen desde os fius
de 1651 até 1652 .
Nos annaes das respectivas Camaras da Capitania de
Itanhaem nada pudemos descobrir sobre os actos de sua curta
administração.
10. •

Jorge Fernandes da Fonseca , – « D Affonso de Faro,,


como tutor de sau sobrinho D. Diogo de Faro e Souza , no
meou para Capitão -Mór e Ouvidor de Itanhaen a Jorge Fer
nandes da Fonseca, por provisão de trinta e um de Janeiro
de mil seiscentos e cincoenta eum . Diz o catalago dis
Governadores de Itanhaem » de M. Pereira Cléto, que o Ca
pitão J. Fernandes da Fonseca tomou posse do dito cargo,
na Camara de Itanhaen , em 1.º de Janeiro de 1652, segun
do consta do livro de registro da mesma Camara , fils. 34 .
Nos livros da Camara de Paraty consta que por provi
são do Conde donatario foi , em 1660, fundada a dito Villa,
pelo Capitão -Mór e Davidor da Capitania de Itanha - n Jorge
Fernandes da Fonseca. ( Vide fundação da Villa de Paraty ).
Pelos apontamentos que possuimos verifica-se que o Ca
pitão Jorge Fernandes da Fouseca exerceu o cargo de Go
vernador da Capitania de Itanhaen de 1652 a 1653, data em
que foi substituido por Dyonisio da Costa, que nesta reelei
ção , governou até o anno de 1654 .
Nas « Memorias Historicas do Rio de Janeiro » , de Mon
sephor Pizarro, na parte que se refere á fundação da Villa
de Paraty, vemos este mesmo Capitão-Mór de Itanhaen Jor
ge Feanandes da Fonseca, dando provisão, em nome do
Conde da Ilha do Principe , para ser fundada a Villa de Pa
raty , no apno de 1660. ( Vide Villa de Paraty ) Outros do
cumentos , dos quaes temos noticias, estão em contradicção ;
não contra o facto de ter sido o Capitão-Mór de Itanhaen
Jorge Fernandes da Fonseca – o fundador da Villa de
Paraty — mas simplesmente quanto a data dessa provisão.
Pois, se de facto, a dita provisão tem a data de 1660, então
437

não teria sido passada por Jorge Fernandes da Fonseca,


mas sim por Antonio Barbosa Sotto-Maior, que foi Gover
nador de Itanhaen durante o triennio de 1659 a 1662.
A sinceridade e o escrupulo com que organizamos esta
lista dos « Governadores da Capitania de Itanhaen » obriga
nos a notar todas estas pequenas differenças e enganos de
pomes e datas, tão communs, afinal, nos documentos e nas
cbronicas dessa época .
11.º

João Fernandes de Souza . - a D. Antonio Telles de Me


nezes, conde da Villa Pouca, Governador Geral do Brasil,
com sede na Bahia , confirmou, em 16 de Abril de 1652, no
cargo de Capitão -mor e Ouvidor da Capitania de Nossa Se
phora da Conceição de Itanhaen , a João Fernandes de Souza,
por effeito das faculdades delegadas ao governador geral do
Estado D. João Rodrigues de Vasconcellos. 2.° conde de
Castello Melbor ( * ) pelo donatario da dita Capitania de
Itaphaen , o Conde da Ilha do Principe, que ihe foram
subdelegadas. » ( Memorias Historicas do Rio de Janeiro.
Vol. III ).
12.º

Pyionisio da Costa. ( Releito ? )


O nosso illustre consocio Dr. Carmelino de Leão pa lista
dos Capitàe: -môres Governadores de Itanhaen diz o seguinte :
Um dos successores de Moura Fogaça no governo de Itanhaen
joi Dyonisio da Costa, nomeado a 20 de Novembro de 1648
e que pensamos só exerceu o cargo até 1650.
« Deste governador não ha referencia na chronica de
Vieira Santos : entretanto um dos documentes constantes da
memoria de B. Calixto, ( a Villa de Itanhaen ) menciona Dyo
nisio da Costa como Capitão, firmando o termo de dôaçãn
feita pela Irmandade de N. S. da Conceição, aos religiosos
de Santo Antonio do Rio de Janeiro, aos 2 dias do mez de
Janeiro de 1654, sendo o segundo signatario do auto de posse
lavrado na mesma data » .
De facto, na nossa monograpbia « a Villa de Itanhaen »
como neste livro, da parte que se refere « á fundação do
Convento de N. S. da Conceição » , estão transcriptos esses
documentos que faziam parte do Archivo da Camara de Ita
nhaen .
Em Ambos os documentos, que trazem a data de 2 de Ja
neiro de 1654, contêm a assignatura de Dyonisio da Costa ,
Si bem que nossa assignatura não venha indicado o seu ti
tulo de « Capitão governador e Ouvidor » vê -se, pela leitura

(") D. Jolo Rodriguez de Vasconcellos entregou o Governo e D. Jero.


nymo de Ataide, sexto conde de Atouguia , a 1 de Janeiro de 1651 .
438

do mesmo termo , que o Capitão Dyonisio da Costa » éra a


principal pessoa do logar, visto ser a primeira nomeada, como
éra de praxe .
Diz o termo de dôação : « ... aos dias do mez de Ja
neiro da E'ra de mil seis centos cincoenta e quatro, anpos,
nesta Villa de Nossa Senhora de Itanhaen , se ajuntaram o
Reverendo Padre Vigario Gaspar Alves, e os Religiosos do
Convento de Santo Antonio do Rio de Janeiro a saber o Re
verendo Padre Frei Luiz, commissario Frei Belchior de S.
Francisco Porto e tres Religiosus mais, e o Capitão Dyonisio
da Costa e o Capitão Mathias de Aguiar Daltro e os mais
abaixo assignados etc. etc. »
No termo de posse a pessoa que assigva, em primeiro
lugar, depois do Vigario, é Dyonisio da Costa, o que de
menstra em ser elle a primeira auctoridade na sede da Ca
pitania dos condes de Vimieiros, como declara o mesmo do
cumanto .
Foi o Capitão Dyonisio da Costa que iniciou , como se
vê, não só em Itanhaen como nas demais povoações da Ca
pitania esse periodo de propriedade cujos vestigios são ainda
bem visiveis nas ruinas do convento e de outros edificios
ainda existentes em Itanhaen .
O Capitão -mór e Ouvidor de Itanhaen Dyonisio da Costa,
em nome do outro donatario D. Diogo de Faro e Souza, a
13 de Fevereiro de 1651 , havia concedido provisão ao Ca
pitão Domingos Leme, para levantar Pelourinho na povoa
ção de Guaratinguetá, a qual foi erecta em villa , nessa mesma
data, por este governador de Itanh aen ( vid . Villa de Gua
ratinguetá ).
Dyonisio da Costa foi provido no cargo de Governador
de Itanhaen a 20 de Novembro de 1648, como consta do do
cumento seguinte :
« D. Affonso de Faro , etc. Como administrador que sou
do morgado da Villa de Arcontre, e como tutor que sou dado
por Sua Magestade á pessoa e bens de D. Diogo de Faro e
Souza, meu sobrinho menor, de 14 annos, donatario da Ca
pitania de N. Senhora da Conceição de Itanhaen ; a quantos
esta provisão virem, e em especial aos Juizes, vereadores e
procurador do Conselho da Villa de N. Senhora da Conceição
de Itanhaen, cabeça da Capitania, a quem será mostrada.
Faço saber que por confiar da qualidade, valor e madureza
de Dyonisio da Costa, e que de tudo o que for encarregado
dará boa satisfação, guardando a justiça ás partes , e nas occa
siões de guerra mostrar valor que de sua qualidade se espera :
pela presente, em nome do dito mieu sobrinho, Domeio por
Capitão-mór e Ouvidor da Villa e toda a Capitania e seu
districto, e Villas a ella sageitas, por tempo de tres annos,
o qual cargo exercitará como fizeram os seus antecessores que
nelle foram providos, logrando todos os próes e precalços que
estão em posse de receber, guarda ndo todo inteiramente e
ajustando-se com a doação e foral da dita Capitavia, e antes
439

de tomar posse dos ditos cargos receberá juramento em Ca


mara de que bem e verdadeiramente sirva os ditos cargos,
procurando que o serviço de S. Magestade, que Deus Guarde,
se faça com todo o calor, justiça as partes e augmento da
dita Capitania. Dada em Lisboa, sob meu signal e sello de
minhas armas, aos 4 do mez de Novembro de 1648. – D.
Affonso de Faro , ( logar do sello ). (*)
13. °

Diogo Vaz de Escobar. Neste aureo periodo das ex


plorações das minas de ouro em Iguape e Paranaguá , bem
como nas primeiras tentativas das descobertas das grandes e
importantes jazidas auriferas de « Minas Geraes, cujos pri
meiros pioneiros, da Capitania de Itanhaen , partiram de Pa
raty pela « Serra do Facão » e depois em Taubaté, trans
pondo o valle do Parahyba galgaram a alterosa serra da
Mantiqueira, um dos mais notaveis e estorçados que tanto
impulso deu a Capitania dos herdeiros de Martim Affonso de
Sousa, foi, incontestavelmenie, o governador Diogo Vaz de
Escobar que, na opinião auctorizada de Vieira Santos, Ermelino
de Leão e outros chronistas notaveis « foi quem iuiciou
com exito no governo de Itanhaen, a politica de espansão
territorial » .
« Paranaguá florecia então sob o impulso que as lavras
de ouro lhe vieram dar . Erecta em villa por auctorização
do governador do Rio de Janeiro, Duarte Correia Vasqueannes
éra já um importante nucleo de população, que muito con
veria a Itanhaen submetter a sua Capitania . Diogo Vaz de
Escobar levou a effeito esta ardua empresa .
« Não sabemos si Escobar já residia no Brasil quando
D. Diogo de Faro e Sousa fel - o seu loco - tenente. A situação
da Capitauia de Itanhaen era precaria, com a descoberta das
minas de Paranaguá e Curytiba ; numerosos povoadores de
suas terras enmigraram para as novas conquistas, de sorte

( " ) Este 3. ° donatario - D. Affonso de Faro, conservou -se na Capitania


de Itanhaen até o anno de 1653 , ( *) porém , transpassou logo depois esta Capita
nia , a qual foi dada em dote de cazamento ao Conde da Ilha do Principe . D.
Luiz Carneiro, como se verifica pelo documento seguinte : (** )
* Luiz Carneiro, Senhor das Ilhas de Santa Helena ede Santo Antonio
do Principe, conde d'ella, do conselho de Sua Magestade que Deus Guarde, ete
Dou poder ao Sr. Luiz de Almeida , meu sobrinho, para que por mim e em meu
nome me faça merce de mandar tomar posse da Capitania das cem legoas de
terra , no districto do Rio de Jaueiro, com tudo que ella pertence na forma das
doações d'ella e mercê que S. Magestade me tem feito , por renunciação,
( * ) Cartorio da Provedoria da Fazenda Real , Livro das Sesmarias n 10.
tit . 1613, pag . 127 e livro de registros das ordens n . 5, titulo 1646, pag . 104 e
seguintes ,
( " ) Cart , da Proved . , liv . de Reg , das ordens n 1 , titulo 1937 do Sr.
D. Diogo de Faro e souza em parte do dote da condeça sua prima, (ou irmã ?)
e minha muito estimada mulher, e para mandar cobrar as rendas da dita Capi
tania , tomar conta e dar quitação, é prover em todos os poderes um direito ne.
cessario, para substabelecer em um ou mais procuradores que lhe parecer, com
os me2mos poderes , Lisbôa o derradeiro de Abril de 1654 annos , O Conde da
Ilha .
410

que se fazia mistér chamar para seu governo novas povoa


ções que se estabeleciam ao sul do Brazil » . ( As Capitanias
de Itanhaen e Paranaguá, por E. da Leão ).
Além das povoações que se iam estabelecendo ao sul como
diz o citado historiador, os governadores de Itaubaen, desde
1633, como se verifica desta lista, já vinham dilatando a
conquista territorial ao norte da Capitania, fundando povoa
ções e villas no littoral , desde Angra dos Reis até Paraty, e
depois no interior , no valle do Parahyba , creando as villas
de Taubaté, Guaratinguetá, e Pindamonbangaba, onde se
formaram os primeiros elementos das bandeiras que haviam
de penetrar e desvendar as riquezas do sertão.
« Escobar, accumulando os cargos de Capitão-mor, go
vernador, sesmeeiro, ouvidor, corregedor e provedor das mi
nas, com amplos poderes de que se achava armado pelo seu
constituinte, procurou levar a effeito os seus designios de
administração com o mais louvavel zelo .
Segundo um apontamento que temos, quando D.Diogo
de Faro, doou a Capitania de Itanhaen a sua irmã ou prima,
D. Maria de Faro , Escobar já se achava empossado no cargo
de governador de Itanhaen .
« O conde da Ilha do Principe, ao receber o dote de sua
esposa, trátou de valorizal -o e incumbiu-o de tomar posse dos
50 legoas de costa que governava , em seu nome, como novo
dopatario .
« Escobar teve a habilidade de desempenhar-se da com
missão, chamando a sympathia do povo para a causa de seu
constituinte .
« Em Paranáguá , tratru logo . de captar a bôa vontade de
Gabriel de Lara, capitão Fundador da Villa, a quein passou
patente de Capitão -mór a 12 de Outubro de 1653.
No anno seguinte, o Capitão mór Escobar percorreu as
villas do sul , organizando- as e dando - lhes provimento. A
2 de Janeiro de 1654 demarcou o rocio de Parapaguá.
« Em 1655, voltou . novamente em correição, ás mesmas
villas tomando dellas, posse em nome do Conde da Ilba do
Principe, solennidades essas que tiveram logar a 15 de Fe
vereiro em Itanhaen , a 22 de Fevereiro em Iguape e a 25
do mesmo mez em Paranaguá , onde a 8 de Marco, depois
de seu regresso dos Campos de Curytiba, ao que suppomos,
ainda, celebrou uma vereança geral , com a presença de 25
a republicanos » , dando posse da terra ao seu senhor.
« Já então Escobar estava orientado dos designios do
Conde de Monsanto, pue tratava de criar a Capitania de N.
S. do Rosario, com sede em Paranaguá, que de facto, fora
erecta em territorio pertencente á extincta Capitania de
Santo Amaro .
« Quando o Capitão-mór Escobar recebeu em Itanbaen a
noticia de ter sido Gabriel de Lara nomeado lóco - tenente
do Conde de Monsanto, depois primeiro Marquez de Cascaes,
comprehendendo o alcance desse acto, tratou de partir sem
441

demora para Paranguá, afim de evitar a desmembração da


Capitania .
« Embora enfermo, esteve em Paranaguá zelando dos in
teresses do Conde da Ilba do Principe e impedindo, com sua
presença , que const isse goveruo .
« Poude mais a enfermidade do que a dedicação de Es
cobar : os seus incommodos aggravaram -se. Somente quando
em perigo de vida, desprovido de recursos, abandonou Pa
rananaguá, entregando a Camara as seguintes armas d'el
Rei : 77 mosquetes, 12 bandoleiras, 5 arrobas e 8 libras
de balas de chumbo, 3 arrobas de morrào e 1 morrão de
chumbo.
Escobar resistiu ainda por algum tempo á tenaz mo
lestia e a 12 de Dezembro desse mesmo anno de 1655 vol
tou a Paranaguá, tomou posse da villa em poine do Conde
da Ilha do Principe .
« A diligeucia com que Escobar exerceu as fuvcções dos
seus cargos foi-lhe fatal : Os seus males se aggravaram até
que em 1656 falleceu em Itanhaen , sendo substituido no
governo por Simào Dias de Moura, que , a 20 de Fevereiro
desse anno, tomou posse, como governador de Itanhaen , e da
villa de Paranaguá » . ( « As Capitanias de Itanhaen e Pa
ranaguá » Ermilino de Leão ).
14. °

Simão Dias de Moura . A 20 de Fevereiro de 1656 o


Capitão-inór Ouvidor e Sesmeeiro da Capitania de Itanhaen
Simão Dias de Moura, tomou posse da Villa de Paranaguá,
como lóco- tenente do Coude da Ilha do Principe, segundo
refere o sr . Ermelindo de Leão, na sua obra citada .
Não sabemos o dia de sua nomeação e da sua posse na
Camara de Itanhaen, como governador da Capitania, mas
presnme - se que esses actos tiveram logar ou em
principios
de Fevereiro ou fius de Janeiro desse mesmo anno de 1656 .
Este governador não teve a mesma energia do seu an
tecessor Diogo Vaz de Escobar, e, por conde.cendencia ou
per negligencia, deixou que essa zona tàn importante do sul
da Capitania de Itanhaen fosse desmembrada e viesse a
fazer parte da Capitania de Santo Amaro, sob o titulo de
« Capitania de N. S. do Rosario de Paranaguá » . «Quando
Simão Dias de Moura tomou pisse solemne de Paranaguá,
talvez presontisse que o dominio de Itanhaen tinha os seus
dias contados .
O Marquez de Cascaes redobrava seus esforços junto ao
Capitàn - fundador Gabriel de Lara para que este esposasse a
sua causa .

« 0 Capitão Dias de Moura não éra um administrador da


tempera de Escobar : não soube ou não poude resistir.
« A sua familia alliou- se com os Laras e , dessa forma, os
Dias de Moura figuram na genealogia paranaense, represen
442

tando salientes papeis no seculo XVII » . ( Ermelindo de Leão,


ob. cit. )
15 .

Antonio Barbosa de Sotto Maior. O capitão Antonio


Barbosa de Sotto Maior éra filho de Estevam Barbosa de
Sotto- Vaior, fidalgo portuguez que casou, seguundo diz Pedro
Taques , com d . Maria de Paiva, natural de Lisbôa.
Antonio Barbosa de Sotto Maior, foi morador da Villa
de Santos, onde casou com D. Catharina de Mendonça. (Vid.
« Genealogia Paulistana » pelo dr. Luiz Gouzaga da S. Leme,
vol . 3.", titulo « Gayas » , cap. 2.°, pag. 405 ).
Ignora-se a data em que foi nomeado governador da
Capitania de Itanhaen, pelo Conde da Ilha do Principe, em
substituição a Simão Dias de Moura.
O sr. dr. Ermelindo de Leão, na lista dos « Capitães--go
goveroadores de Itaubaen, refere que Sotto Maior , como go
vernador da Capitania de Itanhaen, tomou posse em 1660,
o que demonstra que o governo desastrado de seu antecessor
durou desde Fevereiro de 1656 a 1660.
Na obra de Pedro Taques < Capitania de São Vicente
ha esta pequena referencia, quando esse illustrado auctor
transcreve uma Procuração passada por D. Affonso de Faro,
como administrabor do morgado de Alcontre : « Em virtude
desta procuração foi provido em Capitão -mór e Ouvidor da
dita Capitania de N. S. da Conceição de Itanhaen Simão
Dias de Moura , o qual ainda em 1657 exercitava a saa
jurisdição » . ( * ).
Para relatar os autos tão importantes, praticados durante
a administração deste valoroso governador da Capitania de
Itanhaen , temos ainda nos civgir estrictamente ao que
sobre elle escreveu o nosso digno consocio Dr. Ermelino de
Leão, visto serem os annaes das Camaras de Paranaguá e
Curytiba, os unicos que nos podem elucidar ; pois, nem
nos archivos de Iguape e Itanhaen poderiamos encontrar tão
preciosos subsidios para este importante periodo de nossa his
toria paulistana.
« ' o Capitão Antonio Barbosa de Sotto Maior, que sup
pornos ser ascedente do Marquez de Itanhaen , era, segundo
Taques, fidalgo de qualificada nobreza e estabelecera -se em
Santos ainda joven, ahi contraindo nupcias com D. Catharina
de Mendonça. Em 16 do Setembro de 1642 foi nomeado ca
pitão de ordenauças da villa de Santos, onde praticou, com
o seu sogro Manoel Affonso de Gaya , um acto de heroismo,
atacando, com uma canoa armada em guerra, um navio hol
landez que appareceu á barra, entre OS annos de 1641 -
1655, conforme narra Pedro Taques.

(* ) Cartorio da Provedoria da Fazenda, livro de Registro das Ordens n .


1 , tit . 1637 até 1658, pag . 117
443

O Conde da Ilha do Principe, elegendo Sotto Maior para


seu locotenente sabia que confiava a sua Capitania a um
militar valoroso, capaz de grandes actos de bravura ; mas
ignorava, sem duvida que faltava ao valente cabo de guerra
as qualidades de administrador e bom politico.
Quando, em 1660, tomou posse da Capitania, Paranaguá
já se havia separado de Itanhaen , indo a 1.º de Março a sua
camara reunida á casa de Lara dar posse da terra ao Conde
de Monsanto ; e confirmando a 15 de Maio, em vereança, esse
acto de adhesão á causa que Gabriel Lara representava.
Concorreu muito para essa resolução dos paranáguenses,
a opposição que Lara fez á retirada das companhias de in
dios carijos para a conquista do Rio Grande. Entretanto,
Sotto Maior sabendo da posse de Lara, com os seus homeus
de guerra se apressou a vir a Paranaguá, suppondo que basta
ria a sua presença para submetter a villa ao dominio de Ita
nhaen. Chegando ahi conservou sempre as insignias de Ca
pitão - Mór e a escolta em armas, com graude aparato , visando
atemorizar aos partidarios de Lara e reconquistar a villa. Ao
contrario, a ostentação de força irritou os homens da go
vernança, que, a 7 de julho , o intimaram a comparecer pe
rante a Camara, exigindo a exhibição dos seus titulos e a
exposição dos motivos porque estava na villa. Sotto Maior
respondeu que era Capitão-mór de Itanhaen e que se achava
na villa em serviço real , afim de embarcar os indios para a
conquista do Rio Grande. Pediu que lhe fosse permittido
usar das insignias e da força para ser respeitado, tanto pelos
indios, como pelos brancos .
A Camara não deferiu o pedido, nada resolvendo nessa
vereança ; mas, a 30 Junho, intimou ao governador de Ita
nhaen para que não usasse mais as insignias de Capitão -mór,
declarando que quem exercia esse cargo ein Paranaguá era
Gabriel de Lara . Sotto Maior teve a fraqueza de reconhecer
a auctoridade de Lara, allegando que alli não tinha outra
missão a não ser o serviço d'el-rei.
Este acto de reconhecimento de Lara, como governador
da Capitania de Paranaguá , foi o ultimo praticado pelas aucto
ridades de Italhaen , cujo governo ficou circumscripto, na
zona do sul, ás tres villas de Itanhaen, Iguape e Cananéa ..
Na zona do norte, a partir de S. Sebastião, os governadores
de Itaphaen exerciam jurisdicção ainda sobre Pindamonhan
gaba, Guaratinguetá. Taubaté, Caraguatuba, Ubatuba, Paraty
e Angra dos Reis. Entretanto, Sotto, apezar dessa capitula
ção sem protesto, era um militar brioso, que pouco depois
iria praticar notaveis actos de bravura, na conquista do Rio
Grande, dignos dos heróes, americanos, no dizer do Pedro
Taques.
Corroborando este acontecimento , no fim do mesmo anno
de 1860, Salvador Correia de Sá e Benevides, governador do
Rio Janeiro e administrador das minas de Paranaguá , estando
nessa villa a 30 de Novembro , determinou que , á vista das
444

duvidas existentes entre os herdeiros dos primitivos donata


rios , as auctoridades em exercicio se mantivessem em seus

cargos, funccionando como delegados da corôa , sem que reco


nhecessem nenhum donatario. Esta resolução consoliciou a
auctoridade de Gabriel de Lara, que, entretanto, jámais se
olvidou, nos actos publicos , da sua qualidade de loco-tenente
do Conde de Monsanto, depois Marquez de Cascaes. - Esta
« resolução a não prevaleceu por muito tempo, como se verá
16. °
João Blan .
Por provisão de D. Affonso de Faro foi João Blan con
firmado no cargo de Capitão- Mór e Governador da Capitania
de
Pr
Itanhaen, porter sido nomeado pela condessa da Ilha do
incipe · D. Marianna de Faro, em sua provisão de 31 de
Janeiro de 1662. Essa provisão foi apreseutada em Camara,
na Villa de Itanhaen , dando-se a respectiva posse no dia 15
de Agosto desse mesmoanno de 1662, conforme consta do
livro que serviu de registro, na dita Camara, desde o anno
de 1659, a fls. 13 e 14. ( * )
Pela lista dos governadores de Itanhaen por nós ante
riormente organizada. segundo dados e noticias colhidas em
documentos e autores diversos, pois nenhuma das listas res
pectivas, até hoje ccehecidas são completas, vê se que João
Blan exerceu o cargo de Governador de Itanhaen, eu subs
tituição a Sotto Maior, desde 15 de Agosto de 1662, até 1669 ,
conforme vai explicado na noticia immediata, que trara do
seu substituto Roque Leitão Roballo.
Porém , nas buscas que temos feito, encontramos actos
praticados por outros governadores de Itanhaen , dentro desse
mesmo periodo de 1662 a 1669 , como sejain Thomaz Floren
cio de Oliveira de 1664 a 1665 e Luiz Lopes de Carvalho,
dessa época em deante.
Só podemos attribuir estas contusões aos erros ou enga
nos de datas, devidos ao pouco escrupulo e cuidado na época
e na interpetração d'esses vellos documentos. Podemos, entre
tanto, garantir que o Capitão João Blan terminou o seu tempo
em 3 de Dezembro de 1966 e só foi legalmente substituido,
por Roque Leitão Roballo aos 26 de Janeiro de 1669, con
forme se verifica da noticia immediata .
Devido à falta de documentos no velho archivo de Ita
nhaen,
Blan .
pouco ou nada se sabe da longo administração de João

( *) Esta noticia é transcripta do « Catalogo dos Governadores da Capi


tania de Itanhaen de Marcelino Pereira Cléto .
O Sr. Dr. Antonio de Toledo Piza , ao transcrever esse « catalogo no
Vol . V da Rev , do Inst , Hist . de S. Paulo, faz esta anotação, ao referir -se a
João Blan e Roque Leitão. — « Esta citação de livro está um pouco confusa por
que os factos mais recentes constam de livros mais antigos . O autor não distin
gue os livros de registro dos livros de vereanças e é dahi que vem esta appa
rente contradicção .
445

No livro 12.º de registro das sesmarias, fls. 84 , ( segundo


os apontamentos ineditos « Notas Avulças » de Fr Gaspar ),
vê-se que o Capitão -inór de Conceição de Itanhaen - Joào
Blan em nome da Condessa de Vimieiros concedeu, a 7 de
Setembro de 1665, uma sesmaria, em Angra dos Reis, a D.
Francisco Rondon de Quevedo.
Diz o documento : « D. Francisco Roudon de Quevedo,
aos 7 de Setembro de 1665, allegou, para se lhe conceder uma
sesmaria, que, havia quarenta annos que tinba vindo ao
Estado do Brasil , servindo de soldado com tres escudos de
vantagem cada mez, além de sua praça ordinaria, na armada
de que fora general D. Fradique de Toledo Osorio, que res
taurou a cidade da Bahia occupada pelos hollandezes, em
cuja restauração se achava, que depois passara á Villa de S.
Paulo, onde se casou ; e coino Soldado e Capitão de Orde
nança, que fora alguns annos, procedêra com inteira satisfa
ção de seus maiores, e que ultiinamente levantára uma com
panhia a sua custa para a restauração de Pernambuco, e que
agora vivia em a Villa de Angra dos Reis , e pedia terras
por traz da serra, em cujas fraldas está o engenho de Ita
curuçá , que foi do General Salvador Correia de Sá, Benevi
des, e ao presente éra de seu irmão D. José Rondon de Que
vêdo . etc. »
Em baixo deste documento ha a seguinte nota : « a Ca
pitania primitiva de Martim Affonso compunha -se de duas
partes, uma de S. Vicente para o sul até além de Cananéa
e outra do rio Juquiryquerê, em S. Sebastião, para o norte
até Macahé; a Villa da Conceição de Itanhaen éra cabeça
dessa Capitania ( nessa época ) 1665, e d'ahi vinha o Capi
tảo -mór João Blan conceder sesmarias na costa além de S.
Sebastião . »
Nas mesmas « Notas Avulsas » de Fr. Gaspar da Madre
de Deus, encontradas pelo Dr. Antonio de Toledo Piza nos
papeis pertencentes ao General Arouche, consta que o Go
vernador de Itanhaen , João Blau, concedeu sesmarias ра

Villa de Caraguatatuba, em Janeiro de 1655.


Diz a referida nota :
« Além das villas que actualmente existem , houve entre
São Sebastião e Ubatuba a villa de Santo Antonio de Ca
raguatatiba, como consta de duas sesmarias registradas 20
livro 11.º dellas , uma a fls . 93, dada a primeira aos 3 de
Janeiro de 1655 por João Blau, Capitão da Capitania de N.
Senhora da Conceição de Itanhaen, de que era donataria a
a Condessa de Vimieiro no qual se trata a dita villa de Ca
raguatatuba » como nova ; e a segunda aos 22 de Julho de
1666, por Agostinho de Figueiredo, Capitão Loco -tenente do
Marquez de Cascaes. »
Na relação dos Governadores de Itanhaen , João Blau é,
portanto, considerado como fundador da Villa de Caraguata
tuba, a qual foi elevado a essa categoria durante o periodo
administrativo de João Blau ; passando, de 1666 em deante,
446

a fazer parte da Capitania de Santo, Amaro sob a donataria


do Marquez de Cascies.
17 .

Roque Leitão Roballo . – No catalago do Juiz de Fora


Marcolino Pereira Cleto consta que Roque Leitão Roballo
foi, por provisão de Sua Magestade, confirmado no cargo de
Capiiảo -Mór de Itaphaen, por João Blau ter acabado o seu
tempo e por D. Diogo de Faro e Sousa, tutor de seu so
brinho menor Fraucisco Luiz Carneiro, filho de sua irman , a
Condessa da Ilha do Principe, ter nomeado para o dito lo
gar tres sujeitos para sua Magestade escolher um, na forma
das ordens. Essa provisão tem a data de 3 de Dezembro de
1666, porém, a posse legal só foi dada na Camara de Ita
nhaen aos 26 de Janeiro de 1667 , conforme constava do
livro que serviu na dita Camara desde 1654 ( Vide nota au
tecedente, do Dr. Antonio de Toledo Piza. )
Foi , talvez, neste periodo de 1666 a 1669, em cujo trie
nio esteve vaga, ou acephala, a Capitania de Itanhaen , por
não ter Rrque Leitão tomado posse, que serviram interina
mente o Capitão Thomaz Florencio de Oliveira e Luiz Lo
pes de Carvalho, que era um dos vultos de destaque, nessa
época forecente da Capitania de Itanh aen, como se verá na
parte desta lista que a elle se refere , quando esteve á testa
do governo da mesma Capitania.
18 .

Henrique Roballo Leitão. Do mesmo « Catalogo dos


Governadores da Capitania de Itanhaen » , de Pereira Cléto
extrahimos o seguinte :
« Por provisão de D. Pedro, principe regente, foi da mes
ma sorte confirmado, como Governador de Itanhaen, Henri
que Roballo Leitão, nomeado por D. Diogo de Faro , como
tutor de seu sobriaho), filho da Condessa da Ilha do Princi
pe, por provisão passada aos 18 de Julho de 1669.
Tomou posse, na Camara de Itanhaen , aos 18 de Julho
de 1670 , conforme consta do livro que serviu na dita Ca
mara , fls. 23 e 24 .
O Capitão Henrique Leitão, que parece ser irmão de
Roque Leitão, exerceu o cargo de Governador da Capitania
até 1677 em cuja data , segundo affirma o Juiz de Fora Mar
colino Pereira Cléto, foi substituido, pelo notavel governador
Luiz Lopes de Carvalho. Essses dois triennios, 1670, 1677,
nos quaes Henrique Roball . , Leitão exerceu O governo da
Capitania de Itanhaen, deveriam ter sido férteis em actos
administrativos de valor , como requeria o desenvolvimento
a que tinha attingido pão só a zona do sul, embora desfal
cada com a desmembração da Capitania de Paranaguá, como a
477

importante zona do norte, já tão povôada e onde se prepa


ravam as grandes e notaveis expedições que tanta fama e
riquezas havia.n de conquistar nos sertões de Minas Geraes.
Foi durante a administração de Henrique Leitão, no
governo da Capitania de Itanhaen , que os panlistas Lou
renço Castanho Taques, Manoel de Borba Gato e seu sogro
Fernão Dias Paz fizeram , com auctorização do Govervador
de Itanhaen, as descobertas de ouro e pedras preciosas, no
rio Itamirindyba, no dito sertão de Minas-Geraes. Estes fa
ctos , que se deram em 1675 , eram apenas o inicio de maio
res descobertas que, logo depois, 1692, deveriam ser levadas
a effeito por um outro paulista notavel, da Capitania de Ita
nhaen , Carlos Fedroso da Silveira, como adeante se verá .
19.

Sebastião de Moura Pereira . Nesta época tão memo


ravel para a nossa historia e principalmente para a da Capita
nia de Itanhaen, como vimos demonstrando, exerceu o car
go de Capitão -Mór e Ouvidor, em Itanhaen Sebastião de
Moura Pereira. Nos archivos que temos cansultadó nada
consta sobre o periodo de sua administração ; apenas, na re
ferida obra de Pedao Taques, encontramos esta laconica no
ticia : « Ainda em 1673 servia de Capitão -Mór Governador
e Ouvidor da Capitania de Itanhaen Sebastião de Ma
cedo Pereira, Cavalleiro Fdalgo da Casa Rea ', professo da Or
dem de São Thiago, provido por D. Diogo de Faro e Souza,
tutor de seu sobrinho o Conde da Ilha do Principe. ( * )
20.0

Jordão Homem da Costal * ). Na lista dos Governa


dores de Itauhaen , do Juiz de Fora, Marcelino Pereira Cléto
como na do dr. Ermelino de Leão, não consta o nome de
Jordão Homem de Castro, nem tão pouco pos papeis antigos
do archivo da Camara de Itanhaen sêmos o nome deste go
vernador.
Pedro Taques diz , entretanto, que « Jordão Homem da
Costa , natural da Ilha da Terceira éra cavalheiro fidalgo,
cidadão e pessoa principal do Rio de Janeiro » . Fundou a
Vila de Ubatuba por provisão da Condessa donataria de
Itanhaen, a 28 de Outubro de 1676, conforme consta da
mesma procisão que se acha no archivo da Camara da mesma

( * ) Cartorio da Provedoria da Fazanda Real de S. Paulo, livro de ses


marias , tit . 1673 até 1687 ; fls.8 e seguintes .
( * ) Mais ou menos nesta época, ou antes,segundo os documentos que vão
transcriptos na parte que tratamos da villa de Paraty , os quaes constam do ar
chivo da mesma villa , vé -se que João Pimenta de Carvalho foi tambem gover
pador da Capitania de Itanhaen, pois concedeu sesmarias nquella Villa , a di
versos moradores de Angra dos Reis , em nome de seu constituinte o Conde
donatario da Capitania de Itanhaen . Deixamos de incluil-o nesta relação porque
os mesmos documentos não mencionam as datas .
448

Villa de Ubatuba, como Capitão Governador da Capitania


de Itanhaen .
21.

Luiz Lones de Carvalho). – Por provisão do Principe D.


Pedro foi Luiz Lopes de Carvalho confirinado no cargo de
Capitão -mór governador e ouvidor da Capitania de Nossa
Senhora de Itaphaen, em virtude da nomeação feita pelo
Conde da Ilha do Principe , cuja provisão tem a data de 28
de Abril de 1677 .
Em 1.º de Junho de 1677 Luiz Lopes de Carvalho tomou
posse solenne na Camara de Itanhaen, conforme consta, diz
Pereira Cléto, do livro que serviu nesta Camara desde o
anno de 1673 , a fls . 36, 37 e 38.
« De um dacumento antigo e carcomido que se conserva
no archivo do Cabide da Sé Fluminense, ( refere monsenhor
Pizarrn, nas Memorias Historicas do Rio de Janeiro ), consta
que , Luiz Lopes de Carvalho, cavalheiro fidalgo de S. Ma
gestade, foi governador do Capitania do Rio deJaneiro ( 1 ),
por patente datoda em 1677, dizendo que elle descubriu as
minas de prata e ferro na Villa de Nossa Senhora da Con
ceição de Itanhaen, ( 2) cabeça da Capitania de S. Vicente ;
A sendo administrador dellas descobriu tambem as minas de
Ouro na Villa de Cananéa .
« Carvalho não foi governador da Capitania do Rio de
Janeiro, mas Capitão -mor - governador-perpetuo da Capitania
de Itanhaen , e villas anvexas, e tambem alcaide -mór de todas
pela patente referida, em qualidade de procurador do Conde
da Ilha do Principe, segundo consta da procuração pela qual o
mesio Conde mandou tomar posse das terras , engenhos, fa
bricas etc .. possuidas até então, nullamente, pelos Padres Je
suitas e Benedictinos, estabelecidos naquella Capiatnia, cujo
documento se acha registrado pos livros da Camara da Ilha
Grande .
« Occupando esse Carvalho os cargos sobreditos, por De
creto de 19 de Julho de 1782. pelo qual lhe foi conferido a
administração das Minas por elle descobertas, fazendo á sua
custa toda despesa de tão notavel serviço, como consta da
certidão passada po anno de 1684 por Felippe Carueiro de
Sousa, successor da administração, e mais authenticamente
se vê da Carta Regia firmada pelo punho Real do Principe

( 1 ) Luiz Lopes de Carvalho, não foi, pelo menos nesta época, governador
de Itanhaen,
do Rio de Janeiro, mas sim governador e ouvidor da Capitaniade Janeiro
como declara o mesmo auctor das « Memorias Historicas do Rio >> bem
como outros documentos da Camara de Iguape, Cananéa , Paranápanema etc.
( 2 ) Estas minas de prata e de ferro que Luiz Lopez de Carvalho diz ter
descoberto em Itanhaen , são as minas de prata e ferao de « Biraçoyaba » (Ipa
nema ) em Sorocaba , que fazia então parte, não só da Capitania, como do dis
tricto da Villa de Itanhaen ( vid . « Villa de Sorocaba » ) .
Faremos adiante, neste mesmo capitulo, algumas referencias a essas minas
de « Biraçoyaba » e a parte activa que este governador de Itanhaen tomou nesses
trabalhos de mineração .
449

Regente D. Pedro, cujo documento se conserva copiado do


Livro das Vereanças da Camara da referida Ilha Grande,
onde se achava registrado, e tambem se lê no manuscripto
citado que é do teor seguinte : - » Luiz Lopes de Carvalho.
Eu o Principe vos envio muito saudar. Vi a vossa carta de
quinze de Novembro e por ella o desejo que mostraes do
augmento da minha Corôa, o que sempre me ficará em lem
brança para fazer mercê .
Ao Provedor de minha fazenda da Cidade do Rio de
Janeiro mando-vos assista com todo o necessario para a jor
nada que intentaes fazer ; e as pessôas que nella voz ac
companharem podereis em meu nome, premiar, conforme os
seus merecimentos, que redundando della effeito que pre
tendeis, confirmarei Eu todas as promessas que fizeres com
certidões vossas.
Lisboa, onze de Janeiro de mil seis centos e oitenta .
- O Principe
Um dos primeiros actos do governador Luiz Lopes de
Carvalho depois de ser nomeado governador , mesmo antes de
ser empossado desse cargo na Camara de Itanhaen , foi de
reivindicar a Villa de São Vicente, antiga cabeça da Capi
tania de Martim Affonso, que se achava , desde 16:4, fazendo
parte da Capitania de Santo Amaro, na posse illegal dos
herdeiros da donataria de Pedro Lopes de Sousa, os condes de
Monsanto, depois Marguez de Cascaes.
Esse longo litigio havia recrudescido de novo entre os
litigantes, após o acto do desmembramento, no sul da Capi
tania de Itanhaen, dessa importante região do Paraná A
Capitania de Paranaguá — que fôra annexada á Capitania de
Santo Amaro, pertencente aos herdeiros da donataria de Pedro
Lopes de Sousa, com grave prejuiso para os herdeiros de Martim
Affonso de Sousa, que eram , essa época, os condes da Ilha
do Principe, como já ficou explicado na noticia dos gover
nadores Diogo Vaz de Escobar, Simão Dias de Moura e An
tonio Barbosa de Sotto Maior.
Os condes da Ilha do Principe recorreram ainda uma
vez aos tribunaes e, si nào puderam apossar - se da Villa de
Paranaguá, obtiveram , entretanto, a posse não só da Villa de
São Vicente como das demais Villas primitivas da antiga
Capitauia de Martim Aftonso.
Essa posse, entretanto, não foi duradoura nem profiqua,
pois dahi a dois annos, em 1682 , o Conde de Monsanto, (então
marquez de Cascaes ), de novo se apossou da Villa de São
Vicente, o das demais que continuaram illegalmente fazendo
parte da dita Capitania de Santo Amaro, ou « ue S. Vicente » .
Mesmo durante esse periodo de dois annos, em que se
havia reivindicado a posse da Villa de S. Vicente , Itanhaen
continuou com o mesmo predicamento de « Cabeça de Ca
pitania dos Condes da Ilha do Principe » como se verifica
pelos documentos dessa época.
450 -

E que os herdeiros da donataria de Pedro Lopes ( os


Monsantos ) continuavam a dar á sua primitiva Capitania de
Santo Amaro o titulo de Capitania de S. Vicente.
Não só usurparam dos herdeiros de Martin Affonso as
villas e as terras que lhes tinham sido legadas, mas tambem
o titulo !
Noutra parte deste livro nos occuparemos detalhada
mente deste assumpto, dando aqui apenas, a copia do refe
rido « auto de posse da Villa de São Vicente » e da carta
de diligencia da qual foi portador o Governador de Itanhaen,
Luiz Lopes de Carvalho, não só como locotenente, mas
como procuradorbastante do Conde da Ilha do Principe, D.
Francisco Luiz Carneiro e Sousa .
Eis o documento :
« Anno do nascimento de Nosso Senhor Jesus Christo
« de inil seiscentos setenta e nove annos, aos vinte e oito
« dias do mez de Abril do dito anuo nesta Villa de S. Vi
a cente, cabeça desta Capitania, em as Casas do Senado da
« Camara della, estando em Vereação os Juizes ordinarios o
« Capitão Domingos de Brito Peixoto, Francisco Calaça ,
« e os Vereadores o Capitão Agostinho da Guerra, o Capi
« tão Manoel de Aguiar, e Manoel Rodrigues de Azevedo, e
« o Procurador do Conselho o Capitão Sebastião Vieira de
« Sousa, perante elles o Capitão Luiz Lopes de Carvalho ,
« Procurador bastante do Conde da Ilha do Principe Fran
« cisco Luiz Carneiro e Sousa, apresentou -se aos ditos Offi
« ciaes da Camara huma Doação pela qual S. Alteza, que
« Deus guarde, fazia mercê ao dito Conde da Capitania de
« 100 legoas de terra por costa neste Estado, a qual foi con
« cedida pelo Senhor Rei D. João III a Martim Affonso de
« Souza, tresavó do dito Conde, e por quanto a dita Doa
« ção era confirmada por S. Alteza, e trazia o Cumpra-se do
« Governo Geral deste Estado, e pelos Dezembargadores da
« Relação delle, juntamente apresentou a Carta de diligen
« cia conteúdo nestes Autos atraz e em virtude da dita Do
« ação, e carta de diligencia requereu aos ditos Officiaes da
« Camara lhº dessem posse da dita Capitania, e Villa della,
« como Cabeça da dita Capitania do dito Martim Affonso de
« Souza ; e porquanto os ditos Officiaes da Camara repugna
« rão o dar a dita posse, como destes Autos se vê pelas ra
« zões em seus despachos declaradas, o dito Procurador ag
« gravára para o Desembargo da Relação do Estado, e viéra
« com a petição de aggravo a estes Autos junta a qual sen
« do vista pelos ditos Officiaes da Camara, e as certidões,
a que por parte do dito Conde se apresentarão, pelas quaes
« consta ser a dita Capitania de Martim Affonso de Sousa
« de 100 legoas de terra por costa ; deferirão com o despa
« cho atraz e em virtude delle apossaram ao dito Capitão
« Luiz Lopes de Carvalho , em nome de seu constituinte, de
« todas as villas da Capitania que possuia Martim Affonso de
451

« Souza na forma da ordem de Sua Alteza ; e o dito Procu


< rador em virtude da dita posse passeou pela dita Casa da
« Camara, abrio portas e janellas e fechou , e foi ao Pellou
e rivho, e poz as mãos dos ferros, dizendo : uma duas e trez
• vezes, em alta voz, que tomava posse em nome de seu consti
< tuinte de Toda a Capitania , e villas que possuio o dito
< Martim Affonso de Souza, e de toda a jurisdição della,
« civil e crime , na forma de sua Doação, e se havia alguma
< pessoa que fosse contra a dita posse · ; e por não
« bаver quem lha pedisse, os ditos Officiaes 0 hou
« veram por apossado da dita Capitania e de todas as cou
< sas pertencentes a ella, em que todos se assignarão , e eu
« Antonio Madeira Salvadores , Escrivão da Camara que o
* escrevi . »

Só depois de regulados todos esses actos, nomeando au


ctoridades e dispondo da melhor forma todos os interesses de
seu constituinte, é que o Capitão Luiz Lopes de Carvalho
se dirigiu a Itanhaen, onde tomou posse do seu cargo, pa
Camara, conforme demonstram os documentos já citados.
Luiz Lopes de Carvalho, na qualidade de « administrador
das Minas » por elle mesmo descobertas em Cananéa e Ri
beira de Iguape, occupou-se particularmente desse mister,
organisando expedições pelo sertão e dando incremento e
desenvolvimento ás povoações de Iguape, Cananéa, etc.
Pelos documentos descobertos pelo sr. Guilherme Young
pos archivos de Iguape vê se que foi o Capitão-Mór-Ouvi
dor Luiz Lopes de Carvalho, que se achando em Iguape,
em serviço das minas , mandou medir e demarcar uma sorte
de terras para o termo do Rocio da nova povoação , no dia
2 de Julho de 1679. »
Foi ainda este governador de Itanhaen que deu provi
são, ou fez transferencia da Villa Velha de Iguape, para o
novo povoado, no local escolhido pelos moradores, que ficou
conhecido por Villa de N. Senhora das Neves de Iguape, no
mesmo local em que hoje se vê a cidade . — (Vide A Villa de
Iguape ).
Em 19 de Julho de 1682, segundo referem os documen
tos citados, Luiz Lopes de Carvalho, foi, por decreto, no
meado administrador das Minas por elle descobertas, fazendo
a sua custa todas as despesas com essas expedições nos ser
tões da extensa Capitania de Itanhaen . Iporanga, Xiririca
e Apiahy, cujas povoações surgiram , mais tarde, e toda essa
rica zona ou valle do Paranápanema, que estava compre-
hendida na vasta área da Capitania de Itanhaen, foram per
corridas e exploradas nessa época .
Si bem que, as winas da Ribeira de Iguape já estavam
sendo exploradas desde a admiuistração dos governadores
Dyonisio da Costa, Diogo Vaz de Escobar e mesmo outros
anteriores, como provam os documentos da Camara de Iguape
( Vide Villa de Iguape ), não se pode, entretanto, negar a
452

gloria que cabe a este notavel Governador de Itanhaen, não


só pelas novas descobertas de minas de ouro feitas em Ca
nanéa como pelas explorações em todo esse sertão do valle
do Paranápanema até o rio Paraná.
Em 29 de Julho de 1679 , Luiz Lopes de Carvalho
« Fidalgo da Casa de Sua Alteza e pelo mesmo Senhor, Ca
pitão-Mór Sesmeiro e Ouvidor com alçada, pelo Senhor Con
de da Ilha do Principe, donatario da Capitania de Itanhaen >.
( Documento da Camara de Iguape ) concedeu sesmarias, con
firmando , nessa mesma data, uma escriptura de terras pas
sada por Bartholomeu Gonçalves a Antonio Fernandes Serrão,
no logar denominado « Villa Velha > em Iguape.
Na relação ou « Catalogos dos Governadores da Capitania
de Itanhaen » , pelo Juiz de Fora Marcelino Pereira Cléto,
vê-se que Luiz Lopes de Carvalho foi confirmado no cargo
de « Capitão -mór Governador de Itanhaen » por provisão do
Conde da Ilha do Principe, datada de 28 de Abril de 1667 ,
e tomou posse, na Camara de Itanhaen , em 1.° de Junho de
1679 , conforme constava do livro que servio na dita Camara
desde o anno de 1673, fls. 36, 37 e 38, conforme já ficou
referido.
Nem no catalogo de Pereira Cléto nem nos demais
documentos e chronicas que temos consultado pudemos
apurar o tempo exacto que durou a sua fecunda administração.
O Juiz de Fora Marcelino Pereira Cléto diz que o go
verno de Luiz Lopes de Carvalho durou até 1684 , em que
foi substituido, no dito Governo, por Felippe Carneiro de Al
caçôva .
Na lista do Dr. Ermelino de Leão ( A Capitanias de Ita
nhaen e Paranaguá ) onde não encontramos o nome de Alca
çôva, consta, como substituto de Carvalho, o Capitão Martim
Garcia Lumbria. Pela lista por nós organizada, segundo
varios documentos, ver-se -ha entretanto que : entre o periodo da
administração de Martim Garcia Lumbria, 1691 a 1697 , e o de
Luiz Lopes de Carvalho, que foi empossado em 1679 e durou
até a posse de Felippe Carneiro de Alcaçôva, c qual, segundo
Pereira Cléto, tomou posse em 1685, houveram outros go
vernadores , cujos nomes temos encontrado, nos ditos docu
mentos, nesse periodo de 1685 a 1681 , como adeante se verá .
Nos preciosos documentos copiados pelo Sr. Dr. Basilio
de Magalhães, do Archivo Nacional e publicados com anota
ções no vol. XVIII da Rev. do Instituto Hist . e Geopraphico
de S. Paulo, vem uma série de documentos muito importan
tantes relativos Luiz Lopez de Carvalho, como administra
dor das minas e governador perpetuo da Capitania de Ita
nhaen. Pela leitura desses documentos avalia-se o sacrificio
e a somma de energia e cabedaes que este governador de
Itanhaen empregou nesse arduo e penoso mister de « explo
rador dos nossos sertões. »
453

Passamos a transcrever alguns desses documentos :


« Carta Régia pedindo informações sobre as Minas de
Ferro descobertas em Biraçoyaba por Luis Lopes de
Carvalho e a fundação que este pretendia alli esta
belecer ( acompanhada dos respectivos documentos ),
- de 23 de Outubro de 1682 :
Governador da Capitania do Rio de Jan.° EV El Rey vos
enuio m.to Saudar. Ordenando ao Gouernador vosso anteces
sor por Carta de 16 de Outtubro do anno passado me infor
masse com seu parecer, a cerca da Carta que Luiz Lopez de
Carualho me hauia informado sorre a couenienca que podia
rezultar, a minha fazenda, com hua fundição de ferro que pre
tendia fazer, obrigando para segurança do gasto da fabrica, e
ofeçina os bens de raiz que possuhia neste Reyno ; respondeo
por Carta de 18 de Junho deste anno, que tomando noticia
deste negacio, acharâ ( sic, que as ditas minas erão de enume
rauel quantidade de ferro o qual se tereria ( teraria , diz a 2.*
via ) em muyta abundancia, porem que como estauað trinta le
goas distantes das Capitanias de Santos, e S. Paulo seria dificul
toza a condução como tambem o conçeruase a gente que pu
desse suprir o tr ." ( trabalho ) pera o qual paõ heraõ muyto
capazes os Indios, alem de que n gasto que se hauia de fazer,
seria mais conçiderauel, que o ditto Luiz Lopez dizia , e que
ouuindoo lbe dera em resposta os papeis que com esta se uos
enuia). Encomendouos que tanto as noticias mais exactas, e
indiuiduaes nesta materia me informeis com uosso parecer ;
escritta em Lix . " a 23 de Outtr. ° de 1692 Rey – P." o
g ." do Rio de Javeiro - 1. " via » .
Neste apno de 1692, quem estava com as redeas do Go
verno da Capitania , em Itanhaen , não éra Luiz Lopez de
Carvalho , mas o notavel paulista Carlos Pedroso da Silveira ;
entretanto , Luiz Lopes de Carvalho , como « governador per
petuo de Itanhaen » , em todos os seus actos, estava sempre
representando os interesses do seu constituinte o conde da
Ilha do Principe , no desenvolvimento de sua Capitania .
Nos outros documentos , que são longos, Luiz L. de
Carvalho expõe, com minuciosidade, o estado precario em
que se achava, pelos gastos excessivos que havia feito, não
só com a fuudição de ferro que tentou fazer em Biracoyaba,
como nas penosas explorações feitas no sertão, e pedia ao
Rei que lhe garantisse certos direitos e ao mesmo tempo
que mandasse vir da Europa, os « mestres » para essas fa
bricas e furdições ; indicando, de preferencia , os « mestres
forjadores » de Biscaia, da Allemanha ou da Suecia, mos
trando que conhecia bem o metier ao qual se proponha,
terminando assim :
« E quando eu for entabolar esta fabrico precisamente
heide deixar minha familia pesta Cidade do Rio de Janeiro
e como nella não tenho mais bens que a minha agencia ,
454

pelo officio que V. S me faz mercê, ( * ) peço dez mil réis


cada mez, para sustento de minh : casa , enquanto não pu
der para a dita parage me conduzir, e nesta forma fico prompto
para o que S. Magestade for servido e sempre me sugeito a
sua Real Grandesa. Rio, mayo 31 de 692. De V. S.
escravo Luiz Lopez de Carvalho » .
Luiz Lopez de Carvalho éra homem bem abastado quando
assumiu o governo da Capitania de Itanhaem , como se verá
pelos Autos e petição para avaliação de certas propriedades
que o supplicante possuia em Portugal , na Villa de Vimi
eiro.
Essa aveliação de seus bens foi requerida em 1.º de
dezembro de 1681 , quando Luiz Lopez de Carvalho estava
ainda em exercicio do cargo de Governador de Itanhaeo .
Tendo gasto já muito dinheiro nas ditas explorações e
descobertas das minas, que « á sua propria custa havia em
prehendido » nesta Capitania, e querendo levantar Ca( comopade
facto levantou ), « um Engenho de Agua e sa ra
fundição de ferro em Biraçoyaba » , no qual extrahiu muitos
quintaes desse metal , dizia então ao Rei : « que estaudo po
bre e carregado de obrigações -- era necessario que Sua
Magestade o auxiliasse com alguns beneficios, tirados das
proprias minas.
Apesar das vantagens que offerecia ao monarcha por
tuguez, não só na exploração dessa « ricas minas de ferro de
Sorocaba , como nas minas auriferas de Cananéa, Igua
pe etc. , Luiz Lopez de Carvalho pouco ou nada conse
guiu, por parte do Rei , em auxilio destas empresas, as
quaes, só mais tarde, haviam de prosperar, enriquecendo a
metropole, e atulhando os cofres - reaes com o rendimento
dos quintos, sob a administração de outros governadores mais
afortunados.
Para Carvalho obter meios de levar a effeito a sua
empresa , nas minas de ferro de Araçoyaba, foi necessario fois
fazer hypotheca de todos os seus bens, cujo « ról de avalia
ção » aqui damos na sua integra :
« ... E junto e autuada a dita petição, como dito he,
sendo em os quinze dias do mez de Desembro de mil seis
centos e oitenta e hum anno, nesta Villa de Vimieiro, nos
passos do Conselho della, estando ahi Pedro Corrasco Juiz
Ordinario nesta dita Villa etc. etc. , o Jniz mandou que peio
juramento de seus officiaes avaliassem trdas as fazendas que
o supplicante Luiz Lopez de Carvalho tem nesta Villa e seo
termo e cantos della. E por elles foi dito que elles as
tinham visto huã por huã, e as avaliavão em hum conto e
duzentos e cincoenta e seis mil e quinhentos rés, todas
juntas, e destintamente cada huă de per si as avaliavão pa
forma Seguinte : — Sincoeuta sette alqueires e meio de

( " ) Esta representação era dirigida ao Governador do Rio de Janeiro .


455

pam ..... duas partes de trigo e uma de sevada de renda


em cada um anno, na herdade do monte de Sueiros termo
desta Villa, em Cento e seis mil rêz Huã morada de cazas
nobres na Rua da Enxurrada que partem com cazas de An
tenio Barretto, em Cento e sincoenta mil rês , nesta ditta uilla
Outra morada de cazas na Rua da Parreira em trinta mil
rês que partem com cazas de Joam Leal - Outra morada de
cazas na Rua de Aviz que partem com cazas do Padre
Francisco Caeiro , em vinte e cinco mil rês – Hum oliual ao
perto dos olivais bastos que parte com o oliual de Gaspar
Soeiro do Cazal, e outros, em oitenta mil rês - Huã courella
no sitio das fontainbas que parte com a courella do Rey
darmas , em sessenta mil rês Outra courela ao perto de fonte
Conselho que parte com a courela que foi de Jacinto de faria.
em corenta mil rês Hum fareial na Couredoura que parte
com fareial de Manoel Rodrigues Anjo, em Duzentos mil rês
Outro fareial por nome a Carta Velha que parte com ter
ras de Manoel de Barros Pasapba, em oitenta mil rês - Sinco
mil e quinhentos e nouenta rês q lhe pagão de foro digo
sinco mil e quinhentos e sincoenta rês q lhe paga) de foro
em cada hum anno Sincoenta e seis mil e qhivhentos rês
Mais doze alqueires e meio de trigo de renda no monte
dos Sueiros, vinte e sinco mil rês -- Na mesma herdade qua
tro alqueires de seuada seis mil rês Hum fareial ao poço
do cham com seu oliual que parte com terras do Sanctissimo
em trezentos mil rês Hm fareial ao posso da Cazinha em
oitenta mil rês O que tudo declarausõ pelo juramenro de
seos officios de que de tudo o dito Juis mandou fazer este
termo que asignou com os ditos avaliadores , Luis Lopes de
Britto e Manoel Paes Vabo que assignarað por suas maõos,
e letras , e eu Joam Correa de Castilho Taballiam que o
escreui - Pedro Carrasco Luiz Lopes de Britto Manoel
Paes Vabo E não continhao mais as ditos autos de aval
liaçao donde esta bem , e na uerdade treslladei , sem couza
que duuida faça, e esta com os proprios autos consertei bem ,
e na uerdade com o official de justiça abaixo assiguado , e
aos proprios que fica ) em meu poder e cartorio em todo, e
por toilo me reporto . Dado nesta dita Villa de Vimieiro aos
dous aias do mes de Janeiro do anno de mil e seis centos
e outenta e dous annos , e em fee e testemunho de uerdade
eu sobredito Taballiam Joam Correa de Castilho me assignei
de meos sinais publico, e razo de que uzo em o Vimieiro
custumo fazer fis que tais saõ . Data, proprio, conta, avalia
ções, e caminhos mil rês Sinalpublico — Joam Correa de
Castilho Consertado comigo Taballiam Luis Lopes de
Britto . Os quais papeis eu Francisco Leal de Saa escri
uam do judicial e notas fis tresladar do proprio que me apre
zentou o Suppt. Luis Lopes a quem o torney e asignou
aqui de como o recebeu e uay na uerdade que o corri, e
concertey com o offiãial abaxo, subscreuy e asignej nesta dita
Cidade em trinta de Majo de seiscentos e nouenta e dous
456

annos — Francisco Leal de Saa Concertado com o proprio


por mim escrivão – Francisco Leal de Saa- >
I m fins de 1691 o governo Portuguez, em attenção aos.
reiterados pedidos de Luiz Lores de Carvalho, mandou um
feitor com o fim de auxiliar a construcção de uma « Fabrica
de Fundição » em Biraçoyaba, em substituição a uma outra
que já ali existia , levantada a custa do mesmo Luiz L. de
Carvalho. Nessa mesma occasião, éra o « Governador Per
petuo du Itanhaen » , Luiz Lopes de Carvalho, nomeado
superintendente da mesma « fabrica » ; exigindo-se, entre
tanto, que, como garantia desse cargo no qual o Rei acabava
de investil-o , elle Carvalho, hypothecasse á Fazenda Real
todos os seus bens como se vai ver.
« Luiz Lopes de Carualho , Caualleiro Fidalgo da Caza
de S. Mag.de que Des gde etc.".
Pela prezente por mim feita e asinada faço meus bas
tantes procuradores a Mel . pinbeiro da Fonceca M. phelipe
da Silua joão da Cunha de Abreu e jorge Maynarte p que
coalquer dos sobreditos posa asinar em meu nome coalquer
Termo ou escrietura em que me obrigue a fazer serta e uer
dadeira a informaçaõ que por mim asinada ofereco p . o
feitor de S Magde, que Dês gde. mandar leuantar Fabrica de
Fundiçaõ na serra de Biraçoyaba e ipotecarem os bens de
Rais que tenho na V." de Vim " . p.“ segurança da Fazenda
Real mandandome o dito sa por superintendente da dita
Fabrica e tudo por cada lium dos ditos meus procuradores.
Feito e assignado auerbarey por firme e ualiozo — Rio de
Janro. 30 de Majo de 962 – Luis. LOPES DE CARU.". ,
Si esta nova tentativa, na exploração das minasde ferro
do Ipanema, em Sorocaba, pouco resultado deu á Fazenda
Real, o mais prejudicado foi sem duvida Luiz Lopez de Car
valho que desilludido sahiu dessa empresa pobre e sem recursos .
A desillusão e a ingratidão foram , quasi sempre, os
resultados e as recompensas desses primeiros exploradores
dos nossos sertões .

22.º

Felippe Carneiro de Alcacova. – Nem na relação dos


Capitães Governadores de Itanháen do Dr. Ermelino de Leão,
nem nos nossos apontamentos existe o nome deste Gover
nador, conforme ficou declarado ; porem , no catalogo do Juiz
de Fóra Marcolino Pereira Cléto vêmos que foi o Capitão
Felippe Carneiro de Alcaçôva quem substituiu a Luiz Lopez
de Carvalho.
Diz o catalogo :
« Por provisão do dito D. Pedro, Regente de Portugal,
foi da mesma sorte confirmado, ( governador da Capitania de
Itanhaen ) Felippe Carneiro de Alcaçôva , por ter sido nomeado
pelo Conde da Ilha do Principe, por provisão de 9 de Desembro
do anno de 1684 ; tomou posse aos trez de Junho de mil
457

seis centos e oitenta e cinco, Consta do Livro que serviu na


Camara de Itanhaen , desde o apno de 1685, a fls. 2 et 3. »
23.°
« Martim Garcia Lumbria .Não sabemos, diz o Sr. Dr.
Ermelino de Leão ( obra citada ) em que data foi provido
Martin Garcia Lumbria no posto de Capitão-mór de Itanhaen,
mas, em 1692 vemol -o passar um edital em Iguape, decla
rando - se « Goveruador e Capitão Sesmeiro » em toda a « Ca
pitania de N. S. da Conceição de Itanhaen » .
Esse edital da Camara de Iguape, ao qual o auctor
se refere, é de facto um dos unicos documentos que nos res
tam desse importante periodo administrativo de Martim Garcia
Lumbria que foi o successor de Felippe Carneiro de Alca
çova e governou a Capitania até 1696, ern que foi
substituido por Thomé Monteiro de Faria , que antecedeu ao
notavel paulista Carlos Pedroso da Silveira .
O documento a que se refere o illustre auctor é o seguin
te, que aqui damos na sua integra, por ser deveras interessante :
< Martim Garcia Lumbria, Goveroador e Capitão-maior,
Sesmeiro, em toda a Capitania de Nossa Senhora da Con
ceição, por sua magestade que Deus Guarde'etc.
Pelo presente que convem a observancia do serviço de
Sua Magestade e o crecimento de suas Reaes Rendas e mos
trar a seus póvos o vacallos o aumento com que devem ob
decer e das causas, para que o dito souro se pão desfal
que do que mais lhe deve produzir, desfraudando os mora
dores e por atalhar os dannos irremediaveis para que de
presente se possão seguir, conforme as queixas geraes que se
me dérão, principalmente o provedor das Minas, Valentim Roiz
de Pontes, sobre a « xurbitancia do demasiado preço com que
vai subindo a farinha de guerra, ( * ) cujo preço excessivo faz
desanimar todos os que se empregam nos descobrimentos
do ouro de lavagem , tendo em ordem de prejudicarem os
quintos Reaes do que nascem perdas consideraveis, e sem
attenderem os moradores , mais que as suas conveniencias, sem
reparo nos dannos e crimes que cometem contra a Pessoa
Real e suas Reaes Rendas.
Fazendo consideração ao que se me representou , que
rendo remediar a relaxação de tão grandes desordens, ajus
tandome com o melhor accórdo, compensando o trabalho dos
lavradores e os mineiros continuarem com seus descobrimen
tos, por livre resolução, mando e ordeno que nem uma pessoa
dos que lavrão e fabricão farinha de guerra a vendão por maior
preço que quatro centos e oitenta réis ( o alqueire ) sem
( * ) Usava-se , e ainda usa-se , no nosso littoral , a fabricação
de duas especies de farinhas de mandioca : uma é feita com
mamdipúva ( mandioca fermentada ) a qual se mistura , a massa
ralada, vinte quatro horas antes de pol -a na prensa e ir ao forno.
( Ver o fim desta nota na pg . seguinte )
458

levantarem nem subirem a maioria dos preços , e quem fizer o


contrario serão punidos portransgressores e desobedientes no
que hover nos quintos de Sua Magestade, e serão castigados
como merece sua ousadia e condemnados a vinte cruzados,
a metade para o acuzador e a outra metade para as obras
da igreja matriz, pagos na cadêa onde estarão trinta dias
até com effeito serem punidos ; o que assim se cumprirá como
neste se contem .
E para que minha noticia chegue a todos, este bando
depois de publicado, será affixado nos lugares publicos na
fórma do estillo .
Dado nesta Villa de Nossa Senhora das Neves de Iguape ,
sob neu signal , sómente, aos dez de Dezembro de mil seis
centos e noventa e dois annos. Martim Garcia Lumbria .
Governador de Itanhaen » .
Na importante collecção dos documentos pertencentes aos
Governadores do Rio de Janeiro, na parte que se refere á
< Patente do Capitão -mór da Capitania de Itanhaen , conce
dida a Carlos Pedroso da Silveira » , consta que o Capitão-mór
de Itanhaen, Martim Garcia Lumbria , havia provido no posto
de Sargento -mór de ordenança, em Taubaté, ao mesmo Carlos
Pedroso da Silveira. Essa patente, como adeante se verá, foi
concedida por Arthur de Sá e Menezes, governador do Rio
de Janeiro, em 23 de Maio de 1699 .
Diz ainda documento, que Carlos Pedroso da Silveira
exerceu esse posto de Sargento -mór por tempo de dois annos
e que, actualmente ( naquella data, 1699 ) o mesmo Pedroso
estava servindo no cargo de Provedor da « officina real » da
mesma Villa de Taubaté, ha tres annos .

Esta farinha já éra usada pelos indigenas, e Avchieta


faz della menção ein uma das suas « Cartas » ,
Pero de Magalhães Gandavo, em sua « Historia da Pro
vincia de Santa Cruz», publicada em Lisboa, em 1575, tam
bem se refere aus differentes productos que os indios extrahiam
da mandioca, e descreve a maneira da fabricação das diver
sas farinhas.
Chama - se « farinha -manêma » ou farinha - fresca, esta
qualidade de producto da mandioca, que vimos de descrever, por
que, sendo fermentada, não se pode guardal-a por muito tempo.
Chama-se « farinha de guerra » a farinha branca commum ,
que cendo azima ( sem fermento ) póde conservar -se por muito
tempo sem mofar.
Chamava-se ( e chama-se ainda ) farinha de guerra por
que éra a que se fornecia as tropas, em campanba, e tam
bem a preferida para as grandes expedições ou monções que se
faziam no ser : ão .
A farinha- manêma é usada ainda neste littoral e no norte
do Brasil, onde chamam farinha d'ogua.
459

Deprehende-se dahi portanto que, o provimento dado a


Carlos Pedroso, do posto de Sargento -mór, por Lumbria, como
Governador de Itanhaen , havia sido em 1694, e que a sua
administração no governo da dita Capitania , durou até a
posse de Thomé Monteiro de Faria, cujo tempo terminou com
a nomeação de Carlos Pedroso da Silveira, em 1699, como
adeante se verá .
O Brigadeiro Machado de Oliveira no seu livro « Quadro
Historico di Provincia de São Paulo » , dando uma noticia
desenvolvida sobre as minas de ferro de Biraçoyaba, em So
rocaba, ( vid. « Villa de Sorocaba » ) e referindo-se a uns

exames mandados fazer pelo Governo da Metropole, em 1681 ,


diz a seguinte :
« Nada se sabe do resultado desse exame , mas é certo
que Martim Garcia Lumbria tendo por socio a Manoe! Fer
nandes de Abreu e Jacintho Moreira Cabral , levantara junto
ao morro uma officina de fabricar ferro, pelo que tivera agra
decimento do Governo, que mais éram mordeduras do que
beijos .
Machado de Oliveira não pos diz em que anvo teve lo
gar essa tentativa de Lumbria, na exploração das minas do
Ipanema ; mas é provavel que tivesse sido após a sua ges
tảo no cargo de Governador de Itanhaen .
Essa nova empresa, organizada por Martim Garcia Lum
bria, com o fim de explorar as minas de Sorocaba, teve , tal
vez , a mesma sorte que tiveram as diversas tentativas feitas
por um dos seus antecessores no Governo da Capitania de
Itanhaen esse desafortunado, mas incançavel Governador
Luiz Lopes de Carvalho.
24. °

Thomé Monteiro de Faria . Fii nomeado Capitão


Mór da Capitania de Itanhaen, por carta patente de 12 de
Março de 1644 o Capitão Thomé Monteiro de Faria, o qual
prestou juramento na Camara de Itaphaen , a 18 de janeiro
de 1695 .
Este governador, que substitiu a Martim Garcia Lum
bria, esteve a testa do Governo da Capitania de Itapbaen
até 23 de Maio de 1699 , er a qual datii entregou as redeas
do mesmo governo a Carlos Pedroso da Silveira, como cons
ta da carta patente que vai transcripta pa noticia immediata,
a qual é assim concebida : « —Carta Patente por que V. S.
há por bem prover a Carlos Pedroso da Silveira no
posto de Capitão da Capitania de Nossa Senhora da Concei
ção de Tinhaen por tempo de um anno , levantando a ho
menagem a Thomé Monteiro de Faria que athé agora foi da
dita Capitania, pelos respeitos assima declarados. >>
Passamos a transcrever o termo da Patente Regia , que
nomeou , a 12 de Março de 1694 , o Governador Thomé Mon
teiro de Faria :
460

« Patente Régia de Capitão da Capitania de N. s . da


Conceição de Itanhaen a Thomé Monteiro de Faria, de
12 de março de 1694 :
Dom Pedro por graça de Deus Rey de Portugal e dos
Algarves daquem e dalem mar em Africa senhor de Guiné e
da conquista navezação commercio de Ethiopia Arabia Per
cia e de India &." Faço saber aos que esta minha carta pa
tente virem que o Conde da Ilha do Principe donatario da
Capitania de Nossa Senhora da Conceição de Tinhaem , me
haver proposto tres sogeitos na forma de mivhas ordons para
capitão da dita capitania e tendo respeito a Thomé Monteiro
de Faria , hum dos ditos propostos me haver servido na Praça
da Bahia por espaço de vinte annos dois mezes e cinco dias
effectivos desde cioco de Junho de seiscentos sessenta e oito
athe nove de Agosto de seiscentos e oitenta e oito, em
que com licença veio para este Reino, em praça de soldado,
cabo de esquadra e alferes . reformado sempre com
bom procedimº embarcando-se no decurso deste tempo duas
vezes nas occaziões em que os governadores do Brazil An
tonio de Souza Menezes , e o Marquez das Minas mandarão
alguns navios contra huns piratas que apdavam naquella costa
e barras de Camamu Boybeba e llheor , roubando e saqueando
as embarcações que costumavam conduzir os mantimentos
a quella Praça fazendo sempre a sua obrigação muy pontualın'e
e obedecendo os seus mayores em tudo o de que foi encar
regado do meu serviço e por esperar do dito Thomé Mon
teiro de Faria que da mesma maneira me servirá daqui em
diante comforme a confiança que faço de sua peçoa. Hey
por bem e me praz de o prover e nomear, como pella pre
zente o provo e nomeio por capitão da dita Capitania de
Nossa S. “ da Conceição de Tinhaen på. que sirva o dito
posto por tempo de tres annos asi e da maoeira que o fize
ram athegora os mais capitães da dita companhia digo da
dita capitania, e que haja com elle o soldo que lhe tocar
qne começará a vencer desde o dia em que se embarcar des
ta corte para aquella capitania e gozará de todas as hopras,
privilegios, liberdades, izenções e franquezas que em rezão
delle lhe tocarem . Pelo que mando ao meu Governador da
capitania do Ri ) de Janeiro lhe dê a posse do dito posto e
lhe deixe servir e exercitar pelo dito tempo de tres annos e
haver o dito soldo e elle jurará em minha chancellaria na
fórma costumada de que se fará assento nas costas desta carta
patente, que por firmeza de tudo lhe mandei passar por mim
assignada , e sellada com o sello grande de minhas armas , e
antes que o dito Thomé Monteiro entre na dita capitania de
de nosa Seora da Conceição de Tinbaem , me fará por ella
preito e menagem nas mãos do dito meu Govor, segundo uzo
e costume destes Reinos de que aprezentará certidão do se
cretario daquella cap". e pagou de novo direito dez mil réis
que se carregarão no Thezr". João Ribeiro Cabral a fls 111
como constou de seu conhecimº em forma registrs do no re
461

gistro geral a fls 209 e a outra tanta quantia da fiança, no


livro dellas a fls 138. Dada na cidade de Lix". a 12 de
Março. - M Phelipe da Silva a fez. Anno do nacimento de
rosso Sr. Jesus Christo de 1694. O Secretº André Lopes de
Laure a fez escrever El Rey Conde de Alvor Carta
patente, por que Vmgº. ha por bem de aprover e nomear a Tho
mé Monteiro de Faria, por capitão da capnis de nossa Sra da
Conceiçãe de Tinhaen, de que é donatario o Conde da Ilha do
Principe, p`. que sirva o dº posto por tempo de tres annos, asi e
da maneira q . o fizerão athe agora os mais capitães da dita capn .
como nella se declara . Para Vmg.ºver por rezolução de
Vmdge de 4 Mçº de 694 em covsulta do Consº . ultrº (*) de 1.º
do mesmo mez e anno e despacho do dº . Cons.: de 9
dos mesmos, pagou 40 reis João da Roxa Cazdº pagou qui
nhentos e quarenta réis aos officiaes 524 rs. Lix " . 16 de
Março de 1694 a D. Sebastião Maldonado Reg.da na chan.ria
mór do Reino no 1.º de off.os e m . ces
a fi. 64. Lix . 16 de
Março de 1691. F.C. de Almeida. Reg.da nos 1.ºs da Secr. do
Cons." ultramarino a fi. 355 v. em Lix ." 16 de Março de
1694 a. André Lopes de Laure. Lix ." 17 de Março de 1694.
O chanceler mor cumprase como Smg.º que D. G.de or
dena e Registese B.“ 7 de 8b.rº de 1694 a. D. João de Alen
castro Reg.da n. 3.° dos Registos da Secretaria do Estado
do Brazil a que toca a fl. 264 v. B." de otobro 12 de 1694
a . Br.do Pereyra Ravasco. Registeçe.
a B." 26 de Outubro de
1694 – Farn. Lamberto Reg.d no 1.º dos Registros da
fazenda Real do Estado do Brazil a que toca a fl. 59. B."
de otubro 26 de 1694 a . João Antunes Moreira. Cumprace
e registeçe Rio 9 de Janeiro de 1695 André Cusaco » .

25.º

Carlos Pedroso da Silveira . « Em 21 de Maio de 1699,


refere o Sr. Dr. Ermelino de Leão, foi provido no posto de
Capitão -mór de Itanhaen o notavel paulista Carlos Pedroso da
Silveira, que a 24 de Maio prestou compromisso legal do cargo.
Findo o seu triennio, foi o Capitão Carlos Pedroso recondu
zido no cargo por patente de 19 de Agosto de 1701 .
Em 1704, Carlos Pedroso da Silveira exercia o cargo de
Procurador dos Quintos de Paraty, não constando qual o seu
successor no Governo de Itanhaen » .
Carlos Pedroso da Silveira era natural de Taubaté, filho
de Gaspar Cardoso Gutterres, natural de Portugal e de D.
Gracia da Fonseca Rodovalho ( Azevedo Marques, Aponta
mentos Historicos » ). Foram, Carlos Pedroso da Silveira e
Bartholomeu Bueno de Siqueira ( depois da noticia do des
cobrimento de ouro nas minas de Sabarabossú e Cataguazes ),
os primeiros, diz ainda Azevedo Marques, que em 1694 par
tiram para Itaverava, e ahi chegando, remetteram amostras
( ... ) Consclho ultramarino .
462

ao Governador do Rio de Janeiro, Sebastião de Castro Caldas ,


pelo que foi Carlos Pedroso nomeado Guarda-mór e Bartho
lomeu Bueno de Siqueira escrivão das mesmas minas, a 16
de Dezembro de 1695 .
A estes descobrimentos seguiram - se os de Ouro Branco, na
serra de Itatiaya, depois do Ouro Preto. Carlos Pedroso da
Silveira serviu depois nos cargos de Provedor da Real Fa
zenda de Taubaté e no de Capitão-mór e Ouvidor, não da Ca
pitania de S. Vicente, como diz Azevedo Marques, mas da
Capitania de Itanhaen , mestre de campo do terço das minas,
Provedor dos Quintos de Paraty e, finalmente, o de Gover
nador das villas de Taubaté, Guaratinguetá e Pindamonhan
gaba , sendo elogiado e agradecidos os seus serviços por carta
regia de 6 de Novembro de 1700.
Falleceu Carlos Pedroso da Silveira em Taubaté a 17
de Agosto de 1719 , deixando de seu casamento com D. Iza
bel de Souza Eubano Pereira, uatural do Rio de Janeiro, os
filhos seguintes : Gaspar Cardoso Guterres, Leopoldo da Silva
e Souza, padre Leonel Pedroso da Silveira, D. Bernarda Pe
droso da Silveira e D. Thomazia Pedroso da Silveira ( vid .
Nobliarchia de Pedro Taques ). Quando Carlos Pedroso da
>>

Silveira recebeu a Carta Regia de 6 de Novembro de 1700,


elogiardo e agradecendo os seus serviços, achava-se em Ita
nhaen , occupando o cargo de Governador e Ouvidor da mesma
Capitania, cargo esse que, segundo os documentos existentes,
citados por Ermelino de Leão, durou o periodo de dois
triennios.
Carlos Pedroso da Silveira éra homem de fortuna, se
gundo affirmam alguns historiadores e chronistas, e morreu
pobre . ( Vide Villa de Taubaté ).
O Sr. Dr. Basilio de Magalhães nas « notas » Cyclo
espontaneo do Ouro referentes aos documentos por elle
publicados no vol. XVIII da Rev. do Inst. Hist. e Geog. de
S. Paulo, ao tratar das explorações das minas de ouro, des
cobertas por Carlos Pedroso e Bartholomeu Bueno de Siqueira
diz, que todo os gastos dessa expedição memoravel foramມ
feitos pelo abastado Carlos Pedroso da Silveira , o qual, na
sua opinião, « segundo os testemunhos dos coevos , foi
apenas o capitalista da empresa, e que a leva seguiu sob o
commando de Bartholomeu Bueno da Silveira cujo immediato
foi Miguel Garcia de Almeida.
Isto se passou em começo de 1694, diz o referido autor.
Na série de documentos relativos ao a Bandeirismo Pau
lista » extrahidos do archivo Nacional , pelo citado autor, vimcs
a « Carta Regia » concedendo licença a Carlos Pedroso da
Silveira , provedor dos quintos reaes da Villa de Taubaté,
para que o mesmo « possa ir ao reino, afim de la assistir a
requerimentos sens » . A dita carta Regia tem a data de 8 de
Novembro de 1699.
Essa viagem de Carlos Pedroso da Silveira não se rea
lisou , peles menos nessa época, por que, d'esses mesmos do
463

cumentos do Archivo Nacional , consta que, a 23 de Maio desse


mesmo anno de 1699 elle obteve patente de Capitão da Ca
pitania de N. S. da Conceição de Itanhaen, e a 24 de Maio,
tambem do nesmo auno, prestou preito de homenagem , como
governador da inesma Capitania, como adeante se verá.
Si Carlos Pedroso da Silveira se tivesse ausentado da
Capitania de Itanhaen, para ir ao reino, nessa época, teria
que deixar um substituto, mas isso não consta dos documen
tos que temos consultado,os
nem das chronicas ou listas de go
vernadores que conhecem .
Eis o citado documento :

« Carta Régia concedendo licença a Carlos Pe


droso da Silveira, provedor dos quintos reaes da villa
de Taubaté, não havendo inconveniencia, para ir ao
reino, fin de lá assistir a requerimentos seus,
de 8 de novembro de 1699 :

Artur de Sáa e Menezes Am .° EV El-Rey vos emvio


m .' ' saudar. Carlos Pedrozo da Sylueyra me representou aquy
estar servindo com bom procedimento o officio de Provedor
dos quintos Reaes da villa de Taubaté, e ter requerimentos
nesta Corte que dependem da sua assistencia, e pareceome
ordenarvos ( como por esta o faço ) que nao havendo incon
veniente Concedeaes a Carlos Pedrozo da Silur.* Licença para
poder vir para este Reyno. Escrita em lix . " a 8 de Nour. de
1699. – key – P.* o Gou .“' e Cap.am gi' do Rio de Jan.°
Conde de Alvor 1.a via o .
Não podemos duvidar da veracidade deste documento,
escrupulosamente copiado, como os demais, das cartas e pa
peis pertencentes aos governadores do Rio de Janeiro ; ha
porém divergencia nas datas e certos anachrorismos, que
convém notarmos afim de averiguar e coordenar as respecti
vas datas em que foram nomeados e empossados estes gover
nadores de Itanhaen nesse tão importante periodo da nossa
historia, o qual é tão judiciosamente denominado pelo sr.
Basilio de Magalhães « O Inicio do Grande Cyclo Esponta
neo do Ouro » . Na Carta Ré , ia que vimos de transcrever,
vê-se que Carlos Pedroso da Silveira, nessa data 8 de
Novembro de 1699 « estava servindo, com bom procedi
mento, no officio de Provedor dos quintos Reaes da Villa de
Taubaté etc .; entretanto nos outros documentos que se se
guem , provenientes da mesma fonte, e copiados fielmente, let
tra por letra, ve-se que o mesmo Carlos Pedroso da Silveira,
havia sido nomeado e empossado no cargo de governador de
Itanhaen em 23 de Maio desse mesmo anno de 1699
e fez « preito de bomenagem » , do mesmo cargo, no dia se
guinte 24 de Maio de 1699, como se verifica adiante. E'
verdade que nesses mesmos documentos consta que, esse pro
vimento, para o dito posto de Capitão da Capitania de Ita
nhaen seria « por tempo de um annor , mas vêmos , entre
164

tanto, que de 23 de Maio a 8 de Novembro, vão apenas


cinco mezes e alguns dias, e não consta, dessa mesma col
lecção de documentos, que durante esse periodo tivesse ha
vido outras nomeações, pela renuncia ou ausencia desse
governador.
Na lista dos governadores de Itanhaen, do Dr, Ermelino
de Leão, extrahida dos archivos de Paranaguá e Curytiba e
das chronicas de Vieira Santos , vemos que Carlos Pedroso
da Silveira, foi provido no cargo a 21 de Maio e tomon posse
a 24 do mesmo mez e que, findo o seu triennio, foi, « re
conduzido » no mesmo cargo, por patente de 19 de Agosto
de 1701.
Deixaremos a outros mais competentes e esclarecidos
nesta difficil e ingrata tarefa, o encargo de bem elucidar
estas pequenas controversias e enganos, pois o nosso fim é
apenas coordenar, procurando por em ordem todos esses dados
e documentos que conhecemos.
Os documentos que ahi vão transcriptos, no fim deste
paragrapho, são dos mais importantes que temos encontrado
e pela sua leitura pode-se bem avaliar o grande serviço que
nos acaba de prestar o Sr. Dr. Basilio de Magalhães, for
necendo ao Instituto Historico de S. Paulo essas preciosas
copias.
« Patente de capitão da Capitania de N. S. da
Conceição de Itanhaen dada a Carlos Pedroso da
Silveira por Arthur de Sá e Menezes, -- de 23 de
maio de 1699 :

Artur de Sáa e Menezes &.“ Faço saber aos que esta


minha carta patente virem que hauendo respeito estar vago
o posto de Capitão da Capitania de Nossa Senhora da Con
ceição de Tynhaem de que he donatario o Conde da Ilha do
Principe ; e por conuir ao serviço de Sua M.de qu Deos
guarde que este se proua em pessoa capax e de merisimento
para o ditto posto ; e conciderando o que por parte de Car
los Pedrozo do Sylueira se me reprezentou ter seruido a
Sua Magestade que Deos guarde do cargo de Ouvidor da
ditta Capitania de Conceipsào por tempo de seis mezes, e ao
depois foi prouido no posto de sargento mor da ordenança
de Tahybate por prouimento do Capita ) Mor Martin Garcia
Lumbria, o qual posto exerceo por tempo de dois annos com
grande satisfaçõa e procedimento, e estar actualmente ser
uindo o cargo de Prouedor da officina real da Villa de Ta
hvbaté o qual serue a tres annos com notavel zello e tra
balho pondoçe varias vezes ao perigo de sua vida por obri
gar aquelles que nað quer að verdadeyramente quintar o ouro
que pertencia aos reias quintos de Sua Magestade q Deos
guarde, viudo daquella Villa a esta Cidade tres vezes, duas
com as amostras do ouro das nouas minas dos Cataguazes, e
este anno a conduzir tres arobas, e quatorze arrateis de ouro
465

que pertencia ) a Sua Magestade q Deos guarde, sem nesta


conduçao e viagens fazer despeza algua a fazenda real, e
tendo notisia que hauia pessoa que fazia cunhos falsos para
os por no ouro, dandome conta deste maleficio, lhe mandey
tirar deuaça o que fes com todo o cuidarlo e dilligencia, e
por esperar do ditto Carllos Pedrozo da Sylueira q da mes
ma maneira se hauerâ daqui endiante conforme a confiança
qne faço de sua pessoa. Hey por bem prouer, e nomear como
pella prezente o prouo, e nomeyo por Capitão da ditta
-Capitania de nossa Senhora da Conceipsão de Tynhaen
para que sirua o ditto posto por tempo de hum anno hauen
do Sua Magestade que Deus guarde, assim por bem , e o dona
tario o não prouer , e com o ditto posto hauerá o soldo
que lhe tocar, e gozará de todas as honras, priuilegios, Li
berdades, yzenções, e franquezas que em rezão delle The
tocarem pello que, mando a todos os officiaes de guerra, e
justiça da ditta Capitania lhe obedecáo como a seu Capitão ;
pello que o hey por mettido de posse do ditto posto, 'e elle
jurarâ nesta Secretaria na forma custumada, de que se fara
acento nas costas desta Carta patente, e farâ preito, e ho
menagem nas minhas maos como he uzo , e costume do Rey
no ; e para firineza lhe mandey passar o prezente sob meo
sigual, e sello de minhas armas que se cumprirá tað intey
ramente como nella se conthem ; registandose nesta Secreta
ria sem o qual nað valerâ, e na Camara da ditta Capitania
e pagou de nouos direytos oito. mil reis que ficaraõ carre
dos ao recebedor delles Marcos da Costa da Foncequa em o
livro de sua receyta ; e por esta dita carta patente o hey por
leuantado o preyto e homenagem que da dita Capitania bauia
feito Thome Montegro de Faria . Joað Thomas Brum a fes
nesta cidade de Sao Se Bastia) do rio de Janeyro aos vinte,
e tres dias do mes de Mayo. Anno do nascimento de nosso
Senhor Jezus Christo de mil, e seis centos, e nouenta, e noue
annos. O Secretario Jozeph Rabello o fes escrever Artur
de Sâa e Menezes Lugar do sello Carta patente por que
V. S.* bâ por bem prouer a Carllos Pedrozo da Sylueira no
posto da Capitao da Capitania de nossa Senhora da Con
ceipsaõ de Tynbaem por tempo de hum anno leuantando a
homenagem a Thome Monteyro de Faria que athe agora o
foi da dita Capitania pellos respeitos asima declarados : p."
V. S.* ver » .
Até esta época, ( * ) como diz o Sr. Dr. Ermelino de
Leão, os capitàęs-governadores éram nomeados e providos
pelos proprios donatarios, porem, dahi em deante as suas no
meações éram feitas pela Corôa , mediante uma lista, com tres

( 1 ) Dizemos « até esta época » , afim de reportar -mo -nos ao que escre
veu o auctor da « Capitania de Itanhaen e Paranaguán, porém , pelos documentos
que temos collecionado e já transcriptos nesta relação dos « Governadores de Ita
phaen » vêr -se -há que desde 1688 , no governo de Roque Leitão Roballo , já éra
adoptada essa praxe, de serem as nomeações feitas pelo Rei, mediante uma lista
com tres sojeitos , apresentados a S. Magestade pelos respectivos donatarios ,
466

nomes, indicados pelo donatario, da qual o rei escolhia um ,


como se verifica na patente do capitão- mór Thomé Mon
teiro de Faria, que foi o antecessor de Carlos Pedroso da
Silveira .
« Termo de preito e bomenagem de Carlos Pe
droso da Silveira como capitão da Capitavia de N.
S. da Conceição de Itanhaen, — de 24 de maio de
1699 :

Aos uinte, e quatro dias do mes de Mayo de mil e seis


centos nouenta e noue annos nesta Cidade de Sao Sebastiao
do Rio de Janeyro nos paços do Gouernador e Capitao ge
ral desta praça Artur de Saà e Menezes ahy perante elle
pareceo o Capitão Carllos Pedrozo da Sylueira e lhe apre
zentou a patente, por que o dito senhor lhe tinha feito merce
do posto de Capitão da Capitania de nossa Senhora da Con
ceipção de Typhaem , o que lhe tomou preyto, e homenagem
para debaixo della poder hir seruir seu cargo ; uisto seo dizer
e pedir : pelo dito G.ºr perante mim , e das testemunhas ao
deante nomeadas lha tomou, posto o dito Capitão de juelhos
com as maos juntas , na com outra , entre as mãos do dito
Gouernador sobre o misal dos santos Evangelhos dizendo o
dito prouido :
Eu Carllos Pedrozo da Sylueira que ora estou eleito e
prouido no posto de Capitað da Capitania de Nossa Senhora
da Conceipção de Tyubâem pello Gouernador, e Capitað ge
neral desta praça Artur de Saa e Menezes juro nas Sautis
simos Evangelhos em que tenho postas minhas maos que
emquanto for ( ? ) e terey sempre prestes a dita Capitania,
fortalezas e gente della para o seruico de Sua Magestade q
Deos gde em sua defunça, e serey obediente aos mandados
e ordens do dito Senhor ou a quem seo especial mandado
tiuer como bom fiel, e leal vaçallo, e com a dita gente em
defençaõ da dita Capitania e praça ; della farey guerra aos
inimigos do dito Senhor, e manterey outrosy tregua, e pax
na maneira que por elle me for mandado, e não entregarey
a dita Capitania, e praça a nenhuma pessoa de qualquer
gráo, dignidade, e priminencia que seja , senaõ a sua Mage
stade, ou a seo certo recado logo que o tenha sem delonga
arte nê cautella em qualquer tempo q me for dado ( sic )
carta cua por elle asignada, por que conste hauerme leuan
tado , e dezobrigado deste preyto, e homenagem , que ora faço
a sua real Magestade, hua, duas e tres vezes conforme o uzo,
e costume do seo Reyno : e assim lho premetto, e me obrigo
a cumprir, e guardar enteyramente em quanto a vida me durar
no dito posto .
E o dito Gouernador lhe aceytou o dito preyto, e ho
menagem, e o ouue por feito, e tomando em nome de Sua
Magestade de que mandou fazer este termo sendo prezentes
como testemunhas o Mestre de Campo Martim Correa Vas
ques, e o Capitað Mel da Costa Cabral que aqui assignarað
467 -

com o prouido, e Gouernador e eu Jozeph Rabello Perdigao


o sobscrevi e assinei no dito dia » .
Em 1.º de Junho de 1700, mais de um anno após a
data em que Carlos Pedroso havia sido empossado no cargo
de Governador da Capitania de Itaphaen, achando - se o mesmo
na Villa de Angra dos Reis, ( a qual villa, ao que parece,
estava ainda fazendo parte da dita Capitania de Itanbaen ),
mandou passar a seguinte provisão - de Ouvidor da mesma
Capitania a Francisco de Caldas Tello » .
Por este documento se prova que Carlos Pedroso da Sil
veira, que havia sido provido, apenas por um anno, no cargo
de Governador, como diz a sua patente, continuou a exercer o
referido cargo, de Capitão -mór de Itanbaen ; pois é ainda
na investidura desse cargo que elle concede esta provisão :
« Provisão de ouvidor da capitania de Itaphaen
a Francisco de Caldas Tello, dada por Carlos Pe
droso da Silveira , como capitão-mór da mesma, e
confirmada por Arthur de Sá Menezes, de 1.º de
julho de 1700 :

Faço saber aos q. esta minha provizão virem e o coche


cimento della com direyto pertencer q. confiando eu da ca
lidade zello e sufficiencia e mais partes, q . concorrem pa pes
soa do Capam Fran " de Caldas Tello q. tudo o q . The for
encarregado do Serviço de Sua Magde o fará como corvem .
Hey por bem provello vo cargo de Ouvidor desta Capitania
de N. Senhora da Conceipçaõ de Tianhaein , e sua repartiçaõ,
e em sua pessoa sedo e trespasso todos os poderes a mim
concedidos por sua Magde e plº Donatario, pertencente ao d.º
Cargo de Ouvidor ; com o qual haverá todos os prois e
precalços q. de direyto lhe tocarem , e a dita prebenda será
por hum anno, se Sua Magde nao mandar o contrarin, con
formandome em tudo com os Alvaras do d .° Sor, Pello q.
mando a todos os officiaes da Camara e justiças da d .* Ca
pitania lhe dem posse do dº cargo, e lhe será dado juramo
nera p ." que bem e verdadeyram o sirva, guardando
em tudo o Servço de Sua Magde e as partes seo direyto ; de
que se farað os autos custumados ; e por esta derogo qualquer
outra provizaõ q . do d.• Cargo se haja passado a outra qual
quer pessoa, a qual naõ valerâ, desta só se uzarâ por assim
ohaver por bem . e Servço de Sua Magde, e se registarâ nos
Livros da Camera a que tocar da d . Capitania, e se com
prirâ como nella se conthem , sem duvida, nem embargo algum .
Dada nesta Villa de Avgra dos Reis da Ilhagrande Sob meo
Signal e sello de minhas armas em o pro dia do mes de
Julho de mil e setecentos anos , Carlos Pedrozo da Sil
veyra. Lugar do sello - Proviza ) por 9 . ha por bem prover
no Cargo de Ouvidor desta Capitania de Nossa Senhora da
Conceipçaõ de Tinhaem na pessoa do Capem Frn de Caldas
Tello pico Respeitos asima declarados. — P.“ V. S.* Ver.
468

Com a seguinte declaraçaõo no titulo do respectivo registro :


- « Confirmada pelo Gor desta Praça o gor Artur de Sáa e
Menezes » .
Afim de que fique bem denonstrado o alto prestigio e
a importaacia de que gosou Carlos Pedroso da Silveira , não
só como governador de Itanhaen, como em outros cargos que
exerce' na mesma Capitania, aqui daremos ainda o registro
da Patente que, em 27 de Setembro de 1714, lhe conferio o
titulo de governador das tres villas Taubaté, Pindamo
nhangaba e Guaratinguetá.
Quem requereu a certidão desse traslado, da . « Carta Pa
tente de Carlos Pedroso da Silveira , » foi o seu successur, no
cargo de mestre de Campo de Taubaté » , Sebastião Ferreira
Albernaz, em Julho de 1724, época em que já Carlos Pedroso
éra fallecido
O que ha de extranho e digno de pota, nessa ultima
« Patente de Governador » concedida a Carlos Pedroso da
Silveira , é ter ella sido concedida pelo Capitão General de
S. Paulo, em vez de o ter sido pelo Governador do Rio de Ja
neiro, por indicação do conde da Ilha do Principe, como éra
de praxe , visto que, as tres villas citadas : Taubaté, Pin
damonhangaba e Guaratinguetá, faziam ainda parte da Ca
pitania de Itanhaen nesse anno de 1714 .
O territorio da Capitania de São Vicente, cuja séde ha
via sido mudada para S. Paulo, desde 1711 , não abrangia
essas povoações ao norte do Rio Juqueriquerê, em S. Sebas
tião, que éra o limite septentrional da mesma Capitania de
São Vicente, ou « Santo Amaro » , vendida a Corôa, em 1711 ,
pelo Marquez de Cascaes.
Nào comprehendemos a razão desse novo conflicto de
jurisdicção entre as duas Capitanias, São Paulo e Itanhaen ,
e deixamos a outrem mais auctorizado o encargo de bem es
clarecer este assumpto. E' por isso que passamos a tran
screver aqui os ditos documentos :
Sobre os papeis de s rviços de Sebas.ião Ferreira Albernaez .
« Sr ' : Vie examinei os papeis de serviços de Sebastião
Ferreira Albernaz, Mestre de Campo dos Auxiliares das Vil
las de Taubaté, Pindamonhangaba e Guaratinguetá , que con
stão de fls. 1 thé fls. 32, q .' vào todas numeradas e rubri
cadas pello Dezºr Oupor G. desta Capitania Manoel de Mello
Godinho Manso, com sentença de encerram . • q. ' lhe fez no
fim , e de fls. 1 thé fls. 5 v.º está o autoam.to e duas provi
zões de Juiz dos orphãos passados pello G. Dom Braz Bal
thazar da Silva, justificadas ; de fls. 6 thé fls. 11 se acha
hüa carta e hüa patente do posto de Capitão- Mór passada
pelo Conde Dom Pedro de Almeida ( 1 ), e duas certidões
( 1 ) D. Braz Baltazar da Silveira , capitão-general de S. Paulo de 1713 a
1717, e D. Pedro de Almeida, conde de Assumar, governador de 1717 a 1721 .
469

da Camara da Villa de Taubaté, tambem justificadas ; a fls .


12 e 14 está hüa provisão e hüa patente que lhe mandei
passar da confirmação do Juiz dos Orphãos e de Cap. Mór ;
de fls. 15 thé fls . 16 a patente q.' lhe mandei passar de
Mestru de Campo dos Auxiliares por se achar vago aquelle
posto por fallecimento de Carlos Pedroso da Silveira ( 2 )
de fls. 17 thé fls. 23 se achão seis cartas e hüa ordem q .
lhe mandei sobre deligencias do Real serviço de V. Mag. ;
de fls. 24 a 26 hña certdão de Mathias da Silva, Juiz de
Fora da Villa de Santos, e hüa carta do Dezor Raphael Pi
res Pardinho, Ouvor G.'q.' foi desta Capitania : à As. 27
hüa certidão que lhe passei do seu procedimento e bom
prestimo com que serve a V. Magº, e de fls. 28 thé fls. 32
hüa certidão do Ouvor G. desta Capitania e outra dos nomes
dos seus Pays e Avós, tudo justificado, com a sobred.* sen
tença de encerrameuto no fim em cujos papeis não ha vi
cio por serem todos verdadeiros. G. Ds a Real pessoa de
V. Mag. São Paulo, 14 de Julho de 1724. -
Rodrigo Ce
zar de Menezes. »

Patente de Carlos Pedrozo da Silveira

« Diz Seb.m Ferr.* Albernaz, morador nesta V.* que a .


elle Sup. hé necessario o Treslado de hûa Carta Patente de
Mestre de Campo q.' o Gov.ºr D. Braz Balthazar da Silveira
fez m.ce passar a Carlos Pedrozo da Silveira, a qual se acha
registrada nos livros desta Cainara ; o que lhe faz assim p'.
seu requerimento, pelo que
Pede a V. M.cc seja servido mandar
ao escrivão de seu cargo lhe dê dito Tres
lado, e sendo assim
R. M.ce
Como pede.
Bc.do » .

Treslado do resisto da Patente do Governador do Mestre de


Camio Carlos Pedroso da Silveira

« Dom Braz Balthezar da Silveira, do Conselho de Sua


Magestade que Deos guarde, Mestre de Campo General de
seus exercitos, Governador e Capitão General de São Paulo
e minas de ouro etc. Faço a saber aos que esta minha
patente virem que tendo consideração a ser muito conve

(2) Carlos Pedroso da Silveira foi um valente sertanejo , natural de Tau


baté e neto de D. Simão de Toledo Piza . Fez entradas em Minas Geraes no
fim do seculo XVII e exerceu importantes cargos civis na capitania ; falleceu
em 1719, deixando descendencia . Adeante vai transcripta a sua patente de
governador das villas de Taubaté, Pindamonhangaba e Guaratinguetá, Estas
notas são do Dr. Antonio de Toledo Piza
470

niente que nas tres Villas de Taubathé, Pindamonhavgaba


e Guaratinguetá se nomêe hûa pessoa a qual se encarregne
o governo dellas e que esta seja das de mayor autoridade
daquelle districte para con ella executar com o rigor neces
sario as minhas ordens e acodir as inquietações que ordina
riamente costumảo acontecer nas ditas Villas ; e attendendo
aos grandes merecimentos, serviços e capacidade do Mestre
de Campo Carlos Pedrozo da Silveira, e contar delle que em
tudo o que occupar servirá com grande satisfação, hey por
bem de o encarregar da regencia e governo das ditas tres
Villas de Taubathe, Pindamonhangaba e Guaratinguetá, para
exercer em quanto eu houver por bem ou Sua Mag ' não
mandar o contrario, e haverá em minhas mãos o Juramento
dos Santos Evangelhos para servir neste cargo e observar em
tudo o Real serviço ; e gozará de todas as honras, preimi
nencias e previlegios. izenções e liberdades que tem e de
que uza o Capitão Mór da Capitania de São Paulo Manoel
Bueno da Fonseca ( 1 ). Pelo que ordeno a todos os officiaes
de justiça das ditas tres villas o respeitem e obdeçam em
tudo o que fôr do serviço de S. Magestade aos officiaes das
Camaras, digo , das ordevanças e auxiliares o farão tão prom
ptamente como são obrigados, e ordeno ao dito Carlos Pe
droso da Silveira me iuforme do procedimento de buns e
outros officiaes para me ser presente a forma em que servem
e outro sim fură exercicio aos auxiliares e ordenanças para
que estejam em boa ordem para accudirem , sendo necessario,
à qualquer invasão que os inimigos fação na marinha ; e
terá cuidado de prender e remetter a ordem das Justiças
todos os criminosos que andarem no dito districto e dará ás
deligencias das mesmas Justiças a todos os criminosos que
andarem ne dito disiricto e dará as deligencias das mesmas
Justiças todo o favor para bom effeito ; e para firmeza de
tudo lhe m - ndei passar esta patente por mim assiguada e
sellada com o sinete das minhas armas que se cumprirá como
nella se coatem , registrando- se nos livros da Secretaria deste
Governo e nos das Cainaras das ditas tres Villas .
Dada e passada nesta Villa de N. Snr.* do Bom Su
cesso de Pindamonhamgaba ( digo N. S. do Carmo) 80 : 27
de Setembro de 1714. O Sevretario Manoel da Fonseca o
escrevi. – D. Braz Balthezar da Silveira » .
Passamos agora a trapscrever os documentos ineditos
que nos foram enviados pelo Dr. Alfredo de Toledo, digno
Vice-Presidente do Instituto Historico de São Paulo, - co
piados do Archivo Nacional , os quaes se referem ainda a Carlos
Pedroso da Silveira , como Capitão - Mór -Governador da Ca
pitavia de Itanhaen, e « Procurador. da Corôa e Fazenda
Real » da mesma Capitania de Itanhaen.
( 1 ) Era filho de Antonio Bueno e neto de Amador Bueno da Ribeira : foi
cidadão importante e governou São Paulo por procuração dos capitães generaes
que residiam em Minas Geraes . Falleceu em 1722, sem deixar descendencia
tendo sido casado duas vezes .
471

Patente de Capitão-inor da Capitania de N. S.


da Conceição de Itaphaen & Carlos Pedroso da Sil.
veira. ( 19 de Agosto de 1701 ).
Artur de Saá e Menezes etc. Faço saber aos q . esta
minha Carta Patente virem q . tendo respeito a Carlos Pe
drozo da Sylveira estar servindo o posto de Cap. am
Mor da
Capitania de N. S. da Conceição de Itanhaen, por provimento
meu q. se lhe tem acabado, e me constar ter servido com
muta aceitação, e dar comprim " pontoalme as ordens que
por mim lhe forão mandadas, e exercendo ( tambem ? ) o
cargo de Provedor da officina de Tahybate, o qual serve a
coatro annos com notavel zello e trabalho e por esperar delle
que daqui em diante obrara da mesma sorte, e muy igual
à confiança que faço de sua pessoa , Hey por bem de o pro
ver e o nomear no d.° Posto de Capam Mor da Cap." de N.
S. da Conceição de Itanhaen , de que he donatario o Conde
da Ilha do Principe o qual posto servirâ por tempo de hú
anno, havendo - o Sua Mag . que Deos guarde asim poz bem ,
e o donatario não prover e com elle haverâ o soldo que lhe
tocar, e tera principio desde o dia que se lhe acabar a outra
Patente ; e gozara de todas as bonras Liberdades izenções e
franquezas que em razão delle lhe tocarem , Pelio que mando
a todos os offes mayores de Guerra, e de Justiça e menores
da d ." Capitania lhe obedeção, como a seu Capitão mayor, e
servira debaixo da mesma posse preito e homenagem , que
tomou em minhös mãos p.“ firmeza do que lhe mandei pas
sar a prez.te sob meu signal e sello de minbas armas, que
se coniprira tão integram.se como nella se declara, registan
dosse nesta Secretaria sem o qual não valerá ; e pagou de
novos dirt s outo mil reis que ficão carregados ao recebedor
delles Marcos da Costa da Foo.cu em o L.º de sua receyta .
Nuuo Alvres de Miranda a fez nesta Cidade de São Seb ,aux
do Rio de Jav .° aos dezanove dias do mes de Agosto. Anno
do nascion . ' ' do Noso Senhor Jesus christo de mil e sette
centos e hum . o Secretario Joseph Rebello Perdigão a fes
escrever. Artur de Saá o Menezes. -- Lugar do sello --Carta
patente por q . V. S .: fas m ce prover a Carlos Fedrozo da
Sylveyra no Posto de Cap.am Mor da Capit. de N. S. da
Conceição de Itanhará , por tempo de hú anvo como nella se
declara . -- P.* V. S. * Ver.

Provisão de Procurador da Coroa e Fazenda


Real da Capitania de N. S. da Conceição de Itä
nbaem a Carlos Pedroso da Silveira.
( 5 de Setembro de 1705. )
Dom Fido Miz M.as de Lancastro etc. Faço saber aos
q. esta minka Provizão virem que havendo resp.lº estar vago
o off. de procurador da Coroa e fazd ." real da cap." de N:
472 -

S.ra da Conceição de Itanhaen e convir ao seru.° de S. Mag.


que Deos g.' prouerse em pessoa capaz e benemerita em q ."
concorrão as p.tes e suficiencia necessr. p ." exercer o d.ºff .
tendo en respeito a que estes requizitos concorrem em Carlos
Pedrozo da Silur.“ e da bõa informação que tenho do seu
merecimento e esperar delle que em tudo o de que for en
carregado do seru .° de S. Mag. e da arecadação da sua real
faz ." se hauerá m.tº conforme a confiança que faço de sua
pessoa. Hey por bem de o elegere nomear ( como pola
prez. elejo o nomeo ) na serventia do d ." off. de procurador
da coroa e faz." real da V.* de N.“ S."* da Conceição de
Itanhaen por tempo de hu anno se no entanto S. Mag . o
houver assim por bem ou eu não mandar o contr.° e com o
d . off.° houerá o ordenado se otiuere os mais proes e
precalços que dirim'e lhe pertencerem e gozará de todas as
graças privilegios izenções e liberdades que lhe são conce
didas e por esta o hey por metido de posse jurando na se
cretaria deste Gou.° na forma costumada, po' firmeza do que
lhe mandei passar a prez. por my assignada e sellada com
o sello de minhas armas e se cumprirá inteiram.te como nella
se conthem registandose nos L ' da Secretaria deste gouerno
e nos mais a que tocar. M. Dias a fez nesta cidade de São
Sebastiam do Rio de Janr.° em os cinco dias do mez de
Setrº de mil e sete centos e cinco. O Secretario Br.men do
Siq ."" de Oliur." digo Cordovil a fez escreuer. Dom Fr.da
Miz M.as de Lancastro .
26.°

Miguel Telles da Costa . Pouco ou quasi nada con


sta, nos documintos que temos consultado, sobre o periodo
administrativo deste goveruador da Capitania de Itanhaen ;
pois nem na collecção dos papeis dos governadores do Rio
de Janeiro, nem nas chronicas dessa época, nada temos en
contrado. Apepas, no catalogo de Marcelino Pereira Cleto
ha esta laconica noticia :
« Por provisão do dito D. Pedro, regente de Portugal ,
foi da mesma forma confirmado Miguel Telles da Costa, por
ter sido nomeado pelo conde da Ilha do Principe, por pro
visão de 17 de Janeiro de 1701 . Consta do livro que ser
viu na dita Camara ( de Itanhaen ) desde o anno de 1695,
a fls. 33 e 34. Tomou posse no anno de 1702. »
Nas « Notas avulças » de Fr. Gaspar da Madre de Deus,
lemos e seguinte :
« Pindamonhangaba intitulava - se villa aos 22 de Abril
de 1713. Consta de uma Sesmaria concedida por Domin
gos Martins da Guerra, Sargento -Mór da Capitania de Ita
nhaen, procurador geral e Sesmeiro do conde da Ilha do
Principe, a Manoel da Costa Leme e outros a qual se acha
registrada no livro 14°, a fls. 28. Essa villa era somente
freguesia aos 11 de Fevereiro de 1704, segundo consta de
uma. Sesmaria dada por Miguel Telles da Costa, Capitão e
- 473

locotenente da Conceição, pelo conde da Ilha, no mesmo dia


a Domingos Velho Cabral, partindo as terras com seu irmão
Antonio Cabral da Silva .
No Livro 14.° fls. 35. Rodrigo Cezar de Menezes ( * ) a
trata por villa em uma sesmaria dada aos 10 de Janeiro de
1724. Livro 14. • fls. 54. »
O Capitão -mór e Ouvidor, de Itanhaen , Miguel Telles
da Costa, confirmado por essa provisão de D. Pedro, regente
de Portugal, datada de 17 de Janeiro de 1701 , não seguiu a
mesma praxe estabelecida entre seus antecessores, em prestar
obediencia ao Governador do Rio de Janeiro.
Assim é que, ao passar pela Bahia, na sua vinda de
Portugal, foi prestar homenagem de seu cargo , nas mãos do
governador, daquella cidade, em vez de o fazer nas mãos
do governador do Rio de Janeiro, ao qual se achava subor
dinada a Capitania de Itanhaen .
Esse acto irreflectido e pouco cortez do dito Governador
de Itanhaen, provocou acres censuras, da parte do Gover
nador do Rio de Janeiro, D. Alvaro da Silveira de Albu
querque que se julgou desautorado, como se vae ver da carta
por este dirigida a Miguel Telles da Costa em 8 de Outu
bro de 1703.
Nessa carta trata - se tambem da « arrecadação dos quin
tos reaes » e outros negocios de importancia que estavam
sob a jurisdicção da Capitania de Itanhaen.
Eis a carta :

« Carta de D. Alvaro da Silveira de Albuquerque a Mi


guel Telles da Costa sobre a subordinazão deste ao Gover
nador do Rio de Janeira e questões relativas aos quintos do
Ouro 8 de Outubro de 1703.

Vejo o q. V. Me me diz sobre a provisão dos postos da


guerra, e deue V Mee já ter entendido 9 . S Mage q . Ds gº
me mandon declarar q . tão Governador soa deste governo do
Rio de Janrº., como das mais terras annexas da ple do Sul
em q. se comprehende tambem essa em que V Mee assiste,
razão por q. não pode fazer prouimentos alguns, e assim dos
offos, como dos de guerra tocão a este mesmo gouerno o fa
zelo, a quem tudo está subordinado, e por qualquer tempo
q. se proua a confirmação legitima he do d.• Sor, e não a
outra pessôa, não seo do nouo isto, por q. todos os meus an
tecessores assim o executarão, e .. observouce â vista
dos de V M « , e para q. V Mce assim o faça basta decla
rar - lhe eu, sem q. seja necess.° o mandar registar as ordens
e V Me he q. deue mandar as q. tem p. q. se saiba neste
governo o q. ellas contem, e como este negº todo consista

( *) Rodrigo Cezar de Menezes foi Capitão -General de S. Peulo de 1721 a


1727 .
474

na exção., das de S Mag . ha se lhe obedecer, e p sua


obseruancia he q. não deue offerecersse a menor duuida, e â
sua subordinoção de V Me e do cargo q. ocupa pertence
todo a este gouerno, não só por varias ordens q: ha q tal
lam sobre a jurisdição delle, mandando S. Mgº diuidir to
das as terras do Sul da B." p.“ este goueruo mas por q. he
certo q. V Mee não está subordinado a B.“ por nenbu titulo,
e ainda q. se queira valer da homenagê q. lá tomou não
tem fundamº algû este pretexto, pois até os Gou “ g. suce
dem vesta Capitania por auz." dos nomeados por S. Mag .' e
Capitães Mores varios, todos tomam a homenage q . lhe dá o
Goue do Rio de Janr.° por q . se convença q . a 9. V Me
tomou na B." não deuia ser serão nesta Cid. pas mãos do
Gouºr q . nella existisse, e o q. V Mc falla nesta matr." he
totalmt falta de noticia . Porem se V M “ insistir cô teima
neste par procederei contra V Me como me parecer por que.
rer cô dezobed." encontrar as ordens de S. Mag.' a q . " darei
conta da pr." ocazião pela rebeldia com q . V Moe procede
em obedecer ao q. elle manda, e qto á remuneração de q :
V Mce trata não me toca a sua aueriguação e só recomendo
a V Mºc mº a vigilancia das pessoas q . vào p." os Minas,
pois ine consta q. passào milo sem licença minha, e q. deue
nascer de descuidos q . hau - râ , e como por esta razào se des
encaminhão os quintos, e seja do real seru. ° todo o cuid . q.
nisto se puzer quanto mais se augmentar mayor serviço fará
V Mcc a S. Mag“. q. ao q . V M " diz sobre a seguravça dos
quintos, fico cuidando neste nego o meyo mais conveniente
p . " se acodir com o remedio 4 . he precizo, lembrando a
V Mc q. esta pot" q. me dá tambem ine tem chegado por
outra via, e o qtº do ouro se dezencaminha vzurpandose os
quintos a S Mag".
Sobre 0 9 . V Me refere do oiro q . se deu ao ajud ."
nesta ocazião se pode remediar este nego como convinha,
porqiº se hão de procurar pessoas de satisfação p." irem a
essa V.“ o q. será na pr." ocaziùo, e emnqtº não vão guarde
V Nº todo o segredo e dissimule p . a ocaziào q . houuer se
fazer cô a segurancia necess.". Da g . a V M.C. Rio de Ja
ner.º 8 de Outr .° de 1703 .
27. "

Manoel Gonsalves Ferreira . Por provisão da Senhora


D. Catharina, Rainha de Inglaterra, Escocia, Irlanda, Fran
ça e Infanta de Portugal , como Regente de Portugal no im
pedimento do Rei D. Pedro II ( * ) foi Manoel Gonsalves

( ' ) D. Catharina éra filha do Rei D. João IV e irman dos Reis D.


Affonso VI e D. Pedro II . Foi casada com D. Carlos II , Rei da Inglaterra ,
Escócia e Irlanda . D. Catharina guardou depois de viuva, o titulo de Rainha
destes paizes . A inclusão da França no seu titulo de Rainha , diz o autor desta
nota , o sr . Dr Antonio de Toledo Piza, - é uma excrescencia sem justificação :
D. Catharina, voltando a Portugal, foi regente do reino em 1704 a 1705, por
doença de scu irmão D. Pedro II .
- 475

Frreira nomeado Governador da Capitania de Itanhaen . Essa


piitente foi confirmada pelo conde da Ilha do Principe em
prorisão datada de 28 de Março de 1705. Tomou posse na
Carnara de Itanhaen, aos 7 de Janeiro de 1706, conforme
consta, diz o Juiz de Fóra Pereira Cléto, do livro que ser
viu na dita Camara de Itanhaen, desde o anno de 1695 a
fls. 44 e 45 .
Manoel Gonsalves Ferreira como Governador de Itanha
en , em virtude de uma Carta Regia , da mesma Rainha D.
Catharina, ordeuou a creação da Villa de Pindamonhangaba,
que illegalmente gosava desse predicamento, por um acto
nullo, feito pelo Dezembargador João Saraiva de Carvalho,
Ouvidor e Corregedor de S. Paulo, em 1703. ( Vid . « Villa
de Pindamonhangaba. » )
« Patente régia de capitão da Capitania de N.
S. da Conceição de Itanhaen a Manoel Gonçalves
Ferreira. - ( 28 de Março de 1705 ).

D. Catherina por graça de D. * Raynba de Inglaterra


Escocia França e Irlanda Infanta de Portugal como regente
destes Reynos no impedimento de meu Irmão sr. Rey D. P. °
por graça de D.“ Rey de Portugal e dos Alges daquem e
dalem mar em Africa sr. da Guiné, da conq * navegação cr
mercio de Ethiopia arabia percia e da India etc. Faço saber
aos que esta minha carta patente virem que por o Conde da
Ilha do Principe como Donatario da Cappitania de N. Sra da
Conceição de Tinhaem me haver proposto para Cap. " dela
na forma de minhas ordens e nas doações ser sujeita, tendo
considerações aos serviços de Mol Gonçalves Ferreira obrados
por tres annos e meyo acompanbando ao M. de campo D.
Jorge Velho quando veyo dos piraneos a fazer guerra ao
gentio barbaro pelas grandes hostilidades que fazião aos mo
radores em q. se derrotarão as nações dos.... e tacurus e
outras mais , ocupando o posto de ajudante do cap. Mel
Alvis Carneiro sem dispendio algum de minha fazenda o
que.... nas ocaziões que se lhe ordenarão e paçando ao Ma
ranhào em comp:“ de sua escolta de soldados e Indirs que
vierão ao descobrimtº do caminho do Brazil , ser provido pelo
Govor do d.º Estado do Maranhão no posto de cap. " de tropa
que tornou a mandar ao mesmo descobrimtº no ano de 684
em que se gastarão quatro mezes padecendo as inclemencias
do tempo com grande ..... fazendo grande falta as suas Fa
zendas, em 695 tornar por ordem do govor gal D. João de
Lancastro ao mesmo efeito para esplorar outro caminho mais
breve o que fez abrindo outro caminho e rompendo matos
fazendo acento de toda a jornada, e o roteiro ..... ja tendo
nella quinze mezes por ter mais da 300 leguis com gde risco
em ..... dos Rios que se paçavão é gentio barbaro que ha
bitava aquelles sertões e por esperar delle que da me:ma ma
476

neira se havera daqui em diante eu tudo o de que for en


carregado do meu serviço conforme a confiança que faço de
sua peçoa. Hey por bem e me praz de o nomear e prover,
( como pela prezte o provo e noineyo ) Cap." da dita Capi
tania de N. S. da Conceição de Tinhaem para que sirva o
dito cargo por tempo de tres annos, asim e da mesma ma
neira que o fizerão seus antecessores, com o que haverá o
ordenado que lhe tocar e gozará de todas as honras previ
legios liberdades, ezencões e franquezas que em rezão do
dito posto lhe pertencerem pelo que mando ao meu Gover
nador e Cap .. Gal do Estado do Brazil lhe faça dar poce
do dito posto, e lho deiche servir e exercitar pelo dito tempo
de tres annos na forma das doações do dito Donatario e o
dito Mel Gonzalves Ferreira jurará em minha chancelaria
na forma costumada de que se fará asento nas costas desta
carta patente, q . por firmeza de tudo lhe mandei paçar por
mim assignada e selada com o selo gde de minhas Armas
e pagou de novo direito vinte mil reis que se carregarão
ao Thezr.° Fran“ Sarm " Pita 'a f. 28, cujo cophecimo
em forma se registou no registo gal a f. 225 e antes que
o dito Mel Gonçalves Ferreira entre na dita capitania me
fará por ella preito e omenagem nas mãos do dito meu Govor
Gºl do Estado do Brazil segundo uzo e costume destes Rei
nos de que apresentará certidão do Secretariodaquelle estado.
Dada na cide de Lix.* aos 28 dias do mez de Março. Ma
noel Gomes da Silva a fez . Anno do nascimento de posso
sr. Jesus Christo de 1705. O Secretario Andre Lopes de
Laure a fiz escrever. Raynha – Cumprace como S. Mage
q . D. Guarde manda e Registese nos ).ºs a que tocar. Rio
7 de Janeiro de 1706. – D. Fernando Miz M ** de Lancastro .
280

Miguel Telles da Costa . Manoel Gonsalves Ferreira


nomeado, por essa « Patente regia » de 28 de Março de 1705,
para o cargo de governador da Capitania de Itanhaen, par
ece--uos que não tomou posse, porque, em seu lugar, foi
nomeado nessa mesma época, Miguel Telles da Costa, que,
depois de empossado do cargo retirou -se da séde da Capi
tania, sem a competente licença do Governador Geral, 'D.
Fernando de Lancastre, sendo, por esse acto de desobediencia,
destituido do respectivo cargo, e nomeado novamente Carlos
Pedroso da Silveira, em 5 de Outubro de 1705.
29. •

Carlos Pedroso da Silveira ( reeleito )

« Patente de capitão -mór da Capitania de N. S.


da Conceição de Itanhaen a Carlos Pedroso da Sil
veira. – ( 5 de Outubro de 1705 ).
477

« Dom Frdo Miz Mos de Lancaustro etc. Faço saber aos


que esta minha Carta Patente virem que havendo respeito a
estar vago o posto de Cap.m Mór da Cap." da Conceição de
Itanhaen de que he donatario o Conde da Ilha do Principe
por se ter auzentado Miguel Telles da Costa que o exercia
p . as Minas sem ordem minha e convir ao seru .° de S. Mag.
q. D. g. q. esto se prova em pessoa de calid . suficiencia e
merecimentos tendo eu respeito a q. todos estes requizitos con
correm na pessoa de Carlos Pedrozo da Silur.* por hauer já
seruido este mesmo Posto com bom procedimento, e zello do sru."
de S. Mage e juntamte hauer ocupado o cargo de ouvidor da
d." cap.a
a de nossa Sor a da Conceição de Itanhaem por espaço
de seis mezes e depois ser provido no posto de Sargtº Mór da
ordenança da Via de Taubaté por provimento do Cap ." Mór
Martim Garcia Lumbria que exercitou no descurso de dous
annos com grande satisfação, e seruir tàbem o cargo de prouedor
da officina real da d.a V.a de Taubaté dez annos com notauel
zello e trabalho pondo por varias vezes em perigo a sua vida
por obrigar aquellas pessoas que não querião quintar o ouro q .
pertencia aos reaes quintos vindo daqlı Villa a esta Cid. varias
vezes com amostras do ouro das novas Minas dos Catagoa
zes e em sua dellas a conduzir tres arrobas e quatorze arrates
de ouro que pertencião a S. Mag. sem nesta condução e
viagem fazer despeza algua a faz.a real e tendo noticia ha
uia pessoa q. fazia cunhos falços p.a os por no ouro dando
conta ao Gou." que foi destas Cap.as Artur de Sáa e Men's
The mandou tirar devaça o q . fez com todo o cuidado e dilig:*
e por esperar da d . Carlos Pedrozo da Silur.a que da mesma
maneira se hauerá daquy em diante conforme a confiança q.
faço de sua pessoa. Hey por bem de o eleger e nomear como
pl. prez. elejo e nomeo Capım Mór d.a Capitania de N. S.
da Conceição de Itanhaem o qual posto poderá exercitar em
qualquer villa da d.a cap.a onde chegar sem que tenha hauido
sercunstancias de hauer tomado posse na d.a V.a N. S. da
Conceição por convir assim ao seru.° de S. Mag. emqtº a d.º
Sr. o houver assim por bem ou eu não maudar o contrario, e
com o tal Posto hauerá o soldo que lhe tocar e gozará de
todas as honras Privilegios prehiminencias yzenções e liber
dades q . em rezão delle The tocarem. Pelo que mando a todos
os off.'s de Guerra e Justiça da d.a Cap.a lhe obedeção cum
prão e guardem as suas ordens tão pontual e int.ºm como
devem e são obrigos e por esta hey por metido de posse do
d.° posto jurando na secretaria deste Gou.or na forma costu
mada de que se fará assento nas costas desta e fará preito
e homenagem nas minhas mãos como he uzo e costume que
por firmeza de tudo lhe mandei passar a prez. por my as
signada e sellada com o sineta de minhas Armas a q . se
cumprirá int “ in.te como nella se contem e se registará nos
L.ºs da Secretaria deste Gou.ºr e nos mais a que tocar. Dada
nesta cid . São Sebastiam do rio de Janr. ° em os cinco dias
do mez de Outubro. M.el Dias a fez anno de mil e sete centos
478

e ciuco. O Sec. Br.meu de Siq." Cordauil a fez escrever. –


Dom Fr. Miz M. Lancastro.
30. °

João Pimenta de Carvalho e outros. Nos fragmeutos


puidos e indecifraveis dos papeis que restam do Archivo de
Itanhaen, le-se vagamente o nome deste Capitão João Pi
menta de Carvalho e mesmo de outros : Diogo Arias de Arau
jo, Diogo M. da Gerra, Felippe de Carvalho cujos nomes não
ousamos inserir nesta relação, por não termos absoluta certeza,
nem das respectivas nomeações , nem do tempo em que occupa
ram esse cargo .
Damos entretanto , o vome de João Pimenta de Car
valho por que estamos certo que serviu nesta época.
31.º

Francisco Cordeiro de Carvalho. Nos nossos primeiros


apontamentos para a < Relação dos Capitães -móres da Capi
tania de Itanhaen » , figurava o nome de Francisco Cordeiro
de Carvalho, como tendo servido no referido cargo de Capitão
mór no fim do seculo XVII , porém , não conseguimos saber, ao
certo , o anno em que elle foi provido e tomou posse, nessa
ёроса ..
Ao terminar esta < Relação > tivemos a satisfação de
receber ainda do nosso illustre consocio, Dr. Alfredo de To
ledo, digno vice - presidente do Instituto Historico e Geogra
phico de S. Paulo, o « Termo de Homenagem » , extrahido
do Archivo Publico Nacional, que passamos a transcrever :
Termo de homenagem que tomou o Capitão -Mór da Ca
pitania de Nossa Senhora da Conceição de Tinha
em , Francisco Cordeiro, nas mãos do Governador
desta Praça do Rio de Janeiro. ( 1720 )
« Aos oito dias do mez de Outubro de mil setecentos e
vinte, nesta Cidade de São Sebastião do Rio de Janeiro, nas
cazas em que assiste Ayres de Saldanha de Albuquerque
Couttioho Mattos e Noronha, Governador e Capitão General
desta Capitania, eu , Francisco Cordeiro, ora provido por pa
tente de S. Magestade que Deus guarde no posto de Capitão
Mór da Capitania de Nossa Senhora da Conceição de Ti
nhaem , faço preito e homenagem , a sua Magestade que Deus
guarde, nas mãos de V. S. “, pelo Governo da Capitania de
Tinhaem, a qual governarei e guardarei bem e fielmente, e
nella reconhecerei ao dito Senhor, no alto e no baixo ; de
dia e de noite ; a pé ou a Cavallo ; a qualquer hora e tempo
que seja ; irado ... ( ? ) ou ... pagado ( ? ) ; com pousos, ou
com muitos, – vindo em seu livre poder, e, nella farei guerra
e manterei tregóa e paz, segundo por sua Magestade me för
- 479

ordenado ; e a dita Capitania não entregarei a pessoa alga


ma de qualquer - Estado, Grao e dignidade ou preheminen
cia que seja, senão a S. Magestade, como meu Rei e Senhor
natural , ou a certo recado do mesmo Senhor. logo sem de
longa, arte ou cautella, e tanto que me for dada carta as
signada por sua Magestade, pela qual conste haverme levan- ,
tado e desobrigado deste dito preito e hom nagcm que hora
faço, ao mesmo Senhor, nas mãos de V. S." uma, duas e
trez vezes, conforme o usn e costumes de Seus Reinos ; e
assim juro aos Santos Evangelhos, prometto e me obrigo a
cumpril - o inteiramente.
Relativamente a este capitão-governador de Itanhaen
diz ainda o Dr. Ermelino de Leão :
« O_ultimo governador de Itaphaen de que temos noti
cia foi Francisco Cordeiro de Carvalho, que a 8 de Outubro
de 1720, prestou preito e homenagem pela Capitania de N.
S. da Conceição de « Tinhaem » perante o governador e
capitão general do Rio de Janeiro , Ayres Salda , ha de Al
buquerque Coutinho Mattos e Noronha, tendo sido provido
por patente regia de 7 de Abril de 1720.
Pouco depois, Raphael Pires Pardinho, ouvidor de S.
Paulo, dava ás villas do sul da Capitavia nova organisação
mais liberal de sorte que os capitães -móres perderam o di
latado mando que exercitavam , tornaudo - se meros comman
dantes das ordenanças das villas.
A Capitania foi, então, incorporada ao governo de S.
Paulo ; e com as novas descobertas das Minas Geraes e de
Cuyabá perdeu a antiga prepoderancia que exercera no tempo
dos donatarios. ( * )
Itanhaen , porém , já tinha cumprido a sua missão histo
rica de desalojar os hespanhóes de Iguape e de dilatar o
dominio portuguez ao sul do Brazil. Ao Paraná, mais do
que o lustro de governo. ella doou 0 vinculo de sangue.
Foram os itanhaenses Rodrigues Sid , Pinas, Luiz, Dias de
Moura , Antunes , os primeiros povoadores e conquistadores
dos campos de Curytiba, tornando - se alguns em patriarcas
dessa população que hoje se estende do Itararé ao Uruguay
e do Atlantico ao Rio Paraná . »
Não sabemos ao certo qual o tempo que durou a admi
uistração, no Governo da Capitania de Itanhaen , do Go
vernador Francisco Cordeiro de Carvalho. O que podemos
afirmar, com documentos, é que este governador não foi e
nem podia ser o ultiino que administrou o governo da Ca
pitania de Itanhaeo, pois foi substituido em 1721 por Anto
nio Caetano Pinto Coelho, como se vae vêr.

( ' ) Ver o Capitulo que trata da « Quarta Phase do Litigio » entre as Ca


pitanias de Itanhan e São Paulo .
480

Antonio Caetano Pinto Coelho. — Nos papeis avulsos que


fazem parte da correspondencia do Capitão General de S.
Paulo - Rodrigo Cezar de Menezes, durante o periode de
1721 a 1728, publidados pelo dr. Antonio de Toledo Piza
( vol . XXXII ), encontra -se este documento :
« Sobre destituir dos postos alguns nomeados pelo Ca
pitão -Mór de Tinbaen :
« Sr. : Logo dei execução ao qne V. Magestade for ser
vido mandar -me fizesse sobre se dar baixa aos postos que
havia provido Antonio Caetano Pinto Coelho, Capitão -Mór da
Capitania de Nossa Senhora da Conceição de Tinhaen, de
que he donatario o Conde da Ilha. e participei as Camaras
da resolução que V. Magestade foi servido tomar neste par
ticular para assim o terem entendido.
Deus Guarde a Real pessoa de V. Magestade. São
Paulo, 8 de Setembro de 1721. Rodrigo Cezar de Menezes > .

Considerações sobre os ultimos Capitães -Móres de Itanhaen ,


desde 172i até 1771 que foi a época em que deixou ,
legalmente, de existir a Capitania de Itanhaen .
As luctas com os governadores da Capitania de Itanhaen
já haviam tido inicio, em 1703, com as pequevas questões
entre o Governador do Rio de Janeiro e o Capitão-Gover
nador de Itanhaen Miguel Telles da Costa e outros. Agora
recomeção as mesmas questões, com novas hostilidades, por
parte dos Capitães -Generaes de S. Paulo, a proposito da ju
risdição entre as duas Capitanias S. Paulo e Itanhaen . ( * )
A Capitania de S. Vicente, que após a « segunda
Phase do Litigio » , comɔ ce verá na parte desta Memoria
que trata desse assumpto, nada mais éra que a Capitania de
Santo Amaro cujos limites no littoral não iam além da barra
do Juqueriquerê, e ao Sul , nio passava da barra de São
Vicente. – foi, como é hom sabido, vendida á Corôa em 1711 ,
pelo seu donatario o Marquez de Cascaes.
Nessa compra não estava comprehendida, ( é preciso que
se note ) a Capitania de Itanhaen, a qual ficou ainda sob o
dominio de seus donataries, os descendentes dos Condes da
Ilha do Principe, que se mantiveram na possse de sua Ca
pitania, não até o anno de 1753, ou 1754 conforme escrevem
os historiadores, mas sim até 1771, que foi quando o go
verno da metropole, no reinado de D. Maria 1. anexou essa
dovataria a Corôa, « mediante uma equivalencia » , conforme
diz Fr. Gaspar no fim do seu livro « Memorias para a Ca
pitania de S. Vicente » .

(*) Vide « Quarta Phase do .Litigio , onde vem detalhadamente explicado o


conilicto de jurisdição entre as duas ultimas Capitanias Parochistas.
481

Quaes foram, pois, os Capitães -móres Governadores de Ita


nhaen, nesse periodo, a partir da época em que deixou de
exercer esse mandato o Capitão -mór Antonio Caetano Pinto
Coelho , até o anno 1791 em que a Villa de Itanhaen foi
despojada desse titulo de Cabeça de Capitania ; e quaes foram
ainda os Capitães -móres, da uliima época , que exerceram esse
cargo desde o fim do seculo XVIII até 1819 ? E o que
nos falta investigar .
O que está provado evidentemente é que a Capitania
de Itanhaen , não tendo sido annexada a Corôa, nessa compra
feita ao Marqu.:z de Cascaes, em 1711 , continuou na posse
dos seus donatarios até 1771 , com o mesmo systema de go
verno, independente das demais Capitanias, como se vê por
esse documento do Archivo de S. Paulo, em 1721 , época em
que já não existia a Capitania de S. Vicente, cuja séde e
titulo haviam sido mudados para « S. Paulo » . Os governa
dores de Itanhaen continuaram a prestar obediencia ao Go
verno do Rio de Janeiro, mas não aos Capitães-Governado
res de São Paulo, como adiante se explicará.
Em 1819 , D. João VI, por carta patente de 13 de Maio
desse anno , erigio a Villa de Itaphaen, Antiga Capitania dos
herdeiros de Mortim Affonso, em baronia , a favor de Manoel
de Andrade Souto-Maior, o qual foi mais tarde, no primeiro
Imperio, condecorado com o titulo de « Marquez de Itanhaen » .
Manoel de Andrade Souto- Maior que foi mais tarde tutor
do jovem Imperador D. Pedro 2.º, éra , como se verá na nota
que vai no fim deste capitulo, descendente do Capitão An
tonio Barbosa de Soutto -Maior que tão notavel se tornou
como Governador da Capitania dj Itanhaem , desde 1660 em
diante. ( Vid . este nome ).
O Governador de Itanhaen Antonio Caetano Pinto Coelho,
ultimo desta série, que estamos tratando, era igualmente um
dos descendentes d'essa nobre estirpe -- Soutto-Maior, con
forme verificamos do K Registro Geral da Camara de São
Paulo » .
O ultimo Capitão - Mór ( da terceira época ) que exerceu
esse posto desde 1819, até a época da Independencia, foi o
Capitão Antonio Gonsalves Neves que havia substituido ao
Capitão Gaspar Gonsalves de Aguiar. ( * )
Estes ultimos Capitães -móres de Itanhaen, ( da ultima
época ), em que a ville havia attingido ao ultimo grao de
decadencia, tinham jurisdição muito restricta, que apenas
abrangia o municipio, e este mesmo muito reduzido pela
creação, não só dos municipios do planalto da cordilheira
Paranapiacaba, que lhe são hoje limitrophes, como pela inva
são, na zona occidental, por parte do municipio de Iguape,
como vai explicado no capitulo que se refere a este as
sumpto .

“) No pequeno museo do Gabinete de Leitura de Itanhaen , conservam-se


as insignias destes dois ultimos Capitães-Móres .
482

O estado deploravel , pelo abandono e pela destruição ,.


quasi completa, a que ficou reduzido o velho archivo da Ca
mara de Itanhaen, após o anno de 1771 em que foi destituida
essa villa da prerogativa de « Cabeça de Capitania » , não
nos permitte rebuscar dados positivos que nos demonstrem
quaes foram os ultimos governadores , nesse largo periodo,
depois da administração de Antonio Caetano Pinto Coelho,
o qual, segundo esses dados do Archivo Publico de S. Paulo ,
parece ter sido o substituto de Francisco Cordeiro de Car
valho. Segundo os documentos da Camara de Paranaguá e
Curityba esse Governador foi empossado, como Governador
de Itanhaen e prestou preito de homenagem , perante o Go
vernador do Rio de Janeiro, em 8 de Outubro de 1720.
Segundo se deprehende de outros documentos já citados
- Francisco Cordeiro de Carvalho, foi DO anno seguinte ,
substituido por Antonio Caetano Pinto Coelho.
Já demonstramos e lastimamos , em outra parte desta
Chronica, o estado de ruina deploravel a que ficou reduzido
o velho archivo de Itanhaen , que além do Juiz de Fóra ,
Marcolivo Pereira Cléto, parece não ter sido consultado por
outros escriptores e chronistas coevos, como já tivemos occa
sião de notar, lamentando esse descuido imperdoavel , por
parte de historiadores e chronistas. Tudo ali se perdeu, de
vido a esse despreso e a pouca ou nenhuma importancia que
se ligou a esse archivo, mesmo por parte do Governo de São
Paulo, que deveria ter mandado recolher, ao Archivo Publico,
todos esses docuinentos da Capitania de Itanhaen , « a maior,
e a mais importante dos Estados do Brasil » como bem diz o
historiador paranaense.
No Archivo Publico de S. Paulo, como é sabido, só
existem papeis referentes a Capitania de São Vicente, São
Paulo e Minas, e quasi nada consta sobre os annaes da Ca
pitania de Itanhaen, como já explicamos. E' por esse facto ,
ou por esse descuido imperdoavel, que a Capitania de Ita
phaen tem sido, até hoje , excluida da Historia de S. Paulo,
e mesmo contestada sua existencia por alguos escriptores .
que nunca puderam tomar a serio esse titulo com que pre
tendia adornar - se a pobre, vetusta e esquecida villa de Ita
nhaen .
E como não ser assim ? Se os chronistas, historiadores,
bem como os fazedores de almanacks e memorias, vascullendo
e copiando esses papeis do Archivo de S. Paulo, que para
elles era a unica fonte historica , incontestavel e digna de fé,
pada encontraram sobre a illegal e pretenciosa capitania de
Itanhaen ...
Felizmente para nós, e para todos aquelles que verda
deiramente se interessam por estas cousas do passado, ahi
estão, como que a resurgirem , triumpbautes, das ruinas e
do pó dos velhos archivos de Iguape, P - ranaguá, Curytiba
e de todos os das antigas villas da Capitania de Itanhaen ,des
de Cabo - frio até Taubaté, e desde Sorocaba até Corytiba esses
483

documentos que vem nos provar, já não diremos a existencia


legal dessa Capitavia , mas a sua importancia nesse cyclo<<

aureo » que, se não foi tão propicio e util para o nosso paiz,
pelas riquezas das suas minas, cujo producto bem pouco se
aproveitou em nosso paiz, — foi, entretanto, de grande proveito
e alcance nas penetrações do continente e na espansão territo
rial que se fizeram ao sul e ao norte do Brazil, cujo inicio
incontestavel, cabe gloriosamente a esses intrepidos paulistas e
filhos da metropole que, obedecendo ao mando e a gestão dos
governadores de Itanhaen , levaram a conquista do dominio
Portuguez até as cochillas do Rio Grande do Sul, e depois,
em Minas, até as proximidades de Goiaz; e ainda além , até
os invios sertões das Capitanias do Norte. Si a humilde e
pobre villa de Itanhaen por falta de documentos, devido ao
estado precario e ruidoso de seus archivos, devastado pelo
tempo e poido pelas traças , não poder revindicar a importan
cia e as prerogativas que gosou, nesse periodo tão importante
de nossa historia colonial, devido a incuria e negligencia dos
historiadores, como já demostramos, ahi estào hoje para lhe
fazerem justiça e revindicarem os seus direitos, não só os
documentos de suas antigas villas, já citadas, mas os pro
prios aupaes da cidade do Rio de Janeiro, nas « Chronicas
de Mousephor Pizarro » e pas « collecções » dos papeis dos
governadores da mesma cidade do Rio, que em tão hoa hora
pos vem as mãos devido aos nobres exforços do sr. Dr. Ba
silio de Magalhães e do illustre vice - presidente do Instituto
Historico de S. Paulo o Sr. Dr. Alfredo de Toledo, que tanto
nos tein auxiliado nesta difficil e ingrata tarefa a que nos
propuzenos , de organizar a lista dos Goveruadores da Ca
pitania de Itanhaen .
Ainda algumas referencias a este ultimo Governador da
Capitania de Itanhaen. Antonio Caetano Pinto Coelho .
Foi de 1721 em diante, durante o governo do Capitão
General Rodrigo Cesar de Menezes, como se verá na parte
que se refere ao conflicto de jurisdicção entre as Capitanias
de São Paulo e Itanhaen que, por uma falsa interpretação
ou por um requinte de malicia e perversidade contra os di
reitos dos condes da Ilha do Principe, donatarios legitimos
da Capitania de Itaphaen , se iniciou essa campanha odiosa
contra os lóco te entes dos herdeiros da dovataria de Martim ,
Affonso de Sousa .
O proprio rei D. João V, bavia em 1709, por uma carta
regia, confirmado a doação das « cem legors de costa »
todo o sentào correspondente, concedidas a Martin Affonso
de Souza, + m 1534 por D. João III. N'essa confirmação feita
a D. Antonio Carneiro de Souza, conde da Ilha do Principe,
donatario da Capitania de Itanhaen lhe são autorgados pelo dito
rei D. João V ir dics os poderes « icra que os logre e possua,
por successão, com todas as jurisdicções, derrogação e prohe
minencias etc. conforme as teve - logrou e possuiu seu Pai 1).
Francisco Luiz Carneiro, conde que foi da Ilha do Principe ».
484

Esses governadores de Itanhaen tinham , como se vê pelos


documentos que se referem ao governador Carlos Pedroso da
Silveira, pleno direito, em toda essa jurisdicção, de nomear
as respectivas autoridades inclusive a de Ouvidor da Cap
tania , quando esse cargo não podia ser accumulado pelo pro
prio Capitão Governador, como ás vezes succedia .
Entretanto e nào obstante essa carta de confirmação , o
dito Capitão -General de São Paulo se julgava com poderes
não só de invadir a jurisdicção da Capitania de Itanhaen e
dar baixa ás autoridades nomeadas pelos lóco - tenentes do
Conde da Ilha, como de exonerar esse governador de Ita
nhaen Antonio Caetano Pinto Coelho .
Vamos vêr o que, sobre taes arbitrariedades, diz o his
toriador Pedro Taques, na sua Historia da Capitania de S.
Vicente, quando se refere a este periodo do litigio .
« Por isso, diz Pedro Taques , enviando o donatario Conde
da Ilha do Principe, por seu Capitão- Mór lócotenente a An
tonio Caetano Pinto Coelho, fidalgo da casa de S. Magestade,
com patente d'elrei D. João V , datada de 17 de Março de
1717 , e passando, este Capitão, as villas de Taubaté , Pin
damonhangaba e Guaratinguetá para cobrar os direitos e
redizimas que se diviam ao conde donatario, recorreram Os
officiaes camaristas destas villas ao Governador e Capitão
General , D. Pedro de Almeida, Conde de Assumar, o qual
deu conta a Sua Magestade sobre esta materia de redizima,
informando em seu parecer que melhor éra haver compo
sição com o conde donatario, e esta conta foi dada no

1.° de Abril de 1720, que se hade achar na Secretaria do


Ultramar , no maço de papeis deste anno etc.
Rodrigo Cezar de Menezes, que succedeu ao conde de
Assumar, mandou por ordem de 22 de Outubro de 1721 , sus
pender de Capitao -mór o dito Antonio Caetano Pinto Coelho,
pela errada intelligencia de que o senhorio das terras do
conde da Ilha do Principe ( donatario da Capitania de Ita
nhaen ) tinham já pass do 2 Corôa pela compra feita ao Mar-
quez de Cascaes, o que melhor se vê da mesma carta registrada
na Camara da villa de Taubaté, no livro de registro n. 17 pg.
13 . De então até o presente 1772 - não consta que hou
vesse movimento algum de donatario interessado na sua Ca
pitania , do conde da Ilha, das cem leguas concedidas de
juro e herdade a Martim Affonso de Sousa. »
Este trecho final da obra de Pedro Taques embóra um
tanto confusa, confirma bem o deploravel estado em que se
achava essa douataria de Martim Affouso, até 0 anno de
1772 , devido as injustiças praticadas contra os seus donata
rios e locotenentes .
Prova -nos tambem , esses documentos citados pelo dito
autor, que o Capitão Antonio Caetano Pinto Coelho, sus
penso do seu cargo em 22 de Outubro de 1721 , por essa or
dem arbitraria de Rodrigo Cezar de Menezes, estava exer
485

cendo esse mandato de Governador de Itanhaen , l'or patente


d'El Rei D. João V. datada de 17 de Março de 1717.
Dados geneals.gicos de Antonio Caetano Pinto Coelho
Antonio Caetano Pinto Coelho de Soutto Maior, Capitão
Governador da Capitania de Nossa Sevhora da Conceição de
Itapbaen ér: moço fidalgo da casa del rei D. João V, Se
nhor de Filgueira e Vieiro. Casou na cidade do Rio de Ja
neiro com D. Maria Josepba de Azevedo Coutinbo, irmà de
Clemente Pereira de Azevedo Coutinho, Senhor de Itaúna
e Guaxiribiba. E'ra neto , por parte materna de D. Pedro
Taveira de Soutto - Maior, fidalgo da casa real , commendador
da Ordem de Christo , o qual foi pai de sua mai D. Maria
de Castro Silva, casada com Francisco Pinto da Cunha, tam
bem fidalgo da casa de D. Pedro II .
Este Francisco Pinto da Cunha, pai de Antonio Caetano
Pinto Coelho de Soutto -Maior, governador de Itaphaen , éra
filho de Antonio Pinto Coelho de Soutto- Maior, moço fidalgo,
conforme consta do registro de um alvará passado por D.
Pedro II, rei de Portugal, a 24 de Novembro de 1696. ( Re
gistro Geral da Camara de S. Paulo ).
Antonio Caetano Pinto Coelho de Souito-Maior era
irmão de Luiz Pinto Coelho de Soutto - Maior, fidalgo da
casa de D. João V, com , se vê por esse citado « alvara », e
de Frei Francisco de Sào José, religioso carmelita em São
Paulo , conforine se verifica de um processo existente do Ar
chivo Publico de S. Paulo .
Do seu Casamento com D. Maria Josepha de Azevedo
Coutinho, teve o Capitão Antonio Caetano Pinto Coelho de
Soutto -Maior dois filhos : Luiz José Pinto Coelho de Soutto
Maior, que foi Coronel do Regimento Auxiliar, nas minas
de Pitanguy, então pertecente a Capitania de Minas Geraes,
o ' qual casou com D. Antonia Joanna de Moraes Castro -
e João Manoel Pinto Coelho Coutinho , que foi Capitão- mór
da campanha e Itendente das Minas do Rio Verde. " Falleceu
em 1808, tendo deixado seis mil cruzados ao rei D. João VI .
( Rev. do A'chivo Mineiro ).
O Coronel Luiz José Pinto Coelho, 1.º filho do Capitão
Governador de Itanhaen , já citado , que casou com D. An
tonia Joanna de Miranda Costa , teve deste matrimonio os
filhos seguintes :
1.° -- Antı nio Caetano Pinto Coelho da Cunha, que
foi Brigadeiro e Membro do Governo Provisorio de Minas
Geraes, em 1821 , e casou com D. Appa Casimira Furtado
de Mendonça ( irmà de D. Marianna Manoela Furtado de
Mendonça ). – E'ra capitão -mor, minerador de curo em

Côcaes. Estes foram os progenitores de José Feliciano Pinto


Coelho da Cuba, barão de Cocaes , presidente de Minas
Gerars ( Silva Leme. « Hortas » , vol . IV, pag. 341 ) consi
derado rebelde ; na revolução de 1842 ; e de D. Maria
486

Carolina Pinto Coelho, casada com seu primo - o desembar.


gador Francisco de Lemos de Azevedo Coutinho, pai do
Conde de Algizur, morgado de Marapicú , Gentilhomem da
camara do Imperador D. Pedro II , ultimo morgado brasileiro
1819-1908 .
2." – Felicio Muniz Pinto Coelho da Cunha, coronel e
Capitão -mór de Caeté, minerador de ouro em Côcaes , no
lugar denominado Cachoeirinha - casado com D. Marianna
Manoela Furtado de Mendonça, que fôram os paes de Felicio
Muuiz Pinto Coelho da Cunha e Mendonça primeiro marido
da celebre Marqueza de Santos, ( * ) 1788-1833.
3.• - D. Antonia Joaquina Luiza de Athayde Portugal ,
casada a 30 de Novembro de 1780 com seu primo o Briga
deiro Ignacio de Andrada Soutto - Maior, morgado de Matto
Grosso, commendador da Ordem de Christo. Estes foram os
paes de Manoel Ignacio de Andrade Soutto- Maior Pinto
Coelho, marquez de Itanhaen, Senador por Minas Geraes
em 1844 e tutor do Imperador D. Pedro II . Falleceu em
1867. (Os dados biographicos do Marquez de Itanhaen fa
zem parte de um outro capitulo ).
Foi na adıninistração de Antonio Caetano Pinto Coelho,
successor de Francisco Cordeiro, que se suscitou o conflicto
de jurisdicção entre as Capitanias de S. Paulo e de Itaphaen ,
como se verá .

( * ) D. Domitilla de Castro Canto e Mello, que foi depois « marqueza de


Santos » , requereu divorcio do seu casamento com Felicio Muniz P. Coelho e
Mendonça, obtendo sentença de separação de corpos e bens ; só mais tarde , de .
vido as relações de – teúda e manteúda --- com o imperador D. Pedro I é que
foi agraciada com o titulo de « viscondessa e Marqueza de Santos » .
D. Domitilla éra natural de S. Paulo filha de João de Castro Canto e Mello,
( 1.0 Visconde de Castro ) e casou mais tarde, em 2.** nupcias, com o Brigadeiro
Raphael Tobias de Aguiar, celebre na revolução de 1842 .
Grande parte destas
notas para a genealogia do Governador de Itanhaen Antonio Caetano Pinto
Coelho de Soutto -Maior, nos foram obsequiosamente fornecidas pelo nosso amigo
e consocio Dr , Affonso de E. Taunay .
CAPITANIA DE ITANHAEN

Os Donatarios das Capitanias de São


Vicente, Santo Amaro e Itanhaen

DADOS BIOGRAPHICOS E NOTAS


1

Martim Affonso de Souza

Retrato que acompanhaſa biographia deste 1.° dona


tario , publicada em 1845 pelo historiador
Varnhagem no jornal litterario Ostensor Brasileiro »
BRAZÃO D'ARMAS DE MARTIM AFFONSO DE SOUZA
ESCUDO : - FUNDO DE PRATA ESDUARTELLADO No 1 : 4 :
QUARTEL AS QUINAS PORTUGUEZAS , SEM A ORLADURA DOS CASO
TELLOS . No 2 ! [ 3 : QUARTEL O LEÃO ROMPENTE DE CASTEL
LA , DE GOLES , ARMADO DE BLAU .
ELMO: - DE PRTA , TENDO POR TIMBRE O LEÃO DAS ARMAS
COM UMA GRINALDA FLORIDA DE VERDE ( CINOPLA )
Biographia de Martim Affonso de Sousa

« Tanto em armas illustre em toda parte ,


Quanto em conselho sabio, e bem cuidado » .
Camões , Luz ., X, 67.
Martim , Affonso de Sousa, primeiro donatario da capi
tania de Sao Vicente no Brazil , foi o primogenito do alcaide
mór de Bragança Lopo de Sousa, de mui nobre e alta
linhagem , e de sua mulher Đ . Brites de Albuquerque. Era
ainda moço quando deu huma prova de desinteresse e pro
penção ás armas. Tendo seu pai feito hospedagem ao cas
telhano Gonçalo Fernandes y Cordova ordenou, á saída deste
graude capitão, que seu filho, para lhe fazer honra e cortejo
o foese acompanhar por algumas jornadas : a despedida , que
rendo este fidalgo deixar - lhe hum penhor do seu recouhe
cimento , o joven Martim Affonso preferiu a hum precioso
collar, de muito mais valia, que lhe offerecia, uma espada
que toda a vida estimou e usou .
Passou a mocidade na côrte do Duque de Bragança D.
Theodosio, e querendo este dar - lhe a alcaidaria de Bragança,
por morte de seu pai, engeitou - a, indo para pagem do prin
cipe D. João : e daqui « por certo motivo de pundonor » se
ausentou e se foi a Salamanca, donde, enamorado de huma
nobre castelhana ( com quem veio a casar ) por nome D.
Anna Pimentel, que como dama acouipanhou a rainha D.
Catharina em 1525, voltou a Lisboa, quando já reinava o seu
antigo amo.
Talvez esta alliança , junta á estima que tinha do seu
primo D. Antonio de Ataide, conde da Castanheira, e valido
de El-Rei, e mais que tudo ás suas bôas e eminentes qua
lidades, motivaram o ser tratado com grande estimação na
Côrte de El- Rei D. João III , que o fez do seu conselho .
Bem sabido he como até estes tempos as cousas do
Oriente tinham attrahido todo o cuidado : e a Terra por
Cabral chamada de Vera Cruz, depois de reconhecida e de
marcada, apenas servia de ser frequentada pelos contracta
dores de páu Brazil . Os castelhanos aportavam sli indevi
danientente, e para o mesmo fim , os francezes faziam temiveis
piratarias e hostilidades. Foi então que , havida a noticia
das explorações de Gaboto e Dingo Garcia no Rio da Prata ,
El-Rei D. João III, resolvido a tomar inteira posse deste, a
492

colonizar a terra, e fazer respeitar o seu pendão por aquelles


mares, aprestou huma armada de cinco velas, levando 400
homeus, e nomeou Martim Affonso com grandes poderes para
commandar no mar e depois em terra.
Partiu a armada, de Lisboa a 3 de Dezembro de 1530,
e com prospera navegação foi aportar ás Canarias e Ilhas de
Cabo Verde ; e chegado á altura do Cabo de S. Agostinho,
onde foram aprisionadas tres náus francezas ; entrou em Per
nambuco com sua esquadra já de oito navios. Daqui enviou
João dedoSousa a Portugal em huma das náus aprezadas
acontecido ; fez queimar
dar
parte a
e mandou outra
Diogo Leite com duas caravellas a explorar o rio Maranhão ,
e tomar delle inteira posse .
Proseguindo ao Sul.com as váos restantes, chegou á
Bahia de Todos os Santos, e, encontrando a caravella Santa
Maria - do - Cabo, persuadido que lhe era necessaria , a tomou
e levou na armada. que já constava outra vez de cinco
velas . - Entrou no Rio de Janeiro, fez sal ir a gente em
terra, e construiu huma casa - forte som cerca em roda, visto
que ainda então não havia huma feitoria , ( onde hoje existem
duas cidades florescentes. ) * ) E mandou quarenta homens
pelo interior, os quaes voltaram dahi a dois mezes acompa
nhados do senhor da terra , a quem Martim Affonso encheu
de presentes. Tres mezes cu inpletos se demorou aqui a
gente, durante os quaes houve tempo de construirem dous
bergantins; e , refeito de provisões por hum anno, para os
400 homens que levava, fez-se de vela do caminho do Sul.
Entrando no porto de Cananéa, encontrou dentro hum bacha
rel portuguez que ali estava degradado desde os principios
de 1502, e tambem hum tal Francisco de Chaves e meia
duzia de castelhanos. Daqui enviou a Pero Lobo com 80
homens d’armas a descobrir pela terra dentro. Tal foi
primeira bandeira que se entranhuu pelo sertão do Brasil. (**)
Depois de 44 dias de demora continuou ao Sul , e quando
éra tanto avante como o Cabo Santa Maria, soffreu a arma
da tal tormenta que, desarvorando e desgarrando -se as em
barcações, foi naufragar hum bergantim perto da ilha de
Santa Catharina, e o capitào -mór deu á costa com a sua
náu capitanea na entrada do Rio da Prata, perdendo-se a
melhor porção dos mantimentos, porem , salvando- se com a
maior parte da tripulação. A sua armada ficou de novo re
duzida a quatro velas.
Aqui o veiu soccorrer seu irmão Pero Lopes, e, juutan
do-se hum conselho, foi decidido que o capitão mór não
fosse, mas mandasse pelo Rio da Prata acima, afim de o

( * ) Rio de Janeiro e Nictheroy.


( ** ) Aleixo Garcia já havia , antes disso, partido de S. Vicento com
uma - Bandeira - que atravessou todo o nosso sertão , até o Perú, donde voltou
carregada de ouro ,
493

examinar e pôr padrões, do que elle incumbiu a seu irmão ;


e depois de reparado se embarcou, sendo talvez nesta que
examinou o rio Mampituba. ainda em muitas cartas desi
gnado com o seu nome, e foi esperar na pequena ilha das
Palmas, ao Norte do Cabo de Sacta Maria , pelo dito seu
irmão, que só chegou passados trinta e tantos dias.
Daqui partiu , de volta com a armada para o porto de
S. Vicente, onde surgio a 22 de Janeiro de 1532 ; e na
conformidade das instrucções que levava deu terras, creou
officiaes de justiça em duas villas que fez, huma em S. Vi
ceute , e outra pelo sertão, em Pirativinga, pouco arredado
donde hoje está assentada a cidade de S. Paulo. ( * ) Estas
foram as primeiras colonias regulares de portuguezes no
novo -mundo.
Conhecǝndo o prejuizo que causou a demora das náos e
sua tripulação, assentou em conselho, de a enviar a Portugal
e a seu irmão encarregou do commando.
Emprehendeu então huma jornada a Piratininga onde
se achava a 10 de Outubro de 1532. Pouco depois de voltar
a São Vicente , aportou ali com duas caravellas o João de
Souza , trazendo resposta d'El-Rei datada de 23 de Setembro
do dito apno.
Nesta carta lhe fazia saber entre outras cousas , que lhe
doava cem legoas de costa nos melhores sitios daquelle ter
ritorio, e lhe declarava que se podia tornar, se lhe parecesse
não ser preciso ter lá mais demóra . Por esta recommendação
se resolveu M. Affonso de voltar á Europa, e se dispoz a
faser de vela na primeira moução de 1533, quando pouco
antes recebeu noticia de haver sido sacrificada aos barbaros
Carijós a expedição que de Cananéa mandara pela terra dentro.
Chegado a Lisbua, foi nomeado capitão -mór do mar da
India, prova do quanto El - Rei se déra por bem servido
delle nesta incumbencia. Emquanto não partio para o novo
destino, occupou -se da sua capitavia enviando - lhe casaes ,
plantas e semeutes, incluindo a canna de assucar e cele
brando contractos para a factura destes.
Aos 12 de Marco de 1534 saiu do Tejo com cinco velas,
e no fim do anno já estava em Gôa. O govervador D.Nuno
da Cunha lhe fez entrega da capitania -mór do mar, e lhe
deu huma armada de 40 navios para ir sobre Damão. Esta
fortaleza foi entrada e toda destruida .
Achava-se em Chaul , quando o célebre e infeliz sultão
Badur, arreceando -se dos mogoes, The mandou dizer , que
cedia lugar em Diu para levantar huma fortaleza, obra de
sejada pelos portuguezes e muito recommendada d'El - Rei.
Afim de prevenir as inconstancias do Badur, este grande
capitão se vae' logo a Diu donde só dá parte ao governador.
Foi o dar esta nova que servio de pretexto á temeraria

) Vide a nota explicativa no fim deste cap .


494

viagem do distincto Diogo Botelho Pereira, que se arrastou


com o a Adamastor » em huma pequena fusta, e chegou a
Lisboa a salvamento .
O Badur ficou por tal modo affeiçoado a Martim Affonso
que o pedio em soccorro com gente portugueza : e propondo o
governador este pedido em conselho foi o capitão -mór o pri
meiro a sustentar a concessão ; e o Babur deveu ao valor e
ardıl de guerra deste grande chefe o vão ser destruido e
preso pelos mongóes Passou daqui a desbaratar os principes
malabares na ilha de Repelim , que foi saqueada ; e havendo
destruido e assolado todos os logares maritimos do Samorim ,
recebeu em Cochim , voiicias de que o rei de Cata , vassalo
de Portugal, se achava ein apertos. Partiu logo para Ceyla ,
e sendo a sua presença de bastante soccorro, aproveitou as
intenções contra a frota auxiliar do Samorim , que foi des
troçada depois de um duro coinbate.
Guardava de novo a costa de Malabar, quando, saindo
Papane, o seu inimigo Pachi-Ma cá o perseguiu até Beadala
onde alcançou tão grande victoria e tantos despójos que
arınou por esta occasião muitos cavaleiros.
Indo-se a Ceilão chega a tempo de soccorrer o Rei de
Columbo, que soube recompensar este auxilio com generosi
dade. Captivou e puniu muitos piratas ; e tinha ido de Ca
ponor para Cochim, quando, recebendo aviso de Nuno da
Cunha da aproximação dos turcos, se apres ou de ir a Gôa .
Na occasião que chegou já lá estava o velho D. Garcia de
Noronha, nomeado vice-rei , com grande sentimento do va
lente e infeliz D. Nuno .
Martin Affonso de Sousa vepdo que o novo vice-rei nào
atacava, nem lhe deferia o pedido de ir em seguimento dos
turcos, pediu para voltar ao reino o que lhe foi concedido .
Largou de Cochim na companhia de D. Nuno, e tendo
aportado aos Açores, chegou a Lisbôa , oude foi tão bem re
cebido d'El-Rei, que antes de saber da morte de D. Garcia ,
logo o destinou para lhe succeder no governo, que demais
The pertencia pela primeira via de sucessão ; e só depois
foi informado da morte do Vice - Rei .
Martim Affodro, nomeado governador da India, não se
esquecendo de sua Capitania de São Vicente, deu varias pro
videncias, e se fez de vella a 7 de Abril re 1541 em una
armada de cinco náus, levando comsigo ( s primeiros Jesuitas
que vieram a Portugal e foram a India, incluindo nesse nu
inero o Taumaturg : Francisco Xavier, ( que mais torde foi
canonisado ).
Depois de alguma demora em Moçambique Jargou deste
ponto a 15 de Março de 1512 ; e , tendo recebido visita do
Rei de Melinde e feito aguada , ferrou na barra de Gôa a 6
de Maio do dito anno .
Tobiando posse do Governo que tinha D. Estevam da
Gama, por lhe ter tocado a segunda successão, se embarcou
em Outubro para Batecalá , e atacando es a fortaleza, por
495

mar e terra a fez arrasar, depois de sofrer grande resisteu


cia ; e exposta ao saque, foi incencendiada .
Tendo apre tado uma grande armada para ir ao pagode
de Tren el, ncaminhou - se por más informações ao Tebili
caré, cuja jornada bem caro lhe custou.
Tendo governado tres anuos e quatro mezes, entregou
o govéruo « m prospero e: tado, ao seu grande successor D.
João de Castro , que éra chegado no primeiro de Setembro
de 1545 ; deixando a armada preparada ; pagos 45 contos de
réis de dividas velhas, afóra mil cruzados em cofre.
Recolheu-se á Europa , e surgiu em Lisboa a 13 de
Junho de 1546 aonde passados tempos, deu novas provas de
sua resolução. Correodo bộato de que vinham turcos saquear
a costa do Algarve, Martim Affovso, estando em conselho
quando i.to se tratou , offereceu - se de ir contra elles no cazo
que tal se verificasse, o que vão teve effeito.
a 8 de Março de 1552, se achava em Alcoentre , donde
nesta data cxpediu uma provisão a fim de concorrer a fa
brica da Fortaleza da Bertioga.
Subindo D. Sebastião ao Throne, e antevendo este pru
dente conselbeiro que, a tão joven e incauto Rei nào devi
am de convir conselheiros experimentados, como se verificou,
lançou-se de fóra antes que o mandassem ; e segundo dedu
zimos do Suldado Pratico ( cap . 13 ) « El-Rei veio a estar
pouco coutente delle , no obrar dos seus negocios. »
Retirado da Côrte não se esquecen das terras de S.
Vicente, as quaes, pelo contrario, « forneceu de navios e
gente que a ella mandava e deu ordem a que mercadores
poderosos fossem mandassem a ellas fazer engenhos de
assucar e grandes fazendas. »
. E de todo afastado dos negocios se occupou de escrever
a sua vida que a deixou em manuscripto ; e que foi visto
pelo incansavel cinde de Ericeira, na Bibliotheca dos con
des de Vimieiro , o qual declara - o tambem insigoe em
lettras como nos feitos illustres Tratou com a melhor
gente do seu tempo, incluindo o grande Pedro Nunes, a
quem propoz questõe- astronomicas, de que este distincto
mathematico portuguez faz mevsão no seu Tratad , de 1537 .
Falleceu Martim Affi nso a 21 de Julho de 1564 e foi
sepultado no convento de S. Francisco da cidade de Lisbôa ,
da capella de Jesus, que inandára edificar.
Foi commevdador de Mascarenhas pa ''rdem de Christo,
Alcaide -mór do Rio Maior, e Senhor do Prado e tambem de
Alcoentre, onde instituiu um morgado. Foi nos conselhos
docil e prudente, firme na resolução fórte no revez : e
para nos expressarmos como Diogo do Couto « foi de gran
des pensamentos e muito determinado. »
E'ra bem apessoa to, lhano nos gestos, de aspecto agra
davel e de aprazivel conversação.
Só lhe faltaudo na posteridade, para ser eterno o seu
pome e a sua memoria um Jacyntho Freire ou um Côrte
496

Real já que o seu manuscripto não viu a luz da publi


cidade. E quảo interessante seria se apparecesse ! O
retr ato que apresentamos é feito pelo da Asia, de Faria e
Sousa , de combinação com a descripção que do de Góa faz
Diogo do Couto, do que fomos obrigados a lançar mão por
não ter chegado ainda huma cópia que esperamos daquella
Capital dos Estados Portuguezes na India . As armas são as
competentes da sCasa dos Sou sas e Prados , do « Livro de
armas e Grande de Portugal » .
Carta de Sesmaria " firmada por Martim
Affonso, em Lisboa , a 2 de Novembro de 1553

arby fomso defor vumisse lt . 1995


ар кан судиите намласа аймату : Vio
nafarSabanaves wu Spitapi 2.omnes
Capriya
muižas -yoditas -piting, meforapresentada
orsa cartu:-forjaigasimque cuerdasborben ,
dan Suas taporizas que te poby , banakir . Bir
násquoasi tigi fow fazia in frizyas Komárno
& quoad capuntas fashian sualiniFronha
ems
212asginforza RoiFamiw as quen
fiction, de Caindar By cofindo uma
yona a Fozar,
Bullgur
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NOTA

Esta biographia de Martim Affonso de Sousa foi orga


nizada pelo notavel historiador brasileiro Francisco Adolpho
Varnhagem e publicado em um folheto, pelo mesmo autor,
no Rio de Janeiro, em 1847 , segundo apontamentos extrabi
dos do « Diario de Pedro Lopes de Sousa » e dos demais au
tores seguintes : Antonio de Sousa de Macedo, « Flores de
España, Excellencias de Portugal. » Pedro Vaz de Caminha..
« Cartas » , — « Mappas, 1508 » . Luiz de Camões « Luzia
das » Vasconcellos « Noticias antecedentes das cousas do Brozil
etc. - Fr. Gaspar « Memorias » Gabriel Soares, « Roteiro »
Andrada , « Chronica de D. Jião III » . Lucena, « Livro
1.' » – Topariano Sousa , « Conquista d , Oriente » . — F. B.
G. Stocklee « Ensino . Historia sobre a origem e progresso
dos mathematicos em Portugal. Fr. Manoel da Esperança,
« Historia Serafica » etc.
Esta mesma biographia já havia sido publicada, pelo
historiador F. A. de Varnhagem, sem annotações, em 1845,
no jornal litterario o « Ostensor Brasileiro » acompanhado
do retrato, cujo cliché damos neste capitnlo . Esse retrato é
já uma reproducção lithographica de uma pintura cu dese
nho, viuda da Asia, a qual como diz o auctor, foi por sua vez
graphada de combinação com a descripção, que do retrato
existente em Gôa, fez Diogo do Couto .
Possuimos ainda um outro retrato de Martim Affonso de
Sousa, que nos foi gentilmente cedido pelo sr. Dr. Agenor
Silveira. E' uma reproducção photographica de uma gra -
vura primitiva que vem em uma edição rara e antiquissi
ma dos Luziados de Carnões . illustrada com OS retratos de
todos os governadores da India.
E ' bem possivel que esse retrato existente em Gôa, des
cripto por Diogo do Couto o qual Varnhagem não poude
obter, fosse esse, dessa edição primitiva dos Luziadas, que
ahi reproduzimos em cliché.
Este retrato extrahido dessa edição dos Lusiadas que
o sr. dr. Agenor Silveira, como preciosida te , conserva da sua
valiosa collecção de « obras antigas » , é de facto bem pouco
conhecido, mesmo em Portugal ; e a prova disso vemos na
edição illustrada de « Historia de Portugal » de Pinheiro Cha
gas, onde vem o retrato de Martim Affonso c de todos os
governadores da India.
Esse retrato do douatario, que vem na dita obra de Pi
nheiro Chagas, é fiel em tudo a este que Varnhagem pu
blicou, e no indice das gravuras ( vol. IV, pag. 623 ) lê se
498

esta legenda : Martim Affonso de Sousa . copiado de uma


-

lithographia do chamado livro dos Brancos » , existente na


Bybliotheca Nacional de Lisboa. E o retrato que aqui apre
sentamos deste notavel governador da I..dia e fundador da
Capitania de S. Vicente, no Brazil »
Si'o editor da obra illustrada de Pinheiro Chagas ti
vesse conhecimento desse outro retrato de Gôa, cuja repro
ducção se vê nessa rara edição dos Luziadas, com certesa o
teria publicado por ser, nào uma lithographia, mas uma
gravura primitiva, como se verifica pelo cliché.
Varnbagem bem sabia disso e foi por essa asão que
elle fez questão e disse que, foi obrigado o lançar mão dessa
primeira lithographie, por não lhe ter chegado a cópia, que
esperava da Capital dos Estados Portuguezus da India .
Martim Affonso de Souza logo que aportou a S. Vicente ,
a 22 de Janeiro de 1532, e depois de ter fundado a sua pri
meira povoação, nessa localidade, tratou de percorrer o litoral
do sul que logo iria fazer parte da sua extensa Capitania .
Após a sua volta de Piratininga onde se achou a 10 de
Outubro de 1532 e onde permaneceu tres mezes com seu
sequito, assignando, ali, as sesmarias de Ruy Pinto, cujas es
cripturas foram passadas pelo seu escrivào particular Pedro
Capico, como consta desse mesmo documento, e depois de
ter desigoado o local , na collina do Tamanduátéhy, onde
deveria ter assento a sua segunda povoação, proximo a al
deia de Tibiriçá , .egundo referem as « Cartas do Padre No
brega » , ( * ) é que o Donatario de posse legal das doações
que lhe haviam sido feitas por D. João III, trasidos na frota
de João de Souza, vai de novo ao litoral do sul , em Dezem
bro de 1552 e designa, em Itanhaen, o local da sua ter
ceira povoação, que mais tarde deveria ser a séde das « cem
legoas de sua extensa Capitania » , conforme relatam os his
toriadores e chronistas. ( Vid . « Quadro Historico da Proviu
cia de S. Paulo » de Machado de Oliveira ).
Martim Affonso antes de partir de Lisbôa para as p'0s
sessões portuguezas da India , não esqueceu a sua povoação
de Itanhaen .
Reza a tradição que a sagrada Imagem de N. S. da Con
ceição, que se venervu na primitiva Aldeia de Itanhaen ( Abå
rébebê ) e a qual foi depois trasladada ( 1761 ) para a Matriz
da respectiva Villa , — fôra mandada de Portugal, em 1544 ,
por Martim Affonso de Souza, antes da sua partida para as
Indias . De volta á Côrte de Lisbôa Donatario, o conforme
se verifica desta « Biographia » , não se esqueceu das suas
tres povoações, na Capitania de S. Vicente.
Em 5 de Setembro de 1558 Martim Affonso concede, em
Lisbôi, o fôral de Villa a sua colonia de Pirotininga, já

1 ) Vid « Villa de Santo André da Borda da Campo e a primitiva povoa


ção de Piratiningar , por B. Calixto . Revista do Hist . Hist, e Geographico de
S. Panlo, volumes XIV e XV .
499

povoada e conhecida com o nome de São Paulo, pelos bene


meritos e intrepidos missionarios jesuitas que ali se haviam
estabelecidos em 1554 .
Nessa mesma época isto é dois annos depois, o Do
natario concede igual fôral a povoação de Itanhaen, com ti
tulo de Villa de N. S. da Conceição.
Esse predicamento de Villa e instituição do Senado da
Camara em Itanhaen teve logar em 1561 , sendo seu primeiro
Capitão -mór Francisco de Moraes Barreto, conformese veri
fica no « Catalogo dos Capitãens Governadores da Capitania
de Itanhaen » existente no Archivo dessa Camara .
Gabriel Soares de Souza, contemporaneo de Martim Af
fonso de Souza, e cognominado - o pai da historia do Brazil
por ter estado neste paiz e ter sido um dos historiadores do
seculo XVI que mais minuciosamente descreve os factos oc
corridos nessa primeira época, ao referir -se á Capitania de
Martim Affonso diz que antes desse donatario voltar para
Europa, depois de ter feito as pazes.com a gentio , com os
quaes « teve aliás pouco trabalho » , e ( após a fundação da
povoação de Piratininga , ) « acabou de fortificar a Villa de
3. Vicente e da Conceição » .
O que o historiador diz Villa da Conceição entende-se
simplesmente por povoação, pois que o fôral ou provisão de
villa só foi dado pelo donatario muito depois, como já ficou dito.
O incontestavel é — que Martim Affonso, temendo algum
ataque por parte dos castelhanos e carijos de Cananéa e Iguape,
cujas hostilidades elle já havia experimentado, não podia
deixar de tomar suas precauções em defesa da sua colonia,
mandando fortificar as suas duas povoações do littoral e prin
cipalmente a de Itanhaen , que era considerada um posto
avançado, com bôas disposições estrategicas, como adeante se
demonstrará.
-
1 Quanto em conſelbo ſable.Queaviaderei
Marem Alooſo un Varon cabal, concurrier
elgran valor con gran ſaber : porque esfa

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$1

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LXVII.
Efte ſerà Martinho ,que de Marte
oncmctem coʻas obras dirivado;
tanto em armas iluſtre em toda parte, Cс
quato em cöfclho fabio ,c bé cuidado.
Sucedalbehaa ': Caftro ; ĝo elladarte
Portugues terakmpre levantado.
Conforme fucilor ao ſucedido , (do .
ģhúergueDio ,outro o defedeergui
Martim Affonso de Sousa
Este retrato, como já declarámos, é uma fiel reproducção
photographica da gravura que vem em uma rara edição dos
« Luziadas de Camões o de 1639 , commentada por Manoel
Faria e Souza. Essa edição, escripta em hespanhol, foi
toda aprehendida, impedindo assim a sua divulgação, como
prova a transcripção dos documentos que o nosso distincto
amigo Dr. Ageuor Silveira se dignou enviar -nos :
Amigo Benedicto Calixto . Ahi vae o que lhe pro
metti para fundamentar a raridade da edição hespanhola dos
Luziadas.
O neu exemplar que se compõe de dois grossos vo
lumes in - tolio, com duas columnas em cada pagina, impresso
em Madrid no anno de 1639, commentado por Manoel de
Faria e Souza , pertenceu a frei Bernardo Pacheco, mestre
das obras do mosteiro de São Bento, de Lisbôa ; traz, colla
do ao 1.º volume, o seguinte requerimento, do seu primeiro
possuidor, autographo precioso, e mais ainda por ter sido o
requerimento despachado por 1) . Seb'stião Cezar de Menezes,
que foi o Secretario de D. Affonso VI e auctor da « Summa
Politica » , livro numerado entre os classicos da nossa lingua.
O teor do requerimento é o seguinte :
« Illm ." Sür. Diz frei Bernar : o Pacheco mesére das
Obras do mostr . ° de São Bento 0 novo desta Cidade de
Lisboa que elle mandou vir de Madrid o livro dos Luziadas
de Camões commentados por m . de faria e quando lhe
chegou a mão v . ill.ma S. " o tinba mandado recolher, e elle
supplicante o levou logo ao p . mestre frei fernando de me
nezes morador no mosteiro de São Domingos p."a que o re
vesse, e por que passa de um avdo que la Esta , P. a V.
ill " * S.“ The fassa m . de lhe dar licença p .° ler o dito li
vro, visto ser elle religioso xpão ( * ) velho e que não duvida
em nenhua cousa da fé e que tem e crê a santa madre
igreja Romana.
E. R. M.
Despacho : Pode o supp. ver e ler o livro do 9 . faz
menção, sem embargo da prohibição em contrario para o que
se lhe conceda a L.ça necessaria . Lisboa 8br.° de 1641 .
Fr. João de Vasconcellos. P. J. da Silva. Sebastião
Cezar de Menezes. »

( * ) Leia-se christão.
501

Manoel de Faria e Souza, o auctor da obra, mais pelas


verdades que disse nos seus commentarios do que por des
primor nos pontos de fé catholica, soffreu a perseguição dos
fidalgos hespanhóes, e teve processo armado, parecendo-me
que daqui provem a cautela com que, até depois da restau
ração, se impediu a divulgação da sua obra.
Inveja e medo , nada mais.

Do Amigo obr.
Agenor Silveira » .
Biographia de Pedro Lopes de Souza
« Franceza gente, que o Brasil tentava
Pedro Lopez de Souza em furiosa
Naval batalha o mar lhe contestava- »

Caramurú : VII, estr. 27


Pedro Lopes de Souza. um dos doze primeiros donata
rios do Brasil, foi o segundo genito de Lopo de Souza e
irmão do XVIII Governador da India Martim Affonso de
Souza .
E' mui provavelentão
que esiava
na sua mocidade frequentasse na
de
Universidade que em Lisboa , os estudos
navegação .
E s'm duvida que, dedicando-se á vida maritima , re
unia 0 ser nella perito o muito desembaraço e afoiteza
- qualidade indispensavel em tal profissão. Começou a ser
vir nas Armadas de guarda da Cesta contra os Corsarios ;
adquirira a pratica de algumas navegações quando, joven
ainda, e já muito honrado e fidalgo da Casa d'El Rei D.
João III , acompanhou seu irmão na Armada ao Brasil.
Tendo saido de Lisboa na náu Capitaina, passou depois a
commandar duas Caravellas. com as quaes, sós, afrontou em
renhida peleja uma váo Franceza , que abalrou e fez pri
sioneira.
Proseguia, já feito Capitão da sua nova preza na di
recção do Sul e depois de ter rendido ouira náo Franceza,
e aportado á Bahia e Rio de Janeiro. soffreu grande tor
menta na altura do Cabo de Santa Maria ; e havendo por
esta occasião dado á costa o Capitão -mor, foi decidido em
conselho que não devia elle ir pelo Rio da Prata ; e que
fosse lá algum hergantiin afim de o examinar e por padrões.
Reconhecendo Martim Affonso as eminentes qualidades de
seu irmãn, o encarregou desta commissãı), recommendando
lhe que estivesse de volta em vinte dias.
De junto do dito Cabo partiu a 25 de Novembro de
1531 , navegou o rio acima pelo canal do Norte. cento e
tantas legoas contadas do Cabo de Santa Maria, e voltou a
12 de Dezembro. Tendo passado n'esta diligencia, incle
mencias e trabalhos, pelos quaes mostra seu valor em soffrer,
e o seu genio em descrever. ( vid. « Diario de Pedro Lopes
de Souza » ) e visto alguns gentios, notado seus Usos e
costumes, veio a naufragar sobre uma ilha ao pé do dito
Cabo de Santa Maria. N'este naufragio se houve Pedro
Lopes de fórma tal , que o
sen procedimento mostra bem
506

qual éra a sua constancia e animo. Nio convem antecipar


as discripções que se léem do seu Diario, por vezes poetico ;
ao qual remettemos o laitor, limitando -nos a dizer que tendo
conseguido pôr o bergantim a nado se reuniu á Armada , a
27 de Dezembro, na ilha das Palmas : e todos partiram ,
( de volta ) para o porto de São Vicente, que Martim Affonso
ferrou , pela primeira vez a 20 ( deve ser 22 ) do Janeiro do
anno seguinte ( 1532 ).
Então dedicou este Cavito Martim Affonso pr.parecer
dos pilotos e mestres e todos, a que para isso erão, » de
mandar duas váns para Portugal cim toda a geot , de mar.
Incumbido do commando a Pedro Lopes, largou este a_22
de Maio de 1532 , e fazendo - se ao Norte foi ao Rio de Ji
neiro esperar pela outra náo ( a tomada aos Francezes ) ; e
daqui sairán juutos 110 principio de Julho. Pa- sando quinze
dias éra Pedro Lopes ni Bahia de Tolos 0 : Santos, da qual
se fez a vela no fin do mez .
E tendo anlado tanto avaute como a ilha de Santo
Aleixo houve vista de huna náo, e ordenou de fazer tudo
prestes para a combater ; o resultad . de tae ; combates com
francezes nun a lhe foi desfavoravel ( 1 ).
Entrou por fim ein Pernambuco , e largando a 4 de No.
vembro só chegou a Lisb ja 10 coin - ço do anno seguinte
( 1533 ).
Ha quem diga que depois de voltar fôra em 1535 &
Tunis, por Capitàa de huma náo, na expedição que com
mandava Antonio Saldanha com o Infante D. Luiz ; porém
o que temos por certo he que antes ou depois entendeu
povôir a sua Capitania de Itamaracá. ( 2 )
Tioba El - Rei escripto a 28 de Setembro do anno aute
cedente, que The tiz -ra doação de juro e herdade de uma
Capitauia de cincoenta legoas de costa , e em attenção aos
seus serviços então narrados pelo presente « Diario » o agra
ciou , commutando -lh'os por doação feita em Evora, em pri
meiro de Setembro de 1534, em oitenta legoas distribuidas
em differentes logares da costa por elle escolhidos.
Ilavendo sido nomeado Capitãn -mór de 6 nács, para a
India, partiu em Março de 1539, chegando a Gôa em Se
tembro, e voltando para a Europa se perdeu na paragem da
ilha de S. Lourenço ( hoje Madagascar ), vindo por fóra
d'ella , e não houve mais noticia de seu corpo. ( 3 )
Fôra casado com D. Izabel Gamboa, que ficou tutora
de seus filhos.

( 1 ) Gabriel Soares diz no Rot . Ger , cap : 14 que se viu assim do mar
felejando com algumas nảos Francezas , de que os francezes nunca se sairão bem .
( 2 ) Sousa , Hist. Gene T. 12. pag . 1 a diz « Seria este serviço que mal
entendido fez dizer a certo genealogista cujo Nobiliario, Manuscripto , existe na
Bibli , Publ. de Lisboa, que afirmavão ter elle sido Governador de Mina .
( 3 ) A maior parte dos escriptores dizem que Pedro Lopes foi em pes
sôa colonizar a sua Capitania depois que lhe foi doada . Outros não fazem mensão
de tal . Quanto a parte de Santo Amaro não encontramos docnmentos anteriores
- 507

E'ra de genio altivo ( em vão o noga D. Luiz da Sil


veira ), caprichoso no mando e independente, e por isso al
gumas vezes foi desattencioso e menos estimado.
Tinha bastante amor proprio talvez proveniente da sua
juventude, e afez -se de tal modo aos perigos que o seu valor
passou á temeridade, o que fez pagar com a vida.
Deixou-nos escripto o - Diario ou Roteiro que damos
a laz tão completo quanto podemos ( * ) e do qual nem Bar
bosa, nem bibliographo algum que conhecemos teve noticia .
Do merito do seu estylo ajuizarão os nossos litteratos, e
decidirão se algumas paginas descriptivas nåo fazem recor
dar a saudosa melancolia do saudoso livro de Bernardim
Ribeiro, seu contemporaneo.

a 1512 , em que D. Izabel Gamboa nomeia seu loco tenente e Ouvidor Com tudo
Gabriel Soares, que foi ao Brasil, vinte e tantos annos depois e por isso se pode
dizer – ser coetano ( de Pedro Lopes e Martim Affonso, ) – ainda que confunda
os acontecimentos que se passaram na armada de que tratamos, e que menciona
no cap 1.º, todavia diz no cap 11 do Rot . Ger . , que, « conduzindo armada á
sua custa e em pessoa foi povoar esta Capitania ( Itamaraca ) com moradores que
levou do porto de Lisboa, d'onde partiu , no que gastou alguns annos e muitos
mil cruzados » - e no Capitulo 61 acrescenta que fizera um engenho em Santo
Amaro de que tambem foi povoador em pessoa ; porém para esta ultima ha menos
fundamentos . O certo he que a mesma ampliação que El - Rei fez a 21 de Janeiro
de 1535 he prova de que elle cuidava da Capitania .
( * ) Esta biographia de Pedro Lopes de Sousa foi organizada pelo his
toriador Varnhagem e vem precedendo a transcripção do « Diario » , nesse folheto
a que nos referimos, publicado pelo mesmo autor, no Rio de Janeiro, em 1847 .
Como é pouco vulgarisada e assas interessante para a historia das Ca
pitanias de S. Vicente e Itanhaen , aqui a transcrevemos, afim de completar as
- noticias biographicas » que vão reunidas nestas memorias , com todos os dona
tarios da Capitania de S. Vicente e Itanhaen » .
Não podemos entretanto dar a transcripção completa do referido « Diario »
por ser demasiado longo ; entretanto , havemos de nos referir a esse importante
è incontestavel documento , quando, em outro capitulo destas memorias , tivermos
de nos occupar desse importante assumpto : « desembarque de Martim Affonso
de Sousa em S. Vicente , em 1532 » , ponto esse, que embora ja tão elucidado com
estas provas irrefutaveis do « Diario de Pedro Lopesa, continua a ser posto em
duvida e contravertido pelos actuaes escriptores.
Brazão d' Armas do Marquez de Cascaes
As armas desta Casa são : Em campo de prata
seis roellas azues, em palla. Timbre :
Meio Leão de ouro rompente .
Marquez de Cascaes
NOTAS BIOGRAPHICAS E GENEALOGICAS

Ca- caes he huma villa situada huma legua fóra da


Barra de Lisboa, da qual D. Alvaro Pires de Castro , VI
Conde Monsanto , foy creado Marquez, de que éra Sephir, por
carta de 19 de Novembro do apno de 1643 por El - Rei D.
Joào IV , que está no liv. 17 , fol. 45 da sua chancellaria.
A Varonia desta Casa he ao presente – Noronha.
Teve principio em o Senhor D. Affonso , Conde de Gijon ,
e Norouha, filho del- Rey D. Hevrique II de Castella , e pa
Senhora Doua Isabel sua mulher, fiha del-Rey D.'Fernando
de Portugal. Deste esclarecido consorcio nascão entre outros
filbos D. Fernando de Noronha, Conde de Villa Real, que casou
com D. Brites de Menezes, filha herdeira de 1). Pedro de
Menezes, Conde de Vianna e Villa Real, e foram Progenitores
dos Marquezes de Villa Real, Duques de Caminha, cuja .
limba sercabou infelizmente a 28 de Agosto do anno de
1641 em D. Miguel de Menezes, II Duque de Caminha .
D. Conde de Villa Real D. Forvando, foy filho terceiro
D. Joào de Noronha, a quem chainarão o Dentes, que casou
com
D. Joana de Castro, que veio a ser herdeira da Casa
de Castro, e Condado de Monsanto, e por isso seus filhos
usară , do appelido e armas de Castro.
O principio_ da familia de Castro he tão antigo, como
conhecido em Espanha. O conde D. Pedro do seu Nobi
liario tit II The dá principio em D. Gutierre , de que foy filha
Dona Goutrede Gut errrs, que casou com D. Nuno Alvaro
de Maya, filho vào legitimo del -Rey D. Affonso V , de Leão,
e delles nasceo D. Ximena Nunes, mulher de Fernão Lavnes
que proced'a dos antigos Juizes de Castella , e procrearào o
Conde D. Alvaro Fornandes Minaya. Senhas de Castro Xeris,
que casando com Dona Milia Anzurts, foram pays de Doua
Maria Alvares, Senhora de Castro Xeris , descendente de
Lain Colvo, Juiz de Castella no tempo em que não havia
Reys, a qual ca:ou com D Fernando, que alguns fazem filho
del- Rey de Navarra, e Salazar de Castro, filho do Infante
D. Sancho, neto de D. Garcia, Rev de Galiza e Portugal ,
filho 3.º de del-Rry D. Fernando o Magpo de Castella ; e co
meçarão os seus descendentes a usar do appelido de Castro.
Em Portugal tiverão principio em D. Alvaro Pires de
Castro, irmão da Rainha Dona Ignez de Castrr , que foy o
primeiro Condestavelde Portugal . Conde de Arrayollis, e de
Vianna da Foz do Lima, e Senhor de muitas Villas, e Lu
512

gares, com huma ampla doação de juro, passada no anno de


1371 por El - Rey D. Fernando, como consta da Chancellaria
deste Rey, liv. 1 , fol. 73 .
D. Manoel Joseph de Castro Noronha Athaide e Sousa,
que nasceo a 25 de Dezembro de 1666, foy JII Marquez de
Cascaes, VIII Conde de Monsanto, Ser or das villas de Ca
caes, e seu termo, e Reguengo de Qeyras, com todas as suas
jurisdicçoens, da Lourinbàa, do Castello, o Villa de Castelle
Mendo, do Reguengo, que chamão a Povoa del Rey, Bouca
cova e Villa Franca, das Villas de Apçãa, S. Lourenço do
Bairro, seus Padroados, e Jurisdições do Castello, e Villa de
Monsanto, com jurisdicçoens, e Padroedos, e da Villa, e Re
guengo de Meledim , e no Estado do Brasil das Capitanias
Itamaracá e São Vicente, das Ilhas de Itaparica, e Tama
randuva, e da Ilha pequena, sita na Ribeira do Rio Ver
melho ; Fronteiro Mór, Couteiro Mór, Alcaide Mór do Castello,
e Cidade de Lisboa . Condel - Mór da Cidade de Lishôr, e seu
termo, Torres Vedras, Lourivhãa , Obidos, e seu Almoxari
fado, Cadaval com todos os seus termos, Senhor dos Morgados
de S, Matheus , e S. Etropio, e da Casa da Castanheira,
Morgado da Foz e seu Padroado, e Paúl do Boquilobo, Com
mendador das Commendas de S. Martinho de Borres, no
Arcebispado de Braga , de Santa Maria de Villa de Rey, e
Santa Maria de Segura, no Bispado da Guarda , e de Santa
Maria do Pereira, no de Vizeu , todas da Ordem de Christo.
Foi do Conselho de Guerra del- Rey D. João V , e seu Gentil
Homem de Camera , foy Mestre de Campo de Infanteria, e
General de Batalha, Postos . em que serviu com reputação na
Guerra do anno de 1704 , Governador, e Capitão General do
Reyno do Algarv.., e Governador da Torre de Belém ; fa
leceo á 29 de Agosto de 1742 .
Jaz depositado na Capella de S. Matheus, Padroado da
sua Casa , para ser trasladado para o Mosteiro de Penha
Lovga. Casou em 13 de Dezembro de 1699 com Dona Lui
za de Noronha, Dama do Paço, filha de D. Pedro Antonio
de Noronha, I Marquez .de Angeja, e da Marqueza Dona
Izabet Maria Antonia de Mendonça, e depois de quatorze
annos de esperanças, nasceo deste matrimonio.
1 ). Joséph Maria Leonardo de Castro .
D. Luiz Joseph Thomaz de Castro Noronha Athaide e
Sousa, nasceo a 18 de Setembro de 1717 , X Conde de Mon
santo , e Senhor de toda a Casa de seu pay.
Dona Maria Joseph da Graça e Noronha. (*)

Nota : Extrahido das « Memorias Hist . , é Geneal . dos Grandes de Portugal


por D. Antonio Caetano de Sousa - Lisboa - 1755 .
( * ) Antes de D. Joséphff Maria Leandro de Castro houve uma filha, deste
casal , que se tornou celebre no começo do reinado de D. João V, como se verá
em outro capitulo .
e
s

BRAZÃO D'ARMAS DOS CONDES DE VIMIEIRO


As armas desta Casa são as mesmas de Bragança :
Duas aspas de vermelho ,
em Santor, sobre campos de prata

Nas ASPAS CINCO ESCUDOS DAS QUINAS DE PORTUGAL,


( SEM A ORLADURA DOS CASTELLOS, ) ENTREMEADAS DE QUATRO
CRUZES ( DE CALLATRAVA ) VASIAS DO CAMPO .
TIMBRE : UM CAVALLO BRANCO COM TREZ LANÇADAS NO
PESCOÇO , EM SANGUE , BRIDADOS DE OURO , COM CABEÇADAS E
REDEAS DE VERMELHO ( MEMORIAS Hist. Gen. Dos GRANDES
DE PORTUGAL POR D. Antonio CAETANO DE SOUZA ).
Condes de Vimieiro

DADOS BIC GRAPHICOS E GENEALOGICOS

Vimieiro, Villa na Provincia de Alemtejo, da qual El


Rei D. Felippe III , fez conde no apno de 1614 a D. Fran
cisco de Faro, que éra Senhor desta Villa.
Esta Casa deduz a sua Varonia da Serenissima Casa de
Bragança, hoje Reinante, na forma seguinte :
D. Fernando, 1.º do nome e II Duque de Bragança,
teve da Duqueza Dona Joanna de Castro , filba de D. João
de Castro, Senhor do Cadaval , entre outros filhos a D. Af
fonso, Conde de Faro feito por El -Rei D. Affonso V, a 22
de Maio de 1467 « m que o creou Conde e lhe fez doação
daquella Villa, com todas as suas rendas e direitos : Casou
este grande Senhor com Dona Maria de Noronha, herdeira
do condado e Casa de Odemira, filha de D. Sancbo de No
ronha, Commendador-Mór de S. Thiago, Alcaide--Mór de Es
tremoz, e Elvas, Senhor de Vimieiro, Mortoga, Aveiro e de
outras terras. E'ra filho do Conde de Gijon, e de Noronha,
D. Affonso, filho legitimo de El-Rei D. Henrique II de Cas
tella e de sua mulher a Senhora Dona Izabel , filha não le
gitimna de El- Rei de Portugal D. Fernando.
Deste esclarecido consorcio nascerão muitos filhos. O se
gundo filho foi D. Fernando de Faro, Senhor de Vimieiro,
Mordomo-Mór da Rainha D. Catharina . Cazou com D. Izabel
de Mello, de quem foi filho D. Fernando de Faro, Senhor de
Vimieiro, Veador da Fazenda de El-Rei D. Sebastião. Do
segundo matrimonic, que celebrou com D. Guiomar de Castro,
filha de Matheus da Cunha, Senhor de Pombeiro, teve I.', D.
Francisco de Faro que era por Varonia terceiro neto de D.
Fernando Duque de Bragança, de que fallamos acima : foi o
1.• Conde de Vimieiro .
Falleceu a 2 de Dezembro de 1617 , cazou com Dona
Mariava de Souza da Guerra, ( Condessa de Vimieiro ) filha
de Pedro Lopes de Souza ( filho de Martim Affonso de Souza )
Senhor de Alcoentre e das Capitanias de Santa Anna de
Itaobaen ( * ) e São Viceute, no Brazil , Embaixador de El
Rei D. Sebastiãn, em Castella ; deste matrimonio nasceram
( ' ) A Parochia de Itanhaen teve por padroeira , no principio , a N. Se
nhora da Conceição, que se venerava na primitiva ermida do Outeiro, desde
tempo de Martim Affonso . Em 1654 , quando essa ermida passou a ser convento dos
franciscanos, sob a mesma invocação, foi a matriz transferida para a Igreja de
Santa Anna, que passou a ser a Padroeira da Villa, como ainda é até hoje
E ' por isso que algumas vezes se diz, nos papeis antigos, Santa Anna
de Itanhaen, em vez de Conceição.
- 516

quatro filhos, entre elles D. Sancho de Faro, que foi 2.º Conde
de Vimieiro, titulo que renovou , na sua pessoa, El-Rei D.
João V de que tirou carta a 5 de Janeiro de 1709. Foi Go
vernador de Mazagão e na Guerra, Mestre de Campo Geral,
Governador do Minho e Beira e ultimamente Governador e
Capitão General da Bahia, onde falleceu no anno de 1719.
Foi cazado em 29 de Agosto de 1703 com Dona Thereza de
Mendonça, a qual ficou viuva e depois de assistir á educa
ção de seus filhos, entrou no mosteiro da Conceição da Luz,
onde tomou habito a 30 de Maio de 1730, com grande edi
ficação da Côrte, a que assistiu a Rainha D. Maria de Aus
tria. Falleceu em 5 de Maio de 1740. Era filha de D. Luiz
Manoel de Tavora, Conde de Atalaia.

( 08 Grandes de Portugal ) pag . 655 a 662. D. Antonio Caetano de Souza ,


Brazão d'armas dos Condes da Ilha do Principe

As ARMAS DESTA CASA SẢO : EM CAMPO DE VERMELHO UMA


BANDA DE AZUL COM TREZ FLORES DE LIZ DE OURO,
ENTRE DOIS CARNEIROS DE PRATA PASSANTES ARMADOS

DE OURO . TIMBRE : UM DOS CARNEIROS DAS ARMAS


Condes da Ilha do Principe
DADOS BIOGRAPHICOS E GENEALOGICOS

Ilha do Principe é uma das do Oceano Atlantico, a


qual dista vinte legoas ao Nordeste da Ilha de S. Thomé .
D'ella era senhor Luiz Carneiro de Souza, quando foi creado
Conde deste titulo, e por carta passada em Madrid a 4 de
Fevereiro de 1640, como se vê no livro 28, folhas 324, da
Chancelleria do dito anno , que está no Archivo Real da Torre
do Tombo de Lisboa .
A Varonia desta Casa é Carneiro, de que descendia An
tonio Carneiro, que serviu aos Reis D. João II , D. Manoel
e D. João III, e dos dois ultimos foi Secretario do despacho
universal e do Conselho, de quem fiseram grandes estimações .
E'ra senhor da Ilha do Principe, Commendador dos Sem
soldos , e de Marmelar na Ordem de Christo, Alcaide- Mór
de Belver, Falleceu a 3 de Abril de 1545, de edade de 86
annos, casou com Dona Brites de Alcaçova, Dama da Rainha
Dona Leonor, filha de Pedro de Alcaçova, Secretario dos
Reis D. Affonso V., e D. João II. Deste matrimonio nas
ceram diversos filhos e netos de que descendem muivas Ca
zas illustres e a de Fraucisco Carneiro que foi Senhor da
Ilha do Principe, Commendador dos Semsoldos na Ordem de
Christo, e do Conselho de El-Rei D. João III e seu Secretario .
Casu com Dona Mecia Silveira, filha de Garcia de
Souza Chichôrro, de quem nasceu Luiz Carneiro, Senhor e
Capitão Donatario da Ilha do Principe e das Villas de Al
vares e Sylvares, Commendador de Falques e do Conselho
d'El-Rei D. Felippe III. Cazou com Dona Leonor de Ara
gão, de
filha de D. Fradique Manoel, Senhor de Atalaya e Tan
cos, quem nasceu Francisco Carneiro, que foi Senhor da
Ilha do Principe e de toda mais Caza de seu Pay, e casou
com Dona Lourença Mascarenhas, filha de D. Fernão Mas
carenhas, Com rendador de Rosmaninhal. Seu filho foi :
Luiz Carneiro de Souza 1.º Conde da Ilha do Principe,
Commendador dos Semsoldos etc., e de to la mais Casa de
seus pays, e avós . Sendo já de larga edade cizou com
Dona Mariana de Faro, filha de D. Sancho de Faro, Senhor
de Vimieiro. Teve um unico fillho :
Francisco Carneiro de Souza, que foi o 2.º Conde e
Senhor da Ilha do Principe, Commendador na Ordem de
Christo etc etc. Casou com D. Eufrasia Felippa de Lima
em 1672, filha de D. Francisco de Souza 1.° Marquez das
520

Mipas. Falleceu a 23 de Junho de 1734 , e deixou filhos


entre os quaes :
Antonio Carneiro de Souza, que foi 3.º Conde da Ilha
do Primcipe e de toda mais Casa de seus pays e avós, e
falleceu a 6 de Novembro de 1724. Cazou com Dona Ma
gdalena de Loncastre, filha de D. Carlos de Noronha e Do
na Maria de Lencastre, Condes de Valladares. Foi deste
matrimonio que , dentre os tres filhrs, sobresahio :
Francisco Carneiro de Souza , vascido no ano de 1709
e foi o 4.º Conde da Ilha do Principe, Governador,
Alcaide-Mór da dita Ilha e da de Santa Maria, Capitão Mór
da Capitania de Nossa Senhora da Conceição de Itanbaen ,
São Vicente, Santos, São Paulo, Paranaguá, Iguape e Ber
tioga, do Estado do Brazil ( * ). Commendador das Commap
das dos Semsoldos, de Marmelar, de N. Senhora de Mantigas,
na Ordem de Christo . Falleceu a 18 de Novembro de 1731 .
Casou em 31 de Outubro de 1728 com Dopa Anda de
Lima, Dama da Rainha Dona Maria Anna da Austria, filha
dos 3.os Condes de Avintes, que depois de viuva , casou em
29 de Junho de 1735 com Joseph Joaquim Miranda Henriques
Senbor das Villas e Lugares de Carapito, etc.
O 5.º Conde da Ilha do Principe foi Carlos Carneiro de
Souza, da mesma descendencia, pascido em 1710 e succedeu
a seo irmão o Conde Francisco Carneiro de Souza .
O Rei D. Joseph 1.º mudou-lhe o titulo pelo de Lu
miares. Foi cazado com Dona Anva de Noronha, Dama da
Rainha Dona Anna Maria d'Austria que éra sua prima irmã .
Deste consorcio nasceram cinco filhos : Antonio Carneiro
de Souza, Dona Eufrazia Carneiro de Souza, Dona Maria
Rita Carneiro de Souza, Dona Magdalena Carneiro de Souza,
Dona Balbina Marianna Carneiro de Souza. (**)

Passamos a dar em seguida a estas « biographias > a


lista dos donatarios da Capitania de Itanb neu até o anno de

( * ) D. Francisco Carneiro de Souza , 4.º Conde da Ilha do Principe, por


seu loco -tenente Luiz Lopes de Carvalho, governador de Itanhaen , havia em 28
de Abril de 1679 se apossado das Villas de São Vicente, Santos, São Paulo, São
Sebastião e todas as demais villas do sul .
( Vid . « Governadores de Itanhaen » Luiz Lopes de Carvalho ) .
Essa carta de Posse, foi-lhe concedida em virtude de uma sentença Jos des .
embargadores da Relação dos Estados do Brazil , com o cumpra-se de Sua Altesa .
Luiz Lopes de Carvalho, como procurador do Conde da Ilha do Principe foi
empossado de toda a Capitania de São Vicente e suas villas citadas, que se
achavam na posse dos donatarios de Santo Amaro 1Capitania !!
Essa posse dada ao governador de Itanhaen , não foi duradoura, e os condes
de Monsanto , de novo se apossaram da Capitania de São Vicente , dois annos
depois dessa data, 1679 ; passando as ditas villas - São Vicante, Santos, São
Paulo, São Sebastião e Paranaguá, a fazerem parte da Capitania de Santo
Amaro , que tomou o nome de Capitania de São Vicente.
A Capitania de Itanhaen comprehendia nessa época todas as demais villas,
desde Cananéa até Sorocaba e desde São Sebastião até Angra dos Reis, com
todo esse sertão até Minas Geraes ,
( ** ) 08 Grandes de Portugal - por D. Antonio Caetano de Souza, C. R. -
pags , 391 a 400 ,
521

1622 e depois, a dos donatarios da Capitania de Itanhaen


até o anno de 1753 .
As listas destes donatarios dadas por Fr. Gaspar, Azevedo
Marques, Dr. Antonio Piza e outros não estão completas ;
pois não fazem mensão destes dois ultimos donatarios – Fran
cisco Carneiro de Souza, 4.° conde da Ilha do Principe, filho
do precedente, como vem explicado na presente Biographia,
bem como do 11.º donatario irmão deste ultimo , que foi o
5.• Conde da Ilha do Principe.
Houve, como se deprehende desta « biograpia » , dois
Condes da Ilha do Principe, e donatarios de Itanhaen , com
o nome de Francisco Carneiro de Souza , e d'abi proveio sem
duvida a confusão dos chronistas.
Primeiros donatarios da Capitania de São
Vicente e os que continuaram na Ca
pitania de Itanhaen .
0: donatarios da Capitania de São Vicente, a qual, em
1622 , passou a ter a sua sede da Villa de Itanhaen, com o
nome de Capitauia de Itanhaen foram os seguintes :
Martin Affonso de Souza, I donatario ; Pedro Lopes de
Souza, seu filho, II douatario ; Lopo de Souza , seu neto, III
donatario ; D. Marianna de Souza da Guerra , irmã de Lopo
de Souzi , Condessa de Vimieiro, ( 1 ) IV donataria : Sancho
de Faro e Souza , filho da dita Condessa, V donatario ; Diogo
de Faro e Souza, filho de Sancho de Faro, VI donatario ; D.
Marianna de Faro, esposa de Luiz Carneiro e condessa da
Ilha do Principe, VII dovatario ; Francisco Carneiro de
Souza, filho destes ultimos e coude da Ilha do Principe , VIII
donatario ; Antonio Carneiro de Souza , filho deste ultimo,
que falleceu a 6 de Novembro de 1724, segundo refere a sua
« biographia » , foi o IX donatario da Capitania de Itanhaen ;
( 2 ) - Francisco Carneiro de Souza, 4 • Conde da Ilha do
Principe, filho do precedente, nascido no anno de 1709, con
forme diz o seu biographo, foi o X donatario de Itanbaen e
falleceu em 18 de Novembro de 1731. -- Carlos Carneiro de
Souza, da mesma descendencia, ( diz a sua biographia ), nascido
em 1710, foi o 5.° coude da Ilha do Principe e o successor de
seu irmão Francisco Carneiro de Souza, como XI donatario ,
de 1731 em diante, até 1777 em que a mesma Capitania de
Itanhaen foi annexada a Corôa por acto da Rainha D. Maria I ,
conforme diz Fr. Gaspar.

( 1 ) Foi durante á donataria da Condessa de Vimieiro, em 1622, que co


meçou o litigio entre os herdeiros de Pedro Lopes e as de seu irmão Martim
Aftonso ; dessa data em diante a Condessa de Vimieiro , tendo sido esbulhada
da villa de São Vicente , pelos Condes de Monsanto, transferio a séde de sua Ca
pitania para Itanhaen, com o titulo - Capitania de Itanhaen »
Os demais donatarios, que nesta lista procederam á Condessa de Vimieiro ,
pertencem a Capitania de Itanhaen .
( 2 ) Foi este IX donatario de Itanhaen que, em virtude de terem surgido
novas duvidas sobre o dominio e posse de sua capitania de Itanhaen que ainda
abrangia, nessa época, 1709, não só as 100 legoas de costa , como todo o sertão
interior, outrora concedido a Martim Affonso de Souza, requereu a D. João V,
que lhe confirmasse a posse dessa doação, o que lhe foi concedido pela carta
Řegia de 19 de Fevereiro de 1709, cujo teór é seguinte :
« Treslado de confirmação e doação do Exmo. Sr. Conde donatario , confir
mada na era de 1709 annos, a 19 de Fev . de dito anno por El-Rei Dom João
quinto : - Pedindo -me o dito Antonio Carneiro de Souza, conde da Ilha do Prin
cipe, que por quanto o dito Francisco Luiz Carneiro, seu pai, conde que foi da
Ilha do Principe. e hora fallecido e por sua morte ' The pertencia o ser
donatario das cem leguas de terras incluidas na carta nesta encorporada, como
hera do dito conde seu pai, por ser seu filho legitimo e de sua mulher Dona
523

Eufrasia Felippa de Noronha condessa do mesmo titulo , e o mais velho que fi


cára por morte do dito seu pai, como constava da sentença do juiz das Justi
ficações, que offerecia, lhe fizesse a mercê mandar passar carta de confirmação
da doação das ditas cem legoas de terras em seu nome , para as lograr na mesma
forma em que as possuiu o dito conde seu pai ; e visto seu reqnerimento e sen
tença de Justificação referida, carta nesta encorporada e resposta do procurador
da minha Corða, a quem se deu vista, hey por bem e me apraz fazer mercê ao
dito Antonio Carneiro de Souza, conde da Ilha do Principe, de lhe confirmar a
doação das ditas cem legoas de terra, formadas em Capitania , no districto do
Rio de Janeiro ( * ) para que as logre e possua por successão com todas as ju
risdicções, preiminencias, derrogações , e tudo o mais que na doação, nesta carta
encorporada, vae declarado, assim como as teve , logrou e possuiu o dito seu pai
Francisco Luiz Carneiro, Conde da Ilha do Principe, pelo que mando ao meu
governador e Capitão General do Estado do Brasil Governador da Capitania do
Rio de Janeiro e a todos os mais Ministros da Justiça e mais Fazenda do mesmo
Estado, aquem pertencer, cumpram e guardem esta'minha carta de confirmação
e doação muito inteiramente como nella se contem e na sua conformidade dou
posse ao dito Conde da Ilha do Principe , Antonio Carneiro de Souza da dita
Capitania e terra dellas na forma desta doação e lha cumpram e guardem como
nella se contem , sem duvida alguma , a qual se registrará nos livros dos contos
da cidade de São Salvador e nos da Camara da dita Capitania e nas mais partes
onde for necessaria e do que os escrivães que a registrem passarão suas certi
does nas costas della , etc.
Dada nesta Cidade de Lisbôa, aos 19 de Fevereiro de 1709. – Rey - Miguel
Carlos .

( * ) A Capitania de Itanhaen estava subordinada ao Governo Geral do Rio


de Janeiro e não a Capitania de São Vicente ou de São Paulo que foi creada
em Novembro desse mesmo anno de 1709. Em outro capitulos nos occuparemos
dessas novas questões, entre a capitania de Itanhaen e a de São Paulo, por causa
das respectivas jurisdicções.
RELAÇÃO DAS VILLAS QUE SE ACHAVAM SOB A JURISDICÇÃO
DA CAPITANIA DE ITANHAEN E QUE TIVÉRAM PREDI
CAMENTO , OU FORAM PROVIDAS, PELOS RESPECTIVOS
GOVERNADORES DE ITANHAEN .

Não julgue o leitor que tivessimos a pretenção de dar,


nesta modesta « lista » , um resumo completo da historia dessas
primitivas povoações que tiveram o predicamento de villa
durante esse periodo de 1624 a 1753 que foi a época his
torica em que a Villa de Nossa Senhora de Itanhaen esteve
como cabeça ila Capitania dos herdeiros de Martim Affonso
de Souza, em toda a sua jurisdiccă ".
Esse largo periodo tão notavel e tão rico nos fastos da
historia Paulista é, entretanto, como adiante se demons
trará, o inais obscuro e o mais pobre em « apontamentos ,
e « memorias » ; pois que, os nossos historiadores e chronistas
qu- desdenharam sempre fazer consultas e pesquizas sérias
nos registros dos archivos de Itanhaeo e de suas villas an
nexas, contribuiram assim , com o seu desleixo, para que esses
archivos, na época da decadencia dessas villas do littoral,
cahissem no mais completo abandono e fossem , na mór parte ,
destruidos pelas traças e pela acção do tempo.
Paranaguá e Iguapo são as unicas povoações do antigo
littoral paulista, que ainda conservam alguns documentos
dessa época .
Aquella , porque teve a suprema ventura de encontrar,
entre os seus dilectos filhos alguns que se interessaram pelos
annaes memoraveis de sua terra, perscrutando nesses velhos
alfarrabios, nesses registros puidos e indecifraveis, todos ou
parte dessesfastos olvidados pelos historiadores coetaneos.
Vieira dos Santos, Romario Martins, Rocha Pombo, Er
meling de Leào, têm com a bôa vontade e com os fracos
subsidios desses velhos archivos deteriorados, procurado com
feliz exito, reviver os factos e as tradições tão gloriosas dessa
parte esquecida da nossa costa maritima e desse sertão onde
teve inicio a epopea heroica dos primeiros bandeirantes,
nas famosas « entradas » e « descobertas » de minas auriferas
que deu como resultado a expansão e conquista do nosso
patrio territorio.
Iguape, si entre seus tảo dignos filhos não encontrou até
agora quem se propuzesse a fazer o mesmo que fizeram os filbos
de Paranaguá e Corityba, publicando a memorias historicas ,
achou, entretanto, entre os seus moradores, um filho adoptivo
o incansavel investigador sr. Guilherme Young, que mer
gulhando uma bôa parte de sua vida na poeira do velho
archivo - iguapense, pôde d'ali resurgir, si nào toda , ao menos
Dr. Affonso A. de Freitas
1.° Secretario do Instituto Historico de São Paulo que
poderosa e efficientemente nos auxiliou na publicação do
presente trabalho.
Ao illustre intellectual e historiador consagramos esta
pagina em tributo sincero de homenagem .
RELAÇÃO DAS VILLAS QUE SE ACHAVAM SOB A JURISDICÇÃO
DA CAPITANIA DE ITANHAEN E QUE TIVÉRAM PREDI
CAMENTO , OU FORAM PROVIDAS, PELOS RESPECTIVOS
GOVERNADORES DE ITANHAEN .

Não julgue o leitor que tivess:mos a pretenção de dar,


nesta modesta « lista » , um rusumo completo da historia dessas
primitivas povoações que tiveram o predicamento de villa
durante esse periodo de 1624 a 1753 que foi a época his
torica em que a Villa de Nossa Senhora de Itanhaen esteve
como cabeça ila Capitania dos herdeiros de Martin Affonso
de Souza, em toda a sua jurisdiccă ”.
Esse largo periodo tão notavel e tào rico nos fastos da
historia Paulista é, entretanto , como adiante se demons
trará , o inais obscuro o mais pobre em « apontamentos
e « memorias » ; pois que, os nossos historiadores e chronistas
que desdenharam sempre fazer consultas e pesquizas sérias
nos registros dos archivos de Itanhaeo e de suas villas an
nexas, contribuiram assim, com o seu desleixo, para que esses
archivos , na época da decadencia dessas villas do littoral,
cahissem no mais completo abandono e fossem , na mór parte ,
destruidos pelas traças e pela acção do tempo.
Paranaguá e Iguapa são as unicas povoações do antigo
littoral paulista, que ainda conservam alguns documentos
dessa época.
Aquella, porque teve a suprema ventura de encontrar,
entre os seus dilectos filhos alguns que se interessaram pelos
annaes memoraveis de sua terra, perscrutando nesses velhos
alfarrabios, nesses registros puidos e indecifraveis, todos ou
parte desses fastos olvidados pelos historiadores coetaneos.
Vieira dos Santos, Romario Martins, Rocha Pombo, Er
melino de Leão, têm com a bôa voutade e com os fracos
subsidios desses velhos archivos deteriorados, procurado coin
feliz exito, reviver os factos e as tradições tão gloriosas dessa
parte esquecida da nossa costa maritima e desse sertão onde
teve inicio a epopéa heroica dos primeiros bandeirantes,
nas famosas « entradas » e « descobertas » de minas auriferas
que deu como resultado a expansão e conquista do nosso
patrio territorio .
Iguape, si entre seus tão dignos filhos vão encontrou até
agora quem se propuzesse a fazer o mesmo que fizeram os filbos
de Paranaguá e Corityba, publicando a memorias historicas > ,
achou, eutretanto, entre os seus moradores, um filho adoptivo
-o incansavel investigador sr. Guilherme Young, que mer
gulhando uma boa parte de sua vida na poeira do velho
archivo-iguapense, pôde d'ali resurgir, si nào toda, ao menos
1

Dr. Affonso A. de Freitas


1.° Secretario do Instituto Historico de São Paulo que
poderosa e efficientemente nos auxiliou na publicação do
presente trabalho.
Ao illustre intellectual e historiador consagramos esta
pagina em tributo sincero de homenagem .
Cachoeiras Negro
do Juquiá

Este Rio faz barra na Ribeira


de Iguape,
s elle tembea nave.
goção, seis
barra da Ribeira c e iradias de viagem
a deste Riosão
io
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Po Barra de Vna S Morro da Comopon - Corta Topog:
Pir
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Rio Paçauna Rio Suamerim
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do Rio Carajauna a carta da Villa
Reludo Rio Verde
Conceição de
Ponta da Jureat
O Rio Juquia com todos os outros que a) Igreja Matriz
fazem barra nelle estão reservados os seus b) Caza do Comare
matos para os Cortes Reaes , de todos os
mattos que vi na costa desta Capitania 03 de maior altura
c) Corivento dos Fra
Degroçura foram neste Rio d ) Pelourinho
525

grande parte da historia dessa povoação primitiva, a qual,


como Paranaguá, Cananéa e Itanhaen, tão importante papel
represeаtou nesse primeiro cyclo dos povoamentos e desco
bertas ao sul das Capitania de São Vicente e Itaphaen .
E' pois, a este infatigavel chronista de Iguape, o Sr.
Young e an chronista de Paranaguá Sr. Dr. Ermelino de
Leão, que devemos quasi todos os dados não só para o re
sumo historico dessas duas povoações, Iguape e Paranaguá,
como da iniciativa que tivemos de continuar as nossas pes
quizas para os apontamentos historicos das diversas -villas
primitivas da Capitania de Itauhaen .
Quanto ás demais povoações do notte, que fazem parte
desse nosso estudo, só ein Taubaté e Pindainonhangaba en
contramos alguos dados em pequenas monographias publi
cadas uma pelo dr. Francisco de Paula Toledo « Historia do
municipio de Taubaté e outra do dr. Athayde Marcondes
« Apontamentos Historicos, Geographicus e Genealogicos
de Pindamonhangaba ».
O nosso illustrado consocio Dr. Gentil de Moura tambem
nos auxiliou nesta tarefa com um importante subsidio para
a noticia bistorica da villa de Taubaté, que copiamos do seu
archivo particular e transcrevemos do jornal em que foram
impressos esses documentos.
As demais referencias que fazemos , não só a estas duas
povoações como ás demais villas primitivas, foram por nós
colhidas em documentos esparsos , tirados de velhos registros,
dos archivos das Camaras e livros de Tombo, alguns já pu
blicados nas « Memorias » de monsenhor Pizarro, Pedro
Taques e outros.
Nas « Notas Avulças » de Fr. Gaspar, até ha bem pouco
tempo ineditas e publicadas ultimamente na Revista do Institu
to Historico de São Paulo, copiadas dos papeis do General Arou
che, extrahimos bôa parte de dados para este mesmo estudo.
Nenhum desses chronistas antigos é completo nas desori
pções dessas localidades, coufundindo quasi sempre os dona
tarios de São Vicente com os donatarios de Itanhaen , citando
apenas no decorrer das narrações um ou outro documento a
elles referentes com os nomes dos res pectivos fundadores ;
isso mesmo com frequentes enganos de nomes e das datas,
devido, sem duvida , a má interpretação, por parte dos co
pistas. Uma das fontes mais copiosas que ultimamente se
nos deparou , pela gentileza dos nossos dignos consocios dr.
Alfredo de Toledo , dr. Affonso de Freitas e Basilio de Ma
galhães, foi a cópia dos documentos do Archivo Publico do
Rio de Janeiro, que, acompanhados de preciosas notas fazem
parte agora do XVIII volume da Revista do Instituto His
torico e Geographico de São Paulo. ( 1 )
( ! ) « Documentos relativos ao bandeirismo paulista e questões connexas, no
periodo de 1684 a 1700. – Peças historicas todas existentes no archivo Nacional,
e copiadas, coordenadas e annotadas, de ordem do Governo do Estado de São
Paulo, por Basilio de Magalhães, socio correspondente do Institoto.
526

O nosso modesto trabalho sobre a fundação dessas villas


creadas por provisão dos donatarios herdeiros de Martim
Affonso de Souza, os Condes de Vimieiro e Ilha do Prin
cepe, vão é como ficou dito, uma obra completa, pois o
nosso intuito não foi fazer o historico dessas importantes
povoações como Taubaté, Pindamonhangaba, Guaratinguetá,
Paraty e Angra dos Reis , mas simplesmente provar que essas
villas, que tão notaveis se tornaram no cyclo das « entradas
e descobertas » não só foram fundadas pelos governadores de
Itanhaen , como estiveram sempre dentro da jurisdicção dessa
Capitania, até a época em que foi a mesma Capitavia se
questrada e annexada depois á corôa no reinado de D.
Maria I.
Não estão, portanto, incluidas nesta lista as primitivas
villas que faziam parte da antiga Capitania de Santo Amaro,
na parte comprehendida entre o rio Šuqueryquerê e a barra
graude de Santos, e seus fundos, bem como as demais que
foram annexadas á mesma Capitania de Santo Amaro, após
o começo do litigio entre os herdeiros das Capitanias de Mar
tim Affonso e de Pedro Lopes.
Logo no ivicio dessa demanda, como se verá adiante ,
não só a villa de Santos e São Vicente como todas as outras
do interior, inclusivé a villa de São Paulo , ficaram fazendo
parte da dita Capitania de Santo Amaro que tomou o nome
de Capitania de São Vicente, sob o governo dos herdeiros
da donataria de Pedro Lopes de Souza Condes de Mon
santo, depois marquez de Cascaes.
CAPITANIA DE ITANHAEN

As Primitivas Villas da Capitania de Itanhaen nas


duas Zonas Septentrional e Meridional

VILLAS DA ZONA SEPTENTRIONAL


+
Villas da zona septentrional
Villa de Cabo Frio

Os donatarios da capitania de S. Vicente, desde o pri


meiro, Martim Affonso, refere Pedro Taques, concederam
sempre terras de sesmaria aos moradores desta villa de
Cabo Frio ( hoje cidade ) por ser ella da Capitania de S.
Vicente até o anno de 1624 , em que foi repellida a dona
taria Condessa de Vimieiro ; e, depois que ella fez sua Ca
pitania a villa de Nossa Senhora da Conceição de Itanhaen,
foram seus capitães -móres os que continuaram com a juris
dicção de darem sesmarias de terras aos moradores da villa
de Cabo-Frio, como se vê do registro das ditas sesmarias,
nos livros que existem no cartorio da provedoria da fazenda
Real de S. Paulo, a saber : no livro tit. 1602 até 1617 , pag.
63 e 87 ; e no livro n.° 4.° tit. 1622 até 1623 pag. 22,
consta que os Jesuitas do Collegio do Rio de Janeiro, pelo
seu reitor João de Oliva, pediram terras no Cabo -Frio ao
Capitão -mór loco-tenente da donataria Condessa de Vimieiro
dizendo na supplica : que posto as terras que pediram já
as possuiram por carta de sesmaria de Estevão Gomes,
Capitão -mór da cidade de Cabo-Frio, se havia reconhecido
que o dito Estevão Gomes não tinha jurisdicção para con
ceder terras, cujo poder só residia nos Capitães-móres Go
vernadores da capitania de S. Vicente, cuja séde éra a villa de
Itanhaen . Semelhante requerimento fizeram os monges be
nedictinos pelo seu reverendo D. Abbade, pedindo as ter
ras que possuem no Cabo-Frio.
A Villa de Cabo-Frio foi fundada com a invocação de
N. Senhora da Assumpção ; tem igreja matriz , um convento
de religiosos franciscanos e outras igrejas e capellas e é
governada por um Capitão -mór.
( Pedro Taques. Hist. da Cap. de S. Vicente, 1772 ).
Cabo - Frio foi a primeira villa que se desligou da Ca
pitania de Itanhaen, e passou a fazer parte da Capitania
do Rio de Janeiro. Não sabemos, entretanto, em que anno
foi ella annexada a esta Capitania.
O Sr. Dr. Ermelino de Leão nos informa que a villa
de Cabo-Frio em 1688 já não pertencia a Capitania de Ita
nhaen e que o Capitão-mór dessa villa - Luiz Barbalho
Bezerra que tomou posse do seu cargo, em Cabo-Frio a 3
de Dezembro de 1688 já não foi provido pelos donatarios
da Capitania de Itanhaen.
Villa de Angra dos Reis
Segundo as referencias de monsenhor Pizarro nas «Me
morias Historicas do Rio de Janeiro » publicadas em 1820,
a villa, de Angra dos Reis, segundo um documento existente
em mãos desse historiador, não foi fundada em 1608 pelo
Capitão -mór da Capitania de S. Vicente, - Antonio de Oli
veira Gago. Esse documento, ou informação por escripto,
feito por um tal Francisco Matheus Christianes, ( homem assás
rabula e dos mais sabios das antiguidades do paiz ) não
merecera inteira fé do dito historiador das « Memorias His
toricas do Rio de Janeiro.
« A circumstancia de ser a villa de Angra dos Reis, fun
dada por Antonio de Oliveira Gago, não se ajusta, diz elle,
com a certeza da existencia do mesmo Capitão -mor, pelas
vezes e época que occupou esse cargo, á vista das Memorias
para a Historia da Capitania de S. Vicente, pg. 56 90 , e
pag. 98 , § 143 onde o autor Fr. Gaspar, refere que D.
Anna Pimentel, mulher e Procuradora de Martim Affonso ,
segunda vez nomeou -o Capitão -mór Loco -tenente, passando
lhe Provisão em Lisboa, aos 28 de Janeiro 1549. Portanto,
não podia Antonio de Oliveira Gago levantar a villa, como
Capitão -mór de S. Vicente, existindo em tempo inuito an
terior ao facto.
Sendo por isso inveridica a noticia de Christianes,
tem todo peso a que me prestou o autor do « Tombo a do
Convento dos Padres Capuchos, da mesma villa : e para que
conste melhor a sua narração, transcreverei fielmente os au
meros 1.° e 2.º do Cap. 1 do mesmo « Tombo » : Diz o n.º
1.º Em primeiro lugar devo advertir , que esta Villa
da Conceição de Angra dos Reis, em que fundamos este con
vento de S. Bernardino , por antiguidade he uma das mais
nobres Villas, que tem esta Costa, e todo o Senhorio dos
Senhores Condes de Vimieiro e Ilha do Principe. Porque
fundando - se outras em nossos tempos, esta foi a primeira
fundada e creada no anyo de 1624, nos primeiros de Outu
bro, pouco mais ou menos , pelo Capitão -mór João de Moura
Fougaça. Porque de tantos de Julho por diante , já não
achei acto algum juridico que se fizesse na Povoação velba,
nem data, nem escriptura, nem alguma outra cousa ; sendo
que a 2 de Dezembro da dita éra já achei em uns livros
velhos da Camara , datas de chaons, e escripturas de venda
feita desta Villa ; com que he cousa certa, que em meado
do mez de Setembro , ou entrando já em Outubro da éra de
1624 se passarão os moradores da Povoação velha para esta
531

Villa , e levantarão Pellourinho, o que lá nunca houve. Tudo


isso consta da tradicção antiga e de muitos velhos de quem
me informei » .
O Capitão João de Moura Fogaça foi nomeado Procu
rador Geral da Condessa de Vimieiro , por Escriptura de 9
de Março de 1622. Teve Provisão de Capitão e Ouvidor das
cem leguas de terras pertencentes a Martim Affonso de Sou
za, as quaes constituiam a Capitania de Itanhaen. Essa pro
visão foi passada em 22 de Outubro desse anno de 1622 em
Lisbôa. Fogaça partiu de Portugal para tomar conta da
dita Capitania , cuja posse lhe foi dada a 30 de Novembro
de 1623, succedendo no logar de Gapitão Mór, com o provi
mento do Governador Geral do Estado, Diogo de Mendonça
Furtado, a Fernão Vieira Tavares, que então occupava 0
cargo, por Provisão do Capitão -mór do Rio de Janeiro Mar
tim de Sá. Rio de Janeiro fazia parte da Capitania de S.
Vicente, cuja séde passou, nessa época, para a Villa de Ita
nhaen , que ficou sendo « Cabeça de Capitania dos Condes
de Vimieiro » herdeiros de Martim Affonso de Souza .
« Junto ao Povo, no sitio que chamão villa velha (re
fere ainda o chronista Pizarro ) fronteiro a ilha Gipoia , for
mou um arraial , com o litulo de villa e auctorizado por
quem tinha a seu cargo a Capitania de S. Vicente, ou de
N. Senhora da Conceição de Itanhaen, criando casa de Ca
mara, praticando desde logo actos de jurisdicção, sem com
tudo levantar pellourinho, signal constitutivo délla, e pro
prio do caracter que representava. Alguns documentos abo
nam a sua existencia pelos annos de 1596. »
Esta Villa Velha, cuja situação, como diz o chronista,
éra proximo ao povoado de Angra dos Reis, foi extincta ou
transferida para a nova villa fundada definitivamente, em
1624, pelo dito Capitão -mór de Itanhaen Moura Fogaça.
O Livro do Tombo n. 2, refere ainda o seguinte, sobre
a extincção desse velho povoado : « E, porque não passe em
silencio hum castigo de Nosso Senhor feito aquella terra,
advertirei que a resão que me parece aquella povoação não
fosse por diante , e se perdesse, foi : por que sendo feita no
anno de 1613, quando foi no de 1617 matarão uns desalma
dos o seu vigario, que, injusta e aleivosamente haviam cha
mado para uma confissão . e foi este pecado tão exe
crando e abominavel diante de Deus, que sendo os que 0
matarão gente rica, mui nobre, e principal, já nesta terra
pestes tempos , não se encontra memoria da sua descenden
cia, consumindo -se e derramandu-se ( como a de Rubem )
por ella todos, como agua ... O que vendo alguns mo
radores e tendo por certo , que Deus estaria sempre brandin
do lanças, contra a terra que bebeu o sangue de seu sacer
dote, desmaiados de toda a esperança bôa, fugirão della dei
xando-a deserta .
Outros vieram a este logar a fundar a outra villa. »
532

A Villa de Angra dos Reis tornou -se muito importante


com o correr dos tempos.
Em meados do seculo XVII existia nessa villa um gran
de Estaleiro de Construcções Navaes onde se construiram
corvetas e galleões, conforme consta de documentos dessa
época.
Afim de activar e fiscalizar essas obras abi esteve por
mais de uma vez o governador e Alcaide-mór do Rio de Ja
neiro Salvador Corrêa de Sá Benevides, que tinha tambem
o posto de --- General das armadas da Costa do Brasil ---
Em 1661 quando esse General esteve na villa de
São Paulo, de volta de sua viagem ás villas de Paranaguá,
Cananéa e Iguape os moradores de S. Paulo arrependidos,
talvez, da maneira pouco cortez com que haviam anterior
mente tratado esse governador, fizeram -lhe então uma grande
manifestação de agrado, dirigindo-lhe ainda « um requeri
mento, pelo qual o povo dessa villa de S. Paulo, pedia ao
Governador Salvador Corrêa de Sá Benevides que se não
retirasse da mesma villa etc. >>
Nessa petição dizia o mesmo povo : « pedimos a V. S.
nos faça mercê de querer assistir nesta villa donde todos te
mos esperimentado o grande zelo, christandade com que V.
S. acode ao serviço de ambas as Magestades etc. a
Na resposta ou despacho desse requerimento da nobreza
e povo de S. Paulo, dizia o General Benevides entre outras
cousas que : « a suas mercês era presente o que lhe compe
tia fazer. por esta banda do sul , onde éra vindo em serviço
de Sua Magestade, e que não éra justo que estando no der
raduiro quartel de sua vida, viesse a permanecer naqnella
villa, tratando de interesses e conveniencias proprias, quan
do lhe competia occupar o seu tempo no serviço de S. Ma
gestade, no Rio de Janeiro, para dar calor as obras dos
galleães que estavam começadas, por que a principal offici
na desta obra éra na Ilha Grande ( Angra dos Reis ) onde
ha muitas madeiras ; tuboados, estopas e outros materiaes de
amarração, etc. » ( * )
Esses Estaleiros de construções navaes, de Angra dos
Reis, não foram os unicos que existiram, nessa época, na
Capitania de Itanbaen ; pelos mappas que acompanham as
demais villas do littoral da antiga Capitania vêr-se-ha a quan
tidade de estaleiros que ainda existiam nas villas de Cana
néa e Iguape no fim do seculo XVIII.

( * ) Archivo da Camara Municipal de S. Paulo , Livro dos « Registros Ge


raes 1661-1709 .
Villa de Paraty

A Villa de N. Senhora dos Remedios de Paraty foi fun


dada em 1660, pelo Capitão -nór governador de Itanhaen,
Jorge Fernandes da Fonseca, o qual foi provido desse cargo,
pelo Conde Donatario, em 1652, segundo se verifica pela
lista dos Capitães Governadores desta Capitania em capitulo
antecedente. A Villa de Paraty, como a de Angra dos Reis
havia tido inicio em uma povoação, cuja origem se ignora .
Eis pois como, a esse respeito, se exprime o chronista –
Monsenhor Pizzaro nas suas « Memorias Historicas do Rio de
Janeiro »
« Ignorando-se o principio de fundação da Parochia,
tambem se desconhece o da Villa, por não existir na Camara
de Paraty outro documento mais authentico e antigo, que o
do registro de uma carta escripta em 4 de Fevereiro de 1707,
e assignada pelo Bispo D. Francisco de S. Jeronymo, a qual
se acha no livro mais edoso da mesma Camara, cujas margens
rotas e poidas não deixam perceber o numero de folhas.
Desta falta procedeu que, inquerindo o Governador Luiz
Vahia Monteiro sobre a origem da Villa e mais circumstan
cias, para cumprir com a devida informação á Ordem Regia
expedida no anno de 1722 ás Capitanias do Brasil, em be
neficio da Academia Real de Historia Portugueza, que o
Decreto de 8 de Dezembro de 1720 instituiu ; deduziram os
officiaes camaristas que, o começo da Povoação e da Villa, é
de tempo muito anterior á ambos os factos, informados por
antigos habitantes do paiz, entre os quaes se conserva uma
tradição e lembrança corrompida a respeito da era e do fun
dador desta mesma Villa : e para que conste o conteûdo da
resposta dada aos quesitos do dito officio do Governador,
transcreverei a sua copia que não se acha registrada em
livro algum da Camara, e me foi communicado pelo Capitão
mór Salvador da Cunha Amaral Gurgel , sujeito mui zeloso
de colligir e conservar memorias e manuscriptos uteis. Ella
foi concebida assim : « Senhor Governador – Recebemos a de
V. S.a em que nos manda que façamos toda a deligencia por
averiguar, se esta Villa foi fundada por ordem do Conde da
Ilha do Principe, Donatario da Capitania de N. Senhora da
Conceição de Itanhaen. Em observancia da Ordem de V. S.
fizemos toda a deligencia que nos foi possivel, e neste Senado
se não acha documento algum , por onde esta o seja , nem da
fórioa como o foi fundada : a vista do que mandamos cha
mar alguns homens mais antigos desta terra, para nos infor
marmos com elles o que soubessem .
534

Estes nos dizem que o principio desta povoação lh’o déra


um Capitão -mór, que aqui veio pelo dito Conde Donatario,
por nome João Pimenta de Carvalho, ( vid . lista dos Capitães
Governadores de Itanhaen ), o qual fôra dando estas terras ,
por sesmarias, a uns homens que moravam em Angra dos
Reis, e que estes vierão povoar esta terra, ficando sujeitos á
dita Villa de Angra dos Reis ; e que como lhes ficava longe
o recurso para a dependencia de Justiça , passados alguns
annos levantarão Pellourinho e fizerào villa, ac que não im
pugnarão, naquelles tempos, os Ouvidores, que corregião
esta Villa pelo dito Conde : e o primeiro Corregedor que vejo
em Correição á esta villa foi o Doutor Fernando Pereira de
Vasconcellos, em 1719 ; ( Este Corregedor foi provido no lugar
a 18 de Junho de 1714 ) e neste particular não provêu nada.
Depois , vindo em correição o Doutor Antonio de Souza
de Abreu Gradé , ( * ) e o Doutor Manoel da Costa Mimoso
fez-se audiencia e perguntando aos officiaes desta Villa, por
quem chamavão, responderão, que esta villa éra de S. Ma
gestade que Deus guarde e que chamavão pelo mesmo Senhor,
feitos por Eleição, confirmados pelo Corregedor desta Camara .
Em quanto o ter o dito Conde de haver cumprido a condi
ção da sua doação de metter nesta Villa dez Casaes , todos
os annos, para a povoarem não achamos por livros, nem in
formações mettesse nella casaes algum ; e somente na Villa
da Conceição de Itanhaen poderá constar alguma cousa, pois
dizem que ella he a Cabeça da dita Capitania. Isto hé o que
sabemos dizer a V. S.. que Deus guarde muitos annos. Villa
de Paraty, 14 de Outubro de 1731. De V. S.* etc. Luiz
Varella da Fonseca - Ascenso Nunes Costa .- Antonio Correa
de Moura ---- João B. da Costa ---- Manoel Martins Nunes ---
Escrivão » .
Continuando as indagações por outros livros, na Camara
da Ilha Grande ( Angra dos Reis ) no livro de Acordavns fl.
38. V. encontrei à resposta de uma carta de diligencia, apre
sentada em Camara, pelo vereador mais velho da Villa de N.
S. dos Remedios de Paraty, de cujo documento se manifesta
que, a requerimento do Capitão Doming.is Gonçalves de Abreu ,
levantou a Villa de Paraty o Capitão -mór de São Vicente ou
Itanhaen ( a quem são sujeitos os districtos de Paraty e Ilha
Grande ) Jorge Fernandes da Fonseca , ( ** ) e arvorou iambem
o Pelourinho no anno de 1660, 00.00 significativo de Juris
dição, para conhecer dos casos sujeitos á direcção das Leis
Civis e de as fazer exercitar.
Este facto foi communicado aos Juizes e Vereadores de
Angra dos Reis que protestaram energicamente, allegando que
o Capitão Domingos Gonçalves de Abreu não tinha direito

1 ) Antonio de Souza de Abreu Cradé foi provido no cargo a 4 de Maio


de 1722, é Manoel da Costa Mimoso , em 11 de Dezembro de 1726, com bica e
posse da Relação do Porto
( ** ) Vide lista dos Governadores de Itanhaen .
555

de requerer predicamento de Villa, ao Capitão- governador de


Itanhaen, Jorge Fernandes da Fonseca, não só por serem
terras de sesmarias pertencentes a moradores da Ilha Grande,
como tambem por se acharem esses moradores dentro da Ju
risdicção da mesma Villa de Angra dos Reis, e que não davão
cumprimento á < carta de deligencia », que lhes föra enviada
sem aviso ou ordem de Sua Magestade.
Debalde foram os protestos e clamores das autoridades
de Angra dos Reis, contra a creação da Villa de Paraty, que
prevaleceu com o apoio não só do Rei como de toda a Ca
pitania á qual estava sujeita.
E'ra, de facto, grande a utilidade publica que resultava
da crêação da nova Villa, em um districto por onde corria o
caminho unico do sertão, conforme pondera mui judiciosamente
o citado chronista Monsenhor Pizarro. « Por essa estrada
de Paraty é que se fazia .então o maior commercio com serra
acima até as terras das minas ( Minas Geraes ).
O governador geral Salvador Correia de Sá Benevides,
segundo um registro existente no Livro de Accordão da Ca
mara da Ilha Grande, fl. 83, ordenou a 21 de Agosto de 1660
que se abrissem e descobrissem as estradas, desde aquelle ter
ritorio de Paraty até o de S. Paulo, para se « entabolarem
as Minas de sua repartição. »
« A estrada da « Serra do Facão » ( diz o citado chro
nista ) para o territorio de S. Paulo e Minas, do seu districto,
foi a unica cultivada pelos governadores e Preiados do Rio
de Janeiro, por onde passavam as riquezas do ouro e pedras
preciosas, desentranhadas dos sertões dessa Capitania para a Ca
pital , até que, por diligencia de Garcia Paes Leme, se descobris
se o caminho pela Serra dos Orgãos e seguidamente pela Para
hyba-Velha e Paraúna ( Parahibuna ) ao continente dasGeraes.
Com a nova estrada facilitou o transporte das fazendas
para aquelle paiz, donde se fôram conduzindo as riquezas e
preciosidades para a Capital do Rio Janeiro , sem o risco de
mar, ficando assim menos concorrida a estrada da Serra do
Facão, e prohibida, afinal , aos viandantes das Geraes em
razão dos extravios que se davão nas remessas do ouro e
pedras ricas, e « as fazendas, não obstante baver já na serra
o Registro ( posto ) estabelecido, afim de vedar estes des
vios, e examinar os passageiros. »
« Desta prohibição se originou que, sentindo os morado
res e povo de Paraty, graves prejuizos com a falta de ex
tracção de seus effeitos e diminuindo a caltura das terras e
mesmo a povoação, supplicaram á El- Rei a franqueza do
caminho antigo, a arbitrio dos que quizessem cultival-o, por
carta de 24 de Maio de 1715, cujo requerimento foi attendido. »
O alvará em forma de Lei de 27 de Outubro de 1733
probibiu novas picadas ou caminhos para as Minas desco
bertas, ou por descobrir, que já tivessem administração re
gular. ( Liv. 24 do Reg. Ger. da Provedoria do Rio de Ja
neiro, fl. 208 etc. )
536

« Como este caminho da Serra, refere ainda o citado


chronista, éra o unico por onde transitava o povo e os habi
tantes de S. Paulo e Minas, annexa até as das Geraes, foi
preciso que a Carta Régia de 9 de Maio de 1703 mandasse
fundar nesta Villa ( e na de Santos ) uma Casa de Registro
do ouro , para se examinarem os passageiros e a quantidade
de ouro em pó ou em barra que traziam ; e por execução da
mesma ordem se estabeleceu na Serra a Casa ou Posto já
determinada, que ainda subsiste, por confirmal-a outra carta
Régia de 7 de Fevereiro de 1704, pela qual se mandou le
vantar similhante estabelecimento em Taubaté, e fundar ou
tro Registro no districto desta cidade, do Rio de Janeiro, fi
cando extinctas todas as outras, á excepção da de Santos,
( * ) Ao Provedor e ao Escrivão do Registro deu o Governa
dor Luiz Vahia Monteiro um Regimento em 9 de Novem
bro de 1726, que se registrou no Liv. 22 do Registro Geral
da Provincia, f . 81. V >>>
« Pela mesma Serra, de notavel eminencia, conduzem os
negociantes de S. Paulo, em tropas, os effeitos de sua la
voura e outros generos commerciaes do uso e consumo deste
paiz, como, fumos, carnes de porco, toucinho etc , cujos pro
ductos tendo fartado o povo da villa e suas visinhanças, dão
carga sufficiente a mais de 12 lanchas armadas em sumacas,
que girando na carreira da Capital e dos portos mais dis
tantes do norte e do sul , levam juntamente o café, arroz,
milho, feijão e aguardente e diversas especies de commutação.
« Na mesma dependencia que a Villa de Angra dos Reis
que se conservava na Capitania de N. Senhora da Concei
ção de Itanhaen , se achava tambem a villa de Paraty, com
a differença somente de ser aquella corrigida pelo Ministro
Ouvidor do Rio de Janeiro e esta pelo Ouvidor da Capita
nia, dita de Itanhaen , cuja jurisdicção passou depois para S.
Paulo ( 1753 a 1754, ou 1792. )
« Algumas duvidas sobre a competencia desta villa e
bem assim des districtos de Ubatuba e de S. Sebastião, como

( * ) Essa casa ou Posto de Registro, na villa de Santos, tambem ficou ex


tincta mais tarde, quando a villa de Taubaté , que se tornou o « emporio dessa
rica zona da mineração em Minas Geraes, que fazia parte da Capitania de Ita
nhaen , como veremos adiante. Nessa occasião em que a villa de Taubaté, na capi
tania de Itanhaen pelo seu desenvolvimento , sobrepujou a villa de S. Paulo, que
se achava dentro da Jurisdicção da antiga Capitania de Santo Amaro, conhecida
por Capitania de S. Vicente, desappareceu a Casa de Fundição da antiga villa
de Piratininga que foi transferida para Taubaté . Durante as minerações aurife
ras de Paranaguá, Fundiçiin
Cananéa e Iguape fundou -se tambem nestaseculo
permaneceu
ultima villa (Igua
pe ) uma Casa de que até o fim do XVIII como
,
se verá dos documentos citados por nós no historico dessa povoação da Capita
nia de Itanhaen .
Creou -se egualmente, na época do Governo do Capitão Martim Garcia Lum
bria ( Vide este nome ) um posto de Registro na ribeira de Iguape, proximo á
barra do Juquiá, e um outro posto com egual nome , na villa de Guaratuba , ao
sul de Paranaguá, á margem da fóz do rio Sahy ; esse rio tem as suas nascen
bes na serra onde, nessa época, se descobriram — minas de ouro - conforme se
verá dos mappas antigos que publicamos, referentes a essas povoações do litto
pal que estavam fazendo parte da Capitania de Itenhaen .
537

tambem das povoações do sul, pelo Rio Grande de São Pe


dro até a nova colonia do Sacramento, occasionaram questões
entre os ministros de ambas as repartições que finalmente se
decidiram por ajustes e Termo assignado em presença do
Governador Arthur de Sá, e approvado por El-Rei em carta
Regia de 29 de Outubro de 1700, como consta do Liv. 2. °
do Reg. da Camara da mesma villa, Als 16 e de outro si
milhante Liv. fls. 59, V., ficando a jurisdicção do Ouvidor
de S. Paulo até a villa de Santos, com todo o terreno á cima
da serra do Cubatão ; e ao do Rio de Janeiro, os districtos
declarados de Ubatuba, e S. Sebastião, situados ao norte, e
o da Colonia do Sacramento e suas visinhanças, situados ao
sul por ficarem mais facil o recurso a esta Capital, que ao
Ministro de S. Paulo.
« Desunida a Provincia Paulopolitana do governo do
Rio de Janeiro, pela creação da nova Capitania, em 1720 , á
sua competencia se adjudicou o termo de Paraty , por onde
correu a divisa entre aquella e a do Rio de Janeiro. Dahi
procedeu qua, chamando a si o novo Gevernador Rodrigo
Cesar de Menezes, participasse a Camara desta villa a Or
dem Regia sobre esse assumpto, em carta datada em 8 de
Setembro de 1721. »
A 8 de Janeiro de 1727 representaram os officiaes da
Camara de Paraty a El-Rei , sobre os inconvenientes que sof
friam em suas justiças, por se acharem tão afastados da séde
da Capitania e conseguiram a Resolução ou 0. dem Regia em
virtude da qual ficou a dita villa nào só na jurisdicção da
Capitania do Rio de Janeiro, mas incorporada a esse Gover
no, como consta do documento registrado no Liv. 22, do Re
gistro Geral da Provedoria fls. 27. Terminadas por este mo
do as pretenções do Governador e Ouvidor da Capitania de
S. Paulo, passou o Governador do Rio --- Luiz Vahia Mon
teiro a empossar-se do territorio de Paraty, em conformida
de de ordem positiva, no anno de 1726, como consta dos li
vros da Camara da dita villa .
Não obstante a separação do districto de Paraty no ju
dicial e civil, que ficou pertencendo ao Rio de Janeiro, cor
reu a arrematação dos dizimos da mesma villa, bem como
da Ilha Grande ( Angra dos Reis ) pelo expediente da Pro
vedoria de S. Paulo , por motivo da necessidade de -- mais
avultada somma moedal com que se pudessem satisfazer as
Folbas Ecclesiasticas e as despesas do Estado, até se criar,
na Capital do Reino Unido ..0 Tribunal do Conselho da
Fazenda.

São estas as considerações que sobre a villa de Paraty


faz o cbronista do Rio de Janeiro, Monsenhor Pizarro.
Passaremos agora a transcrever outros documentos ex

trahidos do archivo publico do Rio de Janeiro.


538

Carta de D. Alvaro da Silveira de Albuquerque ,


ao Rei, mostrando a conveniencia de erguer -se um
reducto na Villa de Paraty, ofim de impedir-se o
« rush » do Rio de Janeiro para as Minas e evita
rem - se os descaminhos dos quintos. — De 30 de
Agosto de 1702.

Sûr. — Com a ocazião da Passagem p . as Minas enten


tảo muytas pessoas ir a ellas não só desta praça mas de todo
o reconcavo della de maneira q. huns são officiaes mecanicos
da republica e outros são das que assistem nos engenhos e
faz.das a manufatura dos açucares e farinhas de sorte q. não
só estes vem a recorrer pedindome despachos mas ainda sol
dados e marinheyros da frota de sorte q . esta terra se vay
pondo em mizerauel estado sem q. baste o obuiar eu as
licenças na consideração de q. certamente se dezampara esta
cid . mas todo o d.º reconcauo faltandose as lauouras eo

uzo dos ditos officiaes mecanicos de que rezulta hum graue


prejuizo ao bem commu pola grande carestia em q. todos os
generos comestiueis se vào pondo prejudicando isto que ( é )
dos direytos de V. Mag. sem q. obsie as prohibições q. os
meus antecessores pruzerão neste particular porq. logo q .
estas pessoas não achảo o recurso breue se vão sem licença
minha ; e de crer he q. deste modo poderão dezencaminhar
todo o ouro q. trazem com graue defeito da faz." de V. Mag.
receandose q . com a noticia poderão ser castigados ; e como
estas mesmas pessoas o pr. ° posto a que chegão he a villa
de Paraty q. he na costa desta terra para a parte do Sul,
e la haja ja registo da fazenda que levão e ouro g . trazem ,
e nesta p .'' não haja toda a arrecadação necessaria sendo
posto a onde não podem chegar embarcações grandes, mas
pequenas e para o q . se possa offerecer polº tempo em diante,
me pareceu conueniente ao seru.° de V. Mag. darlhe conta
que será precizo mandar fazer nesta Villa de Paraty hua
trincheyra destacada com hu reducto para nelle jogar quatro,
ou seis peças p." defensão daquelle posto pondose hu cabo
com hua guarnição de soldados p.“ se impedir â gente q.
for p. as Minas q. não aprezentar licença minha e obrigar
a todos a fazer registo de todas as faz.as q. levarem , e ouro
q. trouxerem p.“ não se dezencaminhar couza algua e para
que vão falte isto deue V. Mag .“ ser seruido ordenar q. todas
as pessoas q . O contrario fizerem serão extrajoivadas desta
terra e será confiscado tudo o q. se lhe achar porq. com este
temor se evitará irem fugidos e se seguirá melhor o q. (res
peita ? ) á fazenda de V. Mag ." e se não experimentarào as
faltas de mantim .'' q. se estão sentindo nesta praça. E para
que se consiga com facilidade a dita fortificação, deue V.
Mag ." ordenar q. os moradores da mesma villa de Paraty e
das mais circunvezinhas q . tem seruentia p.lo d.º porto con
corrão com aquillo q . for necessº para se dar principio a
esta obra, pois nessa forma mo assegura o Capitão mór da
539

Capitania da Conceipção de que he donatario o Conde da


Ilha do Principe q. com o tributo o nào quiz impor ser
especial ordem de V. Magestade ainda q. o d .° Capp . " mór
me segura 9. aquelles moradores não porão duuida a isso
por couvir asi a sua segurança no q. V. Mag. mandará o
q. mais for de Real seru. de V. Mag. D.* g . a Real pes
soa de V. Mag. como seus vassallos hauemos myster. Rio
de Janr. 30 de Agosto de 1702. D. Aluaro da Silueyra de
Albuquerg.

Este documento vem provar que , nessa época, 30 de


Agosto de 1702, essas villas do littoral do norte estavam
ainda sujeitas á jurisdicção da Capitania de Itanhaen. Esse
« Capitão -mór da Capitania da Conceipção, de que é dona
tario o Conde da Ilha do Principe ao qual se refere este
documento, éra o Capitão Miguel Telles da Costa, que
substituiu no cargo de Capitào -mór e Ouvidor, de Itanhaen,
ao notavel paulist. — Carlos Pedroso da Silveira, que exer
ceu tambem , em Paraty, o Cargo de « Provedor das Minas .»

Carta de D. Alvaro da Silveira de Albuquer


que a Carlos Pedroso da Silveira .
( 26 de Junho de 1704 )
Pella ordem incluza vera V. M. ordena S. Mag. que
Deos g ." que haja na villa de Paraty , e Santos caza de
quintos e se extingão as mais officinas ; e assim logo q .
V. M. receber esta tratará de uir com todos , os seus off ."*
p .* a villa de Parati p ." assim se executar o g . o d . ° S.
inanda dispondosse a caza dos quintos na melhor paragem
q. puder ser para as officinas se poderem exercitar, e de
V. M. asim o hauer feito me dará logo conta, com toda a
breuid . p .* a fazer prez. a S. Mag .“ Deos g .“ a V. M. m .*
annos . Rio de Janr. 26 de Junho de 1701. – D. Aluaro
da Silueyra .
Villa de Ubatuba

E' esta a ultima villa dentro das cincoenta e cinco


legoas de costa, no littoral , cujo termo , do lado sul até o
Rio Curupacê ou Juquiriquerê, é o que serviu de limite ou
padrão ás sobreditas cincoenta e cinco legoas de Martim
Affonso de Souza, como consta da provisão da sua creação
datada de 28 de Outubro de 1676 .
Azevedo Marques , nos seus « Apontamentos Historicos »,
diz que Ubatuba foi creada Villa por provisão de 28 de
Outubro de 1676 pelo governador Salvador Corrêa de Sá
Benevides, porém , Pedro Taques na sua obra « Historia da
Capitania de S. Vicente » assevera que a villa de Ubatuba
foi fundada, nesta mesma data, 1676 , por Jordão Homem da
Costa, natural da Ilha Terceira, cavalheiro fidalgo, cidadão e
pessoa principal do Rio de Janeiro, em pome da donataria
Condessa de Vimieiro D. Marianna de Souza Guerra ; e que
tudo assim consta da mesma provisão que se acha no ar
chivo da Camara desta Villa .
Foi nas praias memoraveis desta Villa que em 1563 se
realisaram os grandes feitos dos benemeritos missionarios
jesuitas Nobrega e Anchieta e onde teve logar o celebre
« Armisticio do Iperohyg a. Foi dessa mesma praia do Ipe
rohyg que Anchieta, durante o seu captiveiro, escreveu o
poema dedicado á Virgem Santissima, cujas estropbes foram
graphadas sobre a areia ...
Nessa mesma região de Ubatuba, em 1554 esteve prisio
neiro dos ferozes Tamoyos, durante muitos mezes , o allemão
Hans Staden , soffrendo as maiores torturas.
Não podendo dar, neste pequeno esboço historico sobre
a povoação e villa de Ubatuba, uma transcripção, embora
succinta, da importante parração dos factos occorridos nessas
praias memoraveis do Ipirohyg conforme vem descripto na
& Chronica de Simão de Vasconcellos » procuraremos, entre
tanto, neste pequeno espaço, fazer uma leve referencia a
esse importante e celebre «pacto» ou « armisticio » entre os fe
rozes Tamoyos de Ubatuba e os habitantes da Capitania
de Martim Affonso de Souza, levado a effeito com tanta ab
negação e sacrificio pelos dois benemeritos missionarios je
suita® , Manoel da Nobrega e José de Anchieta.
José de Anchieta em uma carta datada de S. Vicente,
a 16 de Abril de 1563, dirigida ao Padre Mesire Lains, re
latando os ataques constantes desses indigenas as praias e po
voações de S. Vicente e o perigo em que todos se achavam ,
se não houvesse meios de impedir esses assaltos, que tendi
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- 541

am a anniquilar e extinguir de uma vez a nascente colonia,


e , ao mesmo tempo, lembrando ao seu superior a idéa que
elle e o padre Nobrega haviam tido, de « negociar a paz »
com esses selvagens indomaveis, conclue : « agora estão ap
parelhados dois navios ( Canôas, ) em que havemos de ir , o
Padre Nobrega e eu por interprete por falta de outro
melhor, etc. »
De facto, a 22 de Abril desse mesmo anno de 1563,
isto é, cinco dias após a data dessa carta, Anchieta se em
barcava em S. Vicente, nessa pequena frota, commandada
por José Adorno e, em companhia do veneravel padre No
brega, aventuraram-se em demanda dessa região desconheei
da e inhospita na qual , mezes depois, elle, Anchieta, deveria
ficar prisioneiro como « refens » de guerra, » emquanto seu
venerando companheiro e superior hierarchico voltava a S.
Vicente para melhor encaminhar o tratado de paz que antes
se entabolara entre os portuguezes e tupys , com esse gen
tio de Ubatuba.
A pequena e fragil expedição, capitaneada pelo genovez
José Adorno, gastou 13 longos dias para ir da barra de S.
Vicente ás praias de Ubatuba, fazendo escalas pelas respe
ctivas ilhas .
« Chegaram os dois missionarios, diz o padre Simão de
Vasconcellos, aos primeiros lugares fronteiros dos Tamoyos e
dali os levou em pessôa e em barca propria Francisco ( ? )
Adorno, pobre genovez, homem rico da terra, e grande ami
go da Companhia, e tendo partido a 21 de Abril de 1563,
chegaram aos lugares principaes das praias dos Tamoyos
a 4 de Maio do inesmo anno . »
« Este lugar, fronteiro aos Tamoyos, como cousa tão ce
lebre naquelle tempo por terra barbara, inimiga e tragadora
de carne de christãos, e hoje , por ter sido theatro das acções
de dois varões tão illustres, que consagraram aquelles mon
tes, aquellas praias com a sua santidade, é justo que como
foi por elles assignaladas, seja tambem por nós conhecida. »
« Dista este lugar por computo do mesmo José, 26 legoas
de S. Vicente, correndo ao norte altura de 23 gráos e um
quarto. Tem seu principio, vindo de S. Sebastião, do ul
timo ponto da enseada que chamam do Marmonis, fronteira
a Ilha dos Porcos, correndo ao sul, as trez enseadas seguin
tes : dos Porcos , de Vubatiba e Larangeiras, até entestar com
o grão Cairuçu , penedias disformes, espanto dos navegantes ;
pelo sertão cerco horrivel de altas serranias incultas e im
penetraveis ; muros em fins eternos da natureza ! ... »
« Este éra o sítio daquelles barbaros : Daqui sabia o mór
terror dos portuguezes daquellas partes ; e destas praias dis
pendiam numeros de canôas guerreiros formidaveis ; e do
sertão exercitos temerosos de frecheiros, que, como féras
rompiam as matas e trepavam as penedias para acommetter
e não podiam elles ser penetrados e nem acommettidos, etc... »
512

E' neste diapason, ou peste elevado estylo poetico que o


chronista Vasconcellos nos descreve todos as scenas e lances
que tivera lugar nesse theatro por elle tão bem reproduzido,
e onde os dois missionarios permaneceram tantos mezes SO

portando as mais duras angustias, terrores e desenganos ; os


quaes foram afinal compensados dos melhores resultados, como
é aliás bem conhecido .
As paginas que Simão de Vasconcellos dedica, em sua
chronica, a esses memoraveis factos occorridos nas praias de
Ubatuba, são dignas de ler-se e reproduzir -se ; pois encer
ram um dos episodios mais dignos e notaveis de nossa his
toria. Se não fosse a coragem e abnegação desses dois mis
sionarios, o povoamento e a conquista desta parte do terri
torio brasileiro, teria fracassado, pelo menos nessa época ; e
si a Capitania de S. Vicente não foi invadida e aniquilada
pelos Francezes e Tamoyos, nessa primeira phase de sua
existencia deve -se simplesmente aos esforços, abnegação e
tenacidade de Nobrega e Anchieta . E' esta uma verdade
que ninguem desapaixonadamente poderá contestar.
E ' de justiça, portanto , que, ao tratarmos da fundação
desse povoado de Ubatuba, que foi depois elevado ao pre
dicamento de villa, em 28 de Outubro de 1637, por provi
são da donataria da Capitania de Itanhaen , condessa de Vi
mieiro, representada pelo seu locotenente Jordão Homem da
Costa, relembremos esses factos heroicos de seus pri
mordios, infelizmente tão pouco vulgarisados. Não termina
remos este capitulo sem mencionar ainda outro estupendo
acontecimento que se acha ligado ao facto do a armisticio » e
que se tornou bem notavel na vida heroica de José de An
chieta. E ' a concepção e elaboração singular desse « Po
ema » que elle dedicou a Virgem Santissima, e cujo traba
lho mental e graphico foi feito durante ng mezes de capti
veiro entre os ferozes Tamoyos. Não tendo nem papel, nem
tinta, nem penna para fixar os seus pensamentos , nas horas
de extasis , elle , servindo - se da ponta de seu bastão, ia ao
longo da praia de Iperohyg , graphando na areia as estrophes
que lhe vinham a mente e , ... procurava assim limal-as e
corrigil- as retendo-as na memoria, para depois, após o seu
regresso a S. Vicente, aos 13 de Setembro de 1563, vasal-os
sem esforço no papel .
Segundo os depoimentos de um indio que, como guarda,
acompanhava por toda parte o santo missionario, e de ou
tros mais, diz Vasconcellos , havia uma pequena ave gra
ciosa que adejava constantemente em torno de Anchieta e
vivha as vezes pousar sobre seus hombros como uma inspira
ção divina quando elle se occupava na singular composição
d'essas estancias. ...
Esse celebre poema que foi concebido e graphado em
latim compõe-se de quatro mil, cento e setenta e cinco ver
sos, que fazem duas mil e oitenta estrophes e cuja dedica
toria é a seguinte :
O Poema de Anchieta Quadro de B. Calixto

A partida da frota de Estacio de Sá de Bertioga – Quadro de B. Calixto


543

Entibi quae vovi, Mater Sanctissima, quondum


Carmina, cum saevo cingerer hoste latus.
Dum mea Tamuias praesentia mitigat hostes,
Tractoque tranquillum pacis inermis opus :
Hic tua inaterno me gratia fovit amore,
Te corpus tutum , mensque regente fuit.
Saepius optavit, Domino inspirante, dolores,
Duraque cum saevo funere vincla pati.
At sunt passa tamen Deritam mea vota repulsam ,
Scilicet Heroas gloria tanta decet. »
« Por esta dedicatoria poderá ver, O que entender da
mat a ( diz o chronista, ) que é digno de comparar -se o
eri
nosso poeta com qualquer dos melhores da antiguidade. >>

O sentido da presente dedicatoria é este :


« Eis aqui Mãe Santissima os versos que offereci a vos
uvores, quando me vi cercado de inimigos feras, e
quando socegava com minha presença os Tamoyos e desar
mado tratava de pazes entre homens armados e barbaros. Aqui
teve vossa benevolencia, com amor de Mãe, cuidado de mim ,
e a sombra de vosso amparo vivi seguro no corpo e na alma.
Muitas vezes desejei, com divinas inspirações padecer
dores, prisões e morte, porem não foram admittidos meus desejos,
porque á gloria tão sublime chegam só aos grandes heróes. »
A villa de Ubatuba progrediu consideravelmente durante a
época em que a villa de Itanhaen esteve como cabeça da Capi
tania, principalmente durante as descobertas e explorações das
grandes jazidas auriferas de Minas Geraes. Ao passo que as
villas e povoações da Capitania de S. Vicente, pertencente então
aos herdeiros da donataria de Pedro Lopes, se despovôam e em-
pobrecem , como as villas de Santos, S. Vicente e S. Paulo,
como veremos adiante, essas villas do littoral da Capitania de
Itanhaen , ao sul e ao norte de S. Vicente, prosperavam , graças
aos seus portos por onde se escoavam os productos dasminas
e se abastecia o sertão, pelas vias de communicações que
então haviam entre a zona de serra-acima e a zona maritima.
Das villas do interior, na Capitania de S. Vicente, ( do
nataria do Marquez de Cascaes ) as unicas que ficaram ainda
em condições relativamente prosperas com as descobertas das
« Minas Geraes » , foram as villas de Parnahyba e Mogy, por
se acharem mais proximas a Taubaté e Pindamonhangaba.
A villa de Mogy, e outras dessa região, estavam em
communicação directa com o porto de Ubatuba por estradas
e caminhos que ainda hoje existem , corno é bem conhecido .
Por essa occasião e por essa circumstancia a villa de
S. Sebastião e a povoação de Villa Bella , que estavam den
tro da jurisdıção da donataria do Marquez de Cascaes, tam
bem se recentiram desse progresso e animação devido a po
sição de seus portos e do commercio que mantiveram com o
planalto do valle do Parahyba.
Villa de Caraguatatuba

Nem Pedro Taques, nem Monsenhor Pizarro, na re

lação das villas primitivas fundadas no periodo em que Ita


nhaen esteve como cabeça de Capitania , dão noticia desta
antiga povoação que, embora dentro do districto de São Se
bastião, isto é -- da Capitania de Santo Amaro, -- fazia, en
tretanto, parte da dita Capitania de Itanhaen cujo limite éra
o Rio Juqueriquerê, ao norte de S. Sebastião.
Azevedo Marques diz que a povoação de Caraguatatuba
foi edificada á margem do Ribeirão que lhe dá o nome, em
territorio outrora pertencente a S. Sebastião.
« A 20 de Outubro de 1806, o Ouvidor -geral, em Cor
reição, Joaquim Procopio Pico Salgado, fazendo perguntas
ao administrador da então Capella de Santo Antonio de Ca
raguatatuba, o ajudante Joaquim José Pereira, sobre a cria
ção e erecção d'ella, teve em resposta o seguinte : Que nos
autos da tomada de contas da Capella, que em 1807 se ve
rificava « que não contava nem elle respondente tinha no
ticia da crêação da Capella, nem de quem foram seus fun
dadores, mas sim que a povoação foi villa que desertou,
mudando- se os noradores para outra parte, e como não ha
livros da memoria da dita fundação, não pode elle respon
dente mais exactamente informar » . A verdade desta resposta,
conclue o mesmo Azevedo Marques, é em parte confirmada
pelas « cartas de Sesmarias » concedidas a Salvador Bicudo,
João Maciel , Domingos Rodrigues Marinho , Sebastião Coelho
e a mais 11 moradores da Villa de Santo Antonio de Cara
guatatuba, a 22 de Julho de 1666, pelo Capitão-mór Agosti
nho de Figueiredo, conforme o registro no livro 11.° de Ses
marias, a folhas 92. »
Este Agostinho de Figueiredo foi Capitão-mór de S. Vi
cente, isto é, da Capitania oe Santo Amaro, u'essa época.
Entretanto, o verdadeiro fundador da Villa de Caraguata
tuda não foi o Capitào-mór de Sảo Vicente, ou Santo Amaro,
mas o Capitão Governador da Capitania de Itanhaen, João
Blan , conforme se verifica dos apontamentos « notas avulsas »
do chronista Fr. Gaspar da Madre de Deus, transcriptos no
vol . V da Revista do Instituto Historico de S. Paulo, pelo
Dr. Antonio de Toledo Piza.
Diz a referida nota : « Alem das Villas que actualmente
existem , houve entre São Sebastão e Ubatiba a Villa de Santo
Antonio de Caraguatatiba , como consta de duas Sesinarias
registradas na livro 11.º dellas, uma a fls. 93 e outra a fls.
99, dada a primeira aos trez de Janeiro de 1655, por João
Blan , Capitão da Capitania de N. Senhora da Conceição de
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545

Itanhaen, de que éra donataria a Condessa de Vimieiro,na


qual se trata a dita Villa como nova, e a 2. ° aos 22 de Ju
nho de 1666, por Agostinho de Figueiredo, Capitão Loco
tenente do Marquez de Cascaes. »
Vê - se, portanto, que a Villa de Caraguatatuba havia sido
crêada nessa época, visto que é designada « como nova » e não
resta duvida que foi ella elevada a esea categoria pelo mesmo
Capitão Governador de Itanhaen, João Blan, em nome da
donataria Condessa de Vimieiro , porque , na relação dos Ca
pitães Governadores de Itanhaen o dito João Blan , que exer
ceu esse cargo nessa época , 1653 a 1656 , e 1660 a 1662 ( dois
triennios ) é conhecido como fundador da Villa de Caragua
tatuba .
A Villa de Caraguatatuba, não tendo pessoal sufficiente
para exercitar os cargos publicos pela deserção de seus
habitantes na època das descobertas auriferas, de Cuiabá e
Goyaz, perdeu a sua categoria de Villa, ficando reduzida a
Capella . Por Lei Provincial de 16 de Março de 1847 é de
novo elevada a freguezia readquerindo os fóros de Villa pela
Lei de 20 de Abril de 1857 .
Essa deserção dos habitantes da villa de Caraguatatuba
e o seu desapparecimento completo, do numero das villas do
littoral da Capitania de Itanhaen , nessa época da decadencia,
não foi a unica ; pois nessa mesma época , ou logo depois,
desappareceram outras villas situadas 20 sul de Iguape, como
se verá adeante . ( Ver a Villa de Iguape );
Essa extrema decadencia e dispersão dos habitantes do
littoral, nesse triste periodo de nossa historia, foi devido ao
exodo para as novas minerações de Cuiabá e Goyaz, de 1721
em deante, conforme explicaremos em outros capitulos.
Villa de Taubaté

A Villa de S. Francisco das Chagas de Taubaté foi erecta


em 1645 por Jacques Felix , natural de S. Paulo, e nella foi
provedor e fundador, como procurador bastante da Condessa
de Vimieiro, donataria da Capitania de Itaphaen. Este pau
lista, segundo escreve Pedro Taques, tinha passado de São
Paulo com sua familia e grande numero de indios de sua
administração, gados vaccum e cavallar ; e tendo couquis
tado os bravos gentios da nação Gerominis e Puris, habi
tadores d'este sertão, levantou á sua custa igreja matriz con
struida de taipa de pilão, fez cadea e caza de sobrado para
o Conselho, moinhos para trigo, e engenhos para assucar .
E'ra Capitão -mór Governador da Capitania de Itanhaen Fran
cisco da Rocha o qual, por sua provisão de 20 de Janeiro de
1636 , concedeu ao dito Jacques Felix, como morador opulento
e abastado da Villa de S. Paulo, que penetrasse o sertão de
Taubaté, em augmento das terras da Condessa donataria de
Itanhaen , -- D. Marianna de Souza da Guerra ( Condessa de
Vimieiro ). Esta mesma provisão ratificou em 30 de Junho
de 1639 Vasco da Motta, Capitão-mór governador da dita Ca
pitania de Itanhaen, ordenando que concedesse, em nome da
mesma Condessa douataria, uma legua de terra para rocio
da villa e, aos moradores, que fossem accudindo a estabele
cer-se na povoação, concedesse tambem terras por Sesmarias.
Por outra provisão de 13 de Outubro de 1639 mandou
que Jacques Felix, Capitão -mór povoador, completas as obras
para se acclamar em villa a povoação, fizesse aviso para se
proceder este acto. Depois, por provisão de 5 de Dezembro
de 1645, passada por Antonio Barbosa de Aguiar, Capitão
mór governador, Ouvidor e Alcaide-mór da Capitania de Ita
vhaen , se acclamou em villa, na primeira oitava do natal
deste mesmo anno de 1645 e se formou a eleição de Juizes
ordinarios e officiaes da Camara, que entraram a servir no
dia 1.º de Janeiro de 1646 .
Todo o referido consta do processo que se acha no ar
chivo da Camara desta Villa : nella ha um convento de re
ligiosos Capuchos de Santo Antonio, com grandeza do ouro
das Minas Geraes, então chamada « Mina dos Cataguazes » ,
descobertas no anno de 1695 , pelos paulistas Carlos Pedroso
da Silveira e Bartholomeu Bueno de Siqueira, que apresen
taram amostras deste novo descobrimento a Sebastião de Castro
Caldas, que se achava encarregado do Governo do Rio de
547

Janeiro, depois da morte do Governador Antonio Paes de


Sande .
Mereceu a Villa de Taubaté que El-Rei D. João V man
dasse nella estabelecer uma casa de fundição de Ouro para
pagamento do seu real quinto, e della foi provedor o mesmo
Carlos Pedroso da Silveira, até se extinguir a dita casa , que
se passou depois para dentro das mesmas minas.
( Hist. da Cap. de S. Vicente por Pedro Taques ).
Monsenbor Pizarro em suas « Memorias Historicas do Rio
de Janeiro » refere que a casa de fundição de Ouro de Tau
baté foi extincta pela Carta Regia de 7 de Fevereiro de 1704
« pela qual se mandou suspender semelhante estabelecimento
em Taubaté e fundar outro Registro no Rio de Janeiro.
Suppomos, entretanto , que esse estabelecimento onde se
registrava o ouro éra independente da « Casa de fundição
que abi foi creada por ordem de D. João V.
Na Capitania de Itanhaen houve, nessa época, outras
« casas de fun lição » , além da de Taubaté. ( Vide Villa de Igua
pe e Paranaguá ).
d Villa de Taubaté que tão importante papel represen
tou no decurso do periodo das grandes descobertas das minas
de ouro, esteve ou deveria estar até 1753, ou 1792 sob o
dominio e posse legal dos governadores da Capitania de Ita
nhaen ; ( * ) si bem que uma ou outra vez, após a créação
da Capitania de S. Paulo, em 1710 , os Capitães -generaes
tentassem imiscuirem-se nos negocios publicos de Taubaté, e das
demais villas do norte, procurando invadir a jurisdicção da
Capitania dos Condes da Ilha do Principe, como se verá
pelos documentos que vão trauscriptos em outra parte desta
óbra , no capitulo que trata da Relação dos Governadores
da Capitania de Itanhaen » e no litigio entre os donatarios .
Esses documentos fazem menção do periodo florecente a que
chegou a Villa de Taubaté na época em que o notavel pau
lista Carlos Pedroso da Silveira , natural desta mesma villa ,
exerceu não só o cargo de Capitão-mór -- Governador e Ou
vidor da Capitavia de Itaphaen, como mais tarde o de Go
vernador das tres villas da margem do Parahyba : Taubaté ,
Pindamonhangaba e Guaratinguetá.
E ' a esse forecente periodo da Historia Paulista, nessa
zona do norte da Capitania de Itanhaen , que um illustre
investigador dos fastos de nossa historia, tão judiciosamente
denomina « o cyclo espontaneo do ouro » .

( * ) Não é uma affirmação, mas uma simples conjectura que fazemos,


fundada em factos, visto não termos ainda dados positivos que nos provem o
contrario . Si , entretanto , no decurso deste nosso estudo, chegarmos a encontrar
provas em contrario á nossa supposição, ratificaremos com prazer o que ahi fica
escripto sobre a jurisdicção da Capitania de Itanhaen , nesse ultimo periodo de
sua existencia, Taubaté , não obstante estar dentro da jurisdicção da Cap. de
Itanhaen foi, de 1710 em diante , elevada a categoria de Cabeça de Comarca da
Capitania de S. Paulor,
548

Eis o que a respeito das « Descobertas das Minas por Tau


bateanos » consta da Monographia do Dr. Francisco de Paula
Toledo :
« Os taubateanos naturaes de genio elevado e empre
hendedor não se contentaram coin as conquistas feitas, qui
zeram internar - se pelos sertões em demanda de novas riquezas
e, fieis ás tradições de Jacques Felix, procuraram por sua
intrepidez e coragem dominar as distancias, vencer a natu
reza , e plantar o nome taubateano nos sertões os mais remotos.
Foi, guiado por estes sentimentos, que o taubateano
Antonio Dias conjunctamente com o padre João Faria Fialho,
natural de São Sebastião e os paulistas Thomaz Lopes de
Camargo e Francisco Bueno da Silva em o anno de 1699 e
seguintes, transpuzeram em jangadas o rio Parahyba, pene
traram a serra da Mantiqueira, até então nunca transitada, (*)
e após immensos obstaculos, arrostando perigos da propria
vida, foram descobrir os ribeiros da serra do Ouro Preto,
assim chamada pela côr escura de suas rochas, e ahi extra
hindo ouro, attrahindo para a sua companhia grande numero
de immigrantes, que ávidos de riqneza, foram fundar a ci
dade de Ouro Preto, hoje capital da provincia de Minas.
Aquelle intrepido taubateano e estes valorosos paulistas
não se contentaram com as minas descobertas ; nos annos se
guintes ainda penetraram e descobriram as serras do Pão
doce, do Ouro-pôdre, Ouro - fino, Queimado, Sant'Anna e a
do Ramos, onde hoje existem grandes e importantes povoações.
Em 1681 , quando o Provedor e Administrador Geral das
Minas – D. Rodrigo Castello Branco tentou descobrir de
novo e explorar as minas de prata e esmeraldas da Serra de
Sabarábuçú, a mandado do rei, lhe foi entregue um protesto
do padre João Leite da Silva, que tambem se intitulava
des obridor e dono dessas minas. Em uma carta que o dito
Provedor das minas dirigiu aos officiaes da Camara de São
Paulo, a 6 de Janeiro de 1681 , dizia, ao tratar dessa ex
ploração : « Esse Senado escreveu uma carta a esta admi
nistração de alguns particulares que tocavam ao serviço do
Pincipe Nosso Senhor e, na dita carta me veio um protesto
do padre João Leite da Silva, cousa que extranhei muito,
porque o dito Padre não tem cousa alguma neste sertão que
eu saiba, nem tem procuração do filho do defunto Fernão
Dias Paes, o descobridor das pedras verdes que dizem ser
esmeraldas.
O dito padre está muito enganado em fazer protestos
sobre o que eu tenho de fazer, pela razão do meu posto. O
capitão Garcia Rodrigues Paes ( filho de Fernão Dias Paes )
por carta que me escreveu e pelo manifesto feito nesta ad
ministração fez de tudo deixação ao principe N. Senhor etc ?.

Parece-nos que antes dessa data, já outros sertanejos haviam transposto


a Serra da Mantiqueira ,
549

Garcia Rodrigues Paes já havia, de facto, a 26 de junho


de 1681 , no Arraial de São Pedro « em mattos de Parahibi
tiva, em pousadas do dito administrador D. Rodrigo Castello
Branco » feito entrega solenne dessas « pedras verdes » des
cobertas por seu pae,afim de que o administrador as enviasse
para o Principe, aquem elleas fazia presente. ( Liv . de Re
gistro Geral da Camara de São Paulo ).
Vê-se por estes documentos que antes de 1699 já se
havia penetrailo nesses sertões de minas e que esse padre
João Fialho, não foi o primeiro sacerdote que se internou e
se imiscuiu no negocio das minas do Sabarabuçú, no primeiro
cyclo da prata e das esmeraldas .
Posteriormente, no principio do seculo XVIII, existindo
em Taubaté, de paes pobres porém honrados e emprehen
dedores , Thomé Fortes, o qual obtida a licença de seuspaes
em companhia de dois ou tres amigos desceu o rio Parahyba
até a altura do Imbahú, d'ahi subindo a serra da Mantiqueira
atravessou diversos riachos e serras até encontrar um rio que
pelo volume de aguas foi pelo mesmo denominado - Rio
Grande, nome que até hoje conserva : ahi demorou-se o
tempo preciso para fazer jangadas e canoas afim de transpor
o rio ; transposto o qual descobriu grandes campinas pelo
meio das quaes serpenteava um rio, pequeno na massa de
suas aguas, porém, grande nas riquezas que encerrava ; este
rio é hoje o rio das mortes.
As terras adjacentes são todas auriferas e Thomé Fortes
tendo - as explorado e reconhecendo -as de facto terras auri
feras saudou a seus companheiros e os convidou a baptisarem
aquellas terras com o nome de — terras do Bomfim ; e nesse
mesmo dia esereveu a seus paes ein Taubaté communicando
haver sido bem succedido em suas'empresas e ter descoberto
grandes minas de ouro .
A fama deste successo constou logo no Rio de Janeiro
e em Lisbôa, e em menos de dous annos na margem esquerda
do Rio das Mortes achava -se uma grande povoação, que é hoje
a opulenta cidade de São João d’El Rey.
Por este tempo mais ou menos, outro taubateano de
nome João Affonso Salgueiro descobriu as copiosas minas de
ouro na serra denominada Ponta do Morro .
Este successo attrahiu para alli várias familias de São
Paulo e São Sebastião, e deu logar á fundação de S. José
d'El Rey .
E' dever do historiador imparcial neste logar consignar
um facto historico de summa importancia para Taubaté, e é
que o primeiro descobridor de ouro no Brazil foi Rodrigues
de Arzão, natural de Taubaté, mas cujas viagens e derrotas
para o interior são ' completamente desconhecidas » .
Diz este historiador de Taubaté, conforme ficou tran
scripto que os primeiros descobridores das minas de ouro, no
Estado de Minas Geraes, foram : o intrepido taubateano An
tonio Dias conjuntamente com o padre João Faria Fialho,
.
550

natural de São Sebastião e os paulistas Thomaz L. de Ca


margo e Francisco Bueno da Silva, em o anno de 1699 e
que foram ainda estes exploradores « os primeiros que pene
traram na serra da Mantiqueira » .
Parece que neste ponto o illustrado autor está em con
tradicção com o que affirmam alguns historiadores os quaes
dizem que antes dessa época Jacques Felix e outros serta
nistas já haviam penetrado nesse sertão, em busca de minas
de ouro .
Durante a administração de Henrique Roballo Leitão,
no governo da Capitania de Itanhaen, desde 1670 em deante
já os paulistas Manoel Borba Gato e seu sogro Fernão Dias
Paes, haviam feito, por ordem desse governador de Itaphaen
uma notavel « entrada » no dito sertão de Minas Geraes como
provam esses documentos da Camara de São Paulo já citados
na jota antecedente.
Em 1694 o famoso taubateano Carlos Pedroso da Silveira ,
que foi Governador e Ouvidor da Capitania de Itanhaen,
emprehendeu , e levou a effeito uma exploração vesses mesmos
sertões de Minas Geraes, em companhia de Bartholomeu
Bueno de Siqueira e Miguel Garcia de Alineida. Essa me
moravel expedição de Carlos Pedroso e Bartholomeu Bueno de
Siqueira está hoje provado pelos documentos ultimamente
encontrados nos archivos do Rio de Janeiro, na collecçảo dos
papeis dos respectivos governadores, copiados e annotados
pelo dr. Basilio de Magalhães.
Além destes descobridores que vimos de citar já outros,
em meados do seculo XVI, haviam galgado a serra de Man
tiqueira e percorrido esse sertão de Minas até as margens do
rio São Francisco .
E ' bem conhecida a « entrada » feita, nesse mesmo ser
tão, por Braz Cubas. em 1560, a qual é relatada pelo mes
mo, em uma carta dirigida ao Rei de Portugal, com data de
25 de Abril de 1562.
Pela leitura desse documento vê-se que o capitão Braz
Cubas subiu a serra do Mar, foi a Mogy e d'ali passou o
Parahyba e galgou a serra da Mantiqueira, internando -se
nesse sertão até as margens do Rio São Francisco, donde
trouxe amostras de mineraes que mandou ao Governador da
Bahia .
Estes factos, entretanto , não desmerecem a gloria que
cabe aos filhos de Taubaté, pelo grande esforço que empre
garam na exploração desse vasto certảo de Minas Geraes,
nesse periodo aureo das descobertas cuja primeira iniciativa,
corôada de exito, cabe a Carlos Pedroso da Silveira, Antonio
Dias e outros.
« Com o correr dos tempos, refere ainda o historiador de
Taubaté, crescendo as descobertas das minas e sendo o ouro
minerado em grande quantidade, o Governador do Rio de
Janeiro, Minas e São Paulo, -- Cesar Antonio Paes de Sandes,
em Janeiro de 1995, determinou que houvesse na cidade de .
Dr. Gentil Moura
Autor do estudo historico sobre a personalidade do
« Capitão Jacques Felix » por nós reproduzido.
Estampando o seu retrato nesta pagina prestamos a
mais justa das homenagens do distincto amigo e illustre his
toriographo .
551

Taubaté ( Taubaté ainda éra villa nesse tempo ) uma fun


dição para onde os mineiros deveriam ievar todo o ouro que
colhessem , afim de ser fundido á custa do Estado, que devia
perceber o quinto do dito inetal.
A criação de fundição de ouro em Taubaté por confir
mação do Governo da metropole, revelou a importancia que
mereceram os taubateanos daquelle tempo pela sua lealdade,
honradez e probidade. Na carta de provisão crêando a
a casa de fundição de ouro em Taubaté, declarava-se « que
éra esta a recompensa e homenagem dada á patria dos in
trepidos e distinctos descobridores de tảo precioso metal » .
(Vide Carlos Pedroso da Silveira, « Relação dos Gover
nadores da Capitania de Itanhaen » ).

Afim de melhor elucidar a parte historica que nesta


ligeira noticia damos sobre a fundação da importante villa
de São Francisco das Chagas de Taubaté, vamos transcrever,
neste capitulo, o resultado de uma paciente pesquiza feita
ultimamente nos velhos archivos dessa hoje cidade de Tau
baté, pelo nosso amigo o consocio Dr. Gentil de Moura .
Esse interessante estudo historico já foi publicado no jornal
- 0 Norte -- de Taubaté, e o seu illustrado auctor concedeu
nos a devida auctorisação para o transcrevermos pela seguinte
carta : « Am .° B. Calixto. Pedes -me auctorização para tran
screver no teu trabalho sobre a Capitania de Itanhaen o estudo
sobre Jacques Felix que publiquei no Norte de Taubaté. Esse
teu pedido é uina distincção que me conferes e uma honra que
me exalta e que somente gratidão pode importar ao - Todo
teu --Gentil de Moura . Kio, 28 de Agosto de 1917 » .

O CAPITÃO JACQUES FELIX


Os historiadores que se têm occupado da fundação de
Taubaté, referindo-se à Jacques Felix , nào gastam a seu
respeito sinào algumas linhas cuja summula é a fundação
do povoado em 1636. a mandado da condessa de Vimieiro e
para onde elle passou sua familia e escravos.
Entretanto , quer pelo que se vê em documentos do seculo
XVII publicados no vol. XIV pag. 17 da Rev. do Instituto
Historico de S. Paulo e Actas da Camara daquella cidade,
quer pelo que se observa nos inventarios de Orphams de
1650 a 1712 e livros de notas de 1658 a 1671, existentes
nos dois cartorios civeis desta cidade, ha certa abundancia
de informes que poderiam melhor conduzir esses escriptores
para descripção da vida do fundador de Taubaté.
Por esses documentos verifica -se que Jacqnes Felix fôra
official da Camara de S. Paulo em mais de um triennio, era
casado com Francisca Marzilha de cujo consorcio houve quatro
filhos que descobrimos ) : Domingos Dias Felix, Belchior
552

Felix, Jacques Felix, o moco . e Catharina Dias Felix e que


fora morador na estrada de Santos a S. Paulo, no local hoje
denominado Pouso Alto e na sesmaria primitivamente con
cedida a Bartholomeu Carrasco ou mestre Bartholomeu , como
era mais conhecido.
E' de presumir, porém , que não gozasse de grande pros
peridade nesse sitio, porque as terras eram de todo impresta
veis a qualquer cultura . Sobre ser uma região de serra com
contra fortes escarpados e valles apertados, coberta de mattas,
onde a chuva é contiaua, a humidade abundante e o céu
sempre encoberto por denso nevoeiro, tinha ainda contra si
a pessima qualidade do solo e o facto de já ter sido traba
lhado ha cerca de cincoenta annos pelos antigos moradores
de S. André cujo extincto povoado ficava perto.
Nesse sitio devia ter reunido as differentes peças do
gentio da terra, os indios carijós que, segundo alguns histo
riadores, Jacques Felix possuia em abundancia e donde depois
de desanimado com a esterilidade das terras resolveu sabir
para tentar fortuna em outro logar. Nessa situação, pediu
e obteve, em 1628, do Capitão mór da Capitania de S. Vi
cente, João de Moura Fogaça, ( * ) procurador da condessa
de Vimieiro, donataria da Capitania , que concedesse a si e
aos seus filhos Domingos Dias Felix e Belchior Felix, meia
legua de terras a cada um a começar em Pindamonhangaba
e a terminar em Tremembé, no rio Parabyba, na tapera do
gentio e com fundos na extensão de meia legua.
Essa sesmaria, que foi assignada em Angra dos Reis, a
21 de novembro de 1628, pelo procurador da condessa de Vic
mieiro, consta do livro de notas de 1669 a 1671 , ultimas
paginas e existente no 1.º officio desta cidade. Do livro
existe um fragmento em relativo estado de conservação.
Essa concessão deve ter sido a primeira que foi feita
em terra taubateana e pelo seu interesse historico a repro
duzimos no final deste estudo.
Na sesmaria de Teremembé, parece, deixou-se ficar Jacques
Felix e seus filhos cerca de doze annos cultivando a terra e
beneficiando sua fazenda, até que em 1636 foi encarregado
-- pelos procuradores da condessa -- de escolher logar e fazer
a demarcação da cidade onde ella hoje se assenta .
E ' tambem possivel que para refazer - se dos indios ca
rijós que fallecessem ou lhe faltassem para o amanho das
terras , tivesse organizado bandeiras ou melhor dito, partida
em monsões ou armações para o sertão dos Guarulhos que
fronteavam Pindamonhangaba atraz da serra da Mantiqueira,
dos Caethés que habitavam vallo do Sapucahy, dos Puris,
fronteiros a Biratinguetá e de lá tivesse descido as peças do
gentio ou faligos de que necessitasse para seu serviço.

( * ) Ver a nota no fim deste capitulo .


553

Nessa fazenda, si os negocios não lhe correram prosperos


não devia comtudo ter tido as decepções que o acabrunharam
no sitio do Pouso Alto. O campo éra mais vasto, a terra
mais productiva, as estações melhor defiuidas o com estes
elementos e com o pessoal que não lhe faltava, facil seria
prosperar.
A Jacques Felix vieram logo reunir-se os Capitães João
do Prado, Monteiro, Manoel da Costa Cabral, Sebastião Gil
e seus filhos, Pero, Paschoal , Sebastião, Amaro, Antonio. Ma
noel Bento e seu genro Antonio Delgado Escobar, Miguel
Luiz, Braz Gonçalves, José de Paris, o padre Miguel Vel
loso, Manoel Coelho de Souza, João Veloso, Antonio, Ro
drigues, João de Azevedo Coutinho, Antonio Bicudo Leme,
Fernão Leme e Braz Esteves Leme, Chrystovam Rodrigues
de la Penha, D. Bernardo Sanche de la Pimenta, Domingos
Lins Pelladam, Antonio Raposo Barreto, Antonio Gonçalves,
Coronel Antonio de Faria Albernaz, e seu filho Salvador Al
bernaz, Luiz Fernandes, Domingos Dias, João Corrêa, An
tonio de Barros Freire, Dyonisio, Gabriel e Miguel de Goes,
Manoel Martins Bezerra, Francisco Farel, Domingos Pires
Valladão, Sebastião Luiz, Francisco Botelho, João Delgado
de Escobar, Manoel de Oliveira Sarmento, Antonio Teixeira
Side, Capitão Antonio Vieira da Maia é seus filhos João
Vieira da Maia, Henrique e Matheus Vieira da Cunha, Ma
noel Corrêa de Andrade, Antonio Tenedo, Frei Antonio da
Cruz, Rodrigo Gomes, Estevão da Cunha e seu filho Henri
que da Cunha Lobo, Antonio Furtado, Baptista Gago, Hen
rique Nunes, Manoel e Miguel Fernandes Edras, Francisco
da Cunha de Oliveira , Padre Pedro Ribeiro do Valle. João
Martins, Estevão Raposo Barbosa, Bartholomeu e Antonio da
Cunha Gago, Thomé Fortes d'El Rei, Pero de Pontes, Ma
noel de Oliveira Falcão. Domingos Luiz Leme, Francisco
Ribeiro Banhos, Domingos Velho Cabral, Matheus Vaz Porto
Alegre, Raphael de Souza Castello Branco, D. Pedro Fer
nandes Aragones, Jeronymo Galante, João Ribeiro de Lara,
Perez de Lima, Antonio Monteiro de Alvarenga, Sebastião
Monteiro Pereira , Domingos Alvares Pereira, Domingos Luiz
Bicudo, etc. etc., representantes das mais gradas familias
paulistas que vinham de Santos, São Paulo e Mogy, fundar
fazendas em Guaratinguetá, Pindamonhangaba, Tremembé,
Taubaté, Caçapava. (velha ) Capivary, ( Jambeiro ) e Para
hytinga ; ( Inventario de orphãos de 1650 em deante ). São
esses povoadores os troncos das principaes familias desta zona.
A proporção que se operava o expansionismo da região,
surgia a necessidade de um povoado que servisse de centro
ás fazendas que continuamente se formavam . Em 1636 , foi
Jacques Felix incumbido de fundal- a, o que levou a effeito
assentando -a sobre os escombros de uma antiga aldeia do
Guayanazes por elle já reduzidos.
Sua orientação sobre este particular revelou um bello
descortino e uma intelligencia de destaque.
55+

Ponto algum poderia offerecer melhores condições para o


assento do povoado do que aquelle que merecera a sua escolha.
O local era alto e plano, bem arejado pelo vento de
todos os quadrantes, com terras ferteis e de onde se descor
tinavam em amplo horisonte varias cadeias de montanhas .
Banhava a villa em todo o seu comprimento, um ribeiro que
serviria de aguada e cujas margens vestidas de vegetação de
mattas poderiam fornecer ao novo povoado as madeiras para
as construcções .
Acerescia ainda uma circumstancia de alta ponderação :
ser o ponto de intercepção de umil série de estados que
descarregavam para o littoral ou penetravam o sertão. E o
que se deprehende do roteiro seguido pelos expedicionarios de
Martim Affonso em 1530 que partiram do Rio de Janeiro e
proseguiram até as cabeceiras do São Francisco ( talvez mais
acertadamente as do Sapucahy ) e posteriormente percorrido
por Antonio Knivet em meados do seculo XVI , intinerarios
que tiveram como ponto de passagem obrigatorio a Taubaté ;
é o que se verifica tambem das descripções das sesmarias
concedidas nos principios da fundação. Desses roteios po
demos concluir que da primitiva aldeia dos Guayanazes,
( Taba -eté) partiam os seguintes caminhos já palmilhados
pelos indigenas em época pre -historica :
1 ) para Ubatuba, passando por Piracanguá e Parahy
tinga , onde bifurcava o caminho para Paraty ; 2 ) para o sertão
dos Caethés passando pela garganta do Piracuama ; 3 ) para
o sertão dos Cataguás, passando por Teremembé, Pindamo
nhangaba, Biratinguetá e Ipacaré, ( Loreva ) onde atravessavam
o Surubis ( rio Parahyba ) e pela garganta do Picú engol
phavam - se no sertào ; 4 ) para Caraguatatuba e S. Sebastião,
passando por Caçapava ( velha ) e Capivary ( Jambeiro ).
Em Caçapava o caminho bifurcava-se até o local onde pos
teriormente foi erigida a villa de N. S. da Conceição do
Parahyba ( Jacaréhy ) donde proseguia para Mogy e para
Santos pelo valle do Quilombo .
Até 1612 não havia communicação por terra para São
Paulo. Nessa época é que foi aberto o caminho ligando os
dois povoados .
Outra curiosidade nestes caminhos. A commu
municação do
Rio de Janeiro com o centro de Minas era feita com a des
peza de uma grande vołta de caminho que ligava os se
guintes lugares: Rio, Paraty, Parahytiuga, ( S. Luiz ), Tau
baté, Tremembé, Pindamonhangaba, Guaratinguetá e Lorena
( Ipacaré ). Foi esta a unica estrada até os principios de 1700
data em que Garcia Velho abriu o camiuho por Iguassú por
onde se fizeram as communicações .

Transformando a velha Taba - eté em povoação civilisada


conservou-lhe Jacques Felix o nome que encoutrou, tratou
555

de fazer os arruamentos e distribuir as datas de chãos aos


povoadores. Nesse trabalho revelou uma pericia donde se
vê lhe sobrava tirocinio fóra de commum naquelle tempo.
Projectou as ruas da villa sob a orientação de Sul a
Vorte e de Este a Oeste e symetricamente dispoz os quar
teirões com areas approximadamente eguaes.
O povoado compunha -se das seguintes ruas hoje cha
madas Dr. Winther, Marqnez do Herval. Sacrameato e Duque
de Caxias, Visconde do Rio Branco e Souza Alves, 110 sentido
de Sul a Norte, e São João, Carneiro de Souza, Bispo Ro
dovalho de Jacques Felix , no sentido de Este a Oeste.
Sobre a denominação das ruas procedeu com o criterio
que somente hoje é que vemos seguido por algumas muvici
palidades, poucas aliás fez cada uma com seu numero de
ordem . Assim é que a rua Dr. Winther era chamada a Pri
meira rua, a do M. do Herval a Segunda , a do D. Caxias a
Terceira, a do V. do Rio Branco a Quarta e a Souza Alves a
Quinta rua.
Não conseguimos saber o nome que deu Jacques Felix
ás ruas transversaes ; o certo , porém , é que até os fins do se
culo XVII tinha os seguintes nomes : a de S. João, rua de
Santo Antonio : a de S. José, rua Direita ou do Pelourinho ;
à Carneiro de Souza, rua Domingos Pelladam ; a Coronel
Jordão, becco da Matriz.
Edificios publicos, parece qae Jacques Felix cuidou de
tres unicos : igreja matriz, casa do conselho e o convento
velho .
A matriz parece ter sido edificada no mesmo local em
que está hoje assentada a Cathedral, ( egreja construida em
1765 ). Esse nosso juizo tem apoio na seguinte verba testa
mentaria de João Vieira de Maia, em 1684 : « Tenho regado
ao adro da matriz 15 braças, das quaes se tomaram algumas
braças para o adro, e serão somente as que se acharem fóra
do dito adro » . Nas avaliações desse inventario vê-se a seguinte
quóta ; « Nove braças defronte do adro da matriz em sua ava
liação 2$080 rs . »
Esse terreno é situado á direita de quem entra na ma
triz, onde foi fincado o Cruzeiro.
A casa do Conselho, como é sabido, fôra edificada no
local , onde depois construiram a cadeia velha e hoje é o
primeiro grupo escolar.
Quanto ao Convento velho, seu local, como é notorio,
ficava numa eminencia da rua hoje chamada Rebouças de
Carvalho e entre as ruas S João e São José, onde, inda ha
uns 50 annos atraz existiam as ruinas, segundo testemunho
de pessoas ipsuspeitas.
Sobre esse velho templo pudemos descobrir o seguinte :
que tinha sido erigido sob a invocação de Santo Antonio
e pertencia á ordem de N. Senhora do Carmo e que foram
seus priores, em diversas épocas, Frei Antonio da Cruz e Frei
Jorge de Jesus Moreira .
556

E de presumir que fosse extincto logo após a fuudação


do Convento de Santa Clara, dos franciscanos, em 1674.
Os documentos abaixo servem de orientação para o his
torico dessa instituição.
« Escriptura de venda de chãos que fazem Bartholomeu
Antonio Lobo e sua mulher Anna Ferreira do Prado a Gaspar
de Oliveira. Saibão quantos esta publica escriptura de venda
de châos deste dia para todo o sempre virem, que no anno
do Nascimento de N. Senhor Jesus Christo da éra de 1661
annos aos 29 dias do mez de abril da dita era nesta villa
de S. Francisco das Chagas da Capitania de N. Senhora da
Conceição, nesta dita villa, em pouzados de mim tabellião
adiante nomeado apareceu Bartholomeu Antunes Lobo e sua
mulher Anna Ferreira do Prado moradores na villa de Santo
Antonio de Guaratinguetá e pelo dito Bartholomeu Antunes
Lobo e sua mulher Anna Ferreira do Prado me foi dito pe
rante as testemunhas adiante assignadas que elles tinhame
p'ossuiam uma dada de chãos nesta villa por titulo escriptura,
os quaes chãos ficam na rua de Santo Antonio, partindo com
o chãos do Capitão Miguel Fernandes Edra os quaes chãos
lhe vendeu Luiz Alves Corrêa e Miguel Fernances Edra até
o adro de Santo Antonio o que se achar detestada e de rua
a rua os quaes chãos disseram elles marido e mulher ven
diam o Gaspar de Oliveira pelo preço de tres patacas e meia
etc. etc. ( 1.º officicio de Taubaté, fragmento do livro de notas
de 1638 a 1666 ).
Belchior Felix , no seu testamento feito em 1658 dispõe
que se digam uma capella de missa a N. Sra. do Carmo e
no seu inventario vem o seguinte recibo : « Frei Antonio da
Cruz, religio.o professo de N. Senhora do Carmo em como

meu primo Jacques Felix ( neto do fundador ) pagou 10 $ de


missas por seu pae Belchor Felix, 8 -- fevereiro 1658 -- Frei
Antonio da Cruz » .
No inventario de Belchor Felix Perestrello ( neto do fun
dador e filho de Belchior Felix de que acima tratamos ) e
fallecido em 1661 ve- se a seguinte disposição : « Dez missas
a N. Senhora do Carmo as quaes se dirão no Convento de
N. Senhora para que se pague de esmola no dito convento
porquanto sou irmão do bentinho ».
Digo eu frei Jorge de Jesus Moreira que é verdade
que eu recebi de Andreza da Costa a esmola de 10 missas
que mandou dizer pela alma de seu marido o defunto Bel
chor Felix e por verdade me assigno, hoje 23 de outubro de
1662 - Frei Jorge de Jesus Moreira.
Teve Jacques Felix na villa duas casas de moradia. A
primeira era situada nos fundos da Casa do Conselho em ponto
hoje situado na rua Marquez de Herval contiguo ao Primeiro
Grupo Escolar e que devia comprehender as casas que per
tencem hoje ao sr. Alberto Monteiro e a D. Maria Isabel de
Mattos. Esse terreno foi vendido antes de 1650 a Estevam
557

da Cunha e posteriormente ( em 1686 ) pertenceu a Sebastião


Gil o moço .
A segunda moradia teve local no terreno comprehendido
pelo becco da Matriz, segunda rua, becco do Pelourinho e
com fundos até o brejo da Aguada, e com a nomenclatura
moderna corresponde ás ruas coronel Jordão, Marquez de
Herval, e rua de S. José. Isso consta da carta de chãos
abaixo concedida pelos officiaes da camara.
« O capitão Jacques Felix morador nesta villa de S.
Francisco das Chagas que elle supplicante está de posse como
povoador de uma data de chãos que começam de uma casa

pequena que tem defronte do capitão João do Prado Martins


pela face da rua correndo que é a segunda rua, até entestar
com um marco que fica defronte da casa do conselho -- a
testada e de comprimento correrá até o brejo do rio da
aguada desta villa, da banda de cima, e de largura a quadra
acima, do marco até o brejo como da casa velha até o mesmo
brejo » .
« Damos ao supplicante o que pede não sendo dados, S.
Francisco de Chagas, 5 de março de 1651 -- Francisco Vaz,
João do Prado Martins, Diogo de Oliveira, Salvador Pires de
Medeiros, Sebastião Gii » .
A concessão foi feita com o seguinte perimetro : « Começa
da travessa que se fez de uma casa velha para a banda do
nascente ( r. Coronel Jordão ) até entestar com um marco que
fica defronte da casa do conselho na segunda rua (Marquez
.do Herval ) correndo do marco ( pelourinho, rua S. José ) até
o brejo, da banda de cima, correndo pelo becco que vae dar
na Matriz ( coronel Jordão ) até entestar com a segunda rua
( M. do Herval) os quaes chãos ficam defronte de João do
Prado Martins, correndo a testada pela face da segunda rua » .
( Autos do inventario de Jacques Felix ( neto do fundador ),
processados em 1712 e existentes no cartorio de orphams desta
cidade, 1.º Officio ).
Os ultimos annos da vida do fundador de Taubaté pa
re não terem sido muito felizes.
Sua fazenda de Tremembé déra em dote a sua filha
Catharina ; ( 1.º officio, livro de notas de 1665 ) sua caza da
villa, vendera a Estevam da Cunha e fôra morar nos terre
nos que posteriormente lhes foram concedidos pela Camara
em 1651. Parte destes ultimos terrenos foram ainda vendi
dos a Manoel Fernandes Edra e a Francisco Lopes segundo
se vê nos inventarios destes povoadores.
Sua morte que deve ter occorrido anteriormente e 1658
veio colhel-o em estado de insolvabilidade . Seu activo mon
tava a pouca cousa : 2 escravos , 1 escrava com uma flha
pequena, 4 eguas, 1 potranca e 8 cabeças de gado, que com
os preços da época não poderiam valer mais de vinte e cinco
Inil réis quando suas dividas montavam a 37$960 rs., con
forme o que diz seu neto Belchor Felix Perestrello no in
558

ventario de seu pae Belchor Felix procedido em 1658 ( car


torio de orphãos ).
« Declarou o testamenteiro que ficava a seu pae (Belchor
Felix ) e a seu tio Domingos Dias Felix, a terça de seu avô
o capitão Jacques Felix, para effeito de pagarem as dividas
que do dito capitão Jacques Felix ficaram : e que o dito
testamenteiro Belchor Felix, o moço, se obrigou e por isso
deixou de fora a dita terça que lhe cabe a sua parte no
dito testamento que são its couzas seguintes pelos itens
abaixo declarados de que fiz esta declaração de que sua avó
Francisca Marzilha legou a seus filhos o defunto Jacques
Felix e seu irmão Dopiingos Dias Felix , a dita terça que
lhe havia ficado do dito defunto o capitão Jacques Felix
para o effeito de pagarem entre ambos as dividas que se
acharem e que de futuro apparecerem .
1 negro por nome Alberto, solteiro.
Innocencio .
Maria e sua filha Floriana .
As cavalgaduras e gado abaixo :
4 eguas, 1 potrinho.
4 cabeças de gado vaccum e destas se tirou uma cabeça
para a justiça
Dividas a que era obrigado o testamenteiro :
Primeiramente 30 $000 rs. reportando -se ao inventario de
Jacques Felix .
A Pero Gil , morador nesta villa, 7 $960 rs.

Nos documentos que examinamos, não encontramos re


ferencia alguma a cargos de eleição exercidos por Jacques
Felix e seus filhos Belchor e Jacques.
Domingos Dias Felix foi juiz ordinario em mais de um
triennio .
Sabe-se que Jacques Felix , o moço , obteve, conjunta
mente com seu irmão Domingos em 1641 , no tempo em que
seu pae inda era capitão môr, uma sesmaria « na paragem
denominada Paraitinga, no caminbo do mar, partindo rio
abaixo com Paulo Fernandes, correndo a testada rio á riba
e a rumo sul a sueste com suas pontas de mattos que des
cerem ao rio » . Inventario de Jacques Felix (o neto, pro
cedido em 1712 e existente no 1.º officio ).
Encontramos tambem nesse inventario um pedido feito
por elle, conjuntamente com sua irmã Catharina para que
The dessem um pedaço de chãos de 30 braças quadradas na
Quinta rua ( Dr. Souza Alves ) da banda do nascente ; par
tindo com a data de Francisco Vaz.
Catharina casou-se a primeira vez com Alvaro Rodrigues
Cardoso recebendo em dote , como atraz ficou dito, o sitio
que o povoador obtivera em 1628 no Tremembé e que em
1665, foi por ella e seu 2.º marido Manoel Lopes Fernandes
559

vendido a Domingos Lopes Fernandes pelo preço de 45000


rs . ( 2.º officio, livro de notas de 1665 ).

Aqui terminamos a resenha do que pudemos encontrar


nos dois cartorios desta cidade e em um nunero limitado
de documentos que examinamos attenta a gentileza dos
dignos funccionarios, srs. Gabriel Nogueira de Toledo e José
de Mattos aos quaes de coração agradecemos.
E' possivel que em novas investigações que vamos pro
ceder consigamos saber mais alguma cousa sobre a vida de
Jacques Felix. Se isso succeder traremos a publico num
trabalho de maior vulto que estamos elaborando e tem como
preoccupação a historia de Taubaté .
E ' possivel tambem que sobre o fundador desta cidade
as fontes estejam exgottadas. Em qualquer hypothese, po
rém , o trabalho de Jacques Felix não precisa de maiores
detalhes para exaltar sua importancia. A elle e aos povoa
dores que conseguiu reunir em torno da sua pessoa, deve -se
a conquista, civilisação e povoamento da zona denominada
norte de São Paulo donde sahiram meio seculo após seu po
voamento, os pioneiros da exploração dos sertões mineiros
os descobridores de ouro, os povoadores de uma grande parte
de Minas Geraes que escolheram para campo de expansão
da sua actividade e onde, concorrendo de modo avantajado
para a formação da nossa raça, escreveram as mais bellas
paginas da historia de S. Paulo.
Gentil Moura .
( Do Instituto Historico Brazileiro ).

Sesmaria de Jacques Felix e seus filhos Bel.


chor Felir e Domingos Dias Felix .
Traslado da carta de sesmaria do capitão Manoel Vieira
Sarmento .
Domingos Alves Ferreira morador na villa de S. Fran
cisco das Chagas de Taubaté que para bem de sua justiça
The é necessario o traslado de uma carta passada ao capitão
Jacques Felix que Deus haja e a seus filhos de certas terras
na dita villa de São Francisco passados pelo capitão mór e
sismeiro que naquelle tempo era, João de Moura Fogaça,
pelo que pede a v . m . lhe mande passar o dito traslado em
modo que faça fé pelo escrivão dos dados em cujo poder
está. E receberá mercê » . Como pede - Angra dos Reis,
30 de julho de 1665 annos, T. Paes.
- João de Moura Fogaça cavalheiro fidalgo da casa de
sua magestade, capitão mór da Capitania de S. Vicente ( * )

( * ) Ver a nota no fim deste capitulo .


560

e nella procurador bastante e lugar tenente da senhora con


dessa de Vimieiro, dona Marianna de Souza Guerra, dona
taria perpetua da dita capitania por sua magestade etc. etc.
Aos que a presente minha carta de data de terrassesmaria
por devolutas e desaproveitadas virem e o conhecimento de
direito pertencer, faço saber que a mim me fez petição
Jacques Felix e assim mais Domingos Felix e Belchor Felix
dizendo nella moradores na villa de S. Paulo, que elle que
riam vir morar nas terras da senhora condessa de Vimielro
em esta capitania , com seus filhos Domingos Felix e Bel
chor Felix é mister que V. M. lhe dê em nome da senhora
condessa como seu capitão mór e procurador a cada um
delles meia legua de terras de Pindamonhagaba até Tere
membé e logo meia legua partindo com elle Jacques Felix
a seu filho Domingos Felix ; outra meia legua pegado para
seu filho Belchor Felix, o que pedem a V. M. na Parahyba,
na tapera do gentio, para nelles podere.n fazer suas fazendas
e bem feitorias, pois são filhos de povoadores e netos delles,
pelo que as ditas datas saiam em quadra cada uma ; pedem
a v. m . a mercê como loco-tenente da senhora condessa lhes
faça mercê dos ditos dotes a qual petição vindo apresentada
vista por min, puz na petição por meu despacho o seguinte:
-- Visto o que os supplicantes allegam, lhes faço mercê em
nome da senhora condessa na terra que pedem não sendo
dadas, e sendo correrão atraz ou adiante de que se passarão
carta de sesmaria . Angra dos Reis, 21 de novembro de 1628
-- Fogaça.
Por virtude do dito meu despacho no conforme dado
nella lhes dou a dita terra e lhes hei por dadas, por devo
lutas e desaproveitadas, assim e da maneira já declarada com
todas as aguas e mattos maninhos que nas ditas terras hou
ver com todas as entradas e sahidas, logradouros para elles
supplicantes e seus herdeiros, forros e livres de todo o tri
buto e pensão, somente os dicimos a Deus Nosso Senhor e
para que conste em todo o tempo em como por mim lhe foi
feita a dita mercê em nome da dita senhora, lhe mandei
passar a presente carta a qual será registrada nos livros de
tombo e nos dos registros e alfandega de sua magestade on
de as tem , e esta carta se irão registrar. Dada nesta villa
de Angra dos Reis aos 22 dias do mez de Novembro de
1628, a qual vae por mim assignada e sellada com o sello
que ante nim serve. Eu Diogo Vaz Pinto, tabellião do
publico judicial e notas desta villa de Angra dos Reis a fiz
por mandado pelo escrivão dos dotes não estar na villa .
João de Moura Fogaça.

O qual traslado de sesmaria como acima e atraz se con


tem , eu tabellião adiante nomeado e assignado lancei o tra
slado neste livro de notas a requerimento de Capitão Manoel
Vieira Sarmento nesta villa de São Fran.
561 .

«cisco das Chagas 11 de setembro de 1671 Eu Cyriaco da


Costa, tabellião do publico desta villa o escrevi .
( 1.º officio. Livros de notas, em fragmento, de 1669 a
1671 , ultima escriptura. )

SESMARIA DE Domingos Dias FELIX E JACQUES FELIX, O moço,


EXTRAHIDA DO INVENTARIO DE JOAQUIM FELIX ( NETO
DO FUNDADOR ) PROCEDIDO EM 1712 EM TAUBATÉ , ( CAR
TORIO DE ORPHÃOS DO 2.° OFFICIO. )
Jacques Felix capitão desta nova povoação de S. Fran
cisco, procurador bastante da senhora condessa de Vimieiro
donataria desta Capitania de S. Vicente no que toca a sua
repartição por S. Magestade etc.
Aos que a presente minha carta de data de terra de sesma
ria virem e o conhecimento della com direito de sua casa

pertencer, faço saber que o mesmo me fez petição Domin


gos Dias Felix e Joaquim Felix, o moço, moradores na villa
de S. Paulo que elies pretendem de ir povoar a povoação
que novamente em Tahibaté, villa de S. Francisco ; por isso
The é necessario uma data de terra para fazerem seus man
timentos pelo que pedem em nome da Senhora Condessa de
Vimieiro, donataria dellas, de lhe dar uma legua de testada
na paragem e lugar chamado Paraitinga, no caminho do
mar, partindo rio abaixo com Paulo Fernandes, correndo a
testada rio arriba e o rumo Sul ao suente com suas pontas
de mattas que descerem ao rio. Em a qual petição, sendo
por mim vista e as razões que allegam, houve por bem de
lhe por o despacho que ao pé desta se verá cujo teor é o
seguinte : Dou as terras que pediu não sendo dadas e sen
do dadas , correrá adiante, adiante em nome da senhora con
dessa de Vimieiro donataria dellas pelos poderes que tenho
dos seus procuradores ( * ) para que as suas terras se povo
em e vão em crescimento com obrigação de virem povoar e
roçar dentro em 6 mezes e não vindo estão julgadas por de
volutas e as darão a quem as pedir. Feita hoje, 24 de
Maio de 1641 e cuja verdade e cumprimento se passou a
presente pela qual em nome da dita donataria há por bem
de dar de sesmaria de hoje para todo o sempre ao dito sup
plicante as ditas terras que pedem . . . esta será regis
trada no livro de Registro da Alfandega ( ** ) de S. Ma
gestade desta Capitania . . . . E eu Paulo Fernandes, es
crivão a escrevi. Assigoado --- Jaques Fellis.
( Copiado do archivo do Dr. Gentil de Moura )

« que tenho dos seus procuradores Prova que elle


não se entendia directamente com a Condessa .
( ** ) .. . . livro de registro da Alfandega » Será Angra dos Reis ou Ita
sphaen essa alfandega ?
562

NOTAS DE B. CALIXTO

E' para se lamentar a notavel confusão que existe nos


documentos que vimos de transcrever, relativamente ao ti
tulo da Capitania á qual pertencia a jurisdicção da villa de
S. Francisco das Chagas de Taubaté, nessa época.
Os citados documentos referem óra que « a villa de
Taubaté pertencia a Capitania de N. Senhora da Conceição
( de Itanhaen, ) óra que a mesma villa pertencia á Capita
nia de S. Vicente, da qual éra donataria a Senhora condessa
de Vimieiro . »
Na parte desta memoria ( Capitania de Itanhaen ) que
trata do intrincado e secular litigio que houve entre as do
natarias de Martim Affonso e de seu irmão Pedro Lopes,
longamente nos occupamos desse importante assumpto pro
curando, por meio de documentos e argumentações, esclare
cer o melhor possivel toda essa complicada questão.
Em 1624, na segunda phase dessa demanda, ficou esta
belecido, por uma sentença da Relação que a condessa de
Vimieiro, então legitima donataria da Capitania de S. Vi
cente, por ser herdeira primogenita de Martim Affonso, fosse
esbulhada da posse de suas villas primitivas S. Vicente ,
Santos e S. Paulo que ficaram , desde então, fazendo
---

parte da Capitania de Santo Amaro, da qual éra então do


natario o conde de Monsanto , herdeiro da donataria de Pe
dro Lopes.
Os donatarios da Capitania de Pedro Lopes não se li
mitaram , entretanto, ao esbulho ordenado pela respectiva sene
tença que dividiu essa 2.“ parte do litigio, foram além
usurparam tambem o titulo de Capitania de S. Vicente ; pois
dessa data em diante a antiga Capitania de Santo Amaro
passou officialmente, a denominar-se « Capitania de S. Vicen
te, » conforme se verifica não só das cartas-régias e provisões,
como dos annaes das Camaras Municipaes de S. Vicente,
Santos, S. Paulo, Mogy, Parnahyba, etc.
Para que não ficassem assim duas capitanias distinctas,
como éram as de Santo Amaro e S. Vicente, denominadas,
sob o mesmo titulo, a condessa de Vimieiro, legitima
--

donataria da Capitania de S. Vicente, deu então ao resto de


sua donataria o titulo de « Capitania de Itanhaen » a qual
teve por séde a mesma villa de Nossa Senhora da Concei- .
ção , conforme vêmos num d'esses documentos que vimos de
transcrever.
O’ra, que alguns chronistas e historiadores pouco es
crupulosos se enganassem ou pretendessem embrulbar ainda
mais essa questão , em favor do conde de Monsanto , confun
dindo a Capitania de São Vicente com a de Itanhaen
pode-se ainda tolerar ; mas , - que os proprios documentos
officiaes, como esses da Camara de Taubaté, que ahi ficam
transcriptos , venham ainda contribuir para essa lamentavel
- 563

confusão, ( que ainda paira infelizmente no animo de alguns


historiadores ), é o que realmente nos desaponta e nos desanima.
João de Moura Fogaça, conforme a « Relação dos Ca
pitães e Lóco-tenentes que governaram São Vicente » es
cripta por Fr. Gaspar e publicada pelo dr. Antonio Piza, no
vol. V, da Revista do Instituto Historico de São Paulo, é,
de facto o 33.º governador da Capitania de São Vicente, por
nomeação da dita condessa de Vimieiro, e tomou posse, na
mesma villa, aos 22 de Outubro de 1622.
Nessa época, porém , a condessa estava ainda de posse
de toda a Capitania de São Vicente e suas respectivas villas,
mas a 24 de Junho de 1624 o capitão Fogaça foi expulso
da villa de São Vicente e substituido, no governo da Ca
pitania, por Alvaro Luiz do Valle, que foi o 1.° lugar
tenente do conde de Monsanto, herdeiro de Pedro Lopes
João de Moura Fogaça, passou então a séde de sua Ca
pitania para a villa de Itanhaen , conforme bem esclarecem
os historiadores Fr. Gaspar e Pedro Taques. Essa transfe
rencia da séde da antiga Capitania de Martim Affonso para
a dita villa de Itanhaen, foi ordenado pelapropria condessa
de Vimieiro. Portanto, em 1628, o capitão Fogaça não podia
arrogar-se ao titulo de Capitão--mór da Capitania de S.
Vicente por que quem exercia esse cargo, em S. Vicente,
nessa data, era o capitão Pedro da Motta Leite, successor de
Alvaro Luiz do Valle, conforme se vê na referida « Relação »
feita por Fr. Gaspar e publicada pelo dr. Antonio Piza, na
citada « Revista do Instituto Historico de São Paulo » .
Este Pedro da Motta Leite era lóco - tenente do conde
de Monsanto e não da condessa de Vimieiro. Deve haver,
portanto, equivoco ou engano na data desse documento
da villa de Taubaté ; ou na data ou no titulo da capitania
da qual éra capitão -mór e ouvidor João de Moura Fogaça,
quando passou essa carta de sesmaria a Joaquim Felix, em
Angra dos Reis, que estava aliás, dentro da jurisdicção da
Capitania de Itanhaen.
E' provavel que esse engano se tivesse dado não no do
cumento original, assignado pelo Capitão Fogaça, mas no
segundo traslado feito em Taubaté, aos 11 de Setembro de
1671 , pelo tabelião Cyriaco da Costa, pois não é possivel
que Fogaça confundisse em 1628, o titulo de sua Capitania,
que éra a de Itanhaen, com a Capitania de seus antagonistas
que éra -- a Capitania de São Vicente.
Respondendo a algumas observações feitas por nós, sobre
os citados documentos , diz ainda o dr. Gentil de Moura :
« Quanto aos titulos das duas Capitanias -- de São Vicente e
de Itanhaen a barafunda nos documentos é egual a dos
chronistas. Os escrivães antigos não guardavam uniformi
dade nos dizeres quando se referiam á séde dos logares donde
escreviam . Em Taubaté, por exemplo, no cabeçalho dos
papeis que examinei ( talvez tresentos ), óra elles dizem que
564

esse povoado pert :nce a uma éra a outra Capitania : -- « a


villa de São Francisco das Chagas da Capitania de São Vi
cente... da Capitania de Nossa Senhora da Conceição de
Itanhaen ... da Senhora Condessa de Vimieiro. .. do Conde
da Ilha do Principe etc., etc., sendo certo, entretanto, que
jámais deixam de fazer referencia ao nome do donatario.
O proprio Jacques Felix que, como sabemos, agia por
conta da condessa de Vimieiro , como seu procurador, e que
dereria saber que a Capitania éra de Itanhaen, claudica ou
cochila za sesmaria que concede a seus filhos Domingos e
Jacques Filho ( o moço ), declarando que a condessa de Vi
mieiro éra donataria da Capitania de São Vicente » .
Nos documentos antigos existentes no archivo publico
(Archivo Nacional) do Rio de Janeiro. manuseado tambem pelo
dr. Gentil de Moura, ha provisões da condessa de Vimieiro nas
quaes se notam as mesmas confusões, quanto ao titulo da
sua donataria. « Para mim , conclue o dr. Gentil , esses factos
não têm importancia que possam abalar tuas conclusões, por
que ellas estão consolidadas sobre bases seguras como as listas
dos Capitães-móres e Ouvidores e Cartas Regias e pela de
cisão do feito e sob a pratica dos actos da condessa e condes
de Vimieiro e dos condes da Ilha do Principe, nos differentes
povoados de sua Capitania de Itanhaen .
A decadencia da villa de Taubaté

Taubaté, como as demais villas da Capitania de Ita


nhaen, não escapou ao exodo da sua população e a couse
quente decadencia, após a descoberta das minas de ouro de
Cuyabá e Goyaz.
Na época das grandes minerações auriferas de Minas
Geraes, como é aliás bem sabido, a villa de Taubaté tor
nou-se a mais importante povoação do valle do Parahyba ;
éra então o grande emporio, ou centro onde se formavam as
expedições para o sertão. Devido a isso, os Capitães
Governadores de Itanhaen , faziam da villa de Taubaté a
« segunda sede » da sua Capitania, principalmente depois
que as minas « de ouro de lavagem » da Ribeira de Iguape,
e as de Cananéa e Paranaguá, ficaram como que abando
donadas, temporariamente, devido a importancia adquirida, e
aos lucros fabulosos, que offereciam as novas jazidas au
riferas das Minas Geraes.
Como toda ou grande parte dessa zona aurifera das
Geraes estava dentro da jurisdicção da dita Capitania de
Itanhaen os seus governadores ali permaneciam as vezes,
por muito tempo, afim de attenderem aos deveres dos seus
cargos, nessa vasta região : davam provisões, concediam ses
marias, datadas de Taubaté, conforme se vê dos documentos
dessa época, transcriptos em diversos capitulos deste livro .
A villa de Taubaté devido a sua importancia , e ao seu
desenvolvimento, nessa época, chegou a eclypsar inteiramen
te não só a sua rival a villa de São Paulo, como a todas as
demais povoações da Capitania de São Vicente, outrora
Capitania de Santo Amaro.
Em outros capitulos nos occuparemos ainda « dessas ri
validades » , tảo naturaes, existentes não só entre as respe
ctivas villas, como entre o povo e as auctoridades dessas do
natarias de Martim Affonso e de Pedro Lopes : principalmente
nessa época das minerações dessa parte da Capitania dos
Condes de Vimeiro e Ilha do Principe herdeiros da donataria
de Martim Affonso .
A esse aureo periodo deveriam , entretanto, succeder as mais
deploraveis e tristes desillusões : as injustiças de que foram
victimas os respectivos donatarios da Capitania de Itanhaen
e seus delegados. As villas que coustituiam essa Capitania
bem como toda ou grande parte da sua jurisdicção foram vio
lentamente sequestradas e annexadas a antiga Capitania de
Santo Amaro ou São Vicente, que tomou então o titulo de
1
566

Capitania de São Paulo, como adeante se verá, e como já


ficou explicado no Introito desta obra.
O começo, o inicio, dessa época da decadencia para as
villas da antiga donataria de Martim Affonso foi, sem duvida , os
disturbios graves que surgiram nessa região das minas - geraes
denominada a guerra dos emboabas. Para defender esse ter
ritorio da ganancia dos forasteiros que já então usurpavam
todos os melhores proventos nas minas descobertas pelos tau
bateanos e paulistas ( * ), foi necessario, esquecendo as an
tigas rivalidades, que os filhos da Capitania de Itanhaen e
os filhos da Capitania de Santo Amaro, denominada então
Capitania de São Vicente se reconciliassem em um amplexo
fraternal e patriotico, para assim unidos defenderem seus
sagrados direitos.
A villa de Taubaté foi, nessa época, o ponto em que se
reuniram as phalanges patrioticas dos paulistas que tomaram
parte nessas luctas.
Os filhos de Taubaté e de todas as villas e povoações
que pertenciam a dita Capitania, como todos os demais
nascidos na Capitania de Santo Amaro, uniram -se como
já ficou dito, para reconquistar esse territorio desbra
vado por seus antepassados , mas ; essa reconquista não
chegou a ser effectuada, como seria para desejar, e os ser
tanejos paulistas, os bravos pioneiros dessas jornadas heroicas
quer de uma quer de outra Capitania , já desilludidos e quasi
expulsos dessa região aurifera, foram , em zonas mais remotas
Cuyabá e Goyaz -- exercer ainda o resto de sua activi
dade, desvendando então, aos olhos deslumbrados do governo
da metropole, essas riquissimas minas que deveriam attrahir
de novo a ganancia dos forasteiros, e arrastar na sua VO

ragem grande parte das populações fixas e adventicias, des


povoando e empobrecendo assim as povoações do littoral e
do interior : visto como o elemento principal -- os indios --
das aldeias e do sertão já estavnm quasi extinctos nessa época .
As villas das zonas maritimas despovoam -se e algumas
desapparecem completamente por falta de babitantes ( ** )
A villa de Taubaté, como as demais dessa zona ribei
rinha ao Parahyba recentem-se ainda mais do deslocamento
dessas forças, desses contigentes que immigram em massa
para Cuyabá e Goyaz, com o fim de habitar esses sertões ,
formando novas e prosperas povoações.
O que na verdade mais deveria humilhar e magoar os
taubateanos que não tomaram parte nessas migrações para
as novas minas, não seria somente a decadencia em que
cahiu a sua villa, outróra tão opulenta, mas a transformação,

( * ) Ovocabulo – paulista – é aqui applicado aos habitantes e filhos


da villa de São Paulo . O nome de paulista deveria entretanto abranger todos
os habitantes, nascidos n'uma e n'outra Capitania.
( ** ) Vide villas de Caraguatatuba e de Sabaúna .
567

o desenvolvimento e importancia que estava tendo então a


sua rival a villa de Piratininga, que de 1710 em deante ,
ia ser a Capital , a séde da Capitania de São Paulo, onde
os Capitães Generaes iriam fazer sua residencia official, logo
que a importancia das « minas-geraes », onde elles perma
neceram por algun tempo, viesse a ser sobrepujada pelas de
Cuyabá e Goyaz.
A villa de São Paulo teria breve o titulo de cidade e
tornar-se-ia o grande « entre-posto » , como um traço de
união, entre Rio de Janeiro e o sertão aurifero da antiga
Capitania de Itanhaen , que vae ser por ordem de D. João V,
arbitrariainente « sequestrada para a sua coroa real » sem a
menor indemnização aos seus legitimos donatarios .
As novas auctoridades de São Paulo, querendo, porém,
de algum modo, compensar as vicissitudes porque então pas
sava a sua antiga rival, dividiam a antiga comarca em duas
secções e davam á villa de Taubaté o titulo de « cabeça da 2.2
comarca de São Paulo » , muito embora soubessem essas
mesinas auctoridades que « a villa de Taubaté, pertencia
ainda, nessa época, á Capitania de Itanhaen, estando por
tanto fóra da jurisdicção da dita Capitania de São Paulo .
Os taubateanos dessa época que deveriam estar bem ao
facto de todas essas particularidades e das injustiças que
então se praticavam contra os direitos dos donatarios e Go
vernadores de Itanhaen, não desdenharam , entretanto, nem
tiveram escrupulo em acceitar esse titulo para a sua villa,
a qual até então, havia sido a 2.a séde dos donatarios da dita
Capitania de Itanhaen.
A villa de Itaphaen, já tão humilhada e decadente nessa
época, estava tambem fazendo parte da Comarca de S. Paulo,
entretanto éra ainda e continuaria a ser a séde, a ca
beça do vasto donatario dos herdeiros primogenitos de Mar
tim Affonso de Souza, como provam os documentos dos ar
chivos de S. Paulo, publicados sob o titulo de « Documentos
Interessantes » . Essa justa e legal prerogativa só deixou de
existir de facto e de direito, para Itanhaen, a segunda po
voação de Martim Affonso , no reipado de D. Maria I con
forme affirma a chronista Fr. Gaspar da Madre de Deus, e
não em 1753 ou 1754 como referem outros autores modernos.
Estes pontos, aliás, tão obscuros e desconhecidos até o
presente, precisam ser duma vez desvendados á luz crua e
intensa de nossa historia paulista, sem o receio , sem o pre
juiso das antigas « razões de estado » , ou interesses dos se
nhores feudaes, como esse famoso Marquez de Cascaes « valido
d'elrei » a quem os moradores de São Paulo davam o pomposo
titulo de « Governador Perpetuo destas Capitanias » conforme
se vê dos annaes da mesma Camara de S. Paulo. ( * )

(") Ver, neste livro, « 4.* phase do litigio entre os donatarios » – Capi
tania de Itanhaen e Capitania de S. Paulo , onde se esclarecem todos esses pontos.
568

( )s taubateanos dessa época repudiando assim a Capita


nia de Itanhaen, ( cujos donatarios e governadores haviam
dado – existencia e brilho a sua villa ), para adherirem pri
meiro, a causa do Marquez de Cascaes, e depois a causa dos
Capitães Generaes e Ouvidores-Geraes da pova Capitania de
S. Paulo, contra os donatarios de Itanhaen, -- julgavam, por
certo, que a sua villa e os seus negocios particulares muito
teriam a lucrar com essa adhesão e com essa nova derrama de
ouro que vinha augmentando cada dia para as officinas da
« casa de fundição » de S. Paulo, onde então se amoedava e
se quintava o precioso metal , que as vezes, por um processo
chimico inexplicavel, se transformava em chumbo, nas cons
tantes remessas dos « quintos reaes » que, pelo Porto de San
tos, directamente se fazia nomear para os cofres d'el-rei D. João
V e de D. José I.
Essa tão fagueira esperança dos taubateados não se rea
lisou ! A villa de Taubaté, não obstante o titulo, aliás me
recido, de Cabeça da 2. Comarca da Capitania de S. Paulo
com que havia sido mimoseada pelos antigos partidarios do
Marquez de Cascaes, continuou a decahir como vamos ver .
Os « homens bons » e vereadores e demais povo e autorida
des dessa villa amargamente se queixavam então contra as
arbitrariedades e injustiças dos Ouvidores-geraes da Cidade
de São Paulo, lembrando - se talvez, dos bons tempos em que
essa villa estivera sob as alçadas dos Capitães -móres e Ou
vidores de Itaphaon como, Jordão Homem da Costa, Diogo
Vaz de Escobar, Antonio Barboza de Sotto Maior, Joào Blan,
Luiz Lopes de Carvalho, Felippe Carneiro de Alcaçôva, Mar
tim Lumbria, Monteiro de Faria, Carlos Pedroso da Silveira
e outros, que tanto se interessaram por essas villas do valle
do Parahyba.
Em 8 de Julho de 1725, quando o famoso Capitão Ge
neral de S. Paulo, Rodrigo Cezar de Menezes, se preparava
para deixar São Paulo em demanda das ricas minas de Cuiabá,
os taubateanos lhe dirigiam esta significativa carta : « A nossa
noticia é vinda que o cidadão dessa cidade antrespando a
dura execução da ruina destes povos, que lhes succederá, por
que V. Exc. os deixa, se resolverão ao recurso do seu reme
dio, pondo-se aos péz de V. Exc . com justo requerimento,
que não sendo ouvidos, todos ficaremos desamparados e a boa
irmão em que vivemos debaixo da proteção de V. Exc. infeliz
mente experimentará confuzão, por que auzente a prudencia,
tomará posse a tirania obrando o Ministro desta Comarca
( * ) com os seus precipitados impulsos e horroriferos estillos,
o que Deus não quer, nem sua Magestade e o mesmo Snr.
General não consente, e assim todos a uma voz, e por parte
deste povo, supplicamos a V. Exc. seja servido olhar para a

(* ) Esta reclamação não éra , como se está vendo contra o Ouvidor-Geral ,


mis sim contra o proprio Juiz da Comarca de Taubaté.
569

rezão como costuma, para ver o que está a seguir, por que
á vista do passado o prezente nos atemorisa, e o futuro é pre
visto, quando deixar -nos V. Exc . entregues ás mãos da vin
gança, e basta dizer – ausencia para que tudo seja ruina...
As condições do povo e da villa de Taubaté não me
lhorou nesta época, da maior derraina do ouro vindo das minas
de Cuiabá e mais tarde das de Goyaz.
Parece-nos mesmo que a situação afflictiva da villa de
Taubaté tornava-se cada dia mais precaria.
Em 1763 , trinta e tres annos após esta data, a Camara
de Taubaté, representada por Antonio Cantinho Cordeiro,
Antonio d'Almeida Porto, Felix Corrêa Leme, Manoel Velbo
Garcia e Gabriel de Araujo Torres, Officiaes da dita Camara
de Taubaté, diziam que á vista do deploravel estado a que
estavam reduzidos os moradores da villa, pelo gráo de po
breza que lhes tem decipado as forças, tanto que nem para
o culto divino e templo da parochia podem dar o minimo
subsidio, e attendendo que os seus moradores tomaram armas
para entrar nos incultos sertões chamados dos Cataguazes (*)
conquistando os barbaros indios que os habitavam para o
descobrimento de minas de ouro ; pediam a S. Magestade
uma esmola para se poder armar a capella mór da nova egreja
que se estava levantando . »
O pedido foi concedido nos seguintes termos :
« Senhor. Com o mais profundo e reverente respeito
pomos na real presença de V. M. o deploravel estado a que
estão reduzidos os moradores desta villa pelo grao de pobreza
que lhes têm dissipado as forças, tanto que nem para o culto
Divino e templo da parochia podem dar o menor subsidio.
Esta é a villa, Senhor, d'onde os paulistas em corpo de união
tomaram as armas para penetrar o inculto sertão chamado
de Cataguazes , conquistando os barbaros indios desta nação
que o habitava, para descobrirem as minas de ouro que S.
Ñ . inuito recommendava aos officiaes da Camara de São Paulo ,
( ** ) por carta de 21 de Março de 1678. Foi tal a nossa
ventura que Carlos Pedroso da Silveira ( cabo principal da
tropa ) conseguiu descobrir as ferteis minas, das quaes deu
conta a V. M. em carta de 16 de Junho de 1695, Sebastião
de Castro e Caldas governador do Rio de Janeiro e V. M. se
dignou mandar-lhe escrever em 16 de Dezembro do dito anno
e no de 1697. Foram ellas de tanto rendimento que já no
anno de 1699 avultaram muito os régios quintos, por cujo

(* ). Assim denominado o actual Estado de Minas Geraes, no tempo da


Capitania da Itanhaen, que foi quando se deu começo a exploração das minas de
ouro .

(**) Nem uma allusão se faz aqui aos Governadores da Capitania de Ita
nhaen.
570

merecimento conseguio o dito Carlos Pedroso ( * ) a incom


paravel honra de receber cartas firmadas do real punho de
V. M. de 19 de Outubro do mesmo anno e de 6 de
Novembro de 1700. Este Vassallo paulista ( á imitação
de seus nacionaes ) só teve por premio de seus serviços a
gloria do augmento de enriquecer o real erario, deixando a
sua numerosa descendencia e esta villa no flagello da po
breza em que existe ; agora, porém , estes mesmos descen
dentes com os moradores della pedimos a V. M. que emme
moria dos passados serviços se digne a real clemencia de V. M.
mandar pela provedoria da fazenda real dar uma esmola para se
armar a capella mór da nova igreja que estão levantando á custa
da mesma freguezia destes moradores, que por vontade pro
pria estabeleceram entre si uma finta para construcção, sendo
que os dizimos andam com arrendamento de 3.000 cruzados
por triennio ; digo uma finta para construcção do tempo de
Deus, que ficará incompleto por não chegar este subsidio .
Esta graça costuma praticar a real grandeza de V. M. com
muitos templos desta America, enriquecendo-os de preciosos
ornametos e vasos sagrados e destes e daquelles está a pa
rochia desta villa totalmente necessitada . A muito alta e
poderosa pessôa de V. M.o céo conserve como a vasallos ha
vemos mister. Villa de Taubaté em Camara aos 3 de No
vembro de 1763. Eu Ignacio José Ferreira Coutinho, escrivão
o escrevi . Juiz Presidente, Antonio Coutinho Cordeiro,
Antonio d'Almeida Portes, Felix Corrêa Leme, Manoel Velho
Garcia, Gabriel d'Araujo Torres Procurador.

( 2) Natural de Taubaté onde falleceu a 17 de Agosto de 1719 deixando


illustre e numerosa familia . Carlos Pedroso foi, como ja se disse por mais de
uma vez, Capitão mór e Ouvidor da Capitania de Itanhaen, nessa época. Foram
pois os governadores de Itanhaen , e não os de S. Paulo qué tomaram parte
activa nessas descobertas das minas de « Cataguazes » .
Ainda nesta supplica, e nestas informações dadas ao rei, pelos camaris
tas de Taubaté
se manifesta, bem claramente a ingratidão para com os esfor
çados Capitães -governadores de Itanhaen que tanto se esforçaram tanto pro
gres e
so bem estar haviam proporcionado a essa villa e a esses habitantes de
Taubaté .
Villa de Guaratingueta
Em 1646 , quando Jacques Felix, o fundador de Taubaté,
penetrou com um troço de paulistas nesse sertão inculto ,
infestado de gentio , à povoação de Guaratinguetá estava
ainda em começo. Esse gentio habitava as margens do Rio
Parahyba até os campos de Goitacazes:
o intuito principal da expedição commandada por
Jacques Felix éra o descobrimento de Minas de Ouro, para
cujo effeito, diz Pedro Taques, obteve elle uma provisão
datada do mesmo anno de 1646 , de Duarte Corrêa Vasques
Annes que era então administrador das Minas.
A fundação da Villa de Guaratinguetá não foi, entre
tanto, levada a effeito por este intrepido sertanista , mas pelo
Capitão Domingos Leme, que levantou Pelourinho por or
dem do Capitão-mór Ouvidor de Itanhaen - Dionysio da
Costa, em nome do então donatario D. Diogo de Faro e
Souza, a 13 de Fevereiro de 1651 .
Em 1656 o Capitão-mór Ouvidor de Itanhaen , Simão
Dias de Moura, successor de Dionysio da Costa , referendou
o acto e nomeou as auctoridades, a 5 de Julho do mesmo
anno, em nome do Donatario D. Luiz Carneiro de Souza ,
Conde da Ilha do Principe, que em 1654 havia substituido,
ao donatario D. Diogo de Faro e Souza.
Esta Villa, como todas as demais fundadas pelos Dona
tarios de Itanhaen , neste periodo de inicio das descobertas
auriferas no sertão de Minas e Goyaz, representou importante
papel nos annaes desta Capitania .
Segundo alguns apontamentos que nos foram dados pelo
actual Vigario de Guaratinguetá, Monsenhor João Filippe,
extrahidos do « livro do Tombo » da mesma Parochia , vê-se
que :
« A Freguezia de Guaratinguetá teve o seu principio,
pouco mais ou menos, em 1630, sem ser desmembrada de
outras freguezias, sendo a primeira Igreja de palha e parede
de mão , no lugar em que hoje é o adro. Actualmente, tem
esta Freguezia quinhentos e setenta e seis fógos, ( isto no
começo do seculo XVII ) que em uns annos são menos e
outros mais, e consista, de presente , de trez mil trezentas e
tantas pessoas de Sacramento. As distancias desta Freguezia ,
da Matriz para o Poente tem quatro leguas e parte com a
Freguezia de Pindainonhangaba, no Rio Piratingui, que é a
divisa ; e para o Nascente tem legoa e meia e parte com a
Freguezia da Piedade, desmembrada desta, e é a divisa na
paragem chamada Casa Branca. Para o Sul tem cinco le
572

goas e parte com a Freguezia do Facão, ( na serra do mesmo


nome ) desmembrada desta, e é a divisa o Rio Parahytinga.
Para o Norte é sertão e tem moradores até cinco legoas,
dispersas com mais Freguezias. Todos os freguezes do Sa
cramento pagão oitenta réis cada um e não tem mais
Congrua, e rendera um anno para outro, como pé de Altar
370 $000 » ( livro do Tombo da Matriz de Guaratinguetá
Parte 2.* pag. 91.)
A povoação de Guaratinguetá, que segundo esta noticia
extrahida do Livro do Tonıbo , teve começo no anno de 1630,
só foi elevada a categoria de Villa, como já ficou dito, em
13 de Fevereiro de 1651, por ordem ou provisão do Capitão.
mór e Ouvidor da Capitania de Itanhaen -- Dionysio da
Costa, em nome do conde donatario, D. Diogo do Faro e
Souza .
No livro do Tombo não consta 0 dia em que a dicta
povoação teve provisamento de Villa , mas relata , entretanto,
que em 1630 já era freguezia e tinha uma Igreja coberta
de palha com paredes de mão , isto é de rau a pique .
Não nos diz, tampouco, o actual livro do Tombo quem foi
o primeiro sacerdote que parocbion essa primitiva freguezia
que tem por padroeiro Santo Antonio de Padua.
No livro de registro dessa parochia que começou a ser
escripturado a 17 de Fevereiro de 1720, consta que, « o seu
primeiro Vigario foi o Rv. Fr. Felix Sanches Barreto que
parochiou até 13 de Agosto de 1722, auxiliado pelos R. R.
Frades : José de Santo Antonio, João da Costa, Carmo de
Concepção, Bento de Santa Clara e Manoel da Cruz, >>
Esse primeiro vig'rio Fr. Felix Sanches Barreto do
qual vos falla esse 1.° livro da Parochia de Guaratinguetá,
não podia ser a o primeiro parocho dessa Freguezia » que
teve o seu começo em 1630 e foi elevada a Villa em 1651 .
Muitos outros vigarios parochiaram essa Freguezia desde
1530 até 1722 que foi o anno em que Fr. Felix deixou de .

ser vigario de Guaratinguetá.


Essa relação não consta, entretanto, do archivo da mes
ma matriz, nessa 2." parte do Livro do Tombo .
No anno de 1717 , quando administrava o governo da
Capitania de Itanhaen, o Capitão João Pimenta de Carvalho
que foi o antecessor de Francisco Cordeiro de Carvalho,
occorreu na Villa de Guaratinguetá, um facto que tornou -se
notavel nos annaes dessa futurosa povoação do vaile do Pa
rahyba : Foi a portentosa apparição da Imagem de Nossa
Sephora, que deu origem ao povoado no centro do qual
hoje se ergue a celebre « Basilica da Apparecida » .
Um antigo manuscripto que se conserva no archivo desse
Santuario, entregue hoje aos R.R. P.P. Redemptoristas, cujo
manuscripto é do punho do vigario de Guaratinguetá, o Rev.
José Alves Villela, que parochiou a mesma freguezia de
Guaratinguetá de 17 de Novembro de 1725 a 1741 e, pela
573

segunda vez, de 15 de Junho de 1741 a 1.º de Dezembro de


1745, diz o seguinte :
Em fins de Setemb : o de 1717 , pouco mais ou menos
passando por esta villa de Guaratinguetá para Minas, o go
vernador delles e de S. Paulo , o Conde de Assumar, D.
Pedro de Almeida, foram notificados pela Camara os pesca
dores, para apresentarem todo o peixe que pudessem haver
para o dito Governador.
Entre muitos foram a pescar Domingos Garcia, João
Alves e Felippe Pedroso em suas canôas. E principiando a
lançar suas redes no porto de José Corrêa Leite, continua
ram até o porto de Itaguaçú, distancia bastante sem tirar
peixe algum . E lançando nesse porto, João Alves, sua rede
de arrasto, tirou o Corpo da Sephora, sem a cabeça : e lan
çando mais abaixo outra vez a rede, tirou a Cabeça da
mesma Senhora ; não se sabendo nunca quem ali a tivesse
lançado
« Guardou o inventor esta Imagem em um tal o qual
panno ; e continuando a pescaria, não tendo até então to
mado peixe algum, d'ali por diante foi tão copiosa a pesca
ria em poucos lanços, que receosos os companheiros de nau
fragarem pelo muito peixe que tinham as canoas, se retiraram
as suas vivendas, admirados deste successo.
<
Felippe Pedroso conservou esta Imagem seis annos,
em sua caza , porto de Lourenço de Sá ; e passando para
Ponte Alta, ali conservou em sua casa nove annos pouco
mais ou menos .
· Daqui passou a morar no Itaguaçú, onde deu a Ima
<

gem a seu filho Athanazio Pedroso, o qual lhe fez um ora


torio tal e qual ; e em um altar de pau collocou a Senhora,
onde todos os sabbados se ajuntava a visinhança a cantar o
Terço e mais devoções. Em uma destas occasiões se apa
garam duas luzes de cêra da terra repentinamente que alu
miavam a Senhora, estando a noite serena ; e quando logo
Silvano da Rocha accendeu as luzes apagadas, tambem se
viram accesas , intervir diligencia alguma ; foi este o
primeiro prodigio » .
Casos semelhantes se deram repetidas vezes, de modo
que a fama se foi dilatando e chegou ao conhecimento do
mesmo vigario de Guaratinguetá, Padre José Alves de Villela.
Continúa o manuscripto :
« Este e outros devotos lhe edificaram uma Capellinha,
e depois, demolida esta edificaram no logar em que hoje
está , uma outra maior, com o fervor dos devotos, cujas es
molas tem chegado ao estado em que de presente está .
« Os prodigios desta Inagem foram authenticados por
tres testemunhas, que se acham no Sumario sem Sentença ».
Termina aqui o manuscripto do Padre Villela ; porém
nos annaes do mesmo Santuario consta que a benção desta
primitiva Capella, na povoação da Apparecida, foi realisada
à 26 de Julho de 1745, pelo mesmo padre Villela, vigario
-
574

de Guaratinguetá, com a licença do Bispo do Rio de Ja


neiro – D. Fr. João da Cruz .
Neste mesmo dia 26 de Julho, festa da gloriosa Santa
Anna mãe de Nossa Senhora , celebrou-se a primeira missa no
Santuario .
O templo que actualmente existe foi começado em 1846 .
Concluido o frontespicio em 1848, ficaram as obras suspensas
até 1878. Nesta data a Mesa administrativa contractou a
conclusão das obras com o Conego Dr. Joaquim de Monte
Carmelo que concluiu o templo em Dezembro de 1888.
Esse templo concluido em 1888 não está, entretanto,
na altura, nem nas condições que requer o seu honroso
titulo de « Basilica » , cuja dignidade lhe foi conferida pelo
Santo Padre Pio X ; ficando assim , o Santuario de N.
S. Apparecida , gosando de todos os favores e privilegios
concedidos aos mais celebres santuarios do mundo.
Como a maior parte das Igrejas do Brasil , o templo de
Nossa Senhora da Apparecida era somente bento e não sa
grado . Afim de ser declarada Basilica, conforme o decreto
da Santa Sé, precisava ser solemnemente sagrado o que foi
levado a effeito no dia 5 de Setembro de 1909, pelo Exmo.
e Revmo. Snr. Arcebispo de S. Paulo – D. Duarte Leopoldo
e Silva, com a assistencia de mais dignatarios ecclesiasticos
e grande numero de clero e povo.
PROVISÃO DE MERCÊ DA PASSAGEM DE GUAYPACARÉ, NO
Rio PARAHYBA , A JOÃO DE CASTILHO Tinoco.
( Rio das Velhas, 3 de Junho de 1702. )
Arthur de Saá e Menezes etc.. Faço saber aos q. esta
minha Provizão virem q . tendo respeito ao muito q. convem
ao Serviço de S. Mag. q. Ds. gile o bem cumum destes
Povos q. continuão o caminho das minas em cuja frequen
tação tem a faz .“ Real grandes intereces ; e como hua das
mayores dificuldades he a passage dos Rios pello risco que
correm os passageiros q . de continuo estão suredendo muitas
desgraças e atendendo eu ao q . por p.te de João de Castilho
Tinoco morador do districto da Villa de S. An.to de Gua
ratinguetâ na passage chamada Guaipacarê passage do Rio
da Parabiba me foi representado por sua petição dizendo-me
vivia em terras suas e se obrigava a mudar a passage do
Rio sobre d .* p ." p.te mais conveniente p." os passageiros
das minas e q. se obrigava a ter canoas promptas p . toda a
hora o q. visto por mim seu requerim . ° e mais q. alegou.
Hey por bem fazer -lhe merce em nome de S. Mag. q. Ds.
giº da passage do Rio da Parahiba asim e da maneira 9 .
relata em sua petição e levavâ de passage de cada pessoa e
carga dous Vintens, e logravâ a d ." m.ce havendoo Sua Mag.
q . Ds. g. asim por bem ou eu não mandar o contrario e
nenhuma pessoa de qualquer callidade q. seja se poderá in
575

trometer com a d.* passage e menos ter canoas nella mais


q . o sup. Pello q . ordeno aos officiaes da Camera da Villa
de Guaratinguetâ e aos da Capn.ia da Conceição lhe concer
vem a posse na forma q. ordeno p. firmeza do q. lhe man
dei passar a prez " sob meu sigoal e sello de minhas armas
registandosse 10 L.º da Secretaria e nos da Camera de Gua
ratinguetâ. O Secr . Joseph Rebello Perdigão o escrevi aos
tres dias do mez de Julho de 1702 neste Rio das Velbas de
S.tº An.tº do bom Retiro. Joseph Rebello Perdigão - Arthur
de Saa e Menezes. - Lugar do sello. Provizão por q . V.
S.* fas m.Ce a João de Castilho Tinoco da passage da Para
hiba districto de Guaratinguetâ como nella se declara.
Para V. S. * Ver.
( Archivo Publico de S. Paulo. )
Villa de Pindamonhangaba
O Snr. Athaide Marcondes na sua monographia sobre
Pindamonhangaba « Apontamentos historicos, geographicos,
genealogicos e biographicos » diz que a povoação de Pinda
monhangaba foi fundada em terras pertencentes ao munici
pio de Taubaté, dôadas pela condessa de Vimieiro, (donata
ria da Capitania de Itanhaen ), conforme consta de diversos
documentos.
No livro do Snr. Dr. E. de Toledo « Breve noticia so
bre o municipio de Taubaté » ha esta referencia, citada pelo
Snr. Athaide Marcondes : Jacques Felix , emo anno
de 1636 obtivera do Capitão-mór de Itanhaen , Francisco
da Rocha, provisio para poder penetrar no sertão de Tau
baté, provisão que foi confirmada tres annos depois, isto
no mencionado anno de 1636 , pelo Capitão -mór governa
dor Vasco da Motta, o qual ordeuara a Jacques Felix que
em
nome da Condessa de Vimieiro, medisse uma legua de
terra para o rocio da Villa e que concedesse 0 resto das
terras aos demais moradores que viessem estabelecer-se na
povoação e que, estando completas as obras para se accla
mar a villa, o avisasse . »
Este periodo transcripto está bem de accordo com o que
refere Pedro Taques na sua obra « Historia da Capitania de
S. Vicente » , ao tratar da Villa de Taubaté, como já refe
rimos.
Pelo que acima fica transcripto ( continúa o Snr. Athai
de Marcondes ) deprehende-se que as terras em que foi fun
dada a Villa de Pindamonhangaba faziam parte das que
foram dôadas pela Condessa de Vimieiro á villa de Tau
baté.
Essas terras foram obtidas por compra, por Antonio
Bicudo Leme e seu irmão Braz Esteves Leme, os quaes
vindo de S. Paulo deliberaram fundar uma povoação nos
sitios em que fizeram suas residencias, de commum accordo
com João Corrêa de Magalhães , Pedro da Fonseca Maga
lhães e Manoel da Costa Leme, genro e filho de Anto
nio Bic udo Leme .
Reunida esta familia nestes sitios trataram de fundar a
povoação á qual deram o nome de « São José » que foi o
orago da Capella erecta por Antonio Bicudo e seus genros .
Manoel da Costa Leme, um dos principaes fundadores
da povoação, que dispunha de maiores recursos e de quem
Pedro Taques diz, na sua « Nobliarchia Paulistana, » ter sido
- 577

co desempenbo glorioso de seus nobres ascendentes pelas


moråes virtudes de que se armou, » contribuio com seus
grandes cabedaes para o seu progresso e desenvolvimento.
Pelos annos de 1703 estava a freguezia de S. José de
Pindamonhangaba nas condições de ser elevada a villa e
grande éra o empenho de seus illustres fundadores em tor
nar realidade tal aspiração. Nessa occasião, devia passar
pela freguezia, em destino ao Rio de Janeiro, o desembar
gador João Saraiva de Carvalho, segundo Ouvidor geral e
corregedor da comarca de S. Paulo .
Os principaes personagens da freguezia, isto é, o Ca
pitão Antonio Bicudo Leme, seu Alho Manoel da Costa Le
me seus genros acima mencionados e outros paulistas se en
carregaram de hospedar o desembargador Saraiva, que aqui
chegando « deixou -se levar pelos pedidos e rogos daquelles
personagens , que lhe fizeram valiosos presentes, e consegui
ram que o desembargador, da noite para o dia, creasse jui
zes e officiaes para a Camara, Levantasse Pellourinho no si
lencio da noite e tudo dispuzesse do modo que no dia se
guinte estava a povoação de S. José elevada a villa. » Feito
isto o desembargador partiu para Paraty com destino ao Rio
de Janeiro ) afim de attender as ordens do governador que
por ordem régia o chamára aquella Capitania. O acto ar
bitrario e violento do desembargador João Saraiva, que se
deixon corromper em troca de grandes donativos, provocou
como éra natural, reclamações e protestos por parte do povo
de Taubaté , que representou contra essa illegalidade á sua
magestade D. Pedro II, El- Rei de Portugal. O povo da
nova villa porém , recorreu a El-Rei, pedindo -lhe perdão e
allegando ignorancia, por ter comettido o grande crime de
elevar a villa a freguezia de Pindamonhangaba sem ordem
régia e sem provisão do conde da Ilha do Principe donata
rio de Itanhaen .
A rainha D. Catharina que substituiu a D. Pedro II,
( o qual se achava gravemente enfermo ) com sua real cle
mencia, fez mercê de relevar do castigo que mereciam os
rebeldes e houve por bem mandar crêar de novo a villa de
Pindamonhangaba, sob a invocação de N. Senhora do Bom
Successo, conforile se vê da carta régia que existe no livro
das Ordens reaes, do archivo da Comara Municipal de São
Paulo, sob numero 93 – 1700 a 1725 --
Toda esta noticia sob a fundação da villa de Pindamo
nhangaba é transcripta do citado livro do Sr. Athayde Mar
condes, que como verdadeiro chronista desta importante ci
dade do norte de S. Paulo é o mais auctorizado por ter não
só feito escavações no archivo da Camara dessa cidade, co
mo nos archivos de S. Paulo, etc.
Nesta transcripção apenas acrecentamos uma ou outra
palavra ou reparamos alguma omissão, com referencia a Ca
pitania de Itanhaen, da qual éra donatario, nessa época, D.
Antonio Carneiro de Souza, conde da Ilha do Principe. 9.
578

donatario das « cem leguas de costa o , e como tal havia pe


dido e obtido, de El-Rey, a confirmação da primitiva donata
ria feito por D. João III, a seu 8.° avô Martim Affonso de Souza .
Em 1705, quando a Rainha D. Catharina dirigiu essa
carta régia ao Ouvidor de S. Paulo, orderando que creasse,
de novo, a Villa de Pindamonhangaba, depois de ter reprehen
dido severamente os autores desse acto arbitrario, éra Capi
tão - locotenente e Governador de Itanhaen -- Manoel Gon
çalves Ferreira. A este governador, ou ao Ouvidor da Ca
pitania de Itanhaen , é que competia, em nome do legitimo
donatario Conde da Ilha do Principe, crear ou dar provisão
para ser fundada a Villa de Pindamonhangaba que estava
dentro de sua jurisdicção, e não ao Ouvidor de S. Paulo, con
forme a ordem regia de D. Catharina .
Na referida carta regia vem, entretanto, este periodo que
demonstra que a villa que se ia crear estava sob a juridicção
de Itanhaen : « Eu a Rainha da Gran Bretanha, Infanta de
Portugal etc. etc. Havendo visto a conta que me destes da
resolução que tomaram os moradores da freguezia de Piuda
monhangaba, termo da villa de Taubaté, « Capitania da Con
ceição » etc. Hei por bem que crieis de novo a dita villa com
jurisdicção separada com appellação e agravo para o « Ouvi
dor geral dessa Capitania >> me demarqueis termo sem prejui
zo da villa de Taubaté etc , etc. »
O ouvidor geral dessa capitania, para quem deviam
appellar, como declara o trecho citado, não éra, está visto, o
Ouvidor de S. Paulo a quem a carta regia éra dirigida, mas
o Ouvidor de Itanbaen , ou do Rio de Janeiro, que estava
tambem dentro da donataria de Martim Affonso .( * )
Os condes donatarios da Capitania de Itanhaen pão re
clamaram desse acto por que já estavam affeitos, afinal, a
supportar todas essas injustiças praticadas contra os seus di
reitos de herdeiros legitimos da donataria de Martim Affonso
de Souza, nảo só por parte de El-rei como dos governado
res geraes, durante esse largo periodo em que durou o de
sastroso litigio entre os herdeiros das Capitanias de Santo
Amaro e de S. Vicente .
Nas « Notas avulsas » deixadas ineditas , pelo chronista
Fr. Gaspar e transcriptas no vol. Vda « Revista do Insti
tuto Historico e Geographico de S. Paulo » , pelo Dr. Anto
nio de Toledo Piza, encontra-se esta interessante referencia
a respeito da Villa de Pindamonhangaba : « Pindamonhan
gaba intitulava - se villa aos 22 de Abril de 1713. Consta

( * ) A Ouvidoria -Geral, em São Paulo , só foi creada na occasião em que


terminou a Capitania de S. Vicente para ser formada - a Capitania de S. Paulo,
a qual foi installada officialmente em 18 de Julho de 1710 ; porém a Capitania
de Itanhaen continuou ainda , por muitos annos, com a sua organisação judicial
e politica, embora dessa data em deante (1710, e não 1700, como erradamente
se diz ) as villas da Capitania de Itanhaen , as do sul e as do norte , ficassem fa
zendo parte da Comarca de Sio Paulo , em virtude de uma má interpretação
nas jurisdicções dessas duas capitanias « São Vicente e Itanhaen », como adeante
se verá .
579

de uma Sesmaria concedida por Domingos Martins da Guerra,


Sargento -mór da Capitania da Conceição, procurador geral e
sesmeiro do Conde donatario, a Manoel da Costa Leme e
outros, a qual se acha registrada no livro 14.º a fls. 28.
Esta Villa era somente freguezia aos 11 de Fevereiro de
1704, segundo consta de uma sesmaria dada por Miguel
Telles da Costa, Capitão Loco - Tenente da Conceição de
Itanhaen , pelo Conde da Ilha do Principe : no mesmo dia
concedeu , à Domingos Velho Cabral , partindo as terras com
seu irmão Antonio Cabral da Silva . Livro 14." fls . 35 .
- Rodrigo Cezar de Menezes ( capitão General de S. Paulo ,)
a trata por Villa em uma sesmaria dada aos 10 de Janeiro
de 1724.- Livro cit. fls . 51. »

Carta Regia ao Governador da Capitania do


Rio de Janeiro sobre o levantamento revolucionario
de Pindamonhangaba a categoria de Villa .
( 10 de Julho de 1705 )
Governador da Capitania do Rio de Jan." Ev a Raynba
da grão Bretanha Infanta de Portugal vos envio m.te Saudar.
Hauendo visto o que me escreuestes sobre a Reprezentação
que vos fes Joào vas Cardozo da Villa de Taubaté a cerca
da Villa que os moradores da Freguezia de Pindamonhan
gaba intentauão formar nella de nouo, e o que sobre a mes
ma materia escreueo o Quuidor geral de Sam Paullo. Me
pareçeo dizeruos que ao ditto ouuidor se ordena passe logo
a ditta Freguezia , e estranhes da minha parte aos moradores
della a ditta Rezolução, e que crie de novo nova Villa
com jur isd içã o sep ara da , e que lhe dem arq ue termo sem
prejuizo da Villa de Taubaté, De que vos avizo para a
terdes asim entendida . escritta em Lisboa a 10 de Julho de
1705 . Rainha - P." o Gouernador do Rio de Jan." ro
Con
de de Alvor .
Villa de Jacarehy
A Villa de Nossa Senhora da Conceição de Jacarehy
foi fundada pelo Capitão-mór Governador de Itanhaen -- Jor
ge Fernandes da Fonseca , por uma provisão do conde da
Ilha do Principe D. Diogo de Faro e Souza, datada de 1653.
Nas « Memorias Historicas do Rio de Janeiro's de
Monsenhor Pizarro, conta o seguinte sobre a fundação desta
Villa :
« A Villa de Jacarehy foi fundada em 1652 pelo conde
Donatario D. Diogo de Faro e Souza, num lugar á margem
direita do Parahyba, onde a estrada, do Rio a S. Paulo,
passa o dito Rio. Em 1809 ainda não havia ponte e essa
passagem éra incommoda e dificil. Está distante 18 legoas
de S. Paulo na latitude de 23.° 18'30 » , e na longitude
323°, 7', da Ilha do Ferro.
A sua exportação, no seculo XVII e no inicio do seculo
precedente, éra toda feita pelos portos de S. Sebastião, Uba
tuba e Santos, sendo seus principaes productos : café,
fumo, e carne de porco. Sua Padroeira é Nossa Senhora
da Conceição e a sua população em 1810 éra de seis mil
sete centas e oitenta e seis mil almas. »
Pedro Taques na sua « Historia de Capitania de São
Vicente » dá uma extensa relação de todas as Villas desta
Capitania, que tiveram predicamento durante a posse dos
respectivos donatarios das capitanias de São Vicente, Santo
Amaro e Itanhaen , e, nada diz, entretanto , sobre a fundação
da Villa de Jacarehy.
Azevedo Marques, nos seus « Apontamentos Historicos »
ao referir -se a Villa de Jacarehy, escreve : « Jacarehy po
voação situada entre E. N.. E e Nordeste da Capital, á mar
gem direita do rio Parahyba, na estrada geral de S. Paulo
para o Rio de Janeiro, sob a invocação de N. S. da Conceição.
Foi fundada em 1652 por Antonio Affonso e seus filhos
Bartholomeu Affonso, Estevam Affonso, Francisco Affonso e
Antonio Affonso, que de S. Paulo, com suas familias e ag
gregados, foram estabelecer - se junto ao rio referido. Foi
elevada a Villa em 1653, pelo donatario D. Diogo de Faro
e Souza, e a cidade por lei provincial de 3 de Abril de 1849.
Dista da Capital 16 legoas ou 89 kil ., e de Mogy das Cruzes
7 leg. ou 38,8 kil. etc. etc.
Este municipio é um dos mais importantes da Provincia
pela lavoura do café e pela uberdade de suas terras aptas
para todos os cereaes. Tem Casa da Camara e Cadêa em
edificios proprios e possue uma das melhores matrizes da
581

provincia, com mais tras igrejas, que são: Carmo, Rozario e


Santa Cruz e uma Casa de Caridade. Tinha, em 1870, uma
população de 10,194 almas, sendo 1,574 escravos. »
A Villa de Jacarehy, na zona do norte da Capitania
de Itanhaen, é a ultima creada nessa época e o seu municipio
confinava com o da Villa de Mogy das Cruzes, que já fazia parte
da « Capitania de Santo Amaro » .
CAPITANIA DE ITANHAEN
VILLAS DA ZONA MERIDIONAL
Villas da Zona Meridional
Assim como no littoral septentrional são as villas de
Ubatuba e Caraguatatuba as ultimas fundadas pelos donata
rios de Itanhaen, no limite da mesma Capitania de Itaphaen
coni a Capitauia de Santo Amaro , assim, das villas de Serra
acima, são Pindamonhangaba e Jacarehy as ultimas povoações
que tiveram predicamento de villa durante o periodo em que
à Villa de N. Senhora da Conceição de Itanhaen esteve como
cabeça da Capitania dos herdeiros primogenitos de Martin
Affonso de Souza .
Passaremos agora a mencionar, nesta relação, as villas
que foram fundadas, nesse mesmo periodo, na parte austral
da mesma capitania, dentro de 45 leguas, cuja linha diviso
ria, na costa do mar, se estendia da barra de São Vicente,
até 12 leguas além de Cavanéa, isto é, até a Ilha do Mél ,
na barra de Paranaguá .

Villa de Sorocaba
E AS MINAS DE BIRAÇOYABA

A Villa de Nossa Senhora da Ponte de Sorocaba foi


povoação que, pelos annos de 1670, fundou o paulista Bal
thazar Fernandes, irmão dos povoadores da Villa de Parna
hyba e Itú, com seus genros André de Zuniga e Bartholo
meu Zuniga, cavalheiros da provincia do Paraguay das Indias
de Castella, e á custa da sua propria fazenda fizeram cons
truir a Igreja matriz, casa de Conselho e Cadêa ; e se accla
mou Villa por provisão do Capitão -mór lóco -tenente do
donatario de Itanhaen, Francisco Luiz Carneiro de Souza,
conde da Ilha do Principe. Porém , no sitio chamado « Serra
do Biraçoyaba », adiante desta Villa, levantou pelourinho D.
Francisco de Souza, por conta das minas de ouro, de prata
e ferro, que na dita Serra estavam descobertas pelo paulista
Affonso Sardinha ; e o mesmo D. Francisco de Souza lhe
deu o nome de Minas de Nossa Senhora do Monteserrate :
porem com sua ausencia para o reino, sahindo de S. Paulo
em Junho de 1602, para embarcar no porto de Santos, a
direitura cessou e com ella o labor das minas de Biraçoyaba,
até que-em melhor sitio se fundou a villa que actualmente
existe.
São estas as palavras textuaes da noticia que, sobre a
fundação desta Villa, escreve Pedro Taques de Almeida
586

Paes Leme , na sua « Historia da Capitania de S. Vicente »


Nesta serra de Biraçoyaba ( Ipanema ), diz ainda o referido
autor, houve um grande engenho de fundir ferro construido
á custa do paulista Affonso Sardinha, cuja manobra teve
grande calor pelos annos de 1609, en : que voltou a S. Paulo
o mesmo D. Francisco de Souza, constituido governador e
administrador das Minas descobertas e por descobrir, das
tres Capitanias, com mercê de Marquez das Minas » com
trinta mil cruzados de juro e herdade, fallecendo, porém , em
São Paulo, o mesmo D. Francisco de Souza em Junho de
1611 .
Com o decurso dos annos se extinguiu o labor da ex
tracção do ouro e da fundição de ferro. Nesta mesma serra
de Biraçoyaba fundiu pedras e d'ellas extrahiu boa prata,
Fr. Pedro de Souza, religioso da Santissima Trindade, quando
para estes exames veio mandado pelo principe regente D.
Pedro, em 1680 e trouxe cartas, pelo real punho, para o al
caide mór o paulista Jacintho Moreira Cabral, e para seu
irmão, o Coronel Paschoal M. Cabral , para acompanharem
ao dito Fr. Pedro de Souza .
O referido consta das mesmas cartas registradas na se
cretaria do Conselho Ultramarino no liv . de reg . das contas
do Rio de Janeiro, tit. 1673, etc.
No presente tempo ( de 1766 ) existe a extracção do
ferro, cuja fabrica se construiu por conta de alguns accio
nistas que se uniram e a quem a real grandeza conferiu a
graça de fundir o ferro por tempo de dez annos, livre dos
quintos.
O Brigadeiro J. J. Machado de Oliveira , no seu livro
« Quadro Historico da Provincia de S. Paulo » , dá uma vo
tisia assás desenvolvida das minas de « Araçoyaba ( pag. 209
enn deaute ), pela qual se vê as diversas tentativas que
houve , durante largo periodo, na extracção de ferro e outros
metaes em Ipanêma.
Passamos a transcrever um trecho do capitulo que e
refere a uma dessas tentativas de exploração, onde vemos o
nome de Maitim Garcia Lumbria, que havia sido governador
de Itanhaen de 1687 a 1697 .
« Reconhecido que fosse a pobreza das minas de Ouro
do Jaraguá, Apiahy e Paranapanema, preuderam as attenções
as minas de ferro de Araçoyaba , e mais, porque se dizia
haverem ali indicios de veieiros de prata ; e para as pesqui
zas desta especialidade foi em 1681 mandado pelo governo
Frei Pedro de Souza inculcado como sabedor da materia.
Nada se sabe do resultado desse exame, mas é certo que
Martim Garcia Lumbria, tendo por socios a bianoel Fernan
des de Abreu e Jacintho Moreira Cabral, levantára junto
ao morro uma officina de fabricar ferro, pelo que tivera
agradecimento do Governo que mais eram mordeduras do
que beijos ... >
587

Este Garcia Lumbria, como já foi referido, éra paulista


e exerceu o governo da Capitania de Itanhaen , de 1687 a
1697. Durante a sua administração, que durou dez anuos
foi, por mais de uma vez, a Iguape e Paranaguá fiscalisar
a mineração do ouro, quanto á parte relativa aos « quintos
reaes » , que estavam sendo desviados pela fraude.
Ali , em Iguape, elle deu providencias e mandou lavrar
editaes e bandos a esse respeito, mostrando que éra homem
entendido na materia, conforme se deprehende de documen
tos existentes nos archivos das camaras de Itanhaen e Iguape.
Em 8 de Abril de 1695, época em que exercia o cargo
de Governador de Itanhaen , este Garcia Lumbria, houve, na
villa de Sorocaba alguns disturbios entre o povo e os reli
gio.os de São Bento, que tiveram ordem de seu superior, de
abandonar a villa.
Os documentos da Camara de Sorocaba fazem menção
desses factos, porem , em vez de Martim Garcia Lumbria dão,
como protagonista de taes occorrencias, o Capitão -mór Mi
guel Garcia Lumbria, que não sabemos si é ou não a mesma
pessoa .
O facto foi o segninte :
Em de Abril de 1695, os moradores da villa de So
rocaba, tendo a sua frente o Capitão -mór Miguel ( ou Mar
tim ) Garcia Lumbria, dirigiram-se, em tumulto, ao mosteiro
de São Bento da mesma villa, iustigados pelo vigario da
Parochia e ahi intimaram aos religiosos do mesmo Convento
que não sahissem da Villa , pois si assim acontecesse os
tornariam responsaveis pelos prejuizos espirituaes, — falta de
Sacramentos - que viéssem a soffrer as almas. Ao que res
ponderam os mesmos religiosos que não podião convir no
que lhes éra reclamado pelo povo, visto que tinhão ordem
do seu superior, para deixar o mesmo convento e precisavam
cumpril -a. Replicou o Capitão -mór Lumbria, em nome do
povo, dizendo que prohibia, como governador, que os frades
abandonassem a villa e que defenderia, á força d'armas , as
suas ordens, isto é - a sahiga dos religiosos. Em vista
desta intimação, os frades desistiram do seu proposito e pe
dirão « pelo Amor de Deus » , em vista da attitude do povo,
que não se lhes fizesse violencia.
Com esta resposta os animos serenaram e o povo se re
tirou em paz, a pedido do mesmo Capitão -mór Lumbria .
Estas questões com os frades do mosteiro de S. Bento,
de Sorocaba, parece-nos serem originadas por duvidas anti
gas , com a Camara , sobre umas terras doadas ao mesmo mos
teiro, as quaes haviam sido encorporadas ao patrimonio do
inunicipio , como terras do rocio. Ainda em 18 : 6 essa

questão, ou demanda, não se achava terminada, como se verá


pela representação que ao Governador de S. Paulo dirigiu
Fr. Pedro Nolasco da Sagrada Familia. Passamos a dar
parte d'esse documento, não só por interessar ao facto que
- 588

vimos de narrar, como pela sua importancia em relação á


historia dessa povoação de Sorocaba.
« Illustrissimo e Excellentissimo Sephor. - Tive a honra
de receber o officio de V. Ex. com data de 29 de Outubro
deste anno ( 1816 ), no qual me ordena responder ao reque
rimento que a Camara desta Villa de Sorocaba fez subir å
Real presença de S. Magestade, devendo eu acompanhar a
minha resposta de todos os documentos que forem necessa
rios . Em obediencia da respeitavel ordem de V. Ex. com
aquella submissão, decôroe fidelidade com que minha Reli
gião sempre prestou aos Vice Gerentes dos Reis Nossos Se
nhores, respondo :
« Que o Capitão Balthazar Fernandes, primeiro povoa
dor desta hoje Villa de Sorocaba, pa éra de 1661, foi á
Villa de Santa Anna de Parnabyba, donde a pool ação de
Sorocaba éra termo, ( * ) e nos fez doação de uma Igreja
com suas pertences, dando-nos, para as nossas lavouras, o
terreno que principiava de uma roça de mandioca, até sahir
ao Campo onde morava Braz Esteves, e da largura do Rio
Sorocaba até onde estava Diogo do Rego e Mendonça, genro
do doador.
« Exm . Snr : — mais de uma vez se encontra em papeis
antigos confrontações de similhante natureza, porém , o Pa
dre Fr. Anselmo da Annunciação que immediatamente foi
tomar posse, por explicação do mesmo doador, sempre reco
nheceu por demarcação do terreno doado – da ponte velha,
mais abaixo da existente, até o Rio dos Couros, na lingua
da terra, Ceopirira, hoje corrompido em Supiriri, e d'ahi a
sahir ao campo, moradia do dito Braz Esteves, e da largura
do Rio, indo contestar com Diogo do Rego e Mendonça até
sabir ao campo hoje conhecido de Itapiva : Este foi o ter
reno doario, unicanente com o onus de 13 missas annuaes,
como se vê pelo documento n . 1 . Acontece, porém, Exmo.
Snr. que quando se mudou a Villa, que primeiramente era
fundada no lugar denominado Itarireoú, legua e meia dis
tante do novo mosteiro, para o local em que existe, ( em
1665 , ) desde logo principiaram os choques entre a Camara e
o Presidente do mosteiro, sobre quererem os Camaristas se
nhorearem-se das nossas terras para o Rocio desta Villa. Já
vê Exm. Snr. que os predecessores da Camara actual não
podiam dos bens do Conselho, dar-nos terreno algum para
patrimonio, visto que a nossa existencia e doação das terras
em Sorocaba, são anteriores ao predicamento de Villa. Go

( * ) A primitiva povoação de Parnahyba, creada villa em 1625 , por provi


são do Conde de Monsanto, donatario da Capitania de Santo Amaro ( que tomou
o nome de Capitania de S. Vicente ) não podia extender o « seu termo » até a
villa de Sorocaba, cuja povoação já nesta época, 1625, estava fazendo parte da
Capitania de Itanhaen . A povoação de Sorocaba, desde 1625 antes de ser tran
sferida para o local onde hoje se acha e mesmo depois da sua transferencia, até
o anno de 1661 em que, segun to Azevedo Marques, foi elevada a categoria de
Villa, esteve sempre dentro do « termo » da Villa de Itanhaen e sob a jurisdição
da Capitania do mesmo titulo .
589

sou este mosteiro de uma pequena tregoa : quando, em 1667


estando de visita o Rev. P. Provincial o Dr. Fr. Francisco
da Visitação, no mesmo nosso Mosteiro, a Camara fez a doação
que apresenta do doc. n . 2 : « A bem da Paz, e do socego
das consciencias obrigarào ao Prelado maior acceitar como doa
ção aquillu mesmo que éra nosso ! Pelo conteúdo da Escriptura
claramente se mostram quaes foram as condições do contracto :
Que elles officiaes da Camara davam e doavam o terreno nella
exarado com declaração e condição que – se os padres Pro
vinciaes tirasse n daqui os religiosos, e desfizessem 0 Con
vento , voltaria todo o terren ) doado, com as bem feitorias
existentes para a Camara .
« E' de notar que o padre Provincial, vendo talvez a
bôa ordem estabelecida, feita a paz entre a Camara e 0

seu Presidente, cheio de prazer e contentamento, disse que,


em gratificação, mandaria um ou dois Padres que ensinas
sem o canto e a grammatica latina etc, etc.
Fr. Pedro Nolasco da Sagrada Familia.
Mosteiro de S. Bento de Sorocaba, 2 de Novembro
de 1815. »
Por esse documento, que deixamos de transcrever em
sua integra, por ser longo, vê-se que as « duvidas » entre a
Camara e os frades do mosteiro de S. Bento, a respeito des
sa antiga doação, ainda não estavam bem reguladas, visto
que os ditos monges não se conformavam com as reclama
ções da Camara , em virtude dessa d'ação prsterior que a
mesma Camara lhes havia feito, « em terras que de direito
lhes pertenciam » , por ser a 2.* povoação levantada em terras
do patrimonio do mesmo mosteiro.

Sobre as Minas de ferro do Ipanema diremos : que além


de Martim Garcia Lumbria houve ainda outros Gover
nadores da Capitania de Itanhaen , que seriamente se occu
param das descobertas e explorações destas « Minas de So
rocaba » , como se vai ver.
Na « Relação dos Governadores da Capitania de Itanha
en » já ficou demonstrado o importante papel representado
por Luiz Lopes de Carvalho, como Governador de Itanhaen,
na historia das minerações desta Capitania e mui principal
mente nas minas de Biracoyaba, em Sorocaba. ( * )
Damos em seguida o documento que se refere a este as
sumpto, transcripto da collecção dos papeis dos Governadores
do Rio de Janeiro .

( * ) Vid . Luiz Lopes de Carvalho, na « Relação dos Governadores de


Itanhaer . »
590

Carta Regia pedindo informação sobre as Minas de Ferro


descobertas em Biraçoyaba, por Luiz Lopes de Car
valho. E a fundição que este pretendia alli esta
belecer. Acompanhando dos respectivos documentos,
de 23 de Outubro de 1692 .

Governador da Capitania do Rio de Janeiro. EU , EI


Rey vos envio inuito Saudar. Ordenando ao Governador
vosso antecessor por Carta de 16 de Outubro do ando pas
sado me informasse com seu parecer, a cerca da Carta que Luiz
Lopes de Carvalho me havia escripto sobre a conveniencia
que podia resultar á minha fazenda, com hua fundição de
ferro que pretendia fazer, obrigando para segurança do gasto
da fabrica, e officina os bens de raiz que possuia neste Reyno ;
respondeu por Carta de 18 de Junho deste anno, que to
mando noticia deste negocio, achara que as dittas minas erão
de enumeravel quantidade de ferro o qual se tiraria em muyta
abundancia, porem que como estavam trinta legoas distantes
das capitanias de Santos e S. Paulo seria dificultosa a con
dução, como tambem o conservarse a gente que pudesse suprir
o trabalho para o qual não herão muyto capazes os Indios,
alem de que o gasto que se havia de fazer, seria mais con
sideravel , que o dito Luiz Lopes dizia, e que ouvindo - lhe déra
em reposta os papeis que com esta se vos envião.
E encomendo - vos que, tomando as noticias mais exactas
e individuaes nesta materia, me informeis com o vosso pare
cer. Escripta em Lix ." a 23 do Outubro de 1692 . Rey .
Para o Governador do Rio de Janeiro . 1.* via.

DOCUMENTO ANNEXO

Sr. Manda-me V. S. que o informe de que achei nas


Minas de Ferro que encontrei nas serras de Birassinava no
tempo em que por fazer algum grande serviço a esta Corôa,
sem reparar nos descomodos da pessoa, nem ainda nos riscos
da vida , e a dispendio da minha fazenda ( reduzindo-me a
tão mizeravel estado que compadecido V. S. da minha po
breza com encargo de mulher e filhos, uzando de sua cle
mencia, e piedade, me acomodou na serventia de um officio
de Tabelião desta cidade, para que totalmente não perecesse, )
penetrei os Sertões mais ferozes, só habitados de féras, pade
cendo as inclemencias que experimentão os que com zelo, e
amôr da patria lhe querem descobrir novos Thezouros. Todas
estas calamidades padeci por me haverem persuadido, e ter
achado alguos Roteiros que eosinuavão partes, e serras onde
em algum tempo se acharão signaes evidentes de mipas de
Prata e Esmeraldas. E por se me esgotar o cabedal proprio,
e não achar quem me animasse coin algum socorro, vim a
entender que Deos nosso Sr. tem guardada essa fortuna para
outro que mais lhe mereça.
591

Nesta entrada que fiz nos sertões fui dar com as ditas
serras de Birasuiava , aonde estão as minas de ferro na quali -
dade , e fertelidade deste groceiro metal excede a todos os que
pode haver descoberto ; e por me achar exhausto de cabedais
p ." os poder por minha conta entabolar, dei dellas noticia
a S. Magestade que D.* G.° pelo seu conselho Ultramarino,
de que athe o prezente nom tive resoluçam ; e agora se anima
a m .“ esperança com este informação que V.* S. me pede,
a que satisfaço.
Tem esta Serra de circumferencia sete legoas, segundo
informação de varias pessoas que a tem investigado, toda co
berta de densos arvoredos, em que se achão paos Reaes, e
madeyras de ley que será lastima reduzillos a carvão, porém
como distão trinta legoas do mar, nom ha outra serventia ;
E nella se achão varios Rios capazes de em qualquer delles
se fabricarem muitos engenhos de agua.
No meio desta serrania está hua varge que tem tres le
goas de comprido e meia de largo, e pello meio della corre
hum Rio capax de se fazerem nelle as fabricas ; toda esta
varge, e agoas vertentes da serra para ella está coberta de
mineral de ferro e de meuda area , athe pedras de arobas, e
muitas, e mui dilatadas betas profundas, largas, e compridas,
como poderão dizer o Coronel de Ytú Manoel de Moura Ga
niam , Manoel Glz. da Fonseca, e M. frz. m.tre ferr. ° ( mestre
ferreiro ) porque estiverão muitos dias vella em minha com
panhia, hoje estão nesta Cidade.
Rende esta pedra meio por meio, porque fundindo dous
quintais de pedra se tira hum de ferro. E isto posso affir
mar por experiencia que fiz pellas minhas mãos, pois fabri
cando hum Engenho muito limitado, por nom ter posses para
mais, tirava todos os dias este rendimento de hum quintal
de ferro de dous de pedra , porém só sinco dias continuei
nesta officina, en razam de vir hua chea, e como pella mi
nha pobreza, pois a fabriquei com pouca fortaleza, e se aruinou ;
ficando incapaz de poder continuar na fabrica.
Querendo S. Magestade que se levante Engenho com
sinco forjas, me obrigo a que todos os dias se tirem sinco
quintaes de ferro, e trabalhando-se só vinte dias em cada mes
se farão cem quintaes que multiplicados importào em cada
anno mil e duzentos quintaes, os quaes vendidos a quatro
mil rês qe tãobem a isso me obrigarei , importão Doze mil
cruzados .
Importará o dispendio deste Engenho com as sinco for
jas preparadas, e com o sustento da gente que ha de traba
îhar, e selarios dos Indios pelo preço que gm .," se alugão
quatro mil cruzados por hua vez, tres
não entrando nelles o gasto,
e soldadas que hão de levar os m . que hão de vir do Reyno ;
e estes 12 mil cruzados se hão de dispender na forma que
se dispende a fazenda de S. Magestade havendo almox .".
Escrivam , e mais officiaes que parecer, que terão seos orde
nados alem da d." quantia, que esta sô he deputada para a
592

despeza do Engenho, e dependencias delle : E este almox .*


o será tambem do ferro, e dará conta do que se lhe entregar,
e tambem do Reyno hão de vir os foles para a fabrica , e
serão a eleiçam dos m.tres que hão de ser della : Advertindo
que quanto mais forjas se meterem , mais quantias de ferro
se farão, havendo os m.tres bastantes, e hum mestre carvoeiro
dos que fazem caruam de souaro no Reyno.
Para isto ter effeito mandará S. Magestade ordem muito
apertada para que os officiaes da Camara da Villa de Sam
Paullo dem das Aldeias que tem de Indios forros, cem ca
zais de Indios para se formar hua Aldea no lugar em que
se hade fundar a fabrica : E a estes todos em quanto nam
tiveram mantimento seos, se lhes a de asistir dos mesmos 40
cruzados que asima digo pagandoselhe alem do sustento qua
renta rês por dia que he o preço comum da terra aos que
trabalharem na fabrica. Os mestres para esta fabrica man
dará S. Magestade vir, ou de Figueiro, Biscaia , Alemanha,
ou Suecia, e estes dirão, havendo a abundancia de metal que
represente, o que se poderá tirar de rendimento, que a res
peito da abundancia da terra durará em quanto o mundo
durar; E fazendo-se fóruos como em Figueirô, para a fun
dição, e não faltando nelles nem a parte para fundir, nem
carvão , qualquer dos mestres, que lá assistan , dirão o que
poderá render cada forno, por dia, mez, e anno. E por quanto
me acho muito pobre, e carregado de obrigações, peço a S.
Magestade que, do mesmo rendimento do ferro, se me de,
todos os annos, seis centos mil reis de tença efectivos que os
vencerei em qualquer parte que estiver e delles poderei tes
tar, ou renunciar , além das mercés que espero faça aos ditos
meus filhos ; Attendendo nom só a este trabalho, mas aos

grandes que tenho feito em seu Real serviço. E para maior


segurança do d . ° R., e para que venha em conhecimento da
verdade desta informação, me sujeito, a que no cazo que se
não consigão as ditas fabricas, e nam fique perdendo os 4
mil cruzados em que tenho alvitrado as despezas athe haver
rendimento, a repor ao dito Sr. tudo o que estiver despendido
da sua Real Fazenda, e para segurança desta minha obri
gação, hypoteco as propriedades que tenho na villa do Vi
mieiro donde sou natural , e conta o seu valor de mais de tres
mil cruzados, como consta do documento por onde se vê que
me pertencem , que aprezento. E para esse effeito mando
procuração a quem em meu nome hypoteque os ditos bens.
E em quanto for entabolar esta fabrica precizamente
hei de deixar minha familia nesta cidade do Rio de Janeiro,
e como nella nom tenho mais bens que a minha agencia,
pelo officio de que V. S.“ me fez mercê, pesso dez mil reis
cada mez para sustento de minha caza, enquanto a nom
puder para a dita parage me conduzir. E nesta forma fico
prompto para o que S. Magestade for servido e sempre me
sujeito a sua Real Grandeza. Rio. Mayo 31 de 692. – De
V. S. “ escravo - Luiz Lopes de Carvalho. »
593

Para estabelecimento desta fabrica de Ferro, em Bira


çoyaba, Luiz Lopes de Carvalho requereu, em 11 de Março
de 1698, ao Capitão-mór e -Governador da Capitania de Ita
nbaen – Thomé Monteiro de Faria, que lhe desse, por ses
maria , « quatro legoas de terra, em quadra, na Paragem
chamada Serra de Biraçoyaba, ficando a fabrica no meio
della, com todas as aguas e lenhas que nella se achem ,
etc. etc. »Essa « carta de Sesmaria » , da qual damos aqui
uma copia, vae transcripta no Capitulo destas « Memorias »
que se refere aos « Governadores da Capitania de Itanhaen »,
sob o titulo – Thomé Monteiro de Faria.
CARTA DE SESMARIA

Em 11 de Março de 1698, Thomé Monteiro de Faria


Lócotenente de Dom Francisco Luiz Carneiro e Souza, Conde
da Ilha do Principe, concedeu a Luiz Lopes de Carvalho
uma sesmaria de quatro leguas de terras, em quadra, no
lugar denominado Biraçoyaba, para levantar uma fabrica de
fundição de ferro, na serra do mesmo nome, no municipio
de Sorocaba .
A Carta de Sesmaria é assim concebida :
« Thomé Monteiro de Faria, familiar do Santo - Officio,
Governador e Capitão -mór desta Capitania de Nossa Senhora
da Conceição de Itanhaen, por sua Magestade que Deus
Guarde, frocurador bastante do Conde da Ilha do Principe
o Snr. Dom Francisco Luiz Carneiro e Souza, donatario
desta Capitania, e seu logar-tenente etc. : Aos que a pre
sente minha carta de data de terras de sesmaria de hoje
para todo o sempre virem e o conhecimento della tiverem ,
com o direito que lhe pertence. Faço saber que a mim
enviou a dizer por sua petiçam Luiz Lopes de Carvalho que
elle intentava levantar uma fabrica de ferro na serra de
Biraçoyaba, termo da Villa de Nossa Senhora da Ponte de
Sorocaba, com ordem que para isso tinha de Sua Magestade,
e que para poder fazer o dito engenho e fundição nom tem
terras, mattos, e aguas, pedindo -me em conclusão que, como
procurador bastante do Conde da Ilha do Principe, Ihe fizesse
mercê dar, de Sesmaria , quatro legoas de terra em quadro,
na paragem chamada Biraçoyaba, ficando a fabrica no meio
della, com todas as aguas e lenhas que nella se achassem , a
vista do que lhe mandei passar a presente Carta de terras,
pela qual , em nome do Sir. Conde da Ilha do Principe dou
ao supplicante quatro legoas de terras em quadro, na para
gem de Biraçoyaba, com todas as aguas , lênhas, e mattos
que nella se acharem .. etc. Dada nesta Villa de São
Francisco das Chagas de Taubaté, aos 11 de Março de 1698.
Eu, Manoel de Vasconcellos, escrivão da Camara desta Villa
a fiz escrever e subscrevi. – Thomé Monteiro de Faria . »
Thomé Monteiro de Faria, Capitão -mór Governador e
Ouvidor da Capitania de Itanhaen exercia a sua jurisdicção
594

não só na villa de Itanhaen , séde da extensa Capitania de


Martim Affonso, como em todas as villas que lhe estavain
sujeitas, conforme já temos demonstrado.
Achando - se, pois, na villa de Taubaté, a qual fazia parte
da Capitania de Itanhaen. elle concedera essa Sesmaria a
Luiz Lopes de Carvalho , não como Capitão-mór de Taubaté ,
mas, sim , como Capitão -mór Governador da Capitania de
Itanhaen .
Luiz Lopes de Carvalho havia já exercido, em 1677
1679, na villa de Itanhaen, o cargo de Governador e Ouvi
dor da mesma Capitania.
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Villa de Iguape

A SUA FUNDAÇÃO . OS SEUS VELHOS ARCHIVOS E O


SR . GUILHERME YOUNG

Das primitivas povoações da Capitania de São Vicente,


( que passou a denominar-se Capitavia de Itanhaen ); é,
na zona meridional, a Villa de Iguape uma das mais no
taveis, não só pelo importante papel que representou no co
meço do seculo XVI e nos demais periodos, pela descoberta
e exploração das — minas de ouro chamadas « de lavagem »,
como pelo seus primordios, antecedentes a essa época, que são
narrados pelos chronistas e historiadores antigos. Iguape,
como Itanhaen, ficou, entretanto, quasi inteiramente esquecida
pelos historiadores do secalo XVIII, na época em que essas
villas, devido ao exodo de seus habitantes, cahiram em grande
decadencia .
( archivo da villa de Iguape, como o archivo da Villa
de Itanhaen jazeu sepultado no maior abandono e indiffe
rença por mais de dois seculos, sem merecer jamais a
graça, por parte dos chronistas, de ser consultado para
« Memorias Historicas » que então foram escriptas pelos di
versos historiadores da Capitauia de São Vicente e Rio de
Janeiro . O archivo de Iguape , mais feliz que o de Ita
nhaen, ainda encontrou , nesse largo periodo de esquecimento,
mãos caridosas que o puzessem ao resguardo da destruição do
tempo e das traças ; o de Itanhaen , porém , como já referimos ,
foi totalmente consumido pelo desleixo e pela acção lenta
e continua das traças, sem haver jámais uma mão piedosa ,
um chronista ou historiador , que delle se occupasse.
Dos nossos chronistas nodernos, isto é, dos que se pro
puzeram, depois de Fr. Gaspar, Pedro Taques e Monsenhor
Pizarro , a revêr os nossos velhos archivos, no intuito de es
crever de novo a Historia destas Capitanias, de supprir as
faltas e preencher as lacunas d'aquelles, foi Azevedo Marques
o unico que se deu ao trabalho de fazer algumas pesquizas
nos archivos de Iguape, donde copiou alguma cousa para a
noticia , que em seus < Apontamentos Historicos » , deu sobre
esta antiga e importante povoação.
Sobre Itanhaen , entretanto , nem elle nem Macbado de
Oliveira ( Quadro Historico da Provincia de São Paulo )
adiantaram cousa alguma. Essa vetusta e pobre povoação,
esquecida no littoral da Comarca de Santos, com suas velhas
tradições, seus edificios em ruina e seus archivos carunchados
pouca ou nenhuma importancia lhes mereceu.
596

Pedro Taques na sua « Historia da Capitania de São


Vicente » que é, aliás, uma das obras mais completas e se
guras quanto á parte documental, em relação à Capitania
de Itanhaen , ao referir-se á fundação desta Villa, diz apenas
isto : « A Villa de N. Sephora da Couceição de Itanhaen ,
que foi condecorada com o predicamento de Cabeça de Ca
pitania, ( depois de repellida da Villa de São Vicente a sua
donataria Condessa de Vimieiro, no anno de 1624, como
temos referido ) tem um só convento de religiosos Capuchos
de Santo Antonio, a Igreja Matriz, e Casa de Camara, cujo
escrivão é o mesmo Tabelião do Judicial e notas tambem
escrivão de Orphãos, e ambos pagam donativos annualmente » .
Si o erudito Pedro Taques se tivesse, entretanto, dado ao
incommodo de ir a Itanhaen visitar os seus archivos, não se
limitaria a esta escassa noticia, e não cahiria no erro de
dizer que o Convento de Itanhaen éra de frades Capuchos .
Sobre a fundação de Iguape, este notavel historiador é
ainda mais laconico : « A Villa de Iguape, retere elle, tem
só a egreja matriz e casa da Camara , com Tabelião do ju
dicial e notas, que serve de escrivão do Senado, e um es
crivão de Orphãos, e ambos servem por donativo que pagam
anuualmente. A esta villa são sujeitas as minas de ouro de
lavagem chamadas da Ribeira, e tào antigas que já em 1690
• renderam , de quintos, com as de Parauaguá, mil e duzentos
esetenta e nove oitavas » ,
Sobre Paranaguá, cujo archivo, ao que parece, já éra
conhecido nessa época, o referido auctor é mais prolixo, e dá
uma roticia mais desenvolvida, como adeante veremos.
E' pois ao sr. Ernesto Guilherme Young, membro honorario
do Instituto Historico e Geographico de S. Paulo, residente
actualmente na cidade de Iguape, que a Historia de São
Paulo , quiçá a Histo ia do Brazil , deve esse importante sub
sidio, resuscitado dos velhos e carcomidos archivos dessa ci
dade, subsidio esse que, até então, jazia sepultado o esque
cido, o qual faz hoje parte, como documentos preciosos, da
Revista do mesmo Instituto Historico de São Paulo. ( * )
O infatigavel sr. Ernesta Guilherme Young não se limitou
á primeira tentativa feita nesse « Esboço IIistorico da fundação
da cidade de Iguape », publicado em 1897 , no volume II da
referida « Revista do Instituto » , onde faz uma resenha, quasi
completa, de todos os annaes e factos referentes á primeira e
segunda povoação de Iguape, com grande cópia de documentos
mas proseguiu, com esforço e vantagem , nas rebuscas desses
velhos archivos e conseguiu completar os seus affanosos estudos,
com mais duas importantes memorias, uma das quaes publicada
no vol . VI sob a simples denominação « Historia de Iguape ».

( * Quando escrevemos este capituio, em 1910, ainda vivia , na cidade de


Iguape, este distincto historiador .
597

Todas essas memorias, além da profusão de dados do


cumentaes, arrancados desses códices somnolentos, poidos pelas
traças e pelo tempo, vêm ainda enriquecidos de commen
tarios, dissertações e opiniões muito sensatas e justas, o que
honram , sobremodo, o nosso Instituto e provam a compe
tencia e erudição do illustrado auctor.
Si nos sobrasse espaço e lazer, nestas Memorias, sobre a
Capitanhia de Itaphaen , teriamos muito prazer e honra, se
nos fosse permittido , em transcrever todas as noticias e
dados referentes á historia de Iguape, publicados pelo sr .
Young.
Isto fariamos não só no interesse da historia, em geral,
divulgando mais esses documentos, como no interesse parti
cular da hi- toria da Capitapie de Itanhaen, que tem encer
rada ' nesses documentos dos archivos da. Camara de Iguape ,
os annaes mais importantes de sua historia.
O largo periodo da mineração, nos valles da Ribeira e
de Parauaguá, é, incontesravelmente, em relação à historia
de São Paulo o mais rico e ao mesmo tempo o mais pobre
e obscuro para nós que, como o sr. Young, tanto presamos
as tradições do passado, mas que não tivemos, como o pa
ciente historiador de Iguape, a ventura de encontrar, nos
archivos de Itau haen , esse veiero ou esse filào, que , como
material seguro e positivo nos offerecesse meio de elevar a
pobre e esquecida Itauhaen ao grau de evidencia que lhe
compete, já pelo seu passado, tào despresado pelos historia
dores, já pelas suas prerogativas con o séde da donataria de
Martim Affonso de Souza, durante esse periodo aureo dos
bandeirantes e das conquistas territoriaes do sul , de que tanta
gloria resulta para os paulistas.
Si o archivo de Itanhaen não tivesse pere :ido quasi to
talmente nesse abandono inqualificavel, teriamos hoje, com
esse abundante subsidio que o sr. Young nos proporciona,
elementos seguros para evidenciar e preencher uma das mais
lastimaveis lacunas de nossa historia patria.
Pela leitura desse Esboço Historico da fundação de
« Iguape e pelas outras - « Memorias » publicadas nos vol. VI
e VIII da Revista do Instituto Historico de São Paulo, po
de-se bem aquilatar da intensa luz que esses documentos
vêm derramar sobre alguns pontos tão obscuros e contro
vertidos de nossa historia.
Por esses documentos e por judiciosas annotações, o sr.
Young esclarece todas as controversias a respeito de Ruy
Mosqueira, ou Ruy Moschéra , Aleixo Garcia, o celebre ba
charel de Cananéa - ( Mestre Cosme) e tantos outros per
sonagens, tão celebres quão obscuros, os quaes têm dado
origem a que, em torno delles, se teçam as mais phan
tasticas versões .
A identidade e os feitos de cada um desses personagens
parece.pos inteiramente confirmados e esclarecidos pelos do
cumentos que o sr. Young apresenta.
598

O illustre auctor ao tratar da pessoa de Ruy Mosqueiro


diz que não deseja entrar em controversia a respeito de ter
sido este castellano ou outro qualquer que deu motivo á
guerra entre o povo de São Vicente e o de Iguape no tempo
decorrido até 1537 . « Fr. Gaspar, diz o sr. Young, procura
desacreditar os factos citados na historia de Charlevoix ; Si
não, vejamos : Fr. Gaspar confessa que o Livro do Tombo,
que Martim Affonso mandou fazer, foi perdido logo depois
do dito Martim Affonso ter-se retirado para a Europa. Char
levoix diz que o povo de Iguape saqueou a villa de S. Vi
cente, levando , entre outras cousas o Livro ao Tombo . Var
phagen, diz queda escriptura de venda que fizeram os
herdeiros de Ruy Pinto, o registro da doação feita em 28 de
Fevereiro de 1553 estava registrado no Livro do Tombo que
Martim Affonso havia feito : mas « por se perder o livro de
tombo que foi levado pelos mora iores deIguape, se tornou
a registrar em outro livro que ora se fez. E fica nelle re
gistrado hoje 20 de Agosto em S. Vicente, de 1537 , por mim
Antonio do Vallo Tabclião » . Em visto deste documento, diz o
mesmo auctor, é inutil qualquer apreciação.
O sr. Young passa então a demonstrar a permanencia
desse castelhano em Iguape, nessa época, e as suas façanhas
inclusivé essa do ataque á villa de São Vicente, que Fr.
Gaspar pretendeu negar, dizendo : «cs façanhas de Ruy Mos
chéra descriptas por Charlevoix, não passão de um ente de
razão similhante ao Hirco-Cervo, que os Logicos formavam
noutro tempo .
Segundo documentos citados pelo Sr. Young. ( Livro do
Tombo ) fica provado pois que este Ruy Mosqueira, depois
desse ataque à Villa de São Vicente e das viagens que fez
ao sul, regressou a Iguape e ahi falleceu, sendo sepultado
debaixo do Arco-cruzeiro da primitiva egreja dessa povoação
de Iguape, da qual foi elle , um dos fundadores.
« Por falta do primeiro Livro do Tombo, ( do qual só
existem alguns registros ) que desappareceu no anno de 1858,
refere o Sr. Young ao tratar da fundação da Villa, não po
demos verificar quem foi o primeiro Sacerdote, nem donde
elle veiu, para essa primeira egreja de Iguape ; porém , a tra
dição relativa a este assumpto é corroborada por escriptos
acceitos como veridicos. »
« Diz a tradição que o primeiro padre da egreja velha
éra um discipulo do Padre Anchieta, de nome Pedro Corrêa.
e que depois da inauguração desta egreja, partiu em di
recção ao sul sendo foi morto pelos indigenas no logar onde
existe hoje a povoação de Araraquara. Esta tradição é, em
parte, corroborada na “ Chronica da Companhia de Jesus "
do padre Simão de Vasconcellos, etc. A morte de Pedro Cor
rêa deve ter sido no fim do anno de 1554 ou principio de
1555, tendo elle partido de Cananéa, em direcção ao sul, no
dia 5 de Outubro de 1554 , e sendo morto na volta dessa
sua viagem . »
599

« Em vista do exposto podemos julgar que fossem , elle,


e seus companheircs, os primeiros sacerdotes, ( os griphos são
nossos ) que appareceram aqui principiando em seguida a
edificação da egreja, para assim cumprir a promessa que elle
deu ao povo de fazer um logar separado onde todos pudes
sem ajuntar-se a ouvir a doutrina christã . »
Hade nos permittir o Sr. Young que façamos aqui uma
ligeira observação, afim de melhor elucidar este ponto, em
relação a Pedro Corrêa.
Segundo se deprehende não só da « chronica » de Simão
de Vasconcellos como de outras noticias dignas de fé, o aven
tureiro Pedro Corrêa, o terrivel caçador de indios do littoral
de Itanhaen e Iguape, foi convertido pelo padre Leonardo
Nunes ( o abarébebê ) no anno de 1549, e esse facto se rea
lisou nas proximidades do Guarahú, entre Una Prelado e
Peruhybe ; pois éra ahi, na ilha grande do Guarahú, que Pedro
Corrêa ancorava as suas náus, segundo se lê na escriptura
de confirmação das terras que elle obteve do Capitão e Ou
vidor de S. Vicente, Antonio de Oliveira aos 25 de Maio de
1542 ; terras essas que lhe tinham ja sido dôadas pelo pro
prio donatario Martim Affonso de Souza ; e por ter elle, Pedro
Corrêa, perdido essas escripturas em um naufragio , requeria
que, de novo , lhes fossem concedidas por escripturas , e que,
nessa nova concessão , ficasse comprahendida a ilha grande
do Guarahú « para seu aposentamento de carga e descarga
das náos . »
Por ahi se vé que Pedro Corrêa éra tambem n'essa época
um dos que percorriam todo o sertão e costa do sul, fazendo
causa commum , talvez, com Ruy Mosqueira, o bacharel mestre
Cosme e outros que estão ligados aos factos da fundação de
Iguape aos quaes o Sr. Young se refere.
Pedro Corrêa, tendo-se convertido e abandonado a vida
de aventureiro para se fazer missionario, não podia deixar de
cortar relações com os seus ex-companheiros. O Sr. Ermelino
de Leão, que como o Sr. Young é um infatigavel investiga
dor e que tão importantes subsidios tem trazido para a his
toria da Capitania de Itanhaen e de Paranaguá, em uma re
sumida noticia sobre « a morte de Pedro Corrêa » , que nos
enviou, quando tivemos de estudar esse assumpto, para a
pintura do quadro « Martyrio de Pedro Corrêa » que adorna
hoje a Matriz de Santa Secilia, em S. Paulo , diz que esse
castelhano, a que o padre Simão de Vasconcellos se refere,
o qual tramou, entre os carijós, a morte de Pedro Corrêa,
nos sertões do Paraná – é o proprio Ruy Mosqueira.
Diz o chronista Vasconcellos que o autor desse barbaro
attentado « é certo que foi um castelhano, homem perverso,
que ali se achara com o Irmão Corrêa. »
José de Anchieta que deve ser, neste ponto, a melhor
autoridade, diz : « Este homem que os fez matar ( a Corrêa
e a João de Souza ) éra um castelhano que estava captivo
entre os Tupis, e o padre Manoel de Chaves o livrara da
I
600

morte , da qual tambem livrou uma india carijó que elle tinha
por manceba, a qual casaram os padres; e por que não
quizeram dal-a ao barregão ; e que por isso tomou tanto
odio aos padres que veio a parar em fazer matar os irmãos. »
Seja lá como fôr, o certo é que, esse castelbano, que
mandou assassinar os dois missionarios, si não foi o proprio
Mosqueira, foi algum dos seus sequazes, antigos companheiros
de Pedro Corrêa nas suas primeiras façanbas contra os mi
seros tupis e carijos do littoral.
O ponto principal a que nos queremos referir, sobre a
fundação da primeira egreja de Iguape, conforme escreve o
Sr. Young, é esse, em que « diz a tradição que o primeiro
padre da egreja éra um discipulo do Padre Anchieta de nome
Pedro Corrêa, o qual, depois da inaugursção desta egreja,
havendo partido, em direcção ao sul, foi murt pelos indige
nas no lugar em que existe hoje a povoação de Araraquara. »
Em primeiro lugar, Pedro Corrêa, embora Simão de Va
sconcellos o diga, não foi propriamente um discipulo de An
chieta, que no decurso de oito mezes, de 24 de Dezembro de
1553 que é a data de sua chegada a S. Vicente a 24 de
Agosto de 1551, data da partida de Pedro Corrêa para Ca
nanéa, apenas deu a este irmão algumas lições de grainmatica
latina, e recebeu delle, Pedro Corrêa, as primeiras noções da
lingua Tupi, na qual elle Corrêa éra versado, como o declara
o mesmo Anchieta.
Pedro Corrêa teve por mestre, no seu tirocinio de « ir
mão escolastico da Companhia de Jesus, » não o veveravel
José de Anchieta, que se achava em S. Vicente ha oito me
zes apenas, e ainda não éra sacerdote, mas sim o padre Le
onardo
rêa
Nunes que foi sempre considerado, pelo proprio Cor
o seu guia e mestre.
Os Irmãos mandados por Nobrega e Manoel de Paiva a
essa missảo em Cananéa, com o fim de apaziguarem ns sel
vagens, éram tres : Pedro Corrêa, João de Souza e Fabia
no .
Este Irmão Fabiano, que não seguiu com Corrêa e João
de Souza na missão aos sertões do Paraná, foi o que ficou
em Cananéa, ou Iguape, segundo refere o sr. Young, afim
de doutrinar os indios tupis. O chronista Vasconcellos diz
que o Irmão Fabiano ficou tambem para curar um caste
Thano que havia sido ferido, na guerra, por uma frechada.
Essa guerra, que os missionarios iam apaziguar, segundo diz
o mesmo chronista, éra promovida pelos castelhanos aliados
aos Carijós, que vinham atacar ( s tapis e, talvez, al
guns portuguezes que ali com estes, estivessem sitiados.
Eis como é descripto pelo dito chronista a chegada de
Corrêa ao porto principal dos tupis, » em Cananéa : « che.
gados ao porto principal dos Tupis ( éra entào o que hoje
chamam Cananéa e donde se arreceiavam os castelhanos )
entrou Corrêa pregando aquelia gente, e com a graça e elo
quencia captivou os animos de todos, o frz officio de Anjo
da Paz ; prometteram de não fazer mal aos Hespanhoes, e
601

assim cumpriram á risca. E' um dos motivos da ida. » Tra


taram logo da paz e negocios da fé e deram palavra de fazer
um lugar esperado onde todos podessem ajuntar-se a ouvir a
doutrina christã; e o que é espanto, que chegaran a aentre
gar-lhes os captivos, que tinbam já em cordas como en

gordar para pasto, etc. » Entre estes lhe deram um caste


Ihano, que tinha vindo com os carijós contra elles á guerra;
e com este, alem de livial-o da morte, porque estava mal
ferido de uma frechada que houvera na guerra, deixou o
irmão Fabiano para que o curasse e consolasse ; como fez
até que passando os outros castelhanos , que iam nas cavoas ,
o levaram com sigo, ficando só o irmão ( Fabiano ) ensinan
do a doutrina da fé, e esperando os companheiros que ti
nham partido em 5 de Outubro . »
O'ra , nem Pedro Corrêa e seu companheiro de martyrio
João de Souza, nem o irmão Fabiano éram sacerdotes, como
suppÔe o sr. Young. Fabiano éra um irmão leigo e Pedro
Corrêa e João de Souza éram irmãos escolasticos, aspirantes
apenas ao sacerdocio, como éra José de Anchieta, que só re
cebeu ordens de presbytero em 1566. Pedro Corrêa e seus
dois irmãos não éram , pois, os primeiros padres que ali ap
pareciam como diz a tradição, porque antes dessa data já
ahi havia estado Leonardo Nunes ( o abarébébé ), e Manoel
de Paiva, o qual como refere Simão de Vasconcellos já ti...
nha estado nesse sertão de Iguape e Cananéa, onde havia
livrado da morte um castelhano que estava captivo dos tu
pis o qual castelhano se suppõe ser o mesmo que mandá
ra martyrisar Pedro Corrêa e João de Souza.
O padre Leonardo Nunes, que falleceu neste mesmo
anpo de 1554 , e que percorreu constantemente toda essa
costa e sertões do sul, em companhia de Pedro Corrêa, me
recendo por isso o appellido de abarébêbê ( padre voador )
pela presteza com que accudia ás necessidades do seu mi
nisterio, - e que foi o fundador da primeira capella na al
deia da praia de Peruhybe, que tem hoje o seu nome , bem
poderia ter sido, com Manoel de Paiva , o fundador d'essa
primitiva igreja de Iguape, á qual se refere o sr. Young.
Depois da morte de Pedro Corrêa e do padre Leonardo
Nunes, em 1554, essa missão do littoral entre Itav haen e
Cananéa ficou paralisada, não só por falta de missionarios
como por falta de linguas ( interpretes, ) como bem declara
José de Anchieta em uma carta dirijida ao padre superior
Laines, datada de S. Vicente, a 16 de Abril de 1563, onde
diz que nada se podia fazer a bem desses indios revoltados,
ao sul de Itanhaen porque não havia interpretes e elle ain
da se não julgava sufficientemente habilitado para tal mis
tér. Em outra parte deste livro nos occuparemos deste as
suinpto mais desenvolvidamente.
Só de 1566 a 1585 é que José de Anchieta assume o ca
racter de verdadeiro evangelisador e apostolo dessa zona do lit
toral por ello tão preferida, como relatam os seus biographos.
602

Si, portanto, houve em Iguape qualquer missão evan


gelica , como é provavel, antes desse periodo de 1566-1585,
e, si se tratou de fundar ahi uma igreja ou simples Capella
é de crêr-se que foi durante a vida do Padre Leonardo
Nunes, isto é de 1549 o 1554 .
Os outros personagens, não menos celebres que Ruy
Mosqueira, os quaes se acham ligados á historia da primeira
povoação de Iguape são : o bacharel mestre Cosme, que se
achava em Cananéa, quando Martim Affonso ali aportou, em
12 de Agosto de 1531, e outro individuo, tambem portuguez,
de nome Francisco de Chaves. ( * )
Este Francisco de Chaves, que o Snr. Young diz ser
genro do Bacharel mestre Cosme, em virtude de documentos
existentes no archivo de Iguape, foi quem induziu Martim
Affonso de Souza a mandar para o se tão os oitenta homens
em busca de minas de ouro, segundo refere Pedro Lopes de
Souza no seu « Diario » .
Este « Diario da navegação da Armada que foi a terra
do Brasil , em 1530 » escripto pelo dito Pedro Lopes de
Souza, irmão de Martim Affonso , diz o seguinte, em relação
á « Ilha de Cananéa » e ao « mar pequeno » , que vae ter a
Iguape : « Sabbado, doze de Agosto ( de 1531 ), com vento
nordeste ( a armada vinha do Rio de Janeiro, com escala
pela ilha dos Alcatrazes ) faziamos o caminho do sudoeste ;
e ao meio dia vimos terra : seriamos della um tiro d'abom
barda ; por nos afastar della, viramos no bordo do mar ,
até ver se alimpava a nevoa , para tornarmos a conhecer
a terra. Indo assim no bordo do mar, mandou o Capitom
1. ( irmão ) arribar para fazermos nossa viagem para 0
Rio de Santa Maria ; e fazendo o caminho de sudoeste
demos com uma ilha. Quiz a Nossa Senhora e a Bemaven
turada Santa Clara, cujo dia éra, ( 12 de Agosto ) que alim
passe a nevoa, e reconhecemos ser a ilba de Cananéa : e
fomos surgir entre a ilha e a terra, em fundo de sete bra
ças. Esta ilha tem em redondo hua legua ; faz no meo hua
sellada : está de terra firme um quarto de legua e desabri
gada do vento sul sudoeste e do norreste que quando venta
mete inui grande mar . Desta ilha ao norte, duas leguas, se
faz um rio mui grande na terra firme ; na barra, de prea
mar, tem tres braças, e dentro oito e nove braças. Por este
rio arriba mandou o Capitam Irmão hum bargantim ; e a
Pedro Annes Pinto, que éra lingua da terra que fosse haver
falla dos Indios.
Quinta feira, 17 dias do mez de Agosto, veo o Pedro
Annes, piloto, no bargantim , e com elle veo Francisco de
( * ) Além destes personagens a historia nos dá ainda o nome de outro
individuo, portuguez, conhecido por Duarte Pires . O historiador da Argentina ,
Ruy Dias de Gusman , dá a esse portuguez o titulo de Bacharel -eo Pe . Je
suita Charlevoix , na whistoria do Paraguay, chama-lhe – «cavalheiro portuguez .
«Vem dahi sem duvida, diz o historiador Rocha Pombo, a versão, por alguns
adoptada ,-de que este Duarte Peres é o mesmo bacharel encontrado em S. Mi
cente e em Cananéa por diversas expediçõcs» .
605

Chaves , e o Bacharel, e cinco ou seis Castelhanos. Este


Bacharel havia trinta anpos que estava degradado nesta
terra, e o Francisco de Chaves era mui grande lingua desta terra.
Pela informação que della deu ao Capitam Irmão, mandou
este a Pedro Lobo com oitenta homens que fossem descobrir
pela terra a dentro ; por que o dito Francisco de Chaves se
obrigava que, em dez mezes tornaria ao dito porto, com
quatrocentos escravos carregados de prata e ouro. Partiram
desta ilha, ao 1.º dia de Setembro os quarenta besteiros e
os quarenta espingardeiros,...
O fim desastroso dessa primeira expedição pela Ribeira
de Iguape é bem conhecida ; porém, o que não estava ainda
esclarecido para a historia éra a identidade desse Bacharel
e desse Francisco de Chaves : E isso que o Sur. Young
acaba de provar pelos documentos referidos.
De forma que esse Bacharel mestre Cosme a quem Mar
tim Affonso concedeu, depois, terras no Porto das Náos, em
São Vicente é o mesmo Cosme Fernandes ( bacharel) de Ca
nanéa e um dos fundadores da primeira povoação de Iguape..
« Existem muitos documentos em Iguape, uns no archivo
da Camara Municipal e outros em cartorios, que se referem
ao primeiro possuidor de terras aqui , ( diz o Snr. Young )
entre os quaes ha um em que está declarado ter sido a pri
meira Villa estabelecida ao pé do « Outeiro do Bacharel » ,
em terras do mesmo, e outros em que os signatarios decla
ram ser herdeiros de Cosme Fernandes, possuindo seus ante
passados as terras em litigio ab - inicio. » Segundo se infere
destes dados documentaes apresentados pelo historiador de
Iguape e pelo « Diario » de Pedro Lopes, - o famoso Ba
ckarel Mestre Cosme, que éra afinal « um grande criminoso
e como tal havia sido degradado, » já se achava em Iguape,
com outros castelhanos, quando Martim Affonso de Souza ali
aportou em 12 de Agosto de 1531 .
Virifica - se tambem que o Bacharel veio n'essa occasião
para S. Vicente, talvez na propria frota do donatario Mar
tim Affonso, e que se estabeleceu nas terras fronteiras ao
porto de Tumiarú, onde o mesmo donatario lhe concedeu as
ditas terras do Porto das Náos. ( * )
Presume -se que , em consequencia das luctas travadas
com os moradores de Iguape, e com a notic'a do fim desas
troso da referido expedição dos « oitenta homens » mandados
ao sertão em busca de ouro e de escravos , o Backarel, que
não podia deixar de se tornar suspeito aos portuguezes,
como cumplice nessa hecatombe , achou prudente afastar - se
definitivamente de São Vicente, abandonando assim as terras
que, ha dois annos apenas, lhe haviam sido concedidas pelo
1. ° donatario .

( * ) ( Bacharel Mestre Cosme, Segundo alguns historiadores, ja havia


estado em S. Vicente com Antonio Rodrigues e João Ramalho, muito antes da
vinda de Martim Affonso ao Brasil . No capitulo que se refere à « Villa de S.
Vicente » nos occuparemos ainda deste assumpto.
604

Pelos documentos descobertos pelo Sor. Young nos ar


chivos de Iguape, vê- se , que esse individuo de nome Fran
cisco de Chaves, o qual , como já referimos, foi quem induzio
o donatario Martim Affonso a mandar essa expedição ao
sertão, éra gepro do Bacharel Mestre Cosme.
Foi, pois, em consequencia desses acontecimentos cala
mitosos, não só o ataque á Villa de S. Vicente , pelos caste
lhanos de Iguape, companheiros de Chaves e do Bacharel,
como, principalmente, a morte desses « oitenta homens » , cuja
culpa recahia sobre o mesmo Francisco de Chaves, que o
Bacharel, seu sogro, foi banido de S. Vicente, e considerada
« nulla » a concessão, que o 1.º donatario lhe havia feito,
das terras do Porto das Náos.
Pouco tempo após a retirada de Mestre Cosme, Gonçalo
Monteiro, 1.° Lócu - tenente de Martim Affonso, concedia essas
mesrias terras a Pedro Corrêa .
Em 25 de Maio de 1542, Antonio de Oliveira, successor
de Gonçalo Monteiro, confirmou essa ultima doação poruma
2." escriptura na qual ha este topico : « ... terras que Gon
çalo Monteiro, sendo Capitão, deu ao dito Pedro Corrêa, e
partem desta maneira : a 1. " que foi dada que é defronte
desta ilha de S. Vicente ( Porto das Náos), que éra dud : a
um mestre Cosme Bacharel, que o dito Pedro Corrêa houve
por devolutas, >
Si portanto essas terras já estavam devolutas quando
Gonçalo Monteiro as concedeu a Corrêa, um anno ou dois
após a retirada do Bacharel, é porque a sua posse estava
nulla, pelo facto da retirada do seu primitivo dono.
Essas doações feitas por Marrim Affonso logo que apor
tou a S. Vicente, foram passades de accórdo com os primeiros
foraes e cartas regias de D. João III, as quaes determivavam
que, essas doações fossem declaradas nullas uma vez que os
seus concessionarios as abandonassem , ou deixassem de
cultival - as.
As concessões de sesmarias perpetuas 7
como as de
Pedro de Góes, Ruy Pinto e Braz Cubas , foram concedidas
de accordo com outro foral que veiu na frota João de Souza .
« E' natural suppôr, diz o Snr. Young, que a retirada
do Mestre Cosme tivesse logar durante o tempo das questões
entre o povo de Iguape e de S. Vicente , que deveria ser
no arno de 1534 ou no de 1535, indo talvez até Santa Ca
tharina, com seus antigos companheiros. »
A permanencia ou bavimento de Mestre Cosme e < seus

antigos companheiros » , em Santa Catharina , não foi longa,


pois em 1554 já e ses castelhanos companheiros de Francisco
Chaves e do Bacharel, inclusive o proprio Ruy Mosquera, já
estavam de novo residindo em Cananéa e Iguape, conforine
ficou referido quando tratamos da morte de Pedro Correia
e João de Souza .
605

O povo de S. Vicente, como mais esse revêz, ou com


mais essa traição, de que acabava de ser victima, na pessôa de
Pedro Correia e João de Souza, por parte desses castelhanos
de Iguape, deveria procurar tirar uma vindicta, ou esforçar-se
para rechassar para longe esses individuos dos quaes tantas
hostilidades recebia ; eutretanto, não obstante os preparativos
e as tentativas de guerra que houve em S. Vicente , nessa
época , contra os Carijós e castelhanos, nada se fêz. ( * )
Só em 1585 é que a Camara e povo de São Vicente
enviaram um requerimento ao Capitão Jeronymo Leitão « sobre
a necessidade de se faz -y a Guerra do Gentio Carijó de Pa
ranaguá » , não totalmente pelo espirito de vingança ainda
latente no animo do povo, contra essa tribu rebelde e hostil ,
mas simplesmente pela razão de não terem os moradores da
Capitania de São Vicente sufficiente « escrararia » para be
neficiar suas fazendas.
Nessa petição diziam ainda os vicentistas : « E o que
requeremos ao Sr. Capitão , e não o querendo fazer , ( dar a
permissão para a guerra ) prometemos de largar a terra e
nós iremos viver onde tenhamos remedio de vida , por quanto ,
não nos podemos manter sem escravaria » .
Esta Guerra foi levada a effeito com o auxilio do povo
das villas do littoral e da de São Paulo. Nos documentos
que se referem a esta entrada dos sertões de Paranaguá e
Cananéa , não ha, entretanto, a menor referencia aos caste
Thanos, antigos alliados dos carijos.
Barharel e seu genro Francisco de Chaves e o pro
prio Ruy Mosquera , parece mesmo que se justificaram e se
rehabilitaram no conceito dos habitantes de S. Vicente e
Itanhaen, quanto á parte activa que haviam tomado em todos
esses disturbios, pois que d'essa época em deante, isto é, após
a barbara morte dos dois missionarios, em 1554, elles conti
a residir placidamente em Iguape, onde fundaram
a primeira povoação, conhecida por Villa Velha, segundo af
firmam os documentos existentes ainda nessa cidade.
Desses individuos, povoadores de Iguape, o mais famoso,
como turbulento, foi incontestavelmente Ruy Mosquera :
« Não podemos duvidar, escreve o Sr. Young, que Ruy Mos
quêra éra homem turbulento e desassocegado : em 1548, elle
com Miguel de Rutia, Pedro de Oriate e Nuno de Chaves,
foram á cidade de Lima ( no Perú ), para cumprimentar o
Vice Rey Padre Pedro de la Gasca, em nome de Domingos
Martins de Irala. No anno seguinte Mosquera voltou a Santa
Catharina em companhia de Ruy Dias de Melgarejo, indo
dahi outra vez para o Rio da Prata, onde se demorou até

( * ) Chegou-se a organizar forças que deviam partir para o sertão, sob


o commando de Pero Góes eRuy Pinto, diz Rocha Pombo ( Historia do Brasil )
no intuito de castigar essas tribus que haviam massacrado a expedição « dos 80
homens », mas um embaraço sobreveiu que frustou aquella intento, ordenado
pelo proprio Martim Affonso de Souza.
606

1577 , em cujo anno chegou, de volta a Iguape, e fallecendo


aqui mais tarde, foi enterrado debaixo do Arco Cruzeiro da
Igreja, edificada ao pé do « Outeiro do Bacharel . »
Essa povoação edificada, nessa época, « ao pé do Outeiro
do Bacharel » , durou até o anno de 1660, que foi quando se
tratou de transferir ( a dita povoação ) para o logar em que
está agora situada a cidade de Iguape .
O terreno escolhido para esta segunda povoação, que
fóra doado, por termo, á Camara, no anno de 1679, pertencia
a um neto de Francisco de Chaves ( o Bacharel ) de nome
Bernardo de Chaves, conforme documentos existentes em
Iguape .
Foi o Capitão-mór Ouvidor Luiz Lopes de Carvalho --
que , se achando em Iguape, mandou medir e demarcar essa
« sorte de terras » para o termo ou rocio da nova povoação,
no dia 3 de Julho de 1679 .
Este Capitão -Mór e Ouvidor Luiz Lopes de Carvalho
era, nessa época, Governador da Capitania de Itanhaen e foi
elle quem deu predicamento de Villa, ou fez a transferencia
da Villa Velha, para o novo local , que acabava de demarcar.
( Vide relação dos Capitães-Governadores de Itanh zen. )
« Está provado , diz o sr. Young, por documentos que
acompanham o « Esboço Historico » que, em 1660, a Camara
certificou -ao Capitão Bernardo Ruiz Buero, homem já velho,
o ser elle genro de Francisco ves Marinho, que deu as
terras para o estabelecimento da villa, 10 logar onde hoje
é a actual cidade . Em 1679, os Capitães Manoel da Costa e
Francisco de Pontes Vidal , assignaram um documento de
doação á Camara, de duzentas e cincoenta braças de terra
em quadra , como se vê pelo documento que acompanha a
memoria « Subsidios para a historia de Iguape Seus fun
dadores . »No termo da doação, cousta bem claro serem es
tes homens herdeiros de Cosme Fernandes . »
« Ha divergencias, acrescenta o sr . Young, nas obras
historicas relativamente á data em que a 2.a povoação de
Iguape foi elevada a Villa . E ' geralmente citado o anno
de 1654 ; confrontando, porérn , documentos existentes aqui,
somos forçados a reconhecer que, muito antes daquella época,
éra já conhecida essa povoação pelo nome de Villa de N.
Senhora das Neves de Iguape. Para provar este facto, te
mos, entre outros, o documento n. 2 Esboço historico da
fundação de Iguape ), em que o Capitão Mór e Ouvidor da
Capitania de S. Vicente, Vasco da Motta ( Vasco da Motta
não éra Capitão-Mór e Ouvidor de S. Vicente, mas sim de
Itanhaen ), despachou um requerimento de Francisco de Pon
tes Vidal pedindo por si e seus filhos sesmarias de terras .
Neste documento se diz « Faço saber que a mim me
faz petição o Capitão Francisco Pontes Vidal, dizendo em
ella , que elle era morador na villa de N. Senhora das Ne
ves de Iguape etc , » Esse documento tem a data de 8 de
607

Dezembro de 1637, e por elle se verifica que a primeira po


voação já tinha fóros de Villa nessa época. >

Fica, portanto, provado que a primitiva villa de Iguape


existia em frente á barra do Icapara, perto do Outeiro do
Bacharel, sendo d'ahi mudada para o local onde actualmente
se acha collocada a cidade do mesmo nome, e que esta trans
ferencia foi effectuada, não uesta data de 1637, mas em
1679, pelo Capitão-Mór Ouvidor de Itanhaen, Luiz Lopes de
Carvalho, como acima foi referido .
Pelos documentos citados pelo Sr. Young, está provado
entretanto, que, essa povoação primitiva, em frente á barra
do Icapara, já tinha tambem fóros de Villa, einbora se ignore
a época em que , como tal , föra instituida. Está ainda pro
vado pelos mesmos documentos que essa Villa Velha possuia
Senado da Camara, visto como os respectivos Camaristas ap
parecem , em documentos, requerendo e tomando posse de
terras desde 1619. ( * )
« Examinando estes documentos, com cuidado, verifica - se
diz o citado historiador, que existia uma villa ao pé do Ou-
teiro do Bacharel, em frente á barra do Icapara e que a
Camara tomou posse de terras annexas a ella para augmental-a
mas não foram utilisadas por não se prestarem ao fim
desejado » .
« Si a Camara tomou posse destas terras, sobre o que
não pode restar duvida, é evidente que já havia villa con-

stituida, porque não podia haver camara sem villa » .

(*) Não desejamos estabelecer controversia sobre datas


mas para reforçar este argumento não podemos deixar de
travscrever aqui este « apontamento » que vem nas « Notas
avulsas » deixadas ineditas pelo chronista Fr. Gaspar, refe
rente á primeira povoação de Iguape, e publicadas em 1900
pelo dr. Antonio de Toledo Piza, na « Revista do Instituto
Historico e Geographico de São Paulo » .
Diz o referido Chronista : « De uma sesmaria concedida
por Gonçalo Correa de Sá, aos 30 de Abril de 1619 , a João
de Barcellos e Paschoal de Barcellos consta que Iguape nesse
tempo éra povoação. Vem å sesmaria no livro 4.° a fls. 11 .
« De outra Sesmaria, concedida a Manoel Peixoto pelo
mesmo Capitão, aos 4 de Maio do mesmo anno de 1619 ,
consta ser villa no anno de 1612 e que o dito Manoel Pei-
xoto föra provoador della.
Consta do livro referido, a fls. 1 17 et sequotibus. Este
apontamento é do Dr. Juiz de Fora Marcelino Pereira Cleto :
porém houve engano em algumas das datas, porque se föra
villa em 1612 não estaria em inferior classe de povoação em
muito tempo depois, em 1619 » .
O que deve subentender-se, rectificando o engano das datas ,
é que essa primitiva povoação de Iguape já éra villa em 1610.
- 608

Esta villa velha fundada por mestre Cosme tinha já por


padroeira Nossa Senhora das Neves.
A nova povoação que teve começo em 1637 ou 1660 e
foi elevada a cathegoria de villa em 1679 pelo Capitão--mór
Ouvidor de Itanhaen Luiz Lopes de Carvalho , tambem teve
como padroeira Nossa Senhira das Neves de Iguape.
As obras da Igreja Matriz, nesta 2. * povoação, tiveram
inicio, ao que parece, em 1637 e foram concluidas alguns
annos depois.
O Sr. Youug diz que a 2." povoação fôra mudada para
o local actual , no anno de 1637 ou antes , e que pessa oc
casião foram concluidas as obras da referida Igreja.
Veremos en capitulo seguinte, o que sobre isto dizem
Azevedo Marques e o chronista José Innocencio Alves Alvim
na sua « Memoria » sobre Iguape.
Se insistimos, entretanto , em dizer que a villa de
Iguape ( segunda povoação ) foi elevada a villa de 1665 a
1679, é porque na « Relação dos Capitães Governadores de
Itanhaeu » que possuimos, vê-seque o Capitão --mor --Duvidor
Sesmieiro, Luiz Lopes de Carvalho, que tomou posse, pela
segunda vez, em 1677 e servio o referido cargo até 1679 —
« deu provisão e fez transferencia da villa de Iguape, e con
firmou e concedeu Sesmarias nessa mesma villa etc. »
Este Luiz Lopes de Carvalho servio duas vezes, isto é,
dois triennios, como Governador e Ouvidor de Itanhaen : a
primeira de 1665 a 1667 e a segunda de 1677 a 1679 .
Si ha, entretanto, engano nessa « Relação » e si a data
do predicamento de villa, dado a essa segunda povoação, é an-
terior a 1654, como já ficou referido, então o governador que
deu essa provisão em nome do donatario, Conde da Ilha do
Principe, não é Luz Lopes de Carvalho mas sim Diogo Vaz
de Escobar que servia nessa época 1654 , e foi, dos gover-
nadores de Itanhaen , um dos que mais se distinguiu pelo
esforço empregado no desenvolvimento dessas zonas auriieras
da Ribeira, Cananéa e Paranaguá, conforme se verá na parte
deste livro que trata desse assumpto.
Em todo o caso, o Capitão Luiz Lopes de Carvalho, como
Governador de Itanhaen , muito se interessou pela crêação da
segunda villa de Iguape e se não foi elle quem lhe concedeu
os fóros de villa. ou lhe fez a transferencia, foi entretanto,
quem lhe concedeu e demarcou as « terras do rocio » e me
Thorou o aspecto de suas habitações primitivas, dando-lhes
novo traçados para futuros alinhamentos, conforme se veri
fica dos proprios annas da Camara de Iguape, dessa época .
Quanto á primeira povoação, proxima ao « Outeiro do
Bacharel » , fundada no tempo de Ruy Moschêra, está provado
que já éra villa em 1619, como veremos adeante.
O PROGRESSO RELATIVO DA VILLA DE IGUAPE. O DES
ENVOLVIMETO NAS EXPLORAÇÕES DAS MINAS DE OURO
DA RIBEIRA . - A APPARIÇÃO DA MIRACULOSA IMAGEM
Do Bom JESUS , SEGUNDO A NARRAÇÃO DE JOSÉ DA
SILVA Rocha .

A villa de Iguape era, como as demais villas da Ca


pitania de Martim Affonso, até meados do seculo XVII, hu
milde povoação composta de casebres ou choupapas cobertas
de palha, avultando, apenas, aqui e acolá, uma ou outra
habitação de pedra e cal coberta de telhas, isso mesmo de mo
desta apparencia. Os unicos edificios de melhor aspecto,
nessas povoações, eram as egrejas, a Casa do Conselho e um
ou outro predio publico ou casa--forte. onde se guardavam es
trens bellicos e os cofres de arrecadação dos dizimos.
Foi só de 1655 em diante, com as descobertas das ja
zidas auriferas no valle da Ribeira, em Cananéa e Paranaguá,
durante a administração dos Governadores Dionysio da Costa,
Luiz Lopes de Carvalho e Diogo Vaz de Escobar, ( Vid . Re-
lação dos Governadores de Itanhaen ) que essas povoações do
littoral e principalmente as villas de Iguape, Cananéa, Pa
ranaguá e Itanhaeu tiveram desenvolvimento e importancia.
Mesmo assim , esse progresso relativo não foi duradouro
pois, do anno 1679 em diante, devido aos novos descobri
mentos auriferos em Minas Geraes, as ninas da Ribeira o
Paranaguá, e com ellas as respectivas povoações, ficaram de
novo desertas .
No Esboço Historico da « Fundação da Cidade de Igua
pe » vem a « Narração » dos factos memoraveis primordiaes,
que se deram n'essa época, até o anno de 1787 , feito por
José da Silva Rocha, escrivão da Camara e outros.
Diz essa < Narração » que a Villa de Iguape, como as
demais povoações, não podia augmentar porque os seus mo
radores não obtinham « fructo algum em suas diligencias »
e não podiam , portanto, sahir da pobreza em que viviam ,
nào obstante haver riqueza nas minas . E que, « quanto á
extensão de seu perimetro urbano e á qualidade de seus
prédios » , a villa de Iguape era tão humilde e tão pequena
que, em 4 de Agosto de 1679, o Capitão -mór Ouvidor de
Itanhaen Luiz Lopes de Carvalho, determinou por um
edital, em nome do Conde Dovatario que « em vista das
poucas moradas que haviam na villa, fosse cada um obrigado,
dentro de um anno, a fazer a sua casa, tendo cem mil réis
de bens para cima, sob pena de dez cruzados de multa » ,
segundo consta de um livro que serviu de registro na ca
mara , desse tempo.
610

« Tal era o estado em que se achava esta Villa, ( diz a


referida narração ), quando succedeu o apparecimento da Mi
lagrosa Imagem do Senhor Bom Jesus, dadiva preciosa do
Céu, penhor o mais rico de toda a terra e a unica riqueza
que está possuindo esta mesma villa, desde o anno mil
e seis centos e quarenta e sete, tempo em que o Senhor foi
servido entrar nella, para enriquecer os seus pobres habi
tantes, fazendo -se achar por elles, no logar mais deserto de
toda esta costa, como quem mostrava que elle só queria estar
onde os homens viviam debaixo da humilde palha.
Com effeito, não se pode julgar que foi mero accaso a
vinda desta Santa Imagem . E sendo que as circumstancias
della, pela que tinhão de prodigiosa, erão dignas de immor
tal memoria. Mas já estariam de todo no esquecimento , si ,
o Reverendo Christovão da Costa Oliveira, Vigario da Vara
da Comarca de Paranaguá, então visitador das villas do Sul ,
pelo Illustrissimo e Reverendissimo Snr. D. Frei Antonio de
Guadelupe, Bispo do Rio de Janeiro, não deixasse, como
deixou, em o anno de mil sete centos e trinta, huma authen
tica narração de todas as que poude adquirir dos homens
mais antigos, para perpetuar aqui a memoria de tão mara
vilhoso apparecimento.
Essa foi sem duvida a causa que teve esta Villa para
seu augmento, por que sendo tão baixa e humilde no seu
principio, como fica dito, começou a crescer de tal sorte que
achando-se já occupadas as situações mais vizinhas dos seus
limites, foi-se o povo extendendo pela Ribeira acima, rio
navegavel até quinze dias de viagem , sem embaraço consi
deravel .
Então começaram a descobrir-se as minas de ouro por
aquellas partes, cuja extracção foi permittida por Sua Na
gestade , por que ainda hoje se conserva aqui, com as Armas
Reaes, a casa que então servia para a fundição d'elle , du
rando isto até o descobrimento das « Minas Geraes > em 0
anno de mil seis centos e noventa e sete, porque quasi
todos os Mineiros se auzentaram d'aqui para as ditas Minas.
Outras evoluções têm bavido nesta Villa, como o augmento
de casas, fundações de estaleiros, estabelecimento de Paradas,
Lévas de gente para o Real serviço. Novos impostos por
ordem dos Soberanos e outras cousas que ordinariamente se
movem com a successão dos tempos. » Transcrevemos este
trecho da « narração » , porque, julgamos assás importante,
para demonstrar as cousas que influiram para o desenvolvi
mento da Villa de Iguape nesse periodo, o mais importante
da sua historia .
O QUE DIZ AZEVEDO MARQUES SOBRE A FUNDAÇÃO DE
IGUAPE . UMA INTERESSANTE « MEMORIA » ESCRIPTA
POR José INNOCENCIO ALVES ALVIM.

Passaremos agora a ver o que, sobre a povoação de Igua


pe, escreveu* nos seus Apontamentos Historicos o historiador
Manoel Eufrasio de Azevedo Marques, e o que sobre o
assumpto , consta ainda da « Memoria , escripta pelo notavel
e incansavel pesquizador Sr. José Innocencio Alves Alvim .
Diz aquelle historiador que é desconhecida a época em
que se fandou a povoação de Iguape : « Alguns historiado
res assignalam em 1567, outros em 1579, outros em 1611 e
outros, finalmente, em 1654, pelo Capitão Eleodoro Ebano
Pereira ; o que, porém , pudemos descobrir em documentos
authenticos, é que já era villa em 1638 e que a sua primeira
matriz foi concluida em 1635. »
Entretanto, alguma luz traz o documento que em seguida
transcrevemos, existente no Cartorio da Thesouraria de Fa
zenda de São Paulo, maço n . 11, de proprios nacionaes, a
que estão juntos os papeis aprehendidos acs jesuitas, na
época da sua extincção.
Gonçalo Monteiro, Capitão, com poder de reger e go
vernar esta Capitania de S. Vicente, terra do Brasil , pelo
mui Illm. Snr. Martim Affonso de Souza, Governador desta
Capitania, etc. Faço saber aos que esta minha carta virem ,
em como por Francisco Pinto, Cavalleiro-fidalgo, morador
nesta Capitania, me foi dito por uma petição que o dito
Snr. Governador, havendo respeito a elle querer ser povoador,
e assim outros respeitos, lhe fizera mercê de um pedaço de
terra, nas terras do Cubatão, entrando..... ( aqui está roto
o original) da qual terra diz ser-lhe feito carta e ser dada
e assignada pelo dito Snr. Martim Affonso de Souza, a qual
carta lhe fôra levada pelos moradores de Iguape, quando
roubaram os que estavam neste porto e e levaram o
mar,
livro do Tombn, pelo que constava da fé do Tabelião que
The tinha registrado em seu livro do Tombo que agora de
novo se fez etc. etc ..
Dada nesta Villa de S. Vicente, aos 17 dias do mez de
Setembro de 1537. – Antonio do Valle Tabelião publico
judicial e escrivão dos dados pelo dito Senhor a fez neste
anno do Nascimento de Nosso Senhor Jesus Christo de 1537 .
- Gonçalo Monteiro . »
Este documento prova, não só que em 1537 o territorio
de Iguape já éra conhecido com este nome, como já ficou
provato , bem como ja havia moradores, que alguns historia
612

dores affirmam serem castelhanos, sob o commando de Ray


Mosquera, que, vindos do sul, se haviam domiciliado em
Iguape e Cauanéa ; por onde tambem se verifica que o eru
dito Fr. Gaspar da Madre de Deus enganou-se, quando diz
em silas « Memorias » que a Villa de São Vicente só foi
atacada em 1592, por piratas inglezes ; e que é inteiramente
falsa a affirmação dos demais historiadores quando se referem
ao ataque de S. Vicente pelos moradores de Iguape, em 1537 .
Nas « memorias do Snr. José Innocencio Alves Alvim
– lê-se o seguinte :
« A Villa da Senhora das Neves de Iguape, ( * ) fundada
primitivamente em frente á barra do Icapara e depois trans
ferida para o local em que se acha hoje, jaz aos 24.° e 35.º
de lat. austral e 33° e 35° long... contada da ilha do
Ferro, etc. »
« Não existe, nem no archivo da Camara, nem nos car
torios e nem nos livros da Matriz, documento algum que
mencione o nome do fundador da villa e , com certeza, o
anno de sua fundação ; todos os documentos antigos foram
consumidos por dois incendios, um no cartorio do publico,
judicial e notas, onde se guardavam os livros da Camara, e
outro na caza do Vigario Antonio Cardoso de Oliveira, onde
se achavam os livros da matriz » .
Da referida « memoria » consta tambem que o municipio
de Iguape, nessa época, confinava ao norte com o da Con
ceição de Itanhaen , pela barra do Rio Una do Prelado ( ** ),
ao sul com Cananéa, pelo rio Sabaúna, meando, entre aquelle
e este, vinte leguas acima de Iguape ; ao Sudoeste, com o
de Curityba, pela serra geral da marinha ; ao Norte e ao Es
noroeste , com as de Santo Amaro , S. Roque, Sorocaba, e

Itapetininga, pela mesma Serra Geral .


Sobre a Imagem do Senhor Bom Jesus, actual Padroeiro
de Iguape, eis o que consta da referida « memoria » :
al reverendo Christovão da Costa Oliveira , vigario, da
vara de Paranaguá e das mais suas annexas, e nas mesinas
juiz de Casamentos, visitador das villas do Sul, desde a de
Santos até a de Laguna, pelo Illm .° Sn :: D. Fr. Antonio de
Guadelupe, por mercê de Deus e da Santa Sé Apostolica,
Bispo do Rio de Janeiro, e sua diocese, do Conselho de Sua
Magestade que Deus Guarde etc. Faço saber que, estando
nesta villa de Iguape, em actual visita, obrigado da devoção,
procurando alguin testemunho ou instrumento de que cons
tasse o tempo e modo com que nesta ditosa villa, sem hyper
bole, se cumpriu aquella Santa prophecia : Orietur vobis Sol
justitia et Sanitas in pennis ejus, com o apparecimento da
milagrosa Imagem do Senhor Bom Jesus, hoje collocada n'esta

( * ) Hoje tem por Padroeiro o Senhor Bom Jesus de Iguape, em vir


tude do Lei Provincial de 1858 .
( * ) Dizemos -nessa época - por que, primitivamente, as divizas de Ita
nhaen com Iguape, no littoral , foram sempre o morro da Juréa .
613

matriz, o não achei ; pão sem grande reparo e maior admi


ração de que até agora se quizesse fiar da fragilissima me
moria dos homens, hoje tão esquecida dos favores do Céo,
cousa tão memoravel e digna de que os melhores escriptores
se cançassem em compôr encomios a tão milagrosa chegada ?
E porque as escriptas se introduziram no orbe para fazer
eterna as crusas , que por alguma sorte mereciam que o tempo
( consumidor d'ellas ), as não apagasse e assim as ficassem
perpetuadas : Determinei que pela presente se eternisasse a
lembrança de tão sobrenatural favor, dispensado a esta villa,
pela Divina Omnipotencia, e para que os moradores della,
como os mais pios e devotos romeiros, que se chegam a valer
do patrocinio de tào Soberaua Effigie do Redemptor do Mundo,
procurando achar v'elle o seguro porto, em que têm asylo as
suas necessidades temporaes e espirituaes, tenham d’aqui em
diante maior e mais viva fé e esperança certo do remedio,
expouho, neste livro dos capitulos de visita, a noticia tirada
por informações de pessoas antigas e fidedignas que, se não
presenciaram o caso, ouvirar -no aos que a elle assistiram e
se acharam presentes .
« Que,sendo no ando de mil seis centos quarenta e sete,
mandados dois indios boçaes e sem conhecimientos e ignoran
tes da fé, por Francisco Mesquita , morador na praia da Juréa,
para a villa da Conceição, a seus serviços particulares, acha
ram na Praia de Una, junto ao Rio chamado Passauna, ro
lando um vulto com as superfluidades do mar a que vulgar
mente chamam ressacas ; e reconhecendo o levaram para o
limite da praia , onde, fazendo uma cova, a puzeram de pé,
com o rosto para o rascente, e assim o deixaram com um caixão
que divisaram ser de cêra do reino, e umas botijas de azeite
dôce, cujo numero não pude saber ao certo, as quaes cousas
se achavam desviadas em pequeno espaço . do dito vulto, e
voltando os ditos Indios, d'ahi a dias, acharam o dito vulto,
que não conheciam , no mesmo logar, mas com o rosto virado
para o poente, no que fizeram grande reparo pelo terem dei
xado para o nascente, e não acharem vestigio de que pessoa
alguma o pudesse virar ; e chegados que foram ao sitio de
seu administrador, contando o caso, que logo se soube pelos
visinhos, resolveram Jorge Serrano e sua mulher Anna de
Góes e seu filho Jorge Serrano e sua cunhada Cecilia de
Góes a ir ver o narrado pelos Indios, e chegados, acharão a
Santa Imagem na forma em que os Indios a tinhão exposto,
e tirando-a métteram n'uma rede e a trouxeram alternativa
mente os dois homens e as duas mulheres, até o pé do monte
a que chamarão Juréa , onde os alcançou a gente da villa
da Conceição, que vinhão ao mesmo effeito pela informação
dos Indios ( * ) a qual gente da Conceição ajudaram aos

( ' ) – A « gente da Conceição» havia ido em busca da dita Imagem , pelo


facto de ter ella dado a costa na Praia da Juréa – que fazia então parte do Mu
nicipio de Itanhaen .
614

quatro na conducção da dita Santa Imagem , até ao mais


alto do dito moute da Juréa ( ** ), donde os dous homens e
as duas mulheres com a mesma alternativa, a transportaram
até a Barra do Rio chamado Ribeira de Iguape, onde foram os
moradores da Villa de Iguape buscar a Santa Imagem , tra
zendo-a com muito grande acatamento, puzeram no rio a que
chamão hoje, com muito grande alegria – A Fon ! e do Senhor,
- para lhe tirar o salitre e ser encarnada de novo, o que
conseguirão depois de segundo encarne, pela imperfeição com
que ficava, e conseguindo o ornato, a colocarão nesta Igreja
de Nossa Senhora das Neves, em que está, aos dous dias do
mez de Novembro de mil seiscentos e quarenta e sete, con
forme achei no assento de um curioso, tirado de outro mais
antigo ; tambem achei informação de que era tradição, de que
a Santa Imagem do Senhor Bom Jesus, vinha do Reino de
Portugal , embarcada para Pernambuco, e que encontrando o
navio outro de inimigos infieis, lançaram os do navio Por
tuguez a Santa Imagem ao mar, para não ser tomada, com
o mais que se achou junto a ella, de cêra e azeite ; e que
no mesmo tempo em que foi achada a dita Imagem na praia
foram vistas, pelo Padre Manoel Gomes, vigario da Ilha de
São Sebastião, passar pelo mar, da parte norte para a do
Sul, seis luzes , uma noite , cuja luzerna illuminava grande
circumferencia, a qual noticia déra, o dito vigario, ao Re
verendo Padre Antonio da Cruz, religioso da Companhia de
Jesus. E para que venha a noticia a todos e estes louvem a
Deos e Senhor como convêm por tão soberano favor, esperando
a sua misericordia , que foi servido se cumprisse a prophecia :
Orietur Vobis Sol Justitiae, se verifique tambem a subse
quente : Et Sanitas in pennis éjus, »
« Curando nossas almas do contagio da culpa, dando
nos o premio dos escolhidos promettidos, mandei escrever esta
informação, que mando ao Reverendo Vigario e seus succes
sores a publiquem e leião no dia da festa do Senhor, no
tempo em que costumão ler as esmolas do anno, o que cum
prirão sob pena da Santa Obediencia . Dada em visita , sob
meu signal e sello, que perante mim serve nesta Villa de
Nossa Senhora das Neves de Iguape, aos vinte e dous do
mez de Outubro de mil setecentos e trinta .E eu, o licen
ciado Padre Manoel do Valle Palhano, Secretario da Visita,
o fiz e escrevi . Chistovam da Costa Oliveira . »

AINDA A APPARIÇÃO DA IMAGEM DO Sexhor Bom Jesui .


OUTRAS NOTAS

Como annoiação a este importante documento daremos


ainda alguns esclarecimentos sobre o que consta da tradição
O alto, ou o cumc da Juréa, éra a linha divisoria entre os dous
municipios – Iguape e Itanhaen ,
615

conservada pelo povo de Itanhaen, a proposito do facto da


apparição na praia de Una, da venerada Imagem do Senhor
Bom Jesus de Iguape.
Em primeiro logar diremos que o facto pela sua im
portancia e pela forma por que se operou, não deixa, até
hoje, de ser considerado como um portento, principalmeute
por aquelles que, como nós, ainda cheios de fé, não desde
nham em investigar a verdade nesses assumptos.
Examinernos, pois, as particularidades do facto, para vêr
como se produziu a maravilhosa apparição da Sagrada Ima
gem do Redemptor, que tanta prosperidade levou á humilde
povoação de Iguape, em 1647, tornando - a, dahi em deante,
tão notavel entre as demais villas do littoral paulista .
Referem os documentos citados que a Sagrada Imagem
vinha de Portugal, destinada a uma Egreja de Pernambuco,
e que tendo o navio que a transportava encontrado, na via
gem , um outro navio de infieis » , e, para não ser tomada e
profanada por estes resolveram , os do navio portuguez, lan
çal-a ao mar, junctamente com as caixas de « cêra do reino »
e as « botijas de azeite dôce » , que acompanhavam a mes
ma Imagem .
Indaguemos pois, qual teria sido esse « navio de infieis »
que perseguiu o dito « navio portuguez » que trazia para
Pernambuco essa preciosa Imagem.
Nessa época, 1647, Pernambuco e grande parte do norte
do Brasil estavam ainda em poder dos hollandezes. O prin
cipe João Mauricio de Nassau, com a sua politica generosa
e liberal , dizem os historiadores , havia conseguido dar grande
força e incremento á colonia hollandeza com sede em Per
nambuco .
Imprimiu o cunho de seu talento a todos os ramos da
administração publica e concedeu liberdade a todos os cultos
- catholico, protestante e israelita ; mandou reconstruir as
igrejas catholicas e conventos que haviam sido destruidos e
arruinados pelos invasores seus patricios, o que muito contri
buiu para merecer e apoio e gratidão do povo de Pernambuco
e das demais povoações sujeitas ao seu governo. »
Durante o periodo de sua administração, Nassau man
teve, em parte, relações commerciaes e firmou mesmo um
tratado de alliança ou um armisticio com o governo da me
tropole.
E ' provavel, pois, que essa Imagem do Redemptor, man
dada de Portugal ou da Hespanha para Pernambuco, fosse
'destinada a algumas dessas egrejas ou conventos restaurados
por ordem do dito João Mauricio de Nassau.
Em 1648, tres annos após a sua retirada para a Hol
lauda, recomeçaram as hostilidades entre hollandezes e por
tuguezes. Os hollandezes depois de se terem apoderado de
novo de quasi todo o norte do nosso paiz, rompendo assim
n tratado que haviam feito com a metropole, voltam - se ain
da uma vez para o sul atacando, pela terceira vez a Bahia.
616

Segismundo van Schkoppe, que havia chegado a Recife


em 1.º de Agosto de 1646, tendo soffrido grande derrota,
por parte dos patriotas brasileiros, dirige- se com sua esqua
dra para a Bahia onde chegou a 8 de Fevereiro de 1647 ,
desembarcando na Ilha de Itaparica que devastou bem co
mo todo o reconcavo bahiano .
Foi, sem duvida, nesta occasião, durante as batalhas
navaes , entre hollandezes e brasileiros, que se deu a chegada
do « navio portugues » conduzindo a Sagrada Imagem do
Bom Jesus, ás aguas de Pernambuco ou da Bahia.
O « navio de infieis » ao qual as memorias historicas e
a tradição se refere era incontestavelmente um navio de
guerra hollandez pertencente a frota de Van Schkoppe.
Devemos concluir portanto que — foi em Fevereiro de
1647 , que, nas aguas da Bahia ou Pernambuco foi lançada
ao mar a preciosa carga que veiu dar á costa, após muitos
mezes, nas praias desertas de Itanhaen , isto é -- a 2 de No
vembro de 1647 , – gastando a dita Imagem , neste trajecto
sobre as ondas, mais de oito mezes.
E' aliás bem sabido que, todas as vezes que se davam
ataques a Bahia , pelos hollandezes , os pavios corsarios desta
nação vinham piratear até o extremo do littoral paulista . Não
consta entretanto que nesse anno de 1647 viesse navio
algum hollandez , ou de outra qualquer nação , piratear na
nossa costa .
E ' forçoso admittir, por conseguinte , que esse « navio
de infieis » que deu caça ao dito « navio portuguez », só
poderia ser um vaso de guerra hollandez da frota de Van
Schkoppe, e que essa caça só poderia ser effectuada nas aguas
da Bahia ou de Pernambuco, como já ficou dito.
Pedro Taques na sua « Nobliarchia Paulistana » , titulo
- Gayas dá a respeito dos navios piratas uma interessante
nota a proposito de Manoel Affonso Gaya o qual , em fins do
seculo XVI, com mais tres irmãos, veiu estabelecer - se na
Villa de Santos .
Depois de relatar algumas façanbas e feitos heroicos
deste valoroso Capitão repelindo, por mais d'uma vez, os
ataques dos indios e piratas contra o porto de Santos, ter
mina assim : « No anno de 1599 occuparam a ilha de São
Sebastião tres navios de hollandezes inimigos contra os quaes
mandou D. Francisco de Souza ( Governador geral do Bra
si! ) por sua provisão datada de S. Paulo, um soccorro de
gente que se incorporou em Santos ao capitão de Iufartaria
Diogo Lopes de Castro, com moradores de Santos e S. Vi
cente, para irem atacar o inimigo hollandez. »
« No anno de 1601 os mesmos hollandezes occuparam
os mares da Ilha de São Sebastião com uma grande Crca
chamada « () Mundo Dourado. » ( Esta sería a mesma, assim
chamada , que em 1599 veiu ao porto de Santis, e só de
direito, que pagou a fazenda - real, se carregou em receita
ao Alinoxarifado — seis contos cento e vinte mil réis. ) Na
617

vegando nessa occasião um religioso benedictino com varias


pessốas, em um barco, e outros em uma canôa para o Rio
de Janeiro, foram todos captivos pelos ditos inimigos. »
« Accudiram os moradores de Santos e São Vicente, por
ordem de D. Francisco de Souza, Governador Geral que neste
anno se achava em S. Paulo, o qual mandou ao Capitão
Mór de Capitania - Gaspar Barreto, que sahiu com um corpo
de mil homens e indios flexeiros, em uma - Armada de
Canôas — contra o pirata, para cujo fim mandou o dito Go
vernador Geral assistir com polvora e bala e mais necessario ;
ficaram victoriosas as nossas armas ( Canôas ) e rendida a
Urca com todos os hollandezes, cujo capitão éra Lourenço
Brear : artilharia e mais munições de guerra e presas , que
tudo se conduziu para o porto de Santos, onde .por espaço
de cincoenta dias ficou guardada a Urca pelos moradores...)
« Finalmente, accrescenta ainda Pedro Taques, desde
1641 até 1655 infestaram os hollandezes as costas do Sul e
porto de Santos e $. Vicente e , no decurso de quatorze
annos deram de prejuizo mais de cem mil cruzados, pelos
navios e fazendas que tomaram no trajecto maritimo de
Santos a Rio de Janeiro . >>
« Estando o pirata hollandez occupando a costa , nestes
quatorze annos, conclue o historiador genealogista, e appa
recendo sobre a barra de Santos um navio, sahiu o Capitão
Manoel Affonso Gaya contra o inimigo, sein mais embarca
ção que uma canoa armada em Guerra nesta facção
o acompanhou seu genro Antonio Barboza Sotto -Maior ( * )
o qual em 1642 foi provido em Capitão da « Gente de Santos. »
Ora , Pedro Taques que tão minucioso é nestas nar
rações sobre os piratas que nesta época infestavam os mares
da nossa costa meridional nada nos diz, entretanto, sobre
esse « barco de infieis >> que em
1647 deu caça ao navio
portuguez que conduzia a Sagrada Imagem do Bom Jesus ,
da qual elle era um fervoroso devoto, segundo as suas
declarações, em cartas, a seu segundo parente Fr. Gaspar da
Madre de Deus .
Isto prova que o episodio entre o navio de infieis e o navio
portuguez, que tão notavel seria nessa época, não se deu nas
nossas aguas, mas sim dos mares septentrionaes entre Bahia
e Pernambuco .
Não se pode nem de leve suspeitar que o facto da ap
parição da Imagem do Bom Jesus, na praia de Una, houvesse
sido uma lenda, uma burla ou mistificação preparada, por
alguem de antemão com o fim de abusar da credulidade
do povo .
Não . O facto é narrado com singeleza e simplicidade
citando nomes e datas, com a maxima sinceridade, nessa me

( ) Ver este nome na-Relação dos Capitães-Governadores de Ita.


nhaen, onde se faz mensão a este episodio historico .
618

moria que já ficou transcripta ; e, apezar do largo curso de


tempo que desse facto decorre, verifica - se que toda a popu
lação do littoral de Itanhaen e Iguape conserva ainda bem
vivas todas as tradições que se ligam ao maravilhoso achado.
Diz a narração historica e a dita tradição confirma que
a Imagem do Bom Jesus ao ser retirada do mar estava cheia
de limo e salitre proveniente da agua salgada, o que prova
evidentemente o longo tempo que andou a mercê das correntes
marinhas.
Para retirar esse limo e salitre bem como as demais
impurezas que o mar deposita sobre os objectos que lhe são
confiados, foi necessario laval-a mais de uma vez e proceder a
nova incarnação, na dita imagem , antes de recolhel- a á
Igreja de N. S. das Neves, couforme consta , não só do Me
morial, como da tradição, conforme vamos provar.
Na « Memoria » á qual rimos nos referindo, consta da
« Gente da Couceição » que foi ao local etc., bem como da
primeira e unica lavagem que fizeram , da dita Iinagem , no
ribeiro ou rio que depois se deuominou - Fonte do Senhor.
Entretanto, a tradição popular em Itanhaen, sobre o facto,
é a seguinte :
- Logo que chegaram a villa da Conceição os ditos
Indios -bocaez contando o apparecimento da Imagem e dos
mais objectos que a acompanhavam , tôram immediatamente
alguns habitantes a praia de Una , a mandado do Capitão
Mór Valerio de Carvalho, com o fim de verificar o facto e
arrecadar para essa villa taes objectos arrojoados pelo mar,
visto que as praias de Una e Juréa estavam então fazendo
parte do districto da villa de Itanhaen ; que, logo ao che
garem ao logar designado, em companhia dos Indios, ten
taram conduzir a Iinagem para Itaphaen , o que não consegui
ram por ser a mesma « muito pesada » : que, os ditos lodiis de
clararam que — quando a colocaram no « barranco do Jundú,
dentro de uma cova , a tinham posto com o rosto voltado para o
nascente ( lado da Conceição ) e que - ao voltarem de Ita
nhaen viram com espanto que a Imagem se havia virado
para o poente ( lado de Iguape. )
A « Gente da Conceição » começou então a comprehen
der que em tudo aquillo havia algo de maravilhoso. Elles
já haviam notado o peso excessivo da Imagem sempre que
tentavam conduzil-a para o nascente, ao passo que ella se
torpava mais leve e portatil quando elles retrocediam a mar
cha para o poente ! ..
Foi nessa occasiảo que chegaram os moradores de Iguape,
cs quaes, ouvindo e vendo, maravilhados, tudo aquillo que
vinha de occorrer, resolveran , de accordo com os que ali se
achavam , conduzir a Imagem do Bom Jesus para a villa de
Iguape.
A « Gente da Conceição » auxiliou e acompanhou a
« Gente de Iguape » até o cume do morro do Juréa, termo
619

do municipio de Itanhaen e ali, em uma Cachoeira , fizeram


então a primeira lavagem da Sagrada Imagem do Redemptor.
Essa Cachoeira do Morro de Juréa tornou -se, por esse
facto, muito conhecida e notavel entre os romeiros que por
ali passavam, em direcção a Iguape.
Reza ainda a tradição, como é aliás bem conhecido, que
a Imagem do Senhor ficou impressa em uma penedia, ao
lado da Cachoeira da Juré, a onde se procedeu á primeira la
vagem .
Essa mancha singular da penedia, na celebre cachoeira
do morro da Juréa, onde os fieis romeiros procuravam e pro
curam ainda, talvez divisar å sagrada effigie do Bom Jesus
de Iguape, ainda lá existe.
Si, entretanto, nestes ultimos tempos essa Imagem se vae
a pagando da referida cha, estamos certo que existe ainda
bem viva e bem nitida na tradição e na fė piedosa de todos
os habitantes dessa zona pittoresca e remota do littoral da
antiga Capitania de Itanhaen .
Ignoramos a razão pela qual deixou de constar, no do
cumento em que se registraram todos esses factos, esse epi
sodio tão interessante da Cachoeira do Morro da Juréa , onde
se procedeu a primeira lavagem da milagrosa Imagem , e, por
isso, é que aqui deixamos consignado o facto e a tradição que
a elle se prende.
Não vimos, entretanto, com este pequeno subsidio, al
terar ou contradizer os factos narrados nessa « Memoria » ; ao
contrario, o nosso intuito, juntando a esse importante docu
mento todas estas notas, é simplesmente reforçar a verdade.
Para provar ainda que a tradição popular, sobre esse
ponto, em Itanhaen , não é uma inrenção, passaremos a tran
screver o trecho de « uma Lenda publicada em 1871 pelo
sr. Antonio Manoel Ferpaudes, conhecido litterato, residente
em Santos e fallecido ha poucos annos .
O Snr. Fernandes que era um amante e pesquizador das
possas tradições, deixou escripto e publicado alguns dados e
noticias, bem importantes, sobre a historia das aossas po
voações do littoral .
Estando algum tempo em Itanhaen, colheu ali algumas
informações e escreveu uma pequena monographia sobo
titulo « A Villa de Itanhaen » como méras « impressões de
viagem » que foi publicada , como já referimos, em 1871 ,
No final desse opusculo, ao tratar do convento de N.
S. da Conceição, inserio o autor a titulo de lenda, a

narração, um tantc phantasiosa, de um facto occorrido nos


arredores do dito Convento, na época, mais ou menos, em
que se deu a apparição da Imagem do Bom Jesus de Iguape.
E' a historia de « uma vizão » , um phantasma que foi
morto por um pescador, a qual aliás não tem relação alguma
com o facto de que nos occupamos .
Transcrevemos apenas aqui a parte que se refere ao
portentoso « apparecimento de luzes > que foram observadas ,
620

do pateo do Convento, em uma noite, quando passava , pelo


mar, a Imagem do Bom Jesus.
Essa tradição colhida pelo Snr. Antonio M. Ferrandes
em Itanhaen, nessa época, é como se vaever, identica á
que vem narrada na mencionada « Memoria » , que diz terem
sido vistas essas « mesmas luzes » em S. Sebastião, etc.
Eis o referido trecho :

De repente o silencio da natureza por aquellas horas


quietas da noite, foi acordado pelo som dos sinos do con
vento, que repercutia pela atmosphera pejada de luz.
Os cenobitas erguidos dos braços do somno, indagavam
entre si a causa do toque festivo dos sinos.
No cenobio éra espanto ; em baixo, no povoado, curiosi
dade e confusão.
as
Subiram ao campanario - estava tudo deserto, mas
vozes continuavam suas harmonias.
— Milagre ! milagre ! murmuraram de todos os angulos
do convento e o Côro dos frades entoou hosannas que re
percutiram sob as abobadas do templo, hamoniosas como o

gemido de um orgão.
E os sinos continuavam suas vozes festivas.
Vede ! vede ! bradou um cenobita, apontando por uma
janella do côro, aberta para o mar. O oceano estava todo
coberto dos reflexos do luar.
Todos olharam , então .
Ao longe, muito longe, entre a limpidez do céu e sobre
o dorso illuminado do mar, seis luzes vivas, claras, divinas,
caminhavam parallelas vindas do norte em direcção ao Sul .
« Parecia que nem um sopro as bafejava, nem zephyro
as movia com seu halito sereno.
Caminbavam como guiadas por mào invisivel e omni
potente sobre o oceano que lhes desenrolára em frente, uma
estrada semeada de reflexos.
O céu éra uma cupula immensa abrazada de luzes
quasi a desabar ao peso das estrellas, e a lua como uma
perola enorme rolava mansamente por aquellas ardentias do
firmamento . ..
« Na mesma noite essas luzes foram avistadas em toda
a costa . A população das Villas de São Sebastião e São
Vicente, despertada ao ruido dos sinos, teve occasião de
avistal-as, seguindo a direcção de Norte a Sul .
« De Una do Prelado, junto ao rio Pussauna foram mais
visiveis por se approximarem até chegarem a praia.
Os habitantes correram pressurosos ao seu encontro ,
achando um grande caixão que, aberto, deixou vêr a Sagrada
Imagem do Senhor Bom Jesus de Iguape. .
.

Dirão entretanto,os incredulos que tudo isso é uma


ficção, uma lenda creada pela imaginação popular.
621

Não insistimos neste terreno porque sabemos que questões


de fé não se discutem nem se definem .
Ha, entretanto, em tudo isto um ponto principal, in
contestavel, que se impoe, contra todas as negações : é o
trajecto feito pela sagrada imagem , das aguas de Pernambuco
até as praias de Itanhaen .
Replicarão entretanto os incredulos, que, em tudo isto,
principalmente no longo trajecto de un corpo a boiar sobre
as ondas, obedecendo a direcção das correntes marinhas, não
ha nada de extraordinario. muito menos de « sobre natural »
para se attribuir a um milagre.
Responderemos a estas objecções que o facto maravilhoso
não consiste nesse longo trajecto , inas sim na influencia in
explicavel dessas mesmas correntes maritimas em conduzir,
sempre juntos , todos esses abjectos lançados ao mar, со а
mesma Imagem -e a caixa com cêra do reino e as botijas
de azeite dôce » , que vieram dar á costa ao mesmo tempo
e na mesma praia conforme referem as chronicas e a tra
dição popular que ninguem ousará negar, nesse ponto.
Na « Vida do Padre Belchior de Pontes » escripta em
1752 pelo Rev. Padre Manoel da Fonseca ( pags. 186 a 190 )
vem tambem algumas referencias a esse facto estupendo
da apparição da Sagrada Imagem do Bom Jesus, na praia
de Una.
O auctor refere - se a um voto ou promessa feita por um
sertanejo paulista, de ir em peregrinação a Villa de Iguape,
o que não pôde cumprir por ter fallecido no sertão.
Conta então o Padre Manoel da Fonseca que o vene
ravel missionario Belchior de Pontes viajando um dia, em
companhia do irmão Pedro Pereira, pela estrada que vae de
São Paulo a aldeia de Carapycuiba, teve no caminho uma
comunicação, ou visão com a alma d'esse sertanejo impeni
tente que lhe pedia orações e penitencia, por parte de seus
parentes, por não ter cumprido essa promessa, á Sagrada
Imagem do Bom Jesus de Iguape.
Para bem demonstrar o fervor com que éra mantido o
culto á Sagrada Imagem , nessa época, 1752, 0 autor da
« Vida do Padre Belchior de Pontes » transcreve na integra
o documento do Pindre visitador, escripto em 1730 e que já
ficou transcripto, e é igualmente citado e copiado por Aze
vedo Marques e outros chronistas.
Ao terminar a transcripção da referida memoria, acres
centa o Padre Manoel da Fonseca : « Até aqui , o Reverendo
Vizitador descrevendo somente o modo com que appareceu e
foi levada á Igreja de Nossa Senhora das Neves aquella
milagrosa Imagem , como tambem a fórma dos seus milagres
a fez conhecida não só pa costa mas tambem no sertão, con
correndo a ella com romarias e votos muitas pessoas do dis
tricto de São Paulo, pareceu escrever aqui , ainda que fóra
de meu intento, uma maravilha que actualmente está reani
622

mando o respeito com que se devem tratar as cousas que


são Santas.
Na ribeira a que hoje chamam Fonte do Senhor,
havia um recanto a modo de lago pequeno, no qual como
não faziam movimento as aguas e era pouco fuudo, foi lan
çada a Santa Imagem para purificar -se do limo que do mar
havia recebido. Boiava ella por ser de madeira e elles com
piedosa audacia lhe puzeram uma pedra em cima ajudando
com o pezo para que ficasse coberta de agua, sobre outra
pedra, emquanto a purificavam .
Muitos annos se conservou este lago servindo de pes
cina aos necessitados e dando aos enfermos milagrosa Saúde
com o trabalho só de se lavarem em tão Santas Aguas.
Abusaram , porém , de tanta piedade umas meretrizes, e
a pedra, que até então era de pequena estatura, querendo a
seu modo vingar esta injuria , cresceu tanto que tomando
todo o circuito o tapou, deixando somente livre o ribeiro
em cujas aguas ainda hoje estão depositados grandes re
medios para muitas enfermidades » .
A VILLA DE IGUAPE EM 1737 . OBRAS PUBLICAS
REALISADAS NESSA ÉPOCA . -A FONTE DO SENHOR .
- AS REFORMAS DO PELLOURINHO E CASA DE FUN
DIÇÃO . AS OBRAS DA NOVA MATRIZ A SUA CON
CLUSÃO.

Das villas do littoral da Capitania de Itanhaen, não só


da zona meridional como da zona septentrional , foram Iguape
e Paranaguá as unicas que se puderam manter, quasi no
mesmo gráu de prosperidade a que haviam attingido durante
o aureo periodo em que as explorações das minas lhes pro
porcionaram alguma animação e relativo progresso.
Embora se tivessem resentido do exodo da população,
durante a época das novas e importantes descobertas em
Minas -Geraes e Matto-Grosso, o qual exodo foi geral em
todas as povoações do littoral , - Iguape e Paranaguá pude
ram ainda assim supportar grande diminuição no contin
gente de suas populações, devido não só ás circumstancias
de não se terem totalmente exgotado as rendas de suas
jazidas auriferas, como principalmente pela posição geogra
phica dessas duas povoações, que continuaram , no periodo
de decadencia, a manter ainda uma certa importancia, devido
ao prestigio que lhes vinha do Governo da metropole e Go
vernadores geraes : Essas duas Villas do sul eram ainda no
fim do seculo XVIII os emporios por onde se escoavam
todos os productos da Ribeira e do Estuario de Paranaguá,
bem como das regiões centraes, até ás minas de Paranapa
sema. Era ainda pela Ribeira e pela estrada de Curytiba
que se faziam as « entradas » para o sertão meridional e
occidental do vasto e rico territorio paulista.
Não obstante, porém , a grande importancia de que go
sava a Villa de Iguape, já pela sua posição como escôa
douro natural dos productos agricolas e auriferos da ex
tensa Ribeira, – já pelos rendimentos dos « quintos reaes »
apurados na sua « Casa de fundição no seu Posto de
Registro, os seus edificios publicos e mór parte das suas
residencias particulares eram ainda na anparencia, bem mes
quinhos e pobres.
Pelo mappa que vae appenso a esta memoria, o qual
foi levantado no fim do seculo XVIII, e traz uma planta to
pographica da Villa de Iguape, vê-se que a área edificada
era bem resumida, e que as ruas se achavam em desalinho
completo, o que era aliás commum , nesse tempo. O seu
principal edificio - Matriz – não se achava no centro da
praça, mas encostado ao angulo de um bêco que ia ter ao
624

« porto da Villa » . No centro dessa vasta praça irregular


estavam situados a Casa do conselho, cadea e pelourinho,
fronteando a outro bêco, que descia em direcção ao mar. E'
pena que este pequeno e curioso plano da Villa de Iguape,
não nos indique o local em que estava situada a « Casa da
Fundição » que havia sido reformada em 1730.
Alem desta « Casa de fundição, da qual vamos nos
occupar, havia ainda em Iguape um Posto fiscal, mandado
estabelecer na Ribeija, por um dos Governadores da Capi
tania de Itanbaeo , com o fim de evitar os constantes des
vios, e descaminhos que ião tendo os reats quintos, no tra
jecto fluvial que eutảo se fazia por esse rio. Esse logar é
ainda hoje conhecido pelo nome de - Rio do Registro por
se achar o dito posto na embocadura de um pequeno rio, á
margem direita da Ribeira , um tauto abaixo da barra do rio
Juquiá.
No mesmo mappa que vai junto a esta Memoria, nota
se, um pouco acima do P sto do hegistro, á margem oppos
ta ou margem esquerda da mesma Ribeira, um ponto com
esta denominação Fortaleza , o que parece indicar que
houve nesse logar, pouco abaixo da barra do Juquiá, uma
fortificação, ou posto militar de guarnição, com o fim de pro
tegar a arrecadação do fisco.
Não obstante a importancia das riquezas que transitavam
pela Ribeira cujas margens estavam já muito povoadas nessa
época, conforme se vê pelos pontos indicando as habitações
nesse mesmo mappa, - a villa do Iguape pouco progredia e
as finançasdo municipio eram assás precarias, como se vae vêr .
Em 1737 o rendimento annual da Camara dessa Villa
era de 207$ 000 e as despesas 151 $000 . Referimo -nos de
preferencia a este anno de 1757 por ter sido o mais pros
pero no triennio de 1736 a. 1739 , que foi tambem o mais
rendoso nesse seculo .
De 1730 a 1735 a receita da municipalidade de Iguape
regulava por metade e ás vezes menos da metade dessa in
portancia, isto é, 30 $ , 40 $ e 50$000 rs. cada anuo ; havendo
sempre it deficits, no encerramento das contas annuaes. Nesse
mesmo anno de 1737 . animados com 0 accrescimo das
rendas , os homens da Vereança » , querendo mandar construir
uma casa, no lugar onde existia uma fonte ( Fonte do Se
nhor ? ) com abóbada de pedra e cal e um tanque, nessa
mesma Cachoeira com identico material , onde se pudesse
lavar roupas, « e assim mais um Pellourinho de pedra e cal,
com o seu modo de cutello em cima e uma argolla de ferro
no pé do dito Pellourinho » , não acharam quem se quizesse
encarregar desse trabalho, que havia entretanto sido orçado
na elevada quantia de 190 $000 !
E como não houvesse quem se propuzesse a fazer essa
obra por menos desse preço, encarregaram ao Capitão João
Pereira do Valle que mandasse executal- a, por administração.
625

Até essa época, como se vê, 0 Pelourinho , symbolo


<<

da jurisdicção e da justiça » , éra ainda de pau ; e, para sa


tisfazer essa necessidade, assim como essa outra, bem mais
palpitante, de melhorar as fontes e fazer a abóbada da
Fonte do Senhor, a Camara sacrificava a mór parte, para não
dizer o total de suas rendas ; obrigando-se ainda a forne
cer por sua conta todos os canos e mais materiaes de ferro
de que a obra necessitasse, impondo apenas como condição
essencial :- « que a obra ficasse terminada antes da festa
de Agosto . »
O contracto foi lavrado em 1.º de Dezembro desse anno
dz 1737 .
Não sabemos em que condições estavam os velhos edi
ficios publicos de Iguape, nessa época de renascimento, em
bora ephemero, por que passou a importante e tradicional
villa, nem as reformas que se fizeram nos predios particula
res, mas, a julgar pela importancia das rendas - municipaes
que decrescuram consideravelmente após esse anuo de 1757 ,
até o começo do seculo XIX, é de presumir - se que tudo
continuasse no mesmo estado em que se achava desde o
anno de 1679 , época em que o Capitão-mór e Ouvidor de
Itanhaen , -Luiz Lopes de Carvalho, emprehendeu alguns me
lhoramentos nessa povoação , ordenando que os habitantes
construissem novas e melhores habitações, e que a Camara
procedesse a novos alinhamentos no respectivo terreno » ,
em vista do estado deploravel em que se achavam as ditas
habitações.
Este estado tão pouco lisongeiro em que se via a Villa
de Iguape, mesmo na época mais florescente da exploração
de suas minas, não éra, entretanto, motivo para que o povo,
lamentasse e attribuisse esse estado de cousas á má admi.
nistração ou impericia dos homens da governança, porque ,
o mal, isto é - a pobreza – , éra geral em todas as Capita
nias, nesses primeiros tempos. São Paulo, que de todas as
povoações da Capitania de S. Vicente, foi, desde os seus
primordios, uma das villas mais importantes e privilegiadas,
não levava grande vantagem , nesse ponto, ás demais povoa
ções contemporaneas.
No fim do seculo XVI, cincoenta ou sessenta annos de
pois de sua segunda fundação pelos jesuitas, ainda os ho
mens da vereança reclamavain palha e sapé para cubrir e
remendar a Casa do Conselho e os meirinhos se queixavam
ao juizes de que a Cadeia não tinha segurança por ser
de pau e as portas não tinham nem chaves nem cadeados
para se aferrolharem os delinquentes, que já não éram poucos.
Em 1682, - segundo escreve un historiador hespanhol
que esteve nessa época em S. Paulo, as habitações nessa
villa éram construidas « а moda dos indios e no meio
dellas apenas avultavam as taipas do Collegio dos Jesuitas
e as da Matriz e da Casa do Conselho , (senado da Camara )
que por signal ainda estava coberto de palha ..
626

Entretanto, nesse tempo os habitantes da Villa de S.


Paulo já pagavam impostos e multas bem avultadas e se
cobravam quintos para a real fazenda !
Em 1737 a Casa de Fundição em Iguape, que deveria
ser um predio ou edificio dos mais importantes, não só pelo
fim a que se destinava, como pelos rendimentos que propor
cionava á fazenda real, éra , entretanto, um velho casarão
de madeira e telha-vă, como se verifica do teor de um
« Termo de arrematação das obras » da dita caza , que aos
20 de Outubro desse anno de 1737 se mandou apregoar na
villa de Iguape. Essa arrematação foi feita pelo Alferes
Joaquim Teixeira de Azevedo, pelo preço de cincoenta mil
réis .
Eis em resumo, em que consistia essa reforma que se
ia fazer na velha Caza da Fundição, segundo réza esse do
cumento :
« Reformar toda a madeira, caibros, ripas, e o demais
que for necessario, e toda a telha que faltar, assim como
porta, janella e seus portais, tudo de novo, com huas armas,
seis na parede de páu, como dantes tinha, etc.... » .
E' de notar-se a economia, para não dizer a miseria
com que se mandava executar essa obra em um edificio
da fazenda real , que ostentava em sua frontaria o escudo,
com o brazão das armas lusitanas .
Em Iguape, como em todo o littoral, havia nessa época
muito boa cal , feita de « ostras dos sambaquis » , e muito.
boa cantaria ; entretanto, a Caza de Fundição éra feita e
reformada com paredes de páu -a pique, e o governo da me
tropole que já nadava e se afogava em ouro, nesse anno de
1737 , decretava : que só se despendesse nessa reforma, a mi
seravel quantia de cincoenta mil réis !
Já nessa época, 1737 , e mesmo antes, os fieis devotos.
do Senhor Bom Jesus de Iguape, cuidavam seriamente em
erigir, nessa Villa, um templo digno do culto dessa Imagem
que, desde o anno de 1647 , se venerava na velha Igreja de
Nossa Senhora das Neves, então servindo de Matriz, e para
onde accudiam , todos os annos, na festa de Agosto, grande
numero de romeiros.
Não sabemos, entretanto, ao certo, o anno em que fo
ram iniciadas essas obras, mas pelo que se lê em uma re
presentação datada de 26 de Setembro de 1804, dirigida ao
Governador de S. Paulo e assignada pelos Vereadores de
então ( * ), deprehende -se que as ditas obras da nova Matriz,
nesse anno de 1804, resumiam - se em uns simples ali
cerces que por alguns accidentes estavam parados ha muito
temps, e quo em vista do estado ruinoso da velha matriz,

( * ) Ramiro Pinto de Almeida. – Antonio Martins Rodrigues. - Francisco


de Paula e Souza. – Manoel J. de Aguiar e João Jacinto de Andrade,
627

que pouco tempo durará, éra urgente que se accudisse na


nova Igreja. — » .
Para esse fim , dizem os peticionarios, havia boa voutade
da parte do povo que se propunha a trabalhar de graça, em
esquadras, que se renovariam de seis em seis dias.
Propunha-se ainda o povo, ( os agricultorus ) a pagar
um imposto de arroz, voluntariamente, e cujo producto seria
applicado ás ditas obras
Em 31 de Outubro desse anno de 1804, os homens da
governança , encarregados dessa obra, receberam uma com
municação do Capitão-General de S. Paulo - Bernardo José
de Lorena, de uma ordem regia para fazer trabalhar pas
obras da nova matriz, os soldados das Ordenanças, não só
da Villa de Iguape como das demais do termo da Comarca.

(** ) O nosso velho amigo de saudosa memoria, Co


ronel Francisco de Almeida Moraes, nos confiou um velho
documento proveniente de Santa Catharina, referente a D.
Joanna de Gusmão, irmã do padre - voador e do Secretario
Particular de D. João V – Alexandre de Gusmão, 110 qual
documento ha referencias bem importantes á Matriz de Nossa
Senhora das Neves da Villa de Iguape, como se vae ver.
DOCUMENTO ANTIGO

Sobre a Capella do Menino Deus, em Santa Catharina,


da qual foi fundadora a Beata D. Joanna Gomes de Gusmão :
Bastante desgosto nos acompanha de não possuirmos
nem termos lido escripto algum da vida desta virtuosa Se
nhora ; o que sabemos é apenas por tradição, e pelo que
muitas vezes nos referirão nossos Paes. Sobra -nos, portanto,
toda a fé a essa tradição, que D. Joanna Gomes de Gus
mão, natural da Villa de Santos, hoje cidade de Santos, irmã
de Alexandre de Gusmão, Secretario Particular de El Rey
D. João V e de Fr. ( sic. ) Bartholomeu de Gusmão ( vôador,
por antonomazia, por ser o inventor, n’Europa, da maquina
areostatica etc. ) fóra cazada com um major e que não teve
filhos : Que n'uma romaria, ou viagem a villa de Iguape,
( na Egreja de N S. das Neves ) prometterão, que aquelle
que sobrevivesse ( ou morresse algum dos dois ), não pas
saria a segundas nupcias, e iria peregrinar pelo mundo:
que o marido morrera de bexigas ein Paranaguá, e que Dona
Joanna vestindo logo um habito de burel, se puzera a ca
minho, ( por terra, a pé ), para o sul. Chegando a Santa
Catharina, escolhera para a sua vivenda ( no morro, entre o
matto - virgem ) o lugar onde edificou um pequeno rancho,
onde suas virtudes a fizerão logo conhecer, mais que o seu
nome, podendo re .... ( nesta parte o documento está estra
gado )... a vida de beata duas mulheres, e deixando o seu
ranchinho, com ellas... em peregrinação a pé, foi até a Co
628

lonia do Sacramento, e mais de uma vez ao Rio Grande,


pedindo esmolas para edificar uma Capella ao Menino Deus,
cuja imagem trazia comsigo. Voltando desta viagem a Santa
Catharina, foi habitar o seu ermo, accresentando a sua ca
zinha , estabeleceu um pequeno Collegio de meninas que ali
ião aprender a ler, costurar e mais que tudo – instruir-se
na pratica das virtudes. Deu logo começo, com esmalas que
trouxera e outros que foi obtendo a coustrução da Capella
do Menino Deus. Fez collocar n’um altar onde ainda hoje
existe a sua Imagem querida, e hé defronte deste altar que
sempre viveu nas horas dezoccupadas do ensino... Quando
por sua muita idade já não podia andar, os moradores do
lugar a conduzião, n’uma padiola, para defronte do altar,
onde de joelhos deu o ultimo suspiro no anno de 1779.
Quando em 1777 os hespanhoes tomarão Sauta Catha
rina, para ali correo a abrigar-se de algum insulto muita
gente, bem certa do amparo de tão virtuosa criatura, já então
admirada por uma Santa .
Os hespanhoes respeitarão o domicilio de D. Joanna de
Gusmão como um Azilo Sagrado e inviolavel. O Gover
nador daquelle tempo, Francisco Antoni, da Veiga Cabral,
durante o seu governo, não dispensou um só Domingo ou
Dia Santo que não fosse gozar da . companhia da virtuosa
e sabia mulher, como elle mesmo a chamava. Os restos
mortaes de D. Joanna Gomes de Gusmão achão - se ali de
positados n’uma urna. – Depois de assim termos referido o
que sabemos, por tradição, nos veio às mãos por diligencia
de um nosso Amigo, o Snr. Leandro Jorge de Campos, da
Cidade de Santos, uns esclarecimentos extrahidos de docu
mentos verdadeiros, dos quaes inferimos com toda a evidencia
que, forão Pais de D. Joanna, Francisco Lourenço Gomes
Cirurgião -mór de Presidio de Santos e D. Maria Alvares :
que aquelle fallecera em 9 de Dezembro de 1720 e que D.
Maria Alvares, no Inventario que se procedeu pelo Juiz de
Orpbảos da Villa de Santos, em 4 de Janeiro de 1721 , de
clarou os nomes e idades de 12 filhos que lhe ficarão por
morte do marido ; diz que D. Joanna Gomes tinha, na epoca
do Inventario, 32 ( trinta e dous ) annos de idade e éra ca
sada com Antonio Ferreira Gambôa. Desta declaração, pois,
se deduz, que D. Joanna nasceu no anno de 1639 ; tendo
morrido, como dissemos, em 1779 , veio por conseguinte a
ter fim a sua existencia no mundo, com 70 annos de idade, etc.
Este interessante documento, da nossa collecção, não traz
data nem assignatura, mas como, ao tratar de Santos, já lhe
dá a cathegoria de « Cidade » , vê-se que é posterior a data
de 28 de Janeiro de 1839 , que foi quando a Villa de Santos
tomou esse predicamento.
De outros documentos, já por nós publicados sobre Joanna
de Gusmão, consta da edificação que em seu espirito pro
629

Ainda mesmo com todos esses auxilios e boa vontade do


povo e essa grande generosidade da parte do Governo da
metropole, as obras proseguiram morosamente, pelo lar
go espaço de cincoenta e dois annos, que foi o tempo que
decorreu de 1804 a 1856, época em que ficou terminada a
dita obra .
A 5 de Agosto de 1856 teve lugar em Iguape a tras
ladação da Imagen do Senhor Bom Jesus para a nova ma
triz, o que se effactuou com grande pompa e assistencia dos
romeiros, que de toda parte do Brasil vieram tomar parte
nessa solempissima festividade, que marca, nos annaes da
tradicional povoação , um dos dias mais faustosos de sua his
toria .
Esse voto, essa promessa, feita pelo povo iguapense,
em offerecer um templo digoo a Imagem do Redemptor, que,
persegnida pelos piratas em 1647, foi solicitar um abrigo nas
desertas praias do littoral paulista, levou é verdade
mais de dois seculos para ser realisado, mas foi religiosa
mente cumprida no anno memoravel de 1856.

duzio os « numerosos milagres ( ex-votos ) que vio, pendentes


das paredes desse venerando templo de Nossa Senhora das
Neves, na villa de Iguape, onde se achava a Sagrada Ima
gem do Bom Jesus.
O VALLE GRANDE : A BARRA DO ICARAPARA E BARRA
DA RIBEIRA EM FINS DO SECULO 18. ° – A TRANS
FORMAÇÃO DA BARRA DO ICAPARA E DO ANTIGO Por
TO DE IGUAPE. – A RIBEIRA VELHA ou RIBEIRA
MORTA . - A ANTIGA VALLA DO Rocio. > — As
OBRAS DO VALLO GRANDE. Os PROS E OS CONTRAS
D'ESSE EMPREHENDIMENTO . As OPINIÕES DO CHEFE
DE DIVISÃO FREIRE DE ANDRADE E DO DR . CARLOS
Rath N'ESSA ÉPOCA . -- As CONSEQUENCIAS DA ABER
TURA DO ValLO GRANDE E AS TENTATIVAS PARA O
SEU ENTUPIMENTO . EstadoS FEITOS PELA « Con
MISSÃO GEOGRAPHICA » DO ESTADO

Um dos empreendimentos mais notaveis que se levou


a termo nessa época de effervescentes reformas e melhora
mentos por que então passou a Villa de Iguape, no começo
do seculo 19. ", foi incontestavelmente a abertura do Vallo
Grande, obra tão ardorosamente reclamada e discutida
pelas gerações passadas e a qual , ainda hoje, tanto interes
se desperta, não só aos iguapenses, como a todos aquelles
que se interessam pela segurança e conservação da tra
dicional povoação, hoje cidade e sede da Comarca, n'uma
extensa e rica zona da Ribeira.
Não poderemos, nem nos é permittido, no limitado es
paço desta « memoria » , fazer o historico completo dessa
tão farmosa quão discutida obra do « Vallo Grande. » En
tretanto por sua importancia e pelo perigo com que ella
parece ameaçar a actual cidade, não podemos deixar, ainda
que ligeiramente , de nos occupar desse assumpto , mesmo
porque, – já era elle lera brado e discutido no tempo em que
a Villa de Iguape estava sob o dominio administrativo dos
Governadores da Capitania de Itanhaen .
Pelo mappa que vai junto a esta memoria mandado
levantar pelo governo portuguez, na ultima metade do se
culo 18.', verifica-se que as duas barras – a de Iguape ou
e mar pequeno » e a da Ribeira, eram quasi imprati
caveis para a navegação de calado e só davam passagem a
sumacas, lanchões e canoas, como vem notado no dito map
pa. A barra do Icapara tinha então dois canaes em sua fóz,
tendo o do norte 10, e o do sul 12 palmos de fundo. A
Ribeira dividia-se tambem em dois canaes, na bocca da barra,
tendo o do norte 12 e o do sul 14 palmos. O leito interior
do « mar pequeno » em frente ao porto velho de Iguape,
regulava de 7 , 6 e 4 braças, sendo a sua menor profundidade
de 3 a 4 braças, proximo á bocca da barra.
631

O leito da Ribeira, na sua fóz, isto é entre a bocca


da barra até a Ilha dos Papagaios, era de 3, 4 e 5 braças,
conforme se deduz do exame do dito mappa, do seculo 18.
A barra do Icapara, ou barra do mar pequeno, confor
me é designado no referido mappa, tinha, nessa época, um
aspecto topographico bem diverso do que hoje se conhece ,
si estabelecermos um confronto deste mapna com os estudos
de detalhes feitos ultimamente pela « Commissão Geographi
ca de S. Paulo . »
Pelo antigo mappa , vé-se que a dita barra do Icapara
estava situada na lat. aust., de 24 ° 4' e 33 ”, bem mais ao
sul, portanto, do local em que actualmente se acha. Ao nor
te dessa barra, entre as morros dos Engenhos e a restinga
da praia, havia uma extensa lagoa, a qual vem designada
no mappa antigo com este nome lagoa de Gapara, on

de desaguava um rio, com o mesmo nome, o qual tinha su


as nascentes nos morros do Gapara.
Esses morris do Gapıra são os mesmos que hoje se de
nominam -- morros dos Engenhos -- ( vid. mappas Com .Geog.)
As aguas do Vallo - Grande, isto é, --
as aguas da Ri
beira, em vez de se embocarem pela antiga barra do mar
pequeno ou barra de Iguape, como esperavam com tanta fé,
os promotores dessa obra, produziram entretanto um pheno
meno inesperado, bem curioso e digno de nota, como se po
de verificar pelo estudo comparativo que se faz dessa antigo
mappa com os actuaes , levantados pela « Commissão Geo
graphica » : A impetuosidade das aguas arrastando comsi
go as areias do vallo e da propria Ribeira , obstruiram in
teiramente a primitiva barra do mar pequeno e rasgando
ou invadindo com furia a lagoa do Gapara, foi abrir
uma nova barra ao norte, muito além da embocadura do rio
Icapara ( ou Gapara ) quasi a meio da prainha que medeia
as duas barras do Gapara e Ribeira .
Si a barra do mar pequeno ou barra do Icapara , como
actualmente se denomina , nada aproveitou para a navegação
do Porto de Iguape, com a abertura desse desastroso canal
do Vallo Grande, como se verifica pelo desvio da mesma e
pelos grandes baicios e bancos de areia que então se for
maram no porto de Iguape, em peiores condições ficou a
barra da Ribeira, cujas aguas represadas, em parte, e SN
jeitas ao fluxo e refluxo nas marés irão cada vez diminuin
do de volume, á proporção que forem augmentando as ca
madas de sedimento depositadas no leito dessa parte da Ri
beira represada e nas respectivas margens, que cada vez
mais hão de avançar pela aglomeração das barceiras de agua
pêz, e peryzaes que ali se furmam , consequencia directa e
immediata da falta de correnteza das aguas que hoje se en
caminham directamente para o vallo.
A esse trecho da Ribeira, assim represado, que vai da
embocadura do vallo á barra da mesma Ribeira, o povo deu
o nome de Ribeira Velha ou Ribeira morta , pois que &
632

abertura do Vallo-Grande veiu não só ameaçar a existen


cia da cidade de Iguape impedindo o seu livre commercio e
navegação, mas tambem , matar ou aniquillar completamente
o futuro dessa zona inicial da Ribeira, na extensão de 26
kilometros, zona aliás tão prospera e tão risonha no fim do
seculo 18.", como se verifica por esse velho mappa no qual
se nota o numero de habitantes e engenhos que estavam es
tabelecidos em ambas as margens, desde a sua fóz até o
Costão dos engenhos e o velho Porto da Ribeira.
Hoje, é apenas na encosta dos morros dos Engenhos
em frente á barra do Paraupava. que se nota ainda algu
mà animação, pelos engenhos que ali existem ; porém o res
to dessa parte da Ribeira, inclusivo o seu Porto está quasi
todo despresado. Os unicos habitantes que vivem nesta re
gião estão situados em um pequeno nucleo no Suamirim , pro
ximo á dita Barra da Ribeira.
Toda a encosta , dahi até a barra do Una da Aldeia, em
frente á Ilha dos Papagaios, segundo os Relatorios da «Com
missão Geographica » está toda despovoada.
Não foi só a barra de Iguape e a barra da Ribeira ,
com toda essa região, que ficaram prejudicadas como a aber
tura do celebre Vallo Grande. Todo o porto de Iguape e
uma bôa parte do mar pequeno ficaram , igualmente, obstru
idos com as areias do Ribeira e do Vallo, com grande pre
juizo para a navegação dos vapores que demandam esse porto.
A atracação dos navios e pequenas embarcações, que
antigamente era feita no porto -velho, ou porto - grande, está
agora recuada uns setecentos metros para o largo devido aos
baixios.
O leito do mar pequeno, nos lugares em que antiga
mente mediam -se seis, sete e oito braças de fundo, confor
me se verifica do antigo mappa, está hoje reduzido a um
canal por onde difficilmente evoluem os pavios, como se vê
das sondagens e mais estudos feitos nessa região em 1908,
e que constam do Relatorio apresentado pelo dr. João Pedro
Cardoso, Chefe da Commissão Geographica de S. Paulo, o
que constatamos de visu pa excursão que fizemos a Iguape.
Agora, que, resumidamente, já demonstrámos as conse
quencias desastrosas desse emprehendimento, cujo erro em

vão se tem procurado remediar, -- é justo que relatemos al


guns dos pormenores e a fórma porque foi levado a effeito
a abertura do vallo .
A 10 de Julho de 1679 o Capitão-mór e Ouvidor de
Itanhaen - Luiz Lopes de Carvalho, achando -se em Iguape,
mandou medir e demarcar uma sorte de terras - para o ro
cio da nova villa, que havia sido mudada do antigo local
para esse pouto – em frente á barra do mar pequeno ou la
gamar de Canapéa , confórme já ficou demonstrado no CO
meço desta « Memoria da Villa de Iguape.
Para a demarcação e divisão dessas terras fez - se, nessa
occasiào, a abertura de uma valla, desde o mar pequeno até
633

a inargem occidental da lagôa que se communicava com 0

Ribeira .
Essa valla mandada abrir pelo Governador de Itanhaen
seguia quasi parallela ao caminho que do Porto da Ribeira,
( nessa mesma lagôa ) vinha ter ao povoado.
E'ra pela direcção d'essa valla, de trezentas ( * ) braças
de extensão, que desde os primeiros tempos, os habitantes de
Iguape pretendiam abrir um canal que communicasse as
aguas do Ribeira com as do mar pequeno.
A primitiva valla do rocio servia tambem de cerca que
impedia o gado, que pastava do lado opposto ás terras da
Camara, de vir damnificar as plantações que se faziam nas
terras do rocio. Com o correr dos annos, e com o desenvol
vimento da Villa e o grande movimento de carros de boi
e outros vehiculos, o caminho do Porto da Ribeira por
onde passava, não só para a Villa como para o mar, toda a
producção da Ribeira, se foi arraigando cada vez mais no ani
mo do povo a idea da abertura do canal ; mesmo porque,
( allegavam então ) tendo augmentado o gado com as novas
criações, e estando já obstruida a antiga valla do rocio, havia
constantes reclamações dos donos de plantações, nas terras
do rocio, pelo estrago que lhes causavam os animaes que abi
viviam soltos, em grande quantidade.
Em representações feitas pela Camara de Iguape e pelo
povo ao Governador de S. Paulo ein 1804 e 1805 , pedia-se
com grande instancia a autorisação para a abertura desse
vallo, « ha tantos annos reclamadc » , expondo - se todos esses
motivos e dizendo-se ainda que esse canal ou vallo deveria
seguir a mesma directriz da antiga villa do rocio. O Capi
tão - general de S. Paulo, não querendo , entretanto, assumir
inteira responsabilidade da autorisação desse emprehendi
mento, prevendo já, talvez, as suas consequencias desastrosas,
mandou, em 14 de Fevereiro de 1805 que « a Camara de
Iguape desse uma informação em regra, depois de ter ouvido
os cidadãos de mais conceito e probidade, não só da Villa
como do seu termo . >>
Em 20 de Março desse anno de 1805 José Gonçalves
Maia, Juiz Ordivario e Presidente da Camara de Iguape,
fazia constar ao Governo de S. Paulo, as condições em que
José Innocencio Alves Alvim e José Antonio dos Anjos , se
propanham fazer a abertura do canal , mediante um contracto
ou privilegio, para cobrar, durante dez annos, um imposto
de transito no canal, que contrabalançasse as despesas de sua
abertura e conservação .
As obras parece que tiverão inicio, nessa época, mas foram
logo sustadas, porque desde então começaram a surgir

distancia é
( * ) Os documentos antigos dizem trezentas braças, porém a
muito maior, confórnie verificamos .
634 -

outros projectos, que depois de calorosamente discutidos eram


postos á margem , por irrealisaveis.
Só de 1825 ou 1826 em diante, com as reformas admi
nistrativas e politicas em vigor, e com o enthusiasmo da época,
é que se tratou, mais seriamente, de levar a effeito essa em
preza .
Em 7 de Agosto de 1826 a Camara dirigiu uma repre
sentação ao Presidente da Provincia sobre o assumpto,
apresentando então dois projectos. Um , ao sul, partindo ( o
dito canal ) da lagoa e Porto da Ribeira, por esse antigo tra
çado, a Valla do Rocio ; e outro, ao norte, passando entre a
povoação e os morros de Iguape ou morro do Senhor.
Já nessa occasião, entretanto, os vereadores tiveram o
criterio de lembrar ao Governo a necessidade de um estudo
sério sobre o assumpto, por pessôa competente, afim de evi
tar - « o futuro perigo que poderia sobrevir a esta villa. »
Diziam ainda em outras petições, que : « o terreno do
norte seria mais resistente, no sopé dos morros, ao passo que
d'outro , do lado do Sul, a terra era menos competente por ser
terreno baixo e arenoso. A obra seria facil, por esse lado ,
porem de exito pouco provavel , mas, acrescentavam ; o canal do
lado do norte, embora de mais vantagens, trazia o grande
inconveniente de isolar a Villa dos morros, d'onde lhes vinha
a agua potavel e todo o material de construcção de que a
mesma villa carecia.
Entretanto, esse inconveniente seria remediado com uma
ponte ligando a Villa ao terreno dos morros. »
O Governo Imperial, tomando na devida consideração
0
« grande melhoramento do Porto de Iguape » , mandou
em 1826, em commissão, o chefe de divisão --Paulo Freire
de Andrade ( * ) que estudando a fundo o terreno e ouvindo
as diversas opiniões e não acreditando nos infundados re
ceios dos vereadores e de alguns profissi'ndes na materia
que condemnavam o canal do lado do sul que poderia vir
prejudicar a villa, pelos desmoronamentos produzidos, com a
impetuosidade das aguas da Ribeira, quando para ali se en
caminhassem foi de parecer que não havendo nada que
receiar por esse lado, podiam proseguir as obras pelo canal
do Sul.
São estas, mais ou menos , as razões com que o chefe de Di
visão Andrade concluiu o seu relatorio : « Havendo no Porto
da Ribeira uma Alagôa que se communica com a Ribeira, por

( *) Este official de marinha, Pedro Freire de Andrade, éra bem conhe


cido neste littoral de S. Paulo e foi encarregado de algumas « Commissões » na
estrada da marinha
Os annaes da Camara de S. Vicente, Itanhaen e Santos fazem menção de
alguns trabalhos executados por esse engenheiro naval.
Nos ultimos tempos , parece- nos que residia em S. Vicente , onde falle
ceu e foi sepultado, conforme se deprehende do seguinte epitaphio gravado em
uma lousa de marmore , que se achava em a nave da velha matriz de S. Vicen
te : « Aqui jaz Paulo Freire de Andrade, Chefe de Esquadra, nasceu em 1767
e falleceu em 1851. »
635

um canal, ja pela natureza aberto, e que a agua da corrente


da Praia entra nessa Alagôa perdendo ja parte da força que
tem em sua velocidade ; e depois de perder esta força espa
lhada em todas as direcções da Alagoa, entra ja no canala
sem força alguma ..., » portanto, continuava elle « nad
poderá prejudicar a villa ...
E foi assim, com este « luminoso parecer » , que o Go
verno auctorisou e auxiliou com verbas repetidas, a abertura
do vallo grande, pela parte do sul.
E' devéras curiosa e interessante, nos quarenta e quatro
andos que se seguiram , de 1826 a 1860, a historia do
já tão celebre caval do Vallo grande, pelos incidentes e pelas
diversas phases por que passou a obra.
Formaram -se então dois partidos : o do Sul, e o do
Norte, isto é , o dos partidarios do canal do sul, e O
dos que opinavam e clamavam com ardor para que fôssem
suspensas as obras no dito canal do sul e se optasse defini
tivamente pela abertura do canal do norte .
Na propria Camara de Iguape debatiam -se com fervor
estas duas correntes oppostas. Na agitada e laboriosa sessão
extraordinaria da Camara de Iguape, de 11 de Agosto de
1829, os vereadores José Jacintho de Toledo e Malta Carneiro,
apresentaram uma moção de protesto pela abertura da valla do
lado do sul, o qual protesto foi contestado por outra moção lida
nessa mesma sessão pelo padre Francisco Manoel Junqueira,
que exercia então o cargo de « fiscal das obras do vallo. »
Nessa mesma sessão ainda se pronunciou a favor do
canal do norte o vereador Capitão Antonio Borges Diniz, o
qual , com um bem elaborado e sensato projecto, pedia que
a Camara suspendesse de uma vez essa já tão contestada e
malfadada obra do Vallo grande.
A Camara, em vista de tantas controversias, deliberou
então levar ao conhecimento do Vice - Presidente da Provin
cia, em 14 de Agosto desse anno, todos os debates que ti
veram lugar na sessão anterior, « afim de que S. Ex.cia de
terminasse o que fosse de justiça.
As obras, desde então, parece-nos que ficaram paralisadas
até 1833, que foi quando, em vista de outras reclamações,
foram de novo reincetadas, segundo se lê em um officio di
rigido á Camara de Iguape por José Innocencio Alves Alvim,
que era nessa época o Inspector das obras do canal. »
Entretanto, em 1835, dois annos depois, os vereadores
representavam ao Presidente da Provincia, queixando-se que
« a obra estava proseguindo com grande morosidade devido
á falta de recursos pecuniarios e ás difficuldades do terreno
que, com as chuvas , ia cada dia desabando e entulhando as
escavações já feitas com tanto trabalho » .
Pedia-se então novos auxilios ao Governo da Provincia,
« visto como o povo pela morosidade em que ia a obra, se
recusava a pagar os impostos, com que se haviam tributado
todos os habitantes ribeirinhos, e as subscripções em Igoape
636

já não davam resultado, não obstantante andar - se a men


digar de porta em porta » .
Em 1839, as cousas ainda estavam no mesmo pé, e o
povo , emum abaixo assignado dirigido á Camara, conti
nuava a clamar e a pedir « a extincção do imposto de 20
réis por cada alqueire de arroz pilado, que estava inutil
mente pagando para o canal » , e concluiam , dizendo : Este
canal não se concluirá em tempo algum , por causa do local
da sua edificação ser composto de areia, que continuamente
está cabindo, desfazendo quasi tudo que se tem feito » .
Dessa época em deante as obras foram de novo sus
pensas e ... quasi esquecidas, conforme se verifica de um
officio da Camara Municipal ao Presidente da Provicia, no
qual ha este topico : « ... ha muito que esta Camara man
dou sobre-estar a abertura daquelle canal, fundada sobre as
mui sabias informações que obteve do engenheiro Dr. Carlos
Rath , e de então para cá não consta que tal obra conti
nuasse
Finalmente, de todos os homens competentes que estu
daram e deram parecer sobre a tão mulfadada obra do Vallo
Grande. era o Dr. Carlos Rath, o unico engenheiro que
conseguiu prevêr as suas furestas consequencias e pode
obstar por algum tempo a que essa óbra se realisasse ; porém
a sabia opiuião desse scientista não prevaleceu, pois que,
após o anuo de 1856, as obras foram ainda reencetadas e
concluidas finalmente no anno de 1860.
Segundo uma representação dirigida a Assembléa Pro
vincial, em 13 de Janeiro desse anno, pelos vereadores de
Iguape, vê-se que nessa occasião « as canôas já tinham livre
transito no dito canal » .
Ao cabo de tantos annos de trabalho de luctas e con
trov - rsias, o povo de Iguape via então realizado esse < ar

dente desideratum » .
Porém -- ainda assim -- os animos não estavam de todo
acalmados, visto que as aguas da Ribeira , como que desdc
nhando de tantos esforços, não se encaminhavam resoluta
mente pelo canal , o qual , só nas altas marés, é que dava
passagem ás canôas, ou em occasiões das cheias de « aguas
dos montes » .
Esse estado de cousas mais exasperava o povo que på
gava imposto, e aos partidarios do canal do norte, que, em
bora vencidos, vão deixavam de gritar continuamente contra
essa obra, dizendo que todo aquelle trabalho havia sido inutil
por ser terreno arenoso ; que cada vez entupiria mais o canal,
pelos desmoronamentos continuos de suas margens, o que
portanto : nunca e se canal do sul duria passa gem franca ás
canoas da Ribeira.
Só algum tempo depois é que a Ribeira, como querendo
desmentir tr dos esses preconceitos do povo e as demais opi
niões dos engenheiros e profissionnes competentes, resolveu
encaminhar -se resolutamente, pelo vallo grande, realisando
637

então todas as previsões de desastre enunciadas pelo Dr. Car


los Rath .
Os habitantes de Iguape, convenciar-se agora do grande
erro que commetteram e dos perigos que lhe vinham trazer
a abertura desse vallo ! ..
Esse exiguo e manhoso canal, transposto até então por
uma pequena ponte, que tinha apenas alguns metros de lar
gura , transformou-se de subito em um caudaloso rio, de mais
de 200 metros de largura, e de grande profundidade, le
vando no seu primeiro impeto grande parte dos terrenos do
rocio com algumas propriedades e culturas e bem assim --

uma bôa parte do cemiterio da villa.


E ' de prevêr-se o panico que esses primeiros desastres oc
casionaram ao povo de Iguape.
Começou então a formar-se na opinão publica, apavo
rada, um fórte movimento contrario : aquelles que se haviam
esforçado pela abertura do vailo, quer de um , quer d'outro
lado, eram agora de opinião que se o entupisse , o mais
breve possivel, afim de evitar maiores calamidades. O Go
verno da Provincia, porém, já cançado de tantas reclamações
ou julgando difficil e irrealizavel esse entupimento, do vallo,
foi protelando a execução das medidas reclamadas .
« Em 1887 , diz o relatorio do engenheiro Dr. Cornelio
Schmidt, a Directoria do 5.º Districto Maritimo, foi incum
cumbida de proceder ao fechamento do já então celebre
vallo ; procedendo á sondagem e mais trabalhos preliminares
procuraram executal-o, com a construcção de um revesti
timento de pedras, etc » .
Esse trabalho, conforme se lê no dito relatorio , foi le
vado a effeito com grandes despesas, na embocadura .do canal,
na antiga « Lagôa do Porto da Ribeira ; porém , a força das
aguas irrompia de novo pelas margens, não revestidas de
pedras á proporção que se ia erguendo as barragens do leito.
Entretanto, apesar desses graves inconvenientes, tal foi o
esforço e teuacidade que então se empregou , que o povo e
o Governo da Provincia, chegaram mesmo a crêr no bom
exito dessa obra ; . . . mas, estando as cousas neste pé, aliás,
tão bem encaminhadas e « faltando apenas um metro de bar
ragem para se alcançar o lume d'agua, nas narés baixas,
foi -- por ordem superior suspenso o serviço e tudo ficou
abandonado » !
Como, « em represalia » , as aguas derrocando as bar
reiras e levando tudo na enxurrada, aprofundaram tanto o
leito, nesse logar, que hoje se torna quasi impossivel uma
nova tentativa de reparação.
« Assim é, diz ainda o citado relatorio, que pelos perfis
das secções trasversaes feitos então em principio de 1908
encontrou a turma encarregada desse trabalho, a sondagem
maxima de 17 ,m40 .
( mesmo aprofundamento nota- se em todos os logares
sondados naquella época e comparados com os feitos agora .
638

Na sondagem feita em 1891 , antes da entrada do vallo,


mas ainda na Ribeira, ( Lagoa) , encontrou-se 17, " 16, e hoje,
nesse mesmo logar, é de 20,m10 a profundidade.
A 100 metros abaixo da barragem havia a profundidade
de 9,737 ; hoje ha 20, e assim por deante.
O Dr. Schmidt nota que « quanto a largura do canal,
pouco tem se alargado de 1891 para cá, o que é natural,
pois esse alargamento havido até esse anno, e que tanto susto
causou á população ribeirinha, era a consequencia logica da
necessidade que tinha o Ribeira de um leito com capacidade
sufficiente para o seu volume d'agua, concorrendo ainda o
augmento de declividade devido ao seu curso, que ( pela Ri
beira Velha ) era de 26 kilometros, ter passado a 2 kilome
tros e meio apenas » .
Eis, em resumo o historico do Vallo - grande que tantos
trabalhos, sustos e crueis decepções tem trazido ao povo
de Iguape e aos seus dirigentes.
« () DILUVIO » , OU A GRANDE ENCHENTE DA RI
BEIRA EM 1807 . Os HABITANTES DE IGUAPE NESSA
ÉPOCA.. Os MORADORES DAS MSRGENS DA RIBEIRA
NO FIM DO SE ULO 18 . SABAÚNA E VILLA NÚVA DOS
PRAZERES, DUAS VILLAS QUE DESAPPARECEM , POR FALTA
DE HABITANTES .

Nas « memorias ineditas da Camara de Cananéa », que vão


transcriptas no capitulo immediato apparece uma descripção
bem interessante de um Diluvio ou grande enchente que se
deu nessa região, em 1795, nos mezes de Janeiro, Fevereiro
e Março. O Dr. Ermelindo de Leão, annotando essa « memo
ria » diz que esse Diluvio de 1795 não foi um phenomeno
isolado, pois igualmente fez - se sentir em Paranaguá e
Morretes , onde occasionou grandes desastres.
Embora nos annaes da Villa de Iguape nada conste sobre
o desastroso phenomeno déssa época, é provavel, entretanto,
que os seus effeitos se fizessem sentir em toda a zona da Ri
beira, dando lugar a uma dessas enchentes que, de quando em
vez, tanto panico e prejuizo levam aos habitantes ribeirinhos.
Pelos annaes da Camara de Iguape vemos que , -- 12
annos após essa enchente phenomenal que tantos prejuizos
causou aos habitantes de Cananéa, Paranaguá e Morretes,
houve outra em Xiririca e em toda a zona alta da Ri
beira. Tão collossal , foi essa innundação que se tornou me
moravel, não só pelos grandes prejuizos que occasionou , como
pelo extraordinario volume d'agua, nunca até ahi observado,
o qual invadindo todas as habitações chegou em Xiririca , a
attingir o limiar da egreja matriz que se acha colocada no
alto da povoação !
Num « Termo de declaração que faz o segundo vereador
da Camara de Iguape — Felippe Pinto de Almeida, dus no
vidades e cazos acontecidos no presente anno de 1807 » vem
a interessante narração , não só desse Deluvio, como de ou
tros factos não menos importantes que tiveram logar nesse
anno. Eis a dita narração em sua integra :
« Aos trinta dias do mez de Dezembro de mil oito sertos
e sete annos, nesta Villa de N. S. das Neves de Iguape,
comarca de Paranaguá, em Cazas da Camara e Passos do
Conselho, onde foi vindo o Juiz Ordinario Presidente da Ca
mara com os Officiaes della no fim assignados, para effeito
de se fazerem Vereanças e cuidar no bem commum do Povo,
e ahi, pelo Vereador-Segundo -- Felippe Pinto de Almeida
foi dito que na conformidade das Reaes Ordens, que se achão
descriptas no principio deste livro, e pelo que lhe hera en
carregado pelos Provimentos insertos neste mesmo Livro fazia
640

a prezente declaração Reportando-se ao Mapa geral dos ha


bitantes deste destricto e Livro dos ausentes da Egreja pela
forma seguinte :
Declarou elle dito Segundo Vereador Felippe Pinto de
Almeida que neste corrente anno de mil oito centos e sete,
em o mez de Janeiro e de Fevereiro quiz Deus Nosso Se
nhor mostrar o castigo da Sua Colera contra os habitantes
deste Paiz ( especialmente contra os da Fregueria de Siri
rica e Ribeira abaixo thé a fronteira desta Villa ) com huma
Cheia que houve na dita. Ribeira tão grande e tảo terrivel
que nunca se vio e nem as pessoas mais antigas se lembram
que houvesse outra egual e tão funesta como foi esta que
causou os prejuizos seguintes : Na Fregueria de Xiririca
que fica mais chegada ao meio da longitude da dita Ribeira
por isso mais ou menos distante da Barra que faz no mar,
seis atbé sete dias de viagem , cresceo a agua da Ribeira
dentro em tres dias com duas noites, Sessenta palmos do
seu natural, subindo este numero de palmos por hum nivel
que o Reverendo Parocho daquella Freguezia José Francis
co de Mendonça e o Reverendo Francisco Xavier de Passos ,
que ahi tambem se achava , mandaram como curiosos exami
nar, depois que a Misericordia Divina permittio que as aguas
fossem abaixando . ao tempo que as mesmas aguas foram
correndo e tocando em meio das paredes das casas da dita
Freguezia , e foi deitando -as abaixo, principalmente aquel
las que ficavam ou se achavam situadas a borda d'aquelles
altissimos barrancos onde laborava a maior furia da corrente
daquelle Rio ; e na verdade deitou e carregou duas propri
edades novas que se achavam feitas pelo Tenente Antonio
Gonçalves Fontes, em cujo lugar , depois que as aguas bai
xaram , somente se viu um grandioso buraco que ainda exis
te, sem apparecer vistigios alguns das casas nem que hou
vesse em tempo algum Edificios naquelle lugar. – Junto a
estas casas se achavam as casas de Antonio da Costa Cha
ves, de Romão de França e outros, as quaes supposto que as
aguas não levaram , ficaram comtudo demolidas e cabidas por
terra sem paredes , nem telhado porque este com o fundo da
casa correu todo para o fundo onde depois se achou . Todas
as mais casas d'aquella Freguezia que andaram por cento e
vinte casas ficaram destruidas, sem paredes, demolidas e
aterradas com mais de seis palmos de lodo que vinha com
as aguas, porque em todas ellas chegou o deluvio atirar pela
altura das portas, outras mais por cima a beira do telhado,
e outras por mais baixa altura, de sorte que assim estive
ram alagadas o espaço de quatro noites con trez dias. Al
guns moradores que se achavam em canôas entrando por
dentro das casas daquelles miseraveis habitantes tirando as
suas caixas e trastes que podiam alcançar e conduziam para
a Sachristia da Egreja onde está collocada a May de Deus,
a Senhora da Guia a qual permittia que aquelle di
luvio não chegasse a tocar da porta de sua Santa Egreja para
641

dentro, a qual fica situada em hum alto, onde somente che


gou a agua ao nivel da soleira da porta principal, e não
sobrou para dentro, mas todo o corpo da Igreja tinha agoa
que vertia da terra , por onde se conheceu o milagre da
Virgem Senhora dando a conhecer que lá fóra estava mais
alto agoa de que o asento da dita Igreja. Os mesmos mo
radores e o Reverendo Parocho Joze Francisco de Mendonça
dizpois de terem acondicionado as caixas e trastes dos
mais moradores dentro da Sacristia di Igreja fizerão suas
despensaçõens a May de Deus e vepdo nesse dia que as
agoas ainda emxião e o estrondo que dava actualmente a
dita Ribeira hera cada vez maior, e lhe vinha conduziuno
grandes Páus, Canôas dispersas, e imensas arvores frutiferas
como herão : larangeiras, bananeiras e outras que a vio
lencia das agoas arrancavão e levarão com varios pedaços
dos barrancos que se partirão do firmamento da terra, de
grandor de quinze a vinte, quarenta athe de sincoenta
braças pela terra doutro, especialmente em algumas voltas
que a Ribeira cortou, e dizpois sevio em linha recta e di
reita naqnelles lugares : intimidados deste espetacullo se
embarcavào em canôas e forão entrando nellas pelo mato
deutro em procura de hun moute que fica perto onde es
teve cituada, com sua Familia, Joaquim Antonio da Cunha,
e ahi se acomodarão ate que destinou a rebaixarem as agoas,
ficando solitariamente o Reverendo Francisco Xavier de Passos
com seus famullos, na dita Freguezia, apozentado na Sa
cristia da Igreja de onde não se quiz retirar. Da dita
Freguezia para baixo todos os moradores, que tinhão montes
do pé de seos citios correrão para elles a escapar com suas
familias, porque as agoas se aposarão de sua cazas, e os vi
zinhos que não tinhão este regreso, corriào a procurar, em
canôas, o abrigo dos mesmos morros, e com grande risco
por estar a Ribeira innavegavel por veloz corrente que ti
nha e grande imensidade de madeiras verdes e seccas que
conduzia, contarão-se dose cazas que dizpois que a Ri
beira abaixou somentes sevio o lugar dellas, e thé hoje sinão
sabe o fim que levarão com seus trastes e pertences do tra
fico de agoad.'e, cultura que tudo perderão aquelles mise
raveis. Naquelles citios havião mais crêações, asim como
herão : gados, porcos, aves e outras criaçoins cazeiras ; e se
ouvião os estrondos dos seus berros e gritos, nadando pelo
meio das agoas, e o pobre lavrador, que naquelle conflicto
cuidava em escapar com sua Familia, lhe não acudia por
modo algum , de sorte que huns entravão pelo mato a vado
e lá se embaraçavão e morrião, e outros que vinhão, para
a madre da Ribeira, a correnteza carregava com elles, e

desta sorte morrerão os pobres animaes ficando estes mora


dores destituhidos delles e sem saberem onde forão parar.
Na occasião da maior furia da enxente sevio da Fregnezia
de Xiririca virem humas rezes arebatadas da violencia das
agoas , e tomarão pé duas dellas sobre os telhados da caza
642

do Thenente Antonio Gonçalvez Fontes, que emtão ainda


não tinha rodado, e vendo as pessôas que ali se axavão
aquelles animaes lutando com a morte , naquelle lugar forão
acudir e escaparão de morrer, trazendo-os para o alto da
Igreja onde escaparão com o mais gado daquella Freguezia.
Passados os dias mais tristes deste infeliz acontecimento
forão aquelles moradores ver as suas roças, nas quais vão
axarão coiza alguma com que pod ,,sem ao menos remediar
sua fome e das suas familias por estarem razas, humas sem
couza de planta, outras podres e outras interradas seis e
oito palmos debaixo do lodo que as agoas trazião : e por
este modo athe hoje estão experimentando grande fome ex
pesialmente da farinha, por consequencia os moradores
desta Villa, que para remediarem a necessidade daquelles
que se socorrião a providenciar- se das lavouras dos mora
dores da Ilha do mar e praia de Jureya, fazião com que
ouvese carestia e falta de farinha por todo este anno : este
prejuizo chegou a todos os moradores que se axão cituados
a margem da Ribeira desde sua origem athé frontear com o
Porto da Ribeira ; e dahi para baixo, athé a barra que des
agôa no mar grosso, não fez tanto estrago, porque os grandes
vargedos que derãi lugar ás agoas se espalharem evitavào
subir tanto quanto subirào naquella Freguezia, e lugares
onde vem aquelle rio por entre morros , porque ainda mais
subia a furia da sua inxurrada ; esta narrada e maior in
xente, na referida Freguezia, se verificou no dia vinte e
nove do mez de Janeiro deste corrente anno de 1807, e por
baixo durou a xeia da Ribeira athé quinze do mez de Fe
vereiro do mesmo anno, e dahi por diante entrou a declinar
e abaixarem as agoas. Dos páus e madeiras que correrão
são testemunhas os moradores da Praia da Jureya onde
acharão paus sufisientes e de que fizerão canôas de mais
de tres palmos de bôca ; Na mesma praia sevia despojados
imensos páus brutos, portas, e javellas das cazas que a cor
renteza arrastou ; paredes de cazas i om os páus de las amar
rados e pregados ; ingenhos de carna destroncados ; paus de
prenças de fazer farinhas ; larangeivas, bananeiras, e outros
vestigios que indicavào a triste lamentação e prejuiz, da,
quelles habitantes da Ribeira. Por esta cauza foi nenhuma
a produção da Agricultura este anno e somente alguns la
vradores colherão seus arrozes mui diminuto daquella porção
que esperavão colher, segundo as avultadas plantacoins
que se fazem deste genero ; mas houve , d'ahi a sinco me
zes, tanta abundancia de feijão por ser fruto que em
breve tempo se colhe , o qual plantarão por aquelles lu
gares inundados e lodados, que abasteceu a aquelles de
zolados moradores, e aos desta Villa e soubrou muito que
foi para Cananéa, de onde o vinhão buscar, e por barato
preço ; e tambem foi algum para a Villa de Santos compra
do nesta , pelos mesmos santistas que vieram neste anno as
sistir a festividade do Senhor Bom Jesus. A produção dos
643

Gados não pode ter augmento , por causa do destroço e in


felicidade que sobre elles tambem chegou por causa deste
Diluvio : mas os moradores cuidam muito em se refazer de
outros vindos da Freguezia de Paranapanema, serra asima,
de onde com efeito tem vindo gado bastante a vender-se
este anno para criaçoens, e se Deus Noso Senhor permitir,
que não haja outro funesto acontesimento, bão de se por as
couzas todas no mesmo estado de antes em breve tempo.
Declarou mais elle dito Vereador que neste mesmo anno de
1807 e no mez de Dezembro entrou no Estado Ecliziastico
Secular, do Abito de Sam Pedro, hum filho de Ant nio Fer
nandes de Quebedos, de nome Antonio Mariano de Castro,
que estava nos estudos da Cidade de Sam Paulo e ha noti
cias certas que neste dito mez de Dezembro tomou ordens
de Diacono Sub Diacono ; dito be Natural desta Villa
de Iguape na mesma morador e junctamente seus pais, e
suposto que sam das mais opulentas pesoas deste Paiz,
consta comtudo que os pais vivem da lavcura e he bem
serto ser hum dos principaes lavradores deste Paiz, dos da
maior excepção . Declarou mais que neste anno não se
construbiu embarcação alguma deste Paiz mais sim se fez
hum Escaler de trinta palmos de quilha que administrou o
Capitão Mor Comandante della , José Antonio Peniche, por
ordem que teve da Junta da Real Fazenda da Cidade de
Sam Paulo, para mandar fazer o dito Escaller e remettelo
para a Villa e Praça de Santos, para serventia da nova Al
fandega daquella dita Villa ; e forão os mestres delle Joa
quim Felippe Sant'Anna, carpinteiro da Ribeira e o Pintor
que pintou o dito Escaller foi Francisco Luiz Pereira, ho
mem curiozo natural de Rio de Janeiro e morador desta
Villa. Declarou que dentro nesta Villa e seo Districto
habitão sinco inil seis sentos oitenta e duas almas entre a
Freguezia de Xiririca e esta de Iguape, que tudo he do
mesmo De-tricto, e neste numero de pesoas se comprehendem
todos os habitantes asim do sexo masculino como do sexo
feminino, asim pardos como pardas, libertos e captivos, e
negros e negras libertos e captivos, desde a primeira idade
the a maior, e que disto não pode presentemente fazer huma
individual declaração de numero das pesốas, com especifica
ção das das suas idades e qualidades, porque devendo de
reportar-se ao mapa gural que todos OS annos se compoem
neste Districto, até agora ainda nào está feito e legalisado
para delle tirar huma instrucção certa que se possa esı rever
neste Livro. -- E porque não houve mais cazo algum que
fose memoravel digno de historia, proprio para elle se fa
zer asento neste Livro, poriso somentes fiz declaração do
que fica ponderado, requerendo ao Corpo da Camara que ou
visse de mandar escrever na fórma a que tinha dito. Do
que, para de tudo asim constar, fiz este inserrameoto em
qur asignarào, e em que asignarão, e eu Francisco dos San
tos Carneiro, Escrivão da Camara que o escrevy.
644

Cunha -- Faria - S. Alineida · Glz . -- Coelho, a

Pelo mappa antigo a que temos nos referido e pelos


dados estatisticos fornecidos por este « termo de declaração
que vimos de transcrever, letra por letra, pode-se bem ava
liar o numero dos habita ntes que havia na villa de Iguape
e nas margens da Ribeira, no fim do seculo '18. e começo
do seculo 19. * .
Os affluentes da Ribeira do lado do norte, até a barra
do Juquiá, ‘isto é, o rio Una da Aldeia e o rio Peroupava
eram apenas habitados, nas suas margens, até a embocadura
do Rio das Areias, que conforme o referido mappa, era, e
e talvez seja, um braço do rio « Una da Aldeia » que se ligava
com o rio Peroupava. Dessa embocadura para cima, quer
um , quer outro rio, estavam ainda despovoados em suas mar
gens.
O rio Juquiá, no tempo em que se levantou esse map
pa, era pouco conhecido e as suas margens, que haviam sido
habitadas e exploradas até ás cabeceiras, no tempo das des
cobertas e explorações auriferas, achavam -se despovoadas
nessa época, e só começaram a ser de novo habitadas de
1812 em diante.
O tronco, ou madre da Ribeira, desde a sua foz até
além de Iporanga, estava entretanto, nas duas margens, já
muito povoado no fim do seculo 18." ; e, dos seus affluentes
do lado meridional ( margem direita ), o que mais sobrepu
java em numero de habitantes, nessa época, era o Rio Ja
cupiranga, ao passo que os demais, -- o Pariqueraçú, e o
Pariqueramirim estavam ainda desertos.
Omar – pequeno entre Iguape e Cananéa estava, de
um e d'outro lado, muito povoado no fim do seculo 18.°,
principalmente nas immediações da barra dos rios Sorocaba,
Sabaúna e Subaúna -mirim .
Do lado da Ilha do mar, era tambem consideravel o
numero de habitações, conforme as indicações do dito mappa .
A parte mais notavel e mais curiosa para nós, nesse re
ferido mappa é a indicação que elle nos dá de « uma villa
abandonada » com o nome de VILLA DE SABAÚNA na Nha
do mar , á margem do mar - p -queno, fronteira á embocadura
dos rios Sabaúna e Subaúna- mirim .
O titulo, o local e a existencia dessa povoação com o
predicamento de Villa, foi para nós uma verdadeira surpresa !
Nunca haviamos tido conhecimento dessa Villa no litto
ral da Capitania de Itanhaen e nem os chronistas della nos
haviam dado a menor informação.
Entretanto , si o autor desse velho mappa João da Costa
Freire, coronel graduato do « real corpo de Engenheiros , assi
gnalou na « carta do littoral » , da então Capitania de S.
Paulo, a posição e o titulo dessa povoação com essa nota :
« VILLA DE SABAÚNA » ( ABANDONADA ) - é por que achou ra
- 645

zões e dados para assim proceder. Esse mappa foi levantado no


fim do seculo 18. " , a mandado do Governo Portuguez e ficou,
desde essa época, fazendo parte do archivo militar de Lisbôa,
como
se verifica pela legenda, a qual é assim concebida :
« Cartas geographicas e Hydrographicas de toda a Costa e
Portos da Cavitanir de S. Paulo ( antiga de Itanhaen )
com plant s topográrhicas das Villas e Fortificações respe
ctivas. Levantadas e configuradas pelo coronel graduado do
Real Corpo de Engenheiros -- João da Costa Ferreira. -As
latitudesę longitudes são observadas pelo Astronomo de
S. A. R. Francisco de Oliveira Barboza . N. B.: as long.
são contadas da ponta mais occidental da Ilha do Ferro, e
as latit. são austraes . Feito no Real Archivo Militar.
( Sociedade Geogr . de Lisboa ) » .
O referido manpa abrange todo o littoral , desde a Villa
de Ubatuba até a Villa de Guaratuba, além de Paranaguá.
Merecem -nos portanto toda a fé os dados fornecidos por
este mappa, principalmente na parte topographica, relativa
á posição e detalhes que elle nos apresenta das Villas, das
suas respectivas fortificações, sondagens dos canaes nos
portos, etc.
Esse facto , -- o desapparecimento de uma Villa, nesse
periodo de decadencia das povoações da marinha na antiga
Capitania de Itanhaen não constitue afival um facto iso
lado – pois, nesse mesmo Lagamar de Cananéa · , na barra
do rio Ararapira , já tinha desapparecido uma outra povoação
denominada Villa Nova dos Prazeres e no littoral se
tenptrional, entre a fóz do Juqueryquerê e o municipio de
Ubatuba , uma outra povoação, com fóros de Villa , bavia
egualmente deixado de existir, alguns annos antes dessa
época. Esta villa que se denominava Caraguatatuba havia
sido erécta por provisão do Capitào-mór donatario da Capi
tapia de Itaphaen, no secnlo 17. ", e ficou inteiramente des
po oada na época do exodo da população do littoral.
Quando em 1847 o governo Provincial resolveu, a pe
dido dos novos habitantes, crear ali uma freguezia, e precisou
de algumas informações sobre os antecedentes da mesma
povoação , responderam - lhe então esses novos povoadores :
Que não covstava , nem elles tinham noticia da creação da
primitiva copella nem quem foram seus fundadores, é sim
que a povoação de Caraguatatuba – foi villa que desertou,
mudando - se os seus moradores para outras partes etc ... »
( Vid. Villa de Caraguatatuba. )
Si , entretanto , os chronistas nada escreverams obre essa
« Villas de Sabaúna » ( abandonada ) como vem descriminada
no referido mappa e dessa outra á margem do Ararapira,
pudemos encontrar, felizmente, nos apnaes da Camara de
Iguape, e nos « Documentos Interessantes de S. Paulo , al
gumas referencias bem importantes sobre essa povoação de
Sabaúna, e Villa Nova dos Prazeres que foram eréctas em
Villas durante o governo do Capitão General de S. Paulo
646

D. Luiz Antonio de Souza, de 1765 a 1775, como adeante


se verá.
Desde o anno de 1767, e mesmo antes, conforme se lê
nos documentos da Camara de Iguape, já se cogitava, por
ordem dos Governadores, de crear uma ou mais povoações ,
ou Aldeas, nas immediações de Sabaúna, afim de reunir
a quantidade de forasteiros, gənte « sem eira nem beira que
vagavam por todo esse littoral. »
Segando um termo de Vereança da Camara de Iguape,
vê-se que o local anteriormente escolhido para estabeleci
mento do nucleo de ald eamento foi « o espigão do morro
de Sabaúna, onde ha frente do nascente para o mar e sitio
do Capitão-Mór João Baptista da Costa, o qual sitio hé do
norte para o rio de Sabaúna, que corre para o Sul , etc. >
Porém, depois de terem feito nesse local alguns traba
lhos de edificações acharam os vereadores que o dito local
não era conveniente e deliberou-se então edificar essa nova
povoação em frente á barra do rio Sabaúna , no lado opposto,
isto é na Ilha do mar conforme a indicação que nos dá
o referido mappa.
() « Termo de erecção » da villa de Sabauna é o se
guinte :
TERMO DE ERECÇÃO DA VILLA DE N. SENHORA DA CON
CEIÇÃO DA LAGE, DE SABAÚNA , EM 1770.
« Avno do Nascimento de NOSSO SENHOR JESUS
CHRISTO de mil e sete centos e setenta annos Ao
primeiro dia do mez de Agosto do dito anno nestra Fregue
zia de Nossa Senhora da Conceição de Sabauna bovde veyo
o Thenente Coronel Ajudante das ordens do governo desta
Capitania de São Paulo -- Affonso Botelho de Sam Payo e
Souza e o Ouvidor Geral desta Comarca de Paranaguá, o
Sargeoto Mór Christovão Pinheiro e França comigo escrivão
de seu carg ' ao diante nomeado, e sendo ahy pari effeito de
crêar e erigir nova Villa nesta mesma Freguezia , por por
taria do Illustrissimo e Escellentissimo Senbor Dom Luiz An
tonio Souza Mourão Botelho . Governador e Capitão Ge
neral desta Capitania de S. Paulo que he do theor seguinte :
-- Por quanto Sua Magestade que Deus Guarde foi servido
ordenarme nas Instrucções de vinte e seis de Janeiro de mil
sete centos seceuta e sinco e em outras hordens que eu ou
depois fui recebendr, que era muito conveniente no Real
Serviço que nesta Capitania se erigicem villas naquellas
partes que focem mais convenientes e que nella se congre
gacem todos os vadios e dispersos, ou que vivem em sitios
volantes , para mörarem em povoaçõens civies em que se lhes
pudecem adeministrar os Sacramentos e estejam promptos
para as ocaziõens do seu Real Servisso, e na paragem cba
mada Sabauna que fica asituada entre a Villa de Iguape e
Cananéa, mandei fundar hua Povoação a qual me consta por
informaçõo do Thenente Coronel Ajudante das ordens, Affooço
Botelho de Sam Payo e Souza por que focem destribuidas as
647

providencias que tem cido precizas para dito estabelecimento


que se acha ja com bastantes cazas e Egreja e outros edi
ficios publicos, em que se está actualmente trabalhando e por
que elegendo -se em Villa se poderá augmentar com mais fa
cilidade ; ordeno ao dito Thenente Coronel e Ouvidor da Co
marca de Paranaguá passem a mencionada paragem e façam
eleger em Villa a dita Povoação, levantando pelourinho,
signalando-lhe termo de que se faça aucto, em que tambem
asinará a Camara da dita Villa com que comfinar para que
em nem hum tempo possa vir em duvida ; e lhes demarquem
lugar para edificarem os passos do Conselho e Cadeya, como
tambem me propôrão as pessoas mais capazes para Juizes e
Vereadores, para eu nomear os que hão de servir este pre
zente anno na forma das ordens que tenho, como tambem
escrivão para eu lhe mandar passar seo provimento ; o que
todo obrarão conforme dispõem as leis que se achão promul
gadas a respeito desta materia. Sam Paulo aos vinte e dois
de Julho de mil e sete centos e setenta. Pinheiro e França :
e não se continha mais em a dita ordem que bem e fiel
mente tresladei e vai sem que duvida faça . - E sendo ahy
maodou convocar todo o povo e gente da mesma freguezia
por hum edital que se tinha mandado publicar e fixar, nas
partes mais publicas da mesma treguezia, o dito Thenente
Coronel Ajudante das Ordens Affouço Botelho de São Payo
e Souza, que hé dó theor seguinte : Affonco Botelho de Sam
Payo e Souza Morgado dos Passos, Capitam mór de Provi
zende, Superiteodente do porto de Pinhãn, Thenente Co
ronel expector das tropas Auxiliares, Ajudante das Ordens
do Governo desta Capitania de Sam Paulo, por Sua Ma
gestade Fedelissima que Deos guarde etcetera. Faço saber
ao Director e Capitam Antonio da Sylva Vianna e a todos
cs mais moradores da Povoação de Nossa Senhora da Con
ceição da Lage de Sabauna que o Illustrissimo e Excellen
tissimo Senhor General desta Capitanhia -- Dom Luiz Anto
nio de Souza Boutelbo Mourão foi servido ordenarme por
hordem sua de vinte e trez de Janeiro deste prezente anno,
em comprimento das reaes determinações de Sua Magestade,
nas instrucoens de vinte e seis de Janeiro de mil sete centos
e secenta e sinco e em outras mais ordens em que foi ser
vido determinharlhe que era muito conviente ao seo Real
Serviço que nesta Capitaphia se erigicem Villas naquellas
partes que mais convenientes e que a ellas se congregacem
todos os que vivecem em sitios volantes para morarem em

em povoaçõens civis em que se lhes pudecem adeministrar


os Sacramentos e estivecem promptos para os ocaziõens do
seu Real Serviço, que visto estar a dita Povoação com bas
tantes cazas, Egreja e edificios publicos em que se está actual
mente trabalhando para o seo augmento , compareceu , com o
ouvidor desta Comarca a dita Povoação , e a fizecemos erigir
em villa , levantando pellourinho , asignalando -lbe termo e
deinarcando -lhe lugar para edificarem os passos do Conselho
648

e Cadeya e propor ao dito Senhor as pessoas mais capazes


para Juizes e Vereadores, para elle nomear os que honde ser
vir este prezente avno, na forma das ordens que tem como
tambem Escrivão para lhe mandar passar provimento o que
todos avemos de fazer extar e levantar Pellourinho no lugar
que for mais conveniente e denominar Villa de Nossa Se
nhora da Conceição da marinha, a dita Povoação, no dia trinta
e hum do prezente mez de Julho em cujo acto se acharão o
dito director e todos os sobre ditos moradores do seu districto
e termo, para com alternativo jubilo, confeçarem obedien
cia e honienagem ao Fedelicimo Monarca e potenticimo Rey
de Portugal nosso Senhor Don Joseph o primeiro. Ao districto
da nova villa será por ora o que se declarar no termo da sua posse
oqual lhe será conferido ouvidas as Camaras de Iguape e Cana
néa athé o Illustrissimo e Excelentissimo Senhor General e Sua
Magestade que Deos guarde, não mandarem o contrario. E
para que venha a noticta todos se publicará este edital e
se fixará no logar mais publico da dita nova Villa. Dado
nesta villa de Paranaguá a vinte e tres de Julho de mil
e sete centos e setenta annos. Affonço Botelho de Sam Payo
e Souză. E não se continha mais em o dito bando o qual
bem e fielmente tresladei e vai sem cousa que duvida fassa.
E dou fé de como o dito edital foi publicado e se achava
fixado no canto da rua direita. -- Eu Joseph Joachim da Costa
escrivão da ouvidoria Geral desta Comarca de Paranaguá,
por provisão do Illustrissimo e Excellentissimo Senhor Ge
veral desta Capitavia de Sam Paulo etcetera : Certifico e dou
fé, e por passar pa verdade, passei a presente certidão de
minba letra e sigual . Freguezia de Nossa Senhora da Con
ceição da Marinha, prymeiro de Agosto de mil sete centos e
setenta : Joseph Joachim da Costa. Em o qual declara como
se vê a detriminação de crear e fundar nova villa desta fre
guezia com o titollo de Nossa Senhora da Conceição da Ma
rinha, levantar pellourinho e propor novos officiais na Go
vernança desta mesma Villa que aonde principiar a servir
em Camara della, este prezente anno, destinar lugar para os
Passos della e Cadeya, demarcar destrito entre as Villas de
Iguape e Cananéa, para terem serteza da sua jurisdiccào os
novos officiais, e mais providencias neceçarias ; e para dar
principio ao declarado acima chegarão a esta nova Freguezia
de Nossa Senhora da Conceição da Mariuha aos trinta e hum
de Julho, o dito Thenente Corovel Ajudante das ordens
Affonço Botelho de Sam Payo e Souza e ouvidor Geral da
Comarca o Sargento mór Christovão Pinbeyro e França e ' o
Capitam de Enfantaria e Comandante do destacamento da
Villa de Paranaguá Francisco Aranba Barreto e muitos mais
officiais militares e gente distinta, a donde se achava ja a
Camera da Villa de Iguape com toda a gente da Freguezia,
estando feito hum fórte no porto do dezembarque ; e logo
que apareceràv as canôas dos ditos officiais entrarão a dar
fogo os que se achavào no dito Castello até dezembarcarem ,
649

e logo do porto forão direitos a Igreja e depois de darem


Giaçes a Deus e se recolherão tendo experimentado em todo
povo huma grande alegria e jubilo universar ; e para inais
mostrarem mandou o dito ajudante de ordens lançar algum
fogo do ar e com muitas danças e alegria se passou quasi
toda a noite e no dia primeyro de Agosto pellas dez oras do
dia forão o dito ajudante de ordens e ouvidor Geral com
todas as pessoas distintas, Camera da Villa de Iguape e mais
povo que se achavão prezentes, a Igreja de Nossa Senhora
da Conceição a honde Cantou Missa o Reverendo Vigario
Frei Joseph da Purificação Soares, a Cantoxão, e no fim da
dita missa se cantou o Te Deum Laudamus o que tudo se fez
com grande solemnidade entre vivas e aplauso do povo , man
dando o Capitam Francis o Aranha Barreto dar repit:das
salvas de mosquetaria o que tudo se fez para que Deus
prospere os estados de Sua Magestade Fedelicina e tivecem
esperança de felicidade focturas no progresso do Governo e
aumento da Nossa Villa erecta, e para que o mesmo Sephor
lhe desse luz aos novos officiais que avião de servir daqui
em diante para bem governar e adeministrar justiça, para
honra e gloria do mesmo Senhor e aumento da dita nova
Villa ; e a abada a função da Igreja mandou o dito ajudante
de ordens com o ouvidor geral para o lugar, donde estava
detriminado, fuce praça publica, e se achava ja feito o pel
lourinho de hum páo de maçaranduba bastante groço e delle
feito hum pellourinho oitavado e com os mais sinaes que o
termo da ereção declara , sahindo logo da porta da Igreja
junto com o dito ajudante de ordens e ouvidor geral e o
Capitam Francisco Aranha Barreto, mandando marchar a
tropa paga, que aly se achava com os mais officiais e pes
sôas Destinctas e Camera da Villa de Iguape e mais o di
rector e Capitam Antonio da Sylva Vianna e todo o pôvo,
com muitos jubilos da descarga da mosquetaria e mais de
inonstraçõens de gosto, repetindo muitas vezes vivas o Sere
nissimo Senbor Dom Joseph o primeiro , nosso monarca, che
garào ao lugar destinado. E de como assim obrarão e de
triminarão, o dito Thenente Coronel ajudante de ordens
Affonço Botelho de Sam Payo e Souza e ouvidor geral o
Sargento mór Christovão Pinheiro e França , fizerão fundar
e erigir esta nova Villa de Nossa Senhora da Conceição da
Marinha, sendo prezentes a este aucto o Capitam Francisco
Aranba Barreto e Doutor Joachim Joseph Freyre da Silva e
o licenciado Manoel Joseph Pereyra de Andrade e o Reve
rendo Vigario Frey Joseph de Porificação Soares e o Di
rector Capitam Antonio da Silva Vianda. Henrique Martins,
João de Oliveira Martins e Joseph da Sylva Rocha ; que
todos depois de lido por mandado do dito Thepente Coronel
e o Ouvidor Geral este aucto de ereção desta Villa e todo
mais que nella se contem e se declara, assignarào. Do que,
de tudo, para constar, fiz este aucto de levantamento da dita
650

Villa. Eu Joseph Joachim da Costa escrivão da ouvidoria


geral que o escrevy.
Affonço Bot.° de S. Payo e Souza
Christovão Pinheiro e França
O Cap. Com.te Fr.co Ar.. Barr.º
0 Vigario Fr Joze Fr.º da S.*
Joaquim Joze Fr.“ da S. *
O Director Ant. da S.* Vianna
D.tor M. Joze Per. " de Aod .
Henrique Mz.
Joze da S.* Rocha
João de Oliv ."" » .

Neste predicamento de Villa concedido á povoação de


Sabauva, em 1770, ja não figuram as autoridades de Ita
nhaen , mas sim os representantes da Capitania de S. Paulo,
a cuja jurisdicção estavam sujeitas, entào , todas as Villas do
Sul, inclusive a propria Villa de Itanhaen , que deixara de
ser cabeça de Capitania desde o anno de 1753 em diante,
em virtude de ter o rei D. José I.º resgatado, nessa data,
para os domivios da Corôa , o resto das « cem legôas de costa »
pertencentes aos condes da Ilha do Principe, a3 quaes « cem
legôas » constituiam a Capitania de Itanhaen . ( * )
Iguape, Cananéa e as demais povoações da Ribeira e ,
mar-pequeno estavam , nessa época, fazendo parte da comarca
de Paranaguá ; é por isso que vemos figurarem , peste acto
solemne da fundação da Villa de Sabauna, o tenente coronel
Ouvidor da Villa ce Paranaguá.

Não pudemos descobrir a data da fundação da villa de


nominada – Villa Nova dos Prazeres situada na fóz do
Ararapira, no municipio de Cananéa .
Nos papeis do archivo do General Arouche publicados
ultimamente po voluine 44 dos « Documentos Interessantes a
vem apenas este periodo que se refere as duas villas desap
parecidas do littoral paulista.
Diz este auctor : « 0 Exmo. D. Luiz Antonio de Sousa
Botelho Mourão pretendendo augmentar esta Marinha, para
o que procurou um meio ipfructifero : fundou duas villas,
uma na ilha que fica entre a barra da Ribeira e a de Ca
nanéa e outra na barra do rio Ararapira, celebre pelas suas
pescarias ; aquella foi superfula e esta necessaria. Da pri
meira que teve o enfeitado titulo de -- Villa Nova da Lage

( Segundo se deprehende do chronista Fr. Gaspar e do historiador Pedro


Taques - a annexação da Capitania de Itanhaen ( antiga de S. Vicente ), não
se effectuou em 1753, no reinado de D. José 1.º mas sim no reinado de D. Maria
1.% de 1781 em diante .
651

dos Prazeres não existe mais que a Capellinha e um ou


dois moradores, e , da segunda, só resta a egrejinha com
poucos sitios de pescadores » .
Parece - nos que o autor se enganou ou confundio os
titulos das duas villas. A villa que estava situada na Ilha
Comprida era a de Sabauna ; a outra , á margem do Arara
pira foi portanto a que teve o enfeitado titulo de « Villa
Nova dos Prazeres » .
( general Arouche escreveu isto em um relatorio, no
fim do seculo 18.', após uma excursão que havia feito ás
« Villas da Marinha » . Nada mais esclarece sobre tal as
sumpto e, ao terminar o seu truncado documento diz apenas :
Na realidade este não é o meio de augmentar aquelle paiz.
Subsistiram aquellas duas novas povoações emquanto durou a
coacção do Coronel Affonso Botelho ; ( * ) depois cada um
voltou aos seus sitios antigos. Como se hão de fundar novas
villas em paiz deserto ? O verdadeiro meio é procurar au
gmentar a população agricola e commercial ; em havendo
agricultura e commercio as povoações por si se fazem . .

AS REFLEXÕIS DO GENERAL AROUCHE SOBRE AS POVOAÇÕES


E A LAVOURA DA MARINHA PAULISTA

( General José Arouche de Toledo Rendon escreveu as


suas Reflexões sobre o estado em que se acha a Agricultura
na Capitania de São Paulo » no anno de 1788. Seis annos
antes, em 1782, o Juiz de Fora da villa de Santos, Dr. Mar
celino Pereira Cléto , havia tambem escripto uma « Disser
tação a respeito du Capitania de São Paulo, sua decadencia
e modo de restabelecel - c » . ( * )
São de alguma importancia essas duas memorias sobre o
estado decadente destas villas maritimas, do nosso littoral
paulista, n'essa época, porém , o mais interessante, ou por outra
--0 mais notavel n'essas reflecçõus e dissertação é ver-se a
discordancia entre as apreciações e a a maneira de vêr »
d'esses dois escriptores.
O Juiz de Fora, Marcelino Pereira Cléto, era um grande
enthuziasta das povoações da marinha, como se verá na parte
destas « Memorias » que se refere á decadencia das villas do
littoral, ao passo que o general Arouche, mostra - se, ( como
aliás, muitos dos escriptores d'essa época , e mesmo dos nossos
dias ), un pessimista accerrimo contra as povoações da

1 ) O Coronel Affonso Botelho de Sampaio e Sousa, de quem nos nccupa


mos no capitulo « Villa de Paranaguá » era então commandante militar da ma
rinha , estendendo a sua auctoridade até Paranaguá , Guaratuba e Curitiba . Era
elle parente de D. Luiz Botelho Mourão e foi por isso , muito odiado pelo Cap .
General Martim Lopes Lobo de Saldanha .
( * ) Vid . a parte que trata da « Decadencia das Povoações da marinha ,
onde vem transcripta, na integra essa « Dissertação » .
( 52

marinha, cuja decadencia elle attribue, simplesmente, a in


dolencia e a incapacidade dos seus habitantes,
« Como se hào de fundar novas villas em um paiz de
serto ? » exclama o general Arouche ao tratar do estabele
cimento das duas villas do mar - pequeno entre Iguape e Ca
nanéa, como se não coustasse dos annaes das mesmas villas,
( archivo da Camara de Iguape ) as ponderosas declarações dos
respectivos fundadores, provando que havia razão em insti
tuir-se em villa essas povoações onde havia numero avultado
de habitantes, em « sitios volantes e dispersos » ; e que, a
reunião dessa gente, em povoações regulares, seria de grande
conveniencia não só para o bem espiritual e moral do povo
como para o real serviço de sua Magestade.
O general Arouche não queria convencer-se da & causa
verdadeira » que originava, como já temos dito, o exodo
quasi completo d'essa população littoreana em cousequercia
não só das emigrações em massa para as minas de Cuiabá e
Goyaz, como principalmente dos constantes recrutamentos
para os serviços militar- s do exercito e marinha, dos quaes
nem os proprios vereadores d'essas pobres villas do littoral
estavam isemtos, como se verá dos documentos da Camara
de Itanhaen , d'essa época.
Para o General Arouche a extinção dessas duas villas ,
e o desanimo que nessa época reinava em toda essa zona

maritima, éra originado, como já fizemos vêr, pela iudolen


cia extrema dos habitantes que viviam em um estado de
miseria o mais lastimavel e repelente que imaginar se possa .
E' tetrico, na verdade, o quadro que General nos
pinta , demonstranilo a maneira de vida desses infelizes
párias do littoral de S. Paulo : « Tudo quanto eu tenho
dito, refere elle, serve para toda a Capitania . Eu disse acima
que os lavradores desta Capitania trabalhavam unicamente
tres mezes no apno ; porém isto deve se entender dos lavra
dores de Serra - acima, pois na marinha muito menos se

trabalha. Em Santos já se vai tendo algum calor, mas cir


rendo a costa para o Sul até o rio S. Francisco nada ou
quasi nada se trabalha e até faz vir Jagrima aos olhos o ver
como aquella gente vive cercada de uma espantosa pobreza .
« A costa é só habitada nas praias, porque os habitan
tes se sustentam unicamente do mar. Em faltando -lhes este,
alimentam - se só com agua de congonha.
« Eu fui pela costa até a villa de Paranaguá e obser
vei duas raridades publicas : a primeira foi que pelos sitios
do caminho nunca achei cousa alguma de alimentos que
pudesse comprar, e ... morreria de fome se não fosse preve
nido ; e -- a segunda foi que tanto na ida como na volta,
nunca vi pessoa alguma, de qualquer sexo , trabalhando, não
digo só na lavoura , senão tambem em qualquer outra coisa ,
com a excepção da colheita de marisco pela praia. »
Diz ainda o General Arouche que essa gente do lit
toral vive em miseras choupanas e dorme sobre o chão
653

molhado onde adquirem toda a sorte de enfermidades, não


tendo, decerto , nem um catrê, giráo, esteira ou palba que
lhes preserve dessa humidado durante a noite, a não ser o
fogo do borralho ... »
Houve, na verdade, e ha até o presente, nessa extensa
zona que constitue a estrata da marinha uma grande
parte da população vivendo, mais ou menos, em estado mi
seravel de pobreza, mas não em tal condicção, como essa
descripta pelo narrador do fim do seculo 18.º.
Nessa época, e mesmo depois, -- em nossos dias --, não
seria raro encontrar-se nessas praias e mesmo nas margens
desses rios e ligamares, muitos sitios e fuzendas de pes
soas mais ou menos abastadas, com escravaturis. criações de
gado ; com engenhos e culturas de canna, arrôz, mandioca,
e mesmo com serrarias e estaleiros de construcções pavaes ,
conforme demonstram cabalmente nos mappas topographi
cos, mandados levantar, nessa mesma época, pelo Governo
da Metropole.
Essa gente do littoral nunca esteve portanto, nem nas
épocas mais decadentes e precarias, em um estado de tal
miseria que não tivesse com que matar a fome a um foras
teiro que por ali transitasso.
Um dos pontos igualmente facil de esclarecer, bem
como de demonstrar o auge do pessimismo do General
Arouche contra os habitantes da marinha -- é o que se re
fere ao povoamento da região sertaneja do littoral , isto é,
da gente que nessa época estava, ainda, hahitando as mar
gens dus diversos rios, logares esses que elle declara estarem
abandonados , porque -- « só nas praias do mar é que o povo
encontrava alimento. »
Pelos referidos mappas dessa época vê-se entretanto a
quantidade de habitações que existiam em toda essa parte
do littoral, entre as serras e as praias do mar .
Se bem que as villas do littoral paulista, desde Santos
até Paranaguá, atravessassem pessa época um periodo de
decadencia, como temos demonstrado, entretanto, a industria,
a lavoura e o commercio não estavam assim , em estado tão
precario e desolador.
Até ao tempo da Independevcia e mesmo alguns annos
depcis, que foi a época em que o littoral paulista baixou ao
seu infimo grau de decadencia, principalmente na parte
comprehendida entre Itanhaen e Iguape, -- havia , apesar
disso, alguma animação po commercio com a praça de San
tos, não só pela estrada da marinha , ( Praia de Peruhybe e
Praia -Grande ) e porto de Piassabuçú, onde então embarca
vam as mercadorias que se dirigiam ao porto de Santos, --
como por via maritima, em embarcações : -- hiates, canôas
de vóga e lanchões, que navegavam pesta costa, transpondo
facilmente as barras de Icapara, Ribeira , Una do Prelado,
Guarahú e Itanhaen , conforme ficará provado no capitulo
seguinte.
654

Da zona entre Iguape, Itaphaen e S. Vicente, em


mêado do seculo 19.º havia tambem regular exportação para
o porto de Santos, constante de madeira de construcção,
fibras- texis, como caraguatá, tucum etc.; peixe salgado ,
azeite, couros, esteiras, vassouras, chapéos de palha, arroz,
aguardente, farinha de mandioca e outros productos.
Ha cincoenta annos, mais ou menos , vimos ainda , com
nossos olhos, o resto , e o vestigio desse antigo commercio do
littoral , bem como a quantidade de engeohos de canna e de
arrôz que ainda existiam na parte littoreana outr'ora per
corrida pelo General Arouche.
Por muito indifferente e insensivel que queiramos ser,
ante qualquer ataque, ou acre censura, por mais justa , que
pareça, contra a terra humilde que nos deu o berço, vào
poderemos deixar de repelir ou atenuar os golpes de invectivas
e as maldições que até hoje chovem , constantemevte, sobre
essa infeliz gente que habitou e habita ainda as praias
paulistanas.
Era já uso, era já vêzo antigo, no tempo do General
Arouche, maldizer e deprimir_tudo quanto provinha do litto
ral da antiga Capitania de Itavbaen ; e, esse vêzo ainda
persiste como vamos vêr.
Não ha muito tempo fômos convidados pela Camara de
Itanhaen para acompanhar o Sur. Dr. Carlos Botelho, então Se
cretario da Agricultura deste Estado, em uma excursão que
S. Excia . ia fazer, por terra , desde S. Vicente até a Barra
da Ribeira de Iguape .
Nesse tempo o povo praiavo, ainda mais bisopbo e des
confiado do que hoje, nào conhecia automovel nein via
ferrea, e o Dr. Botelho fiz essa viagem em trolys ou car
roças de tolda, que éra então considerada viação de luxo.
Para lhe servir de ciceroni e livrar os velhos vehiculos
de algum passo perigoso, nessa difficil e tão mal afamada
viagem de Itanhaen a Iguape, nós viajamos se" pre ao lado
do digno Secretario da Agricultura, percebendo e tomando
nota , portanto, de todas as suas impressões e sobre tudo,
do grande interesse que lhe despertavain sempre todos esses
lugares por elle percorridos ; pois que , apesar dos incom
modos da viagem , S. Excia. tudo viu e examinou com ma
ximo interesse ; aportando em todos os sitios dos praianos e
confabulando com toda essa pobre gente de quem indagava
sobre a maneira de vida, industria , agricultura e meios de
transporte de cada individuo.
A impressão que o Dr. Carlos Botelho teve de tudo
quanto vio e examinou foi a melhor possivel , e a prova está
nos melboramentos com que soube dotar essa zona do lit
toral entre Iguape e Itaphaen , até então olvidada e quasi
desconhecida dos poderes publicos.
O Dr. Carlos Botelho tuve mais de uma vez occasião
de manifestar - nos o resultado das suas impressões – as
655

quaes, repetia-nos elle ; - subiam de ponto ao coufrontar


com as falsas ideas que sempre elle havia concebido das
cousas do littoral paulista e sobretudo do valor dessas terras
que sempre supôz, pelas informações que tinha tido, que -
« só se compunha de mangues, areias e morros inacessiveis » .
Ao ver a franqueza e generosidade com que esse povo
se esforçava em obsequial -o por toda parte e os recursos
que encoutrou no seu longo trajecto de praias, morros, rios
e lagamares o Dr. Botelho não cessava de exclamar : « E
tudo isto me passaria despercebido se eu tivesse prestado
ouvidos as recommedações que tantas vezes me fizerain em
S. Paulo ; pois diziam- me que se eu cahisse na asneira de
emprehender esta excursão a Iguape e Cananéa , pela es
trada da marinha, e não pelo mar, teria sem duvida de me
arrepender, não só por que nada encontraria nessa região
que valesse a pena de ver e examinar, como tambem por que
estaria arriscado a morrer de fome, pois não acbaria nada
com que alimentar- me vem uma casa onde pousar » .
Foi sempre este, como se está vendo, o bom juizo que se
fez e, talvez se faz ainda, dessa parte do littoral de S.
Paulo.
Para atenuar, entretanto, em parte, as côres sombrias
com que elle --o General Arouche, pintava as miserias e as
indolencias desse pobre povo do littoral entre Santos e Pa
ranaguá , acressentou, no seu manuscripto, quando se referia
a villa de Iguape, conforme observa o Dr. Armando Prado,
esta consoladora e maliciosa pota : Excepto a villa de
Iguape que tem angmentado. La os terrenos são mais seccos
e de melhores côres e as moças são formosas ; -- já ha suas
lavouras de canna e algum gado, mas ... uma das cousas
do seu augmento é a Romaria ... »
As CoNsTRUCÇÕES NAVAES EM IGUAPE, DE 1711 EM DEANTE.
PROJECTOS DE MELHORAMENTOS NAS ESTRA
DAS , NA MARINHA E NO INTERIOR . Os ULTIMOS
ESTALEIROS NESTA REGIÃO DA COSTA . As
« PROÊSAS » Do Hiate CONCEIÇÃO.

Nas « memorias da Camara de Cananéa » que vão tr n


scriptas em outro capitulo vem mencionado o anno, de 1761
como sendo o do inicio das construções navaes, vão só nessa
Villa , como em diversos pontus do mar - pequeno, mar de
aririaia e Trapandé.
Diz a mesma ame:noria » que « Alexandre de Souza
Guimarães, natural da Europa e mais tarde o Capitão -mór
de Cananéa, foi o primeiro constructor naval , tendo feito
uma Sumaca da qual foi dono o Sargento -mór Francisco
Gaio da Camara. natural da Ilha de S. Miguel » . « N sse
estaleiro aprenderam o officio muitos individuos que viviam
até então na miseria , e delle sahiram mais de duzentos na
vios, quer durante a administração do fundador, quer sob a
gerencia de seu genro e successor , o Sargento -mór Joa
quim José da Costa » .
Nas « memorias » do chronista de Paranaguá -- Vieira
dos Santos, consta entretanto, que no anno de 1711 , já ha
via um Estaleiro em Cananéa, onde alguns constructores na
vaes, vindos expressamente do Rio de Janeiro, construiram
uma grande Náo, denominada « Cananéa » a qual foi depois
encorporada á fróta real, em Lisboa ». (* ) re
No mappa a que vimos nos referindo, e que vae
produzido neste Capitulo, vem demarcado com o signal, meia
lua os logares em que estavam estabelecidos esses estaleiros,
não só no mar -pequeno de Cananéa, como em diversos pontos,
ás margens da Ribeira de Iguape e seus affluentes.
Póde-se por ahi avaliar o desenvolvimento a que attiu
giu essa industria de construcções uavaes até o fim do se
culo 18. °, e mesmo depois, até o anno de 1860, conforme os
apontamentos que temos obtido.
Pelo referido mappa vemos que, em fius do seculo 18,
existiam em Cananéa seis estaleiros, onde se construiram
embarcações, sendo : Um na encosta do morro de São João,
( no Porto da Villa ) ; outro na Bahia de Trapandé, á mar
gem do rio Iririú ; dois no mar de Iririaia, sendo um á
margem do rio Taquari e outro , no interior do rio Tapi

( " ) Vid . « A Villa de Cananéa »


657

tangui; um na mesma Ilha de Cananéa, lado opposto, pro


ximo ao pequeno rio Acarahú , e outro proximo á fóz do rio
Paratiú , aléin da Ilha de Cananéa .
Na legenda explicativa que acompanha este mappa de Ca
nanéa e o de Iguape, vem bem claramente o sigoal, meia lua com
a respectiva declaração :--Lugar dos Estaleiros, precedida ainda
por estas observações :--No termo de Cananéa estão r servadas
as muitas dos rios Madeira, Araçauçú, Tyririu , Capivarú ,
Tapinhúapinha, para os cortes reaes, cujos rios tem as suas
barras no mar de Ararapira e rio Varadouro. No mar de
Aririaia estão tambe · reservados para o mesmo fim , os rios
Taquary e Aririaia Na parte deste mesmo mappa, referente
ao districto de Iguape, vem indicado, pelos mesmos signaes,
os logares onde estavam situados os e taleiros, de construcções
navaes, tambem em numero de seis, assim discriminados : Um
á margem direita do rio Sabaúnıı ; outro ao lado esquerda
da Villa de Iguape ; outro á margem esquerda da Ribeira,
em frente á lagôa ou furado do Pasto ; outro na foz do rio
Piraupava, e dois ainda nas margens do rio Una da Aldea,
sendo o primeiro á margem esquerda na embocadura, e o
segando à inargem direita, além da barra do rio das Arêius.
Parecerá talvez excessivo um numero tão .avultado de
estaleiros nessa zona de Iguape e Cananéa ; porém , a prova
mais evidente de que essas officinas existiram de facto, vê
mos nas indicações que nos fornecemos referidos mappas
topographicos dessa época e das referencias que encontramos
nos anpaes das Camaras de Cananéa e Iguape, como vamos
vêr.
Refere a « Memoria de Cananéa » que : desse esta
leiro de Francisco Gaio, quer na sua gerencia, quer va admi
nistração de seu geuro Joaquim José da Costa « sahiram mais
de duzentos navios , desses estáleiros. »
O'ra, isto denota bem o grao de desenvolvimento a que
tinha attingido o progresso relativo dessas duas villas, na
época das minerações auriferas.
Nos annaes da Camara de Iguape, no fim do seculo
XVIII e no principio do seculo XIX encontram-se referen
cias a estes estaleiros e as embarcações que ainda ali éram
construidas .
Embora essa fébre, essa effervescencia de progresso re
lativo, porque passaram todas essas povoações do littoral, es
tivesse já arrefecido no fim do seculo 18.°, pelo exodo da
população, como já ficou demonstrado, houve ainda em Igua
pe, no começo do seculo 19.º um renascimento, ou recrudes
cimento de progresso, bem notavel, devido á energia de seus
governantes e ao apoio que lhes foi dado pelos Capitães
generaes e mesmo pelos governos, quer Provincial , quer ge
ral do 1.° 2.° Imperio .
Em 1825 o Presidente da Provincia de S. Paulo remet
tia á Camara da Villa de Iguape uma Portaria da Secreta
ria do Estado e Negocios da Marinha, acompanhada de uma
658

memoria e mappas sobre a navegação do rio Peruhybe ( em


Itanhaen ) até a Barra da Villa de Iguape.
Esses mappas e essas memorias, sobre os melhoramentos
do littoral, haviain sido organizados pelo Capitão de Fragata
Carlos Lourenço Eanckward, que, aliás pouco ou nenhum
conhecimento tinha dessa zona, o que se vê pelos erros gros
seiros que commetteu na descripção que fez da parte fluvial
e orograpbica dessa parte da Costa e pelas opiniões dispara
tadas que expendeu na referida memoria
Todos esses erros e disparates foram afinal refutados pe
los Camaristas de Iguape e pelo Brigadeiro Daniel Pedro
Muller, em uma informação que sobre esse importante as
sumpto prestaram ao Governo, nessa mesma occasião.
Por esse documento vê-se qual éra, nessa época, a impor
tancia do commercio da villa de Iguape e de sua navegação
pela barra do Icapara ( antes do vallo ), pela barra da Ri
beira e pelo mar-pequeno de Cananéa .
« A Villa de Iguape, diz essa informação, bem constru
ida e populosa, em situação vantajosa para o commercio,
exporta, todos os annos, sessenta a oitenta mil alqueires de
arroz e algum café ; constróe-se ( ainda ) trez a quatro navios
por anno, no bellissimo rio da Ribeira, mas a falta de com
municação com os moradores do mesmo rio, por onde vem
todo o commercio, faz que o transporte fique mais custoso e
despendioso pela lagôa , que forma o porto da Ribeira, etc. »
Este interessante documento refere -se ainda a diversos
assumptos importantes, como o projecto de abertura de nma
estrada de Iguape a Sorocaba , pelo Juquiá, por onde se pre
tendia exportar todo o ferro extrahido das respectivas minas
do Ipanema, bem como a quantidade de madeiras de lei que
deveria ser extrahida das margens desses rios, ainda despo
vôados, para construcção « de fundos de pavios » , etc.
Diz ainda outro relatorio dirigido ao Brigadeiro Daniel
Pedro Muller, referindo - se aos bancos de areias que impedi
am a entrada de navios de maior calado, pela barra da Ri
beira, que : - haviam naufragado naquella barra, algumas
corvetas e brigues, construidas na Ribeira, as quaes procu -
rando sahir descarregadas, com marés cheias, tem seus donos
tido o desgosto de 18 vêr naufragar no ponto da partida de
sua primeira derrota , »
Em outro documento, de data posterior, diziam os Ca
maristas que, uesse anno, devido sem duvida a esses nau
fragios, os estaleiros não haviam construido navios de maior
calado, mas simples lanchões um dos quaes havia sido envi
ado para o serviço da Alfandega e arsenal de Santos.
Até o anno de 1860, antes da abertura do Vallo Gran
de, e mesmo algum tempo depois, emquanto a barra da Ri
beira dava entrada a navios de pequeno calado, houve ain
da regular movimento de navegação nessa parte da Ribeira
Velha » que vai de Suamirim até a encosta dos morros dos
Engenhos, e mesmo até o Porto da Ribeira. Esses navios ,
659

que faziam o dito percurso, haviam sido construidos num


desses estaleiros do rio « Una da Aldea » e num outro, que,
pessa época se formou á margem do Rio Una do Prelado,
no municipio de Itanhaen .
As informações que colhenios para a descripção desta
ultima phase das construcções navaes em Iguape e Itanha
en não provêm dos annaes da Camara da cidade de Iguape,
mas de uns apontamentos que , em Itanhaen , nos forneceu
o si . Manoel Antonio Ribeiro, antigo morador de Una do
Prelado e residente, actualmente, na Villa de Itanhaen ,
onde casou e constituiu familia.
Manoel Antonio Ribeiro é filho de Francisco Ribeiro de
Sousa, um habil « Carpinteiro da Ribeira » que levantou es
se estaleiro á margem do rio Una do Prelado, em Itanhaen ,
e do qual foram lançados diversas embarcações de alto mar,
como é aliás bem conhecido dos velhos habitantes do littoral .
Este Francisco Ribeiro de Sousa, constructor naval em
Itanhaen, éra discipulo de um famoso Carpinteiro da Ribeira
Antonio dos Anjos, homem de escravatura, abastado, que re
sidia á margem esquerda do rio Una da Aldea, duas legoas,
mais ou menos, acima da embocadura desse rio com a Ribeira .
Era nesse sitio que Antonio dos Anjos possuia as suas offici
nas de construções navaes, cujos operarios -- carpinteiros, fer-
reiros, fundidores. calafates, pintores, etc. éram os sells pro
prios scravos como consta das informações que obtivemos
do Sr. Manoel Antonio Ribeiro.
Antonio dos Anjos recebia no seu estaleiro alguns ope
rarios, como discipulos, com a condicção porem de « tra
balbarem de graça » .
Foi assim que Francisco Ribeiro, o pai de Manoel An
tonio Ribeiro, conseguiu aprender o officio de « carpinteiro
da Ribeira . »
O ultimo navio de alto bordo construido por Antonio
dos Anjos no seu estaleiro do ric Una da Aldea, foi o Pa
tacho a Dois Irmãos », que nessa época , antes de 1860, fazia
viagens pela costa do sul até Santos e Rio de Janeiro e en
trava livremente pela barra da Ribeira até os Engenhos,
onde fazia o seu carregamento de arroz e mais mercadorias,
antes da abertura do Vallo grande e da obstrucção quasi
completa d'essa barra .
Foi tambem nessa época que Francisco Ribeiro montou
em Una do Prelado o seu estaleiro, auxiliado por seus filhos:
Manoel José de Souza, João Bento de Souza, José Ribeiro
de Souza e Manoel Antonio Ribeiro.
( velbo Francisco Hibeiro, além destes filhos que lhe
auxiliavam pessa industria, como habeis operarios, tinha ainda
um scravo muito dextro em todos esses misteres, e requesi
tos exigidos nessa arte de construcções navaes.
As primeiras embarcações ali construidas foram canoas —
de- voga e lanchões ; porém , em 1861 e 1862, construiram
660

nesse estaleiro um bello hiate que foi baptisado com o nome


de Atrevido, com capacidade para 5 ou 6 mil saccos de arroz.
O que ha de notavel em tudo isto, não é só a pericia
com que esses homens construiram os navios, mas a boa sortu
ou a audacia com que se aventuravam , em transpôr a bai
ra de Una do Prelado e a do rio de Itachaen , consideradas
impraticiveis para embarcações que fossem além de seis a
oito palmos de calado, como vêmos nos relatorios e mappas
dessa época.
Esse « Hiate Atrevido » que , garboso, esbelto e bom
velleiro, transpunha tão atrevidamente todas essas barras pe
rigosas, foi adquerido depois por um capitalista , o Snr . José
Ferreira da Silva, afim de fazer a navegação directa entre
a barra da Ribeira e Rio de Janeiro.
Em 1864 foi lançado nas aguas do Una do Prelado
um outro Hiate que recebeu o nome de « Hiate Cinceição» ,
construido especialmente para a carreira de Iguape a Santos
com escalas por Una du Prelado e Itanhaen. Navegava
tambem , ás vezes, até São Fraucisco, fazendo escala por
todos os portos do sul .
Acossado por grande tempestade, em uma viagem de
Iguape a Santos, na noite de 7 para 8 de Julho de 1868,
o hiate Conceiço nautragou na praia de Peruhybe.
A impetuosidade das ondas, levou-o, com a sua tripu
lação até perto do jandú, onde ficou encalhado. Desse si
nistro porém , nada resultou de grave , nem para o navio ,
nem para a sua tripulação , aqual, logo que o mar serenou ,
tratou , coadjuvada pelos habitantes dessa praia, de arrastar
o navio para o mar, oude de novo fluctuou , como se em pada
lhe houvesse prejudicado a borrasca tão furiosa a qual
vinha de arrostar . Desferrando de novo suas vellas o Hiate
Conceição, tripulado pelos irmãos Ribeiro , continuou a sua
viagem para Santos .
Este episodio que vimos de relatar, mostra bem a pe
ricia dos tripulantes, dos intrepidos filhos de Francisco
Ribeiro de Souza, tão affeitos a essas luctas com o mar, bein
como a solidez dessas construcções navaes, tão apropriadas á
navegação da costa do sul , cujas barras e canaes, aper
tados entre os movediços « bancos le areia » , éram temidos
pelas difficuldades que apresentavam á navegação.
Passaremos a relatar agora alguns episodios, bem inte
ressantes, occorridos em Iguape e em Una do Prelado com
á tripulação do Hiate Conceição, conforme nos foi parrado
pelo Snr. Manoel Antonio Ribeiro.
De 1866 em diante, tendo fallecido em Una do Prelado
o velho Francisco Ribeiro de Souza, os seus filhos abando
naram o estaleiro e foram residir na Villa de Itanhaen , onde
casaram e constituiram familia.
No começo desse anno de 1866 , começou , neste littoral,
a installação da linha telegraphica, sob a administração do
Barão de Capanema .
661

Nessa época, os irmãos Ribeiro , embora residentes em


Itanhaen , ainda iam , uma ou outra vez, á Una do Prelado,
com o seu navio, carregar arroz e outras mercadorias, não
só de sua propriedade agricola como de outros moradores
daquella região.
A linha telegraphica que vinha de ser instalada em toda
a Costa, impedia-lhes, porém, a passagem pela embocadura
do Una do Prelado ; pois a pequena altura dos postes que
sustinham os fios não permittia mais a passageni de qual
quer navio, por mais pequeno que fo se. João Bento de
Souza, que era quem commandava o Hiate Conceição, não
quiz recuar deante desse obstaculo ; e, cada vez que precisava
passar ali, mandava arriar a linha telegraphica, e, passava
por cima, mandando collocar denovo os fios nos isoladores,
depois de ter o seu navio transposto esse obstaculo. Este
facto repetiu -se diversas vezes. Residindo, porém nas im
mediações da barra de Una o Capitão João Sabino Pinto,
homem abastado, chefe politico de Itanhaen e adversario de
João Bento de Souza, achou que o abuso deste éra merece
dor de uma severa punição, e ... denunciou o facto ao
Barão de Capanema, director -geral dos telegraphos .
Porém , em vez de um processo , o Director dos Tele
graphos limitou -se, ao passar un dia por Una do Prelado,
a mandar chamar 0 commandante do hiate Conceição e a
sensural -o por ter commettido semelhante abuso, promettendo
punil -o -- severamente -- se elle o repetisse. João Bento de
Souza, ou João Ribeiro, como era mais conhecido, respondeu
então ao Barão de Capanema que : -- tendo construido ali
na margem daquelle rio o seu navio, e precisando entrar e
sahir, todas as vezes que fosse necessario, éra justo que não
The impedissem esse direito : e ... como não podia passar
com o seu hiate por baixo da linha do telegrapho , procurava
passar ... por cima . E de mais, acrescentava : essa pas .
sagem em nada prejudicaria o telegrapho , visto que elle não
cortava as linhas nem as damnificava .
O Director dos Thelegraphos replicou, dizendo que :
- esse direito allegado por loão Ribeiro não tinha razão de
ser, visto que a barra daquelle rio -- Una do Prelado -- não
estava considerado nas cartas maritimas e nos mappas offi
ciaes - como barra navegavel -- .
- Mas, tanto é navegavel, respondeu João Ribeiro, que
eu posso entrar e sahir com o meu navio, por essa barra,
todas as vezes que tenha necessidade.
O Barão de Capanema achou razoavel esta defesa , ou
esta bôa escapatoria e mandou substituir os postes telegraphicos
da Barra de "Una do Prelado de forma que, os mastros do
hiate Conceição, e de outros navios, pudessem passar, sem
attingirem as linbas.
E assim ficou resolvido e terminado esse « 1.° incidente » .
Para evitar novas questões e reclamações, o Director
dos telegraphos mandou collocar, na barra da Ribeira, um
662

cabo sub -marino, visto ser aiuda, naquella época, navegavel


essa barra, até a « encosta dos Engenhos » , como já referimos.
João Ribeiro sulcava constantemente com a quilha do
seu navio , por entre os Syrtes de areias movediças »
da barra da Ribeira, e ia fazer carga e descarga de merca
dorias nos « Engenhos e no Porto da Ribeira . A's vezes,
tendo necessidade de ir ao Porto de Iguape, e não tendo
« passagem livre » pelo vallo - grande, elle aventurava o seu
hiate, por entre os voluveis e estreitos canaes da barra do
Icapara, mesmo durante a noite, evitando assim o longo per
curso das 25 leguas em torno da « Ilha do Mar » pelo laga
mar de Cananéa .
De 1868 a 1869, tendo augmentado a largura e pro
fundidade do Vallo-Grande, João Ribeiro achou que seria
razoavel e facil penetrar por esse canal, até o Porto de
Iguape, nas constantes viagens que o seu navio fazia pela
Barra da Ribeira. Mas, para realizar essa tão facil travessia
do Vallo- Grande, até o Porto de Iguape, havia um obstaculo
insuperavel, a « linha telegraphica « que atravessava por
cima do Vallo-Grande, po dito Porto de Iguape.
João Ribeiro, não éra, entretanto, homem que recuasse
deante de tão pequeno embaraço . Em uma dessas viagens,
aproveitando a calada da noite, elle impelliu o seu hiate, do
Porto da Ribeira até o Porto de Iguape. Ao chegar porén
ao ponto em que a linba telegraphica lhe vedava a pas
sagem , e não podendo como na barra de Una do Prelado,
pasar por baixo . . . usou do mesmo estratagema e .
passou por cima da linha !
Os moradores do Porto de Iguape, vendo na manhã se
guinte, o hiate Conceição, ancorado no porto, suppuzeram ,
muito naturalmente , qne elle houvesse dado a volta pela
Ribeira-velha e feito à sua entrada pela barra do Icapara,
durante a noite, pois já conheciam a intrepidez e arrojo do
João Ribeiro, oomo commandante da pequena embarcação.
O João Ribeiro, sempre com feliz resultado, continuou
a fazer essa travessia do Vallo - Grande, durante a noite, pas
sando por cima da linha telegraphica, sem que as auctori –
dades maritimas de Iguape d'isso se apercebessem .
Uma noite, porém , tendo que fazer e: sa travessia, com
marė - baixa, e estando o nivel d'agua muito abaixo das mar
gens, no logar onde a linha atravessava a praia, e bavendo
por conseguinte maior « tensão » nos fios eletricos, o navio,
só com grande difficuldade, pôde ir transpondo esse obstaculo;
porém , ao passarem os ditos fios pela quilha do hiate, ficaram
presos entre o leme e a patilha da pôpa.
Por mais esforços que a tripulação fizesse, mergulhando
e garateando, no fundo do navio, não conseguiu desenroscar
o leme do hiate, desse einbaraço. A maré cada vez mais
baixa, difficultava ainda mais essa operação.
E foi assim que os moradores do porto do Iguape, ao
amanhecer, « constataram o facto » , e as auctoridades mari
663

timas puderam surprehender o João Ribeiro a em flagrante


desse grave delicto » ; pois foi, só com a enchente da maré,
ás dez horas da manhã, que elle pôde safar o seu hiate
d'esse enrosco .
Desta vez o caso foi tomado a sério pelas auctoridades
de Iguape e pelo Director dos telegraphos, tendo portanto o
João Ribeiro de responder a um processo regular.
Não sabemos si as auctoridades maritimes do Porto de
Iguape, attendendo, a necessidade da — livre passagem
por esse canal do Vallo -Grande, descoberto por João Ribeiro
solicitaram ou não, do Director dos Telegraphos, a elevação da
linha telegraphica nesse ponto, como se havia praticado na
barra de Una do Prelodo ; o que sabemos é que este acci
dente foi a ultima proeza praticada pelo commandante do pe
queno hiate Cnceição. O João Ribeiro e seus irmãos já
cançados de tantas luctas e vissicitudes, venderam afinal o seu
navio e foram cuidar de outro meio de vida em Itanhaem .
( hiate Conceição foi o ultimo navio construido nesses
estaleiros, do seculo 18.º que ainda existiam , no nosso lit
toral, na primeira metade do seculo XIX e dos quaes nem o
General Arouche , nein os demais chronistas posteriores a
época, nos dão a menor noticia.
E’ra assim que esse povo, esses praianos indolentes do
littoral entre Paranaguá e Itanbaen . zona tão mal vista e
tão pouco conhecida, attestava ainda a sua actividade em
diversos ramos de industria , commercio e lavoura, para des
mentir, em parte, o máu juizo que delle se fazia nas re
flexões, dissertações, nas memorias e chronicas mal alinha
vadas d'essa época .
1
A Villa de Cananéa
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1
A Villa de Cananéa

O QUE ESCREVEM OS CHRONISTAS SOBRE SUA FUNDAÇÃO


DIVBRGENCIAS DE OPINIÕES SOBRE OS FUNDADORES.
As « NOTAS AVULSAS » DE FR. GASPAR ESCLARECEN
ESSE PONTO . UM IMPORTANTE DOCUMENTO INEDITO
DA CAMARA DE CANANÉA QUE NOS ENVIOU O DR .
HERMELINO DE LEÃO . - O NOME DE CANANÉA, SE
GUNDO A OPINIÃO DO DR. ORVILLE DERBY. Outi:as
NOTAS. O MAPPA TOPOGRAPHICO DESTA REGIÃO LB
VANTADO EM FINS DO SECULO XVIII .

A Villa de São João Baptista de Cananéa, descreve


Azevedo Marques, está situada a S. S. O. da Capital de S.
Paulo, no littoral, á margem esquerda da Ilha que separa a
bahia do Trapandé do canal que vai ter ao Mar - pequeno,
primitivamente habitado pelos indios Carijós.
Foi a Ilha de Cananéa o primeiro ponto da Capitania
de S. Vicente, em que a esquadra de Martim Affonso de Sousa
fundeou a 12 de Agosto de 1531 , conforme ja ficou expli
cado no historico da « Villa de Iguape » .
O 1.• Donatario demorou nessa Ilha quarenta e quatro
dias e collocou dois marcos de pedra com as quinas de Por
tugal ; marcos esses que foram reconhecidos pelo coronel Af
fonso Botelho de Sampaio e Souza, em fins do seculo XVIII (*)
e pelo historiador Sr. Francisco Adolpho Warnhagem em
1841 , lavrando -se um termo, ou auto, declarando que os ditos
marcos, ou padrões eram de finissimo marmore hranco e que
não estavam n'elles esculpidas nein espheras nem datas, como
affirmou Ayres do Cazal em sua chorographia Brasileira .
Foi ainda ahi, em Cananéa, que Martim Affonso de
Souza encontrou ó referido Francisco Chaves, o Bacharel
Mestre Cosme, e mais companheiros, ja descriptos e sob cujas
informações mandou a Pedro Lopo, official de sua esquadra ,
com os 80 homeos, ( 40 besteiros e 40 espingardeiros ) a des
cobrir ouro e prata pela terra a dentro, conforme se iê no
Diario de Pedro Lopes de Sousa.
Desta expedição desventurada vão voltou um só homem ,
perecendo todos ás mãos dos ferozes Carijós, nas cabeceiras
Rio Iguassú, campos de Curityba.
A' cerca da época da creação desta Villa e de seus fun
dadores, diz o referido chronista, constar que houve provisão

( * ) No Capitulo seguinte, que trata da « Villa do Paranaguá » , fazemos


uma referencia ao local verdadeiro em que foram encontrados esses marcos de
pedra .
658

do donatario, em 1587 , mas que a fundação da vila só teve


legar a 13 de Julho de 1600 pelo Governador e Capitão -mór
Roque da Costa Barreto. Entretanto, no cartorio da fazenda
de S. Paulo, masso n . 3, encontra-se o documento seguinte :
« Aos 31 de Outubro de 1601 se ajuntaram os officiaes
da Camara d'esta Villa de S. João Baptista de Cananéa e
assim mais os moradores desta dita villa foram a buscar um
sitio acomodado para se fundar a villa, conforme a provisão
do Sr. Governador, onde se achou o Capitão Diogo de Me
dina e o Rev. padre Agostinho de Mattos com seu compa
nheiro e se lhes deu posse de umas terras para os Reverendos
padres da Companhia fazerem suas casas, quintaes e mosteiro,
a qual terra se chama Tapéra de Fr... ( original ellegivel
n'este logar, e nos ao diante ) comessando dos ... até o penedo
e d'ahi correndo do longo do mar, digo, das laranjeiras da dita
tapéra até aj penedo que está no outeiro, o penedo maior ;
os quaes ditos officiaes, capitão e mais pôvo, houveram por
bem conceder estas terras por muito respeito, pelos Re
verendos padres fazerem muito serviço a Deus e ás nossas
almas, e ierem elles os fundadores desta povoação em seus
principios e acharam-se sempre nos trabalhos d'ella , e por
sermos todos contentes, lhes concedemos, na qual nos as
siguamos.
1

Eu Manoel Alvares, escrivão da Camara, que o escrevi.


- Jorge Martins . André Alves . — Martinho da Costa .
Capitão Diogo de Medina. »
Por este documento está demonstrado que fôram os be
nemeritos padres Jesuitas os primeiros fundadores da povoação
de Cananèa, onde edificaram , não um collegio, mas uma
« cas i e mosteiro » como haviam já fundado na Praia de
Peruhybe, em Itanhaen, na aldea dos tupis, no anno de 1549.
Não resta duvida que os missionarios que semearam a
doutrina evangelica, desde S. Vicente até Cananéa, e fun
daram os primeiros nucleos coloniaes entre os tupis e alguus
europeus, foram os companheiros de Leonardo Nunes e Diogo
Jacome que aportaram a S. Vicente em 1549 .
De 1553 em deante , com a chegada a S. Vicente de
outros sacerdotes, a missão do littoral foi reforçada até o
anno seguinte , 1554 , em que se deu a guerra entre tupis e
carijos da qual resultou o martyrio e morte de Pedro Cor
reia e João de Sousa , ficando então paralysada a catechese
do littoral, por algum tempo. Essa missão evangelica só foi
reencetada de 1566 em diante, depois que José de Anchieta
recebeu as ordens sacerdotaes , e assumio o verdadeiro encargo
de « apostolo dos gentios » do vosso littoral do sul.
Azevedo Marques, diz, como já ficou declarado, ( que a
cerca da época da creação desta villa e de seus fundadores,
consta que houve Provisão de Donatario em 1587 , mas que
só teve logar a ( creação ) em 13 de Junto de 1600 , etc..
669

O 1.º Donatario Martin Affonso de Sousa , não podia, de


facto, ter dado provisão em 1587 , visto como já era fallecido
nessa época .
Si houve, realmente, uma provisão, ou acto qualquer, no
intuito de dar predicamento de Villa á povoação de Cana
néa, em 1587, esse « acto » deveria ter procedido do segundo
donatario Pedro Lopes de Souza, filho de Martim Affonso de
Sousa, ou de seu locotenente, em S. Vicente, Jeronimo ei
tão, que exerceu o cargo de Capitão Goveroador de S. Vi
cente nessa época, isto é - de 1579 a 1592 , e foi o successor
do Capitão Jorge Ferreira.
Para comprovar melhor o documento acima, transcripto
do < cartorio da Fazenda de S. Paulo » , dando a fundação
da Villa de Cananéa em 1600 e não em 1577 , transcreve
mos air:da uma referencia que vem nas « Notas Avulsas »
de Fr. Gaspar da Madre de Deus, publicadas em 1899 pelo
Dr. Antonio de Toledo Piza, no vol . V da Revista do Insti
tuto Historico e G. de S. Paulo .
Diz a referida « Nota » : Roque Barreto, Capitão e
Ouvidor da Cap tania de S. Vicente por Lopes de Souza,
estando em Cananéa, passou uma provisão. dada na Villa
de Cavanéa, aos 13 de Julho de 1600 e nella diz : Que
achando- se da povoação de S. João de Cananéa, e sendo
necessario levantar nella « Pelourinho » e insignias de Villa ,
e nào,levando em sua companhia escrivão para fazer as ditas
diligencias, provia no officio de escrivão a Francisco Viegas,
para o dito effeito e para escrivão das datas ( das terras ou
Sesmarias ) declarou que passava a provisão, de sua mão ,
por não haver escrivão e que dera Juramento ao dito Fran
cisco Viegas para esse effeito de fazer villa , que bem e fiel
mente fizesse seu officio, e que este assignaria com elle aos
13 do dito mez.
Abaixo vem o despacho que diz : Registre- se esta pro
visão no livro dos Registros desta Camara, hoje 30 de Se
tembro de 1600. Antonio Pedriso . Antonio Affonso .
João Caldas. »
A Villa de Cananéa fundada por essa provisão de Roque
Barreto, Capitão e Ouvidor da Capitania de S. Vicente , em
data de 13 de Julho de 1600, passou, de 1624 em diante, a
fazer parte da Capitania de Itanhaen, sob a donataria da
condessa de Vimieiro em virtude de ter o Conde de Mon
santo se apossado da Villa de S. Vicente , que ficou fazendo
parte, dahi em diante, da Capitania de Santo Amaro per
tencente aos herdeiros de Pedro Lopes de Souza , irmão de
Martim Affonso de Souza .

Tinhamos já escripto estas notas sobre a fudação da villa


e os primordios da povoação de Canapéa, quando nos chegou
as mãos a importnnte e interessante « Memoria » sobre Ca
nanéa, acompanhada de uma amavel carta, que nos dirigia
670

o erudito e incansavel historiador paranaense Sr. Dr. Erme


lino de Leão, a quem já tanto devemos nas pesquizas histo
ricas sobre as Capitauias de Paranaguá e Itauhaen » , escri
ptas por elle , a nosso pedido, e as quaes « Memorias » vão
transcriptas na primeira parte deste livro .
Por informações de outros amigos, naturaes de Cananéa,
e particularmente do nosso digno consocio Dr. Edmundo
Krug, que já tanto têm pesquizado vos archivos de Iguape,
Xiririca, Iporanga, e escripto importantes « memorias sobre
as povoações da Ribeira, já tinhamos noticia dessa interes
sante « Memoria da Camara de Cavanéa » que o nossu il
lustre e digno consocio Hermelino de Leão transcreve, em
bộa parte, na importante noticia que nos acaba de enviar .
Essas referencias feitas pelo Dr. Hermelino de Leão, so
bre a interessante Memoria da Camara de Cananéa
são como o mesmo autor explica , transcriptas da obra iné
ditá de Vieira dos Santos, o qual , por sua vez, copiou do
original existente no archivo da mesma Camara de Cananéa.
As nossas diligencias e esforços, por intermedio desses
amigos, como já declaramos, no intuito de obter uma cópia
dessas Memorias da Camara de Cananéa tinham , até
agora , sido improficuos ; pois, segundo as informações do Dr.
Ed. Krug , os Camaristas de Cananéa, ou o seu Secreta
rio, negaram-se sempre a exhibir esses documentos ás pessoas,
que como elle, ali têm estado no intuito louvavel de exami
nar e copiar esses importantes manuscriptos antigos, para a
Revista do Instituto Historico de S. Paulo .
Temendo por nossa vez, um similhante insucesso, até
até agora, não temos nos dado ao trabalho de ir pessoalmente
a essa localidade fazer taes indagações.
Ora, imagine -se a nossa satisfação ao recebermos, tảo
o' sequiosamente, do douto historiador paranaense, os impor
tantes dados inéditos que ahi vão em seguida, sobre essa tão
antiga qušo notavel povoação de Såo João Baptista de Ca
nanéa.
Transcrevemol- a em sua integra, sem alteração de uma
virgula, fazendo apenas algumas anotações abaixo, nos pontos
que nos parecem necessarios, para melhor esclarecel - ai .
I

Dados HISTORICOS. FUNDAÇÃO DE CANANÉA . NaufraGOS OU


DESTERRADOS . O BACHAREL DE CANANÉA

São mui contradictorias as noticias sobre a origem de


povoamento de Cananéa, que alguns chronistas assignalam
como a 1.* povoação civilizada erecta em terras brazileiras .
Vieira dos Santos, guiando-se pelos chronistas em voga
na sua época, desloca para o periodo de 1500 a 1503 a ex
pedição demarcadora de Christovam Jacques e declara que o
padrão com as armas luzitavas foi erecto na Barra de Ca
nanéa e determina a sua situação no seguinte periodo do
3.° § das « Memorias H storicas de Paranaguá » :
O padrão de Cananéa foi posto na entrada da
barra em uma ilha da banda do continente chamada
- Itacurussa proxima a umas pedras fronteiras a
que denominam os Moleques ; este marco é de
marmore europeu ; tem 4 palmos de comprido, 2 de
largo e 1 de grossura, com as armas reaes de Por
tugal, sem castello e apezar de estar um tanto de
teriorado . ainda se conhece que foi collocado em
1503. (*)
Mas, já nesta data, segundo depõe o chronista paraná
ense, havia em Cananéa um pequeno nucleo de colonos eu
ropeus. Referindo-se á expedição de Gonçalo Coelho, Vieira
dos Santos escreve :

Consta que duas embarcações dessas se per


deram e que dellas se salvaram , na ilha de Cana
néa, um bacharel portuguez, que se julga chamar
se Duarte Perez e um Francisco Chaves e mais 5
ou 6 castelhanos ; pois que quando Martim Affouso
de Sousa em 1531, aportou a essa ilha alli os en
contrára, onde existiam a 30 annos, desde 1501 .
Não nos cabe agora fazer a critica historica desse de
poimento, pois o nosso proposito mais visa a collectanea de
elementos para a chronica desta antiga povoação paulista, do
que a apreciação desses dados em detida e necessarla analyse.

( " ) Vide na parte que se refere á « Villa de Paranaguá - as refencias


que fazemos a esses « Marcos de Canadéa » e aos da Barra de Paranaguá .
( Vota dc B. Calixto )
672

Vieira dos Santos ainda ao § 4 das Memorias se refere


ao facto do povoamento de Cananéa, assim se exprimindo :
Em principio de 1501, fôram naufragados ou
degredados por Gonçalo Coelho na ilha deCavanéa
o Bacharol Portuguez Francisco Chaves e os cas

telhanos como já se disse : segue-se que os indios


Carijos que habitavam a ilha e que fraternizaram
com os colonos, vivendo em bôa pau e amizade
foram alliando as suas filhas com os adventicios, de
maneira que no espaço de 30 annos , decorrido entre
a chegada dos europeus e a de Martim Affonso de
Sousa, em 1551, certamente bem poderia haver
então para mais de 100 pessôas mestiças, entre filhos
e netos daquelles primeiros colonos, que com a edu
cação recebida dos seus paes seriam mais doceis de
costumes, mais aproximados do estado da civilização
européa » . ( 1 )
Infelizmente, neste trecho o chronista contradiz o que
escrevera em Şantes : no anterior conta que a expedição
do Gonçalo Coelho chegou ao Brazil a 17 de Agosto dô
1501 e , portanto, os naufragos ou degredados dessa armada
não poderiam estar em Cananéa em principios de 1501.
Outro ponto contradictorio que surge é o nome do bacharel
portuguez : em um trecho é Duarte Perez e em outro, na
turalmente por engano, é Francisco Chaves.
Mas a questão do nome do bacharel de Cananéa, o pro
prio Vieira dos Santos rectifica tratando dos successos OC
corridos em 1531 .
Escreve o paciente e infatigavel chronista :
Martim Affonso de Souza sahiu do Rio de Ja
neiro com a sua arnıada composta de 7 velas no
primeiro de Agosto de 1531 e surgiu na ilha de
Cananéa em 12 de Agosto do mesmo anno. Mandou
å terra o piloto Pero Annes por saber a lingua in
digena e houve falla com os indios. No dia 17 voltou
para bordo acompanhado de Francisco Chaves e de um
bacharel portuguez, que alli estavam em procura de
prata e ouro que haviam naquelles reconcavos. No
primeiro do mez de Setembro fez marchar Martim
Affonso uma expedição de 80 homens portuguezes
dos que trazia a bordo de sua armada, sendo 40 bes
teiros e 40 espingardeiros commandados por Pero Lobo
a explorarem essas afamadas minas, para voltarem
dellas d'ahi a 10 mezes, em Junho de 1532, trazendo
quatrocentos escravos carregados desses preciosos me
taes, como promettera Chaves a Martim Affonso. (8)
( 1 ) Este trecho não é textual de Vieira dos Santos : tivemos de modificar
a redacção da segunda parte para tornal-a mais correcta.
( Nota do auctor )
673

Conclue-se, pois, que o bacharel de Cananéa não era o


castelhano Francisco Chaves, mas sim o seu companheiro, a
quem em outro topico Vieira dá o nome du Duarte Perez.
Sobre este famoso bacharel, que nada tem de lendario,
as mais extraordinarias hypotheses têm apparecido procurando
identifical - o com este ou aquelle personagem da phase do
povoamento do littoral paulista. ( * )
Não cabe aqui compendiar os dados que temos sobre este
desterrado, nem levantar, sobre as monographias que lhe tem
sido consagradas, o juizo critico que seleccionasse, no cel
leiro de joio, os grãos de trigo da verdade historica .

( ") Vid . O capitulo que se refere á « fundação da Villa de Iguape » ,


onde pelas citações dos documentos da. Camara dessa Villa, ( Dr. Ioung ), parece
bem esclarecido este ponto, sobre a identidade do bacharel.
I

A EXPEDICÇÃO DE PERO LOPO. – O MASSACRE DOS PRI


MEIROS BANDEIRANTES . LUCTAS ENTRE CASTELHA
NOS E LUSITANOS . --
A DOMINAÇÃO HESPANHOLA E
SEU FRACASSO .

A mallograda expedição dos 40 bésteiros c 40 espingar


deiros ao mando de Pero Lopo penetrou nos invios sertões
do sul a 1.° de Setembro de 1531 , em busca das afamadas
minas da terra dos Carijós.
Francisco Chaves, unido aos demais colonos castellanos,
poderiam ter sido levados por naturaes sentimentos de ambição,
antevendo as riquezas qne tornavam famosa a zona em que a
tribu Carijó erguia suas tabas; mas, por outro lado. bem
se pode acreditar que, como fieis castelhanos, traissem os in
vasores dos dominios de Castella , dominios esses não só fir
mados em solennes tratados entre as duas coroas, como em
bullas pontificias .
Basta ter-se em consideração que, em 1531 , os limites
de Portugal na America , fixados pelo tratado de Tordesillas,
não iam alem do meridiano de Belem do Pará ( que sómente
abrangia estreita faixa do littoral paulista, indo findar nas
praias de Superaguy, pouco ao sul de Capanéa ), para com
prehender -se que não seria patriotico o gesto dos hespanhóes
entregando o Paiz espontaneamente aos portuguezes.
Duas versões correm sobre o exterminio da bandeira con
fiada ao valor e á experiencia de Pero Lopo, naturalmnente
o mesmo Capitão Pero Lopo Pinheiro que commandava o
galeão S. Vicente, da armada de Martim Affonso : uma -- a
portugueza , dal -a como massacrada pelos indios Carijós ao
sul de Cananéa , no littoral , ou, mais provavelmente, no pla
nalto paranaense ; outra -- a caselbana, attribue a derrota
total dos expedicionarios ao estratagemas babilmente pla
neados e firmemente executados pelos hespavhões e indios allia
dos, ao mando de Ruy Moscheira , como descreve o jesuita fran
cez Charlevoix na « Historia do Paraguay
Não tentaremos agora averiguar qual das duas versões é
a verdadeira ; entretanto, não nos parecer muito acceitaveis
as apreciações de Frei Gaspar da Madre de Deus, ao im
pugnar a narrativa do jesuita historiador. Eram tão com
muns os erros relativos ás posições astronomicas dos povoa
dos do Brasil-colonia, que o engano da situação de Cana
néa não é o bastante para induzir que tudo mais seja fabula .
675

Nem tão pouco o facto de ter ? chronista dado a Martim


Affonso o titulo de Capitão -General do Brasil se pode cou
siderar um erro historico, porquanto, de facto, era Martim
Affonso o Capitão General do Brasil, muito embora tal pos
to não existisse em leis, como Commandante da armada e
povoador ( * ) .
Façamos porto a estas considerações e vejamos as con
sequencias que adviram do completo exterminio da expedi
ção de Pero Lopo.
Martim Affonso de Sousa, a 23 de Setembro de 1531 ,
deixou o porto de Cananéa, base das operações iniciadas ; e,
naturalmente ficariam em terra, com o bacharel desterrado e
outros colonos, mais alguns homens a'armas, para prestar
apoio á força que demandava o sertão.
Charlevoix narra que Moscheira, não contente com a vi.
toria alcançada, embarcou com os seus para S. Vicente , sa
queando a villa com tanta facillidade que os portuguezes,
descontentes com o governador, uniram-se a elle. Este tc
pico é visivelmente erroneo, porque a villa de S. Vicente só
foi fundada em 1532 , depois do regresso de Martim Affouso
das costas do sul ; e, portanto, não pederia ter sido saqueada
por Moscheira em 1531 , Entretanto, é patural acreditar-se
que o caudilho hespanhol, depois do seu feito bellico no ser
tão, viesse bater os habitantes de Cananéa, onde, talvez , fi
casse o Galeão S. Vicente, e que ahi es castelhanos naufra
gados dão o hostilizassem .
Conta Vieira dos Santos, baseando-se em Frei Gaspar,
que só em Janeiro ou Fevereiro de 1533, quando em ves
peras do embarque para a metropole, teve Martim Affonso
sciencia do occorrido; e não lhe sendo possivel castigar pes
soalmente o gentio carijó, ordenou que os aggressores fos
sem punidos pelos capitães Pedro de Góes e Ruy Pinto , á
frente de forte troço de homens d'armas.
Mas um embaraço se oppoz ao intento da vindicta : Os
hespanhóes, alliados os indigenas t; até acs portuguezes, se
fortificaram em Iguape e mostraram desejos de afrontar a
soberavia de Portugal, como couta Rocha Pembo.
O que é exacto é que Pedro de Goes, em vez de vingar
o sangue portuguez derramado pela conquista do Brasil Me
ridional tii fundar a sua capite nia ; e Ruy Pinto perma
neceu em Santos, nas suas feitorias, como nos contam os
chronitas paulistanos.
Entretanto, o estabelecimento de Iguape não nullificou
a povoação de Cananéa , que continuou o seu trafico com os
indios Carijós da bahia de Paranaguá : serviu antes de um

(") Estamos de pleno accordo com as judiciosas ponderações que aqui


faz o alictor, e com todas as demais que se referem ao assumpto .
( Nota de B. Calixto ) .
676

posto avançado para impedir que os portuguezes fossem


conquistando as terras que Moscheira considerava castelhanas.
Estavam , porém , contados os dias da occupação caste
Ihana.
Os hespanhóes de Iguape e Cananéa, abandonados pelo
governo castelhano, aos seus proprios elementos não poderiam
resistir, por longos annos, ao impulso imperialista da popu
lação vicentina .
Mas, somente depois da expulsão dos francezes da bahia
de Guanabara, cogitaram os portuguezes de formar o seu
precario dominio ao sul do Brasil, cabendo a Heléodoro
Eubapus a obra da conquista e reducção de Iguape, Cana
néa, Paranaguá e Curytiba.
III

PEDRO CORREA – A EXPANSÃO DOS CANANAENSES EM TER


RAS PARANAENSES . A FUNDAÇÃO DA VILLA.

A povoação de Cananéa, erecta no extremo de uma ilha


da bahia de Tarapandé teve em o celebre jesuita Pedro
Correa, o seu grande cathechista. Conta Milliet de Saint
Adolphe que, em 1554, o jesuita Pedro Correa, discipulo de
Anchieta,baptisou nesse sitio, um sem numero de tupis e
os induzia a fazer as pazes com os indios carijos, já allia
dos dos colonos. ( * ) Entretanto, os bons officios do con
vertido Pedro Correa não o livraram do martyrio em terras
dos indios Carijós, que o atacaram induzidos pelo celebre
Ruy Mosquera, como o notavel painel de Benedicto Calixto
reproduz, nas decorações da Egreja da Santa Cecilia.
Diz o mesmo auctor que « 15 annos mais tarde os na
turaes de São Vicente descobriram minas de ouro nos montes
da cordilheira que fica parallela ao mar, que foram lavradas
muito tempo com successo » . ( ** )
Estas minas, conta Vieira dos Santos, foram sem du
vida as que os habitante de Cananéa, depois da conquista
e povoamento da ilha da Cutinga- em Parapaguá e depois
de terem celebrado pazes com os Carijós ( 1550 a 1560 ) vie
ram a descobrir nas nascentes e margens dos rios dos Al
meidas, dos Correas e Guaraguassú.
Ochronista paranaense descreve este exodo nos se
guintes termos :
« Os povos de Cananéa, originarios daquelles estrangei
ros europeus que, no anno de 1501 ali foram degradados,

( * ) E' sem duvida erronea essa opinião de Milliet de Saint Adolphe, quando
conta que « em 1554 o Jesuita Pedro Corrêa discipulo de Anchieta , baptizou um
sem numero de indios , etc. ,
Pedro Corrêa , que não foi discipulo de Anchieta, mas sim de Leonardo
Nunes ( o abaribebé não podia baptizar indio algum , pelo simples motivo de
não ser ainda sacerdote, quando falleceu . Ao tratarmos da fundação de Iguape
e da primeira igreja levantada nessa povoação pelos missionarios Jesuitas, já
refretamos essa asserção : - de ser Pedro Corrêa o primeeiro padre que
administrou sacramentos nessa povoação de Iguape ou Cananéa . Pedro Correa
éra apenas - irmão escolastico da Companhia de Jesus – quando foi martyri
zado e morto, em 1554 ; e como tal não podia administrar o sacramentos,
Quem poderia ter feito esses baptizados, aos quaes se refere o historiador
Saint Adolphe, teria sido, talvez, o P. Leonardo Nunes, ou o seu companheiro
P. Diogo Jacomo, ou mesmo o padre Manoel de Chaves, conforme affirma o
chronista Simão de Vasconcellos .
( Vid , « A Villa de Iguape » neste mesmo Capitulo ) – Nota de Benedicto
Calixto .
* ) No mappa topographico da Bahia de Paranaguá está bem indicado a
local onde foram descobertas estas * Minas de Ouro » . - ( Nota de B. Calixto ).
- 678

tendo crescido a sua população, se animaram a embarcar em


canôas e pirogas, e sahindo barra a fóra, costeando as praias
de Ararapira e Superaguy, entraram pela barra dentro das
formosas bahias de Paranaguá, e admirados de ver em der
redor dellas muitas habitações de indios Carijós e receosos,
talvez, de que lhes fizessem alguma traição, foram em di
reitura á ilha da Cutioga, para o lado do furado que a di
vide da Ilha Rasa, onde principiaram a fazer suas habita
ções, por ser uma ilha, circulada pelo mar, defensavel e de
mais seguro asylo, se porventura, os Carijós lhes quizessem
fazer alguma emboscada... »
Esta versão de Vieira é contrariada por um documento
cont:mporaneo existente cm Londres, que explica a origem
do povoamento de Paranaguá attribuindo- o á circumstancia de
ter um individuo de nome Caneda ou Peneda, depois de
incurso em processo , se refugiado na ilha da Cutioga, para
onde mais tarde mudou sua familia e com ella outras de
suas relações. Diz Milliet de Saivt Adolphe que a funda
ção da vilia de Cananéa teve inicio no anno de 1587, de
clarando que se ignora qual tenha sido o seu fundador.
Vieira dos Santos reproduziudo a mesma versão, accres
centa que « vê - se exarado nas Memorias da Camara da
quella villa que homens antigos alcançaram uma sepultura
na Jgreja Matriz, na qual tinha o epitaphio seguinte : « Se
pultura do Capitão Tristão de Oliveira Lobo, por mercê de
Sua Magestade, Fundador e d rector desta Villa . » ( * )
Sendo exacta esta versão, conhecido se torna o nome

do « homem bom da goveruança » que conseguiu erigir o


antigo povoado de Cananéa em villa, sobo orago de São
João Baptista.
Eis, pois, en ligeiros traços , os primórdios da chronica
de Cananéa ; e nos deixariamos ficar aqni se não nos se

duzisse o desejo de respigar de Vieira dos Santos, que com


pulsou o livro das Memorias dessa antiga villa outros dados
curiosos que bem merecem as honras de maior vulgarisação .

( * ) Extranhamos que o chronista Vieira dos Santos, que tão importantes


pesquizas fez sobre a fundação de Cananéa , nada diga, - nem sobre a acção
dos benemeritos missionarios Jesuitas , os quaes , segundo os documentos já cita
dos por nós, foram considerados fundadores dessa povoação e villa , nem sobre
a provisão de 13 de Junho de 1600, creando a dita villa, conforme se vê nas notas
aruldas de Fr. Gaspar ( nota de B. Calixto ).
IV

MEMORAVEL NAUFRAGIO . -A VISITA DE SALVADOR COR


REIA DE SÁ. — DESMEMBRAÇÃO DE PARANAGUÁ.
DEMARCAÇÃO DAS DIVISAS MERIDIONAES.
Vieira dos Santos, reproduzindo, talvez, episodio narra
do nas Memorias Historicas de Cananéa , conta que em 1630
um navio que zarpára do Porto para o Rio de Janeiro, foi,
devido á phobia do piloto, dar á costa nas praias das ter
riveis tribus – Guaytacá — Guassú, Guaytacá - Jaricotó e
Guaytacá - Alopique, famosas pelos instinctos de refinada an
thropophagia . Do naufragio tiveram noticias os indios caris
tãos de Cabo Frio e de outras aldeias de Irirityba , situadas
nos limites meridionaes do Espirito Santo, que logo acudiram
ao local do sinistro para soccorrer os naufragos e salvar as
fazendas que o mar tivesse arrojado á praia .
« Chegaram em occasião fatal os Goytacazes, que tam
bem haviam concorrido á praia a aproveitar-se do casco do
navio, porque não encontrando os das mencionadas duas al
deias, portuguez algum a soccorrer , e suspeitando que
aquelles indios a todos haviam dado a morte e sepultura
em seus ventres, unidos em um só corpo, os atacaram e ma
taram a quantos ali estavam . Depois de lhes tirarem as
vidas, marcharam para o sertão , accomutteram todas as al
deias das subreditas nações e degolaram quantos nellas esta
vam , sem perdôarem a sexo, nem a idade, para assim vin
garem as mortes presumptas dos naufragos, aos quaes não
tinham feito mal algum ; porque, en dando o navio á costa
fugiram temerosos, de que elles os assalta em , porém tão
variados que passando por Cabo Frio , Rio de Janeiro, Ilha
Grande, S. Sebastião e pelas tres barras de Santos, foram
entrar na barra de S. João de Cananéa. A plebe admirada
da cegueira daquelles navegantes, attribuiram suas desgra
ças a castigo do piloto por ter elle affirmado , no decurso da
viagem, que da nautica sabia mais do que S. Joảo Baptista » .
Eis ainda narrado, em segunda mao, por Vieira dos
Santos este feito que consagrava, para os piedosos párochos
de Cananéa, o celestial prestigio do seu orago.
Bons tempos esses em que os dedos dos vultos da su
blime côrto, tão frequentes se immiscuiam entre os dedos e
os destinos dos homens !
O crescimento natural da população de Cananéa, re
forçado por esses elementos adventicios que o acaso condu
zia á Ilha do Abrigo e que mais tarde as minas d'ouro vie
680

ram attrair, trouxe como natural consequencia o augmento


da antiga villa e do seu vasto municipio .
Em 1637 , teve Cananéa a honra de hospedar Salvador
Correia de Sá e Benevides , que então exercia o cargo de
Governador do Rio de Janeiro e de Administrador Geral das
Minas da Repartição do Sul do Brazil . Foi nesse ultimo
caracter que o ascendente dos Assecas percorreu Iguape, Ca
nanéa e as villas de Serra Acima, como narra Vieira dos
Santos no § 33 das suas « Memorias Historicas, Chronologicas
Topographicas e Descriptivas da Cidade de Paranaguá e seu
municipio .
Qual a actuação que Salvador Correia de Sá exerceu no
destino de Cananéa e quaes os provimentos que deveria ali
ter deixado para a bôa arrecadação dos quintos d'el- rei, não
podemos definir porque faltam - nos elementos para apre
cial- os . E' de crêr, porém , que este zeloso administrador ,
que nada poupava para bem servir seu rei e sua patria ti
vesse prestado relevantes serviços ao mais meridional dos
municipios do Brazil-colonia, e portanto mais exposto a possiveis
ataques dos hespanhóes confinantes.
O que é exacto é que em 1643, estava tão povoado o
municipio, que os habitantes da babia de Paranaguá reque
reram ao governador do Rio de Janeiro a sua emancipação
municipal pela erecção de uma nova villa no povoado de N.
S. do Rosario, allegaudo ser difficultuoso aquelles povos pro
curar seus recursos judiciaes á Villa de Cananéa .
Sómente em 1646, no dia dos Reis Magnos, foi erecto
em Paranaguá com as formalidades do estylo o pelourinho
em nome de S. Magestade o Senhor D. João IV , rei de Por
tugal e por ordem de Duarte Correia Vaqueannes, governador
do Rio de Janeiro .
Sómente em 1648, a 26 de Dezembro, por föral d'el- rei
e com a assistencia do Doutor Syndicante Manoel Pereira
Franco, foi fundado o municipio de Paranaguá e procedida
a primeira efeição para juizes ordinarios e vereadores da
nova Villa, sendo então demarcados os límites dos dois muni
cipios pelas praias e rio Ararapira.
V

CASCAES E VIMIEIROS. ATTITUDE DE CANANÉA. VIGARIO


DA VARA . MINAS DE OURO . FACTOS E SUC
CESSOS . P. EYRÓ .

Quando surgiu a celebre demanda entre os herdeiros de


Pero Lopes de Souza, que disputavam a posse d'as Capitanias
de Itamaracá e Santo Amaro, Cananéa teve tambem a sua
parte na lucta.
Em 1653 o conde da Ilba do Principe, casado com D.
Mariana de Faro e Souza da casa dos Vimieiros tomou
indebitamente posse da villa , (*) subordinando-a á Capitania de
Itanhaen. Conta Milliet que o Marquez de Cascaes legitimo
donatario da terra, « tres annos depois, tirou - a do dominio
do Conde » , e a incorporou á Capitania de N. S. do Rosario
de Paranaguá.
Cananéa, porém , conservou, na administração ecclesiastica,
a primasia sobre as villas do sul . Tanto assim que, em 1655,
o Padre João da Rocha Ferraz, Vigario de S. João da Villa
de Cananéa, nella , nas de Paranaguá e Rio São Francisco ,
visitador pelo bispo do Rio de Janeiro, passou provisão ao
Padre Dionisio de Mello Cabral para vigario encommendado de
Paranaguá, provisão esta que foi confirmada pelo dr. Antonio
de Mariz Loureiro, « por mercê da Santa Sé Apostolica, Pre
lado e Administrador da cidade do Rio de Janeiro e sua
Diocese e das Capitanias de sua repartição da banda do sul » .
Apezar de submettida ao governo do Capitão -Mór Ga
briel de Lara, governador da Capitania de Paranaguá,
deve Cananéa a descoberta de novas minas, em 1670 e tantos,

( * ) A donataria dos condes da Ilha do Principe, era ainda, em 1638, a


mesme dos condes de Vimieiro, e sua jurisdicção, conforme a doação feita por
D. João III a Martim Affonso de Souza , abrangia ( mesmo depois da decisão do
litigio entre os respectivos herdeiros ) toda a linha da costa meridional da barra
de São Vicente até dez legual além de Cananéa » .
A villa de Cananéa estava, portanto , nessa época, fazendo parte da Capi
tania de Itanhaen , na posse, aliás muito legal, dos condes da Ilha do Principe,
a qual posse manteve-se até o dia em queessa Capitania foi annexada á corôa
por acto do Marqnez de Pombal, em 1753.
Diz Pedro Taques na sua Historia da Capitania de São Vicente » que , em
fins do seculo XVIII , « estando em Paranaguá - Affonso Botelho de Souza, na
diligencia da fundação de uma nova fortaleza, descobriu , nesses arredores, um
Padrão e uma pedra, e nella esculpidas as armas redes Portuguezas * o qual
padrão fôra mandado colocar alli por ordem do rei D. João III, afim de deter
minar os limites das doações de Martim Affonso e seu irmão Pero Lopes ,
( Vide « Mappa da costar da bahia de Paranaguá », levantado n'essa época
e onde se acha indicado o local onde foi encontrado esse marco ).
( Nota de B. Calixto )
652

a Luiz Lopes de Carvalho, ( * ) que em 1677 foi nomeado


Capitão-Mór e governador perpetuo da Villa de Itanhaen .
Na patente que obteve para esse alto posto e que con
stitue una distincção excepcional, visto como o cargo de
Capitão-Mór era triennal e Carvalho teve nomeação, com o
titulo de perpetuo, consta que, sendo administrador das minas
de Itanhaen e São Vicente, descobrira tambem as de ouro
pa villa de Cananéa .
Deixemos sem narrativa os successos que se prendem á
expedição de D. Rodrigo de Castel Branco e a de D.Manoel
de Lobo, dos quaes nos faltam dados peculiares a Cananéa,
e vamos reproduzir algumas das curiosas narrativas que
Vieira dos Santos perpetuou em suas memorias.
Escreve o chronista paranaense :
1710 No livro das memorias da Camara de
Cananéa consta esta prophecia : Sobre a prophecia
de um indio já velho natural do sertão , porém do
mestico e catholico, prophetizando a factura de uma
náu. Consta que este, agourando muitas vezes dizia :
Uma náu se fará
E n'ellas os sinos se tangerão
Missas cantadas haverá
E muitas gentes houvirão !
E neste seu dizer, mostrava o logar, que havia
de servir de seu estaleiro, dizendo mais que os
mestres para ella haviam de vir do Rio de Janeiro,
mostrando o monte fronteiro ao seu prognóstico, o
qual vulgarmente se apellida – o monte de Itape
tanguy » .

E conta o mesmo chronista que no anno segu'nte ( 1711 )


chegavam do Rio de Janeiro os constructores de uma náu e
durante um anno trabalharam no « Estaleiro da Náu » , na

construcção do navio sem mais outro contratempo, a não ser


a morte por asphixia do contra-mestre, quando ia de terra
para bordo conduzindo os mastaréos.
Acabada a obra, os sinos repicaram a bordo ; celebrou - se
missa cantada ; lançou- se a náu ao mar ; e dentro em pouco
a & Náu Capanea » demandava o porto de Lisbôa, onde se
incorporou á armada de guerra portugueza .
Foi esta, diz Vieira dos Santos, a primeira embarcação
naval que se fez em Cananéa.

nhaen »
( ) Vide este nome na « lista dos Governadores da Capitania de lat
( Nota de B. Calixto ) .
683

Vejamos agora um novo successo reputado milagroso


pelo supersticioso chronista dis Memorias da Camara de
Cananéa .
A narrativa tem um titulo curioso : « Naufragio do mi
lagroso successo do Padre João de Eyró na barra de Cananéa » .
Contam as Memorias que estando a villa sem párocho,
lançou ao mar das suas ondas nas praias do Norte da Barra
ao Padre João de Eyró, clerigo secular e natural da Villa
de Chaves. Este sacerdote vinha da Bahia em demanda da
Colonia do Sacramento, e succedeu que a embarcação, á altura
da barra de Cananéa , cavalgou um baixio e naufragou . Deste
sinistro salvaram -se um religioso sobre uma taboa, o P. Eyró
e um companheiro, apoiados sobre o tombadilho do n'vio.
Estes, vendo o perigo que corriam , se dispuzeram a lançar-se
ao mar, e nadaram toda a noito do sinistro, entôando a la
dainha de N. S. , e conseguiram amanhecer encallados na
praia do Pontal. Julgaudo deserta a terra , ou habitada por
gentio, temiam a todo o momento novos perigos . Tal, porém ,
não succedeu : ( s naufragos forain logo ben acolhidus e
hospedados por Antonio do Amaral Vasconcellos, portuguez,
que habitava em Cananéa.
Reconhecidos pela hospitabilidade, o companheiro do sa
cerdote casou-se na familia que o acolhêra, e o Padre , attri
buindo sua salvação ao milagre do Santo Padroeiro, tribu
tou-lhe culto, servindo de parocho na sua egreja .
Mas a chronica de Cananéa não nos permitte terminar
esta já longa exposição : ha factos maravilhcsos que tem
demonstram a poderosa imaginativa daquelle dos seus habi
tantes que traçou as curiosas paginas das - Memorias da Ca
mara de Cananéa ”, e que parece ter condemnado ao olvido
a sua obra e o seu nome. Vamos, no seguinte Capitulo, re
sumir alguns factos interessantes.
VI

MONSTRO MARINHO . - Novo ESTALEIR 1. VolcÃO MAN


DIRA. – TERREMOTO. – Diluvio .
Corria o anno de 1733. A terra que hospedára o bacharel
Duarte Peres e o castelhano Francisco Chaves estava entre
gue á labuta diaria, sem que nada annuuciasse que dentro
em pouco um successo estupendo viria sobresaltar a sua po
pulação.
I'm pescador, ao aproximar -se de uma praia, ao occidente
da villa, viu surpreso um monstro marinho com cabeça e
corpo do touro, de 13 p s de comprimento e 9 de grossura.
Breve, a extranha nova corria de bocca em bosca : Pedro
Tavares sabedor do facto convidou alguns companheiros e se
dispôz a exterminar o monstro, para tranquillidade da villa.
Dextro caçador, possuindo um bom bacamarte sabendo des
envolver a mais industriosa cilada, partiu para o local onde
coustava achar-se o extranho animal .
Era o leito de um rio que desce do Monte de Itapitan
guy o ponto onde se abrigára a féra : um tiro certeiro a
prostou para sempre .
A memoria de Cananéa reproduz todos os caracteristicos
do monstro e termina com este curioso periodo :
« Vào deslustrando a estimada verdade desta historia,
mas antes para acreditar me lembra o seguinte conceito inda
que poetico e por isso, não de:te logar :
Sic Proteus parcit Turpes in lictores Phocas et possuit
fluctibus et pices ». ( * )
A phoca ou o lobo marinho que a tradição e o terror
agigantaram encontrou em Cananéa terra para jazigo e
pagina para a sua odysséa.

( * ) O apparecimento desse monstro marinho em Cananéa, nesse anno,


( 1737 ) não constitue um facto isolado, pois ainda em nossos dias temos tido
noticia e mesmo visto essas « Ipupiaras » em nosso littoral, onde são vulgar .
mente conhecidos por lobo ou leões marinhos, os quaes habitam a zona antarctica
desde as costas de Patagonia até o Cabo Horn ,
O naturalista Charles Chronisch denomina -os « Lamartinos da America »
e os inscreve na classe des « Serenicos » .
Na « Historia da Provincia de Santa Cruz » de Pero de Magalhães Gan
davo, ( Lisboa -- 1175 ) vem uma interessante narração, ( acompanbada de uma
gravura ) do apparecimento de um desses monstros na praia de S. Vicente, em
1564, o qual foi morto pelo filhu do Capitão donatario Jorge Ferreira .
No livro do Dr. Domingos Jaguaribe « Antiguidades Americanas » ( 1010 )
vem á pag . 171 e seg , uma extensa narração feita por nós, sobre esse assumpto,
com o titulo « Curiosidades de S. Vicente », a qual havia sido publicada , com
nossa assignatura , no Indicador Santista .
( Nota de B. Calixto ) .
685

Nas memorias de 1761 , o livro da Camara de Cananéa ,


menciona este anno como sendo o do inicio das construcções
navaes ; mas se olvida da Náu Cananéa , de que nos deu
noticias .
Diz elle que Alexandre de Souza Guimarães, natural da
Europa e mais tarde capitão -mór de Cananéa, foi o primeiro
constructor naval , tendo feito uma sumaca da qual foi dopo
o sargento-mór Francisco Gayo da Camara, natural da ilha
de S. Miguel . Neste estaleiro apprenderam o officio muitos
individuos que viviam até então, na miseria ; e delle sahiram
mais de 200 navios, quer durante a administração do funda
dor, quer sob a gerencia do seu genro e successor, o Sar
gento mór Joaquim José da Costa . ( * )
Os annos decorreram tranquillos até 1784 , quando o
monte Mandira, durante tres dias successivos lançou do seu
cume fumo e labaredas ; e como era natural, este phenomeno
causou admiração porque o morro é ingreme e pedregoso e
a até então inda não tinha facilitado em si entrada para
divertimento de caçadas ou para extracção de algum mister
necessario ou de pesquizas mineralogicas » .
Cinco annos mais tarde, quando o notavel sargento -mór
de Santos, Candido Xavier de Almeida e Souza ( o descobri
dor dos Campos de Guarapuava, ) foi á Cananéa recrutar os
seus jovens filhos, occorreu outro phenomeno extraordinario
que justo alarme causou aos moradores. Era um sabbado,
dia em que a lua se achava ein conjuncção plenaria, a 9 de
Maio de 1789, quando, depois do sol posto, um grande es
trondo subterraneo se ouviu , acompanhado de movimentos
sismicos , por espaço de dois minutos.
Comquanto o tremor não demolisse nenhuma casa da
villa, todas soffreram mais ou menos damnos com aquelle
abaio . ( ** )

( * ) A arte das construcções navaes em Cananéa , nessa época, ganhou


incremento em toda a costa do sul da Capitania de Itanhaen e durou quasi até
o fim do seculo XIX . ( Vid. Villa de Iguape ) Os Carpinteiros da Ribeira
eram bem conhecidos em toda a região, pela pericia com que construiam as
suas embarcações .
Ainda em 1866 o carpinteiro da Ribeira , Francisco Ribeiro do Souza e
seus filhos, então residentes em Cna do Prelado, construiram um elegante na
vio, ao qual derão o nome de « Hiate Conceição » que fazia a carreira de Para
naguá e São Francisco até Santos, com escala por Cananéa , Iguape, Itanhaen ,
cuja barra, nessa época, era ainda accessivel a essas embarcações. As Canoas
da Ribeira e os batelões deste littoral, conservam ainda o mesmo typo, a mesma
linha esbelta e elegante que lhe deram os constructores navaes de Cananéa,
Iguape e Itanhaen ,
( Nota de B. Calixto )
( ** ) O Padre Simão de Vasconeellos relata em suas chronicas que, na
occasião em que se achava em S. Viiente o Pe . Luiz da Gran ( 1555 em diante)
houve, nesta Villa e nas demais dessa época, um medonho temporal com « chu
ras, raios, ventos e trovões, e tremor de terra horrivel que parecia dexfazer-se a
machina do universo todo .
Esse cataclysma ou terremoto descripto pelo chronista não se deve con
fundir com o outro que se deu em S. Vicente, em 1512, especie de maremoto,
que destruiu a primitiva Villa de Martim Affonso de Souza,
686

As « Memorias a descrevem minuciosamente o pheno


meno e contam que dois dias depois do terremoto os habi
tantes viram correr do polo artico para o antartico uma
grande « exalação » , que depois se dividiu em duas da mesma
grandeza e egual claridade.
Mas, como estamos tratando de phenomenos natura es
que a chronica do Cananéa menciona, não podemos esquecer
o memoravel diluvio de 25 de Março de 1795. Neste anno,
desde os principios de Janeiro e durante quasi todo o mez
de Fevereiro até 25 de Março, chuvas incessantes avoluma
ram extraordinariamente os cursos d'agua. As montanhas de
Iapagarihu, do Assunguy, do Taquary, filtradas pelas aguas,
desbarravam as suas encostas reprezando as correntes do
Mandira, do rio das Minas e do Embiacica, de maneira que
o lençol liquido foi ganhando longa extensão nas terras bai
xas dos valles. A fazenda do Capitão Leandro de Freitas
Sobral não resistiu ao embate da torrente, ficando demolidos
os seus edificios ; e a grande propriedade do Sargento-mór
Manoel José de Jesus, á margem do rio Mandira ficou com
pletamente estragada, tendo ali as aguas subido 14 covados
de altura. « Foi tal a quantidade de terra arrastada pelas
aguas, que não só attingiu o comprimento de cinco legoas
e a la gura de meio quarto de legra no mar occidental da
Villa, como tambem o comprimento de nove legoas e largura
de meio quarto, no seu mar oriental. »
Esta grande enchente não foi um phenomeno isolado :
Morretes, neste mesmo anno de 1795, foi victima de memo
ravel inundação.
E' para lamentar, si a Camara de Cananéa vão conser
var em seu archivo o livro das Memorias que Vieira dos
Santos tão pacientemente manuseiou , respigando dados para
a sua grande obra. Poderemos terminar aqui appellando
para o douto Instituto Historico e Geographico de S, Paulo
para que acolha, na sua brilhante revista, divulgando-as , as
« Memorias da Camara de Cauanéa » e salvando - as do aban
dono que até hoje têm s fluido, si ainda as traças e a incu

Esses pequenos maremotos aos quais o povo do littoral dá o curioso


nome de Marpreguiça, não são raros nas nossas costas, bem como esses leves
tremores e ruidos subterraneos que se dão, de longe em longe, e que demons.
tram não ser pura lenda essas narrações das Chronicas de Cananéa e S. Vicente.
( Nota de B. Calixto )
687

ria dos homens conservarem , entre os alfarrabios da antiga


villa, este curioso monumento do nosso brilhante passado.
Eis, pois, cumprida a promessa que fizemos ao illustre
mestre da historia e da arte Benedicto Calixto , ora en
tregue ao nobre empenho de restaurar a historia da extincta
capitania de Nossa Senhora da Conceição de Itanhaen .
Antonina, 14 de Março de 1915.
Hermelino A. de Leão.
O nome de Cananéa ( * )
Escreve - nos o Sr. Dr. Orville Derby :
« No excellente e criterioso artigo estampado no nume
ro de 10 do corrente do « Jornal do Commercio » , em que
o illustre Dr. Rodolpho Garcia analysa, subordinado ao bem
merecido qualificativo de « Um Livro Notavel » , O recente
trabalho do dr. Theodoro Sampaio intitulado « 0 Tupy na
Geographia Nacional » , vem uma interessante discussão do
nome Cananéa » , em que se apresentam argumentos livguis
ticos e historicos em apoio da hypothese de ser esta desi
gnação de uma localidade brasileira uma corruptella aportu
guezada da palavra indigena « Cananéa » e não , como a
primeira vista parece, um nome biblico .
Conforme esta hypothese , o primeiro passo na transfor
mação da palavra foi para a forma « Cananor » , que vem ci
tada no Mappa de Ruych, de 1558, e no mappa incluido na
edição de Ptolomeu, impressa em 1513. Estes dous mappas
eram evidentemente baseados, na sua parte sul-americana,
no mappa de Waldseemuller, impressso e largamente divul
gado em 1507 e este , por sua vez , baseado no mappa Ca
nerio que nesta ultima data, ou um tanto antes, já se acha
va nas mãos do Duque de Lorena e assim accessivel ao car
tographo Waldseemuller, que o reproduziu impresso em 1516 .
Assim , a data da introducção na cartographia do nome
« Cavanor » fica recuada da confecção do mappa Canerio,
posterior á volta, em fios de 1502, da expedição portugueza
de 1501 e presumivelmente anterior ás medidas prohibitivas
da divulgação em mappas particulares das descobertas portu
guezas, decretadas pelo Governo de Portugal em 1504. 0
mappa Canerio pertence a um grupo de tres confeccionados,
por auctores diversos, logo depois da volta da referida expe
dição e baseados, quanto ao itinerario desta , em diversas
cartas de marear fornecidas por um ou outro dos expedicio
narios. Ha forte presumpção de que o fornecedor de dados
originaes para dous destes mappas Canerio e Kunstmann .

( ) Na parte destas »Memorias, que trata da « Fundação da Villa de s ,


l'icente , ao referirmo-nos aos mappas de inaroar dos primeiros navegadores das
costas do Brasil no principio do seculo XVI, já fizemos referencia a este traba
lho do dr . Orville Derby e a algumas cartas que recebemos deste distincto sci
entista sobre tal assumpto , poucos dias antes de sua morte .
Chamamos, pois , a attenção do leitor estudioso para essas notas que acom
panham o referido Capitulo .
( Nota de Benedicto Calixto )
689

II – fosse o celebre italiano Americo Vespucci, ao passo


que o do terceiro – Kunstmann III – 1oi certamente um
navegante portuguez.
A nomenclatura nestes tres mappas é essencialmente
identica, salvo a omissão de diversos nomes no terceiro dos
acima mencionados e a italianização e estropiamento de quasi
todos os nomes portuguezes nos outros dous. Por motivo
destas differenças, e de outras que não interessam á presen
te discussão, o mappa Kunstmann Il deve ser considerado
como possuindo, mais do que os outros, o caracter official.
Nos dous mappas com nomenclatura italianizada o ul
timo nome para o sul é « Cananor », ao passo que no map
pa mais puramente portuguez é « Cavanéa » Dahi resulta
que os dous nomes applicados ao mesmo ponto geographico
são estrictamente contemporaneos , mas que o ultimo foi o
applicado e empregado pelo official de bordo, presumivelmente
o commandante da expedição , que dava nome aos pontos suc
cessivamente descobertos na viagem . A predilecção deste
official pelos nomes do calendario é bem apparente, mas na
denominação « pinacuio detencio » Kunstmann II e « pena
chullo detencio » ( Canerio ) que se pode tomar por fórmas
italianizadas do portuguez « Pinaculo da Tentação » , appli
cado a um pico na vizinhança de Avgra dos Reis, encon
tramos indicios de uma outra predilecção pelos vomes biblicos.
Esta ultima circumstanncia combinata com a notada
por Kohl e Rambaldi que no anno de 1501 o primeiro do
mingo da quaresma sujestivo das Bodas da Cananéa, cabio
no dia 17 de Fevereiro, data em que a expedição devia ter
estado no porto em questão, cria um forte argumento con
tra a hypothese da origem indigena desse nome.
Comtudo convém notar que o mappa Kunstmann III
traz um nome que é qusai indubitavelmente de origem in
digena. E ' a « Ilha de Goanas » ( Ilha de Guayanazes ? )
collocada entre « Cananéa » e « São Vicente - E ' licito pre
sumir que expedição, logo no seu primeiro encontro com
a costa brasileira, aprisionasse um ou mais indios que talvez
se houvessem habilitado a servir de interpretes antes de
chegar ao fim da viagem costeira, mas taes interpretes prc
sumivelmente não teriam podido communicar - se livremente
com os indios da costa paulista. E' mais rasvavel suppor que
do proprio porto de Cananéa fosse levado um ou mais pri
sioneiros que, antes de chegarem a Lisboa, tivessem apren
dido o bastante da lingua portugueza para communicar o
nome do seu habitat e, quiça, o da tribu a que pertenciam .
Sobre o nome de Cananéa diz ainda o Dr. Theodoro
Sampaio, em umas notas sobre o livro de Hans Staden, na
« Ediçã7 Commemorativa do IV Centenario da descoberta
do Brasil » :
.. ( 0 porto chamado Caniné... ) E' o porto de Ca
dauéa , bastante conhecido desde os primeiros annos do des
cobrimento.
- 690

A graphia de Staden Caninė, -- combina com pequena


differença com a de Frei Vicente Salvador, que escreve Ca
niné e nos revela que o nome tão discutido de Canapéa ne
nhuma relação tem com a figura biblica da mulher de Sa
repa. A' simples corruptella do vocabulo tupy Caniné, o
mesmo que Canindé, applicado a uma espécie de Arara abun
dante nessas paragens, se deve attribuir a confusão do nome.
Em mappas antigos, a alteração do vacabulo Cariné
ou Canindé chegou até a identifical- o com Cananor » .
Mappa topographico do Porto e Villa
de Cananea

São bem importantes, para a historia da ultima época


do Governo Colonial , no nosso littoral paulista, os mappas
da costa da Capitania de São Paulo, mandados levantar no
fim do seculo XVIII, por ordem do Governo da Metropole
Luzitana . A commissão de Engenheiros Militares e Astro
pomos que se encarregaram desse trabalho, já foi por nós
declarada em outra parte destas « Memorias » .
A secção desse mappa topographico que trata do Porto
e da Villa de Cauanéa traz uma pequena ligenda que diz :
« No termo de Cananéa estão reservados os mattos dos rios
Madeira, Araca úva, Iririú, Capivara e Tapinhu pinha para
os cortes reaes, cujos rios têm as suas barras no Mar de
Ararapira e rios do Var: douro. No Mar de Arcrioya estão
tambem reservados para o mesmo fim os rios Taquary e
Arariaia , »
Na importaute « Memoria inédita » sobre a villa de Ca
nanéa que vimos de transcrever devido á dedicação e á ger
tileza do nosso bom amigo e consocio Dr. Ermelino de Leão,
está, aliás, bem determinado e descripto o local do Esta
leiro de construcção naval onde foi construida, em 1711 , a
celebre Nau Cananéa, que foi encorporada depois á Armada
Real , em Lisboa .
A legenda do referido mappa indica por este signal -
não só o local em que estava situado esse primitivo Es
taleiro, como os demais em numero de cinco, espalhados á
margem do lagamar e dos rios que ahi desembocam , a sa
ber : 1.° na fralda do Morro de São Joã :., — 2.°, á margem
do Taquary , - 3.°, na mesma Ilha , á margem do Mar de
Iririaya, -- 4.", á margem de um rio fronteiro a esse legar,
-- 5., na embocadura do Mar pequeno, que vai a Iguape.
03 mattos reservados para os cortes reaes, conforme des
criminam os mappas , é que forneciam o material para essas
construcções navaes, tão em voga ressa época. Nes mappas
do dis ricto de Itanhaen e Iguape, estão tambem descrimi
nados os logares, no sertão, em que abundavam essas m &
deiras « para construcções navaes » , destinadas acs córtes
redes .
Era nos Estaleiros de Cananéa e nos demais situa
dos vo termo da villa de Iguape, que se construiam as cen
tenas de navios, no tempo do Sargento-Mór Joaquim José
da Costa , e de outros industriaes que, com o seu esforço in
dividual tanto contribuíram para o desenvolvimento dessa
692

zona da marinha paulista, tão prospera na época e depois


tão decadente, tão despesadas, que até povoações e villas
como Sabaúna e Caraguatatuba vieram a desapparecer com
pletamente. ( Vide Hist. destas villas )
Quando se levantou o mappa - geral da Capitania de
São Paulo, já essa zona do littoral se achava muito deca
dente, pela falta de população, mas, ainda, assimo numero
de habitantes nos termos de Paranaguá, Cananéa, Iguape e
Itanhaen, segundo a indicação desses mappas, era ainda bem
avultado ; esse numero, entretanto, tendia cada vez mais a dimi
nuir, porque o periodo agudo e precario da decadencia
principalmente de Cananéa, Itanhaen e São Vicente, data
do começo do seculo XIX em deante, conforme se verá do
Capitulo relativo á decadencia dessas villas do littoral pau
lista e dos dados censitarios sobre a população das mesmas,
nessa época.
Villa de Paranaguá
!

1
Dr. Hermelino A. de Leão
Autor da « Memoria Historica » CAPITANIA DE ITANHAEM
e CAPITANIA DE PARANAGUÁ, e dos Dados HistoriCOS SOBRE
CANANÉA.

E' uma justa homenagem que prestamos ao insigne


historiador paranaense estampando o seu retrato, nesta parte
das « Memorias da Capitania de Itanhaem », que trata das
antigas villas de Cananéa e Paranaguá.
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Villa de Paranaguá
A DATA DE SUA FUNDAÇÃO. Os Marcos E Pa
DRÕES DE CANANÉA E PARANAGUÁ. CONFUSÕES DOS
HISTORIADORES SOBRE ESSEs postos. A PLANTA TO
POGRAPHICA DO PORTO DE PARANAGUÁ NO SECULO
18. ° UM LUMINOSO RELATORIO DESSA ÉPOCA . PRO
JECTO DE UMA NOVA FORTALEZA NESSE PORTO . UMA
NÁU DE PIRATAS . Os QUI TOS REAES. A LINHA DI
VISORIA ENTRE AS DUAS DONATARIAS. OUTRAS NOTAS .

Diversos historiadores e ch onistas se têm occupado do


historico da fundação d'esta importante povoação do extremo
littoral do sul, da Capitania de São Vicente, depois – Ca
pitania de Itanhaen .
Quanto á data em que Paranaguá foi elevada á villa,
os historiadores não estão de accórdo . Azevedo Marques nos
« Apontamentos » diz que povoação foi fundada por Eleo
doro Ebano Pereira c o Capitão -Mór Gabriel de Lara , em
1647 ; ao passo que os chronistas Pedro Taques e Monsenhor
Pizarro declaram que a Villa de Paranaguá foi fundada por
Eleodoro Ebano Pereira em 1648 .
Nem um destes historiadores nos dizem , entretanto, o dia
e mez em que teve logar esse acto da « erecção de villa » ,
nem tão pouco o donatario que passou a competente « pro
visão » para tal predicamento.
A data mais digna de fé é, incontestavelmente, a que
nos dá o opusculo do sr. Romario Martins, « Sobre a fun
dação de Paravaguá » , conforme os documentos extrahidos da
importantissima obra de Vieira dos Santos, « Memorias de
Paranaguá » .
Diz Romario Martius que < em 1610 o governador,
Duarte Corrêa Vasqueannes, ordenava, do Rio de Janeiro, a
crecção do Pelourinho em Paranaguá, o que foi feito à 6
de Janeiro desse anno de 1610, assiin reconhecendo a ne
cessidade da organização da Justiça e da administração pu
blica, no arraial , até entio sob a chefia discrecionaria dos
prepostos reaes, junto ao serviço das minas de ouro
Ebano Pereira e Gabriel de Lara » .
Parece que, uma vez levantado o Pelourinho, « symbolo
da Jurisdicção e da Justiça » , estaria realizado o acto de
predicamento de Villa , pois que « esse acto » da erecção do
Pelourinho, precedeu sempre o « acto do predicamento de
Villa » ; entretanto, pela leitura dos docuinentos transcriptos
nas « Memorias » de Vieira dos Santos, deprehende - se que a
696

organização administrativa, isto é, a eleição dos officiaes da


Camara e mais auctoridades, só foi effectuada a 26 de De
zembro de 1648, oito annos após a data em que foi erecto
o Pelourinho, o que constituia uma anomalia, entre as cria
ções das villas dessa época, cujos provimentos administra
tivos succediam logo ao provimento da erecção de Pelourinho
e Villa.
Um dos homens mais notaveis dessa época e que tanto
contribuiu com os seus esforços e influencia para que a villa
de Paranaguá sa hisse desse estado acormal e tivesse Camara
e mais auctoridades administrativas foi o Capitão fundador --
Gabriel de Lara que, aos 26 de Dezembro de 1648, mandou
tocar caixa , afim de fazer um ajuntamento da população, na
sua casa , onde se tratou de fazer a eleição : E todos a « hua
vóz dicerào que não tinhão embargos algû sobre o que lhes
héra proposto, masantes requerião a elle Lara como Capitão
deste povo, fizesse Eleição, por quanto vão pcdião estar sem
justiça e pereciam á falta della » .
« Os documentos que comprovam os nossos assertos, diz
Romario Martins, embora desapparecidos nos originaes, se
encontram transcriptos por Antonio Vieira dos Santos, na
sua magistral obra inédita sobre a historia de Paranaguá » ,
Alguns desses documentos vão transcriptos no fim deste
capitulo.
As divisas da antiga Capitan'a de São Vicente e da
então « Capitania de Itanhaen > , segundo os antigos docu
mentos -- na parte meridional eram reguladas por um ou
mais marcos de pedra, que, por ordem de D. João III, foram
collocados na barra de Paranaguá, conforme já ficou demon
strado em uma nota, ao tratarmos da Villa de Cananéa .
Pedro Taques na sua « Historia da Capitania de S. Vi
tentes ao tratar dessas divisas diz que, em fins do seculo
XVIII , estando em Paranaguá, Affonso Botelho de Souza,
na diligencia da fundação de uma nova fortaleza, descobriu,
nesses arredores, um padrão e uma pedra, e nelles esculpidas
as armas - reaes Portuguezas, o qual padrão fora mandado
collocar alı por ordem de D. Jão III, ofim de determinar
os limites das dôações de Martim Affonso e seu irmão Pedro
Lopes.
Para bem elucidar este ponto, tão importante quão vago
referente ao local em que foi collocado esse marco ou pa
drão, que alguns historiadores têm confundido com o padrão
mandado collocar por Martim Affonso de Souza em Cananéa,
no anno de 1531 , vamos nos servir de um documento assás
importante e bem pouco conhecido no Brazil : E' a « Planta
Topographica do Porto e Fortaleza de Paranaguá », mandada
levantar por S. A. Real , no fim do seculo dezoito. Essa
Planta foi levantada pelo coronel -graduado do Real Corpo
de Engenheiros, João da Costa Ferreira e pelo Astronomo
697

Real -- Francisco de Oliveira Barbosa, e fazia parte do Ar


chivo Militar de Lisbôa . ( * )
-- Diz o bistoriador Pedro Taques, como já ficou tan
scripto, que « Affonso Botelho, estando em Paranaguá, na
diligencia da fundação de uma nova fortaleza, descobriu,
nesses urredores, um padrão e uma pedra com as armas
renes portuguezas etc.
Ayres de Cazal, na sua Chorograpia Brazileira , diz
que esees warco . ( ( s de Paranaguá com certeza ) estavam
ordados com armas e datas esculpivas ; entretanto, o histo
riador Francisco A. Vavhargen, que tambem examinou esses
marcos ( os de Cananéa ) verificou que « eram de finissimo
marmore branco e que não estavam nelles esculpidos nem
espheras nem datas !... »
Não haverá, por tanto, um equivoco, ou confusão entre
esses padrões ? isto é, entre esses padrões postos em Cananéa
e outros pontos do littoral , em 1531 , por Martim Affonso, com
o fim especial de tomar posse da costa, em nome de D.João
III, e esses outros marcos, mandados collocar mais tarde em
Paranaguá, por ordem do mesmo D. João III, « afim de de
terminarem os limites das doações, entre os dois primeiros
donatarios » ?
Parace-no3 que sim ; pois, só por uma confusão ou equi
voco se poderá explicar essa controversia existente entre os
historiadores Ayres de Cazal e Varnhagen, no exame e de
scripção que fazem desses celebres marcos.
Varnhagen, para bem authenticar o seu exame, mandou
até lavrar um auto no respectivo local , isto é, em Cananéa ; e é
lastimavel que o outro historiador, Ayres do Cazal , não tivesse
a mesma lembrança, pois só assim poderiamos hoje identi
ficar, com clareza , o respectivo local em que elle fez essa
descoberta .
Suppômos, sem entretanto affirmar, que esses marcos com
as armas -reaes e datas, encontrados por Cazal , não são os
de Cananéa , mas sim os de Paranaguá, os quaes fıram mais
tarde encontrados por Affonso Botelho de Souza , conforme
escreve Taques.
Procuremos, por conseguinte, verificar, com o auxilio
da « Planta Topographica do Porto de Paranaguá » , levan
tada por ordem regia no fim do seculo dezoito, o local , na
entrada do mesmo Porto, no qual o Tenente Coronel Affonso
Botelho de Sampaio e Souza « fez deligencia para fundação
de uma nova fortaleza » , e onde, segundo a affimação de Pedro
Taques, fôra descoberto esse dito Padrão ou marco de pedra,
com as armas - reaes .
Aptes porem do estudo cartographico que nos orien
tará na verdadeira posição « desse ponto » , onde se preten

( ) Existe hoje uma reproducção photographica desse mappa no archivo do


Instituto Historico e Geographico de São Paulo .
698

deu furdar uma nova fortaleza, em fins do seculo dezoito,


precisamos fazer ainda algumas considerações sobre o motivo
que levou o Governo Portuguer a maudar levantar esses
mappas e plantas topographicas das villas do littoral Pau
lista ; e, para melhor orientação vamos fazer a transcripção,
em sua integra, do « Relatorio ou legenda explicativa » que
acompanha a referida Planta, o qual Relatorio é redigido
nestes termos :
« Planta Topographica, do Porto e Fortaleza de Para
naguá : Neste Porto, entram Corvêtas e podem entrar Fra.
gatas que medem menos de 30 palmos de ayua, seguindo a
direção do Canal que hé infiando a ponta das Conchas , com
a fonte da Ilha das Peças, como mostra a Planta .
A Fortaleza da Barra deste porto foi construida por
desenho de pessou que ignorava a arte de fortificar, por
que, podendo ser atacada pela praia das Conchas, se vão
defendem as suas partes mutuamente por flancos ou Re
ductos, por ser compista de huns Lances de muralha em
figura de Poligono irregular, o que só se pratica quando, a
semelhantes lados se não podem dirigir algum ataque por
torra, e continuamente se acham batidos e lavados do mar.
Tem esta Fortaleza outro defeito que he estar uvida a bum
morro mui acces ivel ao inimigo que fizer hum desembarque
na Inceada que se segue da Fortileza, até a barra e delle
fazer hum total destroço nos defensores com quaesquer arti
ficios de guerra e athé com pedras ; Alén destas desvanta
gens tem a de ser o Canal muito largo na parte onde se
acha construida, pois podem entrar e sabir embarcaçoens sem
receber maior damuo da Fortaleza, por que os tiros que lhes
fizer hào de ser com elevação, e de tes, poucı ou nem hum
damno lhe podem fazer, o que tudo se supprirá fazendo esta
Fortaleza na ponta nais interior da mesma Illa, onde o Ca
nal lhe fica mais proximo e sem morro que a domine : Ilé
certo que será muito maior ; e creio que ao ter -se construi .
do nesta paragem foi para evitar a despesa e por ser feita
á custa de particulares.
E'sta Furtaleza acha -se hojı com os seus quart: is de
molidos e sem nem huma peça de Artilharia por Thas mandar
tirar o E.xmo Conde de Sarzêdas e recolher a Fortaleza da
Barra Grande, de Santos em 1790.
O ponto A — mo -tra, NA PLANTA, O LUGAR ONDE SE
DEVE CONSTRUIR A NOVA FORTALEZA » .
Esta planta do Porto de Paranaguá levantada com a
maxima exactidão, traz aiuda um desenho muito detalhado
dessa fortaleza com todos os seus reducto ; e alojamentos
interiores, seus baluartes e canhoneiras, bem como um de
senho de perfil mostrando um corte no taludameuto das
muralhas dos funcos, com o respectivo caphào assestado
sobre o baluarte etc.
699

Vê-se que essa fortaleza, apesar do defeito no seu plano


estrategico, notado por esse engenheiro militar, era uma
construcção solida e bem delineada. ( * )
Nessa época, fim do seculo 18.", os governadores de S.
Paulo, no afan de augmentarem , cada vez, os « rendinientos
dos QUINTOS - REAES » , voltavam de novo suas vistas avidas
para as jazidas auriferas de Paranguá, Apiahy e Paranára
nema, cujas entradas se faziam pelo Ribeira e pela estrada
de Curityba. O governo da Metropole, vendo o abandono e
a ruiva a que estavam reduzidas essas povoações do littoral
de S. Paulo, sem fortalezas e seią gu ruições que pudes
sem garantir e defender o transiio do « rendimento de seus
quintos reaes » , mandava então levantar o mappa do
littoral da Capitania Paulista, com o plano topographico de
suas villas e fortificações, as quaes, como essa de Paranaguá
que « havia sido cinstruida per particulares » , na segunda
época das niuerações auriferas, achavain - se, como se vê ,
em deploravel estado de abandono : sem quarteis, sem
guarnição, e sem artilharia ! ...
Desde o começo até meados desse seculo, no tempo dos
primeiros Capitães generaes de S. Paulo , já o Rei D. João
V, na Carta Régia de 8 de Julho de 1726 , ordenava que
« vão se retirasse g - nte das vilias do littoral do sul , para
irem servir na praça de Santos ; sobre tudo de Cananéa e
Iguape, am ' açadas pelo piratas, que, em virtude das noti
cias des minas de Ouro, ali appareciam , por nåo ter forta
lezas que defeudessem esses portos. » Referia - se ainda essa
Carta régia a uma náu de piratas que havia entrado na
barra de Can wéa e que, « por mercê de Nossa Senhora do
Ros zi '), fo : dar á costa em l'aranaguá . ( Archivo Publico,
S. Paulo ).
Os governadores de S. Paulo, temendo pois, os otaques
dos piratis, ordenavain que a reinessa dos quinto3 - reaes,
em vez de s'r feita por mar, fosse remettida pela estrada da
marinha ; e que as Camaras d • Paranaguá, Cananéa, Iguape ,
Itanhaen e Sảo Vicente fizessem , entre si , essa remessa dos
q'rintus, com pessoal paga á custi dus mesmas cumaras,
assumindo ainda , as sobreditas Camaras, toda a responsabi
lidade, até a entrega final desses valores, na Caixa - forte da

( * ) Esta fortaleza de Paranaguá havia sido construida por ordem do Go


vernador de São Paulo Capitão-General D , Luiz Antonio Botelho Mourão, em
1760
Diz a « Chronologia Paulista » do Snr. Jacintho Ribeiro que « foi encarregado
da construcção da obra O Tenente Coronel Affonso Botelho de Sampaio e
Sousa, correndo as despesas por conta de subscripção forçada lançada aos mo
radores da villa de Paranaguá .
Essa fortaleza , devido ao defeito do seu plano estrategico, notado pelo en.
genheiro militar, mandado em commissão pelo Governo da Metropole, já se
achava desguarnecida no fim do seculo dezoito , como elle mesmo declara
O que la de extranhavel em tudo isto - é que o encarregado da mudança
dessa mesma fortaleza para esse ponto A , na Ilha do Mel, fosse o mesmo Te
nente Coronel Affonso Botelho do Sampaio e Sousa, conforme a'tirma o histo
riador Pedro Taques .
700

villa de Santos, d'onde, sob as mesmas condições, deve


riam seguir, sempre por terra, até a Cidade do Rio de Ja
neiro .
Tudo isso era feito, já se vê, sem que a fazenda -real
despendesse um centil é sem correr o menor risco nessas
constantes e avultadas remessas de ouro.
Embora o rendimento desses quintos fosse assim , tão
avultado e as arcas do thesouro, na Metropole Luzitana,
estivessem sempre abarrotadas com o ouro ha tantos annos
extrahido das minas das antigas Capitanias de S. Vicente e
Itanhaen , o « regimen de economia > -- adoptado pela real
fazenda era o mais severo e rigoroso, como se está vendo,
quando se tratava de despesas com as obras publicas.
Não obstante as precarias condições defensivas em que
se achavam os portos da antiga Capitania de Itanhaen , e
as medidas tão ardentemente reclamadas e apontadas nesse
relatorio do engenheiro -militar em commissão, que lembrava
a idea de se construir uma nova fortaleza no Porto de Pa
ranaguá, -- o governo colonial, por economia, pada deter
minou e nada fez, de positivo e aproveitavel , em defesa
dessa região, tão ameaçada dos narios piratas, que livre
mente cruzavam os mares do sul da então « importante
Capitania de S. Paulo, essa Princesa sem dote » , na phrase
justa e sincera de um dos seus governadores.
Agora que já demonstramos a posição e o estado da
vetusta fortaleza de Paranaguá e a razão que levou o governo
portuguez a pensar « pa fundação » de uma nova fortificação
na parte mais austral da Ilha do Mél, vamos vêr si pole
remos determinar com exactidão o ponto em que Affouso
Botelho e Sousa descobriu os celebres morcos ou padrões
que « determinavam os limites das doações de Martim Affonso
e seu irmão Pedro Lopes » .
Diz o citado relatorin do Engenheiro militar, que : « 0
ponto A mostra o local onde se deve construir a nova For
taleza . »
Ora , ese local , conforme indica a « Planta » , é a ponta
mais septetnrional da Ilha do Mél onde o «canal do norte »
faz uma curva , ou por outra uni angulo obtuso, dirigin
do-se em seguida, no rumo de sul, com pequenas variantes,
para o porto de Antonina, flanqueando, nesse trajecto , a
parte septentrional da Ilha Raza e Cotinga. ( Vide mappa
appenso ).
O canal navegavel que vae ter ao porto e ancoradouro
de Paranaguá, conforme as detalhadas indicações do mappa
que lhe marca , não só a directriz, como os palmos que tem
de profundidade, faz uma grande curva ao passar entre a
Ilha do Mel e a llha Raza e Cotinga : Une-se ahi com o
outro canal que vem da Barra do sul, entre a parte meridio
nal do continente e a ponta ou promontorio da Ilha do Mél.
Eis, em traços geraes, a topographia das entradas do
« Porto de Paranaguá », é da « Ilha do Mél, » na qual se
701

pretendeu, de 1790 em deante, levantar uma nova fortaleza


indicada pelo engenheiro -militar João da Costa Ferreira. –
Foi abi, portanto, nos arredores desse ponto A -- , logo
após os estudos e indicações procedidas pelo dito engenhei
carregado desse trabalho, o Coronel Affonso Bo
ro , qiie o enca
telho de Sousa, fazendo novos estudos, encontrou ( s ties
marcos dos quaes nos fala Pedro Taques, os quaes já
haviam sido descobertos, anteriormente, pelo historiador Ay
res do Casal, segundo nos parece.
Portanto, esse padrão ou marco de Paranaguá nada tem
de commum com os de Cananéa. Estes, os de Cananéa, como
já fizemos vêr, determinavam a posse e dominio do territorio,
--em nome de El Rey de Portugal, ao passo que o de Pa
ranaguá marcava, simplesmente, a divisa entre as duas doações,
feitas aos primeiros donatarios.
A Villa de Paranagui , segundo essa divisa, estava por
consequencia muito legalmente fazendo parte da Capitania
de Santo Amaro, quando se promoveu a sua fundação, em
1640 .
A linha divisoria entre a Capitania de S. Vicente, que
tinha entắo o nome de Capitania de Itanhaen , e a Capita
nia de Santo Amaro, partindo desse ponto -- A --- indica
do na planta seguia em rumo do sertão ( a oeste ) cor
tando a Bahia de Paranaguá até a Ilha Grande da Gamella
e o canal que fica entre esta Ilha e a Ponta Calva ( * ) na
embocadura do Lagamar, ficando, portanto, toda a parte se
ptentrional e oriental da referida Bahia, coin suas Ilhas e
R'os, dentro da Capitania de Itanhaen, inclusive a grande
Ilha das Peças e a Bahia dos Pinheiros, bem como o canal
e a barra do Superaguy, em cuja margem estava situada a
importante a Fazenda dos Jesuitas » , conforme se verifica
da mesma Planta .
Os rios mais notaveis pessa parte do estuario de Para
naguá, então pertencente á dita Capitania de Itanhaen, eram :
ao Norte, o Rio Borrachudo e os demais que desaguavam
nesse braço do Lagamar -- O rio Guaraquicara, o Piragui
ra, o Varadouro e os braços de mar onde desaguavam esses
cursos de agua doce.
De 1624 em deante, após o litigio entre os herdeiros
dos donatarios Martim Affonso e Pedro Lopes, e com a em
brulhada que houve de parte a parte, nessas divisas, de
vido à má e falsa interp retação foram
interpretação foram postos de lado,
esse ponto e a linha divisoria, determinada pelo mar
co da Ilha do Mél , talvez pelo motivo de ignorar - se, nessa
época, a existencia d'esses padrões, que só mais tarde foram
descobertos

( * ) A nomenclatura das Ilhas e braços de mar, bem como dos respecti.


vos rios que cortavam esta região da Capitania de Itanhaen , na bahia de Pa
ranaguá , é a mesma que vem designada na dita Planta Esses nomes é bem
possivel que estejam hoje alterados ou desconhecidos pela geração actual ,
702

As divisas da Capitania de Martim Affonso de Souza


( Capitavia de Itanhaen ) eram , entretantr, bem claras, mesmo
depois do mencionado litigio. As 45 legoas que consti
tuiam a parte meridional da Capitania de Itanhaen , eram
contadas da margem direita da ultima barra de S. Vicente,
a mais austral, até dez legoas ao sul da Ilha de Cananéa,
isto é, até a Ilha do Mél, na Bahia de Paranaguá . Essas
dez legoas, entre Cananéa e Paranaguá, tão faceis de dis
c : imivar, conio se está vendo, eram , entretanto, elasticus,
quanto as outras dez legoas — que se contavam da fóz do
Juqueryquerê á barra de Bertioga, ou barra do noite de
s. Vicente, as quaes espichavam -se, ou encolhiam -se, confor
me as manobras mais ou menos habeis das partes e as cri
terioscs sentenças dos m : gistrados daquella época ...
Assim é que a posse da reg ão da Bahia de Paranaguá
esteve óia em poder dos Condes de Monsanto ( Capitania
de Santo Amarn, cu S. Vicente ) óra na posse dos Condes
de Vimieiro e da Ilha do Principe ( Capitania de Itanhaen ),
como adeante se verá .
Quando, em 1772, Pedro Taques, na sua « Historia da
Capitania de S. Vicenta » , elucidou , com clareza, alguns desses
pontos, em prol do direito dos Condes da Ilha do Principe,
já a Capitania de Itanhaen ( antiga de S. Vicente ), se
achava em condições muito piecarias, e ( s seus governadores,
locotenentes dos Condes da Ilha do Principe, exauctorados
e espoliados em suas respectivas jurisdições, se haviam ver
gonhosamente subinettido aos sequestros injustos, e á pre
potencia irritante dos governadores geraes, e mesmo da
corôa , ... cujo procedimento está hoje bem definido neste
periodo da obra do Dr. João Mendes de Almeida ( * ) : » E'
licito suspeitar que o Govervo de Portugal cogitava de
peiorar as condiçõrs des donatarios de Itanhaen , para dimi
nuir a indemnização a que elles tiuham direito... Chicanas
do tempo ! >
Foram , de facto, devido a essas « chicanas do tempo »
que, já em 1640 , os condes de Monsanto pretendiam exten
der a jurisdição da Villa ( depois Capitavia de Paranaguá )
até Cananéa . E foi ainda devido a essas « chicanas » que
os donatarios da Capitania de Itanhaen , em represalia , ultra
passaram as divisas legaes da Ilha do Mėl, o foram , em 6
de Janeiro de 1653, tomar posse da Villa de Paranaguá. O
autor, ou executor dessa façanha foi, como se verá adeante , o
Capitão -mor e Ouvidor de Itanhaen -- Diogo Vaz de Escobar.

( " ) « Algumas Notas Genealogicas » Cap . sexto . Cap : tania de s. l'i


cente-S . Paulo .
A VILLA DE PARANAGUÁ FAZENDO PARTE DA CAPITAMA
DE ITANHAEN . – A ACÇÃO DOS GOVERNADORES DE
ITANHAEN EM PARANAGUÁ : Diogo VAZ DE ESCOBAR .
SIMÃO Dias DE MOURA. - A. BARBI ZA DE SOTTO
Maior . INSTALLAÇÃO DA CAPITANIA DE PARANA
GUÁ . SALVADOR DE SÁ E BENFVIDES.

Na parte « d stas memorias » que trata da « relação dos


Governadores de Itaphaen s ja nos occupamos das pessôas e
das acções destes Governadores, consignados no presente
summario ; somos entretanto forçados, uma vez que tratamos
do historico da Villa de Paranaguá nesse periodo em que a
mesma esteve annexada á jurisdicção da Capitania de Ita
nhaen, a vir de novo recorrer á e memoria historica da Ca
pitania de Itanhaen e Paranaguá » do Dr. IIermolino de Leão,
já por nós transcripta, afim de colhermos as informações ne
cessarias a este Capitulo.
Diego Vaz de Escobar, um dos mais notaveis governa
dores da Capitania de Itanhaen, nessa época, foi, conforme
affirma o citado historiador, o iniciador « da politica d'espan
ção territorial do sul » .
« Paranaguá floresc'a então sob o empulso que as lavras
de ouro lhe vieram dar. Erécta em villa por auctorisação do
Governador do Rio de Janeiro, Duarte Corrêa Vasqueanes, era
já um importante nucleo de população , que muito conviria, a
Itanhaen , submetter á sua Capitania. Diogo Vaz de Esco
bar levou a effeito esta ardua empresa .
« Accumulando os cargos de capitão-mór, governador.
sesmeiro, ouvidor, corregedor e provedor das minas, com cs
amplos poderes de que se achava armado o seu constituinte,
procurou Escobar levar a effeito os seus designios de admi
nistração, com o mais louvavel zelo.
« Segundo um apontamento que temos, quando D. Diogo
de Faro, dôou a Capitania de N. S. da Conceição a sua irmă
ou prima D. Mariana de Faro , Escobar já se achava empos
sado no cargo de governador de Itanhaen .
O conde da Ilha do Principe, ao receber o dote de sua
esposa , tratou de valorisal-o e incumbiu a Escobar de tomar
posse das 50 legoas de costa que governava , em seu nome,
como novo donatario.
« Escobar teve a habilidade de desempentar -se da com
missão, chamando a sympathia do povo para a causa do seu
constituinte. Em Parapaguá, tratou logo de captar a boa
contade de Gabriel de Lara, capitão -fundador da villa , a quem
passou patente de capitão -mór a 12 de Outubro de 1653.
701

« No anno seguinte, o Capitáo -mór Escobar percorreu as


villas do sul , organisando -as e dando -lhes provimento. A 2
de Janeiro de 1654 demarcou o rocio de Paranaguá.
« Em 1655, voltou novamente, em correcção, as mesmas
villas, tomando dellas posse, em nome do Conde da Ilha do
Principe, solemnidades essas que tiveram lugar a 15 de Fe
vereiro em Itanhaen ; a 22 de Fevereiro em Iguape e a 25
do mesmo mez em Paranaguá, onde, a 8 de Março, depois
do seu regresso dos Campos de Curytiba, ao que suppomos,
ainda celebrou uma vereança geral com a presença de 25
« republicanos » , dando posse da terra ao seu senhor.
« Já, então, Escobar estava orientado dos designios do Conde
de Monsanto, que tratava de crear a Capitania de N. S. do
Rosario, com sede em Paranaguá, que, de facto, fora erecta
em territorio pertencente á extincta Capitania de S. Annarn.
Quando o Capitão -Mór recebeu em Itanhaen a noticia de ter
sido Gabriel de Lara, nomeado loco -tenente do Conde de
Monsanto, depois primeiro ma'quez de Cascaes, comprehen
dendo o alcance desse acto, tratou de partir sem demora,
para Paranaguá, afim de evitar a desmembração da Capitania.
Embora enfermo, esteve em Paranaguá zelando dos interes
ses do Conde da Ilha do Principe e impedindo com a sua pre
sença que Lara constituisse governo.
Poude mais a enfermidade do que a dedicação de Es..
cobar : os seus encommodos aggravaram -se. Somente quando
em perigo de vida, desprovido de recursos, abandonou Para
naguá, entregando á Camara as seguintes arınas d'el-rei : 77
mosquetes, 12 bandoleiras, 5 arrobas e 8 libras de bala de
chumbo, 3 arrobas de morrão e 1 marrão de chumbo.
« Escobar resistiu ainda por algum tempo á tenaz mo
lestia e a 12 de dezembro desse mesmo anno de 1655 voltou
a Paranaguá, tomando posse da villa ein nome do Conde da
Ilha do Principe.
« A diligencia com que Escobar exercitava as fuucções
dos seus cargos foi-lhe fatal: os seus males se aggravaram até
que em 1656 falleceu em Itanhaen, sendo substituido na go
verno por Simão Dias de Moura, que a 20 de fevereiro desse
anno tomou posse de Paranaguá, como governador de Ita
nhaen e loco-tenente do Conde donatarij .
« Quando Simão Dias de Moura tomou solemne posse de
Paranaguá, talvez presentisse que o domino de Itanhaen tinha
os seus dias contados. O Marquez de Cascaes redobrava seus
esforços junto ao Capitão -fundador Gabriel Lara para que
este esposasse a sua causa

« 0 Capitão-Mór Simão não era um administrador da


tempera de Escobar : não soube ou não poude resistir. A sua
familia aliou -se á de Lara ; e dessa forma os Dias de Moura
figuram na genealogia paranaense, representando salientes
papeis no seulo XVII.
« O seu succes or, Capitão Antonio Barbosa de Sotto Maior,
que suppomos ser ascendente do Marquez de Itanhaen, era,
705

segundo Taques, fidalgo de qualificada nobreza e estabece


ra-se em Santos ainda joven , ahi ecntraindo nupcias com D.
Catharina de Mendonça. Em 16 de Setembro de 1642 foi
nomeado capitão de ordenanças da villa de Santos, onde
praticou com o seu sogro Manoel Affonso de Gaya , um acto
de heroismo atacando, com uma canoa armada em guerra, um
navio hollandez que appareceu á barra, entre OS annos de
1641 – 1655, conforme narra Pedro Taques. ( * )
O Conde da Ilha do Principe, elegendo Sotto Maior
para seu locotenente sabia que confiava o sua Capitania a
um militar valoroso, capaz de grandes actos de bravura ; mas
ignorava, sem duvida, que faltavam ao valente cabo de guerra
as qualidades de administrador e bom politico.
<<
Quando, em 1660, tomou posse da Capitania, Parana
guá já se havia separado de Itanhaen , indo a 1.º de Março
à sua Camara reunida á casa de Lara dar posse da terra ao
Conde de Monsanto ; e confirmando a 15 de Maio em ve
reança esse acto de adhesão á causa que Gabriel Lara re
presentava
« Concorreu muito para essa resolução dos paranaenses,
a opposição que Lara fez á retirada das companhias de in
dios carijos para a conquista do Rio Grande. Entretanto,
Sotto Maior sabendo da posse de Lara, com os seus homens
de guerra se apressou a vir a Paranaguá, suppondo que
bastaria a sua presença para submetter a villa ao dommio
de Itanhaen. Chegando ahi conservou sempre as insignias
de Capitão-Mór e a sua escolta em armas, com grande appa
rato , visando atemorisar aos partidarios de Lara e reconquistar
a villa . Ao contrario, porém, a ostentação de força irritou
aos homens da governança, que a 7 de julho o intimaram a
comparecer perante a Camara, exigindo a exhibição dos sens
titulos e a exposição dos motivos porque estava na villa.
Sotto Maior respondeu que era Capitão-mór de Itanhaen e
que se achava na villa em serviço real, afim de embarcar os
indios para a conquista do Rio Grande. Pediu que lhe fosse
permittido usar das insignias e da força para ser respeitado,
tanto pelos indios, como pelos brancos .
« A Camara não deferiu o pelido, nada resolvendo nessa
vereança ; mas a 30 de Junho intimou ao governador de Ita
nhaen para que não usasse mais as insignias de Capitão-mór,
declarando que quem exercia esse cargo em Paranaguá era
Gabriel de Lara. Sotto Maior teve a fraqueza de reconhecer a
autoridade de Lara, allegando apenas que alli não tinha
outra missão a não ser o serviço d'el-rei .
« Este acto de reconhecimento de Lara, como governa
dor da Capitania de Paranaguá foi o ultimo praticado pelas
autoridades de Itanhaen, cujo governo ficou circumscipto na
zona do sul , as tres villas: de Itanhaen , Iguape e Cananéa .
( * ) Este episodio do ataque d'essa náo flamenga em Santos, vem nar
rado em uma nota , no capitulo que se refere å Villa de Iguape .
( Nota de B. Calixto )
706

Na zona do norte, a partir de S. Sebastião, os governadores


de Itavhaen exerciam jurisdição ainda sobre Pindamonhan
gaba, Guaratinguetá, Taubaté, Caraguatatuba, Ubatuba, Pa
raty e Angra dos Reis. Entretanto, Sotto, apezar dessa ca
pitulação sem protesto, era um militar brioso, que pouco de
pois iria praticar notaveis actos de bravura, na conquista do
Rio Grande, digoos dos heroes americanos no dizer de Pedro
Taques.
« Corrob - rando este acontecimento, vo fim do mesmo anno
de 1660, Salvador Corrêa de Sá e Benevides, governador do
Rio de Janeiro e administrador das minas de Paranaguá, es
tando nessa villa a 30 de Novembro, determincu que á vista
das duvidas existentes entre os herdeiros dos primitivos do
natarios as autoridades em exercicio se mantivessem em seus
cargos, funccionando como delegados da corôa, sem que re
conhecessem nenbum donatario . Esta resolução copsolidou a
autoridade de Gabriel de Lara que, entretanto, jamais as olvi
dou , nos actos, publicos, da sua qualidade de locotenente do
Conde de Monsanto, depois Marquez de Cascaes » .
Ermelino de Leão refere- se ainda a outos governadores
de Itambaen e a factos que se relacionam com esta villa ; e,
ao ierminar a sua interessante « memoria » diz :
« Itanhaev , porém , já tinha cumprido a sua inissào histo
rica de desalojar os hespanhóes de Iguape e de dilatar o do
mivio portuguez, ao sul do Brazil . Ao Paraná, mais do que
o lustro de governo, ella doou o vinculo de sangue. Foram
os itanhaenses Rodrigues Sid , Pinas, Luiz, Dias de Moura,
Antunes, dos primeiros povoadores e conquistadores dos cam
pos de Cucytiba, tornando-se alguns dos patriarcas dessa popu
lação que hoje se estende do Itararé ao Uruguay e do Atlan
tico ao Rio Paraná » .

Passamos em seguida a travscrever parte da « Historia


de Paranaguá e sua fuudação » do Senhor Romario Martins,
afim de completar esta memoria .
Pedimos, entretanto, ao illustre autor que nos desculpe a
ousadia , e proinettemos não alterar uma virgula siquer no seu
bello estudo historico, sobre Paranaguá. Estamos certos que
não levará a mal, visto que o posso intuito é vulgarisar o
mais possivel todos os dados e noticias historicas dignos de
fé, que nos chegam as mãos , relativos a esse periodo tão im
portante de nossa historia paulista.
Paranagoa
Historico de sua Fundação
Romario Martins

O DESCOBRIMENTO

« O desconhecimento do interior do paiz, aggravado pelas


phantasiosas noções provindas dos indios, impediu por muito
tempo que os colonos localisados no littoral fossem ganhando,
para a conquista portugueza, as terras que se quedavam ao
cccidente da cordilheira maritima.
Alem da serra jazia o desconhecido; e, com elle, as
perturbadoras legendas sabidas dos indios alliados, e que tão
bem quadravam com a alma phantasista do emigrado por
tuguez, apta por temperamento para receber a influencia do
mysterio e do deslumbramento .
A's lareiras dos primeiros vindos, se narravam os nossos
ancestraes, por noites tormentosas, as legendas terriveis de
uma raça que havia , de gigantes ferozes, para lá , do outro
lado da serra ; e os caminhos sem termo, que fechavamo
viandante n'um labyrigtho de trilhos, até perdel-os no seio
présago da floresta e da morte ; e os rios que torvelinhavam
em torno do batél , em rajadas de espuma, sossobrando-os ;
e, emfim , as mil e uma coisas que havia , nesse sertào mys
terio: 0, inexpugnavel e bravio.
Gaudávo e outros chronistas ainda repetem alguns des
ses boatos terroristas, que punham no sertão brazileiro os
mais extravagantes receios dos conquistadores, deslembrados
de que tudo, afinal, se reduzia ao receio prudente do desco
nhecido, do imprevisto, n'uma região onde realmente tudo
era um motivo de assombro para o europeo , desde as bahias
intermivas e maravilhoses, até – e principalmente, — essa
floresta que mal percebiam ainda os habitantes da costa , mas
qne se lhes antolbava aos olhos pávidos e maravilhados,
guardadora de régios collossos vegetaes, de uma estupenda e
extravha natureza ; abrigadora de jazidas auriferas inegua
laveis no mundo ; e, igualmente, impenetravel abrigo de raças
indómitas de invenciveis guerreiros, e de uma fauna em
pleno fastigio de bravia pujança.
Passavam-se 03 annos e os primeiros habitadores da
costa , no sul do Brazil, mal se aventuravam a transpôr a
Serra do Mar, embora as primeiras noticias de jazidas auri
feras lhe trouxessem já aos ouvidos o tilintar do attrahente
metal souante .
708

Mas o tempo resolvia, por fim , o problema do sertão.


Uma geração já nascida sob o influxo das auras meridionaes
brazileiras, surgia mestiçada entre europeus e americanos, e,
em breve, uma mocidade impulsivamente ousada e sedenta
de lucta -- pois que se formára no cadinho das mais agitadas
phantasias dos conquistadores, -- invadia resolutamente o
sertão , desassombrando - o até aos páramos mais occidentaes.
Emquanto isso se dava no interior do territorio , outros,
mais cautelosos, esmiuçavam a costa em seus recantos, e
nella iam arriscando a formação de novos nucleos de popu
lação, nas visinbanças, principalmente, de jazidas auriferas e
onde mais facil se lhes antolhava o captiveiro dos indios.
A descoberta e o povoamento de Paranagoá, tiveram
origem n'uma destas aventuras maritimas que vamos, por
primeiros, procurar assigualar á luz dos factos historicos.
A derrota infringida pelos indios á columna de 80 por
tuguezes, unica que se arriscára a descer a Serra do Mar, e
que foi trucidada nos campos de Curytiba, tanto impressio
nára os animos em S. Vicente e Santos, que em 1585 ainda
esses povos pediam vingança, embora nesse pretexto occul
tando o interesse que tinha na escravisação dos indigenas.
« De quarenta annos a esta parte » , diz um documento da
quella data, mais de 150 homens brancos, entre portaguezes
e hespanhoes, « foram mortos pelos naturaes do paiz, incluin
do-se nesse compucto de desastres, a carnificina dos 80 .
Habituados a se fazerem servir por indigenas que escra
visavam , os povos de S. Vicente allegavam ainda, nesse
documento , que as suas fazendas pereciam a mingoa de
serviçáes , pois que mais de 2.000 indios até então ali haviam
succumbido de epidemias. E, assim , pediam ao capitão Je
ronymo Leitão, preposto do donatario da Capitania, que
fizesse « guerra campal aos indios pomeados Carijós. >>

E como a guerra pelo sertão daria « grande oppressão »


áquelles povos ainda doidos das refrégas do Ygoassú e Ygoape,
requereram que ella se fizesse cautelosamente pelo mar, sem
tregoas ao gentio e não lhe acceitando accordos nem pazes,
sem a condicional, unica, do captiveiro e da submissão
absoluta . E assim termina a petição dos povos de S. Vi
cente e Santos, por intermedio dos officiaes das respectivas
Camaras : « é o que requeremos ao snr. capitão, e não o
querendo façer, promettemos de largar a terra e nos iremos
viver onde tenhamos remedio de vida, porquanto não nos
podemos sustentar sem escravaria. »
O capitão Jeronymo Leitão, accedendo ás exigencias dos
seus subditos, autorisou a guerra contra os Carijós .
A 1 de Setembro de 1585 a expedição tudo tinha apres
tado para a partida. Della fizeram parte, pois que assigna
ram o auto de compromisso, o proprio JERONYMO LEITÃO,
DIOGO DE UNHATTE , escrivão da Cainara de S. Paulo, DIOGO
TEIXEIRA DE CARVALHO, AFFONSO SARDINHA, ANTONIO DE
PROENÇA, SEBASTIÃO LEME, MANOEL RIBEIRO, PAULO RODRI
709

GUES, MANOEL FERNANDES, DOMINGOS DIAS, PADRE SEBASTIÃO


DÉ Paiva , vigario de S. Vicente, SALVADOR Pires e AFFON
so Dias, com suas pessoas e armas e mantimentos e escra
VOS » .
Archivo Municipal de S. Paulo . Livro do Tombo.
Foi esta expedição daval que descobriu Paranagoa. ( * )
Um outro documento, que em tempos demos á estampa ,
depõe a favor da nossa affirmativa. E ' a petição de Diogo
DE UNHAITE, O escrivão da Camara de S. Paulo que em
1585 Javrára o auto de compromisso da expedição de JDRO
NYMO LEITÃO, e que em 1614, 29 annos depois, requeria uma
data de terras de sesmaria, « na parte que se chama Para
nagoa, allegando » OS encontros e batalhas « que com os
indios tivera muitas vezes, - ali seguramente. Livio de Re
gistros de Sesmarias. Cartorio da Delegacia do Thesouro
em S. Paulo .
Diogo UNHATTE, após o descobrimento de Paranagoá,
esteve na descoberta e fundação de S. Sebastião, com JOÃO
DE ABREU, e em 1609 ali obtinha uma sesmaria como re
compensa .
Já se vê, pois, que o descobrimento de Paranagoá não
se deve ao excesso da população de S. Vicente que para ali
transbordasse ( como nós mesmos suppunhamos ) was, como
testemunham os documentos que vimos citando, ás guerras
para a escravisação dos indios Carijós, ali habitadores em
1585 .
Assim se explicam tambem os retrocedimentos da floti
lha expedicionaria, do continente para a ILHA DA CUTINGA ,
cujo popto estrategico só depois de decisivas victorias contra
as tribus, se afoitaram os portuguezes a substituir pela ex
ploração de terra firme. »

( " ) A Bahia de Paranaguá já éra conhecida dos portuguezes e caste


Ihanos muito antes da chegada de Martim Affonso de Souza , 131-1532,
Desde 1549 a 1556 os Missionarios Jesuitas já haviam percorrido o
sertão de Iguape, Cananéa e Paranaguá , até os planaltos da Serra do Mar, 0
Martyrio e morte do jesuita Pedro Corrêa e de seu companheiro de missão,
deu- se em 1556, nas fraldas da mesma Serra do Mar, quando elles voltavam do .
sertão dos Carijós
( Nota de B. Calixto )
O povoamento
« Um vez descobertos aquelles remansosos e magnificos
sitios, e afastados os receios dos conquistadores, com o atro
pellamento dos indios, os expedicionarios naturalmente in
vestigaram algo do continente paranágoense, em busca de
jazidas auriferas.
Cunta Pizarro ( que afasta para 1578 a mineração de
Paranagoá ) e confirma- o Sant'Hilaire, que aquella região
precedeu a qualquer outra da colonia no fornecimento de
ouro aos primeiros pesquizadores, sendo d'ali as amostras
levadas a El - Rei D. Henrique.
Este e o facto referido de em 1614 já haver moradores
na costa paranágoense, deixam crêr que bem logo depois do
seu descobrimento e exploração pelos expedicioparios da fróta
do Capitão JERONYMO LEITÃO, ( 1585 ) começou o povoamento
de Paranagoa .
O ouro foi, seguramente, o melhor factor do povoamento,
aliás bem rapido, da nossa costa maritima.
Em 15 de Agosto de 1603 o governo portuguez rega
lamentava o serviço da extracção do ouro das mioas do
Brazil, regulamento primeiramente posto em execução em
Paranagoa e depois em E pirito Santo.
Esse trabalho das iipas durou ali muito mais de um
seculo, sempre remunerativo, e animando, pela fama de que
gosava, outros esperançados investigadores da terra brazileira.
Em 1668 era Provedor das minas de ouro de Parauagoa,
Thomaz Fernandes de Oliveira .
Em 1681 o Capitão Diogo de Paula Cária , genro do
fallecido Provedor Gaspar Teixeira de Azevedo, enviava de
Parapagoá á fazenda real 6.038 oitavas de ouro, do rendi
inento dos quintos, e em 1690, o rendimento desses quintos
se elerou, em uma só remessa conhecida e englobadamente
com o de Cananéa, a 1.279 oitavas. -- llistoria da Capitaniu
de São Vicente, de Pedro Tiques Pues Leme.
Isto o que se sabe dos trabalhos auriferos, em Para
nagoa, no seculo XVII ; no seguinte não foi menos remu
nerador esse serviço.
De 1711 a 1720 escasseiam os dados sobre o rendi
mento dos quintos, por ausencia dos livros de registros, mas
se conhece a remessa de 221 oitavas.
E mais :
-- Importancia do quinto de ouro da
Casa de Fundição de Paranagoa --
13 de Abril de 1735. 2.926 oitavas
711

-- Ouro remettido em 1740 ao Rio de


Janeiro, proveniente da captação das
minas de Paranagoá . 2 478
-- Lista do ouro guiado na intendencia
de Parapagoá, de Janeiro de 1778
a Dezembro do mesmo ando. 2.211
Idem desde 7 de Janeiro até 6 de Julho
de 1789 . 4.320
Idem de 8 de julho até 29 de Dezembro
de 1789 . 1.663
Idem de 1 de Janeiro até 31 de Julho
de 1790. 1.978

Ao todo 15.727 oitavas de ouro, do pagamento dos


quintos, devidos á fazenda real . O ouro em São Paulo, de
F. de Paula Oliveira ,
I to é o que se tem podido apurar do registro dos quintos,
que é uma fonte bem falha de informações, mas que ainda
assim demov stra , no pouco que se apura, uma farta mésse
de proventos retirados das entranhas da terra paranáense, por
portuguezes e mamelucos.
Além disso ha a referir que em 1697 se estabelecia em
Paranagoa a R - al Casa de Fundição dos Quintos de Ouro,
fechada ein 1730, e que foi a terceira fundada no Brazil .
E mais, notewos o testemunho de Pedro Taques, no dizer
que em 1772 a mineração de ouro se fazia em Paranagoá
« com utilidade do real erario » .
Um tal trabalho tão compensador, attrahira sem duvida
para Para va goà e suas cercanias, uma verdadeira corrente
immigrantista : e a continuação, por mais de um seculo, da
mineração em alta escala ali , foi motivo da fixação desses
colonos, origem da primitiva população regular.
Assim se povôou toda a costa , cabendo á Paranagoa,
pela sua posição geographica e pelo redacto forte que a
constituia o posto avançado dos interesses portuguezes no
sul da colonia, o alto destino historico de fazer avançar a
coaquista luzitaua ao sul e ao oeste, cops guin lo o recúo
das linhas fiouteiriças da America hespanhola, em proveito
da rossa actual grandeza territorial .
Paravagoa era, então, toda a região ao sul de Cananéa,
até a fóc do rio da Prata. ( * )
A mineração do ouro em Para!iagoa e a destruição ds
republicas theocraticas do Goayra, constituem os dois factos
historicos determinantes da actual configuração geographica
politica do sul do Brazil .

( * ) Cumpre notar que esse « avanço da conquista luzitana ao sul e ao oeste


conseguindo o recúo das linhas fronteiriças da America hexpanhola em proveito
da nossa actual grandeza territorial - foi levado a effeito com o auxilio dos go-
vernadores de Itanhaen . ( Nota de B. Calixto ) .
712

Interposta entre o governo geral da colonia Portugueza


e os seus grandas interesses no extremo sul do continente,
Paranagoa assumiu bem cedo a investidura, que tão distin
etamante honrou, de assegurar naquella região a defesa das.
conquistas luzitanas na America » .
A villa

« Os trabalhos da mineração do ouro , como vimos, bem


depressa conduziram a Parapagoá uma população ambulante
de aventureiros e de pessôas da governança da Capitania,
interessadas no recebimento dos quintos reaes.
Essa população de portuguezes e hespanloes, com o cor
rer dos tempos se foi a fazendo ás delicias da terra, e ali de
finitivamente se fixando.
Ao tempo de Eleodoro (1 ) e Lara, que foi precisamente em
meiado do seculo XVII, figuravam já na população parana
goaense como principaes, os Escobar, Nobrega, Velloso, Ro
drigues e Rodrigues da Cunha, Duarte, Gonçalves, Coelho,
Penedo, Sanches, Pinto, Lemos, Maciel, Cortes, Miranda, Ri-
beiro, Lopes, Morales, Moreira, Brito, Uzeda , Fontes, etc,
individuos que viéram a occupar, todos elles, is cargos da
representação municipal da villa .
A par dos trabalhos de mineração iam progredindo a
agricultura e as pequenas industrias que lhe são correlatas,
especialmente a fabricação de farinhas, de cujo producto ali
se suppriam as praças da Colonia ( Uruguay ), de Santos, do
Rio de Janeiro e até da Bahia.
Um nucleo de população agsin composta de tão solidos
elementos de prosperidade e já tão avantajado em numero,
havia completado a sua phase preparatoria e chegado aquelle
periodo em que as massas anonymas se constituem por força
da evolução natural , em corpo social e politico.
Em 1640 o governador, Duarte Corrêa Vasqueanes, or
depava do Rio de Janeiro à erecção do pelourinho em Pa
ranagoá, o que foi feito a 6 de Janeiro, assim reconhecendo
a necessidade da organização da Justiça e da administração
publica no arraial , até então sob a chefia descripcionaria
dos prepostos raes junto ao serviço das minas auriferas :
EBANO PEREIRA E GABRIEL DE LARA .
Oito annos se passaram , entretanto, antes que o governo
da metropole auctorizasse a elevação do arraial á villa, e,
consequentemente, a sua organização administrativa .
Em Dezembro de 1618, emfim , o dr. Manoel Pereira
Franco, que viera ao Brazil em syndicancia do governo da
metropole portugueza, trouxe além da sua missão, a im

( 1 ) O primeiro Heleodoro foi predecessor de Lara : o segundo sim, foi com


temporaneo e succedeu ao pae no posto de Capitão de canoas dos mares do sul
e administrador das minas descobertas por seu pae . Vide « Um Ponto de His
toria . ( Nota de E. de Leão )
- 711 -

cumbencia de promover as eleições e crear a villa de Pa


ranagoa .
Essas eleições, de officiaes da Camara e de Juizes Or
diparios se fizeram no dia 26 de Dezembro de 1648, sendo
a villa installada no anno seguinte, como refere o ouvidor
RAPHAEL Pires PARDINHO em seus Provimentos. Arc. Mun .
de Paranagoá. -- Livro de Provisões.
Segue- se d'ahi, e dos proprios termos da Carta Régia,
que a data hoje commemorada em seu anniversario, não é a
da installação da autonomia inunicipal de Paranagoa, mas a
autorizeção legal para que ella se effectivasse.
Nesse sentido procederam -se as eleições de 25 de De
zembro de 1648, dos mandatarios do povo que haviam de
serrir no anno de 1649.
Conclue -se, d'ahi , que o goveruo da nova villa começou
a se exercitar em Janeiro de 1649 , e no dia 9, data do ju
ramento dos officiaes da Camara .
Os documentos que comprovam o nosso asserto, embora
desapparecidos nos originaes, se encontram transcriptos por
Antonio VIEIRA Dos Santos, na sua magistral obra sobre a
historia de Paranagoá » .

NOTA . - Escrevemos PARANAGOÁ ( com o e não com r como se grapha vul


garmente ) porque assim nos singimos á sua etymologia.
Si é verdade que a vogal o deixou-se substituir pelo u quando intercalada
nos vocabulos uaranys, não devemos, comtudo, esquecer que as fontes etymo
logicas a restabelecem .
Goá, redondo, corrompeu -se em GOAN , GUÁ e até em Puan e Poá, Itapuan ,
Cama poá ( afil do rio Paraguay ) . Outros exemplos : Y -GOA-ASso, de cujos vo
cabulos se compõe a palavra composta YGOÁSSÚ, que significa - Rio grande e
largo : GOA-NA-BARA, levemente transformado, em GOANÁBÁRA que quer dizer
Rio que se alarga em bahin .
Isto apenas para justificar a nossa graphia , sem a preteação de modificar o
que o uso já estabeleceu . ( Nota do autor )
Os Carijós
DOCUMENTOS

1585

Petição , QUÈ FAZEM OS OFFICIAES DA CAMARA DESTA CA


PITANIA ' DE S. VICENTE, AO CAPITÃO JERONYMO LEITÃO,
SOBRE A NECESSIDADE DE SE FAZER A GUERRA AO GEN
tio Carijó. EM PARANAGOÁ.
Requerimento e prestação que os cfficiaes das Camaras
das villas desta capita nia de S. Vicente fazem ao snr. capi
tão JeronyMO LEITÃO, como a pe :sôa que está em logar do
governador Pero Lopes de Sousa, governador desta capita
nia de São Vicente, por sua magestade, ao qual requerem
os procuradores das Camaras das villas desta capitavia , isto
é, ANTONIO Afrosso, procurador desta villa de S. Vicente,
em nome do povo desta, e outrosim Alonso PELA ES procu
rador do povo da villa de Santo:; primeiramente requere
mos ao sr. capitão JERONYMO LEITÃO que, por elle ser ca
beça desta dita eapitania e nån termos neste caso a quem
nos soccorrer sinão a sua mercê, por a elle lhe pertencer
acudir a isto, como a capitão que é, lhe requeremos da par
te de Deus e de sua magestale que, ouvida a granae neces
cidade em que esta terra está , a qual é que esta terra pa
rece e está em muito risco de se despovoar mais do que
nunca esteve e se despovôa cada dia por causa dos morado
res e povoadores desta não terem escravaria do gentio desta
terra , como tiveram , e longe sempre se serviram , e isto por
razão de muitas doenças e enfermidades, que na terra havia,
como é de cámaras de sangue e outras doenças , de que são
mortos nesta capitania , de seis anuos a esta parte, mais de
duas mil peças de escravos , cm as quaes esta terra era en
nobrecida , e os moradores se sustentavam e faziam suas fa
zendas, de que pagavam dizimas a Deus e a sua majestade ,
e se sustentavam honradameute, e se fazia muito, o que
agora não ha morador que tão somente possa fazer roças
para se sustentar, quanto mais fazer cannaviaes , os quaes
deixam todos perder á mingua da escravaria , e a terra vae
em tanta diminuição que já se não acha mantimento a com
prar, o que nunca houve até agora , e isto tudo por causa de
os moradores não terem escravaria com que plantar e be
neficiar suas fazendas, como soiam fazer, pela qual razão re
queremos ao sr. capitão da parte de Deus e de sua mages
- 716

tade, que sua mercê, com a gente desta dita capitania , faça
guerra campal aos indios nomeados Carijós os quaes a tem
ha muitos annos merecido por terem mortos, de quarenta an
nos a esta parte, mais de 150 homens brancos, assim por
tuguezes como hespanhóes, até mataram padres da Compa
nhia de Jesus, que foram os doutrinar e ensinar a nossa
santa fé catholica, pela qual matança, que assim fizeram , e
fazem cada dia, está mandado, ha muito tempo pelo Sr.
Martim Affonso de Sousa, que haja em gloria , que lhe fi
zessem guerra , quando se desta terra foi, por lhe matarem
80 homens juntos, que mandou pela terra á dentro, a des
cobrir, e para dita guerra deixou por capitães a Ruy Pinto
e que a Pero de Góes, homens fidalgos, e si se então não se fez
foi por a gente desta capitania ir á guerra aos de Iguape ,
e por lá matarem muita gente e desfez a dita guerra e até
agora não houve opportunidade para se poder fazer, como
agora , porque depois que mataram os 80 homens primeiros,
mataram depois disso, por vezes outros tantos, e matarão ca
da dia por serem mui atraiçoados e inimigos de homens
brancos e são inimigos desses indios tupininquins, nossos
amigos, aos quaes cada dia dão guerra, e elles nos pedem os
soccorramos contra elles, das quaes matanças que tem feitas
a christãos, sem lho merecerem , somente tudo para os rou
bar e comer carne humana, têm dado a morte a tantos ho
mens, do qual tudo está tirado um instrumento de testemu
nhas, por onde se prova largamente serem feitas todas as
coisas declarada e por elle prova estar a dita guerra man
dada fazer pelo sephor da terra, em nome del rei , como ca
pitão -mór, que aquelle era, pelo qual e pelas razões já no
meadas tornamos a requerer ao sr. Capitão Jeronymo Leitão
faça a dita guerra ao dito gentio, com a mais brevidade que
se puder, com a gente desta capitania, porquanto todos es
tamos prestes para seguir a sua merce, a qual guerra lhe
requeremos que a faça por mar, por assim perceberem a to
do o povo, porque pelo sertão e dar grande oppressão a to
dos por se não poder levar o necessario para ella por terra,
e a faça com tomar o parecer das Camaras e para nellas se
declarar as condições com que se hade fazer a dita guerra ,
e disso se fazer um assento nos livros das ditas Camaras, e
si caso fôr que o dito gentio se queira dar de pazes, lhe re
queremos a sua mercê que lha não dê sirão com condições
que sejam resgatadas pelos moradores desta capitania e não
em aldeias, sobre si, porque, estando o dito gentio sobre si,
nenhum proveito alcançam os moradores desta terra, porque
para irem aventurar suas vidas e fazendas e pol-os em sua
liberdade será melhor não il-a , e trazendo-os e repartindo-os
pelos moradores como dito é, será muito serviço de Deus e
da sua majestade e bem desta terra, porquanto o dito gen
tio vive em sua gentilidade, em suas terras, comendo carne
humana, e estando cá se farão christãos e viverão em ser
viço de Deus. E outrosim requeremos ao sr. capitão que
- 717

não consinta que os do Rio de Janeiro nos entrem no nosso


sertão desta capitania a levarem o gentio delle para o dito
Rio , como agora levaram ha pouco tempo, e nós, que sus
teutamos a terra com nossas pessôas e fazendas, a santos e
christãos, não gozamos de outro tanto ; e lhe requeremos
que sua mercê nos guarde o foral e foraes del rei , nosso
senhor, a do senhor da terra, e isto é o que requeremos ao
sr. capitão, e não o querendo facer, protestamos de largar
a terra e nos iremos viver onde tenhamos remediu de vida ,
porquanto, nós não podemos sustentar sem escravaria, e elle ,
sr. capitão, dar disso conta a quem o caso com direito per
tencer, e de tirarmos de sua mercê um instrumento , ou OS

que necessarios forem ; e de como assim lho requeremos,


com sua resposta, ou sem ella, si a dar não quizer, para o
senhor da terra, ou perante quem o caso pertencer. Hoje,
10 de Abril de 1585. O qual aqui assignamos os officiaes
das Camaras desta capitania e se fará, com a resposta do
sr. capitão, assento e declaração e irá aqui acostado o in
strumento de que fazemos menção, para por elle o sr. capi
tão vêr a razão, que por nós temos. Pero Leme, Pero
Collaço, Paulo de Veres, Pero da Luz, Simão Machado, Di
ogo Rodrigues, Alonso Pelaes, Jaão Francisco.

DESPACHO

Resposta que dou a este requerimento, que me ora fazem


os srs. officiaes das Camaras destas villas, digo que é neces
sario que suas mercês se ajuntem em um dos logares aonde
é costume, para se praticar e tratarmos sobre as cousas desta
guerra, que elles requerem , e por que parte será melhor ir
e haver mais apparelho e o necessario para isso, de que se
bão de fazer autos por todos assignados, conforme ao regi
mento del rei, nosso senhor, que delle têm traslado em suas
camaras, no capitulo que diz da maneira que os capitães hảo
de ordenar as guerras, e eu , conforme a elle, estou prestes
para tudo o que se assentar e virmos que é mais serviço de
nosso senhor e bem da terra , e em se assentando me avise
e seja com a brevidade possivel, porque o tempo é pouco .
Hoje, quinta - feira, 25 de Abril de 1585 annos. -- Jero
nymo Leitão.
AUTO

LAVRADO PELOS OFFICIAES DAS CAMARAS DE S. VICENTE


E Santos, SOBRE O MESMO FIM , NA « ERMIDA DO
ENGENHO DE S. JORGE » , EM S. VICENTE.
Anno do nascimento de Nosso Senhor Jesus Christo de
1585 annos, aos dez dias do mez de Junho do dito anno,
na egreja e ermida do bemaventurado São Jorge, da fazenda
engenho dos Esquetes, termo da villa de São Vicente, costa
do brazil, de que é capitão e governador, por sua majestade,
Pero Lopes de Souza, nesta dita ermida de São Jorge, ondə
foram juntos o sr. capitão Jerovymo Leitão e o revm . padre
vigario da villa de S. Vicente, Sebastião de Paiva , sendo
ahi presentes ( s srs. officiaes da Camara das villas de Santos
e da villa de São Vicente, convem a saber : Pero Colaço e
Paulo de Veres, vereadores e Pero Lemes e Pero da Luz,
juizes ordinarios, e Antonio Affonso, procurador do conselho
da villa de São Vicente, e bem assim Diogo Rodrigues e
Simão Machado, vereadores, Jião Francisco, Juiz ordinario,
e Allonso Pelaes, procurador do conselho da villa do porto
de Santos, e bem assim alguns srs . da governança de cada
uma das ditas villas, ao diante assignados, e sendo ahi jun
tos o dito capitão, perante elles li um instrumento que os
oitos officiaes das ditas villes The tinham feito sobre a guerra
do gentio Carijó e do outro gentio tupiãn, e depois de lido
e praticado sobre o que dito é, se resolveram e conformaram
es ditos officiaes e pessoas da governança das ditas villas,
que tudo aquillo que no dito requerimen !o lhe tinham apop
tado e requerido tirado dar - lhe guerra, não havende, nem
fazendo cousa para isso, da parte do dito gentio, que no
mais ao dito requerimento se reportavam com declaração,
que elles ditos moradores são contentes e estão prestes e
apparelbados, aquelles que firem necessitados, com suas pes
soas e armas e mantimentos e escravos , que levasse para
seus serviços , de seguirem e a acompanharem a elle dito
sr. capitão, nesta entrada , que ora quer fazer, com tal con
dição que todo o gentio que de lá adquirir , por qualquer via
licita que seja , pera se trazer pera esta capitania, quelle
dito sr. capitão repartirá o dito gentio pelas villas da dita
capitania, conforme a cada uma dellas, a quantiừade de que
couber a cada uma das ditas villas , os vereadores e officiaes
das ditas camaras e eleitos os porão com os moradores pera
elles os doutrinarem e lhes darem bom tratamento , como o
gentio forro, e se ajudarem delles em seu serviço no que
719

fôr licito, e esta declaração mandará elle dito sr. capitão


fazer ao dito gentio pelos iinguas que comsigo levar, ao
tempo que com elles tratar e tiver commercio de pazes, e
não querendo vir o dito gentio com estas condições, em tal
caso o dito capitão, com os que em sua companhia forem ,
tomará determinação de como se ha de haver com o gentio
que não quizer vir de paz e no que lá se assentar se fará
auto assignado por todos, e isso se determinará e fará com
o dito gentio , guardando sempre o serviço de nosso se
nhor e o bem e prol da terra, porque com esta declaração
foram todos de parecer e accórdo , e mandaram fazer este
auto em que todos assiguaram, para ser acostado ao dito re
querimento, a que se reportain , no qual assignaram os pro
curadores das ditas villas e assim o dito vigario. Eu, Fran
cisco Nunes Cubas, escrivão da villa do Porto de Santos,
que este escrivi , por mandado dos ditos officiaes. Jeronymo
Leitão Pero Collaço Paulo de Veres - - Pero Leme - Se
bastião de Paiva Pero da Luz - João Francisco Simão
Machado Diogo Rodrigues Tristão de Oliveira - Franz
cisco Casado Paris -- João Barriga Vasco Pires da Motta
Jorge Ferreira -- Paschoal Leite - Diogo Dias -- Manuei
Luiz -- Manuel de Siqueira -- Domingos Affonso -- João Ba
ptista Malio Antonio de Proença Antonio de Oliveira --
João de Abreu Francisco Martins João de Paliz -- An
tonio Affonso -- Alonso Pelaes .

$
AUTO

LAVRADO NA VILLA DE S. Paulo, PELOS OFFICIAES DA


CAMARA, SOBRE O MESMO FIM, DE SE FAZER A
GUERRA AO GENTIO CARIJó . 1585.

Anno do nascimento de Nosso Senhor Jesus Christo de


1585 annos, ao primeiro dia do mez de Setembro do dito
anno, nesta villa de São Paulo, da capitania de São Vicente
do Brazil, de que é capitão e governador, por sua majestade,
Pero Lopes de Souza, nesta dita villa, em as pousadas de
Sebastião Leme, se apresentaram em camara as pessoas se
guintes, isto é : Sebastião Leme, vereador deste preseate
anno, e Antonio de Proença, vereador do anno passado, e
Diogo Teixeira, juiz ordinario em dita villa, e assiin Affonso
Dias, procurador do conselho desta, e outrosim se ajuntaram
na dita camara outras pessoas, homens bons da camara a do
governo da terra, è sendo todos juntos foram lidos e vistos
o assento e capitulos feitos pelas villas de Santos e São Vi
cente com o sr. Jeronymo Leitão, capitão da dita capitania ,
sobre a entrada que cra quer fazer ao gentio do sertão da
dita capitania, carijós e tupiães e outro qualquer que licita
mente se puder trazer, conforme ao dito assento, e ouvido e
comprehendido tudo pelos ditos officiaes e pessoal , disseram
que approvam e haviam por bons os ditos assentos e capi
tulos e is ratificavam e eram contentes que houvessem effeito
inteira e compridamente ; e sendo presente na dita camara
o dito sr. capitão, que ahi foi chamado, com elle ficou tudo
concluido e assentado tudo da maneira que dito é, e todos
assignaram aqui. Eu, Diogo de Onhatte , escrivão da camara
da villa, que o escrevi. -- Jeronymo Leitão, Diogo Teixeira
de Carvalho, Aftens ) Sardinha, Antonio de Proença, Sebas
tià) Leme, Manuel Ribeiro, Paulo Rodrigues, Manuel Fer
nandes, Domingos Dias, Sebastião de Paiva, Salvador Pires,
Affonso Dias.
DOCUMENTO ANTIGO DA CAMARA DE PARANAGOÁ

1648. Descobri nos archivos da Camara em bum fra


gmento de hum livro carunchoso e carcomido o mais pre
cioso documento de Paranagoá que hé o seguinte : Re
gisto da primeira Eleição que se fez n'esta Villa no anno
de 1648, para os officiaes que hão de servir no anno de
1649 e mandado que se fez.
« Dom Juão por Graça de Deos Rei de Portugal e Al
garves, d'aquem e d'além Mar em Africa, Seohor de Guiné,
da Conquista, Navegação, Commercio da Ethiopia, Arabia,
Persia e da lndia ctc. etc .. A todos os Corregedores, Ouvi
dores, Provedores, Juizes e mais Justiças, a quem esta mi
nha Carta fôr appresentada ; e o conhecimento della com
direito deva e baja de pertencer, e seu cumprimento se pe
dir e requerer. Saude. -- Faço saber que, a mim 9 ao meu
Ouvidor geral com alçada do Estado do Brazil vinha a dizer
por sua petição Gabriel de Lara Capitão • Povoador da
Villa de Paranagoa, que nella havendo... os moradores...
com suas casas e familias e nella não havia Justiças, e nem
officiaes da Camara que a governassem e por assim ... bar
bara e confusamente, sem tenção a quem recorrer, e era que
The fizesse Justiça , na Camara que os governasem , e a Villa
que mais perto ficava era a de Cananéa, que dista 14 le
gôas e era nessecario que lhe acudisem com o remedio com
petente, para que se fasa na dita Villa a Eleição de Juizes,
Vereadores, Procurador, e Almotaçéis para que governasem
a terra, administrasem a Justiça, me pedia em seu nome,
dos mais moradores, lhe mandase pasar Carta para que na
dita Villa, os moradores d'ella fizesem Eleição dos offiçiaes
da Camara e Justiça que nella havião de servir, como se
fazia nas mais Villas, o que visto por mim com o dito meu
Ouvidor geral do Estado mandei que se passase Carta como
pedia, para se fazer esta Eleição, e as mais que pelo tempo
emdiante por bem do que, se pasou a presente, indo pri
meiro asignada e passada pela minha Chancelaria. Vos mando
que visto as couzas alegadas pelo dito Capitão Gabriei de
Lara ; e a distancia e o logar a senão saber com certeza os
lemites delle e destricto em que ficavão deixeis ( dito Ca
pitão e moradores da dita Villa fazer eleição em Camara ;
e os Juizes, Vereadores, e Procurador do Conselho e Almo
taceis que naquella Republica fôr nesseçario para admenis
trarem Justiça e para bom governo d'ella ; o qual assim
feito na forma de minbas Leis e os offeçiaes que forem
Eleitos, se obedeção a estes taes não emcontrareis sua Ju
4
- 722

risdicção. nem ves entromentareis nellas ; mas lhe deixareis


exercitar seus cargos quanto as dita Villa e seu destricto,
sob pena de vos mandar proceder contra vor . El- Rei Nosso
Senhor o mandou pelo Doutor Manoel Pereira Franco de seu
desembargo , e Dezembargador da Caza do Porto , Ouvidor Geral
com Alçada do Estado do Brazil , Auditor dos exercitos delle, e
Syndicante dos Capitanias do Sul, com Ordens Geraes , e es
peciaes para o Real serviço . Dada nesta Villa de S.m Paulo
aos 29 do mez de Julho . Manoel Coelho da Gama a fez
por Antonio Rapozo_da Silveira, Escrivão da Correição e
Ouvidoria Geral do Estado , anno do Nascimento de Nosso
Senhor Jesus Christo de 1648 annos. Eu, Antonio Ra pozo
da Silveira , Escrivão da Ouvidoria Geral do Estado e Cor
reição nestas Capitanias do Sul a fez escrever e subscrevi .
MANOEL PEREIRA FRANC ), Sello 600 Reis. Sem sello ex
causa valerá.
« Termo de Ajuntamento que o Capitão Gabriel de Lara
fez e o mais povo. Aos 26 dias do mez de Dezembro na
era de 1648 mandou o Capitão Gabriel de Lara tocar caixa
na sua porta, aonde acudirão todos, e logo mandou buscar
hua Provisão do Sindicante em que manda se fasa justiça
vesta povoação onde mais largamente consta na copia que
nesta vae ao todo, e depois de lida perguntou geralmente a
todos, se tinhão alguns embargos que alegar sobre o pro
vimento, onde todos a bua vós diçerão que não ; mas antes
me requerião como Capitão deste povo fizese Eleição, por
quanto não podião estar sem Justiça ; e pereçião á falta
della ; e visto o requerimento do povo, ordenou logo como
ao diante se vê e mandou a mim Escrivão, fizese este termo
onde todos asignarão com este junto comigo Escrivão. Gli
briel de Lara. João Gonçalves Martins. João Gonçalves Pe
nedo. Estrvum di Fontes. Francisco de Uzeda. Francisco
Pires. João Gonçalves Silveira . Antouio de Lara. Manoel
Coelho . Pedro da Silva Dias. Gabriel de Goes. Antonio
Leam . Domingos Fernandes Pinto. Domingos Fernandes, o
mosso .

PAUTA DA ELEIÇÃO. -- Termo de Eleição que o Capitão


Gabriel de Lara com o povo junto em 26 de Dezembro de
1648 annos por ser preçizo.
« Anno do Nascimento de Nosso Senber Jesus Christo
o qual fis eu Antonio Vianna Escrivão do Publico para
onde fui mandado, e logo o dito Capitão as notar por haver
Eleitos como abaixo se vê aonde se asignou , comigo Es
crivão GABRIEL DE LARA. Domivgos Pinto deu boto para
Eleitor a quem o dito capitão deu o Juramento dos Santos
Evangelhos que bem e verdadeiramente desse bôto, em seis
homens que lhe parecese de sua conciencia para Eleitor,
nomeou por seu Juramento .
< Capitão João Gonçalves Peneda, -- 16 bôtos.
« O Capitão João Maciel Bazam , com 17 bôtos.
723

« Estevam di Fontes, com 15 bôtos.


« 0 Capitão João Grysostomo Alves, com 14 bôtcs.
« João Gonçalves Martins, com 5 bôtos.
« Domingos Pereira , com 15 bộtos.
« Pedro de Uzeda , com 15 bôtos.
« Pedro André, com 2 botos.
a Sahirão por Eleitor como parece o Capitão Grysos
tomo Alves -- Ö Capitão João Maciel Bazam Estevão di
Fontes -- Domiugos Pereira Pedro de Uzeda -- e o Ca
pitão João Gonçalves Peneda.
« Escriptos para Eleitores Estevam di Fontes Eleito
com Pedro de Uzeda sahimos aos 26 do mez de Dezembro
de 1648 ; pelos fins desta era fizemos rs offeçiaes aqui no
meados da forma costumada , e Leis de Sua Magestade pela
sã de nossas conciencias ; e pelos juramentos que recebemos
fizemos para Juizes a João Gonçalves Peneda e a Estevam
di Fontes - dei para o outro Juiz a Francisco Louzada e
para Vereadores demos em André Magalhaz, e para outro
em Domingos Pereira ; e para escrivão da Camara em An
tonio de Lara : e para asim ser feito nos asignamos aos 26
dias do mez de Dezembro do 1648. Pedro de Uzeda . Este
vam di Fontes.
« Outro escripto- João Gonçalves Peneda Eleito com
Chrysostomo Alves nos Eleitos damos nossos bôtos para os
offeçiaes deste anno de 1649 em João Gonçalves Peneda ,
dou meu bộto pera Juiz em Pedro de Uzeda, e João Gon
çalves Martins - Vereadores Manoel Coelho Domingos Pe
reira Andre Migalhaz -- Procurador Diogo de Braga e
Escrivão da Camara Antonio de Lara -- e Eu Crysostomo
Alves dou meu bộto pera Jaiz a Pedro de Uzeda -- e João
Gonçalves Peneda e Vereadores Domingos Pereira -- Manoel
Coelho -- André Migalbaz , Procurador Diogo de Braga
Escrivam Antonio de Lara, João Gonçalves Peneda, Chry
sostomo Alves, >>
Outro escripto- o Capitão João Maçiel Bazam com
--

Domingos Pereira nos Eleitos damos vossos bótos para Juiz


deste anro de 1649 -- Eu o Capitão João Maciel Bazão dou
para Juiz a João Gonçalves Peneda e Pedro de Uzeda -- e
para vereadores Domivgos Pereira , Manoel Coelho, e André
Migalhaz e para Procurador Diogo de Braga ; e Escrivão da
Camara Antonio de Lara -- E Eu Domingos Pereira dou
bôto, para Juiz em João Gonçalves Peneda ; e para o ou
tro dou bôto em Pedro de Uzeda ; e para Vereadores em
Manoel Coelho, e para outro em André Migalhaz, e para
outro em Francisco de Uzeda ; e para Procurador em Diogo
de Braga ; e ein Escrivão da Camara dou em Antonio de
Lara. João Maciel Bassão Doming's Pereira.
Termo de Juramento que o Capitão Gabriel de Lara
deu aos Eleitos para fazer os Offeçiaes que hão de servir
no anno de 1649. « Aos 26 dias do mez de Dezembro de
72+

1648 annos apurados os Eleitos na Eleição mandou o Capi


tam Gabriel de Lara chamar os Eleitos que sabiram por
bôtos ; e a todos elles lhes deu Juramento de cada um de
persi no livro dos Santos Evangelhos para que bem, e ver
dadeiramente, nom.easem 7 homens em sam conciencia ser
virem nos Cargos da Republica deste anuo de seiscentos e
quarenta e nove annos ; a saber dois juizes ; 3 Vereadores e
hum Procurador do Concelho, e Escrivào da Camara ; e to
dos asin o prometerão fazer ; aonde se asignarão com o dito
Capitam , e ccmigo Escrivão ; Antonio Vianna. Gobriel de
Lara --- Cryzostomo Alves João Maciel Basam Petro de
Uzeda, Estevão di Fontes, João Gonçalves Peneda.
« Termo. Aos 27 dias do mez de Dezembro de 1648
annos feita a Eleição dos Offeçiaes que hande servir este
anno de 1619 me veio as mãos esta pauta para alimpar e
apurar, e visto por mim , conformando - me com os escriptos
dos Eleitos apurei na verdade, sem affeicam algua e nella
achei sahir por Juiz a João Gonçalves Peneda com dois bo
tos . -- Para outro Juiz Pedro de Uzeda com dois bôtos -- e
Domingos Pereira para vereador com dois bôtos a Manoel
Coelho para outro Vereador com 13 bộtos ; c André Migalhar
para outro vereador com 13 bộtos ; e Diogo de Braga por Pro
curador do Concelho com 3 bộtos, e Antonio de Lara para es
crivão com 3 bộtos ; os quaes podem servir seus cargos dando
lhe primeiro o Juramento, como hé uzo e costume. Gabriel de
Lara Capitam desta Villa alimpou conformando - se com o pro
vimento do Ouvidor Geral o Syndicante destas capitanias aos
27 do mez de Dezembro da era acima declarado. Gabriel Lara .
« Termo de Juramento que se deu a João Gonçalves
Peneda. -- Ao primeiro dia do mez de Janeiro da era de
1649 annos, deu o Capitam Gabriel de Lara o Juramento
dos Santos Evangelhos, ao Juiz Joam Gonçalves Peneda
para bem, e verdadeiramente uzasse de seu cargo como Sua
Magestade lhe encomenda, e elle asim o prometen fazer,
aonde se asignou com o dito Capitam comigo Escris destil
Eleiçam Antonio Vianna. Gabriel de Lara . João Gonçalves
Penéda .
« Termo de Juramento . Aos nove dias do mez de Ja
neiro de 1649 annos, deu o Juiz mais velho Juramento dos
Sautos Evangelhos a todos os Offeçiaes por não estarem dia
de anno bom todos aqui , para que bem e verdadeiramente
servisem seus Cargos como lhes davào a entender, estes
asim o prometerão fazer, onde se asignarão com o dito Juiz
e Eu Antonio de Lara Escrivão que o Escrevi -- Jião Gon
çalves Penéda, Domingos Pereira, Pedro de Uzeda, Manoel
Coelho, Diogo de Braga ; < a qual Eleiçam em cumprimento
do despacho atraz a f. 9. V. do Dezembargador e Ouvidor
Geral o Dr. Rafael Pires Pardinho, registei neste livro de
Eleições bem e fielmente ao qual me reporto, fica no Ar
chivo do Concelho no masso das Leis e vae na verdade sem
couza que duvida fasa acs 29 dias do mez de Maio de 1721
725

annos e Eu Manoel Pereira de 0. Escrivão da Camara que


registei e asignei -- Manoel Pereira de ( . NB. Provimento
que poz o Dr. e Ouvidor Geral Rafael Pires Pardinho no
livro que devia servir para as Eleições de Juizes e Offeçiaes
da Camara , dos Capitães móres e Sargentos móres rubricado
pelo mesmo em 1720, do que hoje só restão fragmentos.
« O Escrivão da Camara traslade por registo neste li
vro de Eleições a primeira que se fez nesta Villa no anno
de 1648 , para os novos Juizes e Offeçiaes da Camara que
nella principiarão a haver e servir no anno de 1649, que
ainda se achou avulsa 30 Archivo do Concelho, de que se
conserve memoria daquelles homens bons que então solici
tarão haver Justiça nesta Villa e se ver tambem a ordem
porque se levantou em Villa que está junto a mesma Elei
ção - Pardinho » .

Extrahido das Memorias de VIEIRA Santos.

NOTA , - Nesta mesma época , isto é, de 1601 em deante , e mesmo antes


os missionarios IJesuitas estavam empenhados na catechese do gentio Carijó,
como se verá adeante , no fim deste Capitulo .
Ainda os Carijós
UM OUTRO DOCUMENTO DA CAMARA DE S. Paulo,
DE 1606 , SOBRE os CARIJÓS. AFFONSO SARDINHA
QUER FAZER NOVO RESGATE AOS SERTÕES DE PARA
NAGUÁ. O3 CARIJÓS VÊM PEDIR PAZES. -- OUTROS
DOCUMENTOS. - UMA CARTA AO DonataRIO.

Não sabemos que teria sido o resultado da guerra cantra


os Curijos, promovida em 1585, pelo povo da Capitania de
S. Vicente ; pois nem uma referencia se encontra uos anpaes
das respectivas Camaras, da época , quanto aos beneficios
que resultaram dessa « entrada » sertões de Paranaguá e Ca
nanéa .
Nas « Actas da Camara de S. Paulo » relativas ao appo
de 1606 ( * Pedro
Conselho
) encontramos « um protesto do Procurador do
Nogueira de Pazes, contra Affonso Sar
dinha, sobre re gate que este sertanista pretendia fazer nos
referidos Sertões de Paranaguá, junt mente com homens bran
COS e com
escraros seus ; e pirquanto o Capitão Jeronymo
Leitão, tinha ja mandado, annos passa-los, hum homem brane .,
Jiropôr - lhes as przes, e que esse homem não havia voltado » .
Por conseguinte : « elle pro'estava contra a entrada de Af
fonso Sardinha, sem a devida auctorisação do povo e de S.
Magestade, pois poderia succeder-lhe o mesmo que havit
acontecido ao outro homem mandado pelo Capitão Jeronymo
Leitão » .
Diz ainda o Procurador do Conselho , nesse protesto , que
o dito Affonso Sardiuha daria conta á Sua Magestade e ao
Sr. Governador Geral desse projecto, « por quanto herão
vindos certos principaes Carijós a esta villa a pedir pa
zes, dizendo querião ser vasalus do Sr. Lopes de Sousa , os
quaes indivs i té hoj: não aparecerã ' perante nós, nem ao Ca
pità' da terro, e o dito Affonso Sardinha os agasalhou , sem
disso dar conta a esta Camara, assim da sua vinda cu m ) os
querer tornar a mandar ; e portanto hé muito serviço de Deos
e de S. Magestade e bem commum desta terra assim do be
neficio das minas, como da pob ezı que a terra em sy tem ,
e como por não virem de paz, elle cs manda sem ordem , e
rece'erá a terra muita perda. Pelo que requeria , lhe tonias e
seu protesto e mandasse chamar os ditos indios , perante elles
officiaes, e que, disso se desse conta ao Capitão da terra ; o
que visto por elles officiaes mandarão a mim escrivão lhe to
masse o protesto neste livro por elles assignados, o que fiz
que hé o assima e atras. Eu Simão Borges, Escrivào das
execuções que sirro nas ausencias dos Tabeliães delles , que
727

o escrevi. Alvaro Néto Luiz Fernandes Domingos


Rodrigues -- Antonio Rodrigues -- Pedro Nogueira de Pazes o.
ACCORDÃO :
« Accordarão log os officiaes da Camara assima assigua
dos que se puzesse mandado para ser notificado Affonso Sar
dinha, com pena de seis mil réis, e que havião logo por con
demnado, que logo maudasse ou trouxesse, até amanhã, as
nove horas, que são 10 , deste mez de Setembro ( do 1606 ),
para fazer nos serias deligeucias, com elles, os primeiros Ca
rijos de Paranápanema, do Serviço de Sua Magestade. E o
assignarão eu Simão Borges, Escrivão que o escrevi. - Al --

varo Néto - Luiz Fernandes -- Domingos Rodrigues An


tonio Rodrigues -- Pedro Nogueira de Pazes » .
Em 6 de Julho de 1603 representava a Camara de S.
Paulo ao Governador Geral, expondo ainda o estado de po
breza em que se achavam as respectivas villas da Capitania,
quanto á escravaria e pedia licença para uma nova « entra
da > uo sertão .
Em uma vereação effectuada na mesma villa de S. Paulo,
em 1.º de Dezembro de 1607 , diziam os officiaes da Camara
« que lhes era vindo à sua noticia que, desta villa se queria
hir Belchior Rodrigues, de Birapoeira, com forja de ferreiro,
para Piassava das Conôas, a donde desembarcavam os Carijós,
que para esta villa vem de resgate, o que era em prejuizo
desta terra, porquanto, poderia levar ferro e fazer resgate etc » .
A 8 de Março de 1609, na mesmo villa de S. Paulo, o
Procurador do Couselho Antonio Camacho, dizia em uma
vereança ,, que « The constava a viuda do gentio Carijó para
esta villa, e que os niesmos vinhão maltratados e faltos de
mantimentus, de modo que parecia bem soccorrel-os, nas par
tes que inelhor parecer ; e maudarão os officiaes da Camara
saber an certo da vinda, e si se poria cobro a isso etc. » .
Em 3 de Abril d'esse mesino anno de 1609 effectuou -se
uma outra vereança na Camara de S. Paulo, a requerimento
do dito Procurador do Conselho, Avtonio Camacho, onde se
tratou, exclusivamente, da chegada, aquella villa , de um
indio Carijó, de nome André , da Aldeia do Forte ( ? ), ac m
panhado de mais dois parlamentares da mesma nação.
Vainos dar va integra esse document ' , por ser impor
tante e opportuno, neste capitulo da historia de Paranaguá
e dos habitantes desse sertão , na época da conquista pelos
bandeirantes .
Essa tribu, ou essa nação até então indomita dos Carijós,
« os pés largos » , como lhes appellidavam os bandeirantes
paulistas, era , por estes mesmos avaliada « em duzentos mil
homens de arco » , ( * ) e achava -se nesta época , 1609, ja bem
abatida e dispersa .

( * ) Vid , outro documento transcripto no fim deste Capitulo.


- 728

A guerra constante que lhes moveram os conquistadores


da primitiva Capitania de S. Vicente, nos sertões do Paraná,
« nessas entradas » , e as luctas não menos encariçadas que
tiveram de sustentar contra os hespanhóes do Rio da Prata,
seus antigos aliados contra os portuguezes, obrigava-os agora
a virem humildemente, acossados pela fome e pelas epide
demias, pedir « abrigo e paz ás auctoridades da villa de
S. Paulo !
São esses mesmos Carijós, que, cincoenta annos depois,
em 1660, já catechisados pelos jesuitas e bem adestrados nos
mavejos das armas pelo intrepido governador de Itanhaen, o
capitão Antonio Barbosa de Sotto -Maior, vão formar as
com paphias de guerra que, ao mando desse mesmo ca
pitão Sotto-Maior, hão-de conquistar -- com votaveis actos
do bravura -- toda a região que faz parte hoje do Esta
do do Rio Grande do Sul, conforme escreve Pedro Taques e
nos confirmam os historiadores de Paranaguá Vieira San
tos e Hermelino de Leão.
Eis o referido documento :
« Aos tres dias do mez de Abril de 1609 annos, nesta
villa de S. Paulo, se ajuntaram os officiaes da Camara na
na Casa do Conselho, a requerimento de Antonio Camacho,
procurador do Conselho, e sendo juntos os abaixos assigna
dos a saber : Balthazar de Godoy, vereador. e seu parceiro
Sebastião de Freitas e o juiz Antonio Camacho, logo por
elle foi dito e requerido aos ditos officiaes que, a esta villa
eram chegados certos indios Carijós ; e hum indio dos mes
mos, por nome André, da Aldeia do Forte ; dos quaes esta
vam presentes, dous Carijós e o dito indio ; e que requeria
que os ditos officiaes da Camara mandassem fazer perguntas
aos ditos indios que declarassem o que queriam e se haviam
mister de alguma cousa. E logo foi chamado Pedro Collaço,
aqui morador e lingua da terra, nesta Capitania . E pelos
ditos officiaes lhe foi dito que fizesse perguntas aos ditos in
dios, sobre o que queriam e que novas traziam dos seus.
E logo pelo dito lingua lhes foi feito perguntas e declara
rão : que o dito indio André, que presente estava, fora em
companhia de um indio principal Carijó, por nome Jagoa
rajúba, á sua terra, para vir em sua companhia elle e sua
gente para aqui, e que chegando lá, perto de sua aldea, lhe
viéra recado, ao dito principal , como os hespanhoes tinham
levado a maior parte de sua gente ; e, sabendo o dito prin
cipal a tal nova, lhe dissera ao dito indio André, que se tor
nasse, porque os hespanhoes lhe não fizessem algum mal e
agravo. E que elle trouxesse com sigo alguma pouca de
gente que escapara dos hespanhoes, o que elle fizera. E
que vindo se encontrou com muita gente que se vinha para
cá, por outro caminho, os quaes traziam muita fome e doen
ças ; e que os outros que no caminho achara, se vieram com
elles para esta villa , e vindo pelo rio acima, em hua para
gem chamada Atuahy, perto de Piassaba, e perto donde vivia
- 729

Baltezar Gonsalvez e outros moradores, que se lá estão, dos


quaes moradores sabiram duas canôas , nas quaes viram dois
brancos, a saber : hu filho de Baltezar Gonsalvez por nome
Baltezar e outro, filho de Domingos Rodrigues, por nome
Anrique da Costa , cs quaes chegando a elles disseram o que
vinham fazer, e que aqui não queriam o capitão nem nin
guem que de la viessem e que lhes largasse a gente que
traziam . E elles disseram que vinham morar entre os por
tuguezes ; e ouvindo isto lhe tomaram por força toda a gen
te que traziam , adonde entiava hua india casada , com seus
filhos, cujo marido estava presente e se queixava do agravo
que os portuguezes lhe tinham feito, em lhe tomarem sua
mulher e seus filhos . . . e assi mais disse o dito Carijó,
chamado Tapien que elle se vinha para esta terra adonde
estavam alguns parentes seus, situados em aldeas para ser
vir sua magestade, como os demais indios. . . que vinba jie-
dir remedio para lhe darem sua mulher e demais parentes
que lhe haviam tomado contra sua vontade. O que visto
por elles officiaes da Camara, assentaram que fosse notifica
do Baltezar Gonsalvez como Pai que é do dito moço, que :
com pena de quinhentos cruzados, aplicados para os fortes
da Bahia de S. Salvador, e cativos, e dois annos de degre
do para Maçangano , mandasse vir os ditos indios que seu
filho e vizinhos tinham tomado aos indios que presentes
estavam , etc. »
E outrosim , requereu mais, o dito procurador do Conselho
que por dito destes indios estava informado que dessiam
muitos Carijós para esta Capitania a servir a S. Magestade
e o sr. Lopo de Souza, e que vinham muito faltos de man
timentos e ferramentas, por cujo respeito morriam muitos a
mingoa , e havia muito tempo que haviam partido e não
chegavain por lhes faltar o que dito tem . Que lhes reque
ria a elles ditos officiaes puzessem cobro nisso, pois era tão
importante, o serviço de Deus, que mandassem lá, a seu ca
minho, com soccorro, alguns homens da terra suficientes para
isso, ou fossem elles em pessoa para que viessem :mais se
guros. E se accôrdaram que tratariam disso com o povo, e
o que accordassem se faria , para serviço de Deus e de sua
Magestade, e do sr. Lopo de Souza. »

Afim de se fazer um juizo bem claro do estado da ca


pitania de S. Vicente nesta época, antese depois do litigio
entre os donatarios, vamos transcrever, neste capitulo refe
rente aos Carijós, mais um importante documento da Cama
ra de S Paulo .
E' uma carta , dirijida ao donatario da Capitania, em
Portugal, no qual os paulistas dessa época, com o desemba
raço e a altivez que lhes era caracteristica, dão conta do
estado da terra e da maneira porque eram explorados pelos
governadores e mais auctoridades.
730

Quanto a guerra ao gentio, nessa época em que os pau


listas, apezar das probibições, já batiam e devastavam os
sertões em todos os sentidos, dizem os camaristas que :
ars primeiros indios christāvs vizinhos, são quasi todos aca
bados, mas no sertão ha infinidtda le delles e muitas nações
etc. >
Que se descermos ( esse gentio ) será causa de grande
proveito principalmente o gentio Carijó, que está a oitenta
legoas daqui, por mar e por terra, e se afirma que podem
ser duzentos mil homens de arco. » A carta , á qual nos re
ferimos, é a que se segue.
Carta ao donatario da Capitania
« Com o capitão João Pereira de Souza, que Deus levou ,
recebemos nesta camara uma carto de V. mercê o anno pas
sado, na qual nos mauda que lhe escrevamos miudamente
tudo o que parecer. Alguns treslados de cartas se acham
aqui das que escrevemos a Vme ; nos parece que não lhe
foram dadas.
O que de presente se poderá avisar, muito papel e tempo
seria necessario, porque são tão varias e de tanta altura as
cousas que diariainente succedem, que vão falta materia de
escrever e avisar e se poderá dizer de chorar. Só fazemos
lembrança a Vme. que se sua pessoa, ou cousa muito sua,
desta Capitania, nă , accudir com brevidades póde entender
que não terá cá nada, pois que estão as cousas desta terra
com a candeia na mão e cêdo se des povoará, p rque assim
os Capitães e Ouvidores que Vme. manda, como os que cada
quinze dias nos m -ttem os governadores geraes, em outra
cousa não entendem , nem estudão, sinão como nos lão de
esfolar, destruir e afrontar , e nisto gastão o seu tempo. Elles
não vêm nos governar e reger, nem augmentar a terra que
o sr. Martim Affonso de Souza gaphon , e S. Magestade deu
com tão avantajadas mercês e favores . Vai isto com tal
maneira e razão, que pelo ecclesiastico e pelo secular, não
ha outra cousa sinão pedir e apanhar ; e am que nós pede: n
e ouilo que nós tomào, tudo é seu e -- ainda® lhes ficamos
dereudr . E, se falamos, predem a excommungam -nos, e
fazem de nós o que querem , que como sômos pobres e temos
remedio tào longe, não ha outro recurso sinào baixar a cervir
e soffrer o mal que nos poem .
Assim , Senhor, accuda , veja, ordene e mande o que lhe
parecer, que muito tem a terra que dar : é graude, fertil de
mantimentos, muitas aguas e lenbos, grandes campos e pastos,
tem ouro , muito ferro e assacar e speramos que haja prata
pelos inuitos iudicios que há, mas faltam mineiros e fundi
dores destros . E o bom goveruo é o que nos falta , de pessôa
que teuba consciencia e temor de Dece, e valia ; que nos
mandem o que fôr justo e os favorecan to bem e cas
tiguem o mal quando o merecermos, que tudo é vecessario .
Dir go de Quadros é ainda pro edor das minas ; até agora
tem procedido bem : anda fazendo um engenho de ferro a
trez legcas d'aqui desta Villa , e como se perdeu no Cabo
Frio , tem pouca posse e vai de vagar, mas acab . lo, será de
muita grande importancia por estar perto d'aqui com tres
legoas, e haverá metal de ferro ; mas ha da serra de Byra
çoiaba 25 lego.s daqui para o sertão, em terra mais larga,
732

e abasta , e perto d'ali com trez legoas está a Cahatyba de


onde se tirou o primeiro ouro, e desde ali ao Norte havrá
60 legoas de cordilheira de terra alta, que toda leva ouro,
principalmente a serra de Jaraguá , de Nossa Senhora do
Monte Serrate, a de Voturuna, e outros. Póde Vmc. fazer
aqui um grande reino a S. M .; ha grande menero e trato
para Angola, Perú e outras partes, podem -se fazer muitos
navios que só o bem se pode trazer de lá, pois ha muito
algodão, muitas madeiras e outros achegos. Quanto a con
servação de gentio que não convem terinos a vexar-nos,
assim como nos fazem a pós o faremos a elles, e os christãos
vizinhos são quasi acabados, mas no sertão ha infinidade
delles e muitas nações, que vivem a lei de brutos animaes,
comendo- se uns aos outros, que si os decermos, com ordem
para serem christãos será cousa de grande proveito ; princi
palmente o gentio Carijó, que está a oitenta legoas d'aqui
por mar e por terra e se affirma que são 200.000 homens de
arco. Esta é uma grande empreza e Vmc. ou cousa muito
sua lhe está bem que S. M. The concedesse, e lhe impor
taria mais de 100.000 cruzados, afora os de seus vacallos , o
que pelo tempo adiante pode abundar nesta Capitauia, além
do particular do mesmo gentio viudo ao gremio da Santa
Madre Egreja.
Tornamos a lembrar, acuda Vmc. porque de Pernam
buco e da Bahia, por mar e por terra, lhe levam o gentio
do sertão e districto, e muito cedo ficará tudo ermo com as
arvores e as hervas do campo somente ; porque os portu
guezes, bem sabe Vmc. que são homens de pouco trabalho,
principalmente fóra do seu natural. Não tem Vmc. cá tão
pouca posse , que das cinco villas que cá tem , com a
Cananéa, póde pôr em campo para os Carijós mais de tre
zentos homens portuguezes, fóra os seus indios escravos, que
são mais de mil e quinhentos, gente usada ao trabalho do
sertão, que com bom caudilho passão ao Perú por terra, e
isto não é fabula . Já Vmc. será sabedor como Roque Bar
reto, sendo capitão, mandou ao sertão trezentos homens
brancos a descer gentio e gastou dois annos na viagem , com
muitos gastos e mortes, e por ser contra uma lei de El -Rey
que os padres da Companhia trouxerão, o governador Diogo
Botelho mandou provisão para tomarem o terço para elle, e
depois vein ordem para o quinto. Sobre isto houve aqui
muito trabalho e grandes devassas e ficaram muitos homens
encravados, que talvez ha nesta Villa hoje mais de 65 ho
misiados, não tendo ella mais de 190 moradores.
Si lá fôr alguma informação de que a gente desta terra
é indomita, creia Vmc. o que lhe parecer, com o resguardo
que deve aos seus, que ha quem soffra tantos desafôros.
Nosso Senhor guarde a pessôa de Vmc. -- São Paulo, 13
de Janeiro de 1606. -- Domingos Rodrigues, juiz. -- Manoel
Antonio Francisco de Siqueira , procurador do conselho. --
Luiz Fernandes, vereador. -- Pedro Muniz, vereador » ,
A CATHECHESE NOS SERTÕES HABITADOS PELOS CARIJÓS.
O PADRE FERNÃO CARDIM ENVIA NOVOS MIS

SIONARIOS EM 1605. – A EXPULSÃO TUMULTUOSA


DOS JESUITAS EM 1654 . A DECADENCIA DAS
MISSÕES NO LITORAL . - A FUNDAÇÃO DO Col
LEGIO E CASA DA MISSÃO EM PARANAGUÁ . - As
VILLAS DE ANTONINA E GUARATUBA NO FIM DO
SECULO 18 .

Em fins do seculo XVII e mesmo antes, durante a vida


e a permanencia, na Capitania de S. Vicente, do veneravel
José de Anchieta, os missionarios Jesuitas, no exercicio do
seu fecundo apostolado, já haviam penetrado, por mais de
uma vez, nesse sertão do Paraná, habitado pela nação dos
Carijós .
No documento copiado do « Cartorio da Fazenda da Villa
de S. Paulo » que tem a data de 31 de Outubro de 1601,
o qual já ficou transcripto na parte que se refere à « Villa
de Cananéa » , ( Capitulo antecedente ), vêm importantes re
ferencias do estabelecimento definitivo das « missões dos Je
suitas » nessa parte do littoral . Diz o referido documento
que nessa data, 31 de Outubro de 1606, estando presente em
Cananéa o Capitão Diogo Medina e o Rev. P. Agostinho de
Mattos, com um seu companheiro, se deu posse de umas ter
ras, para os Reverendos P. P. da Companhia fazerem suas
casas, quintaes e mosteiro ; a qual terra se chama Tapera
Tar... , começando das ..... até o penedo maior, etc. As
quaes terras os ditos officiaes, Capitão e mais povo houverão
por bem conceder, pelo muito respeito e pelos Padres fazerem
ELLES OS
muito serviço a Deus e a nossas almas, E SEREM
FUNDADORES DESTA POVOAÇÃO EM SEUS PRINCIPIOS, ETC. »
Pela leitura deste trecho se verifica que foram os be
nemeritos missionarios jesuitas que desbravaram todo esse
sertão de Cananéa e Paranaguá, antes de se fundarem re
gularmente essas povoações.
A acção da catechese feita pelos jesuitas no referido
sertão dos Carijós, teve inicio, como é aliás bem conhecido,
no anno de 1549 ou 1550, no tempo do Padre Leonardo
Nunes, Diogo Jacome e Pedro Corrêa. Estes dois ultimos
Irmãos foram massacrados pelos Carijós em 1556, nesse
mesino sertão de Paranaguá, como ja ficou descripto em ca
pitulos antecedentes.
Após a morte desses heroicos missionarios a « Missão
Evangelica do littoral » ficou paralisada por algum tempo,
e só foi reencetada depois que Anchieta e Nobrega estabe
734

leceram armisticio e paz com cs Tamoyos de Ubatuba, isto


é, de 1566 em diante, quando Anchieta, já ordenado · sacer
dote, emprehende. de novo, e com mais ardôr, a grande
missão do su apostolado na Capitania de S. Vicente, antes
da sua partida para as demais Capitavias do Norte.
Desde meados do seculo XVI,até o seculo XVII ( 1601 )
comu se verifica pelo documento que vimos de transcrever,
os missionarios Jesuitas já estavam estabelecidos em Cananéa,
onde tinham Casa e pretendiam fundar mosteiro.
Em 1605, quatro annos depois, o Padre saperior Fernão
Cardim , enviava uma nova missão aos sertões de Paranaguá,
da qual faziam parte os padres João Lobato e Jeronymo Ro
drigues. Esses sacerdotes « iam em substituição a outros
missiovarios, que alli baviam estado anteriormente no arduo
mister da catechese dos Carijós » . Dizem as « Memorias de
Paranaguá » que antes do Govervador Duarte Corrêa Vas
queaves ordenar a erecção do Pelourinho em Paranaguá, em
1640 já havia nesse logar o um arraial , até então soba
chefia discrecionaria dos prepostos reaes, jnnto as minas de
Ouro » . (*) Esses « prepostos » eram Eleodoro Ebano Pereira
e o Capitão fundador Gabriel de Lara .
As « Memorias de Paranaguá » pelo menos na parte
que conhecemos não nos dão noticia da data , ou época,
em que teve inicio esse arraial , que já se acbava tão povo -
ado em 1640 , quando se ergueu o dito Pelourinho (**).
Os missionarios Jesuitas que desde 1549, época de sua
chegada a S. Vicente , tanto esforço haviam empregado na
catechese do gentio Carijó, como é, aliás, bem conhecido,
não podiam deixar de dar preferencia a essa região sertaneja
de Paranaguá, escolhendo chi mesmo des embrcaduras da
Bahia um ponto, ou estação de parada, para as suas excur -
çõrs an vasto sertão habitado por essa tribu .
Esses dois missionarios mandados pelo padre Fervão
Cardim em 1606, com o fim de doutriparem os Carijós, nos
sertões de Paranaguá, conforme dizem as chronicas da Com
panhia, iam em substituição a outros padres que ali baviam
estado anteriorniente.
Esse esforço, erse ardor tão louvavel pelo catechese des
tes infelizes incoles do sertão do Paraná, foi aiuda susten
tado pelos missionarios Jesuitas até o anno de 1640.

(") No mappa topographico da Baria de Paranaguá, appenso a este Ca


pilulo, está discriminado o local em que se extrahio e o primeiro ouro no Brasil .
Esse local fica na Ponta de Itapemu, na parte meridional da serra do mesmo
nome , proximo á cidade de Antonina.
(**) Vid . no Cap antecedente Villa de Cananéa » , a parte que se re
fere á mesma Villa , escripta pelo Dr. Ermelino de Leão, titulo - A Expansão
dos Cananaenses em Terras Paranaenses » . Nesse Cap . o autor refere -se a um
importante periodo das Memorias Historicas de Paranaguá, de Vieira dos Santos ,
com relação ao assumpto de que estamos tratando, bem como a um outro docu
mento contemporaneo, existente em Londres que — « Explica a origem do po
voamento de Paranaguá , atribuindc - o á circumstancia de ter um individuo de
nome Caneda ou Penedo, depois de incurso em processo, se refugiado na Ilha
da Cutinga para onde mais tarde mudou sua familia e com ella outras pessoas
de suas relações » .
735

Dentro desse periodo de 1606 a 1640 fundou -se regu


larmente o nucleo da missão em Cavanéa , como já ficou des
cripto e deu-se começo a um outro nucleo em Paranaguá .
Foi seguramente, em torno dessa « casa da missão » pro
visoria, que mais tarde se aglomerou a povoação, cujo Pe
lourinho foi erecto em 1640.
Dessa época em deante, a missão apostolica do sertão e
do littoral fi de novo interrompida : não pelas hostili
dades dos Carijós contra os missionarios, pois esses indios,
ein grande parte, já estavam aldeados sob a tutela dos mis
sionarios ; os outros, acessados pelos hespanhoes do Uruguay
e pelos sertanistas P. ulistas, vinham pedir a paz e entregar
se voluntariamente ao captiveiro ; mas isto o faziam pela
falta absoluta de missionarios que haviam sido tumultuosa
mente espulsos de S , Paulo e de toda a Capitania , em 1640.
Essa primeira expulsão dos Jesuitas perdurou até o anno
de 1654, que foi quando os missionarios voltaram para de
novo tomarem posse de suas Casas e Collegios.
No anno de 1687 , porém , os Paulistas tentaram ainda
expulsar cs Jesuitas da Capitania.
Já então o ardor dos piissionarios, pela catechese do
gentio do sertão, tinha arrefecido e a sua influencia em
pról da liberdade relativa dessa raça infeliz, éra quasi nul
la , como é facil de se comprehender em vista da lucta e
das intrigas que entre os poteotados da terra e grande
parte do povo se moviam contra os jesuitas .
Foi nesse periodo de decadencia das missões Jesuiticas,
não só pas Capitanias do sul como pas do norte, e bem as
sim em todo o continente sul americano, que os habitantes
de Paranaguá, talvez como reconhecimento, ou recompensa,
aos grandes feitos dos Jesuitas, nesse sertão do Paraná, re
solveram chamar de novo esses missionarios, conquistadores
do sertão, para virem estabelecer um mosteiro e um Colle
gio nessa Villa .
O Alvará Regio autorisando a fundação desse Collegio
de Paranaguá, foi expedido a 23 de Setembro de 1738 e a
respectiva inauguração - do edificio proprio – teve logar a
24 de Setembro de 1741, quando a Villa de Paranaguá ja
tinha um sculo de existencia . ( * ) Esse edificio, apezar da
bôa vontade do povo, em cooperar para a dita obra, não
chegou a ser concluido, e passou, de 1759 em deante, em
virtude da Lei Pumbalina, a fazer parte do patrimonio real.
Foi depois instalada a Alfandega em uma parte do edificio,
cahindo o resto em abandono e ruina .

( ) O alvará Regio autorisando officialmente a fundação do Collegio dos


Jesuitas em Paranaguá, tem a data de 25 de Setembro de 1738, e a respectiva
inauguração solemne, do edificio, foi a 24 de Setembro de 1741 ; porem a data
verdadeira de sua fundação é a de 14 de Maio de 1708 que foi, quando os mis.
sionarios chegaram a Paranaguá e deram inicio ao Collegio ou a « Casa de Mis
são estavel » no mesmo local onde existia a « Casa da missão rolante ».
736

A Memoria da fundação desse collegio foi escripta pelo


P. Ignacio Antunes, quando a 25 de Maio de 1755 esteve,
como visitadır em Paranaguá, como preposto do P. Pro
vincial .
( original desse documento, aliás bem laconico e pouco
elucidativo, existe nos massos de papeis do Cartorio da The
zouraria de Fazenda, em S. Paulo , sob o titulo « Proprios
Nacionaes » , e é assim concebido :
« MEMORIA DA ORIGEM E QUANDO TEVE PRINCIPIO
CASA DA M SSÃO DA VILLA DE PARANAGUÁ , »
« Suposta a necessidade espiritual, que padecia toda a
costa, desde a Ilha Grande até a Laguna, na falta de ope
rarios na vinha do Senhor, compadecendo- se is superiores
da Companhia de Jesus do estado miseravel de tantas al
mas, determinaram no anno de 1701 enviar missionarios da
mesma Companhia para que instruindo-as dos negocios im
portantes da sua salvação, patenteasse a estes póvos as por
tas do Cér, por meio da pregação evangelica e frequencia
dos Sacramentos.
« O primeiro nomeado para este feliz emprego foi o
padre Antonio da Cruz, Apostolo de toda a costa, o qual
rezidindo para este fim no collegio da Villa de Santos, dahi
tomava cada arno dois companheiros com os quaes sahia
sempre a demandar almas para o céo.
Com estas MISSÕES-VOLANTES continuou alguns annos e
de tal arte affeiçoou os moradores ás praticas espirituaes e
ministerios santos da Companhia, que desejaram eiles mesmos
lograr em seu proprio paiz, para o tempo futuro, aquelles
bens que tanta emoção faziam a suas almas.
« E para que esta felicidade se perpetuasse de filhos a
netos, entraram na pretensão de solicitar do Reverendo padre
provincial CASA DE MISSÃO ESTAVEL NESTA VILLA DE PARA
NAGUÁ, emquanto o Senado desta Camara , em nome de
todo o povo, alcançava de Sua Magestade, licença para a
fundação do seu collegio e seminario, onde pudessem os mo
radores criar seus filhos com a doutrina da mesma Companhia.
Para este fim convocou varias vezes o Senado a todo o povo.
para saber com quanto querião contribuir cada um para a
dita fundação, congrua e sustentação dos religiosos ; o que
tudo consta do termo que no livro de vereanças desta Villa,
fls. 85, está lançado em 2 de maio de 1707, e de 5 escri
pturas de obrigações, que em nome de todo o povo fizeram
os officiaes da Camara .
Assim o pretendeu o Senado, e assim o concedeu o Rev.
padre provincial João Antonio Andrioni , no anno de 1708,
sendo proposito geral o Rov. padre Angelo Tamborini, e
enviado os Revs. padres Antonio da Cruz por superior e
Thomaz de Aquino por companheiro, os quaes entrarão nesta
Villa a 14 de Maio do dito anno de 1708 e foram recebidos
por todo o povo com muita alegria e debaixo de pallio con
757

duzidos até á Igreja matriz, onde se cantou Te-Deum Lan


damus.
Aos 27 do dito mez receberam os padres algumas cousas
que se tinham promettido para esta fundação, assim em di
nheiro, gado vaccum e cavallar, com algumas sortes de terras .»
Por este documento vê-se quão precario era o estado da
Companhia de Jesus, por falta de missionarios, nesse anno
de 1708.
O littoral desde Itanhaen até Cananéa , onde já tinha
havido casas de missões estava todo abandonado por falta de
« operarios da vinha do Senhor >
O unico estabelecimento que ainda vigorava e dispunha
de alguns sacerdotes, no littoral, era o collegio de Santos ;
e o primeiro sacerdote nomeado para restabelecer as antigas
missões, e « para apostolo de toda a costa » , desde a Ilha
Grande até Laguna, era o padre Antonio da Cruz, que
nessas missões-volantes » andava acompanhado de dois
Irmãos apenas.
O padre visitador, ao escrerer esta - Memoria não
faz a menor allusão aos primitivos missionarios que tantas
vezes baviam percorrido esta costa do sul da antiga Capita
nia de S. Vicente no seculo XVI, nem á segunda inis
são enviada aos sertões dos Carijós, pelo Padre Fernão Car
dim, em 1605.
Parece mesmo que esse padre visitador ignorava os actos
heroicos de seus primitivos irmãos , no apostolado desta
parte da Costa, nessas duas primeiras phases, tão gloriosas
da Companhia de Jesus !
Não é um juizo temerario, de nossa parte, nem uma
injustiça ou menos-cabo á memoria ou erudição dos dignes
missionarios que fundaram o collegio de Paranaguá em
1708 , o dizermos que « ignoravam , talvez, os actos heroicos
de seus primitivos irmãos ) . Já demonstramos, e todos sabem
afinal, os actos de violencia de que haviam sido victimas os
jesuitas, por parte dos habitantes das principais villas e
cidades do Brasil , em sua expulsão tumultuosa, e das depre
dações que soffrerain as suas propriedades.
Embora na epocha desses primeiros banimentos não es
tivessem ainda decretadas as leis do « confisco geral dos
bens da Companhia » , é entretanto notorio que o povo, açu
lado pelos magnatıs, não deixiva de fazer depredações e
mão baixa nos archivos dos mosteiros, casas, fazendas, etc.
procurando descobrir, entre a correspondencia dos Jesuitas,
& algum documento compromettedor » e -- sobre tudo esses

tão celebres roteiros do sertão, nos quaes deveriam estar as


sigualados a rota, local, ou jazida, de onde os Jtsuitas ex
trabiam os seus « thezouros fabulosos » ; bem como das bre
nhas mysteriosas onde se acco :itavam essas nações e tribus
gentilicas o d'onde elles desciam os contingentes de in
dios, tào cubiçados, que povoavam as primitivas aldeas.
738

As memorias, os relatorios dos jesuitas , eram , já se vê,


a melhor preza -- para os avidos exploradores dos nossos
sertões , na época das entradas e das grandes descobertas
auriferas.
Ninguem melhor do que os Jesuitas, sabia o segredo,
o mysterio de nossas florestas e brenhas : éra esta , pelo
menos, a opinião que se fazia dos jesuitas nessa epoca de
aventuras, e que ainda se faz em nossos dias.
E foi assim que qu :isi todas as memorias escriptas pelos
Jesuitas, antes e depois da Lei do banimento completo da
Companhir, cabiram em mãos extranhas, sendo consumidas,
como demonstraremos em outra parte destas « memorias » .
Não admira pois, que, em 1738 ou 1740 o Padre Igna
cio Antunes, escrevendo o historico das missões do littoral
em Paranaguá, não pos de noticias dos heroicos missiona
rios que com tanta abnegação e elo apostolico, haviam des
bravado os sertões do Paraná , trazendo para suas redu
ções e aldeias, grande parte do gentio Carijó, o qual , sob
à vigilaucia e guarda dos padres da segunda phase das
missões, ia de novo povcar as aldeias de São Paulo e do
litoral , desde Itanhaez até Cananća.
Foi com esses indios descidos do sertão, já cathechisa
dos pelos jesuitas, que se fizeram as explorações auriferas ;
foi com esse mesmo pessoal , já adestrado nesses misteres,
que se iviciaram as entradas nos sertões de Minas Geraes e
é ainda com esses antigos aldeados das missões, esses -- pés
largos remanescentes da aguerrida e hostil nação Carijó,
que os governadores da Capitania de Itanhaev , principal
mente o Capitão Sotto Maior, formam as companhias de
guerra » que vão cm 1660 « praticar notaveis actos de bra
vura , na conquista do Rio Grande do Sul, diguos dos he
róes americanos, vo dizer de Pedro Taques. » ( Vid. Ermeli
no de Leão -- Copitania de Itanhaen e Paranagui. )
As reduções on aldeamentos fundados pelos Jesuitas em
Itanhaen, Iguape, Cananéa e Paranaguá, tiveram ainda
ephemero desenvolvimento na terceira phase das missões.
Esse renascimento teve entretanto bem pouca duração, pois
os missionarios, já mal vistos--pelos potentados, e despres
tigiados pela mór parte da população, em virtude das intri
gas e das ideas sediciosas que então se formavam e espa
lhaian contra a Companhia de Jesus, iam esmorecendo cada
dia, e procurando outras regiões onde pudessem agir com
mais liberdade ou desembaraço.
Os seus estabelecimentos agricolas, as suas casas de
missões , em Santos, S. Vicente , Itanhaen e Cananéa estavam
já em condições bem precarias , ou abandonados, quando o
Governo de D. José 1.º os expulsou de uma vez, em 1759.
O ultimo reducto ainda em estado florescente que os Jesui
tas possuiam nessa época , em nosso littoral , éra a « Casa
da Missão » e o Collegio fuudado en Paranaguá em 1709 ,
739

que não chegou a ser concluido, apczar da boa vontade


demonstrada pelo povo.
O estabelecimento agricola que esses padres possuiam
proximos á barra do Suparogui, em frente á ilha das Pecas,
na bahia de Paranaguá, a qual vem mencionado no mapp :
de que nos temos occupado, foi, sem duvida , antes da doação
official, feita pela Camara e povo em 1707, uma redução ou
aldea formada pelos antigos missionarios, durante a catechese
dos Carijós.
Não sabemos em que condições se achava essa fazenda
dos Jesuitas em Paranaguá, no tempo da supressão da Com
panbia.
Na importante « Memoria Historica » de Vieira Santos
que ainda não foi publicada a da qual temos apenas alguns
apontamentos, constará, sen duvida, alguma ccusa sobre essa
importante propriedade da Companhia de Jesus. ( * )

( * ) No mappa « Planta Topographica do Porto e Fortaleza de Parana


guá » , ao qual temos nos referido, e se acha appenso a este Capitulo, não vem
à « Planta Topographica da mesma Villa » . Essa « Planta Topographica da Villa
de Paranaguá se acha na mesma plancha onde vem a « Planta Topographica
da Villa de Santos » .
Villa de Antonina

Deveriamos terminar aqui esta ligeira Memoria sobre


Paranaguá , visto que -- o nosso proposito não é mais que
dar uma noticia das Villas que foram fundadas pelos Gover
nadores da Capitania de Itanhaen, ou estiveram debaixo da
sua respectiva jurisdição.
Não nos occupar emos, portanto, das demais povoações
tão importantes dessa vasta região que tiveram predicamento
de Villa, no fim do seculo XVIII, por que já estão fóra dą
dita jurisdição.
Devé mos entretanto dizer que -- a Villa de Antonina, a
qual vem designada no mesmo mappa da Bahia de Parana
gná. foi, nos tempos primitivos da catechese um arraial, cuja
krmida recebeu a invocação de N. Senhora do Pilar e tea,
depois, parte do municipio de Paranaguá. Em 29 de Agosto
de 1797 foi esse « arraial do Pilar » desmembrado do muni
cipio de Paranaguá e elevado á categoria de Villa, por ordem
do Capitão-General de S. Paulo -- Antonio Manoel de Castro
e Mendonça.
A denominação de « Antonina » foi dada a essa Villa
em attenção oo nome do então principe real D. Antonio .
Antonina acha-se na lat . austral de 25 e 31 ' e na long.
de 3290 30' e 30 » da Ilha do Ferro.
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Serre da Prata Rio das Mede
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Bemala Guella
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R.de Seda,

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Carla Geographica e To.


Pogrophora do Porto Ville de Gore 1
salóba
• foto ognel euha as moradwes
Extrahido da collecção
de marpas do littoral Vila de Guwatiche
da Capitanie de S. Paulo,
(artiga Capitenia de Ita.
nhaem ), mendedos tvor ]
tar pelo Governo Portua
guez no fim do século Matric
XVII
Villa de Guaratuba

A ultima villa , no littoral , ao sul de Paranaguá, que


vem mencionada no mappa da Capitania, a que vimos nos
referindo e cuja repr dação vae appensa a este capitulo -- é
a Villa de Guaratuba , collocada margem direita de uma
bahia ou laguna do mesmo nome.
A planta topographica da villa consta apenas de uma
praça, bastante ampla, cercada de casas, com cinco sahidas ou
beccos, tendo no fuvdo a Egreja Matriz e, na entrada, do lado
do « Porto da Villa » , o edificio da Camara e o Pelourinho.
O systema hydrographico desta pequena Bahia é bem
potavel pela quantidade de rios que nella desembocam, e
todos mais ou menos, povoados em suas margens.
Os rios mais importantes são : o São João, ao Sul , e o
Rio Cubatão a Noroeste, iendo ambos as suas nasceutes na
Serra di Pratı, por dois afluentes, um com o nome de Rio
Doce e outro de Rio das Minas.
Neste curioso mappa vem diversas indicações de MINAS
DE OURO, mostrando que toda essa região do littoral era
muito rica desses mineraes, razão pela qual o governo por
tuguez mandava explorar e demarcar, tão minuciosamente
o seu plano topographico.
Ao Sul dessa barra de Guaratuba existem ainda dois
pequenos rios que desaguam na costa do mar : o Sahy e o
Suhy-mirim que tem suas vertentes na serra do mar, tam
bem abundante em M NAS De Ouro, segundo a indicação
do mesmo mappa .
Na barra do rio s hy está marcado, no mesmo mappa ,
um signal com este titulo, Registro, o que quer dizer que
OS
mineiros dessa época, afim de escaparem aos rigores
dos fisco desciam per esse rio até costa ; e isso obrigou
o governo a estabelecer nesse local um posto de Registro,
afim de evitar o descaminho dos quintos reaes.
A profundidade da barra e do leito da Bahia de Gua
ratuba , está, em toda a extensão determinada com o nume
ro de palmos e braças, afim de facilitar a navegação, dessa
época tão notavel em que essa zona do littoral do Sul es
tava, em virtude das minas de ouro, sob as vistas avidas do
governo da metropole.
A Villa de Guaratuba que tem por padroeiro São Luiz
foi fundada em 1768 pelo Capitão-General de S. Paulo D.
Luiz Antonio de Souza Botelho Mourão. Foi elevada a Villa
em Março de 1770 e installada, diz Azevedo Marques, a 30
de Abril de 1771. Está situada a margem direita do Rio
que lhe dá o noine, a 25 °3'25” de latitude austral e
329-30' da Ilha do Ferro. Sua barra só dá ingresso a pe
quenos navios.
Villa da Laguna

Esta villa , hoje cidade do Estado de Santa Catharina,


fazia parte igualmente da Capitania de Paranaguá.
Foi fundada pelos paulistas Domingos de Brito Peixoto,
seu filho Francisco de Brito Peixoto e Sebastião de Brito
da Guerra .
Em 1720 é elevada a categoria de Villa por provisão
do Ouvidor e Corregedor de Paranaguá -- Raphael Pardi
nho, por ordem , diz Azevedo Marques, do Capitão -General
de S. Paulo, Conde de Assumar. Esse predicamento tem a
data de 27 de janeiro de 1720. Por alvará de 4 de Janeiro
de 1724 foi essa villa desligada da Capitania de S. Paulo
e incorporada a do Rio de Janeiro. Mais tardo com a crea
ção da « Capitania de Santa Catharina» passou essa villa a
fazer parte da mesma. O seu padroeiro é Santo Antonio
dos Anjos da Laguna, conforme foi denominada pelos seus
fundadores.

FIM DO 1. ° VOLUME
INEDITOS DE PEDRO TAQUES

Documentos ineditos, referentes ao autor da NOBILIARCHIA


COLLICIDOS PELO

Dr. Affonso d'E . Taunay


SOCIO EFFECTITO DO INSTITUTO
NOTA

Pertencem os originaes ineditos da Nobiliarchia Pau


listana, titulo Camargos ao nosso illustre consocio Dr. Luiz
Gonzaga da Silva Leme, que com a sua habitual affabilidade
m'os communicou ..
A primeira carta de Pedro Taques possue-a o Archivo
do Estado de S. Paulo, collecção « Augusto Cardoso » , os
demais documentos o Dr. Augusto de Siqueira Cardoso a
quem devemos o grande obsequio da sua transcripcào.
Junho de 1914 ..
Excerptos da NOBILIARCHIA PAULISTANA
( TITULO CAMARGOS )
Excerptos da Nobiliarchia Paulistana
TITULO « CAMARGOS »

que dava entrada para o 1.º salão da Caza da Camara ,


logo mandou aos carpinteiros que lhe metessem os machados,
executando - se o mesmo com as mais portas, que fechadas
impedião o ingresso para a sala do conc. Estando dentro
mandou fazer o mesmo a huma arca de madeira grossa,
dentro da qual se conservava a dos Pelouro3, que tinha feito
o intruzo Ouvidor Jozé Ortiz de Camargo no apno de 1652
como temos referido. Quebrada tambem a arca dos Pelouros
forão estes dados ao fogo na presença do mesmo Dezembar
gador Ouvidor Geral em acta. da Cámara. E logo proce
dendo a huma nova canonica Eleição de Pelouros ( para os
quaes havia já muitos dias mandado publicar seo Edital , o
qual servio de aviso para o dispotico attendido, que executou
Jeronimo de Camargo ) sahirão eleitos, e no mesmo ato to
marão posse para Juizes Ordinarios em 1653 e 1654 Do
mingo Garcia Velho. e Domingos Roiz de Mesquita ; para
Vereadores o Capm . Francisco Cubas ; Calisto da Motta, e
Gaspar Corrêa o mosso ; Precurador do Concelho Sebastião
Miz. Pereira. Depois em 7 de Junho do mesmo anno , tornou
o Dezeinbargador Corregedor á Camara e proveo cm 28 Capi
tulos de sua Correição, admiraveis preceitos que athé hoje
servem de um publico testemunho da sua grande jurispru
dencia , zello, e rectidão pelo serviço do Rey e de Deus, com
utilidade do publico e moradores de Sảo Paulo. Archivo da
Camara de Sảo Paulo, 1.º de vereanças 1651 pag. 56.
Esse procedimento dispertou novos estimulos do ardor e
odio , no desprezado e ripelido Ouvidor José Ortiz de Ca
margo, que como cabeça do bando, e seguito da familia do
seo apellido, unido com seo irmão Fernando de Camargo do
cap.º 1.º retro passou a Bahia a solicitar novas ordens para
restitnição da posse do lugar de Ouvidor da Comarca de que
se achava espoliado. E era grande o seo respeito, e não de
zigual o seo Cabedal, concorrerão - lhe a fazerem - lhe bolça os
seos mesmos parentes, ou já como interessados no despique,
ou como offendidos no desprezo. Tendo conseguido na Bahia
os effeitos desejados, e recolhendo - se a São Paulo sua patria ,
protestou por cartas de avizo, que adiantou. que o seu animo
era conservar a sua jurisdição, a paz e sucego publico, sem
alteraçãc de novidade , porém os animos dos inagoados se por
huma concideração se capacitavam da devi ' a obediencia e
7:18

cumprimento das ordens do Superior Governo do Estado, que


Trazia José Ortiz de Camargo, por outras razoens que lhe
dictava o temor, receavão dar-lhe posse. Serenou esta afili
cção de perturbaçõens a advertencia, que houve de se tomar
um Accordão de transacção e amigavel compozição celebrado
em 9 de Fevereiro de 1654 no Collegio dos Padres Jesuitas
sendo presente a este acto o Padre Antonio Roiz, como rei
tor do dito Collegio e o Revdo. Vizitador Simão de Vascon
cellos com os Prelados das mais Religioens a saber : D. Ab
hade do Mosteiro de São Bento, o Revdo. Fr. Brasilio da
Ascenção ; o Revdo. Prior do Convento dos Carmelitas Fr.
Francisco de Sousa ; o Revdo. Guardião do Convento dos
Capuchos Fr. Luiz Vianna ; o Padre Domingos Gomes Al
berpás, Vigario da Igreja Matriz e da Vara de São Paulo,
então Vizitador do Bispado ; Bento Ferrão Castello Branco,
Capm . mór Governador da Capitavia de São Vicente e São
Paulo, com os camaristas João de Godoy Moreira e Antonio
Lopes de Medeiros, que erão Juizes Ordinarios Pedro da
Silva , Paschoal Leite, Pedro Dias Leite, Vereadores e Se
bastião Miz. Pereira , Procurador do Concelho com as mais
pessoas da Governança da terra , nesta junta e determinou
que se acceitasse ao Ouvidor José Ortiz de Camargo, e se
The desse posse, conservando-se tudo sem alteração e sem se
entremeter no que havia deixado e disposto o Dr. Ouvidor
G + ral Joào Velho de Azevedo. Debaixo desta Concordata ,
entrou o sobredito José Ortiz de Camargo e se deo posse do
lugar de Ouvidor da Cámara e Capitania de São Vicente e
Sảo Paulo conforme as novas ordens que aprezentou o Ge
verpador Geral o Conde de Castello Melbor.
Em pouco tempo, porém , mostrou o genio do Ouvidor
Jozé Ortiz de Camargo que não amava a paz e quietação do
bem publico porque os seos procedimentos tornarào a alterar
os perniciozos tumultos e sedições passadas e acontecidas
pelo partido da sua familia.
Logo que chegarão estas noticias no Rio de Janeiro ao
Dr. Ouvidor Geral , João Velho de Azevedo e informado tão
bem da conta que lhe derão os officiaes Camaristas sobre a
Ouvidor: Jozé Ortiz de Camargo escreveo a carta
do seguinte
possetheor
do
Quanto aos despachos que aprezentou a V. M.cė, e os
levou Jozé Ortiz de Camargo, tudo he vento e pararata, que
para mayor castigo seu, foi gastar na Bahia tantil soma de
dinheiro . Com esta vai o novo Ouvidor Miguel de Cabedo e
Vasconcellos, que tudo fará com grande acerto ; e assim lhe
tepho encomendado. Leva todos os despachos nenessarios e
os mais que forem precizos para a paz e quietação e bem
dessa Villa e Capitania mandarei passar com todo o zelo e
cuidado, como merecem vass los tão leaes de S. Magestade
que Deos guarde a V. M.cé Rio de Janeiro 16 de 1654 an
pos João Velho de Azevedo ( Camara de S. Paulo 1 ° Re
gisto 1658. pag. 13 v.° )
749

Trouxe Miguel de Cabedo Vasconcellos ordem passada em


nome de El rey ( em carta de delig.ca pelo Dezeinbargador
Ouvidor Geral João Velho de Azevedo, datada no Rio de Ja
neiro a 17 de Março de 1654 ) para ser apeado de Ouvidor
José Ortiz de Camargo, novamente provido pelo Conde de
Castello Melhor e dar-se posse ao dito Miguel de Cabedo e
Vasconcellos porque os officiaes da Camara devião cumprir
as ordens do Conde de Castello Mulbor, a favor de Jozé Or
tiz de Camargo por ser contra hum Capitulo expresso dei
xado em Correição pelo Dezembargador Ouvidor Geral João
Velho de Azevedo, o que tudo assim se verificou, ficando em
possado do lugar o dito Cabido ( Camara de S. Paulo 1.º de
Reg . n. 4 1658 snpra cit. pag. )
Ao Conde de Castello Melhor sucedio do Governo Geral
o Conde de Attouguia D. Jeronymo de Ataide ao qual dando
conta os officiaes da Camara de S. Paulo do estado das novas
alterações pelo partido tumultuozo de José Ortiz de Camargo,
mandou ordem datada na Babia em 3 de Outubro de 1651
dizeudo – Porq . por parte dos officiaes da Camara de V."
de S. Paulo ; e Capitania de S. Vicente se me enviou a
representar o estado, em que o povo della se achava com as
sedições e estimulos que José Ortiz de Carnergo, Fernam de
Camargo e mais pessoas da sua parcialidade e familia oca
zionavảo aquella republica intentanto preverter de novo as
Eleições a que havia assistido o Ouvidor Geral da Reparti
ção do Sul, c o Acordão que se havia tomado de continua
rem os mesmos officiaes da Camara e José Ortiz de Camargo,
no cargo de Ouvidor ; ordeno que se não mova couza alguma
athé se dar conta deste governo e se invie delle hum Mi
nistro, com cuja informação se resolva o que convier no ser
viço de Sua Megestade que Deos guardo - Camara de .
Paulo 1.º de Reg. n. 1658 pag. 19 v." )
Estas desordens rbradas por Jozé Ortiz de Camargo cht
garão aos Reaes ouvidos de S. Magestade que com Paternal
clemencia, se dignou mandar a Provizão do theor seguinte :
Eu El Rey faço saber aos que esta mivha Provizam virem
que tendo respeito ao que se me repprezentou por pessoas
zelozas de nien serviço e bem coinum em razão da satisfação,
zello, e inteireza com o Licd .° João Velho de Azevedo, Ou
vidor Geral da Capitauia do Rio de Janeiro se houve va
jornada da Correição que fez na Capitania de S. Vicente
V. “ ( le S. Paulo, que são de sua jurisdicção ; cujos procedi
mentos forão anulados na Bahia de todos os Santos pelo
Conde de Castello Melhor, sendo Governador do Brazil , e
aprovados os que em contrario fez e exccutou, José Ortiz de
Camargo, inviado por elle as mesmas Capitanias, com nde
damno do serviço de Deus e meo, e bem comum da conser
vação dos meos vassalos dellas : Hey por bem e me praz, de
aprovar tudo, o que fez e sentenceou na dita Capitania, o
dito João Velbo de Azevedo, por haver sido conforme a jus
tissa, e bom governo, e ordens minhas ; e declarar por nullos
750

todos os procedimentos que em contrario teve o dito Jozé


Ortiz de Camargo por ser sem jurisdicção e em desserviço meo ;
pelo que mando aos officiaes da Camara da dita Villa de s.
Paulo que nesta conformidade executem e fação cumprir
e guardar todas as sentenças dadas pelo dito Ouvidor João
Velho de Azevedo em que não houver recurso por via
de appelação ou agravo para a Relação do Estado do Bra
zil ; o pão admitão em modo algam as do dito Jozé Ortiz
de Camargo, pellas razões acima referidas e que em tudo
cumprão e guardem esta mipha Provizão, como nella se con
tem sem duvida nem contradição alguma a qual não passará
pela chancelaria e valerá como carta, sem embargo das or
denações em contrario e se passou por tres vias. Antonio
Serrão a fez escrever Rey > Conde de Odemira ( Camara de
<<

S. Paulo L. de Rég : 1658 pag. 24 v.° )


Autes de chegar a S. Paulo esta Real ordem , tinha o
Dezembargador João Velho de Azevedo devassado de todos
os tumultns, violencias, sedições e mortes acontecidas desde o
anno de 1652 e remetidos os autos para a Bahia e forår
grandes os temores das futuras ruinas e total des ruhição da
nobreza de S. Paulo que toda se achava devidida em dous
teimozos e poderezos bandos de Pires e de Camargos. Estas
duas oppostas familias cada huma por seu numeroso sequito
acordarão enviar na Bahia hum agente, que com o caracter de ze
lozo Procurador, soubesse applicar todos os bons officios de sua
commissão para que o triumpho dezempenhasse o conceito da
Eleição. Por parte da familia dos Camargos foyo mesmo
José Ortiz de Comargo, que já sabia manejar as dependcas
pas duas vezes que havia hido aquella Cidade e pella dos
Pires foy Francisco Nunes de Siqueira que além de ter o
merecimento de bom gramatico Latino, estava bastantemente
instruido na Lição dos Livros forençes e ordenações do Rei
no, e era genro de João Pires, hum dos principaes Paulis
tas, da familia do seu apelido com respeito, veneração e va
limento para qualquer ardua empreza ( como se havia bem
acreditado, quando a favor dos Padres Juzuitas se declarcu
por Protector delles para serem restituidos ao seu Collegio
de São Paulo, como foram no anno do 1653, tendo sido ex
pulsos no de 1640 ). Vistas as devassas na Bahia por ellas
estavam em pena de morte avultadas pessoas da familia de
Camargos, e seria a execução das sentenças hum total isen
tivo para a distruição de todos os moradores de S. Paulo,
rompendo em batalha as duas opostas familias. Considera -
Ja a materia com grande reflexão pelo serviço do Rey e de
Deos, e do bem comum de huns vassallos , que tintos servi
ços ja tinham f'eito a Real Corva, e que empregando o seu
valor nas conquistas e descobrimentos de mivas de ouro,
prata e mais metaes, augmentariam a Patria e o erario Re
gio ; resolveo o Conde de Atouquia D. Jeronymo de Atai
de, dar huma providencia que servindo de Iris entre as duas
familias discordes, fosse tambem o meyo para que entre el
-
751

las tivessem firme amizade enlassando-se por casamentos ; a


segurança da paz apetecida. Este seu alvará ( chamado em
S. Paulo ) des Pires e Camargos, que até agora se não tem
derogado, posto que no presente tempo, o seu devido effeito
está em rigorosa observancia, pela relaxação de alguns cor
regedores que para terem na Camara ſessoas do seu sequitu
tem introduzido nella am.ton que indignamente tem occupa
do, os assentos da meza daquella Assemblea . ( Alvará do
Conde General hé do theor seguinte : = D. Jeronymo de
Ataide Conde de Atouguia, do Conc. de S. Magestade, Snr.
das Villas de Vinbaes , Monforte, Lomba, Paço, Sarnache,
Piniche, Sor. da Fortaleza, o Presidio della, comendador das
comendas de S. Maria de Oliveira da ordem de S. Bento,
S. Maria de Adaufe, e villa velba de Roldão da Ordem de ....
Gør e Cap.m Goral do Estado do Brazil . Faço saber aos
juizes , vereadores, Procurador do Conselho pessoas particu
lares , e Povo da Villa de S Paulo, e ao Capm . mór Ou
vider e mais justissas da Capitania de S. Vicente, que Fran
cisco Nunes de Siqueira , Procurador da familia dos Pires e
José Ortiz de Camargo, moradores hum e outro na mesma
Villa , me apresentaram differentes papeis e queixas de ambas
as partes asim sobre os tumultos e sedições, que havião re
sultado da Eleição da Camara que naquella Villa havia fei
to o Davidor Geral do Rio de Janeiro João Velho de Aze
vedo, como sobre outros procedimentos que se havia ocazi
onado chegarem aquellas duas familias a tomar as armas
com numeroso sequito de Indios, e quazi a rompimento de
batalha se os prelades das Religiões, que alli se achavamo
não advertirão, evitando a ultima ruina daquella batalha em
quanto recorrião a este Governo, para nelle se determinar o
que mais conviesse ao serviço de S. Magestade e quietação
daquelle Povo dezejando em reduzil-os a sua universal con
cordia ; e as duas familias e parcialidades a união com que
se devem tratar dos augmentos de sua Republica e a obser
vancia das obrigações de bons vassallos , para com mayor
acerto se eleger o neyo que fosse mais efficaz, e dispozitivo
deste fin ; ordenei se visse esta materia na Relação desto
Estado com toda a sircunspecção que sua importancia e qua
lidade pedia . E considerando tudo o que por huma e outra
paite se propoz em suas petições o que constou das certidões
devassas e inais documentos em que fundarão, e voto, que
que havia procedido de todos os Religiosos, os mais autho
rizados que se havião achado po referido Congresso das duas
parcialidades como sujeitos que mais interior e desenteressa
damente o podião dar ; o parecer do Chanceller e mais Des
embargadores e resolução que na Relação se teve por mais
conveniente seguir - se procurando conformar -me com ella,
em tudo o que a gravidade e circumstancia deste negocio e
suas dependencias permitem , por envolver tão bem razões po
liticas a que vão menos , e principalmente deve o Governo
attender que as da Justiça quando ellas a tão implicitas
752

com a do Estado. Hey por bem e serviço de S. Magesta


de que daqui em diante sirvão cada ani o ua Camara da dita
Villa tanto officiaes de hum bando como do outro, para que
com esta igualdade cessem as inquietações que de a vào
haver se acenderão paquelle Povo ; e a Eleição se fará da
maneira seguinte : Chamará o Ouvidor da Capitania ,
com o Escrivão da Camara daquella Villa na forma da crde
nação, os homeus bons do Povo della , ao concelho e lhos re
quererá que nomeye e cada um seis bomens para Eleitores,
trez do bando dos Pires e trez do de Camargos, não sendo os
cabeças dos bandos, antes os mais zelozos e timoratos e tanto
que todos os votos forem tomados escolherá para Eleitores
de cada bando os trez que mais votos tiverem entre todos.
Estes seis fará apartar em 3 partes, hum Pires com hum Camar
go ; e lhes ordenará, que fação os seus tres roes, como hé estillo a
saber : Seis para Juizes, 3 de hum bando e 3 do outro, nove para
para vereadores, 4 de hum bando e 4 do outro e hum neu
tral ; e tres para Procurador do Conselho hum Pires e outro
Camargo e o 3.º neutral. E assim se uzará para os mais offi
ciaes se os houver na Camara e se costumarem fazer por
Eleição : e tanto que os ditos roes estiverem feitos o Ouvi
dor da dita Capitania e em sua auzencia os Juizes Ordina
rios da dita Villa escolherão os officiaes, que bão de servir e
os escreverão na pauta, pondo em cada anno no 1.º huin Juiz,
dous Vereadores Pires, hum Juiz, hum Vereador e Procura
dor Camargo. No 2.° um Juiz, dous Vereadores Camargos ,
e hum Juiz, hum Vereador e Procurador Pires. No 3.º hum
Juiz e hum Vereador Pires hum Juiz e um Vereador Ca
margos, e hum Vereador e Procurador do Conselho neu
tral. Nesta firma farão 3 Pelouros, e os meterão em um
saco e delle tirarão par sortes, hum para cada ayno, com
declaração que havendo tantos homens neutraes aptos, e
sufficientes que no p ." de Vereadores se possão meter
tão bem e fiquem sendo 3 neutraes 3 Pires e 3 Camar
gos, se estipularão pa pauta de maneira que fique a cada
Pelouro hum Vereador Pires, hun Camargo e hum neu
tral ; e o mesmo se fará para Procuradores do Conselho, ha
vendo tantas pessoas neutraes que dellas se possào eleger
voin satisfação ; e neste cazo ficará cada Pelouro com hum
Juiz e hum Vereador Pires ; e outro Juiz, e outro Vereador
Camargo e hum Vereador Procurador do Concelho neutral.
Esta igualdade se guardará tão bem na Eleição dos Almota
ceis com que fica sem ocazião de duvida, esta nova forma
de Eleição que inviolavelmente se guardará na Camara da
quella Villa . E porque das devassas, que o mesmo Ouvidor
Geral do Rio de Janeiro João Velho de Azevedo tirou na
quella Capitania, fic:trão culpados diversos moradores da dita
Villa que estão inbabeis para poder ser eleitos e só conce
dendo -se perdão geral aos que não tiverem parte se poderão
incaminhar a Eleição da Camara e a quietação do Povo e
ao acerto, que se pretende em nome de S. Magestade coa
753

cede perdão a todas as pessoas, le qualquer qualidade, con


dição que seja que algum modo ficarão culpados nas devas
sas, que o dito Ouvidor Geral tirou naquella Capitania de
quaesquer crimes, em que não tenhão partes ; mas concide
rando -se que os que tem e estão sentenciados com pena
capital, são os principaes sugeitos da familia dos Camargos,
e se totalmente se lhes denegar perdão ou da parte, ou ab
solutos de S. Magestade s poderão ocazionar novos prejui
zus, que depois terão deficultozissimo remedio ; e agora devem
prevenir -se pelos possiveis de suavidade e conveniencia, em
que ambas as familias 54 conservem e perdoem reciproca
mente pondo os olhos nas mortes e perdão, que huma e outra
tem padecido e nos inconvenientes que ao diante se podem
seguir de se acuzarem a todo o rigor da Justissa ; emcomendo
mais encarecidamente aos Prelados das Religioens e ordeno
-ao Capm. mór e ouvidor e a todas as pessoas de postos e de
mayor authoridade naquella villa que com interpozição da
prezente e em nome deste Governo procurem reduzir as par
tes a lhes co.ceder perdão para que com a demonstração
delle, se coufirmar inacecivelmente, com o vinculo da Paz,
com que dezejo remir ambas as familias ao antigo socego
com que se conservava, não só p." suavidade cumum dos mo
radores daquella Villa mas op.** parentesco, qua entr- si tem
e amizade que de antes professavão e neste gozo ( tendo per
dào das partes como confio , o hei por concedido tão nem em
nome de S. Magestade a todos os de huma e outra familia
que estiverem culpados, nas referidas devessas em especial
aos Camargos, que estão sentenceados em pena capital e huns
e outros, poderão livremente ser ocupados nos cargos publi
cos, sem em tempo algum se lhes formar culpa , nem impe
dimento dos crimes, porque forão condemnados. Mas se for
tanta a obstinação das partes o que não creyó que conti
puem acuzação para este negocio não tornar aos seus prin
cipios e se obviarem todas as consequencias que podem ser
damnozas a conservação daquella Villa. Hei por bem e ser
viço de S. Magestade que os culpados que tiverem parte e
principalmente aos condeninados em pena capital da familia
dos Camargos por haverem sido sentenceados em relação se
suspenda a execução dellas e não obrem az Justissas contra
elles ( em virtude das sno.cos dadas ) couza alguma, emquanto
não vem rezolução de S. Magestade sobre esta materia. E
querendo-se elles livrar, o fação ordinariamente perante os
julgadores a que pertencer sem serem constrangidos a prizão
para o que lhes concedo por esta seguro real em nome de
Sua Magestade e debaixo delle poderão livremente aparecer
nas aud.e.
eos e estar na mesma Villa ou fóra della, sem impe .
dimento algum das Justissas para com menos temor dellas
a requererem ahi com efeito da son.c- definitivamente a
sua culpa ; e as causas civeis, quando os mesmos re
ligiosos e mais pessoas acima ensinuadas não puderem tam
bein reduzir, a se concluir por conferencias da paz, cor
704

rerão diante do Juiz competente e nellas poderão proceder a


sequestro. Tudo o que nesta provisam resolvo , e ordeno
assim sobre a Eleição da Camara , como sobre o perdão dos
culpados que tiverem , ou não tiverem partes, se entende em
quanto não chega a ultima resolução de S. Magestade a
quem fico dando conta muito por dessa materia com copia
do presente, para que se sirva mandal- a confirmar, como de
vo esperar da sua Grandeza , ou determinar, o que parecer
mais conveniente ao seu serviço sem embargo da carta com
que S. Magestade teve por bem mandar aprovar tudo o que
naquella Capitania bavia obrado o dito Ouvidor Geral, João
Velho de Azevedo, por se lhe não haver reprezentado esta
materia com tão adequada informação da sua realidade como
era justo ; e ora o faço a S. Magestade de aprovar o per
dão e suspensão corporal, que lhes concedo na forma que
fica declarado, os não poderão prender official algum de
guerra ou de Justissa , nem outra pessoa alguma que para
isso possa ter comissão ou faculdade, emquanto não estive
rem outra vez repóstos no mesmo lugar dos que vierem a
dita villa ; e debaixo da fé desta provizão, porque nesse ca-
so os hei por tão livres e izentes de toda a jurisăição da
Justiça , e seus Ministros como antes della se passar estavão.
Pello que ordeno aos officiaes da Camara daquella Villa
Capm . Mór, Ouvidor pessoas particulares e Povo della, de
toda a Capitania de S. Vicente e bem assim a todas as
mais Justissas deste Estado a quem o conhecimento desta
com direito deva ou possa pertencer a cumprão e fação cum
prir, e guardar tão inteiramente como nella se contem sem
duvida embargo de contradição alguma de qualquer qualida
des que seja ou so offerecer. E havendo quem por algum
modo impossibilite, ou divirta direita, ou indireitamente o
effeito desta Provizão , o que não espero, se tiver posto o
hei por privado imediatamente della e o Capm . Mór, e Ou
vidor ou outro qualquer Ministro daquella Capatiuia à que
por qualquer das duas famil as for requrido o prendão e re
metão prezo a esta Praça va 1. " embarcação com 6 soldados
dos de Prezidio, ou ordenança a sua custa com a culpa que
se lhe formará por autos juridicos, de que consta para se
The dar o devido castigo alem de ser tido por inconfidente,
e encorrer em todas as penas de amotinador do Povo ; e
sendo pessoa p.ar iocorrerá tambem nas referidas, e se envi
ará logo em ferros desta Praça com os mesmos autos, e se
gurança a sua custa. Para firmeza do que mandei passar a
prezente sob meu signal e sello das minhas armas, a qual
se regis'ará pos Livros da Secretaria deste Estado, e nos da
Camara da d ta villa de S. Paulo nos da de S. Vicente , ca
beça daquella Capitania . Antonio Velozo o fez desta Cidade
do Salvador da Bahia de todos os Santos a 24 dias do mez
de Novembro de 1655 « Bernardo Vieira Ravasco a fez escre
ver » Conde de Atouguia ... Registada no Livro 1.º dos
Registros a que toca da secretaria do Estado do Brazil a fils,
755

96. Bahia de Dezembro 2 de 1655 > Ravasco . Cumpra -se


como nella se contem . S. Paulo 26 de Dezembro de 1655 »
Henrique da Cunha Gago » Francisco Furtado de Mendonça »
Antonio de Azevedo Magalhães » c Mathias de Oliveira »
Gaspar Cabos Fr*. » João Pires » Gonçallo Couraça de Mes
quita. Registada no L.° de Rºgiº desta Camara de S. Pau
lo a fls. 23 em 28 de Dezembro de 1655 » Meudonça ...
Com esta admiravel Provizão tão advertida , como conside
rada, pela grande esfera, zelo, e actividade do Conde de
Atouguia, ficarão as desordens tendo algum socego na parte
que dizia relação aos que offendidos podião seguir accusação
contra os crimes executados, pelos principaes cabeças, da fa
milia de Camargos, porque para logo dizistirão do intento da
uita acuzação e de pedirem civilmente as perdas e damuos
recebidos, por quererem conceder, com 0 mesmo interesse
da paz, que tanto encommodava o dito Conde de Atouguia .
Ficou a sua Provizão servindo, como de nova luy para as
futuras Eleições dos officiaes da Camara, posto que nem com
a providencia excellente, que nella se reconhece ficarão ces
sando de todo is antigos odics já entranhados nos animos da
mayor parte dos cabeças destas sedições tumultuozas porque
sendo já em 21 de Setembro de 1657 escreveu Francisco
Barreto Governador Geral do Estado, em cujo lugar sucodeo
ao Conde de Atouguia, huma carta a Jeronymo Pantojo Leitão
Capitão Mór Guvernador da Capitania de S. Vicente, e S.
Paulo, que fica copiada nests titulo no Cap. 1.° § 2.° e
nella tomamos as palavras que accuzão coutinuar alıda por
aquelle tempo a mesına antiga dezunião, como se vê do con
texto da dita carta ibi – Considerando eu que va ocazião
presente em que as armas desses moradores andam tào ocu
padas em reciproca offença de hups e outros, será serviço
de S. Magestade convertel-os cont a estes barbaros ( benefi
cio p ." dessa Capitania ficar quieta e utilidade particnlar dos
que vierem pela prezz dos que cativarem ) me resolvi orde
par a Vce. como por esta faço ; que tanto que rece
ber esta da Camara da V. de S. Paulo a que será
com esta . . . Ainda no anno de 1658 não se gozava em
S. Paulo da paz dezejada ; porque não tinhão cessado as
mortes, produzidas pelo deploravel estado de dezunião, contra
cujo mal havião os officiaes da Camara representado a sua
dor ao mesmo Francisco Barreto, como se vê da sua carta
datada na Bahia a 14 de 8bro. do mesmo ano de 1658,
que fica copiada neste titulo no cap. 1.° $ 2.º pelo contexto
ibi -- Não deixa de ser para sentir achar-se tanta dezunião
em vassalos tão leaes, como são os que S. Magestado tem
nessa Capitania de S. Paulo, pois por meyo dellas . se ex
perimentão tantos serviços de S. Magestade encont ando na
quelle a seo Parccho, não tendo jurisdição para poderem
fazer. Emquauto ás mortes de que V. Mce *. me fazem
queixa, hé o remedio mais efficaz para evitar tantos damnos
a união com que V. Meces devem viver entre si; esta en
756

commendo muito a V. Meces emquanto não mandar o sia


dicante que pedem , e para a Eleição dos officiaes da Ca
mara que não de servir o anno que vem , se ha de guardar
a ordem do alvará que passou o Conde de Atouguia mea
antecessor não innovando couza alguma pelo que me pareceo
avizar a V. Meces desta mivha rezolução para que a tenhão
attendido. — Concideramos que na Eleição que se fez no
anno de 1659 ( 2.º triennio de Pelouros depois do Alvará de
providencia do Conde de Atouguia ) nào se gozou da paz
dezejada, porque entre José Ortiz de Camargo, Fernão Dias
Paes, e Henrique da Cunha Gago, se acendeo o fogo da
discordia , tendo cada huma destas tres cabeças numerozo
sequito e grande roda de parentes, da mais principal no
breza de S. Paulo , sendo Fernão Dias Paes protector da
familia dos Pires, cujo partido representava Henrique da
Cunha Gago, legitimno descendente da familia deste apelido,
por sua May Izabel Frz, que era filha de Salvador Pires e
de sua mulher Mecia Frz, como temos escrito em tt." de
Cunha Gago, cap. 1. ° $ 1.º , e chegando a S. Paulo e Ou
vidor Geral do Rio de Janeiro e repartição do Sul, o Dr.
Pedro de Mustre Portugal en Dez. d4 1659, este fez Ja
vrar o termo do theor seguinte : – Anno do Nascimento de
Nosso Senhor Jesus Christo de 1660 annos a 25 dias do
mez de Janeiro do dito anno nesta villa de S Paulo da
Capitania de S. Vicente, na caza da morada do Ouvidor da
Camora, os officiaes da Camara e Juiz de Orfãos, os Pre
lados das Religioens a saber ; O M. R. P. Fr. Geraldo da
Orde: 11 de S. Antonio, Vizitador desta Provincia do Brazil ;
o M. R. P. Reitor da Companhia de JESUS Manoel Pe
drozo ; o M. R. P. Fr. Angelo Prior do Convento de N. S.
do Carino ; o Capm. Fernão Dias Paes, o Capm. José Ortiz
de Camargo ; o Capm. Henrique da Cunha Gago, moradores
desta Villa ; Logo pelo dito Ouvidor Geral , foi mandado a
miin escrivão fazer este auto em como estando elle na ci
dade do Rio de Janeiro cabeça de sua comarca ser indo e
exercitando o cargo de Ouvidor Geral desta repartição do
Sul, ora de proximo viera de Correição desta Villa de S.
Paulo , por bem do seo cargo , e na forma do seo Regimento
e achando os moradores della dezavidos e quebrados na paz
e amizade em que antigamente se conservavão suas pessoas,
cazas o familias ; e por razão de antigas inimizades e mal
querencias muito antigas que entre si tinhã » ; por cuja causa
de ordinario havião bandos, motins , e alterações neste povo,
com tanio excesso que por varias vezes tivhão chegado a
rompimeito de que havião rezultado varias mortes , ferimentos
insultos e, latrocinios, asim entre os mesmos moradores , como
po gentio, que cada qual dos ditos bandos a si tinha agre
gado ; e ultimamente achando -se esta Villa no mais mise
ravel estado, que se poderia considerar ; porquanto a mayor
parte dos moradores a tinhão dezamparådo e se hião me
teado no çertão e matos, fazendo novas povoaçoens e domi
757

cilios, vivendo sem sucego muy atrazados e deminulos em


seos cabedaer, e lavouras com o que o comercio e vendas de
S. Magestade se perdião ; e originavão grandes desserviços a
Deos e ao dito Spr. e o respeito e temor da justissa total
mente se perdia . E excogitando elle dito Ouvidor Geral com
madura consideração ( de hum mes a esta parte que eutrou
nesta villa ) os meyos mais suaves para reduzir cos mua
dores io vinculo da paz ; e união com que deantes se tra
tavão, e comunicavào cousas tão convenientes ao serviço de
Deus e de S. Magestade e ao bem comum e conservação
desta Republica e seis moradores e de tanta utilidade a este
E-tado do Brazil ; em cuja concideração elle dito Onvidris
Gerrl trata logo com grande disvelo e zelio do serviço de
S. Mag stade ) por sua pessoa e autoridade do cargº, que
* ctualmente está carecendo e com ajuda e intervençàn dos
Religiosos e pessoas mais nobres e auth' rizadas deste Povo
de meter paz e união entre os ditos moradores e atalhar os
damnus futuros, que os ameação como a experiencia larga
mente o hia mostrando, elle dito Ouvidor Gerai com o pa
recer do dito Capm . Mór, Camara, Prelados e mais pessi as ,
mandou vir ante si a os ditos Capitaens Fernão Dias Paes e José
Ortiz de Camargo e Henrique da Cunha Grgo por serem as
principaes pessoas e cabeças dos ditos baudos, e familias entre
si oppostas e sendo prezentes logo pelo dito Ouvidor Geral lhe
fry proposto o referido neste autto, requerendo -lhes da parte de
S. Magestade e da sua pedindo -lhes muito por m .' ' se recon
ciliassem, .. a paz, amizade, e união com que deantes
se tratavår, e communicai ão pois dahi se seguia tão grande
serviço de Deos e de S. Magestade e bem comun e geral
a estes Povis ; e do coutr.° grandes damnos e juinas pro
metendo lhes em come de S. Magestade o agradecimento e
premio devido a tão leaes vassalos; e o dito Snr. re haver
em tudo por muito bem servido para cujo efeito lhe daria
conta nas primeiras embarcaçoens; e o inesmo faria este se
pado de sua relação deste estado, para assim o ter intendi
do e do contrario ( o que delles não esperava ) se haver o
dito Snr. por mal servido, e desde logo lhes escapava esta
villa e todos os damnos, motivs, mortes, e outros máos suc
cessos, que nella de hoje em diante succedessem , em comi
nação, de serem outro sin, desnaturalizados deste Reinc , t
des e havidos, e reconhecidos por rebeldes, levantados, e
inobedientes aos mandados de S. Magestade e preceitos da
Justissa e das mais penas, que o dito Snr. for servido exe
cutar em suas pessoas e fazendas, e logo pelos ditos capi
tâes Fernào Dias Paes e José Ortiz de Camargo, e Henrique
da Cunha Gago foi dito que elles por si e em nome de suas
familias e parentes, amigos e aliados, prezentes e auzentes,
se obrigavam por suas pessoas a estar por todo o conteúdo
e declarado neste autto ; e de agora nem em tempo algum
hirem contra elle, em tudo ou em parte ; antes como leaes
vassalos de S. Magestade tratariam da firmeza e estabilidade
- 758

das ditas partes sem inovação nem alteração alguma ; e pro


metião e se obrigavão a estar por tudo neste auto declarado,
e de não ser visto agora, ucm ein tempo algum , faltar ao
comprimento dello o se cometião as penas nelle cominadas o
que fazião expontaneamente sem serem compellidos nem
obrigados a outra cousa. E logo o dito Ouvidor Geral em
prezença de mim escrivão e das mais pessoas retro declara
das, fez dar as mãoz a huns e outros para mayor firmeza e
estabilidade da paz e união que desde hoje em diante pro
metem guardar e observ.ir entre si e para a todo tempo
constar mandou o dito Ouvidor Geral a mim Escrivão fazer
este auto, em que todos com elle assignarão e que se regis
tasse no L.º da Camara desta Villa para a todo tempo con
star : e eu Gonçalo Ribeiro Barboza, Escrivão da Correição
e Ouvidr." Geral destas Capitanias do Sul por S. Magestade
o escrevy. ( Camara do S. Paulo, L." 1658, pag. 72, v ." . )
A provisão do Conde de Atouguia , sendo prezente ao
serenissimo Principe o Snr. D. Pedro, dignou-se a sua pa
ternal clemencia, de confirmar esta providencia a favor das
duas familias de Pires e de Camargos, por Alvará de que o
theer hé o seguinte :
Eu o Priucipo, como Regente e Governador dos Reinos
do Portugal e Algarves : Fasso saber aos que esta minha
Provizão virem que tendo respeito ao que se me representou
por parte de Fernão de Camargo morador na Villa de São
Paulo em razão de que por causas e motivos, que houve
entre a familia dos Camargos e des Pires que são as mais
principacs daquella Villa, chegarão as differenças a estado ,
que recorrendo por seus Procuradores ao Conde de Atouguia,
sendo Governador e Cap " . G. do Brazil , para os apaziguar
lhes deo a huns e outros seguro Real em meo nome, pas
sando lhes para isso Provizão emquanto eu nào determinava
o contrario dispondo se em huma tão boa forma, que se ace
barão as inimizades antigas e se aprezentarão as ditas duas
familias, huma com outra, com o que depuzeram os odios
passados, com toda a paz e quietação, pedindo nie man
dasse ord. nar ao Ouvidores Geraes do Rio de Janeiro e as
mais Justissos a que tocar dêm Cumprimento a dita Provi
zão para paz e sucego daquelles meus vassalos, e visto o
que se alega : Hey por bem de confirmar, como por esta
confirmo, a dita Prouirão pa' sada pelo Conde de Atouguia
em 24 de Outubro de 1655 para que se cumpra e guarde
muito inteiramente como nella se contem ; os Ouvidores
Geraes do Rio de Janeiro e mais Justissas, não obriguem as
ditas duas families pelas culpas antigas em que na dita
Provizão se faz menção pelo que mando a todos os Gover
nadores do Estado do Brazil, Ouvidores Geraes do Rio de
Janeiro, e as ma's Just :ssas e pessoas a quem pertencer,
cumprào e fação cumprir e guardar muito p. m . esta Pro
vizão e a do que nella se faz menção sein duvida alguma
por assim ser conveniente a ineo serviço e quietação das
753

ditas duas familias ; e esta vai como carta, e não passará


pela sanchelaria sem embargo da ordenação L.° 1.° tt.° 39
e 40 em contrario e se passou por duas vias. Paschoal de
Azevedo a fez em Lisboa a 23 de Julho de 1684 . « O se
cretario Manoel Barreto de S. Payo a fez escrever » .

« Principe » .... ( Archivo da Camara de S. Paulo , L." de


Reg." ", 11. 4, 1664 , pag . 125 ).
Depois correndo os annos quando foy no de 1688 0
mesmo Snr. D. Pedro estando já Rey se dignou confiimar a
mesma Provizam dos Pires e Camargos pelo theor seguinte :
- Eu El Rey faço saber aos que esta minha Provizam virem
que haveudo respeito a ter confirmado por Provisão do 23 de
Julho de 1674, o que havia passado em 24 de Novembro de 1655
o Conde de Atouguia, sendo Governador e Capm . Gn." do Es
tado do Brazil sobre o seguro, quo deo em meo nome á fa
milia dos Camargos, e dos Pires, assistentes e moradores na
Villa de São Paulo , assim sobre a Eleição da Camara , como
sobre o perdão dos culpados, que tivessem , ou não tivessem por
haver disposto tudo em boa forma, que se haviam acabado
as inimizades antigas, e as ditas familias aparentadas, huma
com outra, ordenando aos Ouvidores Geraes do Rio de Janeiro
e mais justissas, cumprissem e fizessem cumprir a dita Provizam
como hella se continba por assim ser conveniente a meo
serviço o quietação das ditas familias : e ora se me repre
zentar por parte do Capm . Manoel de Camargo, que estando
o Ouvidor Geral Thomé de Almeida de Oliveira em correição
nad . Villa de São Paulo em occasião de se fazer Eleição
não quizera dar cumprimento as ditas Provizões, por cuja
causa se hia amotivando, e rompendo as pazes, com que as
ditas familias se tratavam do que movido o dito Ouvidor
Geral tratara de fazer a Eleição guardando as ditas Pro
visões ; e porque podia succeder haver outro Ouvidor que
quizesse intentar o mesmo, me pedia mandasse passar Pro
vizam em que confirmasse de novo os ditos previlegios con
cedidos aquellas familias e ordenar ao Governador do Rio de
Janeiro fizesse dar cumprimento a ellas ; e no caso que
algum Ouvidor Geral as não quizesse guardar o fizesse fazer
e tendo a tudo consideração e ao que respondeo o meo Pro
curador da Coroa a que se deo vista : Hey por bem de
confirmar como por esta confirmo as ditas Provizões e privi
legios nellas concedidos as ditas familias na forma que nellas
se declara : Pelo que m.do ao Governador da Capitania do
Rio de Janeiro, Ouvidor Geral della , o mais Ministros a pes
soas a que tocar cumprão e guardem e fação inteiramente
cumprir e guardar as ditas Provizões como nellas se contém
sem duvida alguma e assim esta valerá como carta e não
passará pela sanchelaria , sem embargo da ordenação do L.”
2.° tt.° 39 e 40 in contr.° e se passou por duas vias. Ma
noel Pinheiro da Fonseca a fez em Lisboa a 28 de Dezembro
de 1688 o secretario André Lopes Lavre a fez escrever « Rey »
Conde de Val dos Reys.
760

Temos visto que deo causa para esta 2. confirmação e


procedimento do Dr. Thomé de Alineida de Oliveira Ouvidor
Geral do Rio de Janeiro e da Repartição do Sul achando-se
de Correição em São Paulo, e conio edeo do seo intento e
praticou na factura da Eleição de Pelouros, a observancia
da Provizão do Conde de Atouguia, confirmada já pelo serenis
simo Principe Sr. D. Pedro em 1674 ; ficou por esta acção
e por outras mais que obrou a bem da Republica serviço do
Rey e de Deus, acreditado de Ministro Zelozo, e recommen
davel para que sua memoria se perpetuasse, o mandarão re
tratar os Republicanos e colocar esta efigie na parede da
caza do Concelho de São Paulo : porém quando foy no mez
de Fevereiro de 1688 já o dito Ministro se achava na Villa
de Santos indo de retirada para o Rio de Janeiro e no mez
de Março do mesmo anno, foi roubado o seo retrato da Caza
da Camara onde se achava , e para cujo inzulto foram abertas
as portas com chaves falsas. E era neste anno Juiz Ordi
Dario Francisco Nardi de Vasconcellos natural da Cidade de
Lisbra filho de Antonio Nardi de Vasconcellos e de suamu
de
lher D. Jeronya M. de Almada que faleceo pelos annosque
1712 neto de Leonardo Nardi e de sua mulher D. N.,
foy irmâ inteira de D. Diogo da Luz Conego Regrante de
São Vicente de Fora onde existia pelos annos de 1701, sendo
Procurador Geral, e havia sido vizitador de Santa Cruz de
Coimbra ; irmã tãobem de D. Violante de Noronha mulber
de João de Souza.
Quatro cartas ineditas de Pedro Taques
I ) Destinatario desconhecido .
II ) A João Duarte França
III e IV ) A Agostinho Delgado Arouche.
Meu am .' e Sr. ( 1 )
Receby do Sr. João de Siq." a clareza das duas doblas q.
me deu V. M.ce aviso na sua ult ." de 27 sept.° Não vejo
comtudo o papel com a descend." de Mel da Costa Cabral .
Espero do obseq. de V. M. q . procure no cart ° de orphaons
dessa V.“ os invent.os q. lhe faley. Q.do for da nova remeça
espero os apontam.os que pedi . Faça V. M. tambem lista q.
mostre q.tos summarios lhe ficão .
V. M. me tenha sempre ao seu dispôr pois sou
De V. M.ce Cr ." Am .° e Obr.º

Pedro Taques de Almeida Paes Leme.


29 de nov.° de 1763 .

(1) Esta é carta evidentemente dirigida, como a seguinte,


a um thesoureiro menor da Bulla. A referencia a Manoel da
Costa Cabral faz suppor que o destinatario residia em Tau
baté (Vd. Nobiliarchia Paulistana, titulo Costa Cabraes, Ca
pitulo I ).
Sr. JoÃO DUARTE FRANSA .

Por fim tomei nova rezolução v.' ' não poder ir estabe
lecer me nessas diivas como desejo emq.tº durar a prizam de
serviços de El Rey de q . já pedi successor. Vay a m ." mul
lata Maria na companhia do marido Thomaz Damasceno
Meyreles, para tratar com sua agencia de lucrar p .*
8078.ºs em que lhe corto o preço da alforria , subordinada e
sempre sugeita a obediencia de meu am .° Fructuoso Macha
do e Silva, a q ." hade ir dando o ouro p ." se lhe pôr em
recibo, aus.se o Goarda Mor e a V. M., como declaro no pa
pel que lhe passey. Paresse me q. não desmeresserá o favor
da entrada da casa de V. M. e de outros Snrs. casados, p .
q. sempre teve creação com tratam.tº e servindo a sephoras.
Mando vender tambem hua boa escrava mullata solteira ,
moça , sãa e sem minimo vicio ... cosa p." todo o serviço e
para andar na catta : chama se Ritta , hé de hua minha
Prima a Sra. D. Custodia q . se lhe rematara por 40$ e com
ella mais outra por 60$ — para pagar hua divida que a to
mey a mim p ." vedar esta roina. Vay entregar ao Lic.do
Germano Moniz, com carta minha, p.* ser vend.", empenhada
ou queimada por 100/8. ** q . vale 140 /8.08. – V. M. concorra
com sua inculca ( ? ). O crd .° de V. M. de 13 $ 180 o achará
em mão do d.º amigo Fructuoso Machado, para que este ouro
junto com o da Bulla me venha aqui em Ag.to pr. p . q . a
frota hade chegar em Julho pelos avisos g . agora temos.
Antes de vir o ouro V. M. fará lista em que mostre q."tas
summarios se venderão de 320 rs. , de 160 rs., de 80 rs., q .
com o Real 5.° somma tantas 8.as houve de accre ciino nos
preços miudos tanto Rendeu abaixo da Bulla tanto de q .
La de vir assignado. – V. M. ou coadjuc !or que assistir a
abertura. Agora vay o Cred .° de Francisco Bueno p . a
v.* delle pagar 105$ e os juros por me escrever g . não ar
riscava o ouro, nem pagava seu receber e seu crd .'. V. M.ce
lhe falará nesta materia p. q. supposto lhe escrevo tambem
ordeno ao am . ° Fructuoso q. não recebendo logo o ouro
prompt. venha o d .° cred ,' p. q. cả ha fiador a q ." se hade
ex. ' pellos seus bens v.tº g . a ininba attensão e cortejo se
pão reconhesse. Concorra V. M. para a venda das m.es
terras q . as mando reputar e recommendo este vegocio ao
sobred . am .' , ao Goarda -Mor e a V. M. e a todos escrevo,
e tambem ao meu amado Lic.do Germano Muniz Barreto es
perando boa utilid . tendo tão bous procuradores e sendo as
minhas terras 2 dattas 12 e boas terras.
764

Veja V. M. q . desejo dar lhe gosto no que couber na


minha inutilidade. Estimo ter occasião do seu serviço.
D .: G.de a V. M. m . annos. S. P., 28 de mayo de 1764.
De V. M.

M. certo venerador e servidor,


Pedro Taques de Almeida Paes Lemo.
MEU MUYTO VENERADO S " COMP. AGOST.' DELGADO
AROUCHE ( 1 )
Depois q. o amor e a compaixão de V. M. se dignu
segurar-ine q . de algias patacas do seu gasto valleria a m."
afflicção q.do ivy na morte do meu prezado Balduino, assen
tey commigo pagar breve esse emprestimo a q. se më assiste
fiado p ." o caixão, v." que p." a cera me tinha já soccorrido
o M. R. Con . Faustino Xavier . Agora pede o mercador
José Ant.° Roiz, e Dom.'s Fro.des Lima, o que lhes devo :
falta me para ajustar a conta dez patacas, e fico sem real
p." amanhã mandar ao assougue, até q. os negros venham
no fim de Mayo, com o q. der a catta , q. agora principiam
a abrir ; porém V. M. dará o pão pela sua occulta Provi
dencia . Soccorra me V. M.ce com 3200 ; e fique esta p .
lembrança de q. lhe hade pagar q." hé.
De V. M.

Comp . m.tº obr.° e partr. am.”


P.• T.es

Casa em 23 de Abril de 1773 .

Notas á margem : Forão no mesmo dia as des patacas


obrigação de meu compº o Sarg.tº Mór Pedro Taques de 3200.

( 1 ) Esta carta de calligraphia muito diversa das demais foi evidentemente


dictada por P. T.
Meu Comp. AM .° E S.' do C. ( 1 )
Depoiz de ter escripto a V. M. vendi 29 bois de S.
Pedro, que chegárão com a boyada do cor. P.to há hoje 5
dias a João Roiz Pinto, pela verdade que trata – m .* nào
vendendo e ficando 03 29 bois naquella invervada a discri
pção do campo, virião a ter o mesmo fim que 80 que vierào
no anno 1771 , q . todos se consumirão, hups mortos no In
verno e outros dispersos por esses immensos serrados; q. nem
o Cor.el tendo pioevs deixou de ter gravissimo prejuizo pela
diminuhição. Estes bois trouxerão hum pião por 5$ de S.
Maria ; e em Sorocaba chegarão 32 cujos novos impostos
são 3$200 ; e faz toda a despeza 8$200 ; porem o comprador
não me dá por agora nem hum real; e o pião, dos 5 $ : e o
conductor da boyada pelos 3200 dos impostos de Sorocaba ,
não dão lugar a mais espera ; por q. amanhă su recolhem .
Neste lance só V. M. pode valler me com desengauo de q .
este dr. não lhe possa dar senão depois da Paschoa que he
quando o comprador dos bois me hade principiar a pagar.
Èste favor bade vir agora por q . a noite vem o piào e o
capataz receber este dr. Esta sirva de cred .° por q. ha
morrer e viver D." nos dê a sua graça.
Cid . 25 de Janr.º 1774 .

De V. M.
Comp." Am ." e Cr.º am . obr.º
Pedro Taq. de Alm.da Pues Leme
Forão no mesino dias oyto mil e duzentos reis.
Arouche.

( 1 ) Foi esta carta evidentemente ditada ; em 1771 já não podia P. T. es


crever sinão co: n extrema dificuldade .
Memorial do Conego Antonio de Toledo Lara
SOBRE O

Processo por elle e seus irmãos movido a sua


tia D. Leonor de Siqueira Paes
E AOS FILHOS DESTA

Pedro Taques e seus irmãos ; allegação de prejuizos e responsabili


sação do autor da NOBILIARCHIA ( 1 )

( 1 ) Durante longos decennios deveram a Mãe do li


nhngista D. Leonor de Siqueira Paes e seus filhos avultada
quantia a seus sobrinhos e primos os herdeiros do Capitão
Mór Diogo de Toledo Lara.
Clareza e Conta do que deve a m.a caza a
da Senhora D. Leonor de Siq.a Pais, ou
seus erdeyros .
JANEIRO DE 1779

Clareza da conta que deve a casa e fazenda da Sra .


D. Leonor de Siq . Pais, Viuva do defunto Cap. Bartolo
meu Pais á casa e erdeyros do defunto Cap . Mór Diogo de
Toledo Lara de pr.al por Escritura 1 :040$620.

Por huma e critura pasada em o primeyro de Ju


Tho de 1740 pr.“ , divida proveniente a de
funta m . Mae a Sra. D. Angela de Siqueira 840$620
De juros vensidos desde que q. se passou a re
ferida escritura
De custas q. paguey o q. melhor cor sta das con
tas dos Autos feytas pelo Cap . José Dias
contador do Juizo 11 $ 984 1/2
Esta quantia q.do se reduziu a sua clareza a es
criptura já devia de juros té o dia em que
se passou a d . ” escritura 186$777
De juros versidos desde que se passou a men

sionada escritura $
1 Aos 5 de 9.bro de 1743 digo aos 22 de junho
de 1741 resebeo meu Pay do Sargento Mor
Pedro Taques de Almeida dos juros vensidos 65 $560
2 Aos 5 de 9.bro de 1743 resebeo minha May a
conta dos juros vensidos 107$620
3 Aos 18 de Abril de 1716 resebeo minha May
do Sargento Mor Pedro Taques a conta dos
juros 50 $ 080
4 Aos 27 de julho de 1747 resebeu m .“ May a
conta dos juros vensidos do d ." sargento
Mor 44 $640
5 Resebeo mais m .“ May a Sara. D. Angela , a
conta dos juros vensidos aos 22 de 9.bro
de 1717 seu trespasse que fez a Manoel
de Masedo 2738565
6 Resebeo mais a conta dos juros vensidos em
1.° de Março 5 $240
Resebeu mais a conta dos juros veosidos em qua
renta oitavas de oiro que vierão de Cuya
bá e se achavão no cofre dos Aus.tes, per
tencentes a da m.* tia a Sora . D. Leonor
770

no que fiz embargo e as tirey : a 1 $500,


aos 23 de Janeiro de 1758 , digo em 67 ' 8
de oiro como consta da provisão que se
acha nos autos... a fls. 13 96 $ 000
Resebeo mais com o valor do citio da Samam
baya da mulata Rosa, do preto Custodio,
velhos, Ephigenia com sua filha Adrianna.
O que melhor cousta do Aviso e Arrema
tassão que se acha em os autos de Sen.ca
alcansada contra d .“ m . “ tia , que se acha
em o cartorio desta ouvidoria, sendo ouv -
dor o Dr. Salvador Per. da S. “ aos 20 de
Julho de 1771 183 $ 000
Resebi em 16 de Março de 1779 do cofre dos
Auz.'cs o q . melhor consta dos Autos da
Execussão 503 $443 dos quaes a batidas as
custas acrescidas ficarão digo acresidas q.
são 4$089 ficarão 199$334 rs. de que re
cebeu o Recolh . ° de S.ta Thereza 68$809
rs. e eu fiquey..... de levar em conta
nessa divida como adeante se declara com 4303544

Lembrança da clareza do que a mesma Sora . D. Leonor


de Siq. Pais ou sua casa, e fazenda devem pela mesma es
critura referida a minhas Irmans D. Maria que por ser fa
lescida pertense a meu cunhado o G. Mor Agostinho Delgado
e Arouche, a D. Anna, D. Escolastica e D. Uisula , de uma
deyxa que nos deyxou o defunto Fr.co de tal Irmão do defunto
Provedor José de Godoy.

De pr.*? e juros pela escriptura referida passada


a 1.º de Julho de 1740 do q .' ° pertense
a cada huma das Legatarias 50 $ 000 200 $ 000
Dos juros versidos té o referido tempo em que
se reduziu a escritura a obrigação dos dous
200 $ 000 351 $440
Aos 9 de Junho de 1768 resebeo meu cunhado
o G. Mor Agostinho Delgado e Arouche a
conta do que lhe pertence 40 $000
Aos 18 de Abril de 1746 resebeo m . Irman D.
Anna a conta do que lhe pertec se 78220
A 18, digo 12 de Janeiro de 1746 resebeu m.a
Irman D. Anna a sua conta em hum corte
de saya de seda 478258
Aos 18 de 7.bro digo de Dezembro de 1746 re
sebeo m .“ Irman D. Escolastica a sua conta 288160
Aos 20 de Janeiro de 1747 resebeu m . “ Ir. D.
Ursula em hum corte de saya de setiin de
seda e outra de sarja 29 $440
Aos 23 de Janeiro de 1751 resebeo mais m . Ir.
D. Ursula em huma pessa de bertanha de
771

12 patacas em 4 v.ns de v.° de pataca e


mega em 4 d .** de cruzado, em 2 covados
de Baeta de 2 patacas a quantia de 8$ 640

Pelos recibos declarados, dia , mez e anno, se faz facil


mente a conta pagos os juros . Se resta alguma cousa para
o principal, ou não, e avendo para o principal, o quanto
ficou correndo a juros.
Suposto que nesta Cid . não ajăo beins para pagamentos
destas dividas por estar a casa da dita Senhora D. Leonor
de presente exaurida ; no Cuyabá á com que se possa sa
tisfazer toda a conta avendo quem cuide na cobrança, para
o que temos centença a nosso favor de ambas as parselas,
referidas pertencentes á casa, e a minhas Irmans a qual como
já disse se acha em o Cartorio da Ouvidoria .
Em testamento com que faleceu em Cagabá o Mestre
de Campo Francisco Lopes de Araujo, e é testamenteyro o
Padre Francisco Xavier Leite de Almeida, declarou que
sendo procurador dos Erdeyros do defunto Capitão Bartho
lomeu Paes de Abreu Cobrou por huma vez 200 oitavas e
por outra vez 200 oitavas que tudo faz a soma de 600 $ 000
e que estavão embargados por José da Silva Ferrão ; isto é
o que escreveu o dito Testamentegro a esta cidade, para
que mandassem ou Erdeyros r sseber esta quantia mostrando
estar já o Ferrão satisfeyto , para se lhe poder entregar.
Esse dinheiro verdadeyramente deve ser para o pagamento
de minha casa pelas referidas quantias que se vensão porque
onde á dividas não á Eraussa, e se estes a quizerem rese
ber por divida que lhes devia. A dicta sua casa o devem
mostrar por sentença como eu o faso, eles me consta nem
clareza tem do que diz se lhes deve, é o mais é que o Sar
gento Mór Pedro Taques, que Deus aja resebeu, por sua
mulher D. Ignassia, pouco tempo antes de chegar ao Rio de
Janeiro, vindo de Lisboa, 700$ pertencentes a dita Senhora
sua falecida May e os gastou, dando alguma cousa & suas
Irmans, com o titulo de que devia a ele e a elas, o que
devião fazer serto como já disse ; e Eu que tenho centença
pelo que se me deve, fiquey sem cousa alguma, alem de
outrus parcelas que antes des - a resebeu da mesma Eransa,
vindas de Cuyabá, sendo Eu não sabedor, e já em sua vida
cuydavão na arecadação dos ditos 600 $ Rs abelitandose Er
deyros como se abelitarão, cujo original da Abelitação se
acha no Cartorio da Ouvidoria, que se fez no anvo de 1776,
que por Eu falar nesta materia com dezingano se não re
meteu a dita abelitassão. Sen advertirem que esta não foy
feyta a beneficio de Inventario estão os ditos erdeyros de
seus beins obrigados e satisfazerem , não avendo beins no
casal de seus Paiz.
Para pagamento do que se deve a minha caza, tão bem
é de advertir que os 600 $ de que trata o capitolo antese
dente e pararão na mão de d . vi." de Campo e declarou
772

por seu falecimento, já não hesistem ; porque em fevereiro


chegarão nesta cidade 500 e tantos mil réis remetidos pelo
Juizo dos Auz.tes do Cuyabá ( onde ficou o mais q. prefazia
a conta de 600 $ de commissoins ) para esse Juizo dos Au
zentes de onde tirey por Justiça, o que consta do ultimo re
sibu nesta declarando a conta dos juros de 840 $620 r:. de onde
consta que receby do cofre dos Auzentes. O que melhor con
sta da quitação que se ade achør nos autos da Ezecução em
16 de março de 1779, mais ou menos 5038443 rs, dos quaes
abatidas as custas acresidas ficarão 499$356 ss. desses recebeo o
Recolhimento de Santa Thereza 68$800 a conta do que
devia ao dito Recolhimento minha Tia a Sr. • D. Leonor de
Srq." Paes por rateio que amigavelmente entre vós fizemos
para evitar causas e litigio, em juizo, cujo recibo consta do
Livro de Patrimonio do mesmo recolhimento, oude se acha
carregado os 200 $ do dote da Madre Regente, a Sra. Esco
lastica de Santa Theresa a quem satisfiz o resto do. q . devia
ao Recolhimento, e por si só ficarão livres as terras de Ajuá
em S. Pedro p." o q. dey tão bem 50 $000 de fóra segundo
o que está referido fiquey e é o que se deve reseber a conta
do q . deve m .* tia D. Leonor a casa, com 4 : 0$544.
Os 50$ com que asisti de foraa parte p .* a d.“ Madre
Regente pago o que estava restando dos 200 $ do sen dote
fica devendo, e não só ella está respousavel aos d .€ 50 $
mais a fazenda de minha tia a Snr.* D. Leonor sua May
devedora da escriptura dos 200 $ e a fazenda do Sargento
Mór Pedro Taques, fiador dos 200 $.
Coata de um commissario na Praça
de Santos

O SR. SARGto. Mór PEDRO TAQUES DE ALMEIDA Pars


LEMB. Ao CAP.” ANTONIO J SÅ DE CARVALHO. (1 )
P. Frete que paguei de dois caixões duas Ancore
tas e hua parreira q. veyo em hu Barril da
cid.. de Lx. em o Bergantim do cap . " Fellippe
Roiz de Barros 12 $ 740
Marca na V." de Santos $ 480
Condução para o meu Armazem $ 040
Dr. q. dei ao seu pretto Antonio q. vero da cid .
de S. Paulo com carta da Sr.“ D. Ignacia o
qual dr.° lhe dei p." Sua Matalotage $ 100
Dr.° q. despendi em condução dos volumes de Sima
para Cubatão $310

Soma 13$670
Villa de Santos 28 de Junho de 1776.
R.. conthendo na conta retr. que são treze mil seiscen
tos e setenta reis por mão do Sr. Guarda Mór Agost.° del
gado e arouxe e por verd . do referido pacei a prez.t" da m.“
lettra e sinal. S. Paulo 17 de Julho de 1776.
Antonio José Carvalho

Mais 6.400 q. dey a Sr. D. Ignacia m * Cm . p. o


carretto dos cayxoens no mez de Junho de 1776
A. D. Arouche.

( 1 ) No verso desta factura lê-se : obrigação do Sarg.th Mór Pedro Taques


de Almeida Pais da q . * de 138670 q . pagou 'Agostinho Delgado e arouche ao
Tente, Ant . José Carv.º mais 6 $ 100 q . dey p . * o carretto dos cayxoens fazem
209670 .
Snor. Sarg.tº Mór PEDRO TAQUES DE ALMEIDA Pais
LEME .

Recebi a carta de V. M.cc vinda ſ'or José Ramos, em 18


de agosto do prez .“ anno, datta de 21 de Janr. do mesmo
anno : estimey pelo coração que já me dava cuidº não ter
noticia da carta de V. M.ce porque na monção passada não
tivha tido carta, agora fiquey sosegado pela certeza da carta
de V. ki.co que foi p." mim de graude alivio e a estimo como
huma grande prenda sua.
Já estes dias escrevi huma cartinha pequena e á pressa
por não ter quein me escrevesse e nella lhe dava parte q .
pelo Cuyabá lhe fazia o Cap.“ Mór Diogo José remessa de
humas oit.ºs de ouro, que sempre a de passar de seisceptos
mil réis ; porque o anno passado paguei o resto da escriptura
– duzentos e settenta e homo oitºs que intendo vai em huma
barreta , e ao depois neste anno paguei duz.es e tautas que
não estou certo no computo que dei a conta das cazas e dos
escravos do papel, porque eu fiz aquella segurança porque
tenho muitos aqueredores e devo nos reziduos e poderião
pegar nos meus bens , e ficar eu sem ter com que lhe pudesse
pagar, e eu posto na rua , sem ter cazas, nein hun pagem
p.” me servir, por isso essa foi a razão de passar aquelle
papel com as circumstancias todas : Não tenha V. M. cuid .•
porque espero em Deus que seja pago por esta forma q. me
parece segurei a divida, e sempre p ." o anno seguinte se ha de
remetter alguma coisa e nesta parte me reporto do que o
Cap . Mór Diogo José escrever sobre o ajuste que eu fiz com
elle, quando fiz aquelo papel p .* segurauça daquela divide .
O d.º não sey se escreve a V. M. ou não nesta ocaz.an porque
está fora desta villa , nas suas lavras, que lhe era precizo
chegar lá, e que quando lhe havia de escrever e que já ti
nha entregue o oiro ou remettido p.* Cuyabá p." de lá se
fazer remessa dele a V. M.', estimarey que chegue a salvain. ''
que me não custou pouco ajuntar. Agradeço a V. Mºm .' •
e a Sua May e a todos o perdão que me fazem . Se en não tiver
com que lhe pague N. Snr. The pagará, porque he esmola
m.tº grande e isso bastou p." me por no cuid . de pagar, se
D." N. Snr. me ajudar que já vay em bom termos. Eu
sinto tanto a derrota que V. M.ccs tiverão agora por esta
que V. M. me escreve, hé que vejo haver tanta execução
na caza , já não tem remedio , paciencia eu o sinto propria
mente como coisa minha.
O Cap Mór Diogo José me disse que o def . M. de
Campos Francisco Lopes apontára no seu testam.tº quatro
775

centas oitavas de ouro, não sey se hé certo ou não, que


talvez .... em si do oiro que lhe eu remeti e vão teria pago
ao Ferrão, poderá suceder assim . O ditto Cap . Mór ficou de
examinar isso para dar a V. M.ce parte ; sempre se carece
mostrar por algum modo se o tal Ferrão está pago, porque
o P. Simão de Toledo foi o que fez a venda do engenho
no Cuyabá , por minha ordem , e sugeitou a escriptura á di
vida do Ferrão e poderá o devedor querer se pagar dalguma
cousa disso, e a tal escriptura tem juros, que já a de em
portar suas oitavas de oiro.
Eu vou passando com a m .“ vilhise e mi.'s molestias, mas
sempre com o cuid. e o dez.' de ver a V. Me ainda, que
se eu puder depois de pagar a divida ir p. la morrer na
sua comp." não quero morrer aqui ao desamparo, esta hé a
mesma verd..
A V. M.“, a Snr." May e as Snr.98 Irmãs agradesso m.tº
a lemb.ança , eu me recomiendo a todos da mesma forma , e
a Snr.“ Freira agradesso m .tº o cuid . que tem de me enco am
mendar a Deos ; eu me lembrarei tambem quando tiver ocaz.
de seu cuid.º. Se a Snr." May estiver ainda viva esta aja
por Sua, a q . " e V. M.'', e a todos me torno a recomendar
saudoso, e fico como sempre a ordem de V. M .“ a cuja pes
soa Guarde Deus m.'s annos . Villa Bella 25 de agosto de 1772.
De V. M.ce

Irmão no amor . Am . ' o Seu am.te Criado

João Fra da Cruz ( 1 )


Aqui se acha hum pay catonio g . foi pagem do defunto ,
Canıbayo dos pez, que manda a V. M.“ muitos recados, é
Snr." May, e a todos, elle já he muito velho, e fòrro, mas
sempre assiste comigo.

( 1 ) Traz esta carta typo interessante do estylo epistolar da cpoca e


cheia de noticias referentes á liquidação em Cuyabá de herança de D. Thereza
Paes , irmã de Pedro Taques e viuva do opulento Mestre de Campo Manuel Dias
da Silva -- traz o documento a seguinte nota á margen :
Carta do Sr. Cap . João Pr.a da Cruz m.ºr no Matto Grosso de Cuyabá .
Recebida em 1.r3 de Dzbr . ° de 1774 .
Respondida em 6 de M.° mez por neu comp.º Santos e assinada por
minha Esposa ,
Torney a responder em 8 de mayo de 1775 avisando de q . não tinha
chegado remessa e dando resposta a carta de 18 de agosto de 74 .
Estas annotações não podem ser do punho de Pedro Taques que nesta
occasião se achava muito mal em Lisboa . A 30 de Maio de 1775 de Lisboa escrevia
elle a Frei Gaspar da Madra de Deus vou « á presença de V. R. com o disa
bor de ser por punho alheio » ( Doc . Interess, IV ) . João Pereira da Cruz, ho
mem dedicadissimo ao pae de Pedro Taques de quem fora empregado, devera á
familia do seu patrão grandes quantias que procurava escupulosamente pagar,
tendo sido um procurador zelosissimo dos interesses de seus credores em Cuyabá.
Testamento de Pedro Taques de Almeida Paes Leme
O Testamento de Pedro Taques
Feliz acaso fez coin que pudessemos encontrar num dos
cartorios de S. Paulo o testamento do historiador dos ban
deirantes e quasi perfeitamente legivel. Feliz acaso pois do.
cumentos identicos de fins de seculo XVIII em S. Paulo, são
raros. Desanimara-mos de o encontrar, certo do que se per
dera pois föra inteiramente desconhecido de Azevedo Mar
ques, incansavel e arguto arrolador de cartorios. Sem este
testamento que reproduzirnos quasi na integra, como os leito
res verão, seria impossivel reconstituir a biographia do li
nhagista sobretudo no que diz respeito ao acontecimen
to capital de sua vida, a destituição do cargo de Thesou
reiro Mór da Bulla da Santa Cruzada c o confisco de seus
bens .
Redigido por um individuo que conservara a integridade
das faculdades mentaes, e a coragem e a serenidade des fortes
no meio da dissolvencia geral do organismo e entre Os

horiores da ultima phase da tabes dorsalis, ó o testimento


o curioso depoimento do estado dalma de un infeliz, resi
guada e piedo a victima de clamorosa injustiça. E' un bra
do de beira tumulo apregoando a verdade e clamando por
justiça..
A rar. s homens coube a serie de attribulações e des
graças tão numerosas e extensas que a sorte reservava &
historiador. Certamente como documentação das amar
guiadas peripecias de sua existencia accidentada, o testamen
lo que descobrimos corresponde a uma peça irsubstituivel.
Preude-se à biographia de uma personalidade do maior vulto
na historia de S. Paulo e do Brasil, basta - lhe esta attribui
ção para ihe consagrar proeminente importancia entre a dc
crimentação pelo Insituto recolhida e publicada. A gentile
za do Sr. Coronel Abelardo Goulart que com a maior pa
ciencia nos deixou revolver o seu cartorio , onde se achava o
testamento do linhagis , ficamos devendo o precioso achado
ta
de tão importante peça .
AFFoxo D' ESCRAGNOLLE TAUNAY .

S. Paulo, Junho de 1914 .


TESTAMENTO

(1 ) Em nome da Santissima Trindade Padre Fi:ho e


Espirito Santo tiez pessoas e hun só Deus Verdadeiro.
( 1 ) Fs, 1 .
780

Sa: bam quantos este instrumento virem que vo anno do


Nascimento de Nosso Senhor Jezus Christo de mil sete cen
tse setenta e sete aos 15 dias do mez de Fevereiro eu, o
Sargto Mór Pedro Taques de Almeida Paes leme estando
doente de cama em meu perfeito e juizo entendimento que Nosso
Senhor me deu, temendo-me da morte e desejando por a mi
pha alma em caminho de salvação não sabendo porem o q .
Deus Nosso Senhor de mim quer fazer e quando será servi
do de me levar as sy faço este testamento da formaseguinte :
Primeiramente encomiendo minha alma a Santissima
Trindade que a creou e logo ao Padre Eterno pela morte
e paixão de seu Unigenito Filho a queira receber como re
cebeu a sua estando para morrer na arvore da Santa Cruz e a
meu Senbor Jezus Christo peço pelas Suas Divinas Chagas
que já que nesta vida me fez mercê de dar seu precioso
Sangue e merecimentos de seus trabalhos ine faça tamhem a
mercê, na vida que esperamos, dar o premio della que é a
gloria e peço e rogo a gloriosa virgem divina Nossa Senho
ra Madre de Dus e todos os Santos da Corte Celestial prin
cipalmente ao meu Anjo da Guarda e Santo de meu Nome
Sr. S. Pedro e todos os maie de minha particular devoção
que os tenho tomado pelos meus patronos para me assistirem
na ultima agonia queirão por mim interceder e rogar a neu
Senbor Jezus Christo, agora e quando minba alma deste cor
po sahir, porque, como verdadeiro Christão, protesto de viver
e morrer em a Santa Fé Catholica e crer o que tem e crê
a Santa Madre Igreja de Roma e nesta Fé espero de zal
var a minha alma não por meu merecimente, mas pelo da
Santissima Paixão do Unigenito Filho de Deus.
Rogo a minha esposa e snra. D. Ignacia Maria de As
sumpção e Silva e a meu Compadre o snr. João dos Santos
de Faria e ao snr. meu Compadre Guarda Mór Agostinbo
Delgado Arouche por serviço de Deus e por fazer -me
uma esmola queirão ser meus testamenteiros.
Meu corpo será sepultado na capella da Veneravel Or
dem 3. " de Nossa Senhora do Monte do Carmo desta Cidade
amortalhado no habito da mesma religião. Quanto ao que
pertencer ao funeral deixo á licção de minha esposa contan
to que não haja a minima pompa. Será meu cadaver en
commendado em casa pelo meu Reverendo Dr. Cura com 4
sacerdotes de sobrepelis e se lhes dará a Esmola competente .
Será meu corpo levado e deposto na Igreja dos Religiosos
para ali ser encommendado conforme costume da mesma Ve
neravel Ordem . E se não dará cêra alguma para a banque
ta do Altar Mór da dita capella ( 1 ) por ser um abuso in
troduzido a poucos annos contra a disposição das Actas.
Attendendo a minha total pobreza e por não offender
aos meus credores deixo 8 missas pela minha alma e as mais
( 1 ) Fs 1 .
781

que me competem são as de obrigação de minha Veneravel


Ordem 3." e as das Irmandades do Santissimo Sacramento des
ta Cidade, a das Almas, a do Senhor dos Pas: 0 :, e a de N.
Sephora do Rosario chamada a do terço.
E suposto que eu sempre pagueios meus annudes ,
parou esta saptisfação desde annos que me deixarão nú, to
ialmente, e a caridade dos fiéis me sustentava.
Os Srs. Provedores destas Irmandades determinarão neste
ponto como melhor entenderem em serviço de Deus e bem
de mioha alma. No caso porem que chegue despacho q'e
Sua Magestade Fidelissima que Deus Guarde se dignou ( 00
ferir-me na noite do dia 20 de Agosto estando eu já a ordo
e verificando- se os quinze mil crnzados de ajuda de custa
neste caso deixo por minha alma 200 missas e se deve pagar
coino divida que eu devo ás Irmandades.
Declaro que sou patural desta cidade, fi ho legitimo de
legitimo matrimonio do Sr. Capitão Bartholomeu Paes de
Abreu e de sua mulher Sra. D. Leonor de Siqueira Paes,
ambos já defuntos.
Declaro que fui casado a primeira vez nesta cidade coin
a Sra. D. Maria Eufrasia de Castro Lomba cujos appellidos ella
mudou assiguando-se D. Maria de S. Quiteria. Deste matrimonio
rive 7 filhos que huns ( 1 ) vrarão para o Céu em tenros
annos e só crescerão Balduino Abagaro que falleceu solteiro
e o Padre Mestre Frei Joaquim Antonio religioso de N.
Senhora do Monte do Carmo e somente un ficou e se cou
serva do primeiro matrimonio minha filha D. Emilia Flavia
da Conceição Taques que hé minha verdadeira herdeyra.
Casei segunda vez na cidade do Rio de Joneiro com a Sra .
D. Anna Felizarda Xavier da Sylveira , filha do Sr. André
Xavier da Sylveira e de sua Sra . D. Rosa; ( deste mairimo
nio não houve filho algum porque ella fall-ceu do primeiro
parto e a creança se tirou morta e em pedaços.
E como seus Paes, de jure erão herdeiros da meação que
Ihes tocava, e como ouvesse beins, para isso e eu me achava
com o incargo da Bulla que me não permitião distribair 03
beins ipotecados por Escr-ptura á mesmit Buila, lhes dei con
ta do meu Estado e que tão bem nada intereçava por
conta dos seus grandes encargos e lhe fiz restituir todas as jó
ias, peças de ouro, roupas muito ricas, enxoval e tudc ma's
que ella trouxe em uma grande Arca da qual fiz fiel entre
ga ao sargento mór Lopo dos Santos Silva e por este mo
do ficarão todos acommodados.
O dito meu sogro para me valer, por emprestimo pediu
3000 cruzados ao seu grande particular amigo Antonio Al
vares de Oliveira que tinba acabado de ser Almoxarife da
Roal Fazenda cujas contas lhes tinba tomado o dito meu
sogro como escrivão que fora da Real Fazenda. E como em
( 1 ) Fs . 2.
Tn ?

( 1 ) mão do dito Antonio Alvares paravão como por deposito


que para tudo concorreu meu sogro com 3000 cruzados que se
devia recolher ao cofre da Real Fazenda o que se não fez,
e se ficou utilisando deste dinheiro o dito Antonio Alvares.
Por conta de todas estas circunstancias eile einprestou ao
dito meu sogro os ditos 3000 cruzados para eu me utilizar
delles. Receby este dinheiro por mão de meu sogro e passei
escripto de obrigação desta quantia e neste tempo não tinha o
menor conhecimento deste homem . E em poucos wezes mandei
desta cidade ao meu sogro varias barras de ouro para com
ellas seguir as minhas ordens, sendo o primeiro pagamento
de Antonio Alvares de Oliveira . Com effeito levou meu sogro
o dipheiro ao dito Autonio Alvares a quem pediu que se
queria utilisar do mesino dinheiro e como Antonio Alvares
dependia de meu sogro para lhe conservar o deposito dos
30.000 cruzados com inuito gosto estive per tudo.
Assim forão correndo os annos athé que falleceu meu
sogro, pobre e sem cousa alguma para as suas dividas, elle
sucedeu no officio seu filho meu cunhado Julião Francisco
Xavier de Siqueira Monteiro e como o Conde da Cunha entrou
no exame de Real Fazenda foi preciso que o deposito do
30.000 cruzados de Antonio Alvares passasse para o cofre
Real. Neste lance se empenhou Antonio Alvares com meu
cunhado para se lhe consrevar ailda o deposito offerecendo
por premio os 30.000 cruzados de que meu sogro se tinha
utilisado e totalmente não havião bens para pagamento.
Nestes ( 2 ) termos já se vê que não sou eu o devedor.
Assiin pratiquei como elle, em Julho de 1774 , e lhe adverti
que consultasse esta materia de tanto peso a sua consciencia .
Quem sabe bem de todo o referido é meu cunliado Julião
Francisco Se depois de minha moite intentar Autonio AI
vares por ter em seu poder o meu escripto de obrigação pe
dindo solução de divida , se tirará daqui toda a informação
para o letrado que me ha de defender.
Declaro que , no testamento, minha Irmana Sra. D.
Thereza Paes da Silva deixou por esmola 16 $ 400 á preta
Luiza, velha, a qual eu a recolhi para a minha casa pelo
ainor de Deus e The fui assistindo até que ficou inteiramente
paga e muito mais em mortalha e enterramento.
Sou administrador da fazenda de S. Pedro e esta herança
de minha Irman nunca jamais athé agora ouve quem quizesse
comprar esta fazenda e se conserva no absɔluto dominio do
fazendeiro Ignacio Vaz Teixeira ao qual ainda se não fez
partilha para tirar o quarto dos animaes que lho tocame
deste lucro pagar o em que for alcançado de varias extorsões
que dizem ter praticado. Tudo quanto pertence a esta he
rança se achará carregado em conta de deve e ha de haver,
no meu livro em que me assignei poucos dias antes de em
( 1 ) Fls . 2v .
( 2 ) Fls . 3 .
- 785

barcar para Santos e o que tem acreseido de rendimentos de


então para cá se acharão carregados no dito livro.
Sem haver conta liqnida mandada do Tribupal da Cru
zada contra mim ( 1 ) pois o Juizo Comissario o contra, digo
commissario de S. Paulo só pode executar o que se lhe or
denar, derepente se mancommunaram o Cap. Alexandre Barreto
de Lima e Moraes o Dr. José Carreza da Silva, o Real Com
missario e o seu escrivào. .
Decl - ro que sendo en provido em thesoureiro mór da
Cruzada de toda a capitania de S. Pau'o, da de Matto Grosso
e Cuyabá e da de Goyazes na escriputra que fiz de obrigação
dei por meus fiadores ao Sr. Capitão Alexandre Barreto de
Lima e Moraes e ao Sr. Guarda Mór José de Goes e Siqueira
porém esta escriptura que a ditou o M. Rev. Commissario Ma
theus Lourenço de Carvalho se afastou inteiramente de todas
as circunstancias que prescreve o regimento em varics ca
pitulos; chegando estas escripturas por duas vias ao tribunal
para e te aprovar. fez se a dita ( scriptura sem aprovação, o
se aquietou o mesmo tribunal porque o sargento Mór João
Fernandes de Olyveira que já era por escriptura meu fiader
até do meu futuro alcance se achou que ella bastava e por isto
se não mandou proceder a huma nova escriptura de obrigação
minba e peste estado ficou tudo . Não se tendo remetido
crdem do tribunal de couta liquida para eu pagar o alcance cu
ser executado pelos meus bens persuadido o M. R. Comissario
sub delegado de que eu vão t nha feito remeça do dinheiro
das ininhas cargas vivas que cada hua hé conta liquida , con
t :a mim mandou hir á sua presença e nella pelo seu escrivão o
Alferes Manuel Gonçalves de S. se fez a soma de todas as ditas
cargas vivas desde ( ? ) a 1." athé à 5.* e ultima do ando de
1.761 e todas fizeram a somma de 13.426 $ 886 3/4. Não
apresentei es conhecimentos do dinheiro que estava recebido
no Thesouro da Cruzada de Lisboa porque não tinha todas
commigo e paravam em poder de meu procurador Fran
cisco Peres de Souza de quem apreseptei uma carta de
sua letra e signal em que me avixava ter entregue pa Cruzada
o dinheiro que lhe tinha remettido da quantia de 2 :986 $ 760
porque a dita carta o dito Ministro com meus fiadores a ca
racterisaram por falsa, nem tào bem se me quiz levar em
conta 2: 305$700 rs. que o capitão João Carneiro da Silva
do Rio de Janeiro meu procurador confes ava em repetidas
cartas suas ser devedor desta quavtia porque passando letra
sobre os effeitos do contracto da pesca que elle administrava
no Rio de Janeiro não se cumpriu em Lisboa a dita letra e
com estas desordens sem se dar conta ao Tribunal de que
por cautela estavão os meus bens em sequestro, e de todos
os meus cinco fiadores, não só da primeira escriptura como
os da segunda ( que tambem se vão approvou em Lisboa ) o
( 1 ) Fls . 3 e 1 .
(2) Fls . Iv .
784

Dr. José Correia da Silva, João da Cunha Franco e Francisco


Fernandes Pinto, e esperar-se que o Tribunal expedisse as
ordens por conta liquida para eu ser executado, e como nada
disto se fez, ficou então importando o meu alcance em
8:955$066 rs .. Por ele fui sequestrado incontinenti eu e OS
meus cinco fiadores, por carta precatoria passada ao Dr. Ou
vidor Geral desta cidade po principio do auno de 69.
Cumpridos estes sequestros se passou segunda precatoria
incontinenti para os meus bens serem arrematados em praça
publica na qual arderão como em fogueira todos os meus
bens que por isso sendo elles tantos e de tal natureza ( 1 )
como se vê dos autos do sequestro não renderão nem a de
cima parte do seu valor. Todo este dinheiro se pôz em de
posito e a remessa que fez o Ouvidor de Goyazes que tudo
importa 3 : 940 $549 r;. que se conservào em o dito deposito.
E porque agora trago os conhecimentos de todo o dinheiro
que El-Rey tem recebido no Thesouro da Cruzada por eles
e conhece sem a menor duvida que no dinheiro depositado
está de mais que me pertence 247$822 rs. e 3/4 os quaes
se me nào podem aqui entregar athé que não chegue ordem
do Tribunal para isto porquanto este juizo commissario pão
tem jurisdicção para este pagamento .
Os meus fiadores requererão com voz de prisão que se
entregasser os meus livros de assentos e os de meus the
soureiros deste Bispado e todas as clarezas das bulas sobejas
que paravào no poder de cada thesoureiro e mesma forma
todas as clarezas de cada um dos meus thesoureiros que con
servavão bulas sobejas na Capitania de Goyaz .
Obedeci a tudo por não achar recurso contra esta vio
lencia.
Recolhidos os meus papeis ao poder do escrivão da bula ,
que foi o da diligencia o Alferes Manoel Gonçalves da Silva
ťaindit er : correição o Dr. Ouvidor Geral Salva - or Pereira
da Silva, por ele e a requerimento dos fiadores foram as bu
las sobejas tiradas do poder dos meus thesoureiros e se de
positarão por autoridade da Justiça e desta forma assim existe
esta materia athé o presente. Porém se por desgraça dos
fiadores faltarem algumas bulas daquelle numero que existe
autes destes depositos injustos e despoticos ; devem os ditos
fiadores tudo quanto faltar das bulas de defuntos, de com
posição escriptas que é o que hade receber o meu successor
e fazer lhe carga viva para miuba descarga. E dos ( 2 ) sum
marios que são os que o Tribunal ficou de mandar ordem
para se queimarem como se tem praticado em todo o Reino
e tão bem nas praças do Brazil se no tal deposito ouver
falta por vão corresponder á clareza do meu thesoureirc de
vem sofrer os senhores fiadores que requererão este deposito,
a falta que ouver porque eu fiquei desobrigado totalmente
( 1 ) Fl . 5 .
( 2 ) Fl . 5 v.
785

depois que dos meus thesoureiros se recolherão as bullas que


eu as tenho em ser no poder delles.
Isto mesmo corre com o que se achar em Goyaz onde,
por precatoria dos fiadores foram as bulas sobejas tiradas do
poder dos meus thesoureiros e se depositarão por autoridade
da Justiça. Entre as clarezas que entreguei em juizo foi uma
conta corrente provada com documentos contra o Rev. P.•
Dr. Antonio Pereyra de Macedo, vigario de Paranaguá ; de
pois me constou o nisto não ha duvida que o meu fiadoro
Dr. José Correia tomara a si esta cobrança que importava a
quantia de 24$ e que elle incumb'ra esta cobrança ao Sar
gento Mor Francisco Aranha Barreto que eutão_hera Capi
tão commissario naqueila Villa de Paranaguá. E como esta
parcella nunca jamais veyo para o deposito da ez cussão que
se me fez, deve fazel- a bôa a casa do Dr. José Correia.
Francisco Fernandes Pinto, morador de Villa Boa de
Goyazes, be meu procurador como tambem he meu fiador da
bulla, Julgo que tem feito algumas cobranças do thesoureiro,
alcançado José dos Santos Leão e que tem cobrado algu
mas parcellas de dividas a mim pertencentes. Este homem
eu o julgo de boa consciencia para dar uma conta corrente
de deve e hade haver e remetter o liquido ao monte da mi
pha casa e os meus testamenteiros lhe não admittirão as
parcellas das despesas que fez por parte da Sra. D. Maria
Angela ( 1 ) Eufrasia da Silva por ordem de quem correu
dem ; nda contra a alforria de uma mulatinha, e como eu não
mandei assentir para as taes despesas porque já estava no
estudo de mendicidade em que me deixou a execução da
bulla deve ele se quizer pedir essa despeza a dita D. Maria
a quem mandei conta corrente armada com ella ; além do
que no maço das cartas da correspondencia com o dito Sr.
consta esta verdade.
Declaro que desde abril de 1764 até Março de 1766
principiei a a assistir com dinheiros de primor, e fes soma
de 757 $640 rs. cujas parcelas distintamente lançadas se acham
no meu livro a p. 78. Alem desta soma ....... no mez de
Março que foi na forsa da arreyratação dos seus escravos,
pelo que os rematou para a dita senhora o Sargente Mor
Jeronimo de Crasto Guimarães paguei ao dito Sargento Mor
a quantia de 745$280 a saber : de Caetano 150 $ , de Josefa
140$ de Feliciano 51 $ 200 las 2 mulatas 400 $, e pelos sala
rios dos autos de rematação 3$880 rs. e tudo fes a sobre
dita soma de 745$280 rs e esta como acima fazem 1.502 $220 rs .
Fui continuando a minha assistencia athé que se con
cluiu a ultima parcela em 16 de Março de 1767 com a soma
total de 1 :906$750 rs. A esta grande soma foi a mesma
senhora pagando me com avultadas parcelas e não podendo
totalmente completar a divida e hera chegada a frota de 66
para eu fazer reineça da bula da cruzada tendo a mesma

( 0 ) F1 , 6.
786

Snra. pago no Rio de Jar.° ao meu: ( 1 ) procurador o Cap


João Carneiro 426$ 127 rs. por pagamento que fez a Matrona
& Snr. D. Anna de Siqueira e Mendonça , não ouve outro
remedio que remetterse para o Rio de Janeiro toda a prata
que tinha .
E por aviso do Capitão João Carneiro em carta de 6
de fevereiro de 1767 que se achará no maço desta corres
pondencia e com conta dos preços porque a mesma prata se
reputou e a comprou o ourives João Duarte Braga que toda
ella fes soma de 654 $ 649 rs . Eis aqui o grande cabedal de
arroubas de prata que nunca teve a casa do Capitão André
Alvares de Crasto, que melhor se verifica do lançamento e
avaliação ... no Inventario deste casal !
E tudo isto como catholico, esperando a morte todas as
oras, pelo meu deploravel estado, perdoo aos que se impe
nharão a me insultar va onra , e na fama. A dita Senhora
ultimamente ajustou a conta do deve e hade aver, e só me
deve as 100 oitavas de oiro com lhe wandei valer e pagar
a Pedro Roiz Pereira por outra quantia que tinha dito Pe
reira distribuido com uma grande demanda que sobredita
snra . correu em Villa Boa sobre certos escravos seus. Pedro
Roiz Pereira remeteu conta do em que consumiu 300 oita
vas cujo papel ... para na mão da Sobredita Senhora que
até agora não me tem pago pelos seus ..... e perseguições.
Declaro que os filhos desta Senhora me puzerão huma
demanda ; e foi o caso : A dita Senhora querendo servir ao
pardo Nicolau barbeiro, va arrematação de um casal de es
cravos Agostinho e sua mulher Anna, no juizo dos ausentes
chamou ao thesour . Francisco José Machado e lhe pediu
que assignasse o termo de arromatação com o dinheiro a
vista o quanto se havia ( 2 ) de correr pa meza para sal
var o reparo dos circumstantes á praça publica porque o
intereçado Nicolau era então porteiro os Auditorios e então
estava apregoando os bens.
Lavrou-se porem em nome do pardo Felipe Neri filho
da preta Josefa forra e por este modo ficou D. Maria An
gela Eufrazia devedora de 64$ preço da dita arrematação
ao thes.° Francisco José Machado e o pardo Nicolau senhor
dos escravos.
Correndo annos faleceu o pardo Nicolau e o seu casal
de escravos se forão acomodar a servir ao bastardo João Pires
morador no Pateo de S. Gonçalo Garcia. Com o tempo foi
fazendo suas saidus o preto Agostivho para as minas de
ouro de S. Amaro e se recollia .... passadus mezes vivendo
este casal como gado sem pasto. Athé que .. o tempo da
execução feita vos bens desta Senhorarodi quem eu hera pro
curador se valeu de mim o thesourei Francisco José Ma
chado para falar a dita Senhora para lhe haver o modo do
( 1 ) Fs . 6.v.
(2) Fs , 7 .
787

seu pagamento, pois havião auro3 que sofria o seu desem


bulco .
O remedio desta aflição fui obrigar -me eu ao di o the
souro Machado de que lhe passei escripto de obrigação e elle
me fez venda do mesmo casal de escravos pelo preço da pri
meira arrematação. A este tempo andavan as minas de S. Amaro
o preto Agostiubo de onde com portaria do governador Alexan
dre Luiz me trouxerão preso o para lhe fazer ver quem hera o
seu legitimo Snr ... o recolher a cadeia desta cid.' onde o
conservei o tempo . para o amapsar e castigar e tirando-o
da prisão o recolhi para a minha lavra do Quebra pé ; o
eu porque alcancei que carecia de cura o man : ei entregar a
meu compadre e bom amigo licenciado Vicente Pires da Motta
que na sua propria casa lhe fez cura : e estando são sahiu
o preto ao passe yo, ( nde os exequentes da Snr.“ D. Maria fi
zerão nelle penhora e se depositou no poder do pardo An
tonio Alvares de Castro ( 1 ) o qual como irmão dos exe
quentes não duvidou entregar o preto depositado para lhe
aproveitarem o serviço porque hera mineiro, levarão no para
as lavras de Caguassú onde o preto velhaqueando com os
jorvaes que não cutregava foi recolhido a esta cidade onde foi
surrado rigorosamente , conservado sempre em tronco athé que
huma noite, por alto juizo de Deus espiron e de manhti o
acharão morto. Correu a demanda que athé agora se nào
sentenceou e cu conservei sempre a minha escrava Anna
servindo me ella como minha propria escrava porque nella
jamais se fez penhora. Se o descair da sentença como me
persuado porque no tempo ... fui informado ... e os exequen
tes que... si jurarão pela informação que elles ... e ascustas,
se os beins do meu cazal chegarem para isto ; e a preta Anna
agora fiz venda della para casar com um preto , escravo de
João dos Santos de Faria, com o qual estava amancebada,
com o orror da luz de Deus, da Religião e de toda a vizi
nhança do Quebra pé.
Hé certo que as custas desta causa deve pagar a Snr.'
D. Maria Angela porque ella me conduziu para a defender.
E não só está obrigada a pagar as custas e a pagar- me
amim a mesma quantia de 60$000 que eu tenho pago å
Francisco José Machado pela dita senhora.
Declaro que me procurou aqui Sebastião Teixeira de
Miranda e me deu hum memorial que está n10 maço dosmeus
papeis esperando que lhe vencesse a dependencia de 49 doblas
que de bordo lhe sacarão por estar em pena de confisco para o
Rey, e como herio passados 4 annos som ter avizo ( 2 ) algum
de seu correspondente José Ferreira Coelho o qual tinha uma
via com premio de 200 $ 000 para levantar o dinheiro com
premio não o venceu athé que cheguei a Côrte e tendo pessoas
grandes se venceu a suma difficuldade pela ultima resposta
( 1 ) Fls . 7 v .
( 2 ) Fls . 8 .
788

que tinha dado o desembargador Fiscal que para se ver sua


resposta e estado de causa trouxe por certidão autentica que
está no massinho dos papeis de Sebastião Teixeira. Este
homem estava muito esquecido das cousas e por isto a infor
mação que me deu no seu memorial foi disparatada porem tudo
se venceu e levantei o dinheiro das 49 doblas que estão em
deposito geral onde paguei 2 %, como be costume... e le
vantace, me service dela porque quando algum dia ... The
hiria pagando pois que ...
No memorial que me evtregou e conservo evganou-se
com dizer que as fazendas que lhe levarão a bordo estavão
todas despachadas pelo consulado e apontou os marinheiros
testemunhas para a causa.
Mandei fazer petição contra elles, responderào que se
assignace a petição para hua injuria ; assim fez José Thomaz
por empevho meu. A causa ficara já na conclusão por
Agosto passado e o nosso letrado acentou que se perderia por
falta de prova. Vali -me do sr. João Pereira Ramos para que
não deixace perecer a José Thomaz . Sem que venham estas
despezas não se pode saber do liquido que para em minba
mão para pagamento dos herdeiros de Sebastião Teixeira ou
por sua mulher ou pelo herdeiro que deve haver em Portugal.
A conta corrente de todo este divheiro he a que aqui se
segue coin toda a verdade pois me vejo ás portas da morte
para não ocultar cousa alguma . As parcelas todas são as
seguintes :
Lerantei do deposito geral abatidos 12 %, a q.tia de 614$656
réis . Deste liquido tirei os 4º . de receber o dinheiro con
forme a prática da praça , do que ficou liquido 590$070 rs.
Do liquido paguei as despezas da causa que todas importarão
pelo rol do agente José Tomaz, que está no maço, 48 $ 795 rs.
que, abatida a despeza ficam liquidos 541$675 rs. do qual
liquido tambem hum mui limitado preço ao sr. Cap. José
Thomaz de Villa Nova ( que bem carregou a causa ) doze
mil e .
Doze mil e 800 rs. e abatidas estas 2 ultimas parcellas
fizou liquido 516$075 rs. de que sou devedor.
Declaro ultimamente que cazei com a Sra. D. Ignacia
Maria da Assumpção e Silva da qual tenho 4 meninas :
Catharina, Anna Leonor, Amatilde: Aurelia, Rita Mar
cellina as quaes serão minhas legitimas herdeiras.
Declaro que não tenho moveis ricos nem pobres porque
as roupas não passào de xitas finas e japonas de baeta e ...
seis escravos : Antonio Ladino, Antonio . . Salvador e
José , Marcellina e Anna, que minha mulber dará em inven
tario porque não he capaz de oocultar cousa alguma.
As dividas que se me devam são perdidas por antigas
que as nào pude cobrar em minha vida e he superfluo fazer
entulho no inventario .
789

Declaro que verificando - se a 15000 cruzados da ajuda


( 1 ) de custo fica dinheiro para pagar as dividas e pesten
cer-me a terça. Si dentro della couberem 200.000 rs, eu os
deixo pelo amor de Deus a minha afilhada Anda Jo quina
Repovata de Aguiar que a tenbo em minha companhia e se
da dita terça avultar maior quantia em digo
quantia iustituo a minha mulher por herdeira de toda e quaes
quer quantia para ajudar a alimentar a sua nàe e m ubas
filbas.
Os 200 $ 000 da orfå se procurará a entregar ao Capitão
Antonio Francisco de Sá para se lhe augmentar o principal.
De sorte que para o cofre dos orfãos não concinto.
E porquanto esta hé a minha ultima vontade do modo
que tenho dito. . . à Joaquim Francisco de Vasconcellos que
este meu testamento escrevesse, assim , do modo que eu fui
dictando. E para cumprimento de tudo quanto tenho de
clarado e de execução ao conteúdo neste meu testamento
torno a pedir a minha esposa , a meu compadre João dos
Santos de Faria e a meu compadre guarda-mór Agostinho
Delgado Arouche por serviço de Deus Nosso Senhor e por
me fazerem mercê querào aceitar serem meus testamenteiros
como no principio deste meo testamento peço aos quaes a cada
hum em solidum dou todo o poder que em direito posso e
fòr necessario, para de meus bens tomarem e venderem o que
necessario fôr para ineu enterramento e cumprimeuto de meus
legados e paga de minhas dividas.
Cidade de São Paulo, em 21 de Fevereiro de 1777 .
( Assignado ) Pedro Taques de Almeida Paes Leme.
Como testemunha que este escreveu, Joaquim Francisco
de Vasconcellos.
APPROVAÇÃO DO TESTAMENTO

« A 25 de Fevereiro de 1777 nesta cidade de São Paulo,


em casas de morada do Sargento -Mór Pedro Taques » etc cha..
mado o Tabellião João Baptista de Moraes declarou o se
guinte : « e o achey de cama de uma molestia antiga e humnes
chagas que lhe sobrevieram mas em seu perfeito juizo e in
tendimento segundo as respostas que me den ás perguntas
que lhe fis e logo por suas proprias mãos entregou -me este
papel vindo das suas »
Dictou-o a Joaquim Francisco de Vasconcellos mas de
pois o leu palavra por palavra. Deroga o instrumento
a qualquer testamento e codicilhos anteriores.
G. Mór Agostinho Delgado Arouche ; José Novaes Dias.
João dos Santos de Faria.
Manoel Per." Chrispim testemunha assignam com o testador.
( 1 ) Fls , 8 v .
790 -

TESTEMUXHAS PRESENTES :

Guarda Mór Agostinho Delgado de Arcuche, José Novaes


Dias, João dos Santos de Faria e Manuel Pereira Chrispim
que todos assignaram com o testador.

( NOTA DE LETTRA DESCONHECIDA NO FIM DO DOCUMENTO )


Falleceu o Sargento Mór Pedro Taques, 3 de Março de
1777 annos.

Cumpra - se como ueile se contem .


S. Paulo, 3 de Março de 1777 .
Andrade.
TERMO DE ABERTURA

Aos 3 dias do mez de Março de 1777, nesta Cidade de


São Paulo , em casas de morada do juiz ordinario Guarda Mór
Domingos Francisco de Andrade onde eu escrivão adeante
nomeado fui vindo para effeito de se abrir este testamento etc,
Eu João Baptista de Moraes, escrivão o escrevy.
DISCURSO
Pronunciado na sessão solenne de 1.° de Novembro de 1915
POR

Arthur Vieira Gomes dos Santos


Senhores :

Vinte annos completou agora o Instituto Historico e


Geographico de São Paulo ; ch gou a maioredade legal , como
organismo resistiu e sobreviveu as contingencias pathologicas
a que está exposta a juventude. Mal avisados andariam ,
porém , os que deduzissem , de tão curta vida, um indice de
inutilidade . Vinte annos,na vida do homem , são quasi nada ;
são o periodo da infancia e da juventude, em que elle, in
capaz de se sustentar por si mesmo, é um onus para a so
ciedade. que, formando-o ,nelle capitaliza os recursos com que
ha de alimentar as gerações do futuro. Na vida d'uma in
stituição scientifica, e em meio tão ingrato como o nosso,
vinte apnos são um attestado de vigor e pujança, d'uma
existencia fortemente radiculada, que na pertinácia com que
galgou o tempo e os variados accidentes que marginam a
vida, demonstrou e affirroou a vontade inquebrautavel de
viver.
Não se realiza, infelizmente, o phenomeno vital , no
nosso sodalicio, sem que o numero daquelles que escavaram
os seus primeiros caboucos ou cortinuaram com amor e de
dicação à obra dos iniciadores, vá sendo lentamente dimi
nuido pela inexoravel morte.
Cada étape que o nosso Instituto victorio : amente vai
transpondo é assignalada pelas sepulturas que vão ficando, á
beira do caminho, para onde os nossos olhos aiuda enterne
cidamente se voltam saudosos. Deuomivaram os gregos da
antiguidade esta rapida passagem dos seres na teria « corrida
do facho » . Cada qual com o fardo da existencia , recebia o
facho rutilante, que importava não deixar apagar, das mãos
dos seus antecessores. E, erguendo-o, acima da cabeça,
corria com elle através do mundo, projectando clareiras de
luz em torno de si . A marcha em breve se tornava mais
intepsa, a corrida mais frenetica, o galopar mais vertiginoso...
Até que, exhausto e moribundo, o campeão cahia, para não
mais se levantar, empregando o ultimo halito das suas forças
em transinittir 80 seu successor o fogacho sagrado. E este,
tomando - o das mãos que a agonia crispára, iniciava por seu
turno a corrida da vida , a corrida sem fim , a corrida em
que cada um de nós toma parte, do berço ao tumulo ; a
corrida que outros fizeram antes de nós, que outros conti
nuarão depois.
Esta bella allegoria do genio hellenico dá á vida um
sentido mysterioso e profundo Ophenomeno da existencia,
assim considerado, apparece- nos como um élo necessario e
794

fatal d'uma longa cadeia. Cada um de nós não é mais que


um temporario portador do facho ; mas a óbra para a qual
contribuimos com o nosso esforço, essa é eterpa, infinita, con
tinuará para além da nossa morte. Uma estreita solidarie
dade de acção e de objectivo prende os mortos aos vivos, o
passado ao futuro. E é consoladora a crença de que, ao
mergulhar nas sombras do tempo, cada um de nós deixou a
sua passagem na terra indicada por uma nova zona traus
posta, por mais alguns passos feites na estrada que a huma
nidade vem seguindo. Estrada em que ninguem sabe onde
começa e cujo termo todos ignoram ; mas que estreita .e
árida no começo, mercê dos esforços das gerações, se foi
alargando, matizando de flores, tornando-se mais bella e
mais facil .
Destas reflexões haurem conforto aquelles que, acompa
nhando á ultima morada amigos queridos, cainaradas de tra
balho , leaes e insubstituiveis collaboradores nas empresas
communs, revêem a excelcitude da sua obra, e murmuram ,
baixinho, que nem tudo morreu com elles . Dos consocios
fallecidos no decurso do anno social do Instituto, que hoje
finda, podemos dizer que conduziram dignamente o facho da
vida e delle se serviram para encher de luz a trajectoria da
sua existencia. Já a morte os segregou do nosso convivio e
ainda nos parece que a esteira luminosa não se apagou, que
o dourado rastro das suas benemerencias e talentos é visiiel
entre as sombras e crepusculos do horizonte.
Abre a série dos consocios cuja perda deploramos na
ordem chronológica do passamento, o dr. Ernesto Guilherme
Young, fallecido em Iguape, a 26 de Outubro do anno findo.
Era o dr. Young extrangeiro de nascimento, filho de Londres ,
inas em tào juvenís annos viéra ao Brazil , e tanto se iden
tificara com o nosso meio, que como compatriota o devemos
considerar. Do seu amor ao Brazil quiz elle dar eloquente
testemuvho solicitando carta de naturalização ; e na nossa
terra exerceu cargos publicos electivos, que foram a consa
gração do seu honroso titulo de cidadão brazileiro.
Nasceu o dr. Ernesto Guilherme Young na capital in
gleza, em 10 de Setembro de 1850. Alli fez com grande
brilhautismo o seu curso de engenharia ; e alli foi rece
bido solennemente, ao terminar seus estudos, membro do
Instituto Civil Ingeneers. Tinha apenas vinte e un annos,
quando, em 1871, embarcou para o Brazil , seduzido pelas
facilidades de um paiz novo, em plena phase de desenvol
vimento material, offerecia a um profissional cheio de bôa
vontade e de amor ao trabalho.
Foi nosso Estado o escolhido para esphera da actividade
do moco engenheiro ; e já hoje não é possivel falar do des
envolvimento das sciencias historica e geologica no Brazil
sem a elle associar o nome do inolvidavel consocio, que du
rante quarenta annos proficuameute se entregou a sérias e
notaveis explorações scientificas. Vereador da Camara Mu
795

nicipal de Iguape, alli creou um Museu , de que até a morte


foi director desvelado, - museu que enriqueceu o valorizou
com as suas felizes pesquisas. No primeiro numero da Re
vista do Museu Municipal de Iguape, impresso em 1907 fica
um estudo notabilissimo Apontamentos para os estudos das
zovas do Rio Ribeira e Municipio de Iguape que é um
util subsidio para a historia da região littoreana do sul do
Estado .
A’ revista desta casa deu o extincto numerosos trabalhos .
Nos differentes volumes que temos publicado figuram , da au
ctoria do dr. Young, os seguintes estudos :
1 ) Esboço historico da fundação da cidade de Iguape.
2 ) Subsidios para a historia de Iguape Mineração
de ouro .
3 ) Subsidio para a historia de Iguape - Seus funda
dores.
4 ) Historia de Iguape.
5 ) Documentos para a historia de Iguape.
6 ) Apontamentos genealogicos de familias Iguapenses ,
;) Aleixo Garcio .
O dr. Ernesto Gu lh rme Young era socio honorario do
nosso Instituto desde 20 de Agosto de 1901. Com elle per
demos um dos mais uteis e prestimosos collaboradores.
Grande e irreparavel perda soffreu o nosso Instituto com
a morte do dr. Bernardino de Campos, cccorrida em 18 de
Janeiro do corrente anno, e que desde 1912 era no:80 con
socio honorario .
A biographia do proclaro republicano não cabe nas
poucas linhas que o tempo nos consente ; ella , porém , está
escripta, pa memoria grata dos contemporáneos, naquellas epi
graphes lapidares que em poucas palavras recordam grandes
óbras. A vida publica do iminente cidadão abrangeu meio
seculo da nossa existencia politica : e não é possivel desvin
culal-a da historia da patria, de tal modo ella se integrou
no quadro dos successos nacionaes. Republicano da propa
ganda, homem de governo após o triumpho das suas ideas,
ministro, parlamentar, chefe de partido, o ancião venerando
que attivgira sem esforço, pelo direito do proprio mérito, as
mais altas sit iações a que um homem publico póde aspirar,
exerceu na sociedade do seu tempo a mais irresistivel influ
encia . Não é necessarin citar factos e datas para tracejar
essa biographia ; basta reler os anuaes brazileiros referentes
ás ultimas décadas para seguir, passo a passo , a existencia
do homem que, tendo sido como um symbolo da propaganda
democratica , no que ella representava de generosidade e de
ardor, foi depois um expoente da nossa cultura politica ,
quando a revolução triumphante o levou as culminancias do
poder.
Quer na gerencia do Ministerio das Finanças. grave
mente compromettidas quando o dr. Bernardino de Campos
assumiu a respectiva pasta, quer na administração suprema
796

do Estado de S. Paulo, que por duas vezes exerceu , a ca


pacidade politica do cidadào preclaro affirmou -se sem hiatos,
numa obra barmoniosa, que tinha em vista impulsionar todas
as molas do progresso, forçadas á « detente > pelo espirito
timido que presidia ás instituições conservadoras. Bernard no
de Campos desmentiu o aphorismo historico que faz dos pro
pagandistas personalidades incapazes dos responsabilidades
de goveruo. A acção dos agitadores deve cessar quando a
revolução sancciona a sua obra e exige a intervenção das
capacidades de governo. Afastam -se então os Jules Vallés
e vão buscar-se os Thiers ao seu gabinete de trabalho. Ber
vardino de Campos foi destes raros; transplantado da agi
tação dos comicios e da tribuna da opposição para as difficeis
tarefas do governo, revelou -se tão perfeito administrador
quanto föra ardoroso demolidor do imperio. Esse advogado,
que passara os melhores annos da sua inocidade na vida se
vera do estudo, cultivando a sciencia politica e a economia,
era dos espiritos melhor preparados para assumir a herança
dos estadistas do passado e realizar o programma Grmado
pelo partido republicano.
Na vasta obra politica de Bernardino de Campos, ha
um capitulo que será o eterno brazão da sua memoria. E' o
que se refere a instrucção publica. Bernardino de Campos
assigoalou a sua passagem pelo poder, dando o mais forte
inpuiso á instrucção popular. Devemos-lhe, com a institui
ção de muitas das nossas escolas superiores, a diffusão dos
estabelecimentos primarios nas mais remotas localidades do
nosso Estado . Na sua alta noção sociologica , Bernardino
de Campos comprehendera que as democracias só vivem e se
enraizam pela cultura progressiva dos seus cidadãos. Una
democracia que vào se apoiasse sobre o livro, que aos fun
damentos moraes vão ajuntasse os fundamentos intellectuaes,
morreria á nascença, como os sêres abortados, aos quaes
falta um orgam essencial . A essa dedicação pela instrucção
publica deve o Estado de S. Paulo o logar honrosissimo, e
unico entre os Estados federados, que occupa desde muitos
annos na União. O que se tem feito, depois delle , fez-se
ainda sob a sua influencia, obedecendo a um impulso ad
quirido, á velocidade imprimida, pelo seu alto descortino das
necessidades nacionaes, á causa da educação popular. Não
mais se poderá desassociar do quadro da nossa cultura o
nome do cidadão benemérito que deu per base logica ás
instituições republicanas a instrucção progressiva daquelles
que a revolução triumphante de 15 de novembro fez passar
da categoria de subditos, ás nobres funcções de cidadãos.
Quantas cousas a nossa palavra, sem cansaço e sem es
forço, poderia ir registrando, na evocação dessa grande e
magnifica vida de homem publico que ha pouco imprevista
mente se extinguiu ! Para que antecipar, porém , o que a
historia irá dizer com maior eloquencia ? E para que in
sistir na fixação de traços biographicos que o publico pau
797

lista tão bem conhece ? Bernardino de C :impos não esteve


isolado do publico , nem envolveu a sua obra, com as res
ponsabilidades respectivas, nes sombras do anonymato. Foi
popular, num meio onde a popularidade difficilmente coexiste
com o respeito e com a justiça . Nenhum homem publico
teve ainda, em vida , consagração tão intensa e sincera do
carinho, do amor, da quasi idolatria dos seus concidadãos.
Basta lembrar a inanifestação que ha cêrea dum anno se
fez, á sua chegada da Europa, para corroborar este, as erto
e documentar que nem sempre a ingratidão é o tributo dos
povos aquelles que dedicadameute os serviam . E , na sua
morte, essa idolatria revestiu as formas emotivas do acabru
nhamento que as grandes catastrophes inspiram .
No proprio dia em que se celebravam as exequias por
alma do dr . Bernardino de Campos, uma outra figura de re
levo desappare ia da scena politica e do quadro dos nossos
consocios . Referimo-nos ao senador dr. João Baptista de
Mello Peixoto, que do Instituto fazia parte desde 1896, como
socio correspondente, transitando a effectivo em 1904, quando
definitivamente se estabeleceu nossa capital.
O dr. Mello Peixoto era filho de Pernambuco, onde
nascera o 8 de m - rço de 1856. Formado em direito, exer
ceu durante algun tempo, numa das comarcas do seu Es
tado natal o cargo de promotor publico. Em 188 ! veiu para
O NOSSO tado como juiz municipal de Cunha, donde tran
sitou para varias comarcas, abandonando a carreira da ma
gistratura em 1886, para se consagrar á advocacia e á politica.
Filiado no partido liberal, apresentou -se canuidato á de
putação pelo segundo districto da ex -provincia de S. Paulo,
sendo eleito para o biennio de 1888-1889. No diario da
Camara daquelle tempo ficarain assig nalados os brilhantes
vestigios da sua passagem pelo parlamentn. Proclama a Re
pablica o dr. Mello Peixoto adheriu incoodicionalmente ao
novo regimen , prestando-lhe grandes serviço , nessa phase
incipiente organização partidaria. Recompensaram -n -o os seus
amigos elegendo-o deputado ao Congresso Estadual para o
triednio de 1896-1899 ; e, a partir de então, jámais aban
donou a politica activa e militante.
Seduzido pelas suas brilhantes qualidades de espirito,
Bernardino de Campos, ao assumir o governo do Estado,
convida -o para occupar a secretaria da Justiça , cujos vego
cios geriu com tanta dedicação como competencia. Em 1897
era nomeado para a secretaria da Fazenda , cuja gestào, um
anno depois, accumulava com a do Interior, cargos que exer
ceu até abril de 1900. Ao abandonar o governo, com o
advento do novo presidente Campos Salles, 1oi eleito senador
estadual ; e do seu fauteil o foi arrancar novamente Bernar
dino de Campos para lhe confiar a pasta da Agricultura.
Quando abandonou essas funcções, voltou p.ra o Senado,
donde não mais sahiu .
798

O dr. Mello Peixoto tinha, como poucos uma larga ex


periencia administrativa e politica ; e era dotado de extra
ordinarias faculdades de trabaibo. Duma grande modestia,
preferia , ao brilhantismo dos torpeios rhetoricos, a acção fa
tiganto nas commi: sões parlamentares, encarregadas de dar
corpo e forma aos projectes de lei. A sua notoria capaci
dade affirmou-se nos trabalhos da commissão de revisão da
Constituição e sobretudo na Commissão de Finanças de que
foi presidente. A sua passagem cmo secretario por todos
os departamentos do no: so apparelho executivo déra-lhe um
profundo conhecimento dos negocios publicos. A sna perda
foi, por isso, irreparavel pari o nosso Estado, que tanto ainda
aguardava daquelle privilegiado e inc:inçavel trab . Thador.
Em 2 de Fevereiro do anno corrente extinguiu -se no Rio,
na avançada edade de oitenta apnes, o notavel brasileiro
que fui o barào de Paranapiacaba, conselheiro dr. João Cor
doso de Menezes e Sousa . A geraçàs nova, vendo passar
nas ruas esse augusto velhinho, cujo nome estara apagado o
esquecido pelas implacareis revoluções do tempo, decerto
não suspeitava que ia alii un dos mais altos espiritos da
geração de autanho, que brilbara coin invulgar fulgor nas
lettras patrias ao tempo que destas se contavam a dedo os
cultores, embargados nos seus vôos pela mesquinhez e pelo
atrazo do meio.
O barào de Paranapiacaba nasceu em Santo3 a 25 de
abril de 1827. Formou -se em direito em S. Paulo, em 1848 .
Foi professor no Lyecu du Taubaté e em 1857 já advogava
na côrte .
Datam dessa época as suas primeiras affirmações littera
rias . Collaborcu assiduamente no Jornal do Commercio e no
Correio Mercantil. Eleito deputado por Goyaz , para a le
gislatura de 1873-1876 , notabilizou -se na Camara pelo ca
rinho e erudição com que versou as mais ardnas e embaraçosas
questões financeiras. Não é segredo que o imperador muitas
vezes o desejou ouvir sobre os assumptos dessa especialidade.
D. Pedro em breve se sentiu possuido de singular sympathia
por esse poeta e economista, que tão facilmente lidava cm
as cifras áridas do orçamento , como manejava as rimas ricas
e os adjectivos da polemica tersa e vigorosa.
Devem -se ao barão de Paranapiacaba os primeiros tra
ballos praticos sobre o povoamento do solo. As suas Theses
sobre a colonização do Brazi, contêm , em synthese, os prin
cipios de que sahiu a lei de 6 de novembro de 1876 , que
revolucionou o credito agricola, a lei de distribuição de ren
das e muitas outras . Consultor indispensavel do diaisterio
da Fazenda , alto funccionario sempre escutado com respeit
e acatamiento, a sua acção na administração dos ultimos
vinte annos que precederam a queda do antigo regimen fui
insubstituivel e fecunda .
A lista das obras que deixou impressas -- hoje inteira -
mente exgottadas e guardados os raros extmplares que exis
799

tem , com cioso amor, pelos bibliophilos denota as preoc


cupações dum espirito apaixonado pela belleza e impregnado
duma extraordivaria cultura classica .
Quando estudante, publicou um livro de versos - Harpa
gemedora -- que mereceu os mais calorosos elogios do grande
Bernardo Guimarães.
Depois escreveu uma obra sobre « ( Christianismo » , e
dois estudos sobre os sermões de Monte Alverne.
Traduziu Byron , Lamartine e Lafontaine.
Mas o que verdadeiramente deslumbrava o seu espirito
era a litteratura antiga, a qual o seduzia e inipressionava
pela majestade e opulencia dos seus conceitos. Numerosas
são as versões que emprehendeu dos mais bellos trechos dos
classicos. De Plauto traduziu a Marmita ; de Eschylo, o
Prometheu ; de Euripedes, Alceste ; de Sophocles, o Anti
gono, e de Aristopahnes, As nuvens. Mais do que tradu
ções são essas obras verdadeiras adaptações ; passadas ao crivo
das elegancias de nosso lexico, que o barão superiormente
conhecia e inanejava, como que adquiriam uma nova vida .
O barão do Paranápiacaba era um dos mais antigos so
cios honorarios do nosso Instituto, a que pertencia ha vinte
annos, isto é, desde 1895. Com elle desappareceu uma das
nossas mais gloriosus reliquias, e um cidadão eminente, cujo
nome ficará indissoluvelmente ligado á historia brazileira da
ultima metade do seculo findo.
Pernambucano como o dr. Mello Peixoto, e como elle
tendo gasto em S. Paulo uma parte da sua fecunda existen
cia , era o dr. Vicente Ferrer, chanceller da legação brazi
leira em Lisboa , e alli morto casualmente , a 15 de maio do
corrente anno, pelos estilhaços duina granada , por occasião
dum dos movimentos subversivos que nos ultimos annos têm
ensanguentarlo a capital portugueza.
O dr. Vicente Ferrer de Barros Vanderley de Araujo,
nascido a 13 de junho de 1837 na cidade do Cabo , era uma
das mais distinctas figuras das lettras juridicas e bistoricas
do Brazil . Estudára humanidades no Collegio das Artes do
Recife ; e após um curso brilhante na douta e gloriosa Fa
culdade de Direito daquella cidade, durante o qual obteve
successivas distincções, bacharelou - se em 1877. No anno
seguinte veiu para o nosso Estado como promotor e depois
juiz municipal de S. João dos Campos. Defendeu these na
nossa Faculdade, em 1879, obtendo o grau de doutor.
Voltando ao Recife, em 1880, alli abriu banca de ad
vogado, creando em pouco tempo uma situação privilegiada,
de acatamento e de estima, no fôro . Nenhum jurisconsulto
conseguiu ainda, no Recife, a nomeada e os triumphos que
exalçaram a carreira de advogado do dr. Vicente Ferrer,
Tomou parte em todas as questões importantes de direito,
que alli se agitarain , produzindo grande numero de traba
lhos forenses, que ainda hoje são consultades como fontes
de auctoridade. Da sua vasta capacidade juridica dao teste
800

munho dois livros justamente celebrizados pela critica : as


Notas ao Codigo Penal Brazileiro e a Religião e litieratura
dos criminosos, tendo este ultimo sido citado, com elogiosas
referencias, na celebre obra de Lombroso - L'uomo delinquente.
Muito profundo em estudos historicos, além de innume
ros trabalhos que figuram na « Revista do Instituto Archeo
logico e Geographico Pernambucano » , gremio de que o
grande morto era socio benemerito pelos seus extraordinarios
serviços, publicos A execução de Silvino Macedo, com duas
edições exgottadas, e A guerra dos Mascates, trabalho appro
vado pelo ultimo Congresso de Histcria Nacional.
Tinha no prélo a publicação do Ab edario juridico, de
Teixeira de Freitas, a terceira edição de Silvino Macedo e
a segunda da Guerra dos Mascates.
Vicente Ferrer era membro da Sociedade de Geographia
de Lisboa, do Instituto dos Advogados de Portugal e do In
stituto Historico do Brazil , além de muitas outras. Ao nosso
sodalicio pertencia desde 5 de outubro de 1904 , data em que
fôra eleito socio correspondente .
O dr. licente Ferrer tomou parte no Primeiro Con
gresso de Historia Nacional, realizado no Rio no amo ui
timo . O seu derradeiro trabalho vai a Revista desta casa
ter a honra de publical -o no seu XX, já em adeantada im
pressão . E ' a Genese da falsa tradição de 10 de nívembro
de 1710. E ' o ult.mo documento des excepcionaes dotes de
critico historico , que exalçavam a personalidade do nosso
saudoso consocio , tão prematuramente roubado ás lettras e
sciencias patrias pela brutalidade duma imprevista catas
trophe.
A 21 de junho extinguia-se docemente, como docemente
vivera, monsenhor dr. Francisco de Paula Rodrigues. Si assim
enumero os seus titulos e dignidades , é por obediencia ás
praxes protocollares do necrológio. Em realidade, esse santo
velhinho tinha um titulo mais popular que todis os outros,
Era o « padre Chico » . A sua batina, que brilhou pura e
digna através duma larga e operosa existencia , irradiava
clarões de bondade e de doçura. . Salvantes as differenças do
tempo e do meio, padre Chico foi o S. Francisco de As
sis da nossa época tão esterilizada pelos egoismos. A cari
dade que em tantos é espectaculo que só affecta as exterio
ridades, nelle era um incendio interior. Requeimava-o a
sêde de bem fazer. Passou na terra como passaram essas
criaturas excepcionaes, que deixaram o seu nome na historia
e na lenda, e que a humanidade reconhecida e cheia de
gratidão impotente deuominou santos.
Monsenhor Francisco ae Paula Rodrigues dispensa uma
biographia. Evocar o seu nome, o que elle symbolizava e
representava em nosso meio, é definil - o. O seu pauegyrico
tracejado pela unanimidade nacional á hora em que os seus
restos mortaes se perdiam nas sombras do sepulcro, é tão
recente, que seria ocioso repetil - o agora. Socio dos mais
- 801

antigos do nosso sodalicio, padre Chico foi elevado, em 1912,


á categoria de nosso consocio hono`ario. Nelle perdeu o In
tituto, com um exemplo vivo de virtudes raramente excedi
das, uma das mais privilegiadas cerebrações que a terra pau -
lista tem produzido.
A 8 de julho despenava em Pindamonhaugaba, torrão
onde nascera, o dr. João Marcondes de Moura Romeiro, que
ha doze annos era nosso consccio correspondente.
O dr. Joào Romeiro fez o seu curso de direito neste
Capital , recebendo o gráu de bacharel em 1865. Estudante
ainda, collaborou em diversos periodicos do tempo, onde in
seriu varias producções litterarias e scientificas. Nomeado
juiz municipal para Pindamonhangaba , alli se al stou no
partido liberal ; e tão grandes serviços lhe prestou que o
eleitorado o enviava , em 1878, á assembléa provincial, re
elegendo -o em 1880. Da sua passagem pela nossa assem
bléı restam vestigics imperecedouros nos discursos e pole
micas com que enfrentou antagonistas do valor de Rodrigiles
Alves, Paulo Egydio, Cockrane, Valladão, Pedro Vicente e
muitos outros .
Na terra da sua naturalidade, onde se acolheu finda a
legislatura, dedicou-se á advocacia e á imprensa e chefiou
o partido liberal local . Proclamado o novo regimen, o dr.
João Romeiro adheriu a elle e continuou a militar na poli
tica e no jornalismo, onde conheceu ainda muitos dias de
gloria e de triumpho.
Na Ista das suas obras avultam o Dicci nario do Di
reito Penal, que mereceu do grande jurisconsulto Lafayete
Rodrigues Pereira as mais bonrosas referencias, e o jury,
que é um interessante capitulo dum manual de educação
civica .
( dr. João Romeiro tomou part + no Eimei " Cingresso
de Historia Nacional realizado no anno ultim ), 110 Rio de
Janeiro, ao qual apresentou uma b ilhante memoria intitu
lada De D. João VI á Indep ? denial
A 17 de juiho do correttarno despedia - se da vida, em
Parahyba do Norte, o dr. Jeas C valean i Carneiro Monteiro,
nosso consecio correspondente desde 1911 , e auctor de impor
ta ites trabalhos que eram uma brilhante promessa do muito
que podia ser esse grandy espirit , ceif 1 is aos 31 anos de
edade .
O dr. Carneiro Mont - iro nasceu numa villa do Estado
da Parahyba em 1886 ; fez o Su Curs ) · direito na Facul
dade do Recife , bacharel- ndo -se em 1909 e log iniciou, no
seu Estado natal, a carreira da magistratura, sendo nomeado
juiz municipal do rilar, cargo que exerceu até 1913, anno
( m que foi collocado em Parahyba como redactor da Imprensa
Official. Da sua vida tào curta fica - nos uma série de tra
balhos, que attestain as suas inclinações litterarias e o seu
inter sse pelas cousas passadas. Além de muitas conferenc'as,
artigos de polemica e contos, que estão archivados da im
802

prensa da Parahyba, publicou o dr. Carneiro Monteiro un


importante trabalho, A Parahyba na revolução de 1824, que
é um valioso subsídio para a historia das discórdias intestinas
que se seguiram á nossa independencia .. Na Revista do In
stituto Historico da Parabyba, além desta obra, figura ainda
uma conferencia sobre a instrucção publica naquelle Estado,
além de alguns trabalhos de advocacia .
« Espirito methodico, -- delle disse um biographo, – po
derosa capacidade de trabalho, revelou- se superior em vários
ramos de conhecimentos, dedicando - se com é maior interesse
aos estudos da historia , da geographia e do homem parahy
bano. Perlustrou a imprensa, iniciou - se na litteratura, fez
prosa e verso com real applauso dos competentes. Era uma
intelligencia que progredia sempre , dotando a espaços o
nosso meio coin trabalhos uteis e bem lavrados. Coração
magnanimo e larga educação aprimorada, prendia pela lha
neza do trato, pela nobreza das acções, como admirava pela
simplicidade de suas maneiras e pela modestia excessiva .»
Estas palavras desenhain o perfil moral e intellectual do
saudoso parahybano, cuja morte prematura enluctou o cora
ção dos seus conterraneos.
Do quadro dos nossos consocios fundadores, hoje tão li
mitado já, mais um nome desappareceu no correr do anno :
o do dr. Oscar Schwench d'Horta , fallecido em Campinas a
21 de julho. O dr. Oscar d'Horta foi um dos trabalhadores
da primeira hora, na obra que o nosso Instituto representa ;
e, si bem que outros cuidados e affazares o afastassem em
breve do nosso convivio, não podemos deixar de registar a
viva saudade que o seu passamento nos despertou.
O major Domingos Virgilio Nascimento, festejado escri
ptor paranaense, socio correspondente do nosso Instituto desde
1913 , finava-se a 30 de agosto, na cidade de Curytiba , dei
xando de si memoria assignalada pelo incançavel concurso
que prestou ás bellas lettias.
O illustrado patricio, após seus estudos de humanidades,
entrou para a Escola Militar do Rio de Janeiro, onde se
distinguiu desde logo pelo seu bello talento litterario. Datam
dessa época remota os seus primeiros ensaio3 na poesia e na
prosa. Concluido o curso de artilharia, foi destacado para o
Paraná , em cuja guarnição sempre serviu . Fez parte da bri
Thante elite intellectual do Estado vizinho, cujas affirmações
já hoje não têm o direito de ser ignoradas.
A lista dos seus trabalhos litterarios é a seguinte :
Revocdas ( versos ), 1883 ; Threnos e Arruidos ( versos ),
1887 ; 0 Sul ( politica republicana ), 1898 ; Em Caserna
( contos militares, ) 1901 ; Peli Fronteira ( viagens ), 1903 ;
Homem Forte ( educação physica ), 1905 ; Flora Textil do
Paraná , 1908, e A Hulha Branca do Paraná, 1914 .
Destes livros, um delles, Homem Forte, mereceu a hou
ra de ser adoptado nas escolas publicas do Paraná, tributo
803

merecido a csse verdadeiro manual de cultura physica que


visava fazer homeus antes de fazer cidadãos.
Quando pela proximidade do encerramento dos nossos
trabalhos do anno, nós julgavamos fechada esta triste lista
de perlas, eis que um novo vácuo se abre em noESO seio .
Perfazem-se hoje, justamente, quinze dias que desta passava
a melhor vida o dr. João Alvares Rubiảo Junior, presidente
do Senado, antigo secretario do Estado, candidato unanime
mente acceito á presidencia de S. Paulo no futuro quatrie
ennio e personalidade notabilissima, por todos os titulos, não
só na nossa circumscripção estadual como na politica brasi
leira .
O dr. Rubião Junior era um dos ultimos esta listas da
quella derradeira geração que serviu com o imperio ; perten
cia á gloriosa phalange que, ingressando espontaneamente e
patrioticamente nas fileiras do novo regimen trouxe ao im
peto juvenil e apaixonado dos novos a correcção da experi
encia e da ponderação. O saudoso extincto era a personifi
cação do bom senso, alliado a uma profunda capacidade
administrativa, economica e politica . Dos grandes e meme
raveis serviços que prestou ao Estado e ao Paiz, no decurso
de uma larga carreira, fallaram recentemente os jornaes e os
tribunos, com uma unanimidade de sentin :ento que traduzia
o apreço dos contemporaneos.
Na idade em que outros descançam , ainda o illustre hc
mem publico, sedento de sacrificios e de dedicação pela pa
tria, exercia incapçavelmente funcções da nais alta respon
sabilidade e se aprestava para un posto de honra e de acção,
em que as suas notaveis faculdades decerto se revelariam na
sua total e insuspeitada extensão. Nào quiz o destino que
o dr. Rubiko Junior culminasse a sua carreira politica, onde
a intuição do eleitorado , nesta hora de angustia e sobresal
tos, desejava collocal.c. A morto surprehendeu - o inespera
damente ; e só quando o vimos sumir - se no tumulo é que
comprehendemos o verdadeiro significado da catastrophe que
nos ferira .

Ahi ficam , pallidamente tracejados, na improvisação apres


sida duma tarefa que a outrem com mais justiça se destina
va , os perfis dos consocios, cujo passamento enlucta os regis
tros do nosso anno social , que hoje finda .
Creio, seuhores, que as imperfeições do necrologio e a
incapacidade do panegyrista não impedirão que a vossa sau
dade, mais attenta aos sentimentos que rêm do coração que
aos reflexos que dimanam da intelligencia , se associe ao tri
buto e á homenagem que, pela minha vóz, o Instituto His .
torico e Geographico de S. Paulo quiz prestar hoje aos que,
na roda do anno, a morte riscou do seu quadro social .
ACTAS
DAS

Sessões realizadas no anno de 1915


ACTAS

Primeira sessão em 25 de Janeiro de 1915


PRESIDENCIA DO SR . SENADOR Dr. Luiz PIZA

Acs 25 dias do mez de Janeiro de 1915. ás 20 horas,


no salão nobre do Instituto Historico e Geographico de São
Paulo, á rna Benjamin Constant n . 40, realisa -se a sessão
inaugural dos trabalbos do corrente anno. Além de nume
merosos convidados, estiveram presentes 0.3 consocios srs. drs.
Luiz de Toledo Piza e Almeida , Francisco Antonio de Al
meida Morato, Arthur Vieira Gomes dos Santos, Augusto de
Siqueira Cardoso, Eduardo Loschi , João de Cerqueira Mendes,
Pedro Rodrigues, Affonso A. de Freitas, Domingos Jaguaribe,
Affonso d'E . Taunay, coronel Pedro Dias de Campos, prof .
Dionisyo Caio da Fonseca e coronel Antonio Raposo de Al
meida .
Presidiu os trabalhos o sr . senador Luiz de Toledo Piza
que teve por secretarios os srs. coronel Pedro Dias de Campos
e dr. Affonso de Escragnolle Taunay .
E' lida , posta em discussão e approvada sem debates a
acta da sessão anterior .
Aberta a sessão o sr. dr. presidente, dirigindo a palavra
á assistencia, fez um resumo dos trabalhos do anno findo,
salientando a forma como o Instituto h , nrára a memoria do
grande historiador paulista Pedro Taquez Paes Leme. Re
feriu -se ás perdas de consocios soffridas pelo Instituto durante
o periodo das férias, destacando o nome do dr. Bernardino de
Campos, socio illustre que foi da nossa aggremiação .
Terminando, o sr. senador Luiz Piza agradeceu a todos
os srs. consocios o interesse manifestado para com o Insti
tuto, informando a assembléa da lisongeira situação daqu- lla
collectividade, que tem actualmente todos os seus trabalhos
em dia e que se apresta para commemorar, no corrente anno,
o centenario do illustre historiador patrio frei Gaspar da
Madre de Deus .
Nada mais havendo a tratar, foram pelo sr. presidente
encerrados os trabalhos e designado o dia 5 do mez proximo
vindouro para a realização da segunda sessão ordinaria .
Alfredo de Toledo .
Gentil de Moura ,
Iffonso A. de Freitas .
808

Segunda sessão regimental em 5 de Fe


vereiro de 1915

PRESIDENCIA DO SR. SENADOR DR. LUIZ DE TOLEDO PIZA

Aos cinco dias do mez de Fevereiro de 1915, na séde


social, realisa o Instituto Historico e Geographico de São
Paulo , o segunda sessão regimental do corrente anno, tendo
tomado parte nos trabalbos os srs. senador Luiz de Toledo
Piza, drs. Alfredo de Toledo, Augusto de Siqueira Cardoso,
Affi nso A. de Freitas, Americo Brasiliense, Gentil de Moura,
Pedro Rodrigues de Almeida, Eduardo Loschi e Monsenhor
Ezechias Galvão da Fontoura.
Presidiu os trabalhoso sr. senador Luiz Piza que teve
por secretarios os srs. drs. Gentil de Assis Moura e Affonso
A. de Freitas,
No expediente foram lidos diverses officios e cartas e
accusadas varias offertas de livros, folhetos e revistas. Pelo
dr . Augusto de Siqueira Cardoso fo: an offerecidos um
exemplar de cada uma das obras hoje raras ; – « Voyage du
jeune Anachasis » – edição de 1839 : - « Precis de Geogra
phie Upiverselle de Malteburne » edição de 1832 : --
« Cours de Histoirie Moderne » de M. Guizot » edição
de 1839 : o primeiro tomo des « Tres philosophias » – de
Luiz Barretto e pelo sr . Affonso A. de Freitas à « Collecção
de leis provinciaes de São Paulo, de 1835-1837 ; e « Home
nagein à monsenhor dr . Francisco de Paula Rodrigues », não
sendo de menor importancia os trabalbos offerecidos pelos
dignos consocios drs . Theodoro Sampaio, Gabriel Piza, Abreu
Sampaio, Barão de Studart, Deocleciano Seixas, etc.
Todas as offertas foram recebidas com especial agrado .
Passando-se á primeira parte da ordem do dia fallou o
sr . dr . Alfredo de Toledo que, em longas e sentidas pa
lavras, fez o elogio dos socios fallecidos durante o interregno
das férias do Institute, srs. drs . Bernardino de Campos,
Mello Peixoto, Barão de Paranapiacaba e major Young, ter
minando por propôr, como uma jurta e devida homenagem
á memoria daquelles illustres societarios, um voto de p :o
fundo pezar pelos infaustos passamentos .
A proposta do sr . dr . Alfredo de Toledo foi approvada
por unanimidade de votos .
Urou em seguida da palavra o sr . dr. Pedro Rodrigues
de Almeida . Disse S. s . que passando dahi ha dois dias
o centenario do nascimento de Frei Gaspar da Madre de Deus
vem relembrar esse facto para que des annars do sodalicio
o qual , aliás, cogita de, crm opportunidade, homenagear a
alta individualidade do grande historiador vicentino, fique
constactada que na ses são mais proxima á luminosa data,
teve o Instituto Historico de São Paulo volt: do seu pense
809

mento para a illustre e inapagavel figura do auctor das


« Memorias para a historia da Capitania de São Vicente » .
O sr. presidente communica a casa que na proxima
seksão, a realizar - se a 20 do corrente mez, tomará posse o
sr. dr. Vicente Mellilo, de sua cadeira de socio correspondente
do sodalicio, e designa o sr. dr. Pedro Rodrigues de Almeida
para produzir o respectivo discu: so de saudação.
Nada mais havendo a tratar são encerrados os trabalhos
e em seguida levantada a sessão.
Pedro Dias de Campos .
Gentil de Moura .
Conego dr. Ilygino de Campos.

Terceira sessão regimenta ) em 20 de Fe


vereiro de 1915
PRESIDENCIA DO SR. CORONEL PEDRO DIAS DE CAMPOS
Aos 20 dias do mez de Fevereiro de 1915 , em sua séde
social , realiza o Instituto Historico e Geographico de São
Paulo, a terceira sessão regimental do corrente anno, tendo
tomado parte nos trabalhos os consocios srs. coronel Pedro
Dias de Campos, dr. Gentil de Assis Moura, Augusto de
Siqueira Cardoso, Domingos Jaguaribe, Eduardo Loschi , Luiz
Sergio Thomaz, João de Cerqueira Mendes e Mons. Ezechias
Galvão da Fontoura .
Presidiu os trabalhos o sr. coronel Pedro Dias de Campos,
que teve por secretarios os srs . drs . Gentil de Assis Moura
e conego Hygino de Campos.
Lida e approvada a acta da sessão anterior, o sr. pre
sidente tendo conhecimento da presença do socio correspon
dente ultimamente eleito, sr. dr . Vicente Mellilo, nomeia
para introduzir o novo societario na sala das sessões, uma
commissão composta dos srs. drs. Domingos Jaguaribe e
Monsenhor Ezechias Galvão da Fontoura .
O sr. dr. Vicente Mellilo, depois de receber saudações
pediu a palavra e pronunciou um substancioso diseurso de
agradecimento, sendo, ao terminar, muito applaudido.
O novo consocio foi, em seguida, saudado pelo orador
official do Instituto sr. dr. Pedro Rodrigues de Almeida.
Passa-se, então ao expediente, que constou da commu
nicação de posse da Directoria do Instituto Archeologico e
Geographico Alagoano e de verias offertas de livros e tolhetos .
O sr. dr. Domingos Jaguaribe propõe que se officie á
Camara Municipal de Santos, felicitando - a pela idéia de
prestar homenagens a José Bonifacio.
() sr. dr. Luiz Sergio Thomaz, offereceu ao Instituto
uma collecção de moedas antigas, nacionaes e extrangeiras,
810 -

inclusivé uma drachma e duas medalhas commemorativas,


sendo uma do quarto centenario do descobrimento do Brazil
e outra do Congresso de Sabios, reunido em Florença em 1841 .
O sr. presidente agradece as offertas recebidas.
Nada mais havendo a tratar, foi encerrada a sessão
tendo o sr. presidente designado a proxima reunião para o
dia 5 de Março.
Alfredo de Toledo.
Gentil de Moura .
Affonso A. de Freitas.

Quarta sessão regimental em 5 de Março


de 1915

PRESIDENCIA DO SR. DR . ALFREDO DE TOLEDO

• Aos cinco dias do mez de março de 1915, com a pre


sença de regular numero de associados realiza o Instituto
Historico e Geographico de S. Paulo, a 4. sessão regimen
tal do corrente anno.
Presidiu os trabalhos o sr. dr. Alfredo de Toledo que
teve por secretario os srs. drs. Gentil de Assis Moura e Af
fonso A. de Freitas .
E’lida , posta em discussão e, sem debates, aprovada a
acta da sessão anterior.
No expediente foi accusado pelo sr. priineiro secretario,
o recebimento de varios livros, opusculos e jornaes, de uma
serie de artigos subordinados ao titulo – Estudos Cartogra
phicos escriptos e offerecidos ao Instituto pelo illustrado con
socio sr. dr. João Coolho Gomes Ribeiro, sendo lido tam
bem um officio do Consul do Imperio Allemão nesta Capital ,
pelo qual é offertado um exexemplar do Memorial do Governo
Allemão relativo ao bloqueio da Inglaterra , e outro em que
a Sociedade Humanitaria dos Empregados no Commercio ,
communica a eleição de sua nova directoria.
Na primeira parte da ordem dos trabalhos o sr. dr. pre
sidente entrega á consideração da casa a seguinte proposta
formulada pela Commissão de Revisão do Cadastro Social .
« A commissão encarregada de rever o cadastro so
« cial , tendo verificado que os cidadãos cujos nomes
« constam da relação que acompanha esta proposta,
« não satisfizeram no prazo de seis mezes, nem, ainda
« nos varios annos decorridos após a admissão, as con
« tribuições, a que estavam sujeitos, e tendo em vis
« ta o disposto no artigo 13 dos Estatutos, propõe
« que as respectivas propostas e admissão sejam de
« claradas sem effeito .
811

Sala das ses ões em 5 de Março de 1915.


( a ) Alfredo de Toledo – Affonso de E. Taunay.
Posta em discussão e votação é esta proposta approvada
por unanimidade de votos.
Eis a relação dos nomes a que se refere a alludida pro
posta ,
« Dr. Antonio Gomes do Carmo, dr. José Rodrigues
« Peixoto, dr. Mauoel de Freitas Paranhos, dr. Her
« culano Chrispim de Carvalho, dr. Manoel Rodrigues
<<
Peixoto, Frei Bernardino Lavalle, Coronel Paulino
« da Costa Guimarães, dr. Ovidio de Paula Badaró,
« dr. Euclides Silva, dr. Ataliba Leonel, dr. Cicero
« Leonel , Antonio Viotti , dr. Francisco Antonio de
« Souza Queiroz Netto, dr. Galdino de Sique ra, dr.
« José de Freitas Guimarães, Conego J. N. Manfredo
Leite, dr. Alberto Seabra , dr. Aristides de Albu
« qurque, dr. Heitor Machado, dr. Horacio Scrosoppi,
« dr. Vital Brasil , dr. Gustavo Edrall , Coronel Ar
< thur Diedericksen, dr. Carlos Cyrillo Junior, dr. Car
« los Gerke, dr. Enjolras Vampré, dr. Spencer Vam
« pré, dr. Nicolau Asprino Junior, dr. Benjamim da
« Luz Novaes, dr. Manoel Aureliano de Gusmão, prof.

Miguel Carneiro Junior, dr. Miguel A. de Paula
<
Lima, dr. Reynaldo Porchat, T. Oscar Marcondes de
Sousa , dr. Raphael Diáz de Albertino e dr. Anto
« nio Carlos de Salles Junior. »

Passando-se á segunda parte da ordem do dia é conce


dida a palavra ao sr. dr. Affonso A. de Freitas que passa a
lêr um trabalho inedito intitulado A Imprensa Periodica
de S. Paulo
S. S. occupou a tribuna por espaço de 1 1/2 hora , sen
do calorosamente saudado ao termioar a leitura do seu tra
balho que é um completo repositorio de interessantissimas
noticias relativas ao movimento jornalistico de S. Paulo,
constituindo - se em seu conjuncto a historia exacta e minu
ciosa da imprensa paulistana desde seus primordios, a partir
de 1823.
Nada mais havendo a tratar é pelo sr. presidente encer
rada a sessão, e designado o dia 20 do corrente para a re
alisação de nova reunião.

Alfredo de Toledo
Gentil de Moura
Affonso A. de Frietas.
812

Quinta sessão regulamental em 20 de Mar


ço de 1915.
PRESIDENCIA DO SR . DR. ALFREDO DE TOLEDO
Aos vinte dias do mez de março de 1915, em a séde
social á rua Benjamin Constant n. 40, realisa o Instituto
Historico e Geographico de S. Paulo, ás 20 horas, a sua 5."
sessão regimental do corrente anno com a presença de ele
vado numero de associados e convidados.
Presidiu os trabalhos o sr. dr. Alfredo de Toledo que teve
por secretarios os srs. drs. Gentil de Moura e Affonso A. Freitas.
Lida , discutida e aprovada a acta do sessão anterior
foram apresentados os livros, folhetos e revistas recebidos
depois da ultima reunião .
Passando -se a primeira parte da ordem do dia foi pelo
sr . Affonso A. de Freitas proposto um voto de profundo
pezar pelo fallecimento da esposa do sr , dr . Altino Aran
tes, socio do Instituto, e outro pelo dr. Gentil de Moura
pela morte do sr . dr . Amancio Ramos Freire que nos pri
meira s tempos da fundação do Instituto delle fizera parte na
cathegoria de socio effectivo .
Ambas as propostas foram approvadas por unanimidade
de votos .
Na segunda parte da ordem dos trabalhos o dr . presi
dente deu a palavra ao orador inscripto, sr. dr . Leopoldo
de Freitas, que produziu bellisima conferencia sobre a
« União Ceotro Americana » , conquistando justos applausos
do audictorio , que corôou com uma calorosa salva de palmas
as ultimas palavras do conferencista .
Terminada a conferencia , o sr . dr . Domingos Jaguari
be congratulou-se coin o Instituto pelo brilhantismo da ses
são e o sr. presidente dirigiu palavras de agradecimento ao
distincto consocio, dr . Leopoldo de Freitas, pela valiosa
contribuição que trouxera para o desenvolvimento do vasto
programma do Instituto .
O sr. dr . Affonso Taunay, encarregado de dirigir a im
pressão na Europa, do XVI volume da Revista do instituto,
pede a palavra e communica ter já entregue a Bibliotheca
do sodalicio 250 exemplares daquelie volume e que os res
tantes 750 volumes da edição já foram embarcados em um
dos portos de França devendo breve chegar a S. Paulo .
Accrescenta o sr . dr . Taunay que estes ultimos volu
mes vêm seguros contra riscos maritimos e de guerra .
Nada mais havendo a tratar é, pelo sr. presidente de
clarado encerrado os trabalhos e designado o dia 5 de
Abril p . futuro para a realisação da sessão seguinte .
Luiz Piza
Gentil de Moura
Affonso A. de Freitas.
813

Sexta sessão regimental em 5 de Abril


de 1915

PRESIDENCIA DO SR. SENADOR Luiz Piza


Aos cinco dias do mez de Abril de 1915 , eni a séde so
cial á rua Benjamin Constant n . 40 e com a prasença de
numero legal de srs . associados realisa o Instituto Historico
e Geographico de S. Paulo sua 6 , “ sessão regimental do
corrente anno.
Presidiu os trabalhos o sr. senador Luiz Piza que teve
por secretarios os srs. drs. Gentil de Assis Moura e Affonso A.
de Freitas .
E' lida, e, sem discussão, approvada a acta da sessão
anterior.
Passando - se á primeira parte da ordem dos trabalhos é
pelo sr . primeiro secretario accusada a recepção de um offi
cio do dr. Altino Arantes agradecendo as homenagens pelo
Instituto prestadas á memoria de sua ex.má esposa, apresen
tando tamben o mesmo dr . secretario varios livros, folhetos
jornaes e revistas offertados de varias procedencias á nossa
associação.
Exgottada a materia da primeira parte da ordem do dia
passa - se á segunda, uando o sr. presidente a palavra ao sr.
dr. Alfredo de Toledo que se achava inscripto para ler um
trabalho de sua lavra relativamente ao « Foro Paulistano
em 1736 » .
Subindo á tribuna e, depois de se referir a uma peti
ção de D. Simão de Toledo Piza, em que este paulista illustre
solicitava permissão para advogar no fôro paulistano, S. S.
lê diversos documentos ineditos e que até hoje se conserva
vam dispersos pelos archivos, analysando-os e commentan
do-os até á illação de que o unico advogado formado dos
auditorios da velha capital paulista em 1736 era o d '. Dias
do Valle, ponto collimado da conferencia e que o illustre
conferencista attingiu com brilhantismo .
Ao terminar a leitura do seu magnifico trabalho foi o
sr. dr. Alfredo de Toledo muito cumprimentado pelas pessoas
presentes .
Nada mais havendo a tratar o sr presidente encerra os
trabalhos designado o dia 20 do corrente para a realisação
da nova reunião em a qual o sr. dr. Mario Henriques deverá
proceder á leitura de um trabalho seu, inedito.
Alfredo de Toledo
Pedro Dias de Campos
Affonso A. de Freitas
814

Setima sessão regimental em 20 de Abril


de 1915
PRESIDENCIA DO SR. DR. ALFREDO DE TOLEDO
Aos 20 dias do mez de Abril de 1915, em a sede so
cial á rua Benjamin Constant n . 40 realisou , ás 20 horas,
o Instituto Historico de S. Paulo a sua setima sessão cor
respondente ao corrente apnr.
Estiveram presentes os srs. drs. senador Luiz Piza , Al
fredo de Toledo, coronel Pedro Dias de Campos, Mon. Eze
chias Galvão da Fontoura, drs. Americo, Affonso A. de Freitas,
Mario Henriques da Silva, Gentil de Moura, João de Cer
queira Mendes e Arthur Vieira Gomes dos Santos .
Presidiu os trabalhos o sr . dr . Alfredo de Toledo que
teve por secretarios os srs . coronel Pedro Dias de Campos o
Affonso A. de Freitas ,
Foi lida, posia em discussão e, por unanimidade de votos
approvada a acta da sessão anterior.
No expediente foram lidos officios do Museu Nacional do
Rio de Janeiro, da Directoria da Escola Normal de Piraci
caba e outros e apresentadas as offertas de livros, folhetos, re
vistas e jornaes chegados á secretaria do Instituto após a
, ultima sessão .
Na primeira parte da ordem dos trabalh s os srs . Au
tonio de Toledo e Oscar Marcondes apresentaram o primeiro,
um trabalho destinado á Directoria de Estatistica do Minis
terio da Agricultura e depominado -- Estatistica Hydnogra
phica do Estado de S. Paulo - e o segundo, o livro que está
elaborando sobre o mesmo Estado e no qual o estuda sob
seus aspectos physico, politico e economico e administrativo
Ambos pediram o parecer do Instituto sobre os traba
lhos referidos .
Attendendo ao pe lido desses dois autores , o sr . presi
dente resolveu que fossem esses trabalhos remet:idos á com
missão competente .
Passando se á segunda parte da ordem do dia , foi dada
a palavra ao orador inscripto pr . dr. Mario Henriques da
Silva que, ao subir á tribuna foi saudado por effusiva salva
de palmas .
O crador leu uma brilhante e erudita dissertação sobre
a curiosa individualidade de Caramurú, estudavdo - a sob va
rios aspectos e revelando, para elucidação do assumpto, valiosos
documentos ineditos, obtidos da Torre do Tombo, em Lisbôa .
Após a leitura do excellente trabalho do dr . Mario Hen
riques, o sr . dr . presidente encerrou a sessão e convidou os
srs . consocios a tomarem parte ra que deve realisar-se a 5
de Maio futuro .
Alfredo de Toledo.
Alfonso A. de Freitas.
Gentil de Assis Moura.
815

Oitava sessão ordinaria em 5 de Maio


de 1915

PRESIDENCIA DO SR . DR . ALFREDO DE TOLEDO

Aos 5 de Maio de 1915, as 20 horas, em sua séde so


cial realisa o Instituto Historico sua 8. sessào ordinaria do
corrente anno .
Presidiu os trabalhos o sr . dr . Alfredo de Toledo que
teve por secretarios os srs . drs . Gentil de Moura e Affouso
de Freitas ,
Estiveram presentes os consocios srs , drs . Barão Homem
de Melle, senador Luiz Piza , Doutora Maria Renotte, Mon
sephor Ezechias Galvão da Fontoura, drs . Domingos Jagua
ribe , Alfredo de Toledo, Affonso de Freitas, Gentil de Moura,
Affonso de Taunay, Diony: io Caio da Fonseca, Francisco Mo
rato, João de Cerqueira Mendes, Americo Brasiliense, Gomes
dos Santos e Mario Henriques da Silva, tendo justificado,
por carta, a sua ausencia o sr. Coronel Pedro Dias de Campos.
Aberta a sessão é lida pos'a em discussão e approvada
por uvanimidade de votos a acta da passada reunião.
O sr . priineiro secretario deu conta do expediente, que
constou da leitura de officios e da apresentação de livros of
ferecidos ao Instituto .
Na primeira parte da ordem do dia , pediu a palavra o
dr . Gentil de Moura para lembrar a casa que a 28 do cor
rente, o Exmo . Mons. Ezechias Galvão da Fontoura cele
brará seu jubileu sacerdotal en corpo capitular da Sé Pau
lopolitana solemnisará essa data .
Propôz em seguida que o Iustituto tomasse parte nas
homenageus a serem prestadas ao seu illustre societario, no
meando uma commissão para comprimental-o e para assistir
as solennidades promovidas pelo Cabido .
Posta em discussão e a votos é approvada a proposta .
O dr . Domingos Jaguaribe propôz que a commissão a
que o seu consocio se havia referido ficasse constituida da
mesa directora dos trabalhos e que foi igualmente approvado .
Em seguida o sr . presidente sauda o sr . Barão Homem
de Mello que, disse, tem prestado relevantes serviços como
politico , como professor, como estadista e com intellectual, á
Patria Brasileira e as lettras nacionaes, notadamente na pre
sidencia de S. Paulo .
Disse mais o orador que com satisfação apresentava aos
srs . consocios o engenheiro francez e membro da Sociedade
de Geographia de Pariz, xr . E. Guibert de Blagment, para
quem teve palavras encomiasticas e a quem saudou em nome
da Associação .
Pede em seguida a palavra o sr . Barão Homem de Mello,
quo agradece os cumprimentos do Iustituto Historico cujo
diploma era para elle um brazão que muito presava .
816

Terminado entre calorosos applausos o discurso do illustre


titular, pede e obteve a palavra Monsenhor Galvão da Fon
toura que a seu turno agradece as homenagens recebidas do
Instituto e, muito especialmente de seu amigo dr . Gentil de
Moura .
Na segunda parte da ordem dos trabalhos o sr . pre: i
dente deu a palavra ao sr . dr . Blagment, que durante uma
hora trouxe presa a attenção do auditorio fazendo communi
cações scientificas muito intéressantes de suas viagens nos
sertões matto-grossenses . Recebeu o orador ao terminar ca
loroscs appl usos .
Não havendo mais nada a tratar, o sr . presidente depois
de consignar a importancia da sessão que acabava de se rea
lisar, encerrou os trabalhos convidando os srs. consocios para
a proxima reunião do dia 20 em que o sr . dr. Gentil de
Assis Moura procederá a leitura de um trabalho sobre a « A
Capitania de Itanhaem » . Ap . Sss . 20 de Maio de 19 .
Luiz Peza , presidente.
Gentil A. Moura.
Affonso de Freitas.

Nona sessão ordinaria em 20 de


Maio de 1915

PRESIDENCJA DO SR . SENADOR Luiz PIZA

Aos 20 dias do mez de maio de 1915, em sua sede so


cial realiza o Instituto Historico e Geographico de S. Paulo,
sua 9.4 sessào ordinaria do corrente anno.
Presidiu os trabalhos o sr. Senador dr . Luiz Piza que
teve por secretarios os srs. drs. Gentil de Moura Affonso
de Freitas .
Lida, posta em discussão e approvada a acta da sessão
anterior o sr. secretario deu conta do expediente e relacio
pou os livros , folhetos, revistas e jornats enviados ao Insti
tuto na ultima quinzena.
Na primeira parte da ordem do dia foi. pelo sr. dire
ctor da Secretaria communicado que tem sido 'bem acceita a
circular, ultima, distribuida pela associação pedindo resposta
ao questionario que acompanha a inesma circular, tendo já
enviado as suas respistas os socios monsenhor Ezechias Gal
vào da Fontoura , conde Emilio Budan, dr, José Niepee da
Silva, Francisco de Toledo Malta , João Carneiro Monteiro,
Rodrigo Octavio , A. C. Siemens da Silva, senador João de
Lyra Tavares, C. Marques Leite, Basilio Magalhães, José
Vieira Fazenda, Max Fleuss , Isaac Leão Pinto, Sebastião
Paraná, Paulo Pinto Rangel e barão dr. Benjainin F. de
Ramiz Galvão.
817

Ainda pelo sr. director da Secretaria foi communicado


que va revisão dos papeis relativos ao cadastro social foi
verificado não constar das actas respectivas a eleição do sr.
dr. Manoel Tavares Cavalcante, quando é certo que o dis
tincto homem de lettras foi antes da reforma dos estatutos,
proposto e eleito socio correspondente desta associação. O dr.
Tavares Cavalcante é um dos mais conceituados juristas da
Parahyba, representou esse Estado no Congresso Nacional,
tem sido varias vezes deputado á Assemblea Legislativa de
sua terra natal, é actualmente director da Instrucção Pu
blica e vice-pres dente do Instituto Historico Parahybano.
Dando ao Instituto sciencia do explicavel esquecimento do
redactor da acta relativamente á eleição esperava o commu
inicante as necessarias instrucções para agir com acerto na
organização do cadastro. Pela casa foi deliberado que se
incluisse o nome de dr . Tavares Cavalcante no cad: stro so
cial , na qualidade de socio correspondente .
Em seguida e dr. primeiro secretario leu os pareceres
enviados pela commissão de historia e geographia de S.
Paulo, composta dos srs. Affonso de Freitas, relator e drs.
Adolpho Botelho e Gentil de Moura, sobre os trabalhos sub
mettidos á apreciação do Instituto pelos seus autores Oscar
Marcondes e Antonio de Toledo .
Postos em discussão e a votos foram os pareceres ap
provados por unanimidade.
O sr. senador presidente participou aos srs. consocios o
fallecimento do illustre societario dr. Vicente Ferrer de Bar
ros e determinou se consignasse na acta dos trabalhos um
voto de profundo pezar pela perda soffrida pelo Instituto
com o desapparecimento do notavel jurisconsulto e estimado
historiador .

O sr. dr. Domingos Jaguaribe participou sua proxima


partida para S. Vicente, onde vae passar uma temporada de
inverno, mas fará esforços para vir tomar parte nos traba
lhos sociaes e assistir as sessões .
Na segunda parte da ordem do dia o dr. Gentil de
Moura procedeu á leitura de um substancioso trabalho sobre
a Capitania de Itanhaem feito pelo operoso e illustrado con
socio sr. Benedicto Calixto .
O orador foi ouvido com grande attenção e prazer pelo
auditorio e o trabalho apreciado no seu justo e notavel valor.
Terminada a leitura foram encerrados os trabalhos e
designado o dia 5 de Junho para a realização da 10. sessão .
Alfredo de Toledo.
Pedro Dias de Campos.
Affonso de Freitas.
818

Decima sessão ordinaria em 5 de


Junho de 1915
PRESIDENCIA DO SR . DR. ALFREDO DE TOLEDO

Aos 5 dias do mez de junho de 1915, em sua séde so


cial , ás 20 horas, realiza o Instituto Historico a 10. sessão
ordinaria do corrente anno. Presidiu os trabalhos o sr. dr.
Alfredo de Toledo, que teve por secretarios os srs . coronel
Pedro Dias de Campos e Affonso A. de Freitas .
E' lida e approvada a acia da sessão anterior, commu
nicando em seguida o sr. primeiro secretario o recebimento
de offertas de livros, opusculos e revistas feitas &o Instituto
e lendo os officios dirigidos á Secretaria e as communicações
recebidas .
Dentre os livros offerecidos destacou o sr. secretario o
de que é auctor o professor Gonçalo de Raparaz e denomi
nado « Politica de España en Africa » .
O estimado consocio effectivo, sr. dr. Augusto de Si
queira Cardoso offereceu o manuscripto de um seu estudo
genealogico relativo aos descendentes do historiador Pedro
Taques de Almeida Paes Leme.
Todas as offertas foram recebidas com especial agrado.
A Universidade da California, uos Estados Unidos da
america do Norte, officiou pedindo a remessa para a sua bi
bliotheca da Revista do Instituto .
O sr. presidente enviou á Secretaria o alludido officio
para que providenciasse no sentido de satisfazer o pedido.
Passando-se á primeira parte da ordem do dia, o sr. se
cretario participou que, além dos societarios a que se refe
riu na sessão passada , attenderam já a circular distribuida
pelo Instituto es srs . consocios : dr . Antonio Augusto de
Lima, da Academia Brasileira, padre Gastão de Moraes, Da
rio Persano de Castro Velloso, dr. Carlos Góes, da Academia
Mineira João Rodrigues, Coriolano de Medeiros, Benedicto
Calixto de Jesus, Pedro Dias de Campos, dr. Esmeraldino Olym
pio de Torres Bandeira e dr. Pedro Augusto Carneiro Lessa,
Ministro do Supremo Tribunal Federal .
Na segunda parte da ordem dos trabalhos o sr. presi
dente concedeu ao sr. Gonçalo de Raparaz a palavra para
realizar sua conferencia sobre « O Brazil no Imperio Kes
panhol » .
O orador assomou á tribuna e foi ouvido com attenção
e prazer sendo ao terminar muito applaudido pelo auditorio.
O sr. presidente felicitou o orador por seu brilhante tra
balho e agradecendo a presença das muitas pessoas que as
sistiram á sessão encerrou os trabalhos e convidou os srs .
819

consocios para a reunião que deve effectuar-se no dia 20 p


vindouro .
Approvada em 5 de Junho de 1815 .
Luiz Piza.
Gentil de Moura .
Affonso A. de Freitas.

Decima primeira sessão ordinaria


em 21 de Junho de 1913
PRESIDENCIA DO SR. SENADOR LUIZ PIZA

Aos 21 dias de Junho de 1915, realizou o Instituto His


torico e Geographico de S. Paulo, sob a presidencia do sr.
Senador Luiz de Toledo Piza , que teve por secretarios os
srs. dr. Gentil de Moura e Affonso A. de Freitas, sua 11.*
sessão ordinaria do corrente apno .
Lida , posta em discussão e a votos a acta da sessão
anterior, foi ella approvada, passando -se ao expediente, em
que o sr. primeiro s cretario apresentou á casa as offertas
feitas depois da ultima sessão e leu as communicações e
officios recebidos.
O sr. Annibal de Toledo, deputado federal, offereceu em
nome do dr. Joaquim Augusto da Costa Marques, Presidente do
Estado de Matto Grosso, um exemplar do Album Graphico
do mesmo Estado ; o sr. Consul da França offertou um exem
plar da publicação do Ministerio dos Negocios Extrangeiros,
denomiñada - Documents Diplomatiques — La Guerre Euro
penne 1914 ; o sr. d . Benjamin Garcia Aparicio o - An
nuarin del Instituto Geographico da Republica Argentina.
Foi accusado o recebimento das revistas do Instituto
Historico da Bahia, da Sociedade Medico-Cirurgica, do Pará ;
« La Science Sociale » , de Paris : Estatisticas das Estradas
de Ferro Brasileiras, varios opusculos e muitos jornaes.
Foram lidos : um officio da commissão das festas jubi
lares do dr. Luiz Pereira Barretto, convidando o Instituto
para as mesmas ; outro do Congresso Americano de Biblio
graphia e Historia , a realizar - se em Buenos Aires, em 1916 ;
uma carta do sr. Irineu Ferreira Pinto e officios do Sr. R.
Breada , de Paris ; deputado Annibal de Toledo e outros.
Na primeira parte da ordem do dia , o sr. primeiro se
cretario participou que além dos consocios referidos nas ses
sões anteriores, responderam já ao questionario distribuido
pelo sodalicio os associados : almirante Antonio Alves Camara,
dr. Carlos Luiz Klett, dr. Flavio Marapa, Irineu Ferreira
Pinto , Mario de Assis Moura, Raymundo Cyriaco Alves da
Cunba , Manoel de Oliveira Lima, general Gregorio Thau
maturgo de Azevedo, José Francisco da Rocha Pombo, co
820

ronel Antonio Ludgero de Souza Castro , João Ribeiro, Au


gusto Olympio Viveiros de Castro, Ermelino de Leão, Affonso
José de Carvalho e Alcides de Freitas Cruz.
O sr. presidente communicando á casa & noticia do fal
lecimento do grande brasileiro e piedoso sacerdote Mons. dr.
Francisco de Paula Rodrigues, socio honorario do Instituto,
determinou que lançado fosse na acta dos trabalhos um voto
de profundo pezar.
O sr. Affonso A. de Freitas propõe em additivo se sus
pendessem os trabalhos em vista da dolorosa occurrencia, e
que a Instituto se fizesse representar nos funeraes.
Ambas as propostas foram approvadas pela totalidade
dos votos presentes e o sr . presidente declarou encerrados
os trabalhos ficando constituida uma commissão para repre
sentar o Instituto nos funeraes do eminente homem da Igreja,
composta dos srs . senador Luiz Piza e Affonso de Freitas.
Apr. Sss., 5 de Julho de 1915 .
Luiz Piza , Presidente.
Pedro Dias de Campos .
Affonso de Freitas .

Decima segunda sessão ordinaria em


In de Julho de 1915

PRESIDENCIA DO SR . SENADOR LUIZ PIZA

Aos 17 dias do mez de Julho de 1915, realiza o Insti


tuto Historico e Geographico de S. Paulo, sua 12. sessão
ordinaria sob a presidencia do sr. Senador Luiz Piza, que
teve como secretarios os srs. dr. José Torres de Oliveira e
coronel Pedro Dias de Campos. Estiveram presentes á sessão
além de numerosos convidados os consocios srs. drs. Alfredo
de Toledo, Eurico de Góes, Affonso A , de Freitas, José
Torres de Oliveira, A. V. Gomos dos Santos, Augusto de
Siqueira Cardoso, Eduardo Loschi, Eugenio Egas, Luiz Piza ,
Ricardo Severo, Americo Brasiliense , Affonso de Taunay,
Francisco Morato , João de Cerqueira Mendes, Coreneis Pedro
Dias de Campos, Antonio Raposo de Almeida e Lellis Vieira,
Gelasio Pimenta, Benedicto Calixto, Humberto de Queiroz,
Conego Dr. Hygino de Campos e commendador Leoncio do
Amaral Gurgel.
Os trabalhos foram iniciados com a inauguração do pe
ristylo do edificio social de uma placa em bronze, comme
morativa do bi- centenario de Frei Gaspar da Madre de Deus,
tando por essa occasião produzido o sr. presidente uma elo
quente allocução em que foi posta em brilhante destaque &
individualidade illustre do notavel historiador.
821

Depois de se estender emvarias considerações , o sr.


presidente convidou d. Miguel Kruse, abbade de S. Bento ,
para descerrar & placa que estava coberta pelos pavilhões
Nacional e de S. Paulo. Accedendo ao convite, d . Miguel
Kruse desvendeu a lapide commemorativa, pronunciando em
seguida algumas palavras de agradecimento pela honra que
lhe acabava de ser conferida o de saudação á memoria de
Frei Gaspar
Passando - se aos trabalhos do expediente foram lidos pelo
sr. primeiro secretario telegrammas das Camaras Municipaes
de Santos e de S. Vicente, dos srs . Alberto Veiga e An
thero de Moura , fazendo - se apresentar nas solennidades
pelo distincto consocio sr. Benedicto Calixto ; do « Centro
Sciencias e Lettras » , de Campinas, pelo sr . dr. Affonso de
Taunay e « Instituto Historico e Academia de Lettras » , de
Bello Horizonte, pelo sr. Dr. Alfredo de Toledo .
Em seguida foi dada a palavra ao sr. dr. Affonso de
Taunay, orador official do Instituto, o qual , subindo a tri
buna, occupou a attenção do auditorio durante cerca de 90
minutos, fazendo numa brilhante conferencia o historico da
personalidade intellectual e espiritual de operoso e illustre
historiador patricio .
Ao terminar foi o orador viva e calorosamente saudado
pelo numeroso auditorio .
Após a conferencia foram inaugurados dois bellos qua
dros a oleo, trabalho de Benedicto Calixto e por este offer
tados ao Instituto, repre :eptando : um , o logar do nascimento
de Frei Gaspar o outro, as ruinas da capella em que o
grande historiador foi baptisado.
O sr . dr Luiz Piza agradecendo o precioso offerecimento
do estimado consocio e notavel artista sr. Benedicto Calixto
e tambem a presença dos srs . secretarios e convidados de
clara encerrados os trabalhos.
Ap. Sss. 5 de Agosto de 1915.
Luiz Piza .
Pedro Dias de Campos.
Affonso de Freitas.

Decima terceira sessão ordinaria em


5 de Agosto de 1915
PRESIDENCIA DO SR. SENADOR LUIZ PIZA
Aos 5 dias do muz de Agosto de 1915, em sua sede so
cial e sob a presidencia do sr . senador Luiz de Toledo Piza
e Almeida, que teve por secretarios os srs . coronel Pedro
Dias de Campos e Affonso A. de Freitas, realizou o Insti
tuto Historico e Geographico de S. Paulo, a sua 13.* sessão
ordinaria do corrente anno .
S22

Lida, posta em discussão e approvada a acta da sessão


anterior , passou-se ao expediente que constou da leitura de
diversos officios e communicações, accusando o sr . primeiro
secretario o recebimento de numerosas offertas de livros e
folhetos e de uma valiosa collecção de cartões commemora
tivos do bi-cent nario da elevação de Villa Rica á Cidade .
Não havendo materia para a primeira parte da ordem
do dia, passa-se á segunda, concedendo o sr . presidente a
palavra ao socio inscripto, sr . coronel João Lellis Vieira,
para ler o seu trabalho sobre a individualidade intellectual
do illustre e mallogrado poeta paulista Manoel Baptista Ce
pellos . Subindo a tribuna, s . exc . produziu bellissima con
ferencia, estudando o masculo talento do inspirado cantor
dos « Bandeirantes » , em todas as suas modalidades e tra
zendo presa a attenção do numeroso auditorio , durante cerca
de uma hora, á sua palavra .
Ao terminar foi o orador saudado por effusiva salva de
palmas.
Nada mais havendo a tratar, o sr. presidente levantou
a sessão depois de agradecer a presença dos srs. consocios e
convidados e designou o dia 20 do corrente, para a realiza
ção da sessão seguinte.
Estiveram presentes á sessão os consocios srs . drs . Luiz
Piza, Alfredo de Toledo, Affonso A. de Freitas, Gentil de
Moura, Americo Brasiliense, Francisco Morato, Coronel Pe
dro Dias de Campos, Coronel Lellis Vieira, dr . Affonso de
Taunay, e convidados Altino de A. Antunes, Julio dos San
tos, Leofredo Santos, José da Silva Terra , Leopoldo de Oli
veira, dr . João de Avellar, João Baptista de Andrade, dr .
René Thiollier, dr . Dulcidio Costa, Affonso de Freitas Ju
nior, coronel Alfredo Diniz, senhoritas Maria de Azevedo
Antunes, Lourdes de Aimeida Santos, d. Ernestina Marcou
des de Lellis Vieira e Filemon Marcondes .
Apr. Sss. de 20 de agosto de 1915 .
Luiz Piza .
Affonso de Freitas.
Pedro Dias de Campos.

Decima quarta sessão ordinaria em


20 de Agosto de 1915
PRESIDENCIA DO SR. SENADOR LUIZ PAZA

Aos 20 dias do mez de Agosto de 1915, em sua sede


social a rua Benjamin Constant n . 40, realizou o Instituto
Historico e Geographico sue 14." sessão ordinaria do corrente
anno .
Os trabalhos foram presididos pelo sr. senador dr. Luiz
Piza que teve por secretarios os srs. coronel Pedro Dias de
- 823 -

Campos e Affonso A. de Freitas, tendo tomado parte nelles


os consocios sr3. drs. Alfredo de Toledo, Domingos Jagua
ribe , João de Cerqueira Leite, Gentil de Assis Moura, Eduardo
Loschi , coronel Pedro Dias de Campos, João Lellis Vieira
e Dr. Diogo de Moraes.
Aberta a sessão foi lida, posta em discussão e appro
vada a acta da sessão anterior seguindo- se a leitura do ex
pediente que constou da apresentação pelo sr. primeiro se
cretario, de diversos livros, folhetos e revistas, offertados ao
Instituto ; de uma carta do dr. Isaac Leão Pinto, do Instituto
Historico da Parnahyba, agradecendo em nome daquella as
sociação o convite para a assistencia das solennidades com
memorativas de centenario de Frei Gaspar da Madre de Deus
e varios questionarios respondidos por diversos socios.
Passando-se á primeira parte da ordem do dia e não
havendo quem pedisse a palavra e nem orador inscripto para
preencher a segunda, o sr. presidente deu por encerrados os
trabalhos, suspendendo a sessão e designando o dia 5 do mez
proximo para a realização de nova reunião.
Alfredo de Toledo.
Eurico de Góes.
Affonso de Freitas

Acta da sessão de encerramento e de elei .


ção da Directoria que deverá servir
no triennio de 1916-1918, realizada a
25 de Outubro de 1915 .

PRESIDENCIA DO Sr. Dr. ALFREDO DE TOLEDO

A's 20 horas do dia 25 de Outubro de 1915, na sede


social á rua Benjamin Constant, n. 40, realiza o Instituto
Historico e Geographico de S. Paulo, a sessão de encerra
mento dos trabalhos de 1915 e de eleição da Directoria des- ,
tinada a gerir a vida social durante o triennio de 1916-1918 .
Os trabalhos foram dirigidos pelo sr . dr. Alfredo de
Toledo, secretariado pelos srs . coronel Pedro Dias de Cam
pos e Affonso A. de Freitas, tendo tomado parte nelles os
consocios srs . Com . J. C. Ramalho Ortigão, Antonio Egy
dio Martins, drs . Diogo de Moraes, Humberto de Queiroz,
Deocleciano Seixas, Goulart Peuteado, Domingos Jaguaribe,
Eugenio Egas, João de Cerqueira Mendes, Gentil de Moura,
Pedro Rodrigues de Almeida, E. Loschi, Americo Brasiliense,
Com . Mondim Pestana, dr . Affonso Taunay, Oscar Pereira
da Silva, Benedicto Calixto, Mops. Galvão da Fontoura , Cel.
Lellis Vieira, Cel . Ludgero de Castro, Conego Hygino de
Campos e Arthur V. Gomes dos Santos.
Aberta a sessão e depois de lido o expediente de rela
tiva importancia, o sr. presidente agradeceu o valioso con
824

curso dos srs .. associados no abrilhantamento da vida social


durante o periodo que no momento se encerrava ; continuan
do com a palavra asr. presidente declarou que, em obe
diencia ás disposições estatutarias, ia -se proceder á eleição
da Directoria que devia substituir a que terminava o man
dato .
Para organização das cedulas suspendeu o sr. presidente
a sessào por dez minutos.
Decorrido o tempo destinado á organização da chapa, o
sr . presidente, reaberta a sessão, declarou que se ia proce
der å eleição e convidou os srs . secretarios da mesa para
exercerem as funcções de escrutinadores .
Feita a chamada nominal dos srs. associados presentes
e depositadas na urna as cedulas correspondentes, procedeu
se á apuração, cujo resultado foi o seguinte :
Para presidente Dr. Altino Arantes 24 votos
vice Dr. Alfredo de Toledo 24
1. ° secretario Alfredo A. de Freitas 24
>>
2.º Cel. Pedro Dias de Campos 24
orador Dr. Eugenio Egas 22
thesoureiro Dr. José Torres d'Oliveira 24
suppl. secretario Dr. Deocleciano Seixas 24
Dr. Pedro Rodrigues d'Almeida 24
tendo tambem obtido votos os seguintes senhores :. Dr. Affonso
Taunay, um voto para presidente ; Dr. Humberto de Queiroz,
um voto para 1.º secretario ; Dr. Pedro Rodrigues de Al
meida, dous votos para orador..
A' vista da absoluta maioria de votos obtida pelos 8
primeiros consocios o sr . dr. presidente proclamou -os eleitos.
nos cargos em que foram votados..
Nada mais havendo a tratar o sr. presidente encerrou
os trabalhos e designou o dia 1.° de Novembro seguinte
para a realização da sessão magna em que o Instituto com
memora annualmente o fallecimento de seus associados..
Alfredo de Toledo.
Pedro Dias de Campos.
Affonso de Freitas.

Acta da sessão magna em 1 de Novem


bro de 1915

PRESIDENCIA DO SR. CORONEL PEDRO DIAS DE CAMPOS


Ao 1.º dia do mez de Novembro de 1915, no salão no
bre do edificio social, á rua Benjamin Constant, n. 40, com
a presença de numerosos consocios e convidados, realizou o
825

Instituto Historico e Geographico de S. Paulo, a sessão ma


gpa commemorativa do 21.° anniversario de sua fundação.
Dirigiu os trabalhos o sr. coronel Pedro Dias de Cam
pos que teve por secretarios os srs. dr. Gentil de Assis Moura
e Affonso A. de Freitas. O sr. presidente, abrindo a sessão,
declarou que, por força das disposições estatutarias, Os tra
balhos da sessão magna tinha o seu programma pre - estabe
lecido, qual o de homenagear os socios fallecidos durante o
exercicio social ; assim pois, dava s. exc. a palavra ao illus
tre orador official, sr. dr. Arthur Vieira Gomes dos Santos,
para fazer o elogio funebre dos associados que a morte, na
brutalidade do seu fatalismo, arrancou ao Instituto nos ulti
mos doze mezes decorridos.
Subindo a tribuna o illustre consocio prendeu a attenção
dos circumstantes, dissertando com a conhecida fluencia da
sua palavra sobre as illustres personalidades daquelles que
não mais concorreram as nossas festas e trabalhos intelle
ctuaes, mas de quem o Instituto guardará com carinho e
saudade os nomes e a lembrança.
Ao terminar o sr. dr. Gomes dos Santos recebeu os mais
calorosos e significativos applausos do auditorio.
Exgottada a ordem dos trabalhos, o sr. presidente, de
pois de agradecer o comparecimento dos srs. socios e convi
dados, encerra a sessão.
Alfredo de Toledo.
Pedro Dias de Campos.
Affonso de Freitas.
INDICE
Indice do volume XX

Pags.
A PROPOSITO DE UM REQUERIMENTO , pelo dr. Alfredo
de Toledo 5
Os CHERENTES, (aborigenes do Brazil Central) pelo.
professor snr. José Feliciano . 11
ESTUDOS CARTOGRAPHICOS, pelo dr. J. C. Gomes Ri
beiro . i 27
CARAMURÚ NA LENDA E NA HISTORIA, pelo dr. Mario
Henriques da Silva , 0 41
PARAHYBA , por J. R. Coriolano de Medeiros 57
GUERRA DOS Mascares , pelo dr. Vicente Ferrer de
Araujo 95
O BRAZIL NO IMPERIO HESPANHOL, 'por Gonçalves de 103
Raparaz
Dis “URSO DE Posse, pelo prof. Basilio do Magalhães 121
FREI GASPAR DA MADRE DE Deus, pelo dr. Affonso
d'E . Taunay 127
INEDITOS DE FREY GASPAR DÅ MADRE DE DEUS, pelo
dr. Affonso d'E. Taunay 187
1715-1915 2.• CENTENARIO DE Frei GASPAR, por Be
nedicto Calixto de Jesus 249
BAPTISTACEPELLOS,pelo Coronel João Lellis Vieira 301
UNIÃO CENTRO AMERICANA, pelo dr. Leopoldo de Freitas 312
PALAVRAS INDIGENAS, pelo dr. Domingos Jaguaribe 323
DISCURSO DE RECEPÇÃO, pelo dr. Vicente Mellilo e
pelo dr. Pedro Rodrigues de Almeida 329
VARIAS NOTAS HISTORICAS, por Antonio Egydio Martins 343
A CONSTITUIÇÃO DE 25 DE MARÇO DE 1824, por Af
fonso A. de Freitas 362
Os MEDICOS DOS TEMPOS COLONIAES, pelo dr. Alfredo
de Toledo 369
DISCURSOS DE ABERTURA E ENCERRAMENTO , pelo dr.
Domingos Jaguaribe 377
O « Correio PAULISTANO» Em 1831, pelo dr. Affonso
A. de Freitas . 391
CAPITANIA DE ITANHAEN, por Benedicto Calixto 401
DOCUMENTOS IDEDITOS SOBRE PEDRO TAQUEs, pelo dr.
Affonso d'E. Taunay 743
Discurso pronunciado na sessão solenne de 1.º de No
vembro pelo orador official snr. A. V. Gomes
dos Santos 791
Actas das sessões regimentaes 805
MAB 5 193
EVISTA DO INSTI
R TUTO HISTORICO
E GEOGRAPHICO
DE SÃO PAULO
FUNDADO A 1.° DE NOVEMBRO DE 1894

VOLUME XXI

ABRANGENDO OS ANNOS
DE

1916 A 1921

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REVISTA
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INSTITUTO HISTORICO E GEOGRAPHICO


DE

SÃO PAULO
EVISTA DO INSTI
R TUTO HISTORICO
E GEOGRAPHICO
DE SÃO PAULO
FUNDADO A 1.9 DE NOVEMBRO DE 1894

VOLUME XXI
ABRANGENDO OS ANNOS
DE

1916 A 1921

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SÃO PAULO
1924
FOLGANÇAS POPULARES DO VELHO S. PAULO
POR

AFFONSO A. DE FREITAS
SOCIO BENEMERITO DO INSTITUTO HISTORICO E GEOGRAPHICO DE S. Paulo
FOLGANÇAS POPULARES DO VELHO
S. PAULO

Na formação do caracter e dos habitos de morigeração dos pri


mitivos paulistas, grande e salutar foi inquestionavelmente a influencia
da religião catholica.
As poderosas massas de aborigenes, ainda mal submettidas, que
rodeavam ameaçadoras a nascente Paulicéa, as agruras da luta pela
vida num meio onde a civilização e o progresso apenas se iniciavam ,
teriam esmagado os primeiros rebentos da nossa raça si o paulista,
embora pequenino e fraco pelo numero , se não revestisse para logo
da indomita coragem e da proverbial rijera de animo que o caracterizou
e o fez salientar-se ao defluir dos seculos.
Foi na suavização desse caracter, no aplainamento da agudeza de
acção, no amoldamento da soberana independencia do paulista que a
religião interveiu limando - lhe as arestas mais asperas, admissiveis e
necessarias na fereza da vida do sertão, mas nocivas nos centros
civilizados.
Esse evangelico desideratum plenamente conseguiu o espirito re
ligioso, empregando meios efficazes, embora nem sempre brandos.
Em todos os officios divinos era a população paulista chamada a
compartir. Nas procissões numerosas que o clero punha á rua, os
" homens bons”, que eram as pessoas mais gradas da povoação, deviam
comparecer para exemplo e estimulo do povo humilde, e a Camara, re
unindo em si todas as prerogativas do Estado, punia, com multa e
cadeia, a falta de comparecimento aquellas manifestações publicas de
religiosidade .
Tamanho era o rigor e a intransigencia na observancia desse dis
positivo de lei, que a um filho do proprio João Ramalho, então ainda
no fastigio da sua indiscutivel potencia de regulo, foi ella applicada,
embora das iras do altivo patriarcha pudessem sobrevir graves com
plicações na vida social da incipiente povoação .
- 8

A incançavel persistencia do clero em attrahir ao seio da religião


as massas populares, o relativo socego que aos paulistanos adveio da
gradativa aggregação do elemento indigena ao gremio da civilização,
a carencia quasi absoluta de diversões mundanas, fizeram com que o
povo paulista, ao dobar do tempo , intimamente se associasse, indepen
dente das insinuações officiaes, a todas as commemorações religiosas :
os folguedos populares foram então surgindo adheridos e em com
plemento ás festas da igreja .
Incorporados ás manifestações externas do culto catholico, os bai
lados populares, com seus descantes e mascaradas, iniciavam- se com
mumente com larga antecedencia em annuncio ás festividades rituaes.
Manifestação collectiva popular dependeu, a principio, a realização
dos bailados, do assentimento dos poderes publicos, expresso para
cada folguedo, mas de tal modo identificou - se com o viver local, que
acabou por ser encampado pelos governantes e incluida nos program
mas officiaes : já no principio do seculo XVIII a Camara Municipal
ordena va “ pera todos os juizes dos officios serem notificados pera
darem suas danças ás procissões” , chegando mesmo algumas vezes a
indemnizar aquelles magistrados populares das despezas por elles rea
lizadas na organização dos bailados .
0 habito das danças e cantigas religiosas teve indubitavel origem
em São Paulo, no methodo airchietano, seguido tambem por Montoya
no Paraguay, de adaptação dos bailados barbaros ás praticas religiosas
e de se fazerem aos primeiros cathecumenos recitar, no idioma au
tochtone, versos a Jesus Christo, ao acto da confissão, a Santo Igna
cio do Loyola :
Ignacio xeruba, xerercoara
Tyra pupe arhanga omocem
Xeruba jupari mocembará
Santo Ignacio iandeanga
Raangara
Oimomoryauçub
Vimuaé omoçacem .

E' interessantissima, ainda que subria , a documentação por nós


reu :uida relativamente a taes folguedos, principalmente a referente ao
uso da mascara .
“ Com pouco menos antiguidade que a do descobrimento do Brasil
festejavam nelle, como padroeiras, as onze mil virgens, sendo os estu
dantes de S. Paulo , os que se empenhavam mais nos seus applausos e
desejos, e com a modestia é regularidade devida usavam das mascaras
para melhor disfarçarem a galanteria dos bandos, dansas e entremezes
e alardes em que muitos dias antecedentes ao da festa das santas
- 9

virgens costumam andar pelas ruas ; e para poderem fazer pedem


licença aos Governadores nas cidades em que os ha e nas mais villas
aos capitães -mores dellas" eis os informes preciosos que a respeito,
repetindo dizeres de petição anterior, nos fornece o despacho de D.
João, quinto de nome, dado por carta do Conselho Ultramarino de. 14
de Junho de 1728, a uma consulta que lhe fizera Antonio da Silva
Pimentel, Governador da capitania de São Paulo.
Grandes folias eram as festas annuaes das 11.000 virgens em S.
Paulo : ao celebrarem - se ellas em 1705 , tanto cresceu o enthusiasmo
que o " homem bom " Domingos da Silva Teixeira, então no exercicio
do respeitabilissimo cargo de escrivão da “ Camera " fez papeis de
comedias publicas, o que lhe valeu formidolosa catilinaria de juizes e
vereadores, os quaes por aquellas e mais “ Rezões " o suspenderam
do exercicio do cargo.
Os archivos ainda nos contam que não só nas festividades com que
a 21 de Outubro de cada anno se commemoravam as problematicas. 11
mil virgens, as quaes, segundo versões aceitaveis, não teriam attingido
ao rumero de ima duzia, mas em todas as commemorações religiosas,
nos anniversarios natalicios da familia real, nas datas nacionaes da
metropole, era habito do povo paulista mascarar - se nos folguedos de
rua , mediante licença do Governador ou da Camara, no primeiro caso
impetrado pelo povo , nos demais determinado pela administração pu
blica .
Não eram as mascaradas costume peculiar ao povo paulistano, em
bora fosse habito desde todos os tempos, das populações indigenas de
Piratininga, como, aliás, de todas as outras do Brasil , disfarçarem -se,
pintando o rosto, nas festas tradicionaes.
O uso da mascara no S. Paulo colonial veiu -nos indiscutivelmente
de labitos metropolitanos repercutidos das celebres mascaradas vene
zianas, por seu turno reminiscencias recatadas das orgias pagãs.
Consoante a affirmação de luso escriptor, brilhante chronista e
admiravel “ conteur " , a mascara surgiu em Portugal pela primeira vez
nas procissões, sendo logo prohibida pelas ordenações filippinas que a
consideram lesiva á gravidade lithurgica das ceremonias religiosas.
Mas veiu o tempo e relaxou o rigor da lei e " já no fim do seculo
XVII bandos de mascarados com a cara coberta de ante - face de vel
ludo " , affirma o mesmo escriptor, quando, com mais acerto poderia
tel- o dito em meiado daquelle seculo corriam as ruas e viellas da
velha Lisboa, sob o pretexto de qualquer festa, esfaqueando, roubando,
exercendo vinganças, raptando mulheres, espalhando o terror e a con
fusão. Cohibindo taes desmandos e crimes, surge nova prohibição com
a resolução de 14 de Agosto de 1654 e com o alvará de 25 de Agosto
de 1689 este, comminando as penas de multa, de prisão e de degredo
10 -

ao contraventor, actos cuja sorte foi, tal como a repressão filippina,


cahir no olvido, fim mesquinho que tambem tiveram a provisão pro
hibitoria de 19 de Maio de 1752 e o edital de 23 de Julho de 1775,
reapparecendo as mascaras em Lisboa pelas alturas do ultimo quartel
do seculo XVIII como recato de folguedos e principalmente rebuço
nos crimes.
Em S. Paulo, nas éras coloniaes, se não foram as mascaradas
livremente permittidas, tambem em tempo algum lhes pesou a prohi
bição terminante ; dependeram sempre do assentimento official tran
sitorio. Este nunca faltou aos impetrantes que as mascaradas daqui
foram sempre burguezmente innocuas, jamais se tingindo dos rubros
tons de sangue derramado nem se cobrindo de opprobio no roubo ou
servindo de capa a romanescas aventuras.
No evoluir social as danças e os disfarces intimamente ligados
ás festividades religiosas, foram cahindo de uso, e a partir dos primeiros
momentos do seculo XIX já não errontramos noticia nem reminiscen
cias das primitivas mascaradas paulistas sinão de mascarados avulsos
e perambulantes, até aos dias não muito distantes de 1831 .
No mez derradeiro desse anno, a previdencia do Presidente da
Provincia , Raphael Tobias de Aguiar, tomando contas, num dos seus
primeiros actos administrativos, ao anachronico habito, prohibe- o pelo
justificado temor de que bem poderiam os adversarios do golpe de
Estado de 7 de Abril se valerem do disfarce tolerado , para mais facil
mente promoverem desordens e cruentas represalias, cujos prenuncios
vinham presentidos no Paulicéa desde o momento da abdicação do
primeiro Pedro .

“ V. Ex . me informará com a brevidade possivel, ordena


o futuro revolucionario de 42, em circular de 23 de Dezembro
de 1831 enderaçada aos juizes de paz de Santa Ephigenia, da
Sé e do Braz , por que razão se permittem andarem mascaras
pelas ruas nos domingos e dias santos, e muito particularmente
armados, quando se pode servir deste pretexto para commette
rem desacatos prejudiciaes ao socego publico e á segurança
individual dos cidadãos que, certos da protecção das leis, pas
seam inermes pelas mesmas ruas ; e no caso de ser isto
autorizadɔ pelas posturas do municipio, V. Ex. me informará
tambem , como responsavel pela tranquilidade do seu districto,
se é conveniente, que pelo meio proprio, ellas serem revogadas
nessa parte .

Podendo acontecer, que pelos dias santos do natal o ajun


tamento desses mascaras , e de escravos deem motivo a desor
- 11

dens, que alteram a tranquilidade publica, o que convem evitar,


terá V. Ex . o maior cuidado sobre este objecto, fazendo rondar
o seu districto pelas patrulhas que julgar bastantes...” ( 1 ) .
E como não encontrasse apoio nas leis municipaes, o habito de se
velar o rosto em exhibições domingueiras pelas ruas de S. Paulo,
extinguiu - se sob a benefica pressão official, para só reapparecer na
Paulicéa com a introducção do carnaval moderno em 1857.

O carnaval moderno ! Acanhado e pudibundo como deveria ter


sido um collegial ... de 1857, apresentou elle, em S. Paulo, seus primei
ros carros de platibandas altas, vedando avaramente aos gulosos olhares
da multidão, as formas esbeltas e esculpturaes de elegantes pagens a
Luiz XV e de vivandeiras gentis, cujos vestidos eram, aliás, menos
curtos que os das provocantes “ toiletes” dos contemporaneos figurinos
em suas exhibições picantes do nú, sem anteparo de platibanda nem
nada , ante a brejeirice lubrica do transeunte ralé.
Mas, com o tempo, o carnaval foi tomando gosto á folia, e, num
dado momento , saltou do regaço das sociedades familiares , que pri
meiro lhe deram o tom na Paulicéa , para a volupia dos chamados “ clubs" :
seus prestitos tomaram-se então da morbidez das exhibições plasticas,
inauguraram - se os celebres bailes “ masqués" do Hotel das Quatro
Nações, do Tivoli Paulistano e do Theatro S. José, então acabado de
construir, e as “ Cavernas” erigidas a Momo, abriram-se em formida
veis bacchanaes tendo por base, por essencia e por divisa o grito lascivo,
nun gorgolejar do vicio :
Mulheres, musica e vinho !

Já em 1866, numa transmutação verdadeiramente cinematographica,


o carnaval paulista havia perdido inteiramente o recato e a compostura :
seus bailes modificaram -se em verdadeiros pandemonios onde o mu

Therio facil sepultava os derradeiros resquicios do pudor, as ceias


assumiam a feição de orgias allucinantes e as danças passaram a soffrer
o predomonio dos endiabrados “ cancans" , sobre os quaes nos fornece
noticia o annuncio -programma do baile realizado a 10 de Fevereiro
daquelle anno, no Hotel das Quatro Nações : ás nove horas romperá
o baile com a grande symphonia “ La Place " . As mais bellas polkas,
as valsas as mais chibantes, farão dos bailes das Quatro Nações os

(1) De como os juizes de paz de Santa Ephigenia e da Sé, Vicente


Pires da Motta e José Antonio dos Reis, duas energias a Feijó, ronda
ram seus districtos com “ patrulhas julgadas bastantes” diremos em
livro de adequado assumpto.
- 12 -

priineiros de que haverá noticia em S. Paulo. A ' meia noite em


ponto a orchestra tocará o grande e demoniaco Galope caracteristico
que imitará o correr de uma locomotiva acompanhada de toda a
sorte de instrumentos: musica diabolica, de um effeito indizivel e que
fará galopar os proprios rheumaticos até ao inferno, e ás quatro horas
dar-se-ha fim ao divertimento com o grande Galope Infernal com

sinos, matracas, tiros, o que fará crer o fim do mundo e o juizo


final" .

E' de notar, entretanto , que os taes bailes do “ Quatro Nações”


raramente chegavam ao “ Galope Infernal " do programma : termina
vam quasi sempre antes da hora official em grossa bordoeira, num
" banzé de cuia " indiscriptivel onde muita cabeça se armava de " gal
los" e quebrada era muita costella.
Ante tamanha e tão brusca depressão de costumes, as sociedades
familiares carnavalescas desappareceram , os bailes recatados do ve
tusto theatrinho do largo do Palacio, outr'ora pomposamente deno
minado da Opera, não mais se realizaram , e as meninas que primeiro
mantiveram o imperio do carnaval em São Paulo , resignaram - se de
boamente, honra lhes seja rendida, a assistir através das “ rotulas ” ,
ao triumpho impudico e orgiaco das Ritinha Sorocabana, Antoninha
Bella, Palmiteira, Bellona, da Anna Perula, Izabelinha Onça Paraguaya
e da Mima, truculenta hespanhola sem salero, as mais legitimas repre
sentantes do amor brejeiro da Paulicéa entre os annos de 1866-1880.
Desse carnaval foi irmão gemeo o “ intruido" que, na accepção
regional, não era 0 synonymo do carnaval dos Auletes, Simões da
Fonseca e Séguier, do simples introito da santa quaresma, introitus , us ,
m, de Cicero e do Magnum Lexicon, mas restrictamente designativo dos
jogos d'agua, da loucura das molhadelas, do direito de que todo indi
viduo mais ou menos folgazão e bem humorado se revestia, pela época
das mascaradas, numa expansão muito sincera, porém , muito plebéa
em sua alegria rude, de liquefazer a humanidade á força de " laranji.
nhas" e das classicas “ seringas" de folha de Flandres, comportando
estas , muitas vezes , mais de dous litros de liquido.
Desde quando existiu o brinquedo de intrudo em S. Paulo não o
sabemos. Em documentos do derradeiro anno do seculo XVI encon
tramos, por diversas vezes, o termo – intruido – como limitação do
tempo de fornecimento de carne á população paulistana, cada sabbado,
por Domingos Luiz, o fundador da ermida da Luz, e grande criador de
gado nos campos de Guaré, — " que elle se queria obrigar a dar car
carne

a este povo daqui até o intruido” – mediante, claro está , determinada


paga , que seria ajustada em dinheiro ou em " couros” , ao preço que
provavelmente não teria excedido de 8 réis o arratel.
- 13

O termo, por certo, equivalia ao de carnaval e lembrava a


comesaina de carne e figurada licença de folguedos num abarrota
mento preventivo de antecipada compensação ao duro jejum e á rigida
compostura quaresmal mas , si designaria tambem a brincadeira das
molhadelas, dos banhos forçados, é o que ainda não conseguimos
documentar .
Em Portugal já então o brinquedo do entrudo (gerado esponta
neamente ou assimilado de costumes indicos ou judaicos, pouca im
porta esmiuçar ) estava tão arraigado que o abuso e os excessos de
sua pratica provocavam , a partir de 1604, a acção dos acto: officiaes a
qual , de resto, remedio não teve sinão abrandar-se e esmorecer nos
seus intentos, como sempre acontece quando coincide enfrentar a
vontade, aliás tão rara de se manifestar, firme e inabala vel, do povo .
A 13 de Fevereiro de 1604 apparece o alvará comminatorio das
penas de prisão e multa de mil réis “ sem appellação ou aggravo" diz
o acto official , contra “ quem atirar com esguicho pelo entrudo e ,
sendo filho familias não será solto sem que seu pae pague quinhentos
réis e sendo escravo pagará seu senhor " : - outras penas, embora menos
severas, eram mandadas applicar pelo mesmo alvará aos que, " ati
rassem laranjadas" que parece equivalerem ás laranjinhas paulistas
e aos limões de cheiro cariocas .
E não ficou por ahi a energia da governança lusa : a 20 de Feve
reiro do mesmo anno de 1604 , novo alvará prohibe os “ brincos
d'elle ” , ( delle, entrudo ), e cinco annos depois, em 1608, o alvará
de 25 de Dezembro toma “ providencias para evitar as desordens
do entrudo ” , attestando assim a falta de cumprimento das disposi
ções prohibitivas anteriores. Cessasse ou não o jogo do entrudo em
Portugal pelo choque dos habitos populares de encontro á legislação
contemporanea , o certo é que somente cento e vinte e seis annos depois,
em 1734 e 1735, appareceram novos actos prohibitivos quem jogar
entrudo, ha de ser preso por vinte dias" -- determina o aviso de 6 de
Fevereiro de 1734, que teve seu complemento no de 4, tambem de
Fevereiro do anno seguinte, com a declaração de que “ não seriam
soltos sem ordem de sua Majestade e sem pagarem a pena , que seria
arbitraria aos Ministros, e isto sem excepção de pessoas nem de me
nores " .
E' possivel que por essa época já se brincasse de entrudo em S.
Paulo, porém , nós, de positivo, ainda nada encontramos exclusivamente
regional nesse sentido para além da éra de 1857.
Nas camadas sociaes mais graduadas onde as expansões têm de
se medirem, pesarem, ascenderem ou descenderem pela gamma das
conveniencias collectivas, o entrudo era praticado, emquanto morno
- 14 -

ia o enthusiasmo, atravez de bisnagas.perfumadas, pequenos e elegantes


receptaculos, hoje exclusivamente utilizados como envoltorio de tintas
finas.

No auge, porém, do calor pelo brinquedo e quando exgottadas as


murições de bisnagas e laranjinhas, recorriam fatal e invariavelmente
os brincalhões mais desabusados ás bacias, aos potes, aos barris e á
inteira immersão em tinas de agua, sem que poder humano tratasse
ou d'ésse mostras séquer de lhe ter occorrido a idea de qualquer medida
salutar de enfreiamento á selvatica expansão e destemperada alegria.
Durou esse desvairamento até os ultimos dias do imperio , em que
os jogos d'agua foram-se gradativamente substituindo pelas modernas
batalhas de “ confetti”, de “ serpentinas” e de lança -perfumes, estes
muito semelhantes, porém refinadamente mais distinctos que as anti
quadas bisnagas, num folguedo todo consentaneo com a civilização
actual embora menos emotivo e original , que as primitivas molhadelas.

Com a deluição dos bandos em mascarados avulsos, a pratica dos


outros folguedos publicos foi-se modificando, passando as procissões
a serem acompanhadas pela massa popular em respeitosa attitude e
devoto recolhimento, tardia observação da provisão de 1752 que, con
demnado o uso das mascaras, prohibia tambem as danças nos

cortejos religiosos .
Vesse periodo de transição que fixaremos sob os albores do seculo
passado, as danças já eram realizadas sem o caracter publico e religioso
de outr'ora e sem o concurso indistincto das diversas camadas sociaes.
As castas da população foram -se delimitando e detalhando - se os
costumes até a extincção da promiscuidade de classe naquelles fol
guedos. Unicamente as " congadas " " batuques”, sambas, os “ moçam
biques” , ainda se realizavam pelas ruas, de ordinario no largo de
S. Bento ou junto ás igrejas de S. Benedicto ( que os documentos
attestam pertencer a S. Francisco ), e do Rosario, após o recolhimento
das procissões : reprimidas por anachronicas, foram substituidas pela
dança dos “ cayapós" , arremedo dos costumes daquelles selvicolas,
sem valor ethnico, organização artificiosa que era, de pretos creoulos
da Capital .
Por esse tempo 0 " cateretê " tradicional, doce reminiscencia dos
fugazes momentos da alegria dos amoraveis piratininguaras , era pra
ticado nos arredores da cidade pela gente que se não envergonhava do
cupreo pigmento .
As camadas privilegiadas da população. já perfeitamente discri
minadas, bailavam á europea nos salões doirados dos palacetes patri
15

cios : só a classica fogueira e os espipocantes rojões continuavam for


mando o traço de união entre as diversas gradações do povo nos
folguedos commemorativos de caracter religioso.
Ainda em época relativamente recente, nas noites de festas religio
sas populares, notadamente nas de Santo Antonio, S. João e S. Pedro,
pelos quintaes das casas nobres ou dos chãos humildes da Paulicéa, na
frente dos casarões opulentos ou das modestas moradias, accendiam -se
foguciras em abundancia tal que, em determinado momento quem , das
eminencias que rodeiam a velha Capital paulista a observasse, receberia
a impressão de estar assistindo ao incendio de uma cidade. Nessas
horas de ardente e crepitante alegria a criançada fidalga e a petizada
plebéa queimavam rodinhas, pistolões e bichas chinezas os “ traques"
da giria popular, emquanto os marmanjos de todas as classes soltavam
balões , espoucavam foguetes e escorvavam os celebres busca-pés de
“ limagem ”, perigosas serpentes de fogo que em quantidade incontavel
rabeavam rapidas e furiosas em todas as direcções, sapecando as pernas
dos transeuntes e invadindo casas onde frequentes vezes occasionavam
principios de incendio .
Tal como nos folguedos, que se dizem homenagicos a Momo, S.
Paulo não sentiu nunca o pesado guante das leis metropolitanas que
prohibiam com rigor excessivo a factura e queima de “ fogos de pol
vora ' ' :“ quem as fizer ou lançar nas festas dos santos, ou em qual
quer occasião que seja, tem pena pecuniaria, e de degredo ”, era o
que, em summula , sentenciavam em sua contextura a lei de 9 de Janeiro
de 1610, o alvará de 2 de Agosto de 1641, a lei de 3 de Agosto de 1689
e o decreto de 23 de Julho de 1641 .
Mas, parece que toda essa legislação não foi bastante para applacar
o ardor esfogueteante da tradição, pois o legislador luso volta a decla
rar, pela lei de 29 de Julho de 1695 , “ que o caso era de devassa a qual
os julgadores seriam obrigados a tirar ao menos de oito testemunhas
que não passariam de doze : e que a prohibição comprehendia geral
mente os feitores, que fizessem os foguetes, e as pessoas, que os man
dassem fazer, e as que os lançassem , ainda sendo menores de 10 até
14 annos, e tambem os que fizessem estalos de papel ” .
A policia de costumes tentou , nos tempos hodiernos, por diversas
vezes, restringir em S. Paulo a diversão, realmente anachronica, pro
hibindo de preferencia, embora sem as lusas ameaças de degredo, a
queima dos busca -pés de limagem , que a ella provocavam especial oge
riza e ao pacato burguez fundado pavor, e o facto é que, si em São
Paulo a tradição de taes folguedos não está de todo apagada, suas
manifestações não se extendem , entretanto, muito além da queima das
inoffensivas bichas, das classicas , rodinhas, dos busca -pés de vintem,
e dos pistolões de oito ou mais balas, estes menos queimados hoje em
16

homenagem aos santos do céo que aos da terra e nesse ultimo caso,
sempre de portas a dentro, fugindo assim á transgressão de recentis
sima disposição policial que prohibe “ os fogos de artificio, taes
como pistolões, craveiras, rodinhas, balões e outros quaesquer, quando
lançados das janellas, de modo a offenderem os transeuntes ou as casas
fronteiras " . ( 3 )

Nos arredores da Capital os festejos , ainda que obedecendo as


linhas geraes do programma citadino, corriam mais calmos, menos
afogueados : consistiam , á tarde ou , no mais das vezes, á noite, no
levantamento do mastro acompanhado de salvas de roqueira, em honra
ao padroeiro do dia , e na imprescindivel fogueira ( fogueira na Capital,
calheira no interior ) ateada no terreiro, não só para illuminar e aquecer,
como tambem para assamento de pinhão, aipins e batatas doces com que
se regala vam os foliões durante os folguedos.
A caboclada miuda queimava traques em redor do fogo e a grauda
iniciava o cateretê, indefectivelmente regado a quentão, mais ou menos
no momento em que, na cidade, outros descendentes de comparticipan
tes dos “ bandos e alardes” coloniaes deleita vam - se na gymnastica
estonteante das " gavotas ", do solo inglez e da valsa franceza.
A classe humilde da população paulistana que nos arredores da
Paulicéa , sempre viveu e ainda vive uma vida meio bucolica, meio
cidadã, é indiscutivelmente a legitima depositaria dos velhos habitos da
nossa antiga Capital. E' ella quem , recebendo a civilização extranha
em dosagem racional, se vai avantajando em progresso sem perda das
carateristicas peculiares aos nossos avós. Mercê desse conservatismo,
virtude e não prejuizo, vamos encontrar no cateretê moderno e nos
seus descantes ao desafio as reminiscencias das danças, dos entremeses
{ ulardes das longinquas commemorações religiosas.
Yo Colluvius Consuetudinum da sociedade moderna onde impera
a feição internacional, a esponja da indifferença apagou todos os traços
do nosso viver passado. O africano chamado, desde seu apparecimento
no scenario da nossa vida de collectividade, a compartir dos primitivos
costumes não o soube conservar e nem da sua peculiar maneira de ser,
deixou documentação aprecia vel, pelo menos na Capital onde, entre
tanto , até ha bem pouco tempo poderia, com a mais rigorosa fidelidade,
ser registada a ethnologia africana, , fartamente representada por di
versas e varias nações negras em S. Paulo .

( 3 ) Edital da Secretaria da Justiça e Segurança Publica do Estado


de São Paulo , de 4 de Junho de 1921 .
17 -

Ainda em 1860 e até mesmo em 1865 , pelas festas religiosas ou


dias santos de guarda, reunia - se no pateo de São Bento , obtida licença
official , a escravatura da cidade na realização dos seus folgares reli
giosos que eram suas danças caracteristicas.
O negrume formva então tantos grupos quantas as origens ethni
cas em que se subdividia, e as danças e os cantares rompiam ao ruido
secco do réque -réque, ao som rouco e soturno dos tambús, das puitas
e dos urucungos que, com a marimba solitaria, formavam a collecção
dos intrumentos africanos conhecidos em nossa terra .
Quiz o acaso que as nações Mina, Cassange, Benguela , Moçambi
que, Congo, dispersas e mal conhecidas entre si , na patria commum ,
tivessem sua ethnologia legitimamente representada nos alacres ajun
tamentos do primitivo arraial do patriarcha Tebiriçá , pelas tribus negras
que a traficancia humana arrojou ás plagas paulistas, acaso que os
nossos sociologos da época, lastimavelmente deixaram de aproveitar,
nada registando sobre as modalidades ethnologicas com que os forçados
colonos se apresentavam em o nosso meio .
Si o fizessem teriam quanto menos, verificado que os cantares
dos pobres captivos longe da alegria sincera o despreoccupada, não
exprimiam sinão os queixumes da raça infeliz, não eram sinão refe
rencias amargas , sinão o historico doloroso dos seus infortunios.
Tu’ri caringa e cangombe ( 4 )
Eh ! ...
Cuenda caiara
Equinama Cungira ( 5 ) .
Eh ! ...

Com a morte do ultimo africano em São Paulo, desappareceram


as tradições, em sua pureza , da raça negra e hoje o samba, amalgama
das inultiplas danças regionaes, da capoeira, do lundi, do jongo, ba
tucado em quasi todas as fazendas e sitios do Estado de São Paulo e
fundamente desfigurado pelo perpassar do tempo e da civilização, é
tudo quanto resta dos costumes caracteristicos do povo opprimido.
A pomba vuô ; vuô, sentó,
Arrebente o samba qu'eu já vô.
Eh ! Pomba ! Eh !

(4) Fomos tangidos para o mar como o grado : “ Túri" , tangidos,


tocados : Caringa ” , mar ; Cangombe ", gado.
( 5 ) Com as nossas pernas tivemos de andar pelos caminhos
“ Cuenda” andar : “ Caiara " , nós : " equinama" , pernas : “ cungira " ,
estrada .
18

entoava no samba de ha uns quarenta annos passados, o ebano figu


rante, ao som rythmado dos tambaques , adufes e chocalhos, num
saracoteio infrene, em contorsões grotescas, sem arte e sem esthetica ,
lubrico, torpemente lascivo no rebolir de quadris, que era o mo
mento calmo da dança, o “sereno da pomba ", emquanto os parceiros,
pretos e, pretas que o cercavam em circulo, agitados em permanente
peneirar de nadegas , repetiam na mesma toada, o estribilho :
Eh ! Pomba ! Eh !
retornando o dançador :
Serena, pomba , serena :
Não deixa de serená !
O sereno desta pomba
Lumcia que nem metá !
Eh ! Pomba ! Eh !
e o negrume gemia, em coro, na cadencia dos rudes instrumentos:
Eh ! Pomba ! Eh !

Afinal já quasi exhausto, a fronte gottejante de suor, entreparava


o dançador em frente á parceira que mais lhe agradara, desenvolven
do a dança em requebros de desafio até a figurante distinguida pela
preferencia sahir a terreiro :
A pombinha vuó no chão
O amó no coração,
Eh ! Pomba ! Eh !
Então, entre os dous, desenvolvia -se um jogo de negaças amo
rosas que se desdobrava, tardio ás vezes, ás vezes rapido , terminando
invariavelmente em reciproca umbigada, lubrica, lasciva, obscena...
Serena, pomba, serena
Não deixa de serená
Eh ! Pomba ! Eh !

e o coro , sempre na luxuria do “ sereno” respondia :


Eh ! Pomba ! Eh !

Levado pela curiosidade e pelo interesse de saber si o samba


actual é o mesmo dos tempos de nossa meninice, dirigimo-nos á Pi
rapora por occasião das festas padroieiras do anno de 1921, ás quaes
accorreram romeiros dos recantos mais remotos de S. Paulo , Estados
convizinhos, sambistas de toda a parte.
Guiados pelo prestante cidadão Gabriel Fernandes, caboclo in.
telligente e affavel, violeiro emerito e trovador para quem o encon
tro de rima não apresenta difficuldades, penetramos no abarraca
- 19 -

mento dos pretos sambistas no momento em que a dança tradicional


africana , geratriz do marixe nacional, estava no mais furioso dos en
thusiasmos .
Havia alli grupos de todas as procedencias : de Campinas, de
Guaxupé, da Capital, de S. Simão , de Jacarehy ...
Approximamo-nos : em todos os grupos, alguns negros retintos,
tapanhunos puro sangue ; muitos negros fulos, alguns mulatos em
marcha para a pigmentação caucaseana... no centro das rodas, quatro ou
seis figurantes, quantos comportasse o estreito circulo formado pelos
parceiros, dançavam e cantavam acompanhados em grita pelos da
roda ... O bombo corriqueiro e prosaico substituia em todos os gru
pos de dançadores o primitivo e caracteristico tambú ...
O’ia Maria tocano piano ,
O’ia Maria tocano piano ...
dizia o grupo campineiro em grande roda, logo á entrada do abarra
camento .
Proximo aos campineiros, dançava a gente de Minas; sempre o
inexpressivo bombo e a significativa mescla de pigmento :
O’ia a moda, óia a moda,
O’ia a moda de Guaxupé,
Olélé , olélé a moda de Guaxupé.
Num dos recantos do vasto barracão moviam - se os morenos pau
listanos :
Regina, Regina , óia lá !
Por causa do Bernardino
Creóla tá passano má .
mais além surgiam os de S. Simão , numerosos :
Eu só ferreiro,
Maio no maiado,
Tóro commigo
E' que tá enganado
e os jacarehyanos, mais pacholas, cantavam :
Gravata, pescoço, collete, setim
Tudo é á custa do seu Joaquim.
Olélé, olélé, olálá
Largue o namoro e bamo sambá .

Tudo novo, tudo moderno, nada que despertasse reminiscencias


do ancestral africano, além da toada plangente ...
- 20

Eh ! Qulėlė ! ... Eh ! Quó !...


ouvimos de repente, partido das proximidades dos jacarehyanos.
Dirigimo-nos para alli , acercando -nos de quem soltára as vozes afri
canas : era um preto velho , bocal , derreado pela morbidez alcoolica ,
incapaz de assimilar as nossas perguntas. Não lhe pudemos arrancar
nada que aproveitasse aos nossos estudos e esclarecesse as nossas
observações .

Infructiferos foram todos os esforços por nós empregados para


recompor a litteratura africana em S. Paulo : nas tradições do povo
transplantado do continente negro , nada encontramos além de ligei
ras noticias sobre os costumes dos filhos d’Angola e das quadrinhas
seguintes que, longe de ser uma manifestação espiritual da raça a
quem tanto deve o Brasil , não é sinão méra critica de origem eru
dita á humilde condição dos modestos collaboradores da nossa gran
deza material .

Minha sinhá , minha sinhô


Eu peço poró caridade :
Me dá minha carta me fase forô
Eu quero minha liberedade.
Abença sinhá , sô Christo nhorô
Eu vae me lavá, tirá meu boró
Não quero esta ropa de tanto riscado
Eu quero birim daquelle infestado.
Eu quero uma camisa
Daquelle de rinho bom
Pra pretinho vesti
No dia d'anno bom .

Eu quero uma guruvata


Daquella de grugurão,
E sapato de pirica
Pr'a não andá cô pé no chão.

Eu quero uma bengala


Daquella de cabo gorosso
Pr'a negrinho requebrá
Com geito de negro moço .

E', portanto, entre a população que ainda se não envergonha de


dançar o catêreté e de versejar sobre os themas legados pela tradição
que poderemos perscrutar os arcanos do intimo viver do paulista de
- 21

outras éras , vislumbrando -lhe a


alma singela, o espirito levemente
mordaz e satyrico, o genio amoravel e folgasão .
Desta missão summamente ardua e delicada , mas labor de incon
testavel civismo muito grato a nosso espirito de patriota, iniciaremos o
desempenho fixando neste capitulo uma das feições caracteristicas da
alma primitiva do nosso povo, as scenas do catêrctê paulista, tal
como se desenrolavam ainda ha uns trinta annos passados em os ar
redores da Capital.
Antes, porém , de o fazer diremos, aproveitando a opportunidade
do assumpto, ser realmente admiração grande a sobrevivencia , sem
maiores deturpações, dos costumes, dos folguedos , dos cantares, da
feição peculiar dos habitos indigenas até nós, atravez dos embaraços,
dos entraves, das barreiras levantadas pelo egoismo luso, pela diplo
macia velhaca ( não fosse ella diplomacia ) do reinól, em fazer des
apparecer tudo quanto puramente nacional parecesse ; em annullar, e
evitar qualquer manifestação por parte do colonizador que ao in
digena pudesse apresentar- sesob 0 aspecto de acquiescencia ou
de sympathia pelos costumes autochtones. A alta politica do
colono metropolitano era e foi sempre a do calculado des
prezo pelos costumes e pelas origens indigenas, desprezo taci
to, e tambem muitas
vezes expresso em irritantes disposições of
ficiaes e só pela força de resistencia das raças aborigenes é que, já
o dissemos algures, o cateretê, a influencia do idioma, muitas das
suas qualidades psychicas fizeram -se fundamente sentir chegando até
a geração actual .
Um dos documentos mais antigos mais frisantes da repulsa
official, pela diffusão dos folguedos autochtones, aliás tanto ou mais
innocentes e innocuos que as folganças occidentaes, é a proposta do
Procurador do Conselho, Gaspar Nunes, apresentada á Camara de
S. Paulo em sessão de 19 de Janeiro de 1583 e logo convertida em
disposição legal: " e mais requereo ho dito procurador do Conce
lho que todo homem christão branco , que não seja negro ( 6 ) de fora
que se achar em aldeia de negros foros ou cativos bebendo e bailan
do lo modo do dito gêito e suas merses lhes madaseme pusesem pre
gão e pena contra os tais..."
..
(6) Negro" chamavam os colonizadores, com a mais clamorosa
impropriedade ethnologica , aos nossos indigenas ; que nenhum ne
gro ou getio da terra trouxesse arquo nesta villa ( vereação de 24 No
vembro de 1635 ) ; “ negro " carijó, tememinó, tupinaqui, carajaúua,
tamoyo, tupinaen , murumimi, que de todas essas nações existiam “ gente
ou peças forras" , ineffavel euphemismo de uma disfarçada escravi
dão, em S. Paulo. Aos negros propriamente ditos, ao africano, chama
vam “ tapanhuno" , do tupi guarany, tapyynhuna : tapanhuno de Guiné
Cassange, da Mina, do Congo.
- 22 -

Menos generoso e equitativo por mais radical e violento, foi o


procurador do Concelho de 1623, Luiz Furtado, propondo sem peias
siquer de virgulação, em vereança de 21 de Outubro daquelle anno
“ que se fisese acordo sobre o gentio que nesta villa fazem bailes
de roite e de dia perquanto nos ditos bailes sosedia muitos pecados
mortais e ésulencias contra o serviço de Deus e bem comu em co
metere fugidas e levantamentos e outras cousas que não declaravão
per não ser desentes e votado o requerimento acordação os ditos of
ficiaes da camara que antes da misa do dia nê de noite não ouvese
os ditos bailes so pena do dono do negro ou negra q . for achado nos
tais bailes pagar sem reis per cada negro ou negra q . for achado pera
qual effeito serão presos e da cadeia pagará seo senhor ..."
Envolvido em perenne atmosphera de premeditada indifferença,
desenvolvendo - se sob o guante das disposições draconianas do jaez da
indicação do analphabeto procurador do Concelho de 1583 e da do
seu rancoroso e prepotente collega de 1623, claro está que a crença
do pouco ou do nenhum valor do que nos pertence deveria se arrai
gar profundamente no animo do nacional, si o colono por si só inca
paz de levar a bom exito a empreza de devassamento do sertão, da
perquisição da terra , não fosse obrigado a associar aos seus esfor
ços, como principal elemento de victoria, o indigena rude, refractario
á sedentariedade, mas inegualavelmente apto na resistencia maxima
ás fadigas das grandes entradas pelas invias paragens impenetradas
do continente ; e o aborigene que não era tão irracional quanto o
suppunha o dominador branco, acabou por comprehender que nem
tudo da sua terra era assim tão ruim como se divulgava, muito em
bora ainda hoje cabocio haja, requintado em civilização e brunido de
snobismo que convencidamente affirme, effeminado pelo uso do es
partilho, janota pela alvura das polainas, pelintra pelo monoculo des
graduado, só prestar o que não é nosso...
Mas o facto é que, amparada até determinados limites pela ac
cão jesuitica, façamos a justiça de o reconhecer, a consciencia, a in
tuição, embora tenue, do seu valor , conservou -se, manteve -se contra
a espectativa maldosa dos senhores da terra, latente no espirito do
indigena através de um regimen que mais se assemelhava ao de uma
feitɔria que ao colonial, e o genio indomito do primitivo paulista, os
seus habitos, os seus costumes , a sua feição regional, que á cultura
contemporanea do occidente não repugnavam , resistiram aos choques
abruptos e animalisantes da acção official, e só mansamente é que se
foram incorporando á civilização victoriosa, num trabalho de assimi
lação, que perdura até os nossos dias. E assim é que poderemos di
zer algo desse mesmo cateretê, ao qual o procurador Gaspar Nunes
pretendia ferir, afastando -lhe o elemento “ branco que não fosse ne
gro ", em seu pittoresco linguarar.
- 23

Praticavam-se e crêmos, ainda se praticam duas variantes do


catêretê : uma, a mais singela e , por isso mesmo a mais divulgada , é
desenvolvida por duas alas, como na quadrilha franceza, geralmente
constituidas exclusivamente de homens ou, mais raramente, uma de
homens e outra de mulheres .
Num dos extremos das alas, collocados em frente um do outro,
postam -se dois violeiros, que rompem a funcção, entoando modinhas
em vozes conjuntas ou ao desafio,
Nos intervallos das cantigas os figurantes das alas batem pal
mas e sapateiam em contratempo rythmado com as palmas, executam
em seguida uma figura rigorosamente egual ao traversé da quadri
Iha franceza, os violeiros tornam a cantar, resoam de novo as pal
mas e o sapateado e assim continua a funcção pela noite a dentro,
desinteressante e semsaborona.
A outra variante é o chamado recortado, o cateretê verdadeira
mente ao desafio, que se pode dar entre dous violeiros, quando os ha,
ou entre o violeiro e os demais figurantes respondendo cada um de
per si ao trovador unico.
Desta variante, que se nos afigura ser o legitimo catêretê , é que
nos vamos occupar mais detidamente .
Na peripheria luminosa da fogueira, em estirão do terreno pre
via nente nivelado e batido, ou dentro de casa, em pavimento chão . re
unem-se os dançadores.
O violeiro toma posição e os parceiros vão- se collocando a seu

lado e á sua frente, formando duas alas , exactamente como na pri


meira variante,

Esta primeira organização é levada a cabo com algum trabalho


do violeiro e do compadre do violeiro, que sempre os ha em taes
festas , e a azafama no arrebanhamento dos figurantes é entrecortado
de phrases pittorescas :
Nhó Tó, dexa de prosa, venha dançá !
Zico, entra na roda , puaia !
Compadre, tá prompto ?
Tá.
Intão bámo ?
Bámo !

E o violeiro, temperando a viola , toma posição de caminho da


roga , avança em passo lento, molle, preguiçoso, corpo descahido e
com elle, no mesmo abandono de movimentação alluem as duas filas
que se fundem em grande roda.
- 24 -

Completando o gyro em redor da sala ou do terreiro, o violeiro


firma -se no seu ponto de partida e a roda se desfaz nas primitivas
alas .
Começam então os descantes á porfia e os passes da dança. O vio
leiro lança a primeira trova : um dos figurantes, em movimentos ra
pidos e sacudidos, destaca - se da linha e em dous saltos, mal tocando
com os pés o solo , toma posição equidistante dos dançadores, exe
cuta passes sapateados ao rythmo da viola, ao retinir de chilenas que
todo o dançador que se presa usa , embora não seja cavalleiro, bate
palmas em contratempo oitavado ao sapateado, entoa o descante em
replica ao violeiro , com bamboleios de corpo para a direita e para
a esquerda, executa de novo o sapateado e as palmas e volta a in
corporar -se aos parceiros.
O violeiro de novo entoa, outro figurante responde e assim con
tinua até que todos os parceiros hajam respondido ao desafio : então
fecha - se a roda para novo gyro em que a morosidade do passo é sub
stituida por um sacudir nervoso e accelerado de todo o corpo , ao
tempo que o conjunto dos figurantes, numa admiravel uniformidade
de movimento, executa pusses algo semelhantes aos da gavota antiga
frariceza ou do cake -walk, firmando - se simultaneamente em um dos
pés ao passo que o outro se eleva e se afasta da linha do corpo em
rapida e elegante curvatura de perna .
E na plangencia da toada que é um queixume de nostalgia, re
vocativa como o rumorejar das nossas florestas no mysterio da noite,
retorna () violeiro ao desafio rimado ,
Do coqueiro nasce o palmito
Do palmito nasce a palma,
Eu quero que mecë me diga
Quem entró no céo sem alma ?
A resposta não se faz esperar : um dos dançadores destaca - se das
linhas, salta á frente e canta na mesma toada lançada pelo violeiro :
Do coqueiro nasce a palma
Da palma nasce o palmito,
Quem ontro no céo sem alma
Foi a cruz de Jesus Christo.
Honte eu fui no céo
Hoje mesmo vim de lá ,
Vi alma de preto e de branco
De caboclo não vi lá.
Caboclo não vae no céo
Nem que seja resado,
Caboclo tem cabello duro
Cutuca Nosso Senhô.
25

Fui um dia no mercado


Comprá um pão de sabão,
Prá lavá uma nóda
Que tenho no coração.
Abaixe limoeiro
Quero apanhá um limão
Prá tirá uma roda
Que trago no coração.
Ninguem viu o qu'eu vi
Lá no largo do Rosario,
Uma veia muito feia
Conversando cô vigario.
Fui andando pr'um caminho
Muié véia me chamo,
Cala bocca caco veio
Que teu tempo já passou.
Seguem -se as palmas cadenciadas е о sa pateado no mesmo
rythmo; o primeiro figurante recolhe -se, o violeiro de novo descanta ,
novo figurante responde ; novas palmas, novo sapateado : está ferra
do cateretê.
Está ferrado o cateretê mas o enthusiasmo vai morno : os desa
fios são respondidos sem calor e os passe's da dança executados sem
a vivacidade quente do prazer. O violeiro tergiversa sobre os themas
procurando a trova que desperte interesse e choque a sensibilidade
dos cantadores : afinal, assumpta para o amor e então, á proporção
que se desdobra o descante, a funcção anima-se, as palmas e o sapa
teado retumbam com mais vigor, a movimentação dos personagens é
mais rapida, as respostas ao desafio mais promptas e mais a propo
sito . E' que na alma do caipira, tão proxima da natureza virgem o
amor fala mais alto que qualquer outro sentimento .
F. os descantes proseguem em apologia ou em despiques ao eterno
feminismo, consoante a indole ou o humor de momento dos can
tores :

Quem quisé me dá um cravo,


Ha de sê emquanto botão
Que despois de cravo aberto
Quarqué bobo trais na mão.
Inda o cravo tá nascendo
Logo cheira que arrccende
Não ha cousa mais humilde
Que amô quando pertende
- 26 -

Apinchei o limão verde


Lá detrais da sachristia
Deu no ouro, deu na prata
Deu na moça qu'eu queria .

Já virando aquelle morro


Vae um passarinho avuando,
Vae dizendo cô bico
Adeus amó, inté quando ?

Venho vindo de tão longe


Mandado não sei porquem ,
Fui buscá não sei o quê
Prá intregá não sei prá quem. ( * )
Quando vim da minha terra
Trouxe dois maracujá,
Um verde otro maduro
Cum esperança de voltá.
Quando vim da minha terra
Trouxe fama de ladrão,
Mais abraços e beijinhos
Nesta terra tamêm dão.

Quando vim de minha terra


Muita menina chorô ,
Eu tamêm chorei um poco
P'ruma que lá ficou .

( * ) Em quasi todo o norte do Brasil é conhecida a variante


seguinte desta quadrinha denunciando, como tambem a paulista o de
nuncia, origem literaria e de algum modo trabalhada.
Eu fui lá não sei onde
Visitar não sei quem
Sahi assim não sei como
Morrendo não sei por quem
E não só o Brasil conhece esta quadra , sendo ella muito divulgada
entre os povos ibero-americanos do Pacifico , segundo affirma e escreve
Ricardo Palma, em variante mais desenvolvida e empregnada de certa
dose de malicia pornographica, feição que o nosso caboclo systemati
camente evita em seu versejamento :
Vi yo no sé quando, por yo no sé donde
No sé que muchacha con yo no sé quien ;
No sé por qué fueron á no sé qué sitio
Y no sé qué hicieron, pues yo no sé qué.
- 27 -

Lá do céo cahiu um cravo


E no a se desfoio.
Quem quisé casá comigo
Fale com quem me criô.
Prantei o roxo n'aua
O así na beradinha,
Quem quisé casa comigo
Não me mande recadinho.
Lá no fundo do quintá
Tem um banquinho de vida
Onde meu amo se senta
Quando vem falá comigo.
La no fundo do quintá
Tem um pé de maravia
Converso só cô a mãe
Mais o sentido tá na fia .'
Bem sei que mocê é feia
Sua cara de pamonha,
Mais como o amôn é cégo
Quem ama não tem vergonha.
Passei na ponte
E a ponte pendeu ,
Quem não tem vergonha
Iodo o mundo é seu.
Chegadas a estas alturas, as cousas parece declinarem para a ru
mo das personalidades num despique apaixonado entre os trovado
res. Mas eis que surge uma VOZ conciliadora procurando imprimir
nova feição ao desafio :
l’ô -mimbora p'rá Minas
Vinêro tá chamando,
Minero tem má costume
Chama a gente e vae andando.
e o violeiro recomeça calmo :
l'o -mimbora minha gente
Comigo não vae ninguem ,
l'ô corrido da Justiça
l'ô amá e querê bem .
Andorinha do coquero
Dai- me nova de quem vem,
Inda não tô casado
Já me dão os parabem .
-- 28

Andorinha que voaes


P'resse espaço sem fim ,
Dae sodade á minha amada
Que mora em Mogy -mirim .
Abaixai-vos Serra Negra
Quero vê Mogy-mirim ,
Quero vê si aquella ingrata
Inda se lembra de mim . ( * )
Rolinha de minha terra
Passarinho gemedo,
Que sodade que eu tinho
Do tempo que passô .
Quem quisé caçá rolinha
Faça laço na capoeira ,
Quem quisé moça bonita
Faça buia na gibera .
Em dado momento OS versejadores folgasões não encontrando
inspiração para repicar a deixa do violeiro repontam os descantes e
um delles entoa :

( * ) Abaixae-vos Serra Negra Quero ver Mogy-inirim ... A'


primeira leitura parece ser esta quadrinha inspiração espontanea d'al
gum vate geographo que das terras mineiras do valle do Rio Grande
lançasse olhares saudosos ás encantadoras regiões paulistas do Guassú,
mas o operoso folk -lorista Alberto Faria transcrevendo, em sua confe
rencia publicada no “ Almanach Alves" de 1917, da “ Revue des Re
vues " de 15 de Julho de 1900, a quadrinha centenaria provençal:
Baissats -bons, mauntagnos,
Planos aunas bous,
Pertue por que beire
Ount soun mos amours .
cuja traducção tambem nos dá :
Abaixae - vos, montanhas,
Erguei-vos planicies ,
Para que eu possa ver
Onde estão meus amores
prova á saciedade tratar-se de uma simples adaptação regional.
Em caso identico estão as quadrinhas colligidas por Sylvio Romero
no Rio de Janeiro :
Abaixae- vos, serras altas,
Quero ver toda a cidade ;
Quero ver o meu amor
Que estou morto de saudade
Abaixae - vos , serras altas .
Quero ver Guaratinguetá ;
Quero ver o meu bemzinho
Nos braços de quem está
29

Tenho um cavallo baio


Minha mulla pangaré.
Meu cavallo fais biscoito
Minha mulla fais café.
E' a victoria do violeiro e este apressa -se a descantal- a chamando
cavalgadura ao trovador infeliz :
Lá detrais daqueile morro
Tem um pé de carrapicho
Já vos puis a cangaia
Só farta ponhá rabicho.
A macreadesa do violeiro recebida de máu humor pelos canta
dores ; alguns delles tomam o sentido da quadrinha ao pé da letra,
zangam - se e o despique estabelece - se violento, aspero, remoqueante ,
ameaçando transformar o catérctê em bancé de cuia que era assin
uma cousa muito semelhante ao modernissimo virar frége, até surgir
uma voz apaziguadora que procura aplacar os animos irritados fa
zendo o desafio descambar para novo assumpto :
Toda a gente se admira
do que agora vó cantá
Eu vi um grão de mio
Dá treis quarta de fubá.
() exercicio prolongado das danças e dos cantares abrevia a di
gestão dos foliões, cujos estomagos principiam a dar horas : surge
então na rima uma ou outra velada reclamação contra a demora
da boia :

Eu já vi buia de prato
Já vi tijela tini
Já tá passando da hora
Que o café tinha de vim .

e, si dentre os figurantes do cateretê ou na assistencia da funcção é


divisada alguma carinha graciosa e tentadora de esbelta caboclinha,
os porfiantes, quatro paus no desafio , aproveitam -se da replica para
endereçar-lhe um pedido e um galanteio :
Moreninha bonitinha
Cinturinha de retróis
Dê um pul na cozinha
Vá fazé café p'ra nóis.
e os cantares proseguem embora os cantadores não sejam attendidos,
mas levantando protestos contra a tagarelice feminina que retarda a
30

hora do café, e dando larga expansão á maledicencia contra o mu


lherio :
As muié quando se ajunta
E' pr'a falá da vida aieia,
Principia na minguante
E vai té a lua cheia .

As muié e as gallinha
Não se deixa passeá
As gallinhas bicho come
As muié dão que falá.

Eu passei o Parahyba
Imbarcado numa barsa
Os peccado deste mundo
Vem da saia e não da carsa .

Dizem que muié é farsa


E ' farsa que nem papê.
Mais porém , quem matô Jesus
Foi hóme, não foi muié.

E, assim, pela noite a dentro prosegue a funcção, até que, em dado


momento os figurantes, cedendo ao cançado, esmorecem : estabelece
se então, breve interregno, é servido café com mistura, depois uma
roda de quentão e recomeça o catêretê estimulado pelo violeiro :
Minha gente roda, roda ,
Que a funcção tá esfriando
Já mandei corrê cachaça
P'ro povo s'i'squentando.
Entrei na venda
Jacaré tá lá
Só bebo pinga
Capilé fais má.
A cachaça é minha parenta
O quentão é meu irmão
Não ha funcção nenhuma
Que os meus parentes não vão.
Muitas vezes a noite extingue-se, o dia surge e de novo a noite
se approxima sem que os dançadores se dispersem, e, si alguem se
lembrar de lhes dizer que a grande dóse de energia vital consumida
nas danças prolongadas, muito melhor applicação poderia ter no ama
- 31 -

nho da terra, o dançador inveterado responderá, num dar de hom


bros desdenhoso, entoando ao som rompante da viola :
Tuda vida eu trabaici
Sempre morrendo de fome,
Mais, porém , acabei de crê
Que quem não trabaia tamen come.
QUEM ERA O SOROCABANO BENTO MANUEL
RIBEIRO ?
PELO

TENENTE CORONEL PEDRO DIAS DE CAMPOS


SOCIO HONORARIO DO INSTITUTO HISTORICO E GEOGRAPHICO DE S. PAULO
QUEM ERA O SOROCABANO BENTO MANUEL
RIBEIRO ?

Neste mesmo recinto, não ha muito, indagaram “ quem era o soro


cabano Bento Manuel Ribeiro ?" Tivera o illustre 1. secretario, ao
fazer tal indagação, bem se deprehende, o intuito de reavivar entre os
contemporaneos, o nome do intemerato patriota e guerrilheiro paulista.
Bem sabia elle, que é dentre nós aquelle que mais e melhor cultua a
historia patria, ao se referir a Bento Manuel, que haveria nesta casa
alguem com animo de acceitar e desenvolver tão grata quanto sympathica
these. Sorocabano e militar, cabia a mim , mais do que a qualquer outro,
evocar, muitas vezes, nesta sala, deante desta selecta assistencia, os
manes do lendario marechal de campo , Bento Manuel Ribeiro. Esse
nome querido e popular em todo o Brasil e nas republicas sulinas, não
está, felizmente, esquecido em S. Paulo .
Em toda a região do sul, nas duas margens do Prata, onde o
paladino patricio tanto elevou o nome do Brasil , continua elle sendo
relembrado com justificada e respeitosa estima. N. Rio Grande, para
a parte superstciosa da população, é Bento Manuel um mytho, uma
lenda phantastica, contada pelos amoraveis avós, ao redor da lareira,
- em noites frigidas, aos curiosos netinhos, ávidos de historias heroicas,
Transidos , com a espinha em arrepios, OS pequeninos gauchos
acompanham attentos, com a narrativa, maravilhados e embevecidos,
o tropel tumultuoso da cavalgada furiosa de Bento Manuel, através dos
pampas extensos e das ondulantes coxilhas. () vulto soberbo, distan
ciado da tropa, destaca-se nitido, brandindo na destra vigorosa a espada
flammejante. Depois , pela suggestão dos contos ouvidos, elles enxergam,
nas noites procellosas, movimentando -se com as nuvens negras e pe
sadas, os bravos de Bento Manuel, como um turbilhão varejando as
campinas interminas. E' a evocação de uma ronda phantastica de ca
valleiros que se atropelam como duendes em fuga.
36 -

Tanto para os que contam, como para os que ouvem, o valente


militar é visto, qual Nume protector, cavalgando fogoso corcel, pelas
rasas campinas ou pelo dorso das elevações. Em furioso galope, as
dobras do largo poncho açoitando rijamente a neblina, ou fluctuando
ao sabor das rajadas fortes, vai elle quebrando obstaculos, avançando
célere em carga formidavel . Para todos, Bento Manuel attinge então
as proporções de um gigante.
As crianças e os homens desse privilegiado recanto da Patria, o
apontam em todas as scenas da natureza . Ora, nas sombras das nu
vens que marchetam as verdejantes campinas em flor, ora no em

maranhado das lianas das florestas inextricaveis.


Tambem os barqueiros, que se debruçam das brancas velas que
singram as ondas tranquillas das lagoas soberbas das fronteiras do
sul , vêem adensado e reflectido, nas limpidas aguas, o vulto lendario
de Bento Manuel. Em suas margens, de contornos suaves,o gladio desse
valoroso soldado tingiu -se mais duma vez do sangue inimigo.
São uma lenda, em nossos dias , os feitos heroicos do bravo guer
rilheiro, porque a historia de suas grandes acções foi inscripta mais
110 coração do povo do que nos annaes militares. E o povo rio -gran
dense, não sabendo e não encontrando em que concretizar o seu mytho,
fixou - o no disco luminoso da lua em plenitude, para assignalar, amol
dado em medalhão de prata, o fosco relevo de sua estatua equestre.
O marechal Bento Manuel Ribeiro , filho de Manuel Ribeiro de
Almeida, nasceu na então villa de Sorocaba, em 1783. Este agglomerado
surgira em pleno florescimento do banderismo paulista e foi edificado
nas duas margens do rio de que tomou o nome. Este importante curso
de agua, affluente do Tietê, era caminho para a grande estrada de
penetração das monções, que se internaram e devassaram , em luctas
titanicas, os vastos sertões occidentaes.
Em nossos dias tornou -se Sorocaba uma das mais importantes
cidades industriaes de S. Paulo. Na época, porém, do nascimento de
Bento Manuel, não passava ella de uma villa de reduzidas proporções
e só era conhecida pelo avultado commercio de animaeś que ali se
realizava. Ponto das grandes feiras periodicas, em Sorocaba reuniam - se
gentes de todas as regiões do sul, empregadas na conducção de tropas.
Eram patrões, capatazes e peões, que vinham attrahidos pela excel
lencia do mercado paulista.
Bento Manuel Ribeiro, tendo visto a luz nesse nucleo de povo
simples, ingenuo e cioso das tradições de sua terra, que guarda e
as transmitte com carinhoso enthusiasmo tinha de ser, no berço,
embalado com as trovas sertanejas, meigas e populares, em que os
feitos do bandeirante, sua indomita bravura, a riqueza e a belleza da
terra eram cantados em decimas piangentes, pelas amas solicitas.
- 37

Adolescente, Bento Manuel se comprazia, pelas noites aluaradas,


nos ranchos dos tropeiros, em ouvir as quentes e enthusiasticas narra
tivas das luctas, que por toda a parte se travavam nas campinas do
Prata . Nessas rudes pelejas, segundo contavam, eram sempre os bra
sileiros que venciam.
O sul, com as suas agitações e luctas continuadas e a sua vida de
constante alerta, exercia sobre o espirito varonil do joven sorocabano
irresistivel attracção. Assim , logo que teve concluido os seus estudos,
foi reunir- se ao seu irmão, capitão Gabriel Ribeiro de Almeida, bravo
commandante de guerrilhas nas bandas orientaes ,
Com 17 annos de edade, a 1.º de dezembro de 1800, alistou-se vo
luntariamente no regimento de milicias de Rio Pardo, fazendo, sob as
ordens do seu irmão, toda a campanha de 1801. Durante ella, tomou
parte e se distinguiu em tres ataques nas missões orientaes do
Uruguay .
Promovido a forriel , em 1.º de janeiro de 1808, fez toda a cam
panha Cisplatina, que durou até 1812 .
Nessa longa campanha revelou sempre, nos ataques de que parti
cipou, inexcedivel bravura e sangue frio. Foi ferido quando, com
mandando 60 homens da milicia, em setembro de 1811 , atacou a
povoação de Paysandú, derrotando as tropas de Binedo, que tambem
foi morto . Nessa lucta desegnal e feroz, somente 8 homens das
tropas desse caudilho puderam escapar com vida .
Pelos seus inestimaveis serviços e pelo exito desse memoravel
encontro, foi promovido ao posto de tenente, para o regimento de Rio
Pardo, a que pertencia, conforme carta regia de 17 de janeiro de 1813.
Estalára em 1816 a segunda campanha Cisplatina, surprehendendo
Bento Manuel incorporado com o seu regimento á divisão do general
Curado, que occupava Ibirapituanchico. A esse tempo, o caudilho Ar
tigas rompia a fronteira de Rio Pardo, com o objectivo de atacar no
Rio Grande as tropas de Curado .
Para deter esse caudilho, que já havia transposto a . coxilha de
Sant'Anna, foi enviada uma pequena columna de 330 cavalleiros. Bento
Mamuel, que fazia parte dessa expedição, commandando um contin
gente do seu regimento, cooperou de modo efficaz na cobertura da
honrosa e valente retirada, effectuada por ordem superior. Pelo seu
esforço, mereceu referecencias especiaes e encomiasticas , em ordem do
dia cio general em chefe .
Novamnte, em 19 de outubro, se distingue Bento Manuel, no com
mando da vanguarda de uma columna de 480 homens, destacada da
divisão do general Curado, com a missão de deter o avanço de Artigas,
que, com o seu exercito, pretendia impedir a junçção com as tropas do
coronel José de Abreu .
38

Tendo, com 80 cavalleiros de seu commando, se chocado com os


duzentos que constituiam a vanguarda inimiga, rechassou -os Bento
Manuel com tal impeto, que tiveram elles de retroceder, até encortrar
apoio na columna principal. Durante a batalha, que se travou renhida
entre as tropas de Curado e de Artigas, o inimigo procurou sempre
envolver os flancos da divisão, no que foi impedido pelos valorosos
flanqueadores, capitão Machado Bittencourt e tenente Bento Manuel
Ribeiro. Ambos foram elogiados, por terem cumprido com grande
valor os seus deveres .

() caudilho Verdun, derrotado em Ibiraocahy pelo general Menna


Barreto, abandona o seu proposito de reforçar as tropas de Artigas e
retira-se, afim de reparar as perdas soffridas . Esse facto offereceu
ensejo ao general Curado de tomar vigorosa offensiva contra o prin
cipal campo de Artigas. Para enfrentar um inimigo, forte, de 1.500
cavalleiros, fez Curado marchar uma columna de 760 homens, sob o
commando do brigadeiro Oliveira Alvares. No dia 27 entrou este
pequeno destacamento em contacto com o inimigo, no campo de Ca
rumbé, travando - se renhida batalha. Aos cavalleiros de Artigas foi
infligida, mais uma vez, estrondosa derrota . Sangrados, juncando o
campo da lueta, ficaram 600 homens.
Vesta acção, como sempre , tomou parte brilhante o bravo tenente
Bento Manuel Ribeiro, coin O seu piquete de cavallaria ligeira , que
maravilhou os adversarios pela rapidez e energia de seus movimentos.
Depois disso, o inimigo abandonou a fronteira e retirou - se para as
proximidades de Montevidéu . Ali reuniu ás suas tropas, todos os
contingente que se achavam naquella praça e as que se achavam guar
necendo outras localidades.

O general Curado, que já por tres vezes derrotára os invasores de


nossa terra , sabendo da concentração de forças que se realizava em
territorio inimigo, atravessou, com a sua divisão , a linha divisoria ,
acampando em Catalan . Desse ponto enviou um reconhecimento com
pasto de 600 praças, sob o commando do coronel José de Abreu , com a
missão de reconhecer a posição e força do inimigo e tambem de inves
til-o, caso julgasse possivel .
Simultaneamente, Artigas planejava investir o campo da divisão
do general Curado, enviando o caudilho La Torre á testa de 3.400
guerrilheiros.
O Campo da divisão foi, de facto , rijamente atacado em 4 de
janeiro de 1817, sendo os flancos envolvidos pelo inimigo. Os brasi
leiros , embora inferiores em numero , com auxilio da columna de
Abreu, que regressava coberto de glorias, rechassaram as tropas de
La Torre, para além da fronteira .
39

Na tremenda batalha travada em Catalan , o arrojo do denodado


tenente Bento Manuel, que com o seu contingente iuctava na ala
esquerda da divisão, onde o inimigo iniciou a impetuosa investida,
impediu, não somente que a linha fosse quebrada, mas levou tambem
os uruguayos de vencida, até ao final da refrega.
Pela sua bravura, e por se ter distinguido nesta batalha, assim
como nas anteriores, foi Bento Manuel graduado no posto de capitão,
com menção honrosa em ordem do dia .
Em seguida á derrota, os inimigos abrigaram -se á margem es
querda do rio Uruguay, onde foram, em seguida, anniquilados pela
divisão Curado, que assim completou a victoria.
Artigas, batido e desmoralizado, envia uma força para constituir
nucleo de recrutamento na povoação de Belém, na margem esquerda
do Uruguay, ameaçando a fronteira do Brasil, pela linha do Quarahim .
Commandando uma força de 70 homens, seguiu a atacala, em 7
de setembro de 1817, o capitão Bento Manuel. Cahindo de improviso
sobre a divisão do chefe uruguayo D. José Verdun, desbaratou - a,
aprisionou o seu chefe e apoderou -se de todo armamento que en
controu .
Por este feito, heroico e brilhante, foi elle confirmado no posto
de capitão. O seu alto valor e distincção foram tambem mencionados em
ordem do dia do chefe.
Em abril de 1818, o cabecilha Aranda, á frente de 1.030 guerri
lheiros, no arroio de Guabójú, ataca violentamente as tropas de Menna
Barreto e de Bento Manuel, que se achavam reunidas. Apesar de terem
sidos apanhados de surpreza, pouderam esses dois destemidos chefes,
oppor efficaz resistencia. Após algumas horas de batalha, foi o ini
migo duramente castigado, deixando no terreno 133 homens mortos e
nas mãos de Bento Manuel, mais de 200 prisioneiros. Todo o arma
mento e 600 cavallos de guerra, ficaram tambem em mãoš dos brasi
leiros. Sómente um morto registou a cavallaria nacional.
Varios chefes de guerrilhas da provincia de Entre Rios, reunidos
ao audacioso caudilho Artigas, se propuzeram atacar a columna do
general Curado, que acampava no interior do Uruguay, afim de defen
der a conquista da banda Oriental .
Informado desse temerario plano, expediu Curado ao capitão Bento
Manuel com 400 praças de infantaria, as quaes fez transportar pela
esquadrilha do rio Uruguay até Concepcion, onde desembarcaram em
26 de maio desse anno . No local denominado Guabijú bateu as tropas
do chefe Aguilar, arrazou as baterias inimigas que embaraçavam a
navegação e tomou quatro peças, obrigando ainda o caudilho Ramirez
a bater em desordenada retirada. Na perseguição que moveu as forças
40

em fuga, conseguin Bento . Manuel: apoderar -se de 2.000 cavallos, seis


carretas com , materiaes bellicos, 500 fuzis, a caixa militar com 3.000
pesos e um estandarte. Levando mais a fundo a perseguição, aprisionou
o proprio chefe Aguilar, 300 homens de suas hostes e varios officiaes.
Em mãos de Bento Manuel cahiram tambem uma canhoneira de rio.
treze , embacações, diversas, com 40 , tripulantes e o respectivo com
mandante ,
A acção militar, de inexcedivel brilho, realizada em Guabijú, valeu
ao capitão Bento M. Ribeiro, a promoção ao posto de major, confir
mada em carta regia de 24 de junho, tendo sido egualmente elogiado
em crdem do dia, do 'commando em chefe do execito do sul.
Novo feito de Bento Manuel cobre de gloria o exercito brasileiro.
A frente de 500 cavalleiros marcha por ordem de Curado, para com
bater a divisão de Artigas , que estacionava em Queguay -chico .
Na madrugada de 4 de julho investe furiosamente o campamento
desșe caudilho, bate-o rijamente , e desharata as suas tropas. Finda a
lucta , que não durou muito , ficou elle senhor do campo e de elevado
numero de prisioneiros, entre os quaes se achava o caudiiho D. Miguel
Barreiro .
Em 1819, um outro chefe uruguayo, com quem Bento Manuel por
varias vezes se chocára, coronel Fructuoso Rivera crescia em audacia,
não obstante, as frequentes, derrotas que sofírera. Este caudilho, cheio.
de impafia e de atrevimento, a campára junto ao Arroyo Grande, como
que lançando um desafio ás tropas nacionaes.
Afim de , destroçar as gentes desse caudilho, foi destacado Bento
Maniel com , 600 homens escolhidos. Ao mesmo tempo, outro cheie ,
era enviado com 200, cavalleiros, afim de attrahir sobrę, si, a , attenção
do inimigo, desviavdo -a da columna, de Bepto Manuel, que, leyaya ,
objectivo deterıninado e importante ,
Sangrento combate tra you -se no dia 28 de junho em Arroyo Grande.
entre as duas fortes columnas, tendo sido Fructuoso , Rivera duramente
castigado. Nessa rude peleja, os cavalleiros de Bento Manuel sangraram
108 uruguayos, que ficaram extendidos no terreno em que se ferira
a renhida batalha. Em mãos do valoroso chefe brasileiro cahiram 96
uruguayos, 700 cavallos e 100 clavinas.
Brilhante foi, pois a victoria alcançada nesse local, pela tropa ao
comando do destemido e valente commandante sorocabano Bento Ma
nuel Ribeiro, que, por distincção e merecimento, foi promovido ao
posto de tenente - coronel, por decreto de 1." de março de 1820.
Terminára, com a grande victoria brasileira, alcançada em Taqua
rembó, em 22 de janeiro de 1820, esta segunda longa campanha Cis
platina. Fructuoso Rivera, com o posto de tenente- coronel, foi incor
porado ao exercito nacional, onde obteve um regimento de orientaes,
para commandar .
-41 -

Bento Manuel, acompanhando as tropas que haviam abandonado a


Banda Oriental, achava-se na fronteira, quando écoou o grito memoravel
do Ypiranga. Como premio de seus serviços foi elevado em posto, para
o regimento de milicias 11. 22. O grande guerrilheiro Bento Manuel,
föra graduado, com esse destino, no posto de coronel.
Durante très longos annos conservou - se " elle inactivo, não 'porque
quizesse ou precisasse repousar das 'arduas campanhas em que pelejára,
mas porque a paz reimava nos pampas. Esse forçado repouso, 'apro
veitára o coronel Bento Manuel Ribeiro, em melhorar e instruir o seu
já luzido regimento, que não tardaria em brilhar novamente em rudes
tarefas militares .
Em abril de 1825 fóra o imperio do Brasil surprehendido com a
revolução que esta lára na Banda Oriental, com o fito de tornar - se
independente do Brasil.
Pento Manuel, a testa dos seus cavalheiros, servindo sob as ordens
do marechal barão do Serro Largo , entrou immediatamente em campa
nha, invadindo a Cisplatina e conseguindo acampar, depois de vencer
mil obstaculos e haver percorrido grande extensão de terreno em
penosissima marcha, na margem direita do Rio Negro .
A colonia brasileira do Sacramento achava -se então sitiada pelos
chefes orientaes revolucionarios. A valente guarnição brasileira resistia,
porém, aos encarniçados ataques contra ella desferidos .
Fructuoso Rivera, quebrando o compromisso tomado para com o
Brasil e chefes militares brasileiros, formava agora com o seu regi
mento ao lado dos rebeldes, pretendendo juntar-se ao caudilho La
valleja que investia contra a praça sitiada.
Ao coronel Bento Manuel foi confiada a missão de bater e cas
tigar o caudilho trahidor, antes que elle pudesse engrossar os effectivos
dos sitiantes. Renovando a sua cavalhada, escolheu 800 homens valo
rosos da sua aguerrida tropa, e com elles partiu em direcção ao campo
adverso .
Para illudir a vigilancia dos postos avançados de Rivera, o barão
de Serro Largo fez que uma parte de sua tropa manobrasse, demons
trando intenção de atacar as columnas revolucionarias. Esse 'estrata
gema permittiu a Bento Manuel liberdade de acção, ao mesmo tempo
que facilitou a sua partida, sem ser apercebido do inimigo.
Bento Manuel, insoffrido e desejoso de reduzir completamente o
inimigo, sahira no encalço de Rivera, que estabelecera acampamento no
Arroio d'Aguila. Em marchas forçadas, alcançou e bateu a divisão
desse caudilho, que se cobrira com tropas do guerrilheiro Caballero,
a qual, ao alvorecer, fôra inteiramente destroçada. Nessa terrivel re
frega os cavalleiros de Bento Manuel ceifaram, em cargas formidaveis,
os soldados de Rivera. Finda a lucta sangrenta que sustentára com
42

desusada furia, dos punhos fatigados dos bravos brasileiros pendiam,


gottejantes, as espadas enrubecidas .
Em cargas violentas e firmes, os guerreiros de Bento Manuel
deixaram extendidos no local do combate 64 inimigos acutilados, entre
os quaes o caudilho Mancilla. Foram feitos 14 prisioneiros e o capitão
Tavares, que foram engrossar o numero já avultado dos que anterior
mente o nosso valente patricio reduzira.
Levando os trophéos da victoria, seguiu Bento Manuel para Mon
tevidéo, afim de attender ao chamado do general visconde de Laguna
Nessa praça de guerra, foi o nosso destemido patricio recebido em
triumpho. O valoroso cabo de guerra bem merecia, de seus pares, essa
demonstração carinhosa.
Não obstante as continuas victorias das armas ' imperiaes, crescia o
inimigo em audacia, ao ponto de estabelecer nucleo de recrutamento,
não longe das praças occupadas pelos brasileiros.
Em setembro de 1825, a situação dos dois exercitos era a seguinte :
As tropas imperiaes, ao mando do general barão do Serro Largo, acam
pavam na Villa Mercedes e o general Fructuoso Rivera, com os seus
orientaes , armára o seu campo ao sul do Rio Negro, face ás tropas
nacionaes .
Ao coronel Bento Manuel foi dada a missão de marchar sobre o
exercito Oriental, que estava forte de dois mil homens, e rechassal-o.
A columna do coronel paulista era composta somente de 800 homens,
isto é, quasi equivalente a um terço do effectivo adverso.
Em caminho deviam estas tropas fazer juncção com as do com
mando de Bento Gonçalves, composta de 354 cavalleiros; estas deviam
partir de Serro Largo. As duas columnas, formadas de praças tiradas
de varios regimentos militares, de guerrilheiros irregulares, de portu
guezes e até de lanceiros guaranys, não apresentavam um conjunto
que servisse para intimidar o inimigo.
Realizada a juncção, marchou Bento Manuel immeditamente ao
encontro do inimigo, que estacionava, á margem esquerda do arroio
Sarandy, surprehendendo - o na madrugada desse dia. O embate foi
terrivelmente violento e, não fosse a pericia de Bento Manuel, teria o
exercito brasileiro a lamentar uma desastrosa derrota, em razão da
grande inferioridade de effectivo das tropas nacionaes e sua pouca
instrucção militar,
Apesar de terem sido quebradas as alas da linha de batalha de
Bento Manuel, o centro resistiu com tal galhardia á carga formidavel
da cavallaria adversa, que chegou mesmo a dominal- o momentanea
mente. Pesadas foram as perdas de parte a parte, bastando dizer que
de um esquadrão inteiro das tropas de Bento Manuel, somente nove
soldados e um tenente ficaram com vida.
- 43 –

Os inimigos foram , finalmente, contidos nas margens do Sarandy,


onde a columna brasileira viéra apoiar-se. Bento Manuel sómente cedeu
terreno ao cahir da tarde, retirando -se para um passo do arroio Gy,
depois da capitulação do major Alencastro, que commandava dois es
quadrões do 5.º regimento, com mais de 400 cavalleiros.
Por uma manobra mal executada, este chefe ficára completamente
isolado e cercado pela força inimiga. Comtudo, a cavallaria deste va
loroso official batera- se denodadamente durante tres horas, antes de
se render, o que permittiu a retirada, executada em ordem, pelo resto
da columna. Foi brilhante este movimento e teve applausos de seus
chefes que o elogiaram em ordem do dia .
Bento Manuel Ribeiro teve effectivado o seu posto de coronel,
por decreto de 9 de maio de 1826, sendo em seguida designado para
commandar a brigada de cavallaria que, no Rincon Catalan, tinha a
missão de impedir as incursões do inimigo, no Rio Grande do Sul.
Os caudilhos rebeldes estavam , nessa occasião, de posse de toda a
campanha Oriental.
Um grave erro estrategico, commettido por um dos chefes que
substituira o general barão de Serro Largo, permittiu ao inimigo faci
lidade para invadir as nossas fronteiras , saquear e devastar toda a
população brasileira, localizada no Valle do Uruguay. Tudo isso foi
executado de modo barbaro e deshumano , que clamava por uma justa
represalia .
Bento Manuel, em cumprimento de ordem, marchava para Sant'An
na de Livramento, afim de reunir - se a outras tropas que para ali
convergiam , quando em caminho, perseguido, travou combate com
guerrilheiros dos caudilhos orientaes, invasores da nossa terra, aos
quaes inflingiu de modo rude o merecido castigo .
Em 31 de outubro, commandando a 1.a brigada, sahiu elle nova
mente em busca da columna corrientina, que, ao mando de Felix
Aguirre, saqueava as Missões Orientaes. O valoroso e intrepido soro
cabano atravessou o Uruguay em 5 de novembro, destroçando em suas
margens as gentes desse caudilho. Este, logo depois, retirou- se com
800 homens e tres peças de artilharia para a Capilla del Rosario, de
onde enviou para a frente, como postos avançados, o caudilho Toribio,
commandando 200 homens. Bento Manuel, avançando, quebrou esta
primeira resistencia, tendo no combate sangrado Toribio e a maior
parte de seus guerrilheiros. O caudilho Aguirre, vendo o impeto com
que Bento Manuel se precipitava sobre sua columna, não teve animo de
aguardar o embate e, com seus cavalleiros e sua artilharia, procurou
refugio em outro ponto, deixando, para cobrir sua retirada, uma colum
na de 300 homens, que foi tambem completamente destruida.
- 44 -

Mortos e feridos, deixou Aguirre no campo grande numero de


praças. Foram tambem apprehendidos mil cavallos e grande copia de
armamento .

Agora eram os argentinos que se aventuravam a medir forças com


as tropas imperiaes, pelo abandono em que ficaram todos os passos
da fronteira .
As circumstancias da campanha impuzeram a substituição do com
mandante em chefe do exercito brasileiro, em principios de 1827. Ao
marquez de Barbacena foi confiado o commando do exercito em ope
rações, que foi promptamente reorganizado. O commando da 1. brigada
de cavallaria ligeira coube ao coronel Bento Manuel Ribeiro, que com
ella se destacou no dia 9 de fevereiro, afim de observar os movimentos
do inimigo, o qual, a esse tempo, estava dividido em duas fortes colum
nas. Bento Manuel, que dispunha somente de pouco mais de mil cava
leiros, marchou resoluto para o inimigo.
Acampado ao norte de S. Gabriel, com forças superiores a 3.000
homens, achava - se o general Mancilla , o qual, informado da appro
ximação de Bento Manuel, o recebeu com o choque desproporcionado
dessa pesada massa . A cavallaria ligeira resistiu com a sua habitual
gallardia, mas teve . por fim , de retirar-se. A cavallaria brasileira,
emprehendendo a retirada , sempre perseguida e acossada, travou com
bate nos dias 15 e 16, pouco distante do passo do Umbú.
Sangrentos foram os encontros, mas o adversario foi rijamente
caştigado. Iniciando nova retirada, Bento Manuel fez destacar de sua
columna tres esquadrões, com a missão de deter o avanço de Mancilla,
o que foi realizado em Sanga Funda. Em cargas violentas, esse pugillo
de patricios forçou o adversario a retroceder em direcção ao campo
que antes abandonára .
Durante a ausencia de Bento Manuel, que attrahia sobre si 0o
grande effectivo de Mancilla, feria-se a grande batalha de Ituzaingó,
em que o marquez de Barbacena sahira attingido no seu amor proprio.
Na data deste encontro , 20 de fevereiro, achava-se Bento Manuel
acampado no passo de Santa Victoria, local distante do ponto onde
tivera logar a pugna 9 leguas brasileiras , isto é 54 kilometros, na

impossibilidade portanto de chegar com tempo de transformar a reti


rada argentina em sangrenta derrota. Mesmo assim , Bento Manuel,
com a sua bem planejada e habil manobra, impedira a juncção da
columna Mancilla com a que combatera contra o grosso da columna
brasileira ,sob,as ordens directas do general marquez de Barbacena.
Não tivesse Bento Manuel enfrentado e detido a columna inimiga,
a. batalha de Ituzaingó, que ficara indecisa, teria se constituido em
grande e doloroso desastre para as armas imperiaes.
- 45 -

A columna de Bento Manuel serviu ainda para reunir os elementos


de tropas que se dispersaram durante a rapida retirada do exercito
de Barbacena .
Depois de reorganizar parte do pessoal disperso, Bento Manuel
reuniu - se ao exercito, ficando com a sua brigada incorporado á divisão
de cavallaria do brigadeiro Sebastião Barreto .
Bento Manuel, com suas tropas ligeiras, por ordem do commando,
emprehendeu contra o inimigo uma série de sangrentas guerrilhas, com
o fin de conter e neutralizar a segunda invasão do solo rio - grandense.
Alvear, audacioso caudilho argentino, fora assim , depois de varios
encontros infelizes, forçado a abandonar, com elevadas perdas, as ter
ras brasileiras .
O valente general Barreto, após o successo das armas imperiaes,
baixou a seguinte ordem do dia elogiosa a Bento Manuel e a varios
chefes militares, que , em outros pontos, prestaram ao Brasil , nessa
emergencia, o concurso de sua capacidade militar :
* Campo Volante, nas vertentes do Veihaco, 9 de julho de 1827.
Companheiros e amigos : .
O exercito argentino, que tanto blasonava de conquistar o nosso
paiz, acaba de o deixar, retirando - se vergonhosamente !
Vêde o quanto póde o pequenino numero de soldados, em cujos
corações ainda a virtude impéra.
Vós fostes os que, á custa de mil sacrificios e privações, salvaram
a Patria. Ella vos bemdirá e o augusto e magnanimo imperador pre
miará com mão liberal as vossas fadigas. E as gerações vindouras
olharão com respeito para os vossos ultimos netos e dirão com assom
bro : Estes ainda são os descendentes dos poucos heróes que expulsaram
do nosso paiz natal o exercito que o invadiu em 1827 .
Eia ! Camaradas ! Continuai a trilhar o caminho da honra, não
eclipseis a gloria de que vos tendes coberto . Mais alguma constancia,
é o que unicamente de vós exige o vosso amigo e vosso patricio
Sebastião Barreto Pereira Pinto " .
Bento Manuel só se recolheu com a sua brigada um anno depois,
em agosto de 1828, quando os seus serviços na guerra se tornaram .
desnecessarios , por isso que as preliminares da paz com o inimigo
haviam sido assignadas em 27 deste inez,
Em 24 de março de 1829 foi o coronel Bento Manuel transferido
para a primeira linha e classificado no estado-maior do Exercito,
Conservou-se, porém , no Rio Grande do Sul, de cujas queridas cam
panhas não desejava afastar - se .
Coube - lhe o commando da guarnição da fronteira de Rio Pardo,
em 1831 , por effeito de nomeação da regencia, que subira com o golpe
de Estado .
46

Bento Manuel exercia essas funcções havia já algum tempo, com


o criterio e hombridade que lhe eram peculiares, quando inesperada
mente, em dezembro de 1834 talvez por um simples capricho do
presidente da provincia Rodrigues Braga, que era desaffecto do bravo
militar paulista , fora violentamente destituido do commando .
Contra este representante do governo central , rebentou no Rio
Grande, em 1835, um movimento sedicioso, que serviu de prodromo
para a prolongada revolução separatista rio -grandense.
Bento Manuel formou nas fileiras revolucionarias, ao lado de
Bento Gonçalves, afim de vêr descido do poder, o seu inimigo politico .
O presidente, que fôra elevado pela revolução, nomeou - o com
mandante das armas .
Fouco mais tarde, porém , melhor esclarecido sobre os intuitos do
movimento que era proclamar a Republica no Rio Grande e desmem
bral -a do Imperio, desligou - se das hostes de Bento Gonçalves e, acto
continuo, usando de sua autoridade de commandante das armas , ordenou
ás tropas que reconhecessem o novo presidente, nomeado pelo impera
dor, dr. Araujo Ribeiro. Isto se passou em 30 de dezembro de 1835.
Bento Gonçalves estacionava então com o seu exercito no arroio
dos Ratos, quando lhe chegou a noticia da ordem do dia baixada pelo
commandante das armas e, conhecendo a coragem e impetuosidade de
Bento Manuel, com quem junto, mais de uma vez, combatera inimigos
extrangeiros, aguardou o seu ataque, que, de facto, não se fez esperar.
Em 1.º de janeiro de 1836, os postos avançados de Bento Gonçalves
recebiam o choque da vanguarda de Bento Manuel Ribeiro. Genera
lizou - se em seguida, entre as duas columnas, um encarniçado combate,
que finalizou pela retirada das tropas atacantes, que deixaram em
mãos dos republicanos alguns prisioneiros, e, no campo , varios mortos.
Pela primeira e ultima vez, soffrera o altivo e indomito sorocabano um
desastre militar .
Desde então, a situação de Bento Manuel tornou -se sobremodo pre
caria. Por um lado, o governo republicano que o mandava demittir e
responsabilizar, e de outro , o presidente legal , que o mantinha no
commando das armas e o prestigiava com a sua autoridade, emanada
do governo imperial. Bento Manuel só dispunha de um insignificante
effectivo, que não attingia a dois mil homens. Mesmo essa pouca
gente teve elle de repartir, na campanha, por differentes guarnições.
Apenas com um pequeno nucleo de tropa seguiu para Rio Pardo, onde
esperava organizar uma columna, afim de enfrentar os revolucionarios.
Assim aconteceu .
Não demorou muito para que o anjo da victoria, que sempre
acompanhára Bento Manuel, voltasse a guiar -lhe os passos e suas
acções. Decorridos alguns dias, infligia elle á columna do coronel
- 47 -

revolucionario Corte Real severa derrota. Este caudilho cahiu prisio


neiro de Bento Manuel, com 150 homens de suas tropas. O campo ficara
tambem juncado de mortos.
O republicano Bento Gonçalves, ao saber do desastre do seu com
panheiro de revolução, dividiu sua tropa e seguiu a refugiar-se em
Porto Alegre, antes que Bento Manuel attingisse o seu campo e lhe
désse combate.
Não poude, porém , penetrar na cidade, porque nella havia irrom
pido um movimento restaurador, chefiado pelo marechal reformado
João de Deus Menna Barreto, que la residia. O presidente e membros
do governo revolucionario foram apeados do poder e presos. Em face
desses acontecimentos, resolveu o caudilho sitiar a cidade, juntamente
com reforço que recebera. Afim de intimar os defensores da cidade
a se renderem no prazo de 4 dias, enviou alguns parlamentarios.
A intimação fóra , com dignidade, repellida, sendo, por isso, a
cidade atacada por todos os lados, no dia 27, sem resultado. Tres dias
mais tarde, em 30 de junho, foi , renovado o ataque, com maior violencia,
combatendo -se com ardor e encarniçamento de lado a lado, durante
tres horas .
Ainda desta vez foram os atacantes repellidos com pesadas perdas.
Desde então renovaram continuadamente os ataques, sendo o mais san
grento e decisivo o de 20 de julho, pois que os sitiantes não só foram
rechassados, como tambem perseguidos á grande distancia. Suas trin
cheiras foram logo arrazadas .
Bento Manuel estacionava a mais de 50 leguas quando teve iníor
mação do cerco posto á capital, cuja guarnição resistia com heroismo.
Reunindo as forças de que, no momento, dispunha, marchou sem perda
de tempo em soccorro de Porto Alegre, que se debatia em apertado
sitio .
A' approximação do reforço trazido pelo proprio commandante
das armas, os sitiantes acceleraram a retirada abandonando aquellas
paragens, transportando -se para as regiões serranas, afim de tentar, em
outro ponto, novas aventuras.
As tropas de Bento Manuel acamparam nas cercanias da cidade,
promptas para se empenharem em lucta pela legalidade, logo que se
offerecesse occasião. Pouco demorou elle nesse campo, sahindo em
perseguição da força adversa, que Bento Gonçalves conduzia rapida
mente. Soube -se depois que estabelecera seu campo , provisoriamente,
em Viamão. Nesse ponto föra alcançado por Bento Banuel, que lhe
infligiu duras perdas, sendo obrigado a deixar as serras e a transpor
o rio Cahy, afim de ganhar as vastas campanhas.
Antes, porém . de chegar aos campos geraes, foi novamente alcan
çado pela cavallaria ligeira de Bento Manuel, que no dia 4 de outubro,
48

junto a ilha de Fanfa, lhe fez soffrer maior revez. A victoria foi
completa .
Os revolucionarios tiveram 120 mortos, grande numero de feridos,
e deixaram em poder dos legalistas 15 boccas de fogo e quinhentos
prisioneiros, inclusivé o chefe da revolução, o valoroso caudilho Bento
Gonçalves. O seu immediato, Onofre Pires, braço forte da rebellião,
teve tambem egual sorte .
Essa victoria decisiva poz termo á lucta, que não podia mais
proseguir por falta de elementos .
A regencia premiou o coronel Bento Manuel Ribeiro " pelos rele
vantes serviços prestados na provincia do Rio Grande do Sul, para o
restabelecimento da ordem e contra os rebeldes ” , promovendo - o ao
posto de brigadeiro do exercito .
( ) governo fez acompanhar a patente de promoção deste decreto
elogioso :
T'oi com a maior satisfacção que o Regente, em nome do Impe
rador, ouviu a leitura do officio de 9 de outubro proximo passado,
em que V. S. dando conta do triumpho completo que obtiveram as
forças da legalidade, sob seu immediato commando, no dia 4 , contra
os rebeldes, anarchistas capitaneados pelo chefe de sediciosos dessa
provincia, augura felizmente o breve exterminio da anarchia e total
restabelecimento da ordem , para que tanto tem V. S. cooperado, coa
djuvado efficazmente pelos intrepidos defensores da legalidade que,
superando todas as fadigas da guerra , patrioticamente se dedicam a
restituir á grei brasileira essa importante porção do imperio, abalada e
ameaçada de horrorosa subversão.
( ) regente em nome do imperador, reconhecendo o relevante ser
viço que V. S. acaba de prestar ao Imperio, com a victoria do dia 4
de outubro, houve por bem , por decreto de hoje, conferir -lhe o posto
de brigadeiro " . Foi tambem agraciado com o officialato da Ordem do
Cruzeiro.
Depois da victoria alcançada em Franfa, se propoz Bento Manuel,
á frente de tres mil homens, varrer toda a campanha, submettendo e
destroçando tropas inimigas, que ainda se encontravam dispersas pe
los pampas. Assim , marchou elle com destino a Bagé, onde estacio
nava o chefe rebelde Antonio Netto, com alguma gente que pretendia
augmentar, afim de continuar a lucta. Após varias manobras, com que
procurava esquivar - se ao encontro , cahiu finalmente esse caudilho
em mãos de Bento Manuel, depois de renhido combate, no qual foi
abatido grande parte do seu effectivo.
Estava virtualmente terminada a campanha provocada pelos rebel
des republicanos, e por isso julgada desnecessaria a continuação de
Bento Manuel, no commando das armas .
-49

Por isso, e porque se sentira melindrado com algumas desconsi


derações que soffrera. Berxo Manuel solicita e obtem exoneração das
funcções de commandante, que com tanto relevo e dignidade exercera,
e no qual prestára á Nação brasileira inestimaveis serviços.
Foi condecorado com as duas medalhas das campanhas do ' sul. "
A inveja de uns e a má vontade de outros , sempre visando o he
róe dos pampas , foi causa de novos successos politicos, em que o
inclito sorocabano foi forçado a intervir .
O presidente da provincia, sr. dr. Antero de Brito, nomeado com
o objectivo unico de contrariar ao brigadeiro Bento Manuel, não se
cançava em atirar sobre elle toda a sorte de aleives e suspeitas, ao
ponto de indispól- o com o governo imperial, e com seus antigos com
panheiros de lucta .
Fóra elle até acoimado de trahidor e de achar - se em confabulações
sedioiosas com caudilhos extrangeiros, com o fim de prejudicar o
paiz . E ' que bem sabia o presidente Brito estarem contados os seus
dias no governo do Rio Grande do Sul. O brioso general não consen
tiria por muito tempo , a sua perianencia em um posto no qual, se
gundo pensava, não podia e não sabia honrar .
Varios botes foram contra 'Benito Manuel preparados pelos an
tigos caudilhos, por elle combatidos durante a anterior revolução re
" publicana. Mas de todas essas armadilhas sahiu elle sempre illeso e
ainda mais dignificado. Não desejando mais aturar tantas persegui
ções, resolveu Bento Manuel agir resolutamente, no sentido de pôr
um paradeiro aos desmandos do governo provincial.
No dia 23 de março de 1837 faz prender o presidente Brito, que
se aventurara pela campanha, com o fim de neutralizar o prestigio
de Bento Manuel sobre o exereito. Ao mesmo tempo envia tropas
* contra parte da força legal, que estacionava em Caçapava, cuja maior
parte entregou -se sem combater, cahindo a villa em seu poder, no dia
-7 de abril de 1837. No reducto do logarejo foram apprehendidas 15
peças de artilharia, 4.000 armas de infantaria, grande quantida
de de munição e outros materiaes bellicos. Foram tambem relacionados
-900 prisioneiros.
Depois deste brilhante feito de guerra , seguiu Bento Manuel para
a campanha, em busca de outros caudilhos que se achavam dispersos.
Nessa arriscadissima cruzada, soffreu o heróe dos pampas grave
humilhação 'e aspero contratempo, que quasi lhe custou a vida.
Proximo á Cruz Alta , quando, descuidado e só, repousava em uma
estancia, 'föra Bento Manuel surprehendido por um grupo de caval
- leiros, enviado pelo inarechal Sebastião Barreto, com ordem de ca
ptural- o vivo -ou morto. Maltratado, entre a escolta, seguia elle para
-o campo do marechal, quando já a meio caminho, chegára a noticia
-50 –

de que um dos chefes revolucionarios da facção de Bento Manuel,


em combate encarniçado, derrotára a columna imperial, ao mando de
Sebastião Barreto. A' approximação de cavalleiros da columna vi
ctoriosa, os homens da escolta, depois de ligeira resistencia, descarre
garam as armas sobre Bento Manuel, pondo -se em rapida fuga.
O valente general föra, pelos seus, encontrado no campo banha
do em sangue e desaccordado, devido aos muitos ferimentos que re
cebera .
Os inimigos, soube - se mais tarde, estavam convencidos de o te
rem deixado morto .
Tempera e fibra de aço, depois de alguns dias de carinhosos cui
dadus. restabeleceu -se completamente e, ardoroso, emprehendeu no
vas luctas e conquistou novas victorias.
Reparando revezes soffridos pelas tropas ao mando de alguns
caudilhos, demorou-se Bento - Manuel pouco tempo na campanha, nas
proximidades de Rio Pardo, cuja cidade atacou com violencia, della
se apoderando depois de sangrentos combates. Não era pequeno o
effectivo das tropas imperiaes que defendiam a cidade, pois consta
vam de dois batalhões de infantaria, dois regimentos de cavallaria
com & boccas de fogo. Essas forças perderam na defesa da praça dois
coro :reis, 4 capitães, 5 alferes e 60 soldados, todos mortos em combate.
Em continuas luctas e assignaladas victorias, passeou elle suas
hostes pelas campanhas, varejando as cidades, transpondo campos e
coxillas, até que em 1o de fevereiro de 1839, estando em marcha so
bre o rio Cahy, com o fim de transpol-o, alcançou e apoderou-se de
duas canhoneiras e quatro lanchões artilhados , matando em combate
um commandante e um mestre legalista .
A acção rapida e efficaz de Bento Manuel intimidava sobre modo
as autoridades e chefes imperiaes, ao ponto de o confessarem , em es
cripto, ao governo da Regencia. Este esperava , ao nomear o novo pre
sidente, uma decisão prompta , jugulando a rebeldia, no entanto a
lucta se prolongava e Bento Manuel dominava, quasi em absoluto, a
situação .
A impressão causada na corte, pela victoria obtida por Bento Ma
nuel em Cahy, foi enorme e desagradavel, tanto mais que, era sa
bido, crescia na campanha o enthusiasmo pela empolgante figura de
Bento Manuel. O presidente da Provincia, em officio dirigido á Re
gencia, communica o facto, seriamente grave para os legalistas, de
engrossarem dia a dia as hostes desse valoroso militar, com as suc
cessivas levas de civis que espontaneamente se alista vam . Era o
povo em massa que adheria á causa do valoroso guerreiro. Os pla
nos militares e politicos de Bento Manuel, senhor já de quasi todo o
Rio Grande, extendiam - se então para pontos mais distantes. A obten
- 51 -

ção de um porto de mar, que lhe permitisse reatar as relações exter


nas, o obsecava e era agora o seu principal objectivo. A Lagoa dos
Pates, como porto de Rio Grande que continuava em poder dos le
galistas, mesmo que lhe cahisse nas mãos, não resolveria o caso , em
face da difficuldade opposta pela má situação da barra . A cidade de
Laguna, commercial e rica attrahia a attenção de Bento Manuel, que
resolveu della se apoderar.
( caudilho David Canavarro , seu companheiro de luctas, com 150
homens, foi encarregado dessa tarefa . Em 22 de julho de 1839, La
guna era já uma presa de Bento Manuel e o ambicionado respiradou
ro estava francamente aberto .
A situação da Republica e a politica reaccionaria praticada por
alguns de seus apaniguados, desagradaťam sobremodo a Bento Ma
nuel, que resolveu , definitivamente, abandonar a causa da revolução
tanto mais que todos os seus objectivos haviam sido attingidos. Deter
minou tambem a sua inabalavel resolução o facto de se ter desavindo,
por questões politicas, com o seu competidor Bento Gonçalves, “ mi
litar extremamente ambicioso e ciumento " , que nunca fora amigo de
Bento Manuel.
Pondo em execução o que livremente deliberára, demittiu - se Ben
to Manuel do posto e do serviço militar, retirando-se para Montevi
déo, aonde mais tarde lhe fóra enviado o decreto de amnistia. Alguns
de seus amigos que o acompanharam no exilio, aproveitaram tambem
do favor imperial. Pouco depois transferiu -se para a corte, afim de
agradecer, pessoalmente, ao imperador o favor da amnistia .
A lucta não cessára e incrementava - se por toda a campanha do
sul. A ambição do mando fazia com que os caudilhos não permittis
sem estabilidade nos governos, os quaes se succediam a curtos in
tervallos . O governo imperial desejava, a todo o custo , pôr um para
deiro a essas desordens que tanto prejudicavam o bom nome, a ci
vilização e o progresso do paiz.
Fara dar o golpe de morte á hydra da revolução sulina, foi no
meado o marechal barão de Caxias, presidente e commandante em
chefe do exercito na Provincia do Rio Grande do Sul. Este atilado
politico e militar chamou em 12 de dezembro de 1842 , na organização
do exercito, o general demissionario Bento Manuel Ribeiro. Desde
esse instante, o eminente militar paulista reintegrou-se, simultanea
mente, no exercito e na confiança do governo que o tinha em elevada
conta . Os serviços do brigadeiro Bento Manuel foram , nos primeiros
tempos aproveitados no estado -maior do commando e só mais tarde
The foi dada a chefia de uma columna, quando Caxias se convencera
da impossibilidade de attingir os rebeldes, que , com a mobilidade
habitual aos gauchos, esquivavam -se com muita facilidade dos ataques
- 52 -

vibrados pelos imperiaes , sem o poderoso auxilio deste dominador


dos pampas .
De facto, somente um guerrilheiro consummado como Bento Ma
nuel, conhecedor dos habitos, da tactica dos gauchos e do terreno em
que manobravam , podia, com seguro exito, vencer em força, mobili
dade e astucia, os caudilhos rebeldes.
A prestigiosa influencia exercida por Bento Manuel sobre o es
pirit) dos homens da campanha fez com que muitos dos guerrilheiros
adversos desertassem de seus corpos e viessem servir nas fileiras de
Caxias. Com elles, Bento Manuel organizou um lusido e bravo re
gime:ito de cavallaria ligeira, que veiu a constituir o terror das hos
tes rebeldes. Os ataques dos adversarios visaram, desde logo, as tro
pas de Bento Manuel, de quem tinham justificado temor. Assim , em
Poncho Verde, onde acampára, recebeu elle o formidavel choque das
columnas reunidas de Bento Golçalves, Vetto, Canavarro, João An
tonio e Jacyntho Guedes, com um effectivo de 2.500 praças. O com
bate sangrento e terrivel que lá se feriu durou mais de duas horas,
terminando pela derrota dos rebeldes, que tiveram muitos mortos e
feridos. Bento Manuel recebeu tambem dois graves ferimentos, um
no braço e outro no peito. Perdeu egualmente muita gente, mas as
armas do imperio ennastraram - se de novos louros .
Com essa bella victoria legalista , ficou inteiramente desmoraliza
da 1 causa do revolução, tendo reinado nos campos relativa paz, por
isso que os republicanos precisavam de tempo para repararem suas
perdas .
Vovamente reorganizado o exercito nacional, logo no começo da
primavera de 1842, reencetou Caxias as operações de guerra contra
os rebeldes, que já davam mostras de tentarem novas aventuras.
Dividindo o exercito em tres columnas de offensiva, a cada uma
foi dada uma zona , na qual deviam operar isoladamente com o obje
ctivo de destruir a resistencia do inimigo, pondo termo a essa cam

pania ingloria, que já havia durado demasiado.


A columna de maior effectivo 3.200 homens foi confiada
a Bento Manuel, assim como a zona de maior perigo. Nella os redu
ctos dos rebeldes eram mais numerosos e ali estavam agglomeradas
as melhores e as mais aguerridas tropas. Para se subtrahirem a uma
destruição completa e inevitavel, punham os caudilhos em pratica um
estratagema que nem sempre deu resultado . A' approximação de
Bento Manuel se fraccionavam em pequenas unidades que se disper
savam pela campanha , e só novamente se reuniam quando era passa
do o perigo. Durante o anno de 1844 continuaram as guerrilhas e
perseguições de parte a parte, assignalando- se aqui e ali pequenos en
contros, que em nada podiam influir sobre o resultado da cam
panba .
– 53 -

Reunidos novamente afim de tentarem o ultima resistencia , foi


ella completamente quebrada no combate ferido nas margens do Rio
Cuaró, no Estado Oriental, onde foram destroçadas as numerosas tro)
pas ao mando de Bernardino Pinto .
Bento Manuel, cognominado o rei das campanhas, em boa
hora chamado pelo marechal Caxias, foi quem, pela sua bravura, es
forço e tenacidade decidiu da sorte da revolução, elevando ao mais
alto fastigio a gloria do exercito brasileiro .
Novo lapso de paz para o Rio Grande permitte av lendario de
fensor das fronteiras, curto mas merecido repouso, até que em 1851
se realiza entre a Republica Oriental, o Estado de Entre Rios e o
Brasil , uma alliança offensiva. Essa alliança tinha o objectivo de
assegurar a independencia daquella Republica , para cuja consecução
se tornava necessaria a expulsão das tropas do general Oribe, para
além das fronteiras.
Um nome logo se impoz para chefiar as tropas que tinham de
desempenhar a ardua tarefa. O general conde de Caxias foi encar
regado de organizar um exercito, e com elle invadir a Banda Orien
tal. Bento Manuel Ribeiro, altivo e sereno , estava de novo ao seu
lado .
Nomeado presidente do Rio Grande, o chefe do exercito mobili
zou todas as tropas da provincia, organizando um corpo de 20.000 ho
mens, divididos em quatro divisões e estas em 14 brigadas . A pri
meira divisão, a mais importante, foi confiada a Bento Manuel, em
agosto de 1851. Pouco mais tarde, tendo Caxias necessidade de dei
xar temporariamente a tropa , entregou a Bento Manuel o commando
em chefe do exercito, o qual teve de iniciar, immediatamente, o mo
vimento, para a frente, transpondo o rio Gy e indo estacionar em
Santa Luizą. Bento Manuel transpoz este passo em 2 de novembro,
num aceno de ameaça ás tropas do dictador Rosas, que donrinava,
com tyrannia, no territorio que invadira.
Terminou. ahi a brilhante carreira militar do grande tactico e ar
rojado batalhador. Doente, por se terem aggravado os seus atro
zes padecimentos, originados pelas graves feridas que em rudes cam
panhas, recebera, föra forçado a deixar a chefia do exercito e de
missionar-se , egualmente, do commando da primeira divisão, que elle
com tanto carinho organizára nos pampas,
Ketirou -se , em seguida, licenciado, para Santa Catharina, afim
de tratar -se convenientemente, mas afagando ainda a esperança de,
restabelecido, voltar ás lides guerreiras , que se tornára, para elle,
uma segunda natureza .
Xaquella provincia, onde fora tratado com grande desvelo, re
cebeu Bento , Manuel a noticia de ter sido elevado ao posto de tenentes
- 54

general, e a ordem do dia baixada pelo general Caxias, elogiando - o


e agradecendo os inestimaveis serviços prestados ao Brasil e ao
exercito.
Tendo pedido reforma , por se sentir incapaz de voltar ás fileiras,
foi elle primeiramente promovido ao posto de marechal e, em se
guida, por decreto de 22 de setembro de 1852, obteve a sua retirada
com o soldo integral, por haver servido no exercito, na paz e na
guerra , mais de cincoenta annos.
Não podendo transferir -se para a terra de seu nascimento, como
parecia desejar, de Santa Catharina, partiu o marechal Bento Manuel
Ribeiro para Porto Alegre, onde se achavam reunidos, afim de espe
ral -o , quasi todos os membros de sua numerosa familia .
Neste estudo, somente ligeiros traços das lides guerreiras do
inolvidavel brasileiro puderam ser colligidos. As suas gloriosas campa
nhas dariam materia para varios volumes. E nem siquer foi possivel
aproveitar tudo o que sobre Bento Manuel Ribeiro escreveram os sau
dosos historiographos barão do Rio Branco, capitão Pretextato Ma
ciel da Silva e dr. Tristão de Alencar Araripe, os quaes foram ac
cordes em affirmar que, sósinho, elle assignalou para os fastos mi
litares e para o imperio sul-americano o periodo de maior gloria.
Falleceu Bento Manuel em trinta de maio de 1855 e seus restos
mortaes repousam na necropole daquella cidade, cuja cavalheiresca
população se honra com tão precioso deposito.
Eis ahi * quem era o sorocabano Bento Manuel Ribeiro ” . Expoen
te da energia de um povo que fez a grandeza territorial do Brasil em
extracrdinaria expansão de vitalidade ; expoente de uma raça que de
vassou, audaz, o coração das florestas mysteriosas, attingindo pontos
dominados por povos de outra raça, expellindo-as e afastando-as ; ex
poente dos intemeratos que fizeram , com os invasores, recuar os
marcos fronteiriços, Bento Manuel não podia deixar de ser o que foi,
não podia deixar de justificar e mais ennobrecer a sua digna ascen
dencia ; tinha de juntar aos trophéos reunidos pelos seus antepassados
os louros immarcessiveis de seus gloriosos feitos de guerra .
Seu corpo descança na fria argila da campanha, que tanto amou,
mas a sua alma, sua heroica alma, adeja ainda no espaço, inspirando
todas as nobres acções de civismo, de que somos testemunhas.
Sua alma, irmanada á de Osorio, guiando-lhe os passos, inspiran
do-lhe a estrategia, auxiliando seu braço herculeo, batalhou e venceu
nos pantanos paraguayos. Com Osorio, colheu os louros das pugnas
formidaveis de Itapirú, Passo da Patria, Estero Bellaco, Tuyuty e
Humaytá .
Desapparecido o marquez do Herval, seu espirito se encarna em
Deodoro, que proclama a Republica ; em Floriano, que consolida as
- 55 -

instituições republicanas ; em Bilac, que pronuncia em S. Paulo a


oração sublime, destinada a écoar em todos os recantos do paiz e no
coração da juventude brasileira ; na tropa, despertando o civismo e o
enthusiasmo patriotico ; na mocidade, que vibra intensamente, inspi
rada em novos ideaes ; no povo , que nos offerece o espectaculo bello
e dignificante, de um esforço conjunto na marcha para a frente,
objectivando nobres e grandes destinos.
O espirito de Bento Manuel continuará, pelos seculos, a alen
tar os nossos corações de patriotas, a proteger a nossa nacionalidade
e
a fazer reflorir, pelo enthusiasmo dos moços, em uma Patria glo
riosa, o nosso Brasil esplendoroso.
O MATERIAL BELLICO DA VARZEA DE S. BENTO
POR

AFFONSO A. DE FREITAS
( RELATOR )
1.
O MATERIAL BELLICO DA VARZEA
DE S. BENTO

Na sessão regimental de 5 de julho de 1917 , do Instituto Histo


rico e Geographico de S. Paulo, o societario sr. dr . Eugenio Egas
communicou á casa que em uma demolição a que se estava procedendo
na rua 25 de Março, sobre a antiga margem direita do Anhangabahú,
acabava de ser encontrada grande copia de munições bellicas, como
sejam balas de canhão, metralhadoras , granadas, etc., e levando essa
noticia ao Instituto pedia á mesa a designação de uma commissão de
tres membros que fosse ao local vistoriar essas munições, que o ora
dor affirmava serem abundantissimas, procurando descobrir - lhes a
origem .
Attendendo a solicitação do sr. dr. Eugenio Egas, o sr, presidente
da sessão nomeia para aquelle fim uma commissão constituida pelos
srs. Affonso A. de Freitas , tenente - coronel Pedro Dias de Campos e
dr. Affonso d'E. Taunay. Na sessão seguinte essa commissão apresenta
o seguinte parecer o qual, lido á casa, é por esta approvado por unani
midade de votos.

PARECER

Desobrigando -se da incumbencia que lhe commettera o Instituto


em sua sessão de 5 do corrente, a Commissão abaixo assignada diri
giu - se, no dia seguinte, ás 8 horas, ao local em que dias antes havia
sido encontrada grande cópia de munições bellicas antigas, proceden
do ahi as primeiras investigações para o esclarecimento da origem da
inesperada descoberta.
A explicação do facto, pensa a Commissão ter encontrado, des
pindo o caso das fórmas extranhas e dos resaibos de mysterio com
as quaes se revestiu e se impregnou desde o momento em que a ne
cessidade da abertura de uma valla cortando o alveo antigo do Ta
manduatehy, patenteou á curiosidade publica, algumas toneladas de
60

material de guerra lançadas por imprestaveis, em passadas eras, no


lendario curto d'agua.
O material encontrado constituia - se principalmente de quantidade
abundante de granadas esphericas, de 7 112 centimetros de diametro,
parte carregada e parte vazia ; numerosas lanternetas, carregadas, de
typo e calibres eguaes ás empregadas pelo exercito nacional na guerra
contra o Paraguay ; peças varias , avulsas e em quantidade apreciavel,
da espingarda de pederneira, vulgarmente conhecida em S. Paulo
pela denominação de reiúna, por ser do typo das que nos importava
Portugal nos ultimos tempos da colonia, além de grande numero de
pequenas balas redondas, soltas, de egual calibre das da carga das
lanternetas encontradas, evidentemente destinadas a estas e talvez
tambem a formação dos chamados cachos d'uva, genero de metralha
precursor das alludidas lanternetas e do qual, entretanto, a Commis
são vão encontrou exemplar algum .
Todas as hypotheses admissiveis sobre a procedencia do mate
rial encontrado, foram formuladas e estudadas pela Commissão, no
intuito de se chegar á verdade do caso, que se apresentava com o as
pecto de uma incognita,
O typo do fuzil, cujos restos foram encontrados no entulho, ha
via servido na revolução de 42, quer ás forças legaes , quer aos re
beldes : plausivel era, pois, suppor-se que Tobias de Aguiar, cuja re
sidencia, ao tempo, era no Acú , no Palacete que ainda se levanta en
tre a rua Brigadeiro Tobias e ladeira de Santa Ephigenia e , portanto,
a dois passos do rio Anhangabahú, na impossibilidade de conduzir
para Sorocaba armamentos que porventura tivesse em seu poder nu
momento de estalar a revolução, procurasse inutilizal-o e o tivesse
feito lançando- o ao Tamanduatehy, rio mais volumoso que o Anhanga
bahú

Essa operação seria relativamente facil transportando -se o ma

terial pela grota deserta e tenebrosa cavada pela Agua do diabo, ve


reda que, á noite, nem mesmo os mais corajosos beleguins de Mon
talegre teriam coragem de policiar.
Esta primeira hypothese foi logo posta á margem não só pela
presença, entre os destroços das reiúnas, de material de época muito
mais recente, como porque, si tivesse o entulho aquella procedencia,
deveria seu encontro ter- se dado sob a actual rua 25 de Março, por
onde ainda corria o Tamanduatehy em 1842, e não no canal cavado
mais tarde , onde foi descoberto.
Por essas mesmas razões não foi tomada em consideração a
possibilidade de se ligar a existencia desse material a qualquer mo
vimento expedicionario dos bandeirantes.
-.61

Estudou-se tambem a hypothese lembrada pelo nosso eminente


confrade, sr. senador Luiz de Toledo Piza, de se tratar de um de
posito de ferro velho destinado a uma fundição, de propriedade do
industrial Hunde que teria existido nas immediações da confluencia
do Anhangabahú com o Tamanduatehy, no ultimo quartel do seculo
passado. A fundição a que se referiu o illustre consocio e emerito
historiographo era, sem duvida, a fundição de ferro, bronze e offi
cina mechanica de George Hunde, primeiro estabelecimento no ge
nero que realmente fez jús a esse nome em S. Paulo e que, em 1873,
e talvez durante os annos mais proximos, esteve localizada na actual
rua Mauá, não muito distante do local do encontro .
Além desse estabelecimento só existiam , contemporaneamente e
em época anterior , modestas tendas de ferreiro em S. Paulo .
As grandes usinas de fundição ainda não haviam surgido na
Paulicéa : os irmãos Sydow ( Luiz e Adolpho ) já residentes em São
Paulo e, mais tarde , grandes industriaes metallurgicos mantinham , ao
tempo, modestas officinas de serralheria, o primeiro á rua de S. Bento,
em 1866 , e o segundo á rua Direita , n . 53 , em 1873 .
Na rua 25 de Março tambem existiu, por muito tempo , desde 1875
até 1883, uma ferraria e fabrica de carroças pertencente ao subdito
ailemão, Jacob Gaspar, antigo taberneiro pela força das circumstan
cias metamorphoseado em ferreiro e que, entretanto, não fundia
ferro .

Sem embargo da proximidade de um estabelecimento metallur


gico ao local da descoberta, deixa a Commissão de acceitar a propo
sição de se tratar d’um deposito de ferro velho destinado a fundição
pelas razões seguintes :

1.0 ) Ausencia absoluta, no entulho, de qualquer peça ex


tranha a material bellico, homogeneidade inadmissi
vel num deposito de ferro velho destinado a se con
verter em materia prima e, como tal, oriundo de pro
cedencias diversas.

2.0 ) A patente impropriedade de um leito de rio para lo


cal de deposito de material metallurgico a ser apro
veitado.

Arredadas todas as possibilidades de se conciliar a presença do


material bellico na varzea de S. Bento, com qualquer occorrencia da
nossa historia militar restava á Commissão explicar a existencia do
achado em local tão improprio, o que ella procurará fazer, seguindo
nova ordem de cogitações.
62

A varzea do Tamanduatehy foi sempre, até cerca de 1880, o local


de despejo, o grande cisqueiro da cidade. Os particulares deposita
uso
' vam nella as varreduras de suas casas e todos os tarécos que o
domestico refugava por imprestaveis. O Commercio da cidade, por
sua vez, encaminhava para o alagadiço logradouro publico as merca
dorias deterioradas e o vasilhame residual das vendas a retalho, tal
como caixotes vazios , garrafaria, cascos de madeira para liquido;
uma miscellanea de cousas que hoje vale dinheiro e que naquelles
tempos pagava-se para se ver livre della. A varzea era o receptaculo
de todas as rejeições da Paulicéa.
Os mais escrupulosos dos conductores do refugo da cidade atra
vessavam as pontes e depositavam -no em plena varzea ; outros, porém ,
limitavam -se a despejal- o no rio, resultando dahi, por mais de uma
vez, o entulhamento deste. Nada mais natural, pois, acreditar- se no
proposital abandono, por imprestavel, por parte do Commando das
Armas de São Paulo, do material bellico ora encontrado .
Recapitulando a exposição feita e
a ) – considerando que, do material bellico encontrado só
mente as espingardas de pederneira typo de arma
mento substituido nas vesperas da ultima guerra cis
platina pelas espingardas de espoleta (Minié ), eram
contemporaneas das ultimas epopéas dos bandeiran
tes e da revolução de 42.
b ) - considerando que, mesmo que todo o material en
contrado fosse contemporaneo daquelles factos he
roicos da nossa historia local, não poderia ter sido
lançado ao leito do rio onde foi encontrado, porquan
to, naquellas épocas o curso do Tamanduatehy desdo
brava - se pelo sopé do planalto ;
c ) – considerando ainda que a absoluta maioria do ma
terial descoberto é relativamente moderno e do typo
do material empregado na guerra contra o Paraguay ;
d) considerando tambem que esse material só poderia
ter sido lançado ao rio depois da rectificação deste
realizada em 1849-51 .
e ) – considerando mais a impossibilidade da existencia,
nessa época, de tamanha copia de munições de guerra
em poder de particulares e
f ) - considerando finalmente, terem sido a varzea e 0

rio Tamanduatehy por longos annos o local de des


pejo de todos os residuos da Capital
63

a Commissão é de parecer que o material bellico soterrado no antigo


leito do Tamanduatehy tivesse sido alli abandonado pela administra
ção da casa do Trem de S. Paulo, após a terminação da guerra contra
o Paraguay, tratando - se de munições tornadas antiquadas e impresta
veis com a acquisição de modernas armas de guerra.
Sala das sessões do Instituto, aos 20 de julho de 1917.

A Commissão
AFFONSO A. DE FREITAS relator
PEDRO DIAS DE CAMPOS
AFFONSO D'E. TAUNAY
UMA CARTA DE OSORIO
PELO

TENENTE - CORONEL PEDRO DIAS DE CAMPOS


SOCIO HONORARIO DO INSTITUTO HISTORICO E GEOGRAPHICO DE S. PAULO
UMA CARTA DE OSORIO

Na ultima sessão regimental deste Instituto, foi presente á casa,


offerecido pelo illustrado patricio sr. dr. Benjamim Motta , um impor
tante documento sobre a batalha de Itororó, cuja leitura , por deter
minação do sr. dr.presidente, vou proceder. Trata-se de uma carta
inédita com assignatura autographa do Marquez do Herval , dirigida,
após a conclusão de paz com o Paraguay, ao eminente politico, sena
dor do imperio, sr . dr . José Ignacio Silveira da Motta.
Nessa carta o bravo cabo de guerra, general Manuel Luiz Osorio,
Marquez do Herval , justifica-se da sua não cooparticipação no bello
e grandioso feito de armas, que de tantas glorias cobriu o exercito
brasileiro. Antes de ler esse documento , por Osorio redigido com tan
ta singelleza, julgo dever expor, embora succintamente, para sua boa
comprehensão , como se desenrolou a sangrenta lucta, que finalizou
com a victoria das nossas armas .
Tres aguerridos corpos de exercito, haviam , na vespera, transposto
o Chaco e o Rio Paraguay e aprestavam - se para marchar afim de at
tingir Villeta , seu novo objectivo . Eram , o primeiro corpo composto
de tropas de todas as armas, ao mando do general Bittencourt; o 2.0
commandado pelo inolvidavel Argollo, e o 3.º pelo heroico e legendario
Osorio .
Todos elles manobravam as ordens de seu commandante em
chefe, general Duque de Caxias.
Encarniçada foi a batalha pelejada nos campos paraguayos em 6
de dezembro de 1868, e que a historia militar registrou com o nome
do estreito mas impetuoso arroio que, em grande extensão, escachoa
entre apertado leito de alcantilados rochedos.
As limpidas aguas do Itororó, nesse memoravel dia, engrossaram
e enrubeceram com o generoso sangue brasileiro.
Essa pugna terrivel e mortifera ainda hoje eleva e dignifica nossa
patria, ao mesmo passo que cobre de virentes louros o exercito do
Brasii .
68

A posse da tosca ponte que unia as margens da torrente, custou


a vida de muitos dos nossos bravos, que alli tombaram em holocausto
sublime á civilização e liberdade americana.
Postadas em uma elevação fronteira á ponte , dominando e en
fiando esse passo e toda estrada, duas peças inimigas varriam o des
filadeiro com suas metralhas, espalhando a morte e o horror entre
os heroicos atacantes, cujas preciosas vidas eram ceifadas.
A quinta brigada, ao mando do intrepido coronel Fernando Ma
chado, cuja perda o exercito e a patria teve de deplorar nesse dia,
se constitutiu em vanguarda, destacando -se do 2.o corpo. A ponta
da vanguarda entrara em contacto com a linha de vigilancia dos pos
tos avançados inimigos, ás 8 horas da manhã, com ella tiroteando .
Já se lamentavam baixas causadas pela cerrada e certeira fuzilaria
paraguaya , quando Caxias, subitamente ordena que a vanguarda pro
siga o avanço, engajando -se na lucta, para dar tempo e occasião ao
1.0 corpo , de atravessar o desfiladeiro e tomar suas disposições. Para
isso era necessario rechassar o inimigo da elevação que occupava além
da ponte, apoderando -se das peças ali assestadas e que tanto mal es
tavan causando aos primeiros elementos da vanguarda . Os quatro
batalhões de infantaria de que ella se compunha, sob um fogo vivis
simo, penetra resolutamente no desfiladeiro, tendo seu bravo com
mandante á testa . Ao transpor a ponte é o valente chefe, coronel
Machado, varado por uma bala e fica estendido á margem do arroio.
Ha um momento de justificada hesitação ; mas repentinamente,
abrindo caminho através das densas fileiras, um homem surge bran
dind .) o ensanguentado auri - verde pendão. Colloca -se à frente do
aguerrido 1.0 , cuja bandeira de guerra empunhara ao ver cahir seu
cheie e com essc bello gesto electriza a tropa e a arrasta num im
peto sublime , até á bateria inimiga . Apossa -se das peças, occupa a
elevação e sustenta o fogo violento da infantaria que inopinadamente
surgira da emboscada que armára . Era elle o major de engenheiros
José Angelo de Moraes Rego . Gloria a esse bravo !
Os demais batalhões estendem - se promptamente, e, cobrindo a
installação de duas baterias , dá tempo ás tropas restantes do 1.o cor
po de exercito de atravessar o desfiladeiro e tomar dispositivo para
o combate. Generaliza - se e cresce, dahi por deante, a violencia da lucta
ť o crepitar atemorizador dá fuzilaria ,
o inimigo, já numeroso , recebe reforço e redobra com vigoro
ataque as forças imperiaes ; sua cavallaria de uma mobilidade e disci
plina extremas, carrega vigorosamente em cargas successivas, os ba
talhões que ainda não haviam tido tempo de entrar em linha, levande
ás suas fileiras confusão e desordem . Os que puderam organizar-se
logo após a passagem da ponte, em formações adequadas, resistira n
69

em . quadrado, galhardamente, nos choques tremendos e terriveis. Ao


vivissimo fogo da nossa brava infantaria a cavallaria atacante retira
se em debandada.

Caxias, querendo finalizar com celeridade a batalha, ordena o


avaiço de cinco regimentos de cavallaria para contra- atacar a

adversa .

A exiguidade do espaço em que se moviam , não lhe permittiam


liberdade de acção, resultando a immobilidade desse elemento tão util
nas refregas. O 6.0 regimento, conseguindo sahir do funil onde se
achava, consegue, num impeto violento e audacioso, numa carga
em niassa-, apoderar-se de quatro canhões paraguayos, que moles,
tavan as fileiras do 1.o corpo. Não durou muito a nossa superiori
dade nesse ponto, porque tropas frescas do inimigo, conseguem repel
lir nossa cavallaria, causando -lhe irremediaveis baixas. Estabelece-se
o fluxo e refluxo inevitavel na lucta em que os effectivos se equili
bram . Ora o inimigo premia as tropas imperiaes contra o desfila
deiro, ora era ella levada de roldão até suas primitivas posições . Em
um dado instante, quando a lucta tomara maior incremento, tornan
do-se desfavoravel ás tropas de Caxias, este , num movimento ex
pontaneo e audaz, faz scintillar ao sol paraguayo a lamina de sua
gloriosa espada e leva , num arranko elec izante, formidavel , o 1.0
regimento de cavallaria em contacto com a poderosa linha inimiga,
destroçando-a completamente. A infantaria brasileira, com sua disci .
plinada mosquetaria , auxilia a derrota paraguaya , impossibilitando a
immediata reorganização de seus elementos. Rude e cruenta foi a
peleja . Puderam contar do lado brasileiró a perda total de 2.416
homens, postos fóra de combate . Do lado adverso , as perdas foram
tambem enormes . O campo de batalha e o caminho de retirada fica
ram juncados de mortos . O 1.º e o 2.º corpos de exercito cobriram
se de louros .

Onde estava Ozorio com o 3.o corpo de exercito de seu comman .


do ; elle, o bravo ; elle, o heroe de todos os combates, emquanto fe
ria -se a encarniçada batalha ? Houve murmurios e commentarios .
Uns e outros chegaram como um rastilho, até a corte e depois ao par
lamento. No emtanto, momentos após á terminação da lucta chegara
Ozorio á testa do seu 3.º corpo, ao local do combate, com tempo de
fornecer a vanguarda na marcha para Ipané, e de entoar com os
vencedores o vibrante hymno marcial da victoria .
Ozorio achava - se com sua tropa pouco antes de iniciar-se a bata
lha, na retaguarda da columna, aguardando ordens de Caxias. Alli
recebera a missão de executar um movimento torneante e cahir sobre
um flanco ou retaguarda do inimigo, cortando sua retirada.
- 70 -

O 3.º corpo, fazendo penosa marcha através de terrenos cortados


e difficeis, sobre um solo movedico e ingrato, constantemente hosti.
lizado por patrulhas inimigas, tenazes e traiçoeiras, dá cabal e bri
lhante desempenho á sua missão. Francos e amistosos elogios rece
bera Ozorio mais tarde, de seu chefe e de seus camaradas.
E' para justificar sua ausencia que Ozorio se expande em carta
ao seu illustre amigo, sr. dr . Silveira da Motta .
Eis o conteúdo do importante documento , já arrolado no archivo
desta casa :

Ilimo, Exmo. Sr. Senador Silveira da Motta .

“ A 13 do mez p . p ., recolhendo -me a esta cidade, do meu passeio


hygienico pelo campo tive a honra de receber os tres discursos im
pressos que por v. exa . foram pronunciados no Senado, por occasião
da fixação de forças de terra e fala do throno.
Muito agradeço a v. exa. as benevolas palavras que em meu abono
se dignou pronunciar em um daqueiles discursos, quando se tratou
do combate do Itororó. Com eífeito, sr. Senador, os defensores do
meu illustre amigo, sr. General Caxias , alterarão a verdade a meu

respeito, tratando daquelle combate, mas eu não acredito que s . ex2.,


cavalheiro como é, autorizasse esse procedimento, só com o fim de
ferir -me. Indicarei pois a v . exa . o que se passou e creio provar, que
não tive intenção de evitar o combate de Itororó, como parece insi
nuarem os documentos aos que v. exa. se referiu, e o " breve resumo
das operações militares , dirigidas pelo methodico General Duque de
Caxias na campanha do Paraguay” e que vem transcripto no Diario
do Rio de Janeiro, 11. 79, de 21 de março do corrente anno. Eis a
mi:zha marcha ou antes o que se deu a meu respeito : todo o exercito
marchou reunido, do seu campo dos galpões, ao ciarear do dia , pelo
estreito e máo caminho que vae daquelle ponto á ponte Itororo. O
corpo de exercito do meu commando fazia a rectaguarda , separado
do 2.0 apenas uns 100 passos ; depois de algum tempo de marcha,
parou o corpo de exercito da minha frente , e o do meu commando
fez por consequencia o mesmo .
Depois de um quarto de hora pouco mais 011 menos ouvi na
frente 2 ou 3 tiros de artilharia de campanha, e mais tarde veio o
chefe de estado maior , que me ordenou da parte do commando em
chefe, que eu seguisse com a força do meu commando, o vaqueano
que me apresentou, para tomar o flanco ou rectaguarda do inimigo.
se iosse possivel, para facilitar com este ataque a passagem da ponte,
que o inimigo disputava, com força grande ; immediatamente seguin
do o vaqueano marchei em direcção ao norte e a pouca distancia , des
- 71 -

filando a tropa do meu commando por uma estreita picada, sahimos


em cutro caminho egualmente estreito, e por este fui levado em di
recção a retaguarda , em relação ao ponto de partida, até chegar a estra
da que dos mesmos galpões sae para Assumpção e passa o arroio S.
Antonio . Ao descer para este arroio, a minha vanguarda, que era
composta de 20 cavalleiros e um batalhão, correu a uma partida ini
miga que ali se achava, e esta partida, passando o Arroio S. Antonio,
parou na barranca, aonde tinha o inimigo de 300 a 400 homens. Em
quanto isto passava, ainda a maior parte da força do meu commando,
desfilava na matta , e emquanto toda a força não passava o desfila
deiro, mandei que a vanguarda, protegida por um outro batalhão,
desalojasse o inimigo ; o que foi executado. A minha demora naquelle
ponto, foi o tempo necessario para acabarem de sahir as forças do
desfiladeiro, que apenas concluido, segui a marcha deixando como
retaguarda, a força que tinha desalojado o inimigo e que devia tam
bem conduzir os nossos 13 feridos , daquella pequena escaramuça , e
formando nova vanguarda, da força mais proxima a nova direcção,
segui a marcha pela estrada que vem de Assumpção, e passando o
arroio S. Antonio, vae passar junto da Ponte de Itororó, em direc
ção ao Sul. Teria caminhado por esta estrada, 4 ou 6 quadras, quando
fui alcançado pelo ajudante de ordens do commando em chefe, te
nente - coronel Luiz Alves, que de parte do commando em chefe, me
noticiou o rechasso que tinha soffrido o segundo corpo, na ponte, e
as graves perdas que se tinham dado ; e que eu marchasse com cau
tela e o mais depressa possivel; o calor era excessivo, bastantes sol
dados de infanteria, ficaram cansados na arrenosa estrada ; porém , eu
ouvi a ordem, marchando para o ponto indicado. Já vê v. exa. que
quando me desmembrei do Exercito tinha começado o fogo na ponte e
que teria eu andado metade do caminho, quando já o combate, tinha
terminado. Proximo do ponto de combate alcancei um carro de mu
nições, alguns mortos e feridos, que o mesmo carro conduzia e que
tinha vindo na minha frente, pertencendo ao inimigo que a minha van
guarda tinha derrotado, em S. Antonio. Afinal cheguei ao campo de
combate já accupado por maior força do 2.º exercito, ao mando do
malogrado e valoroso Machado Bittencourt a quem perguntei
pelo General em chefe , que ordens tinha e quem ahi man .
dava ; o general Bittencourt me respondeu : que o commandan
te em chefe estava ainda do outro lado, mas que elle estava
prompto para cumprir as ordens que lhe desse. Mandei então um dos
meus ajudantes participar ao commando em chefe a minha chegada
e o que havia occorrido na marcha , e passei para a vanguarda . Voltando
o meu ajudante disse-me que o commando em chefe ordenava que
tomasse o commando da vanguarda e que no dia seguinte, marcharia
- 72 –

mos . Assim pois : “ nenhum motivo impediu que eu executasse o


movimento que me foi ordenado " . O que eu não podia fazer era , andar
tanto , que chegasse a tempo de queimar uma escova 10 Itororó aonde
se combatia , quando por ordem me separei do exercito, para dar uma
longa volta . E todos os militares sabem , que contra o inimigo e por
terrenos desconhecidos não se marcha em debandada. Toda via teria quei.
mado algumas escorvas no ſtororó, se o combate tivesse durado 7
hořas, como diz o autor do breve resumo : parece que o escriptor não
escreveu para o Exercito, que vio como tudo se passou ; e eu tenho
a prova da justiça, que me fará o Snr. Caxias , que separando - se de
mim em Montevidéu , disse -me devo-lhe uma explicação - " Con
tinuei o ataque de Itororó começado pelo General Argollo, sem esperar
a vossé, temnendo ser derrotado a vista do desanimo que notei na tropa” .
D mappá que V. Exa. públicou no folheto do discurso demonstra o
caminho que tive de percorrer, e o facto de alcançar -me o ajudante
de ordem do commando em chefe, em metade do caminho , dando -me
conta do occorrido ; e finalmente a explicação que se dignou dar-me
expontáneamente o meu general e amigo parece que não deixou em
duvida à razão porque não partilhei das glorias do combate do Itororó .
T'or esta occasião devo mais dizer a V. Exa . que hontem tive
sciencia de haver o illustre Snr. Duque posto em duvida minha reti
rada do reconhecimento do Humaitá sem ordem sua ; talvez assim
fossé, porem eu a recebi pelo meu ajudante de ordem, Major Francisco
Silveira , e nestes trios Que se retire em boa ordem - e inuito
rasoavel e conveniente ella me pareceu . As copias dos telegrammas que
junto é do meu officio, que tambem envio , será um auxilio para a
memoria de S. Exa . , que não extranhou a menção que fiz da ordem
de retirada, no meu dito officio. O diario do Exercito, não tive a honra
de receber até hoje porem me foi mostrado por um official de passa
gem pata a Côrte, a bordo do vapor em que vim doente e com permis.
* são do mesmo official , puz a margem e por minha lettra assignada, uma
nota, negando a consideração feita no diario, pelo commando em chefe
que nas circumstancias em que eu me achava perdia - se as vezes
mais gente retirando do que avançando ", si isto me fosse dicto da
parte do commando em chefe, está entendido que o combate continua
ria a todo o transe sem attenção a maior ou menor perda de homens.
Se S. Exa. portanto, mandou -me fazer essa observação, ella me foi
intimada. Voto muito respeito e a maior consideração, ao valor e
pericia do illustre Duque que tantas vezes me tem commandado na
guerra ; porem creio um dever de honra, defender a minha humilde
individualidade, sem offender nem de leve a S. Exa.
Rogo a V. Exa. de enviar -me o Diario do exercito se lhe for
possivel obter podendo fazer desta carta o uzo que quizer .
- 73

Estimarei que V. Exa. gose saúde, acceite os votos de sincera ami.


zade e respeito que lhe tributa o
Am . Obr. agradecido
MARQUEZ DO HERVAL

Cidade de Pelotas 1.° de Agosto de 1870 .


BARTHOLOMEU MITRE
PELO

DR. EUGENIO EGAS


Socio HONORARIO DO INSTITUTO HISTORICO DE S. PAULO
BARTHOLOMEU MITRE

A PROPOSITO DO CENTENARIO NATALICIO DO FUNDA


DOR DA REPUBLICA ARGENTINA

26 de junho de 1821 1921

O SCENARIO

Nas provincias platinas não havia ordem nem lei. A vontade


absoluta dos caudilhos, verdadeiros despotas, que se disputavamo
der, não conhecia obstaculos ; e, quando alguma difficuldade se ante
punha, ahi estavam os punhaes aguçados para removel-a. Em vão,
almas boas e espiritos clarividentes buscaram , com risco de vida,
fazer comprehender que a civilização da época já não permittia , que
o sangue humano corresse em borbotões para satisfazer os impulsos
entre os chefes, a rivalidade dos governos regionaes, a supremacia
bestiaes dos tyrannos. As luctas intestinas, a desharmonia de vistas
de Buenos Aires, provincia e cidade, tornaram difficilima a solução
do problema social das chamadas provincias unidas do Rio da Prata,
e, que, entretanto, nada mais eram do que provincias desunidas, ri
vaes e inimigas rancorosas. Pela primeira vez, Bernardino Rivadavia
conseguiu formar um governo unitario ; mas, tão grandes foram os
obstaculos que lhe surgiram pela frente, que elle renunciou ao poder
em 1827. Dahi por deante, tudo foi peiorando, até que assume e con
centra em si todos os poderes do governo, o famigerado João Manuel
Rosas, eleito governador de Buenos Aires, pela primeira vez, em 8
de dezembro de 1829. Outorgaram -lhe faculdades ou poderes extraor
dinarios e deram-lhe o titulo de “ Restaurador das Leis " . Rocas, po
rém, usou das faculdades extraordinarias, como entendeu, e não res
taurou lei alguma. Em 1932, não acceitou a sua reeleição, porque os
representantes acharam prudente restringir -lhe o poder. Manhoso,
- 78 –

pediu para ir com o seu exercito conquistar o deserto e foi cognomi


nado o “ Heroe do Deserto " . Afinal, por uma série de intrigas e as
sassinatos, Rosas voltou ao governo de Buenos Aires com a totali
dade dos poderes publicos reunidos em suas mãos . Isto foi em 1835 .
Começou , então, com violencia inaudita, aquella horrenda tyrannia ,
que só acabou em 1852, com o auxilio das forças brasileiras, sob o
commando do predestinado general conde de Caxias. Recapitulemos,
muito rapidamente, as infelicidades, desgraças e miserias que por tan
tos e tão dilatados annos supportou o nobre povo argentino. Rosas
criou a divisa federal. obrigatoria para homens e mulheres ; uma fita
vermelha na botoeira dos homens e nos cabellos das mulheres. Man
dou preparar carros triumphaes para percorrerem as ruas da cidade,
levando o seu retrato, que tambem foi collocado nos templos catholi
cos . Os papeis officiaes eram assim encabeçados : Viva a Confe
deração Argentina ! Morram OS selvagens unitarios ! A pena de
morte era a unica que o seu governo applicava, fosse qual fosse o
delicto. Os fuzilamentos eram resolvidos sem forma de processo, e
quasi sempre, por simples suspeitas. Era livre a qualquer o assassi
nio de unitarios. Foi criada a pavorosa associação chamada Ma
zorca
de que faziam parte os maiores bandidos, que batiam, assal
tavam e degolavam todos quantos não pensassem como elles ou seu
protector. Não havia direitos, nem appellos mais rudimentaes e con
sagrados pelos usos e costumes de tantos seculos, que fossem respei.
tados. A propriedades não existia, os direitos do homem desappare
ceram . E era logico que pouco a pouco se fechassem hospitaes e esco
las e morresse a liberdade de imprensa. A maior parte das familias
portenhas fugiu para o Uruguay, Chile e Bolivia . Durante o tene
broso periodo do governo de Rosas pereceram fuzilados, degolados ou
envenenados 22.400 argentinos. O despota fez-se chamar “ Defensor
da Independencia Americana ” , quando a França pretendeu oppôr-se
á onda sanguinaria alimentada pelo governador de Buenos Aires.
Perrenorizemos alguns dos crimes atrozes do crudelissimo caudi
lho. O coronel Zellarayan föra degolado ; e sobre sua cabeça atroz
mente mutilada Rosas comprazia - se em cuspir, primeiro, e depois
dar - lhe pontapés por horas seguidas . Ao seu devotado amigo , dr .
Maza , presidente da Camara dos Representantes, mandou apunhalar,
sem a menor hesitação, num passageiro momento de pequeno desgosto.
Camilla Ogirman , rapariga de cerca de 20 annos, gravida de oito
mezes , foi degolada, tendo -se -lhe primeiro baptizado o ventre . Fo
ram ainda degolados quatro sacerdotes catholicos , maiores de sessenta
annos, eRosas mandou que, antes da degolação , lhes tirassem a pelle
das mãos e das coroas para degradal -o : do caracter sacerdotal . ( Vide
Titára, Memorias ). Rosas apresentava -se nas festas e actos solennes
- 79 -

na elegancia e belleza dos seus uniformes e pessoa ; e, minutos de


pois, já em sua quinta, vestia - se com as suas roupas gauchas, botas
e esporas. E assim vestido, entrava no commodo ou salão, em que se
reuniam os seus intimos, dando saltos e fazendo giros firmado nas
palmas das mãos, ameaçando com os pés o rosto dos amigos, que o
evitavam fugindo para os angulos e recantos das salas. Outras
vezes, fingia-se contrariado com as festas, porque tivesse notado qual
quer falta, minima, e então chamava a victima de sua ferocidade .
Mandava pol -a núa, cobria-lhe o corpo inteiro de melado, sentava - a
amarrada sobre um formigueiro ; e eilo, em pessoa, frente a frente,
a poucos passos, a rir-se e a gostar do martyrio imposto ao desgra
çado e infeliz, victima innocente da sua crueldade insaciavel. (Vide
Vicente F. Lopez, Hist. da Rep. Arg., vol. X ) .
Os historiadores do torvo periodo exclamam horrorizados : a

tyrannia de Rosas não é um facto, é uma época ". " A tyrannia de


Rosas é um eclipse da civilização , um colapso da dignidade humana
e do pudor social !" Foi nesses tristes tempos que abriu os olhos
já conscientes de uma mocidade cheia de audacia e esperanças o fu
turo soldado, politico e historiador, Bartholomeu Mitre. V omeio de
tantas trevas, tantas e pesadas, começaria a brilhar a estrella da jus
tiça, guia seguro e constante em toda a longa vida desse homem
próbo, integro, puro e crente , cuja historia é a historia nobre da
propria Republica Argentina,

VA VANGUARDA

Sentimentos pessoaes e ardoroso amor á causa dos direitos do


homem e da liberdade fizeram comprehender a Mitre que sem a es
pada e a penna não era possivel derrubar o tyranno portenho. Fez
se soldado e escriptor. Estudou na escola militar montevideana, e es
creveu em todos os jornaes platinos, que ainda tinham a coragem
de acolher os trabalhos dos escriptores liberaes . Aos dezoito annos de
edade recebeu o baptismo do fogo. “ Era então, conta um dos vetera
nos das suas campanhas, um menino delicado, de corpo debil, rosto
pallido e olhos azulados, testa espaçosa , altiva, ligeiramente com
breada por sedosa cabelleira ; ninguem suspeitava as energias de seu
espirito privilegiado, ninguem suspeitava em seu braço a força que
o animava para manejar o aço vingador, ninguem acreditava que na
quelle peito de adolescente batia tranquillo o coração de um estoico :
entretanto, nem o temor da morte nem a terrivel solennidade da
batalha jámais o alteraram ."
Quando não bastassem para encorajal- o os deveres militares e a
consciencia de seus actos, ahi estavam o nobre conselho e a palavra
- 80 -

affectuosa do pae ausente, que lhe dizia em carta : “ Considero -te


nos momentos de proxima batalha, que vae decidir dos destinos da
patria . Espero que saberás cumprir o teu dever ; se morreres terás
cumprido tua missão; cuida, porém , que não te firam pelas costas .
Depois de perder - te, o que pode acontecer, e para o que estou pre
parado, consolará o resto de minha triste vida a memoria honrosa que
espero me legues. Adeus, filho querido. Tu és minha esperança " . Foi
nos campos de Cagancha que os libertadores golpearam fundo o po
derio do dictador. Era o dia 29 de dezembro de 1839 ; mas, só em
Fevereiro de 1852 terminaria a lucta, com a derrota e fuga de Rosas,
que embarcou para a Inglaterra, morrendo em Southampton, em 1877.
Tina, portanto , Bartholomeu Mitre de luctar contra Rosas ainda du
rante cerca de treze annos, longos, difficeis, cheios de lances tragi
cos. A personalidade de Mitre ganharia sempre em prestigio, em
experiencia dos negocios, e a sua fé no triumpho completo da liber
dade tornar -se - á um ardoroso apostołado cumprido com desassombro,
pertinacia e patriotismo, ora vibrando a espada rutilante, ora empu
nhando a penna convencida e fidalga. Chegariam os dias de victoria .
Primeiro, cahiria Rosas, depois Urquiza e, finalmente, dessas quédas
fragorosas, nasceria a victoria estrondosa e fulgurante da unifica
ção das provincias platinas para ser proclamada a Republica Argen
tina, tal como hoje é, bella, nobre e progressista.
Não é possivel tocar em todos os pontos de tão longa e provei
tosa vida. Examinemos, por cima, os factos que mais chamarem a
nossa attenção, neste rapido resumo de uma biographia , que é uma
historia nacional.
Quando sitiadas em Montevidéo as forças libertadoras, Mitre,
como perito artilheiro que era, combatia quasi diariamente, nas trin
cheiras e nos bombardeios ; e , nas horas de folga, escrevia artigos,
fazia traducções e compunha proclamações e mesmo poesias patrio
ticas . Batidos em Arroyo Grande -, os libertadores, pela voz de
Mitre, bradaram : “ Alzaos del polvo inerte vencidos, no domados,
cermiendo la melena y ante los potente león ; alzaos y ante los bustos
de hermanos degollados levante un pueblo libre su ajado pabellóon !..."
Não faltaram a Mitre os dissabores e tristezas do exilio : teve de
procurar na Bolivia asylo para evitar as perseguições dos uruguayos
revoltados contra os argentinos, e não cahir prisioneiro das tropas de
Rosas, pois que o exercito libertador se dissolvera ....
Na Bolivia foi obrigado a bater - se pela legalidade; e, vencida
esta , não acceitou as offertas que os revolucionarios vencedores lhe
fizeram. “ Eu só me bato pela liberdade ou pela justiça ". Foi então
desterrado. Partiu para o Perú onde não poude permanecer, porque
não quiz tomar parte num levante contra as autoridades . Estas , não
81

obstante, o perseguiram , e Mitre acolheu - se á protecção da bandeira


chilena. No Chile, foi jornalista de opposição, pois censurou o gover
no por não cumprir nem respeitar as leis. Foi expulso para o Perú .
Não podendo voltar a terra natal fez a sua “ via crucis " durante lon
gos annos pelas republicas do Pacifico , pregando sempre, pela pala
vra , penna e exemplo, as mais bellas doutrinas de organização
social .
Não vinha longe o “ Mais adeante " que o poeta Mármol
entoara propheticamente. Os clarins de Caseros já cortavam o espaço
e os tambores faziam ecoar os seus rufos pels quebradas das serras .
As tropas brasileiras , sob o commando geral de Caxias e directo de
Porto Alegre marchavam com as tropas de Urquiza rumo de Bue
nos Aires. “ Tenho fé, tenho certeza , disse Caxias , que o general
Porto Alegre entrará breve victorioso em Palermo, Rosas tem seus

dias contados, e da sua quéda surgirá a paz neste inferno de crimes " .
O almirante brasileiro Greenfell apresentou Mitre a Urquiza . Este
acolheu - o enthusiasticamente, Fere- se a 3 de Fevereiro de 1852 a
batalha de Caseros e Mitre nella toma parte saliente, como artilheir ),
As tropas victoriosas entram e oocupam Buenos Aires. Contam his
toriadores contemporaneos, que as forças brasileiras foram acclama
dissimas e cobertas de flores por uma multidão em delirio pela sua
libertação , quando atravessaram as ruas e praças da cidade destina
da a ser uma das grandes metropoles sul-americanas, Rosas cahiu ,
Urquizas foi investido dos poderes provisionaes.

CONTRA URQUIZA

O general Justo José de Urquiza não soube ou não quiz proceder


com superioridade de vistas. Collocado no poder pelos amigos da vi
berdade, entre os quaes o governo do Brasil , que tambem já não
podia supportar tantas afrontas do dictador Rosas, pois a persegui
ção aos brasileiros era sem limites. Urquiza logo se revelou incapaz
das praticas liberaes .
Ainda se ouviamo pisar duro, o som dos clarins e os rufos
militares do exercito brasileiro, que se retirava do paiz amigo, e já
o general Urquiza alienava de si , por actos impoliticos, a sympathia
e a confiança do povo de Buenos Aires. Ainda não haviam desap
parecido os ultimos écos das acclamações festivas do triumpho, e já
se ouviam as descargas dos pelotões argentinos que fuzilavam pri
sioneiros por ordem verbal do novo governador. Entre os fuzilados
tombou o valente coronel Martiniano Chilavert. Mitre face á face
censirou ao dictador e com palavras duras a crueldade atroz. Entre
olharam-se os dois rivaes, e Mitre disse ao governador de Buenos
82 -

Aires : “ General Urquiza, não foi para continuardes a obra san


grenta de Rosas que os liberaes vos deram este posto, mas para ser
virdes a nação e a liberdade. Eu vol- o obrigarei a tanto " . Discutia -se
então na sala dos representantes os poderes que deveriam ser autor
gados a Urquiza, havendo forte corrente para que se lhe outorgassem
tantos como possuia o dictador Rosas . Mitre levantou - se e foi “ lea
der" da resistencia. “ Obedecendo á voz de minha consciencia, disse,
que me ordena , marche eu para deante pelo caminho da liberdade
conquistada, eu tomarei por guia uma dessas estrellas que nunca se
apagam no céo : a justiça ” . “ Vão será com o meu voto e assenti
mento que uma autoridade despotica tornará a governar minha , atria ,
nem por um dia, nem por uma hora, nem por um instante. A moral
publica está cahida, é preciso erguel-a. Eu lhe offereço o meu braço".
Estas palavras produziram colera e sede de vingança na presidencia
de Urquiza referindo - se a Mitre, vou mandar degolar pela nuca " .
Alguem que ouviu a tragica ameaça foi repetil -a a Mitre, pedindo
lhe que tomasse suas precauções. Mitre, acto continuo, arma- se de
uma pistola, põe sua espada e dirige- se a Palermo, onde se apresen
ta inesperadamente e sem permittir que 0 annunciem . Colloca - se
deante de Urquiza e diz-lhe estas palavras textuaes : “ Aqui estou
para que v . exc . cumpra sua ameaça de degolar -me pela nuca " .
Desde esse momento, accrescenta um escriptor, a partida estava
ganlia e o tigre dominado. As luctas, porém , continuaram e os par
tidos tiveram de jogar a sua sorte nos campos de batalha . Após pe
ripecias de todo o genero , os exercitos de Urquiza e de Mitre cho
caram - se em Pavón , e a victoria coube ao exercito liberal de Mitre,
17 de Setembro de 1861. Dessa victoria nasceu a unificação da na
cionalidade argentina, nasceu a Republica Argentina, forte, grande,
unida, trabalhando pela civilização e pela paz, sob aquella bandeira
ampla e limpida, onde se envolveu o sol de todas as liberdades politi
cas e sociaes , que constituem o apanagio dos povos e nações livres e
progressistas.
Urquiza, como Rosas, foi fulminado pela maldição de um povo,
que nascera para ser livre e não para ser victima de despotas. Nor
malizada a situação politica, Mitre é eleito

PRESIDENTE DA REPUBLICA

para o periodo de 1862-1868, por unanimidade de votos, sendo eleito


vice -presidente o coronel Marcos Paz, por 91 , em 130. Empossado no
alto cargo que o povo argentino lhe confiara, o presidente Mitre or
ganizou o seu ministerio, com os homens mais eminentes e mais es
timados por serem capazes de auxiliar efficazmente a organização
83

nacional. A pasta do Interior coube ao dr. Guilherme Rawson, ho


mem de talentos superiores, orador perfeito , admirado e bondoso,
culto, elevado de vistas , claro na exposição e irreductivel na defesa
dos interesses nacionaes . Rufino de Elizalde recebeu a pasta dos Ex
trangeiros. Era eloquentissimo e devotado á causa da amizade entre
as nações, procurando, em seus escriptos, interpretar fielmente o
pensamento de Mitre, que era atilado diplomata, como ensina e de
monstra o preclaro professor Leon Suarez, em suas nota veis confe
rencias brasileiras . Na pasta da Fazenda trabalhava o dr . Dalmacio
Velez Sarsfield, notabilidade consagrada nos meios argentinos, como
jurinconsulto, estadista e mestre nos assumptos economicos. As ren
das das alfandegas, que eram em 1863-4 de sete milhões de pesos
ouro , subiram em 1868 a quatorze milhões da mesma moeda, não por
augmento de taxas , mas por systema engenhoso de franquias
para a importação europea. A Instrucção Publica e a Justiça fica
ram a cargo do dr. Eduardo Costa, outro vulto eminente do partido
libertador e liberal. Foi com este gabinete que Bartholomeu Mitre im
plantou na sua patria a ordem e a liberdade, a paz tranquilla, como
ainda la existe e existirá sempre, agora que os homens devem estar
convencidos dos males irremediaveis das luctas sangrentas.

Com a presidencia Mitre abriu -se para a Argentina uma nova

éra de prosperidade e bençams, que tornaram a terra de Solis uma


das melhores e mais felizes da Terra.

Quando a 12 de Outubro de 1868 passou o governo ao presidente


Sarmiento ( Domingos Faustino ) proferiu sentida e original allocu
ção. Mitre dirigiu - se aos cidadãos presentes, depois ao cidadão pre
sidente, e, finalmente, ao exmo. sr. presidente, terminando por estas
palavras : " Exmo. sr .: Estaes de posse do mando supremo e de
suas insignias. exmo . sr . presidente : depois de cumprir o dever
de depositar em vossas mãos a autoridade que me foi confiada pelo
povo , cabe -me a honra de ser primeiro cidadão argentino, que vos
felicita pela confiança que merecestes, e que, de novo entre o povo,
vos apresenta a homenagem de seu profundo rspeito e obediencia
como ao eleito do povo e ao representante da lei do nosso paiz ."
Descendo da presidencia da Republica, por entre os applausos e as
acclamações de um povo inteiro , e sem distincções de partidos ou na
cionalidades, Bartholomeu Mitre volta á imprensa, e funda o jornal
" La Nacion ”, notavel orgam da opinião publica continental.
O fundador da organização nacional argentina é, no dizer de aba
lisado escriptor, um conjunto de qualidades e feitos esclarecidos, que
a historia imparcial collocará entre as primeiras grandezas do
seculo XIX .
84

VO PARAGUAY

Quando Francisco Solano Lope invadiu as provincias do Rio


Grande do Sul e Matto Grosso, nellas praticando todos os horrores
imaginaveis e de que a féra humana possa ser capaz, o Brasil não
teve outro recurso senão fazer a guerra ao Paraguay, custasse o que
custasse. E para logo as cousas tomaram tal feição, que a triplice al
liança se impoz ao Brasil , Argentina e Uruguay, como medida de ele
mentar defesa natural. Era preciso conter a invasão paraguaya, in
dispensavel desaggravar o pavilhão auri-verde e impor a destituição
do tyranno Lopez.
O Paraguay, porém , era potencia militar, friamente preparada e
educada na arte destruidora para dominar os vizinhos. Sendo assim,
OS seus primeiros ataques ao Brasil e Argentina foram formidaveis.

A diplomacia brasileira, tão perspicaz e conhecedora das cousas e


dos homens do Rio da Prata , por seus mais eminentes representan
tes nada havia podido fazer, pois que tudo no Paraguay era mysterio
e sangue, e ás razões do direito e civilização se respondia com a
força eo punhal. Já não era possivel evitar uma guerra : era in
dispensavel castigar uma insolencia e aggressão brutal . Fez -se o
tratado de Buenos Aires , primeiro de Maio de 1865, e por elle se
confiou o commando em chefe ao general Bartholomeu Mitre , o das
forças brasileiras ao general Manuel Luiz Osorio e das uruguayas ao
general Venancio Flores .
Iniciou -se a lucta regular dos alliados contra o Paraguay e Ma
muel Luiz Osorio, sob as ordens de Mitre, invadiu o territorio ini
migo. Seguiram - se depois todos aquelles actos de heroismo e bra
vura , que levaram a Triplice Alliança á victoria. Ha, porém, ainda
hoje quem discuta qual tenha sido o maior general da longa guerra
paraguaya , discussão aliás inevitavel todas as vezes que se fazem al
lianças. Não entrarei nessa indagação, primeiro porque esta não seria
a opportunidade mais conveniente, segundo porque, francamente, não
ha material sufficiente para se formular juizo seguro e justo a res
peito. Os escriptores da guerra paraguaya, apesar de já pesarem sobre
a victoria de Aquidaban, mais de cincoenta annos, ainda não firma
ram opinião definitiva. Todos se collocam em pontos de divergencia
manifesta. E eu , embora não me julgue preparado para tratar do
caso, não hesito em declarar, que, nos proprios escriptos de Mitre,
se faz justiça aos nossos generaes, e nelles encontro uma elevação de
vistas e serenidade de julgamento, que me imprssionam fortemente .
Alliás, um homem integro, de caracter forte, intelligencia aguda e
penetrante, como foi Mitre, sem motivos subalternos para invejas e
rivalidades, não podia ter outra norma de conducta . Muitas vezes
85

atacado e provocado, nunca respondeu, nunca disse uma palavra . En


cerrou-se no mais fechado dos silencios, elle que podia falar alto,
baseado em documentação valiosa do seu precioso archivo. Sómente
depois que todos os seus companheiros de jornadas gloriosas já se
haviam passado para a eternidade, Mitre consentiu em falar, e assim
mesmo falou pouco . Porque ? Não se sabe : mas creio bem , que seria
pelo respeito devido aos generaes das nações amigas e por um sen
timento nobre de dignidade nacional propria e alheia. Que utilidade
pratica haveria para a historia saber qual o maior general dạ cam
panha, se nessa epopéa paraguaya, ha logar para todos os bravos que
pelejaram , nella tomando parte ? Não está ahi a batalha de 24 de Maio,
em que Mitre e Osorio se cobriram de gloria, tendo anniquilado o exer
cito inimigo ? Pois não estão ahi as batalhas de Avahy, Lomas Valen
tinas e Campo Grande para gloria e orgulho de todos os nossos grandes
generaes ?
Pois não está ahi a occupação de Assumpção para orgulho do
grande duque que traçou os planos da segunda phase da guerra ? Pois
não estão ahi os asperos combates da Campanha das Cordilheiras
para realçar o nome do general conde d'Eu, na terceira phase da
guerra ? Sou, por tudo isto, dos que entendem que numa guerra em
que ha alliados não vem muito e bem ao caso saber quem seja o seu
melhor general. Talvez se pudesse discutir qual fosse o mais feliz.
E esse o proprio Mitre o declara : foi o general Osorio .
O general Mitre conheceu o general Osorio na batalha de Monte
Caseros, e desde então se tornou seu grande e leal amigo. “ A figura
do general Osorio na campanha do Paraguay é uma das maiores e
mais sympathicas dos tres exercitos alliados. Tive nelle o melhor
companheiro de trabalho e o mais efficaz collaborador dos meus
planos de generalissimo, desde que atravessou o Uruguay, no Juqueri,
até que por enfermo passou o commando do exercito brasileiro ao
general Polidoro. Confiei-lhe a mais importante e decisiva operação
da campanha, certo de que a desempenharia com a audacia e pruden
cia que caracterizavam seu genio militar.
Osorio revelou dotes de commando no momento da acção. Foi
elle quem , com inspirações de occasião, completou o brilho da jorna
da, 24 de Maio, com um golpe decisivo. Em Avahy, foi elle tambem
quem decidiu egualmente da victoria, por uma habil manobra, que
concebeu no momento da acção. O Imperio nunca teve um general
que soubesse inspirar as suas tropas um espirito mais heroico. Com
elle á frente, os soldados eram invenciveis. As suas qualidades de
commando em chefe o collocam na primeira linha entre os seus con
temporaneos. Era ainda modesto : procurava eclipsar seus trium
phos para dar realce aos dos seus companheiros . Na batalha de 24 de
- 86 -

Maio, quiz fazer crer que o seu triumpho foi devido ás prevenções
que lhe fiz na vespera ". ( Extracto de uma carta de Mitre ao dr. Fer
nando Osorio, filho do general) . Nesta questão do Paraguay o cri
terio historico manda que se indague, antes de tudo, se a acção do
generalissimo, ao iniciar- se a campanha, foi benefica. A affirmativa
impõe-se por si . E ' quanto basta para , deixando de lado outras con
siderações, aliás secundarias, proclamarmos bem alto que as tropas
alliadas contra o Paraguay muito deveram em sua gloria ao saber,
prudencia, ca ma e previsão do generalissimo Mitre . Nos grandes
dramas nacionaes ha logar para todos os chefes que nelles tomam
parte. Desnecessario é, portanto , discutir agora como se deveria ter
feito então. “ Mitre sentia instinctivamente que o interesse de todo
o Rio da Prata era a victoria do Brasil ”. “ A lealdade de Mitre é
perfeita, sua urbanidade consumada. sua cortezia graciosa ". (Na
buco. Um estadista do imperio, 2. vol. ). O estudo inesmo ligeiro
da vida desse grande homem , que foi Bartholomeu Mitre, basta para
convencer ao maior descrente, que as virtudes pessoaes e civicas do
criador da Republica Argentina são puras como a neve dos Andes
e rijas como o granito americano.
Leal, valente e bom, Bartholomeu Mitre foi amigo sincero do
Brasil, a quem serviu devotadamente e admirador enthusiasta da nossa
cultura, que elle respeitou e amou, pois teve ensejo de , repetidas vezes,
cotejar os nossos homens. Saraiva , Pimenta Bueno, Paranhos, Octa
viano e outros , com os Rosas , Urquizas e seme hantes . Mitre em
toda a sua longa vida foi um bom e um justo . Os interesses pes
soacs e de menor importancia nunca o desviaram do caminho recto

do dever. A sua vida privada e politica é um modelo para homens pu


blicos americanos ou europeus. “ Eu não vejo pessoas, vejo a Repu
blica ” . E por ser esse o seu feitio pode ser explicada e comprehen
dida essa influencia sadia e crescente, que elle exerceu na sua terra
durante toda a sua vida, quer estivesse em armas, quer estivesse 119
governo , na imprensa, na tribuna , ou quer estivesse divulgando, com
os seus livros, os feitos e a vida dos grandes vultos da sua raça. Tu
és minha esperança , disse -lhe o venerando progenitor, nas vesperas
de uma batalha. Tu és a minha realidade, proclama hoje a grande
Republica Argentina.
APOTHEOSE

Os grandes homens não deixam de actuar na vida das nações,


emiora o tempo sobre eles passe com o peso todo da sua marcha
veioz para o futuro. Bartholomeu Mitre viverá eternamente na alma
do povo argentino, no coração dos americanos, na lembrança e
car‘nho dos brasileiros.
- 87

Os seus feitos são brilhantes, a sua obra immortal. Luctou pelas


liberdades publicas, pelos sãos principios de governo e pela causa das
leis e da justiça. O seu renome passou as fronteiras de patria e che
gou aos mais reconditos logares do mundo. Onde exista um homem
medianamente culto ; onde haja um espirito voltado ao bem ; onde a
honra, a dignidade e todas as virtudes publicas e privadas mereçam
attenções e cuidados, respeito e veneração, será conhecido e accla
mado, neste dia, o nome de Bartholomeu Mitre, o defensor de todos
os ideaes alevantados, o guerreiro clemente, o vencedor generoso, o
organizador capaz , o varão nobre e próbo, o escriptor profundo, o
orador fluente e sabio, o democrata convencido e leal, e amigo e de
fensor da liberdade e da justiça, o diplomata vidente, o jornalista e
confiante, o grande, o incomparavel batalhador, que, com a espada
e com a penna , foi inexcedivel nas campanhas pelejadas em impetos
de heroismo e ardoroso amor á causa da civilização, não só da Ar
gentina, mas tambem de todo o continente sul-americano. Os brasi
leiros, que tanto prezam e admiram as excelsas qualidades de Bar
tholomeu Mitre, arvoram hoje a sua bandeira em honra ao genera
lissimo , que os commandou em dias difficeis, e em honra tambem do
apostolo illuminado, que pregou , defendeu e alcançou a amizade de
duas grandes potencias , que só motivos têm para se amar fraternal
mente. O general Mitre morreu em Buenos Aires, onde nascera em
1821, contando cerca de 85 annos de edade. Foi de immensa dôr para
todos esse triste dia 19 de janeiro de 1906, em que o grande liberal
recolheu- se ao seio da terra amiga. “ Sua vida, ensina o professor
Leon Suarez, é uma linha recta, sem outras curvas senão aquellas
impostas pela edade, nos extremos da mocidade e da velhice" . Bem
dita memoria a de Bartholomeu Mitre !.
CAPITANIAS PAULISTAS

CAPITANIA DE ITANHAEN
( II PARTE )
POR
BENEDICTO CALIXTO
Socio HONORARIO DO INSTITUTO HISTORICO E GEOGRAPHICO DE S. Paulo

Por solicitação do autor, Snr. B. Calixto, a revisão


do presente trabalho Capitanias Paulistas
esteve exclusivamente a seu cargo .

A REDACÇÃO
CAPITANIAS PAULISTAS

CAPITANIA DE ITANHAEN
( II PARTE )
POR

BENEDICTO CALIXTO
Socio HONORARIO DO INSTITUTO Historico E GEOGRAPHICO DE S. Paulo
CAPITANIAS HEREDITARIAS
KRAUSILALAHARIN MORSOMME

INTRODUCÇÃO
A tomada de La Pelérine, diz Capistrano de Abreu ( “ Capitulos
de Historia Colonial" 1500-1800 ), a feitoria franceza fundada em
Pernambuco , e noticias de preparativos para se fundarem outras, es
pancaram finalmente a inercia real . Escrevendo a Martim Affonso
de Souza, a 28 de setembro de 1532, annuncia-lhe el-rei D. João III a re
solução de marcar a costa , de Pernambuco ao Rio da Prata, e doal-as
em Capitanias de cincoenta legoas ; a de Martim Affonso, teria cem ,
e seu irmão Pero Lopes, seria um dos donatarios.
A chegada deste joven guerreiro victorioso em Pernambuco – a
17 de Fevereiro de 1531 ( “ Diario de Pero Lopes ” ) mostrou mais
uma vez a imminencia do perigo .
Talvez a isto se devam certas medidas desde logo tomadas, ou
pelo menos discutidas ; liberdade ampla de emigrar para o Brasil .
preparo de uma armada de tres caravellas , cada uma com dez a doze
condemnados á morte , “ per farli dismontare in terra , cosi abbiamo
a domesticare quel paese , respitto per non mettere boni uomini a peri
colo " , assegurava , a 16 de julho de 1533, o veneziano Pero Caraldo ,
a quem devemos esta noticia .
Tal armada veio effectivamente ?
Sua vinda explicaria uma porção de pontos obscuros.
Os documentos mais antigos da doação das Capitanias datam
de 1534.
- 91 -

A demora entre o projecto e a execução pode explicar -se pela


vontade regia de esperar a volta de Martim Affonso de S. Vic
cente ou pela difficuldade de redigir as complicadas cartas de
doação e os foráes que as acompanhavam , ou, finalmente, pela falta
de pretendentes á posse de terras incultas, improprias para o com
mercio desde o começo .
Admira até como houve doze homens capazes de empresa alea
teria . A nenhum dos membros da alta fidalguia tentou a perspectiva
de semear povos.
Apparece entre os primeiros povoadores Braz Cubas, jovem
criado de Martim Affonso, que aportou a São Vicente em 1540.
Governou mais de uma vez a terra, guerreou contra os Tamoyos ,
fortificou Bertioga entrada preferida pelos inimigos - e fun
dou a villa de Santos que possuia melhor porto, e facilmente supe
rou a villa primogenita de Martim Affonso .
Mais tarde empenhou- se na cata de minas, e consta haver achado
algum ouro .

Os donatarios seriam, de juro e herdade, senhores de suas terras :


teriam jurisdicção civil e criminal, com alçada até cem mil réis na
primeira ; com alçada no crime até morte natural para escravos, in
dios, peões e homens livres ; para pessoas de mór qualidade até de
annos de degredo ou cem cruzados de pena ; na herezia ( se o herege
fosse entregue pelo ecclesiastico ) , traição, sodomia etc. A alçada iria
até morte natural, qualquer que fosse a qualidade do réu, dando- se
appellação ou aggravo somente si a pena não fosse capital.
Os donatarios poderiam fundar villas, com termos, jurisdicção,
insignias (Pelourinhos ) ao longo das costas e rios navegaveis ; se
riam senhores das ilhas adjacentes até dez legoas distantes da costa ;
03 cuvidores, os tabelliães do publico e judicial seriam nomeados
pelos respectivos donatarios , que poderiam livremente dar terras de
sesmarias, excepto á propria mulher ou ao filho herdeiro.
Para os donatarios poderem sustentar seus estados e a lei da no
breza, eram-lhe ocncedidas dez legoas de terra ao longo da costa, de
um a outro lado da capitania, livres e isentas de qualquer direito ou
tributo, excepto o dizimo, distribuidos em quatro ou cinco lotes, de
modo a intercalar- se entre um e outro , pelo menos a distancia de duas
legoas ; a redizima ( 112 °° da dizima) das rendas pertencentes á coroa
e ao mestrado ; a vintena do páu - brasil ( declarado monopolio real,
com as especiarias) depois de forro de todas as despesas ; a dizima
do quinto pago á coroa por qualquer sorte de pedrarias, perolas, aljo
fares, ouro, prata, coral, cobre, estanho, chumbo ou utra qualquer
especie de metal ; todas as moendas d'agua , marinhas de sal e quaes
92

quer outros engenhos de qualquer qualidade, que na capitania e gover


nança se vier a fazer ; as pensões pagas pelos tabelliães, o preço das
passagens dos barcos nos rios que os pedissem ; certo numero de escra
VOS , ue poderiam ser vendidos no reino, livres de todos os direitos ; a
redizima dos direitos pagos pelos generos exportados etc.
Os foráes asseguravam aos solarengos : sesmarias com imposição
unica do dizimo pago ao mestrado de Christo ; permissão de explorar
as minas, salvo o quinto real ; aproveitamento do páu -brasil dentro
do proprio paiz ; liberdade de exportação para o reino, excepto de
escravos, limitados a numero certo, e certas drogas defesas (pau -brasil,
especiarias, etc. ) ; direitos differenciaes que os protegiam da concor
rencia estrangeiras; entrada franca de mantimentos, armas, artilharia,
polvora, salitre, enxofre, azougue, chumbo e quaesquer cousa de mu
nições de guerra ; liberdade de communicação entre umas e outras
Capitanias do Brasil.
Representantes do poder real só havia feitores, almoxarifes e
escrivães, incumbidos de arrecadar as rendas da coroa.
Para varias Capitanias existiam nomeações de um vigario e varios
capellães : sempre el-rei ao lado do Grão -mestre de Christo. ( Havia
tambem vigarios-geraes com o titulo de “ Ouvidor ecclesiastico ", con
forme se vê do “ Processo de João de Boulés” , em São Vicente ) .
Nas terras dos donatarios não poderiam entrar em tempo algum
corregedores com alçadas ou outras algumas justiças-reaes para exercer
jurisdicção, nem haveria direitos de siza, nem imposição, nem saboarias,
nem imposto de sal .
Em summa, convicto da necessidade desta organisação feudal, D.
João III tratou menos de acautelar sua propria autoridade que de
armar os donatarios com poderes bastantes para arrostarem usurpações
possiveis dos solarengos vindouros ,analogas ás occorridas na historia
portugueza da media -idade.
Ao Ouvidor da Capitania, com acção nova a dez legoas de sua
assistencia e aggravos e appellações em toda ella, caberia o mesmo

papel historico dos Juizes no alem mar.


Para evitar luctas, como as que se travaram entre a coroa ainda en.
pobrecida e os vassallos prepotentes, prohibiu-se de modo absolute
a partir a Capitania e governança , nem escambar , espedaçar, nem de
outro modo alienar, nem em casamento a filhos ou filhas, nem outra
pessoa dar, nem para tirar para pai ou filho ou outra alguma pessoa
de captivo, por que minha vontade é que a dita Capitania e governança ,
e cousas ao dito governador, nesta doação dadas, andem sempre
juntas e se não partam , nem alienem em tempo algum " .
( Esta regra, ou esta ordem foi, mais tarde, modificada, conforme
se verificará no decorrer dos factos, nesta " memoria '') .
-- 93

As dez ou mais legoas de terras doadas aos donatarios, espaçadas,


entre si alienaveis em fate stas, correspondiam a reguengos luzitanos .
As capitanias foram doze, embora divididas em maior numero
de lotes .
Começavam todas á beira -mar e proseguiam , com a mesma largura
inicial para o occidente , até a linha divisoria das possessões portuguezas
e hespanholas accordadas em Tordesilha, ( 1 ) linha não demarcada então,
nem demarcavel com os conhecimentos do tempo. Facilmente fixou -se
o limite na costa do Maranhão ao Norte. A testada littoreana então
dividida estendia - se assim por 735 legoas .
No plano primitivo a demarcação devia ir de Pernambuco até o
Kio da Prata, méta da qual , afinal, ficou cerca de 12 gráos afastada ;
nella não entrava a costa de E'ste - O'este que, entretanto, foi demarcada.
Para esta ultima decisão é possivel influissem as noticias de Diogo
Leite, incumbido de explorar aquella zona .
Só por considerações internacionaes se poderia explicar a fixação
tacita dos limites do Brasil em 28° 113.
O Rio da Prata föra descobrimento portuguez, mas os hespanhoes já
ahi tinham estado bastante tempo, derramado sangue e arriscado em
presas : a elles competia todos os direitos, a começar pelo tratado de
Tordesilha .
A divisão dos donatarios ainda não foi descripta tão concisa e
geographicamente como nos termos de D'Avezac, o unico que conseguiu
dar certa forma a esta materia essencialmente refractaria .

O limite extremo da mais meridional destas Capitanias , concedida


a Pero Lopes de Sousa , é determianda nas proprias Cartas de doação
por uma latitude expressa de 28º 1/3 ; confrontava, um pouco ao norte
de aPranaguá, ( Ilha do Mél) com a de São Vicente, reservada a
Martim Affonso de Sousa, a qual se estendia, do lado opposto, até
Macahé, ao Norte de Cabo -Frio , desenvolvendo assim mais de cem le
goas de costa, mas em duas partes que se encravavam , desde S. Vicente
até a embocadura do Juqueriquerê a secção de a Snto Amaro,
de dez legoas , adjudicada a Pero Lopes , irmão de Martim Affonso .

(1) As divizas, entre as capitanias de São Vicente e Santo


Amaro, com o correr do tempo, após o secular litigio entre seus
respectivos herdeiros - 1624 em diante ) já não se regulavam por
esse “ rumo do occidente ” ; pois obdecendo a linha geral da costa, ao
sul de Cabo - Frio que toma a direcção de nordeste e sudoeste
os respectivos donatarios deram então as suas terras a mesma linha
divisoria, adoptadas já pelas sesmarias desta zona , que foi sem
pre o rumo de suéste a noroeste, e é ainda a linha de divizas
que hoje vigora, conforme se verifica nas descriminações de terras
e nas velhas escripturas desta parte meredional da costa.
- 94 -

Ao Norte dos dominios deste estava a Capitania de São Thomé,


cujas trinta legoas iam espirar junto de Itapemirim ; era este o lote de
Pero de Góes, irmão do celebre historiador Damião de Góes. ( Capitulo
da “ Hist . Colonial" - Capistrano de Abreu . )

CAPITANIAS DA COROA

São conhecidas por este nome todas as donatarias que por serem
mal administradas, ou abandonadas pelos respectivos donatarios, pas
saram ao dominio da Coroa.
A primeira a ser adjudicada foi a Capitania da Bahia que teve como
donatario Francisco Pereira Coutinho.
Logo que a Portugal chegou a noticia do desastroso fim de Pereira
Coutinho morto e devorado pelos selvagens resolveu el -rei com
prar a Capitania da Bahia pela importancia, annual, de 400 $ 000, paga
pela ridizima da mesma Capitania, ao filho do donatario Manoel Pe
reira Coutinho e a seu descendentes.
Eis como 0 erudito histriado Capistrano de Abreu descreve
ainda os principaes factos a que estamos nos reportando : “ O remedio,
preferido por D. João III em vista do máo successo das Capitanias
consistiu em tomar posse da Capitania da Bahia, deixada devoluta
pela morte de Coutinho, com os recursos da corôa, e estabelecer uma
organização mais vigorosa, criar um governo Geral , forte bastante
para garantir a ordem interna e estabelecer a concordia entre os di
versos centros de população .
Rasgaram - se assim doações e foraes, onde só estavam previstos
conflictos entre solarengose senhores hereditarios, e só se fictava
equiparar a situação destes á dos reis contra os poderosos vassallos me
dievaes .
Os poucos protestos dos interessados passaram desattendidos, e
em 1549, sem abolir de todo o systema feudal, insistiu-se novo re
gimen .
Acompanhado por quatrocentos soldados, seiscentos degradados,
muitos mechanicos pagos pelo erario , partiu de Lisboa, em Fevereiro.
o primeiro Governador, Thomé de Sousa, com Pero Borges, Ouvidor
Geral, O Ouvidor -Mór da fazenda Antonio aCrdoso de Barros, e

aportou a aBhia de Todos os Santos em fins de Março de 1549.


Saltando em terra tratou logo de escolher local apropriado para a
cidade que vinha fundar, de fortifical- a contra os ataques da gente da
terra e construir os edificios mais urgentes ...
Em companhia do governador vieram seis Jesuitas, os primeiros
mandados a este continente, sobre cujos destinos tanto deveriam mais
tarde influir .
- 95

Completaram harmonicamente a administração, pois tanto como


Thomé de Sousa ou Pero Borges, o padre Nobrega obedecia ao senti
mento collectivo ; trabalhava pela unidade da colonia, e no ardor de
seus trinta e dois annos achava ainda pequeno o scenario em que se
iniciava uma obra sem exemplo na historia ! ...
Os jesuitas, superiores e alheios aos debates entre colonos
concentraram logo seus esforços na Capitania de São Vicente."
CAPITANIAS SECUNDARIAS
QUE SE FORMARAM DENTRO DAS DONATARIAS HERIDI
TARIAS DE MARTIM AFFONSO E DE SEU IRMÃO PEDRO
LOPES · SUAS DIVISÕES CONFORME AS DISCRIMINAÇOES
DOS MAPPAS ANTIGOS.

A Capitania do Rio de Janeiro, criada em 1567 -1568, foi a pri


meira que se desmembrou da donataria de Martim Affonso .
“ A divisão desta Capitania do Rio de Janeiro com a Capitania
de Minas Geraes, ( 3 ) ( que foi a segunda a sed desmambrada da dita
donataria ), acha-se conforme, com as sesmarias concedidas pelos exmos.
generaes de São Paulo, até á barranca do rio Pirahy. Estas divisas
da Capitania do Rio de Janeiro com a de Minas Geraes, estão confor
me ás ultimas ordens de S. Magestade, por carta de officio do minis
tro Secretario de Estado Francisco Xavier de Mendonça Furta
do dirigida ao vice-rei conde da Cunha --- , com data de 25 de
o
Març de 1767.”
A divisão desta Capitania de Minas com a de Matto -Grosso
diz ainda a citada legenda " he a que foi proposta pelo exmo. ge
neral Luiz Pinto de Sousa ... e D. Luiz Antonio de Sousa, para, de
commum accordo, ser apresentada a S. Magestade. As divisas desta
Capitania (Matto -Grosso ), com os dominios de Hespanha, estão con
forme o Tratado Preliminar de 1777 ( de Santo Ildeffonso, celebrado
na Provincia Segovia, na Hespanha, em 1.0 de outubro de 1777, no
palacio de la Granja .)
“ As ditas divisas, e todos os documentos que o provam , se achão
na secretaria deste governo." ( Legenda citada ).
Todo o territorio que constituia então a jurisdicção destas novas
capitanias fazia parte da vasta donataria de Martim Affonso,

(3) Legenda da “ Corrographia da Capitania de São Paulo –


1793 ", existente no Museu Paulista .
- 97

que, conforme já ficou dito, se estendia até Macahé, além de Cabo


Frio .
O limite meridional da então capitania do Rio de Janeiro, segundo
se depreende dos ditos mappas antigos da Capitania de São Pauo,
eram “ as barrancas do Rio Pirahy” ; porém, a parte do littoral
desde Cabo Frio, Angra dos Reis, até Paraty, não estava comprehen
dida na jurisdicção da Capitania do Rio de Janeiro e continuou per
tencendo á donataria de Martim Affonso de Sousa.
Quando em 1624, a condessa de Vimieiro , transferiu a séde de sua
donataria da villa de São Vicente para a de Itanhaen O seu

lóco -tenente, João de Moura Fogaça, tomou posse, instituiu villas e


concedeu sesmarias nessa zona littoreana do Rio de Janeiro, como Ca
pitão -Governador e Ouvidor da Capitania de Itanhaen, conforme se
vê dos documentos que fazem parte do 1. vol. da “ Capitania de Itanhaen"
publicada, em 1915, na Revista do Instituto Historico de S. Paulo.
Em 1918, após a publicação do 1.º volume destas “ Memorias” ,
nosso amigo e consocio do Instituto, dr. Gentil de Assis Moura
icsidente no Rio de Janeiro, nos dava noticia de outros documenos
relaivos á manutenção de posse, por parte da dita condessa de Vic
mieiro, desse territorio do Rio de Janeiro : Hontem , 27 de ja
neiro- 1918 . dizia por carta este nosso amigo examinando uns
documentos de pessoa que tem questão de terras em Maricá , encon
trei duas sesmsmarias concedidas pela condessa de Vimieiro, em Cabo
Frio e pareceu-me interessar o assumpto que estás tratando .
Uma dessas sesmarias foi concedida em 1623, pelo então procura
dor da condessa, João de Moura Fogaça, ao mosteiro de São Bento
da Bahia Formosa, em Cabo -Frio. A concessão, foi passada em São
Taulo, a 19 de Maio de 1623."
Nesse anno 1623 a condessa de Vimieiro ainda não tinha
sido destituida da séde da sua Capitania de São Vicente e, por isso,
a concessão foi passada em São Paulo e não em Itanhaen .
“ Outra concessão foi passada em Angra dos Reis, a 25 de Fe
vereiro de 1626 e assignada pelo mesmo Fogaça ; foi feita a Miguel
Riscado e diz respeito ás terras de Mosambaba, egua mente em Cabo
Frio .
“ De Miguel Riscado, em companhia de Ayres Maldonado, ha um
Roteiro publicado na Rev. do Inst. Hist. Brasileiro e que moderna
mente Vieira Fazenda contestou, julgando - o apocrypho, mas que, a
presença da actual sesmaria aquelle concedida, mostra faltar razão ao
Dosso saudoso e notavel historiographo.
“ Sua origem foi um facto ... " .
- 98 -

Da vasta e importante donataria de Martim Affonso, que, de 1624


em deante , passou a denominar -se não Capitania de São Vivent .,
mas, Capitania de Itanhaen , foram ainda desmembradas outras sec
ções onde se formaram diversas capitanias secundarias que, mais tarde ,
foram provincias.
A primeira foi a Capitania de São Paulo que se tornou indepen
dente da do Rio de Janeiro e da de Itanhaen, de 1733 em deante, por
cccasião da morte do Conde de Sarzedas e pela Carta -régia de 6 de
Janeiro de 1765 (Azevedo Marques Apontamentos Historicos da
Prov. de S. Paulo ) .
A segunda a separar-se da dita donataria de Martim Affonso de
nominada então Capitania de Itanhaen foi a capitania de Minas
Geraes que, tão importante se tornou no periodo aureo das minerações ,
promovidas, em grande parte, pelos governadores de Itanhaen e Rio
de Janeiro, sob cujas jurisdicções estava sujeita.
Esta capitania esteve depois annexada á de São Paulo, até 1720.
Nessa mesma época, devido tambem as novas descobertas demi
nas auriferas nos sertões das capitanias de São Paulo e Itanhaen, for
maram - se ainda as capitanias secundarias de Matto- Grosso e Goyaz .
As divisas destas novas capitanias, nos sertões das antigas dona
tarias de Martim Affonso e de seu irmão Pero Lopes são , mais ou
menos, as mesmas conservadas pelas Provincias do tempo do Imperio
e pelos Estados da Republica Federativa de nossos dias, segundo se
verifica de antigos documentos.
A série importante de mappas antigos da região vicentina 1612
em deante e as cartas corographicas e hydrographicas da Capita
nia de São Paulo, do seculo 18, que jaziam inéditas e estão agora
sendo impressas,, dão uma idea clara e precisa da área do grande la
tifundio ; desse sertão immenso e desconhecido, desbravado e po
voado pelos bandeirantes que se consideravam “ subditos do Marquez
de Cascaes e Condes de Vimieiro " , verdadeiros senhores feudaes, nessa
época de prepotencias, conforme se verá no decorrer desta fastidiosa
narração.
Na immensa zona abrangida pelas duas donatarias, desde Macahé
até Santa Catharina além das capitanias já mencionadas for

maram- se ainda outras, na parte mais austral da secção que pertencia


aos herdeiros de Pero Lopes de Souza ( marquez de Cascaes ) , que
foram adjudicadas á coroa em 1711 ( 19 de Setembro ) .
A primeira que se formou nesta zona foi a Capitania de Para
naguá, que se desmenbrou da capitania hereditaria de Itanhaen , con
forme consta da Memoria - Historica que sob o titulo “ Capitania de
Taranaguá e Capitania de Itanhaen ", escreveu o erudito historiogra
99

pho paranaense , dr. Ermelino de Leão e se acha publicada na Rev. do


Inst. Hist . de S. Paulo vol . XIX 1914 .

Mais tarde creou - se tambem a Capitania de Santa Catharina, que


esteve sempre incorporada á Capitania do Rio de Janeiro.
A Capitania do Rio Grande do Sul ( 4 ) , formada tambem nesta
época, já se achava fóra do dominio das duas donatarias hereditarias,
de que estamos tratando.
Foram estas pois as Capitanias da Coroa, ou Capitanias Secun
darias, que se formaram dentro dos grandes feudos de Martim Af
fonso e de seu irmão Pero Lopes.

(4) Chamava -se tambem “ Capitania de São Paulo " . A colo


nia do Rio Grande, diz o erudito historiador Fernando Nobre, “ foi
elevada á categoria de Capitania Geral , independente da do Rio de
Janeiro, pelo vice-rei Conde de Rezende — 1798."
CAPITANIA DE S. VICENTE E CAPITANIA
DE SANTO AMARO

CAPITULO I

QUESTÕES PRELIMINARES
Primeiras duvidas entre as donatarios sobre limite e
posse das suas terras. O que dizem os chronistas sobre
esse assumpto . A Donataria de Martim Affonso e a
Donataria de Pero Lopes. As povoações que existiam
nessa época. A Ilha de Guaimbé passa a chamar - se
Ilha de Santo Amaro, e a fazer parte da Capitania de
Pero Lopes. Acção dubia ou dôlosa dos governado
res. O Capitão Jorge Ferreira tenta em vão fundar uma
villa na Ilha de Guaimbé.

E' este um assumpto assás importante de nossa historia do qual


já tantos historiadores se têm occupado, desde os seculos 18.º e 19.º e
mesmo até os nossos dias, restando, entretanto , alguns pontos a es

clarecer e muitas lacunas a preencher.


De todos os nossos historiadores foram incontestavelmente Fr.
Gaspar e Pedro Taques os que mais se esforçaram em averiguar e
expor os pontos intrincados e obscuros dessa longa demanda, trazendo
á luz da publicidade grande cópia de documentos importantes e fortes
Argumentações.
Quem porém estuda hoje com calma e isenção de animo todas as
phases e peripecias desse importante litigio, entre OS herdeiros de
Martim Affonso de Souza e de seu irmão Pero Lopes de Souza, ( 1 )

(1 ) Quando nesta questão de “ Litigio entre as duas Capita


nias" ( principalmente a partir do começo do seculo XVII, ) nos re
ferimos aos Herdeiros de Pero Lopes de Sousa , não queremos dizer
102

que durou perto de dois seculos, ha de forçosamente reconhecer que,


embora a unidade de vistas e o proposito desses dois chronistas andas
sem sempre em harmonia, no intuito de derramar luz sobre os pontos
mais obscuros e de provar as injustiças tão clamorosas que então se
praticavam contra o direito dos legitimos donatarios da Capitania de
S. Vicente, ha de reconhecer ainda que, estes historiadores, não só se
contradizem e claudicam, as vezes, como deixam grandes e importan
tes lacunas as quaes poderiam ser preenchidas nessa época, se os dois
autores tivessem o cuidado de pesquizar, nos archivos da Camara de
Itanhaen e das demais villas dessa Capitania, os documentos que ahi
deveriam existir, e que mais tarde se perderam, como é bem conhe
cido e lamentado actualmente, por todos que se interessam pela nossa
historia ( 2 ) .
A obra escripta por Pedro Taques de Almeida Paes Leme, pu
blicada após sua morte na Revista do Instituto Historico e Geogra
phico do Rio de Janeiro, no 1.o trimestre de 1847, sob o titulo “ His
toria da Capitania de S. Vicente " , nada mais é que uma Razão de
Appellação – aliás muito justa, implorando a decisão de El-Rei sobre
as injustiças praticadas, nesse litigio, contra os direitos dos Condes de
Vimieiro e Ilha do Principe.
Na carta dirigida ao sr. D. João de Faro, “ Principe da Santa
Basilica Patriarchal e do Conselho de Sua Magestade" que precede
a dita “ Historia da Capitania de S. Vicente” , vem este periodo final
que bem exprime o seu intuito de historiador honesto e sincero : “ Te
rei grande prazer que este meu excessivo como gostoso trabalho re
sulte em total utilidade ao Exmo. Sr. Conde de Vimieiro, benemerito
sobrinho de V. Ex. ( 3 ) , para que restituido do que se tem tirado

que esses herdeiros sejam seus descendentes, mas aquelles que her
daram seus direitos sobre as Capitanias de Santo Amaro e Itamaracá ,
depois da extinção de sua familia , na pessoa de D. Izabel de Lima ,
ultima descendente, que falleceu no fim do seculo XVI, antes do ini
cio definitivo dessa demanda .
( 2 ) - Nem Fr. Gaspar, nem Pedro Taques, fizeram pesquizas
nos archivos de Itanhaen e das demais villas desta Capitania, antes
de escreverem suas “ Memorias " . Fr. Gaspar, serviu -se apenas das
investigações feitas por Marcellino Pereira Cléto, Pedro Taques diz ,
“ que mandou copiar alguns documentos nessas villas” , mas lá não
esteve pessoalmente.
( 3 ) - O auctor falla aqui do conde de Vimieiro e não do ver
dadeiro donatario da Capitania de Martim Affonso que seria, nesta
época, o Conde da Ilha do Principe, descendente dos condes de Vi
mieiro, conforme se vê do respectivo capitulo que se refere aos diversos
donatarios da Capitania de Itanhaen .
Nesta mesma carta dirigida á D. João de Faro diz Pedro Taques
“ Na mesina frota satisfiz a esta commissão, enviando a 1. Ex, uns
103

ao seu antigo morgado de Alcoentre, haja este de apparecer tão avul


tado que em todo o reino de Portugal não admitta competencia com
outro algum por muito grande que seja o rendimento ; porque na ver
dade esta Capitania , pela natureza da doação e foral , excede tanto o
nome de Morgado, que bem merece o de reino, pelas rendas que ao
donatario pertencem .
“ A pessoa de V. Exc. guarde Deus, dilatados annos, dando -lhe
vida vigorosa e forças , para que tenha a consolação de vêr mettido
de posse ao Exmo. Sr. Conde de Vimeiro desta sua Capitania, que
algum dia foi denominada de S. Vicente ( depois de Itanhaen ) e
hoje de São Paulo ."
Isto foi escripto por Pedro Taques em 3 de Janeiro de 1772, época
em que esta antiga demanda ainda não estava terminada, como bem
claramente se deprehende deste periodo da carta de Petro Taques.
Dizem e affirmam , entretanto , alguns historiadores nossos con
temporaneos que, esse litigio entre os donatarios da Capitania de
São Vicente, ( que passou depois a denominar-se illegalmente “ Capi
tania de Itanhaen " ) já estava terminado nessa época, 1722, pois o rei
D. José I havia annexado a Capitania de Itanhaen aos dominios da
corôa, por uma Carta Régia datada de 1753, tendo por tanto indemni
zado, ao respectivo Donatario, a parte que de direito lhe pertencia.
Os esforços por nós empregados, até hoje, em descobrir essa
Carta Régia de 1753, ignorada por Taques, da qual os autores moder
nos nos dão noticia tem sido infructiferos. Nem nos archivos de
São Paulo, nem nos do Rio de Janeiro, nem tampouco nos das Ca
maras Municipaes das villas que estiveram sob a jurisdicção da Ca
pitania de Itanhaen , pudemos encontrar tal documento ! No “ Pro
cesso Vimieiro - Monsanto” publicado pelo dr. Antonio de Toledo
Piza, no tomo V, da Revista do Instituto Historico e Geographico de
S. Paulo , na parte em que se refere a annexação á Corôa das duas
Capitanias de “ S. Vicente e Santo Amaro ” , diz o erudito autor :
“ Sem liquidar a questão de limites entre os donatarios de S. Vicente

apontamentos, que foram uteis para a causa entre o Exmo. Sr. Conde
de Vimieiro e o de Lumiares..."
Este “ Conde de Lumiares " , como se verá adiante em uma nota
feita pelo Dr. Capistrano de Abreu, era o proprio “ Conde da Ilha
do Principe" forçado a mudar o seu titulo por uma imposição do
Marquez de Pombal .
Por este dizer de Pedro Taques isto é : que suas pesquizas
historicas foram uteis para a causa entre o Exm. Sr. Conde de Vimiei
ro e o de Lumiares, parece celligir-se que entre os dois herdeiros do
Morgado de Alcoentre houve tambem alguma acção ou demanda, in
dependente da que estamos tratando.
Nem Taques, nem Fr. Gaspar, entretanto, nos esclarecem sobre
este ponto ,
104

e Santo Amaro, o governo portuguez considerou a barra de S. Vi


cente como linha divisoria e assim S. Vicente, Santos e S. Paulo
ficaram incluidos na compra feita ao Marquez de Cascaes e annexa
dos aos dominios da coroa. Mais tarde o Marques de Pombal res
gatou tambem a Capitania de S. Vicente (4 ) e annexou - a aos do
minios reaes e assim desappareceram as duas antigas donatarias e as
questões sobre a sua posse e divisa ” .
Em baixo desta pagina ( 149 ) O sr, dr. Antonio Piza escreveu
esta pequena e laconica nota : Este resgate feito pelo Marquez de
Pombal foi " Por acto de 1753-54 . ”
Esse acto ou essa Carta Régia de 1753 - 54 annexando a Capita
nia de Itanhaen ( antiga Capitania de S. Vicente ), aos dominios da
Coroa, não consta nem do “ Processo Vimieiro - Monsanto ” nem
los “ Documentos Interessantes" do Archivo Publico do Estado de
S. Paulo, publicados pelo illustrado autor !
Si a donataria de Martim Affonso de Souza, conhecida ainda
nessa época por Capitania de Itanhaen, ou Capitania de S. Vicente,
houvesse sido annexada aos dominios da Coroa e necessariamente
indemnizado o seu respectivo donatario em 1753 ou em 1754 como
diz o autor do “Processo Vimieiro - Monsanto " , não haveria razão
para que Fr. Gaspar e Pedro Taques viessem vinte e tres annos de
pois, dizer em suas “ Memorias" que o tal Processo não estava ter
minado, visto que o governo da Metropole não havia indemnizado
os respectivos donatarios. ( 5 )
Vas “ razões" apresentadas por Pedro Taques em 1772 allega
elle não só os direitos que tinham ainda os Donatarios da Capitania
de S. Vicente em rehaver o que lhes pertencia nessa venda illegal
feita pelo Marquez de Cascaes ao Governo Portuguez em 1711 como,
- e mui principalmente pelo esbulho que o mesmo governo havia
praticado contra os condes de Vimieiro, privando -os da posse dessas
cem legoas de costa e respectivo sertão que constituiam a Capitania de

( 4 ) - A Capitavia de São Vicente, é preciso que se note


éra então Capitania de Itanhaen . Os respectivos donatarios não ha
viam ainda desistido desse titulo, como se virifica dos velhos do
cumentos dessa época .
(5 ) Nos documentos officiaes do Archivo Publico de São
Paulo , não existe esse “ Acto do Marques de Pombal" ou essa Carta
Regia de 1753 1754 , annexando á Coroa a parte da Capitania de
Itanhaen, que ainda estava sujeita aos donatarios Condes da Ilha
do Principe conforme está demonstrado .
Nas rebuscas que temos feito no Archivo da Camara Municipal
de São Paulo 111da descobrimos sobre o referido Acto. No volume
108 que trata de “ Registro de Ordens Regias " de 1737 - 1757, bem
como no vol . 145 “ Registro Geral de 1753 - 1766 ", nada consta tam
bem sobre tal assumpto .
- 105

S. Vicente ou Capitania de Itanhaen a qual, na opinião do mesmo


Pedro Taques, “ não admittia competencia em todo o reino de Por
tugal. ” ( 6 )
Não ousaremos contestar, ou negar, a existencia dessa Carta Regia
vu desse Acto do Marquez de Pombal de 1753 --1754, annexando
o resto da Capitania de Martim Affonso aos dominios reaes, sim
plesmente pelo facto de não termos podido ver e manusear esse

documento ; extranhamos, entretanto, que nem Taques е nem

Fr. Gaspar, que com tanto interesse se occuparam do litigio entre


as duas donatarias, não tivessem feito a menor referencia ao tal
Acto do ministro de D. José I que deveria ter posto um termo á velha
demanda ! Occupar -nos - emos ainda deste assumpto, provando а

não existencia desse Acto, quando tivermos ensejo de analisar os actos


da Coroa e dos capitães -generaes, na incorporação da vasta re
gião da Capitania de Itanhaen á de S. Paulo .
A Donataria de Martim Affonso de Sousa chamava - se “ Capita
nia de S. Vicente " e abrangia cem legoas de costa e sertão, divididas
em duas partes, uma das quaes começava na Barra de Bertioga e ter
minava doze legoas ao sul de Cananéa no logar denominado Ilha
do Mél, na barra do Lagamar de Paranaguá.
Diz o Foral ou alvará desta doação, concedido por D. João III, a
20 de Janeiro de 1535 : “ Estas quarenta e cinco legoas ( do Sul) co
meçarão no Rio de S. Vicente ( Bertioga) e acabarão doze legoas ao
sul da Ilha de Cananéa e no cabo das ditas doze legoas, ( na Ilha do
Mél ) se porá um padrão, com as minhas armas."
Este padrão, (diz Pedro Taques, na sua mencionada obra escri
pta em 1772 ) , “ agora descobriu, em Paranaguá, Affonso Botelho de
Sousa , andando na diligencia da fundação de uma nova fortaleza : 0
dito padrão é uma pedra e nella esculpidas as reaes armas de Por
tugal . ( Vid . mappa topographico da villa e fortaleza de Paranaguá,
que vae no capitulo respectivo . )
A outra parte, ao norte, que se compunha de cincoenta e cinco
iegoas , diz ainda mesmo “ Foral” , começava , de treze legoas ao
norte de Cabo Frio ( Rio Macahé ) e acabava na barra do rio Curu
pacé. O rio Curupacé é hoje conhecido pelo nome de Juquiriquerê,
e fica ao norte de São Sebastião.

(6 ) Na estreita zona de dez a doze legoas que comprehendia


a secção da Capitania de Santo Amaro ( Rio Carapacé a Barra de
Bertioga ) só havia então duas villas : São Sebastião, no littoral
e Mugy, em Serra - Acima.
Entretanto, nessa venda ficaram comprehendidas não só as villas
de São Vicente e Santos como as de São Paulo, Parnahyba e as de
mais que se achavam ressa zona .
106

A parte da Donataria de Pero Lopes de Souza, denominada mais


tarde “ Capitania de Santo Amaro " , composta de cincoenta legoas de
costa, estava assim dividida, conforme determinava o Foral de doa
ção passado pelo mesmo rei D. João III : uma parte, ao sul, que se
compunha de quarenta legoas de costa, que “começarão, diz o Foral,
de doze legoas ao sul da Ilha de Cananéa (7 ) , e acabarão na terra
de Santa Anna ( Santa Catharina ), que está na altura de vinte e oito
gráos e um terço, e na dita altura se porá um padrão, e se lançarí
uma linha , que só correrá a l'oeste."
A outra parte, ao norte, que estava comprehendida entre o dito
rio Curupacé (Juqueriquere ) e a barra de Bertioga, diz ainda o refe
rido Foral, " compunha -se de dez legoas de costa " .
Além destas cincoenta legoas de costa assim descriminadas, foi
ainda concedido a Pedro Lopes de Souza, outra doação de trinta legoas
de costa , na ilha de Itamaracá, nas costas de Pernambuco.
A rasão desta estravagante e caprichosa divisão das duas donata
rias, de Martim Affonso e de Pedro Lopes, em secções intercala
das umas nas outras (8 ) já foi dada pelo Dr. Theodoro Sampaio e
bazea-se no facto de ser já conhecida, nessa epocha, pelos dois irmãos,
a noticia da existencia de minas de metaes preciosos no interior des
ses sertões . A divisão assim feita viria evitar a possivel injustiça de
ficarem essas minas incluidas em uma só donataria .
Na pequena “ Memoria ” que escrevemos para a Revista do Ins
tituto Historico de S. Paulo, sob o titulo " A Villa de Santo André e
a Primitiva Povoação de Piratininga" já nos occupamos tambem
deste assumpto, abundando nas mesmas rasões do Dr. Theodoro Sam
paio .
“ Martim Affonso fundou logo a villa de S. Vicente para séde
da sua Donataria e tomou, sem demora, diversas providencias para
seu povoamento ” , diz o Dr. Antonio Piza (óbra citada ), “ emquanto
que Pedro Lopes, talvez mais interessado no commercio de páu -brasil,
da sua secção de Pernambuco, descuidou completamente das duas
scções do sul , que ficaram por muitos annos em abandono até depois
da sua morte " . Quando Martim Affonso fundou São Vicente não era
ainda donatario .
A donataria de S. Vicente, não obstante os esforços de Martim
Affonso e de seus loco -tenentes, não fez tambem notaveis progres

(7) Diz Pedro Taques , em uma nota ao referir-se a este trecho do


Foral : Vote -se que aqui é o lugar onde acaba a doação de Martim
Affonso de Souza e se chama Barra do Paranaguá, onde Affonso
Botelho de Souza descobriu o padrão já referido.
( 8 ) Vid . “ Processo Vimieiro -Monsanto " do Dr. Antonio de To
ledo Piza. Vol . V. Rev. do Inst. Hist. de S. Paulo.
- 107

sos nesses primeiros tempos . Em fins do seculo XVI só existiam nella


quatro villas pouco prosperas, que eram S. Vicente, Santos, S. Paulo
e Conceição de Itanhaen , cujos predicamentos datam de 1532, 1546,
1560 e 1561. Algumas dessas povoações, como a de S. Paulo e
Itanhaen, que foram elevadas a villa em 1554 e 1561 , já haviam sido
povoadas em 1532 e 1533, tempo em que o donatario aqui se achava,
como já em outros capitulos temos provado . Outras povoações como
Iguape, Cananéa que só receberam o predicamento de villa no CO
meço do seculo XVII , já existiam tambem nessa epocha ( vid , na Me
moria historica “ Capitulo de Itanhaen " à parte que se refere á fun
dação dessas villas ) .
No planalto da serra , proximo a villa de São Paulo, já floresciam
tambem, em 1580, algumas povoações como Parnahyba e outras que
tiveram predicamento de villa no começo do seculo XVII. Si nessa
épocha a Capitania de S. Vicente não se expandia mais, com novos
arraiaes e nucleos, é porque, como dizem o Dr. Theodoro Sampaio e
Dr. Gentil de Moura, “ os dominios dos portuguezes, nesse tempo ,
não iam além de Parnahyba e Cutia , cerca de 35 kilometros ao
poente da villa de S. Paulo ." A secção das terras de Pedro Lopes
comprehendidas entre estes dois pontos rio Juqueriquerê e Rio de
Bertioga, que é o que nos interessa , compunha- se como se refere o
Foral de doação já citada de dez legoas apenas que permaneceram
em abandono por muito tempo, após a morte de seu donatario.
A respeito da morte de Pedro Lopes, diz Fr. Gaspar : “ Sómente
posso assegurar, que já era morto em 1542, porque sua mulher D. Iza
bel de Gamboa, no fim deste anno constituiu Capitão Loco-Tenente
das 50 legoas ( das duas secções ) a Christovam de Aguiar de Altero,
e. Ouvidor a Antonio Gonçallo Affonso, como tutora que era de seu
filho Pedro Lopes de Souza . Este menino succedeu a seu pae e foi o
segundo donatario . Morrendo com pouca edade, passou a Capitania
a seu irmão Martim Affonso ( sobrinho) , que teve tambem como tutora
sua mãe D. Izabel de Gambộa.” Esta secção da Capitania de Pedro
Lopes não tinha ainda, nessa primeira época, o nome de Capitania
de Santo Amaro" porque os seus donatarios e Loco-Tenentes, em
observancia ao que se achava determinado na Carta e Foral de doação,
só exerciam a sua jurisdicção na parte comprehendida entre a foz do
Juqueriquerê e a barra de Bertioga .
A ilha de Guaimbé estava ainda, muito legalmente, fazendo parte
da Capitania de São Vicente, como se depreende das conceções de
Sesmarias feitas, nessa referida ilha, pelos Capitães Loco - Tenentes
108

de Martim Affonso de Souza, conforme os documentos citados por


Fr. Gaspar e Pedro Taques, (9) e outros que agora publicamos.
As cartas de Sesmarias concedidas pelos primeiros Loco - Tenentes
de D. Izabel de Gamboa eram bem explicitas neste ponto , isto é,
em determinarem a parte de que então ella se achava de posse, na
qual não vem mencionada a dita ilha de Guaimbé (ou Guahibe ) que
não tinha ainda o nome de “ Santo Amaro ” .
Na Carta de Sesmaria concedida a Jorge Pires, em 1545, por
Christovam de Aguiar de Altero, cujas terras estavam situadas da
Barra de Bertioga para diante, declara este Loco - Tenente : “ Eu lhe
dou a dita terra assim como pede, por se acharem na Capitania da
dita Senhora Dă Izabel de Gamboa e seu filho Pedro Lopes de Souza " .
( Cartorio da Providoria da Fazenda . Livro de Sesmarias , Titulo
1562. )
A Capitania de Santo Amaro era nessa época conhecida simples
mente por “ Capitania da Sra. D. Isabel de Gaboa” ou “ Capitania
de Pedro Lopes " , como se está vendo .
“ A primeira vez que vejo fazer-se mensão da Ilha de Santo
Amaro ( 10 ) mas, sem este nome, e ainda com o de Guaibe, como
incluida nas 50 legoas de Pedro Lopes, hé no fim do anno de 1543,
em o termo de vercação de 22 de Dezembro no qual o Escrivão, que
o lavrou , chama, a Gonçallo Affonso, Ouvidor de Guaibe, por ser
Ouvidor das 50 legoas, sem fallar em Santo Amaro ... "
Fr. Gaspar, que nestas questões de jurisdicções já então iniciadas
entre os dois primeiros donatarios sobre as divisas de suas capitanias,
é incontestavelmente , o mais bem informado dos chronistas – nos
diz que a Carta de Doação feita pelo Rei D. João III, é possivelmente
mandada na frota de João de Souza , em 1532, a qual deveria
estar transcripta no livro do Tombo da Villa de S. Vicente, já não
existia na época em que começaram a surgir essas duvidas, porque
esse livro do Tombo havia desapparecido do archivo, logo após a re
tirada de Martim Affonso para o Reino ( 11 ) .
A Carta de Doação feita a Pedro Lopes de Souza diz que a di.
visão, desta parte de sua donataria, seria “ pelo Rio de S. Vicente
da Banda do Norte " , ao passo que na Carta de Doação de Martim
Affonso de Souza, quando trata dessa mesma divisa, os termos são

( 9) “ Memorias Historicas para a Capitania de S. Vicente" por


Fr. Gaspar 1797 – e Historia da Capitania de S. Vicente por
Pedro Taques 1772 .
( 10 ) Fr. Gaspar, Obra citada.
( 11 ) Este livro foi queimado, pelos castelhanos, moradores de
Iguape, no ataque que deram a S. Vicente, em 1535 .
109

mais claros : “ Será pelo Rio de S. Vicente Braço da banda do


Norte ."
Ora, como o Rio ou Lagamar de São Vicente tem tres sahidas,
ou tres barras ou braços que desaguam no oceano, esse Braço da
Banda do Norte, era, incontestavelmente, a barra de Bertioga, o por
tanto a ilha de Guaimbé ou de Guaibe estava dentro da Capitania
de S. Vicente .
Os loco-tenentes de Martim Affonso, como já ficou dito, haviam
concedido muitas sesmarias nessa ilha de Guaimbé, que nessa época,
1545 em diante, estava sendo mais ou menos povoada .
Entre 'esses moradores da ilha de Guaimbé, estava o Ouvidor das
terras de D. Izabel de Gamboa Gonçallo Affonso, ao qual já nos
referimos . Este Gonçallo Affonso , por fatuidade, ou por commo
didade, para as suas funções de Ouvidor, é que teve a idea de anne
xar, ás terras de D. Izabel de Gamboa, essa ilha de Guimbê, na qual se
havia estabelecido ; e propoz então a mesma D. Izabel que : “ as di
visas de suas terras seriam d'ahi em diante, não pela barra de Ber
tioga, mas sim pela barra Grande de Santos ” .
A interpretação feita por Gonçallo Affonso, dizem os chronistas,
foi bazeada nesta declaração da dita carta banda do Norte -- , con
forme a doação de Pedro Lopes . “ Pode ser, acrescenta o chronista,
que se enganasse Gonçallo Affonso suppondo, sem malicia, que D.
João III , não tendo na primeira Mercê declarado a divizão, com
clareza , mandasse depois que fosse pela Barra do Meio ."
Para firmar esse engano , ou esse erro que foi o que deu ori
gem as controversias e as intrincadas questões que depois se mo
veram, muito contribuiu , por certo, a auzencia dos dois primeiros
donatarios que se achavam na India e tambem , o descuido de D.
Anna Pimentel , mulher de Martim Affonso, “ a qual, ( diz ainda Fr.
Gaspar ) ' devendo logo mandar para S. Vicente huma copia authentica
da Carta de Doação, que El-Rei fez a seu marido, depois delle ter
navegado para a Asia, parece foi omissa nesta parte, e por isso se
ignorava em S. Vicente a divisão conteúda na dita Carta, na qual de
clara El-Rei que o Padrão se levante no Rio de S. Vicente, braço da
banda do Norte ."
Além da desidia ou descuido por parte de Martim Affonso e de
sua mulher, o que mais contribuiu para que esse engano prevalecesse
e viesse prejudicar depois os herdeiros da dita Capitania foi a attitude
dubia, e quasi escandalosa, que tiveram nessa questão os proprios
lóco - tenentes de Martim Affonso e alguns Camaristas da villa de S.
Vicente, dessa época , os quaes, em vez de se opporem a tal anne
xação da ilha de Guaimbé á Capitania de Pedro Lopes, ainda con
tribuiram para que isso se realisasse, semo menor attrito entre as
110

partes. Essa graciosa ou dolosa " concessão" que tão insignificante


lhes parecia então, veria, com o correr dos tempos, acarretar a expo
liação tão chamorosa e tão injusta da qual haviam de ser victimas
os herdeiros primogenitos de Martim Affonso, quando os Condes de
Monsanto, em virtude da posse da ilha de Guimbê ( já então conhe
cida com o pomposo titulo de “Capitania de Santo Amaro " ) , viessem
reclamar tambem o direito e a posse da ilha de S. Vicente, com as
suas respectivas villas e com as demais povoações do planalto da
serra, inclusive a villa de S. Paulo, da qual elles, os herdeiros da Ca.
pitania de Pedro Lopes, fariam em breve a séde de sua Donataria
de Santo Amaro, com o falso nome de Capitania de São Vicente ; e
isto ainda com o consentimento das respectivas Camaras da Capita
nia de Martim Affonso .

Sobre esta Carta de Doação feita a Pedro Lopes em E'vora, diz


ainda o chronista vicentino, “ foram extrahidas duas copias que ficaram
registradas uma na Camara da Villa de Guaiana, hoje Cabeça da
Capitania de Itamaracá e outra na Camara de S. Vicente ; porém
confrontando-se o texto destas duas copias com a que trouxe D. Anto
nio Caetano de Sousa nas " Provas da Historia Genealigica da Casa
Real Portuguesa ” notam - se em ambos erros capitaes na parte
excencial da Doação que he a demarcação das 80 legode nella conce
didas ; erro que talves forão feitos nas ditas copias por dólo..."
A Carta transcripta por D. Antonio Caetano de Souza, de facto,
não é a copia do origianl primitivo, isto édo Foral de D. João III ,
mas sim da “ Carta de Confirmação' das oitenta legoas, passada
por D. João V ao Marques de Cascaes ,quando este vendeu á Coroa
as cincoenta legoas denominadas “ Capitania de Santo Amaro" , na

qual venda foram incluidas as villas de S. Vicente, Santos, S. Paulo,


Parnahyba, etc.
Este dólo, a que se refere Fr. Gaspar, consistia em mudar o
numero de legoas que ficavam comprehendidas entre o Juqueriquerê e
Bertioga e outras omissões como já ficou demonstrado, afim de que
essa secção pudesse abranger, não só até o rio de Santo Amaro (Bar
ra Grande ) como tambem até a barra do rio de S. Vicente, conforme
adiante explicaremos .
Tudo isso se fazia com a acquiecencia das auctoridades das ca
maras e dos habitantes da Capitania de S. Vicente, fundada e povoada
por Martim Affonso de Souza, em prejuizo de seus legitimos
herdeiros e representantes ! ...
Entre os loco-tenentes de Martim Affonso de Souza que patroci
navam a causa de D. Izabel Gamboa, na época em que a ilha de
111

Guaimbé, foi annexada á Capitania de Pedro Lopes, é citado o nome


do Capitão Jorge Ferreira. “ Este sujeito, diz o auctor das Me
morias para a Capitania de S. Vicente, era dos primeiros da terra,
e dos mais nobres Povoadores de S. Vicente. Estava casado com Joan
na Ramalho, filha de João Ramalho e neta de Martim Affonso Tibi
riçá, Principe dos Guayanazes, senhores da terra ; era muito amigo
de Christovam Monteiro, homem nobre, que depois casou com uma
filha sua, e tambein de José Adorno, Fidalgo Genovez, muito rico e
poderozo que veiu a ser marido de uma neta sua. Todos os respeita
vam muito por suas qualidades e allianças. Martim Affonso de Souza,
quando cá esteve, e depois seus loco - Tenentes, haviam concedido
Sesmarias de terras ern Guaibe a João Ramalho, Jorge Ferreira, Chris
tovam Monteiro, José Adorno e Antonio Macedo, filho de João Ra
malho, e a outros irmaos seus, cunhados do dito Ferreira ; de sorte
que elles, seus parentes e amigos , possuiam quasi toda a ilha, e
por isso fez , com a sua autoridade, que os principaes habitantes
de Guaibe obedecessem ao filho de Pedro Lopes ” ,
“ O mencionado Jorge Ferreira , continua o chronista, e mais ha
bitantes principaes de Guaibe, intentarão criar nella uma villa e , com
effeito, derão principio a huma Povoação, e nesta edificarão huma
Capella dedicada a Santo Amaro. O titulo da Capella não só se com
municou á Povoação, mas tambem a ilha, como fica dito, e o nome
desta passou as 50 legoas de Pedro Lopes as quaes entrarão a chamar.
se Capitania de Santo Amarc', depois que erradamente supuzerão in
cluida nellas a Ilha do mesmo nome. ” ( 12 )
Eis a maneira curiosa e insolita como se formou essa parte da
Capitania de Santo Amaro" , que tanta preponderancia teve sobre
a Capitania de São Vicente, subjugando -a e usurpando - lhe afinal não
só a sua villa Capital e as demais, como o titulo que lhe havia
dado o seu fundador Martim Affonso de Souza !

( 12 ) Essa povoação ou villa de Santo Amaro teve duração ephe


mera . Na obra de Fr. Gaspar, “ Memorias para a Historia da Capita
nia de S. Vicente " , vem ainda esta referencia : - Em Santo Amaro
e Guaibe nunca houve villa alguma; até a povoação de Jorge Fer
reira se extinguiu antes de ter Pellourinho, e subir a maior predica
mento : Igual foi o successo da primeira Capella do Santo Abbade, a
qual tambem se arruinou totalmente e por esta rasão os almoxarifados
da Fazenda Real guardarão as suas alfaias, segundo consta de um livro
da Provedoria da Fazenda Real de S. Paulo onde vem a carga , que
della se fez ao Almoxarifado Christovão Diniz, aos 24 de Setembro de
1576 " . Nas “ Cartas dos Jesuitas" 1549 em deante ha entre
tanto varias referencias a “ Villa de Santo Amaro ” na ilha do mesmo
nome; mas está provado que essa povPação nunca teve predicamento
de Villa .
CAPITULO II

PRIMEIRA PHASE DO LITIGIO

Os descendentes de Martim Affonso e de Pedro Lopes.


Os donatarios das duas Capitanias nesta primeira pha
se. Conflictos de Jurisdicção entre ambas. Balburdia
entre os Governadores e lóco -tenentes. Como e porque
se originou o litigio.

Procuremos, de accordo com os documentos antigos que pudemos


reunir e com as informações e esclarecimentos dados pelo Dr. Antonio
de Toledo Piza ( 13 ) , fazer um resumo dos factos preliminares que
deram origem a celebre demanda entre estas duas donatarias.
Antes porém de entrar no intrincado assumpto convem que o
leitor fique sabendo quem eram os descendentes de Martin Af
fonso e de seu irmão Pedro Lopes ( 14 ) .
Martim Affonso de Souza, que foi casado com Dona Anna Pi
mentel,, teve deste matrimonio, dois filhos apenas : Pedro Lopes de
Souza, que foi o 2.º donatario das cem legoas de costa da Capitania
de São Vicente, o qual falleceu em 1578, e D. Ignez de Pimentel, que
casou com D. Antonio de Castro, Conde de Monsanto .
Pedro Lopes de Souza ( 1.º filho de Martim Affonso de Souza) ,
como primogenito, herdou de seus paes não só a Capitania de S. Vi.
cente, como os demais bens que constituiamo “ Morgado de Alcoen
tre ” . Foram pois os herdeiros de Pedro Lopes de Souza ( o primoge
nito de Martim Affonso de Souza ), que por esse direito de morgadio,

( 13 ) “ Processo Vimieiro-Monsanto " Tomo V -- Rev. do


Inst. Historico de S. Paulo .

( 14) Vid. Arvore Geneologica de Martim Affonso de Sousa e


Pedro Lopes de Sousa, organisada por Fr. Gaspar que vae junta a es
te Capitulo.
113 -

então indiscutivel, herdaram as cem legoas da Capitania de S. Vi.


cente ( 15 ) .
Os herdeiros deste morgado, foram , nesta primeira phaze , o
seu filho Lopo de Souza , que em 1578, por morte de seu pai Pedro
Lopes de Souza ( filho de Martim Affonso ), passou a ser o 3.º do
natario das cem legoas da Capitania de S. Vicente. Fallecendo Lopo
de Souza em 15 de Outubro de 1610 e não tendo descendente ligitimo,
reconheceu entretanto o seu filho bastardo Lopo de Souza Junior –
que entrou na posse da Capitania e traspassou - a , por um acto publico
passado em Lisboa a 7 de Abril de 1611 – ( 16 ) a pessoa de sua prima
D. Mariana de Souza da Guerra, Condessa de Vimieiro, como adiante
se verá .
A filha de Martim Affonso de Souza, Dona Ignez de Pimentel,
que, como já ficou dito, casou com o Conde de Monsanto D. Anto
nio de Castro , foi a progenitora de D. Luiz de Castro, tambem Conde
de Monsanto, o qual iniciou a demanda contra Lopo de Souza , ( netto
de Martim Affonso 1.º Donatario ), quando este recebeu, em legado
de sua prima D. Izabel de Lima, ultima descendente de Pedro Lo
pes de Souza ( irmão de Martim Affonso ) , as oitenta leguas que cons
tituiam então as capitanias de Itamaracá e Santo Amaro .
Este D. Luiz de Castro, 2.º Conde de Monsanto, é o progenitor
de D. Alvaro Pires de Castro e Souza, 3.º Conde de Monsanto, que
recebeu depois o titulo de Marquez de Cascaes e foi pai de D. Luiz
Alvares de Castro e Souza, 2.• Marquez de Cascaes, que, na terceira
phaze deste litigio, vendeu á corôa portugueza , em 1711, a Capitania
de Santo Amaro, incluindo nessa venda uma parte da Capitania de
Martim Affonso, com as villas de S. Vicente, Santos e São Paulo ,
como se verá no decurso desta narração .

com
Pedro Lopes de Souza, irmão de Martim Affonso , casou
D. Izabel de Gamboa e deste consorcio teve os seguintes filhos : 1.°
Pedro Lopes de Souza, que falleceu ainda menino e foi o 2.º donatario
das oitenta legoas das donatarias de Itamaracá e Santo Amaro, 2.
Martim Affonso de Souza, que falleceu ainda moço e foi o 3.º donatario

( 15 ) Em 1828 ainda estava em vigor, aqui no Brasil, a “ Lei dos


Morgadios ” a qual mantinha a organisação da aristocracia hereditaria.
Nas sessões legislativas do anno seguinte 1829 descutiu-se uma
Lei abolindo esses “ previlegios de primogenitura e dos vinculos ” , que
havia sido apresentada na legislatura transata ; mas esse projecto cahiu,
continuando ainda em vigor o já caduco direito de morgadio" o
qual , só mais tarde foi abolido no Brasil .
( 16 ) Pedro Taques Historia da Capitania de S. Vicente.
114

das ditas Capitanias de Itamaracá e Santo Amaro. 4.0 D. Jeronyma


de Albuquerque, que casou com D. Antonio de Lima, e foram os 4.os
donatarios das mesmas Capitanias de Itamaracá e Santo Amaro. Des
te casal resultou apenas uma filha – D. Izabel de Lima de Souza e
Miranda, 5.a donataria, a qual, não tendo descendencia, legou
essas oitenta legoas, de Pedro Lopes, a seu primo Lopo de Souza ,
netto de Martim Affonso, como já ficou demonstrado.
Esta Dona Izabel de Lima casou duas vezes : a primeira com
D. Francisco Barreto de Lima e a segunda com D. André de Al
buquerque .

Na terceira phaze deste litigio, quando se tratar da Capitania de


Itanhaen , após a venda da Capitania de Santo Amaro pelo Marquez
de Cascaes ( 1711-1779 ) , diremos então quaes foram os donatarios ,
desta Capitania, descendentes do ramo primogenito de Martim Affonso,
que sustentarão ainda a demanda que, afinal , nunca ficou liquidada de
forma positiva e satisfatoria para os herdeiros do Morgadio de Al
coentre .

Os locotenentes de ambos os donatarios, quer da de Martim Af.


fonso, quer da de Pedro Lopes, nesta primeira phaze do litigio an
davam, nesta época, desorientados, sem saber ao certo qual as divisas
verdadeiras entre as duas doações, porque, como já demonstramos,
não existia então na Camara de São Vicente a cópia do alvará de D.
João III o qual, como já ficou dito, havia sido subtrahido ou quei
mado . Por sua parte, os donatarios de São Vicente pouco ou nada fi
zeram afim de salvaguardarem os seus direitos . A posse da ilha
de Santo Amaro da qual se arrogaram os loco -tenentes de Dona Izabel
Gamboa, no tempo do Ouvidor Gonçallo Affonso e do Capitão
Jorge Ferreira e outros, residentes em S. Vicente, que governavam
em commum as duas Capitanias, tirando proveito de ambas, já
estava afinal, quasi nullificada pelo facto de não terem os donatarios,
nessa ilha, uma povoação para servir de séde á sua Capitania .
Os moradores da ilha de Santo Amaro, devido aos constantes
ataques dos tamoios , nessa época, haviam abandonado suas casas e
lavoura, e tinham vindo morar nas villas de Santos e S. Vicente, ou
imigrado para o lado da Praia-grande, até Itanhaen onde já existia
então uma povoação de Christãos, como relata o allemão Hans Stadem ,
que nessa época, 1552 em diante, estava commandando a fortaleza de
Bertioga .
Nas cartas de sesmaria desse tempo nota -se que os respectivos
loco-tenentes andavam as aparpadelas, sem saber quaes eram as divisas
115

definitivas entre as duas donatarias ; e para melhor segurança, os pro


prietarios de terras, nessa zona litigiosa, e mesmo além, desde a barra
de Bertioga até a barra do Juquerequere, que incontestavelmente
pertencia a Capitania de Santo Amaro, requeriam por cautella,
para que ambos os lóco-tenentes lhes déssem cartas ou as reconheces
sem nas respectivas posses .
“ As sombras da confusão de tal sorte haviam escurecido a luz da .

verdade, que veio a prevalecer outro erro commum , assentando - se


geralmente que, a Martim Affonso pertencia toda a costa desde S.
Thomé até o Rio da Prata !"
Fr. Gaspar, que é quem assim escreve, não nos diz, entretanto,
que Martim Affonso era esse ; se era o donatario da Capitania

de S. Vicente, ou o sobrinho deste, o donatario de Santo Amaro !?


Esse descuido ou esse desprezo dos respectivos donatarios, pelas
suas Capitanias , provinha, é preciso que se note, da decepção
que ambos tinham esperimentado nas “ descobertas de jazidas auri
feras e outros metaes preciosos" nas terras da Capitania de S. Vicente
e Santo Amaro. As pesquizas de Affonso Sardinha e as do proprio
Braz Cubas e outros, nos sertões destas donatarias, pouco ou nada ha
viam produzido ; e isto, junto ao insuccesso e desastre soffrido pela
primeira expedição dos oitenta homens, nos sertões do Paraná, man
dada pelo proprio 1.º donatario Martim Affonso de Souza, havia
sem duvida influido poderosamente no animo já arrefecido, não só
dos respectivos donatarios como dos habitantes testas terras do sul ,
as quaes terras, até então, além da “ escravaria indigena" nada mais
produzia de valor , que fosse digno das suas attenções.
As minas auriferas da Ribeira de Iguape, Cananéa e Paranaguá,
bem como as de Minas Geraes, ainda estavam incognitas para os se
nhores das Capitanias de São Vicente e Santo Amaro. Só no fim do
seculo XVI, é que os escrayisadores do Gentio Carijó, trilhando as
pégadas dos primeiros missionarios ( 17 ) , haviam de desvendar, nes
ses sertões dos Carijós " as primeiras jazidas do precioso e tão cubi.
çado metal ( 18 ) .
E foi, depois que o ouro de lavagem começou a pintar nas igno
tas regiões que , os Senhores feudaes , rezidentes na Metropole Luzi.
tana, começaram a dispertar do “ longo lethargo ”, voltando de novo

( 17 ) Vid. “ A Villa de Paranaguá " , na parte que trata dos


Carijós .
( 18 ) No mappa topographico da Bahia de Paranaguá, mandado
levantar pelo governo da Metropole em fins do seculo XVIII, vem
esta indicação, na ponta austral da mesma Bahia, proximo a Villa de
Antonina : Lugar onde se ertrahio o primeiro ouro no Brasil. ( Vid.
“ Villa de Paranaguá " ) .
- 116

as suas vistas cubiçosas para os invios sertões destas Capitanias do


sul. O encadeamento dos factos que então se desdobram , d'ahi em dian
te, demonstram que, nesse despertar dos animos, foram os Condes de
Monsanto e os Marquezes de Cascaes aquelles que mais se distinguiram ,
na agudez de vista e na perespicacia das acções, como “ prétencos
conquistadores" dessa região até então quasi olvidada .

Antes de abordarmos ao assumpto principal deste Capitulo, de


monstrando como e porque se originou o litigio entre as duas do
natarias , convém , para melhor esclarecl-o, declarar os nomes e os
actos principaes destes donatarios e lóco - tenentes da Capitania de
Santo Amaro, nesta primeira phaze da questão :
Fallecendo Pedro Lopes de Souza em 1542, ficou como substi
tuto no governo de sua capitania seu filho primogenito, chamado tam
bem Pedro Lopes de Souza. Este 2.º donatario, como já foi dito,
falleceu ainda menino, em 1547, sendo substituido nesta data por seu
irmão Martim Affonso de Souza „3.° donatario, que exerceu os seus
direitos até o anno de 1577 .
Além dos lócos-tenentes dos quaes já nos occupamos no capitulo
precedente, que contribuiram com os seus actos illegaes para que se
estabelecesse estas duvidas entre as divisas dessas donatarias, hou
ve ainda outros, neste mesmo priodo, que ainda mais cumplicaram
a questão .
Antonio Rodrigues de Almeida, o substituto de Jorge Ferreira,
como Capitão -Loco -tenente e Ouvidor de Santo Amaro, foi provido
nestes cargos por uma procuração, que D. Izabel de Gamboa, em nome
do dito seu filho Martim Affonso de Souza, fez passar em Lisboa, a 22
de Setembro de 1557 .
Antonio Rodrigues de Almeida concedeu grande numero de datas
de terras, desde 1562 até 1579, conforine se verifica do livro de regis.
tro das Sesmarias , titulo 1562 –, que existe no velho archivo do
Cartorio da Provedoria da Fazenda de S. Paulo , a saber : em 1.6
de Junho de 1562 a Braz Cubas, das terras, em uma ilha deserta cha
mada Mambêrecunā, passando a ilha de S. Sebastião. Em 6 de Maio
de 1566 , a Domingos Garocho, das terras que ficam além de Bertioga,
começando do morro chamado Buriquióca. Em 27 de Abril desse mes .
mo anno ( 1566 ) confirmou a data de terras que Gonçallo Monteiro,
como procurador de D. Izabel de Gamboa, havia concedido a Jorge
Ferreira, na serra do Itutinga. Em 7 de Janeiro de 1577 concedeu a
Manoel Fernandes, além da ilha de São Sebastião, até o rio Corupacé
( Juqueriquere) uma outra sorte de terras. Em 18 de Novembro de
1566 concedeu a Paschoal Fernandes, condesta vel da Fortaleza da Ber.
- 117

tioga uma legoa de terra “ da dita fortaleza pela praia adiante " ( 19 ) .
Em 15 de Dezembro de 1568, concedeu a Manoel Fernandes umas ter.
ras além da Ilha de São Sebastião, da banda da terra firme, antes de
chegar á enseada defronte da Ilha dos Porcos até o rio Corupacé (Ju
queriquere ) .
Como se vê por esta relação, Antonio Rodrigues de Almeida,
como Capitão e Ouvidor das terras de D. Izabel de Gamboa (Capi
tania de Santo Amaro ) , além das terras concedidas dentro do perime
tro da dita Capitania e das que concedeu dentro da doação de Martim
Affonso , para o sul , na ilha de Santo Amaro, como adeante demons
traremos, ultrapassava tambem a sua jurisdicção para o lado do norte,
além da fóz do rio Corupacé, dando cartas de Sesmarias como essa,
que vimos de graphar, concedida a Manoel Fernandes em 1568, a qual
abrangia “ desde a enseada da ilha dos Porcos até a fóz do rio Coru
pace ”.
Ora, essa enseada da ilha dos Porcos, que se acha hoje dentro do
municipio de Ubatuba, está algumas legoas além da fóz do Juqueri
querê, ou Curupacé, que era então o limite septentrional das 10 legoas
da doação de Pedro Lopes, neste littoral, como bem determina o Foral
de D. João III .
Toda essa parte da costa que comprehende hoje o municipio de
Caraguatatuba , e grande parte do de Ubatuba, que incontestavelmente se
achava dentro da Capitania de São Vicente, era então concedida por
Sesmaria, em nome de D. Izabel de Gamboa e de seu filho Martim
Affonso ( sobrinho ) , a Manoel Fernandes, sem que o locotenente da
Capitania de S. Vicente, que nessa época era o Capitão Jorge Fer
reira, fizesse o menor protesto ou objecção ao acto arbitrario de seu
successor Antonio Rodrigues de Almeida .
Ve-se portanto, por estes procedimentos dos Capitães e Ouvidores
de ambas as donatarias, nesta época, que os interesses e os direitos
da Capitania de S. Vicente estavam sendo cavillosamente prejudi
cados , ou desbaratados, por aquelles mesmos que mais deviam esfor
çar-se em defendel -os e amparal -os .
O mais digno de reparo, em tudo isto, é que, o proprio Pedro
Taques , que tão minuciosamente estudou esta questão em seus me
nores detalhes, advogando a Causa dos Condes de Vimieiros, não
tivesse feito a menor annotação ou commentario a estes actos arbi
trarios e as imprevidencias capciosas dos lóco -tenentes dos primeiros
donatarios, Pedro Lopes e Martim Affonso !

( 19) E' esta a primeira concessão determinando a área ou testada.


As demais são omissas neste ponto .
118 –

Além das cartas de datas concedidas, nessa época, por esse Ca


pitão e Ouvidor da Capitania de Santo Amaro, como já ficou dito,
foram ainda passadas pelo mesmo lóco -tenente as datas seguintes : Em
2 de Setembro de 1576 uma sorte de terras a Antonio Gonsalves Quin
tos, na ilha de São Sebastião, no logar chamado Piraquaraçú, etc.
A 20 de Janeiro de 1579, parece-nos que esse Antonio Rodrigues de
Almeida não exercia mais o cargo de Capitão e Ouvidor de “ Santo
Amaro ” , porque a carta de Sesmaria passada nessa época a Simão
Machado “ Além da Bertioga, partindo com terras de Antão Nunes e
Jacome Lopes, já não é assignada por este, mas sim ordenada por
Salvador Corrêa de Sá ( 7 ) como procurador do donatario da Capi
tania de Santo Amaro.
Ao tratar destas concessões de terras na secção das dez legoas
da Capitania de Santo Amaro, diz o historiador Pedro Taques : “ E
porque Antonio Rodrigues de Almeida concedeu algumas terras de
Sesmarias fóra da Capitania de Santo Amaro, dentro da Ilha de Santo
Amaro de Guaibe, que é da Capitania de S. Vicente, disendo e ex
pressando nos seus requerimentos, os concecionarios, que Antonio Ro
drigues de Almeida, sendo Capitão -mór e Ouvidor da Capitania de
Santo Amaro, por D. Izabel de Gamboa, lhes havia concedido terras
que eram da Capitania de S. Vicente, como foram todas as datas
que concedeu dentro da dita ilha de Santo Amaro de Guaibe ; e por
isso tornaram a pedir as mesmas terras aos Capitães-móres lóco-tenen
tes de Martim Affonso de Souza, donatario e senhor da Capitania
de S. Vicente, como expressamente se vê no livro dos registros das
sesmarias Tit. 1602, até 1617, pag. 54" .
Foi nesta época, 1577, quando exercia o cargo de Capitão -mór e

Ouvidor da Capitania de Santo Amaro esse Antonio Rodrigues de Al


meida, que falleceu, em Lisboa, Martim Affonso de Souza ( sobrinho ) ,
filho de D. Izabel de Gamboa ; passando a mesma Capitania para
poder de sua irmã D. Jeronyma de Albuquerque, casada com D.
Antonio de Lima .
Este D. Antonio de Lima, como representante de sua mulher,
traspassou a mesma Capitania para sua filha D. Izabel de Lima, que
esta va , nesse tempo, casada com 0
seu segundo marido André de
Albuquerque. Estes, como 5.º donatarios da Capitania de Santo Amaro,
nomearam seu locotenente o Snr. Lourenço da Veiga ( 21 ) , por uma
procuração passada na Villa de Setubal, em data de 13 de Setembro

(20 ) Salvador Corrêa de Sá éra, nessa época , governador do Rio


de Janeiro .
( 21 ) Lourenço da Veiga foi nessa época Governador Geral do
Brasil ,
- 119
64
de 1577. Eis os termos desse Instrumento : ...Sendo ahi presentes a
Sra. D. Jeronyma de Albuquerque e Souza e elle dito Senhor André
de Albuquerque, fidalgo da Casa d'El-Rei nosso Senhor, e bem assim
a Sra. D. Izabel de Lima de Souza e Miranda , sua mulher, logo pelos
ditos Srs. me foi dito, perante as testemunhas ao diante nomeadas que
por este Instrumento de Procuração faziam e de effeito fizram e or
denaram , por seu serto e sufficiente procurador em tudo bastante e
abundoso, ao Snr. Lourenço da Veiga, fidalgo da Casa de El-Rei nosso
Senhor, e do seu conselho, que óra vae governador do Brasil, o amos
trador da presente procuração ao qual Senhor dão e traspassam todo
o seu comprido poder, mandado geral, e especial, e para substabelecer
outros procuradores, e se cumprir para o que for elles ditos Srs. cons
tituintes, e em seus nomes, possa fazer Capitães em os lugares da ilha
de Santo Amaro e da ilha de São Salvador, ou em quaes quer outros
que parecer ao dito Snr. “ Lourenço da Veiga, que são necessarios,
nas cincoenta legoas de costa que tem nas ditas partes; porque nas
trinta que tem na Ilha de Itamaracá e Parahyba, lhe não dão a dita
procuração, porque já estão providos os officiaes e cargos : e assim
poderá prover em todos os officios da presentação dos ditos Srs. com
tal declaração que as pessoas a quem elle dito Snr. Lourenço da Veiga
provêr, venha ou mandem confirmar por elles ditos Srs. Constituintes,
é bem assim poderá mandar arrecadar todos e quaesquer rendas que
lhe são devidas, e ao diante deverem, por qualquer módo, via ou rezão
que seja, assim de fóros como pensões, dizima e quaesquer outros
direitos que lhes pertençam a elles Srs. Constituintes etc..."
Esta procuração substabeleceu o Governador Geral Lourenço da
Veiga, na cidade da Bahia, a 30 de Janeiro de 1578, em Salvador
Corrêa de Sá, Governador do Rio de Janeiro, o qual, em virtude
desta mesma procuração, concedeu terras na Capitania de Santo Ama
ro, como já ficou referido.
Os herdeiros de Pedro Lopes, donatarios de Santo Amaro e Ita
maracá, como se vê por estas nomeações, souberam sempre captar,
para a sua causa , a sympathia dos homens de grande prestigio :
Outorgavam seus poderes nas pessoas dos proprios Governadores- ge
raes, nomeados pelo Rei ; embora estes Governadores ( que nunca vi
nham a S. Vicente ) , ignorassem completamente as arbitrariedades
que já aqui se comettiam em relação as respectivas divisas entre as
duas donatarias . Os homens de valor que então rezidiam nas villas
de S. Vicente e Santos, já não mereciam a confiança dos ditos do
natarios de Santo Amaro porque, conhecendo os direitos dos her
deiros de Martim Affonso , não se submetteriam mais as imposições
dos seus antagonistas.
- 120

Salvador Corrêa de Sá , que cabava de ser nomeado Governa


dor do Rio de Janeiro sabia bem que essa cidade do Rio de
Janeiro ( ha pouco fundada por Estacio de Sá ) , estava, com toda
a respectiva jurisdicção e termo, dentro da Capitania de S. Vicente,
a cujo donatario elle tinha o dever de submetter-se ; pouca importan
cia porém daria elle ás questões de divisas jurisdiccionaes que então
se agitavam , na sede da Capitania de Martim Affonso de Souza, da
qual elle era subdito, e tanto assim que acceitava a nomeação de
loco-tenente da donataria de Pedro Lopes, a qual d'ahi em diante
vae ficar debaixo de sua tutella e amparo. Nesse mesmo anno de 1578
em que Salvador Corrêa de Sá fóra investido do cargo de Governa
dor da Capitania de Santo Amaro, falleceu em Portugal o 2.º dona
tario da Capitania de S. Vicente Pedro Lopes de Souza, primo
genito de Martim Affonso de Souza, passando então essa Capitania
para seu filho Lopo de Souza, que ficou sendo o 3.º donatario .
Os lóco -tenentes deste 3.° donatario foram Jeronymo Leitão, que
assumiu o governo em 1579 e se manteve no referido cargo até 30
de Março de 1592, e Jorge Corrêa, que serviu até 14 de Março
de 1595 .
Na relação dos governadores da Capitania de São Vicente, nesta
primeira phaze, que vae em outro Capitulo, ver-se-ha quaes foram
os lóco -tenentes de Lopo de Souza até o anno de 1610, quando
este donatario recebeu , em legado ds sua prima D. Izabel de Lima, a
Capitania de Santo Amaro, como esplicaremos adiante .
Durante esse lapso de tempo 1578–1610, os lóco -tenentes de Lo
po de Souza, nada conseguiram em prol dessa questão preliminar ou
desse conflicto de jurisdicção entre as duas capitanias, porque, devido
ao patrocinio dos Governadores-Geraes, a Capitania de Santo Amaro,
apesar de não ter uma povoação siquer onde pudesse arvorar a sua
séde, manteve- se, entretanto , na posse da ilha de Santo Amaro de
Guaimbè.
Achavam - se as cousas neste pé, ou nestas condições, quando uma
circumstancia, sem duvida já prevista, veio embrulhar ainda mais
esta já velha questão entre as duas donatarias .
“ Fallecendo D. Izabel de Lima de Souza e Miranda, donataria da
Capitania das oitenta legoas doadas a seu avô Pedro Lopes de Souza,
sem successão, nomeou a seu primo Lopo de Souza , donatario en
tão da Capitania de S. Vicente, para lhe succeder na doação das oi
tenta legoas de Pedro Lopes de Souza, denominadas Capitania de San
to Amaro". ( Pedro Taques, obra citada )
“Ficaram pois assim concentradas nas mãos de Lopo de Souza,
netto de Martim Affonso de Souza, cento e cincoenta legons conti
nuas de costa maritima, desde Macahé ( Rio de Janeiro) até a La
121

guna ( Santa Catharina ), e mais trinta legoas em Pernambuco, tudo


com os respectivos sertões até as fronteiras dos dominios hespa
nhoes" ( 22 ) .
Essas cento e oitenta legoas de costa , com o immenso sertão,
era , de facto, a maior área de territorio, o maior feudo contido
nas mãos de um simples particular !
Quem diria, pois, que após tantos annos de conflicto o entre as
duas donatarias pela posse de uma pequena ilha de seis a oito le
goas de circunferencia, viésse, afinal, não só a dita ilha mas todo esse
immenso territorio, cahir nas mãos d'esse donatario de S. Vicente ,
netto de Martim Affonso !
E' neste ponto que então se estabelece o verdadeiro litigio entre
as duas Capitanias, isto é, entre os herdeiros de Dona Ignez de Pi
mentel e do 1.0 Conde de Monsanto ( ramo feminino ) e os herdeiros
de Pedro Lopes de Souza, filho primogenito de Martim Affonso de
Souza, 1.º donatario .
O que se tinha dado até então entre as duas donatarias, havia
sido, simplesmente, um conflicto de jurisdicção, porém, o que se

estabeleceu agora é um pleito reenhido e sério sobre a posse de toda


essa donataria de Pedro Lopes, composta de oitenta legoas de costa,
que, em virtude do dito legado, vão ficar em poder de Lopo de
Souza, herdeiro do morgadio de Alcoentre, de Martim Affonso de
Souza .
Eis, como em poucas palavras é, pelo Dr. Antonio de Toledo Piza,
exposto o summario desta questão, na referida “ Memoria " Processo
Vimieiro Monsanto :
“ A esta successão, isto é a
posse dessas oitenta legoas em
que ficou Lopo de Souza, foi que se opôz , primeiramente D. Luiz
de Castro, 2.º Conde de Monsanto, filho de D. Ignez Pimentel e
neto de Martim Affonso de Souza, alegario que a successão neste
Caso não deveria ser pela linha masculina, mas por parentesco e
primogenitura ; que elle Conde de Monsanto, era mais velho de que
seu primo Lopo de Souza e que, como este, era tambem primo-segundo
de D. Izabel de Lima. A elle , portanto, deveriam caber a herança desta
Senhora e a posse das donatarias de Santo Amaro e Itamaracá .
Começada a demanda neste terreno , falleceu Lopo de Souza
sem deixar herdeiros legitimos e na posse de sua herança entrou sua
irmã , D. Mariana de Souza da Guerra, Condessa de Vimieiro. Com
esta continuou a demanda, que passou a seu filho D. Sancho de Faro
e Souza e a seu neto D. Diogo de Faro e Souza, Condes de
Vimieiro .

( 22 ) Dr. Antonio de Toledo Piza O'bra citada.


- 122

Fallecendo este ultimo sem descendencia passaram, a sua herança


e o litigio, a D. Marianna de Faro e Souza, condessa da ilha do
Principe, irmã ( segundo affirma Fr. Gaspar) de D. Diogo de Faro
e Souza .
Com o fallecimento de D. Luiz de Castro, 2.º Conde de Mon
santo , o iniciador da demanda, foi esta continuada por seu filho,
D. Alvaro Pires de Castro e depois por seu neto D. Luiz Alvares de
Castro, que ao seu titulo de Conde de Monsanto juntou o de Marquez
de Cascaes .
Este venceu a questão e ficou senhor das donatarias questiona
das, sendo as duas secções do sul annexadas a Corôa portuguesa, em
1711 , mediante a indemnisação de quarenta mil crusados, que rece
beu o Marques de Cascaes" .
Esta transcripção servirá pois de Summario aos Capitulos se
guintes, nos quaes nos occuparemos ainda desta importante demanda,
especificando os actos mais importantes do litigio que teve por fim
prejudicar os herdeiros da Capitania de S. Vicente, e offerecer en
sejo para que parte desta dita Capitania ficasse então legalmente de
nominada Capitania de Itanhaen .
CAPITULO III

SEGUNDA PHAZE DO LITIGIO

Lopo de Souza como Donatario das 180 legoas. – D.


Alvaro Pires de Castro, Conde de Monsanto, move -lhe
demanda. D. Marianna de Sousa da Guerra, Condessa
de Vimieiro, como successora de seu irmão Lopo de Sou
za . Sentença a favor do Conde de Monsanto, dando
lhe direito sobre as Capitanias de Itamaracá e Santo Ama
ro . Carta Régia de 10 de Abril de 1617, confirmando
essa sentença . Subterfugios do Conde de Monsanto, pa
ra se apossar da Capitania de S. Vicente. Martim Corrêa
de Sá e Pedro Cubas como lóco-tenentes da Condessa .
Manoel Rodrigues de Moraes, Procurador do Conde de
Monsanto. O Governador Gerai, D. Luis de Sousa, or
dena aos Camaristas de S. Vicente que dêm posse ao Con
de, de todas as villas da Capitania de S. Vicente.

A disposição testamentaria de D. Izabel de Lima de Souza e Mi


randa, diz Fr. Gaspar, ultima Donataria da linha de Pedro Lopes de
Souza, seu Avô, deu novo motivo ás confusões antigas ; assim como
foi causa , de outras confusões modernas, o Conde de Monsanto D.
Alvaro Pires de Castro , por se intitular Donatario de São Vicente ,
sem o ser, e não se apellidar, como devia Donatario de Santo Amaro ,
pois era assim que até então tinham feito a descendentes de Pedro
Lopes. Essa desordem produziu o engano em se reputarem da Capi
tania de São Vicente todas as terras que o Conde possuia, sendo
algumas de Santo Amaro.
Morrendo sem descendentes aquella fidalga e vendo extinta a
geração do dito Pedro Lops, dclarou , no seu ‘ testamento , que a Lopo
de Souza, seu primo, Donatario da Capitania de S. Vicente, competia
a successão nas duas Capitanias de Santo Amaro į Itamaracá. De
ambas pois se apossou o dito Lopo de Souza ; e como deste módo
124

ficou elle sendo Donatario de Santo Amaro e S. Vicente e os “ Povos


que ignoravam a causa disso, ficaram entendendo que Lopo de Souza
era senhor de ambas, como herdeiro de Martim Affonso, seu Avô.
Isto porém não obstante, sempre fallavam em Capitania de Santo
Amaro, sem ninguem saber qual éra, onde tinha sua verdadeira po
sição ou séde e de quantas legoas se compunha " .
“ O mencionado Lopo de Souza, sua irmã D. Marianna de Sou
za da Guerra, condessa de Vimieiro e D, Luiz de Castro, Conde de
Monsanto ( continua Fr. Gaspar ) , todos eram netos do dito Martim
Affonso de Souza ; isto porém rão obstante, nunca o Conde intentou
herdar a Capitania de S. Vicente, porque conhecia a preferencia in
contestavel de seus primos, os quaes erão filhos de varão ( Pedro
Lopes de Souza ) , e elle de femea ( D. Ignez de Pimentel; mas oppoz
se á successão das outras Capitanias de Santo Amaro e Itamaracá, e
unicamente sobre estas moveu demanda a Lopo de Souza , com
o fundamento de se acharem os litigantes no mesmo grao de con
sanguinidade a respeito da ultima possuidora e nem um dos dois
trazer a sua origem do Instituidor Pedro Lopes de Souza, e o Conde
ser mais velho do que Lopo de Souza ."
Este disfructou , em sua vida , as Capitanias litigiosas, porque
ainda não estava decidido o pleito ; morrendo porem, sem des
cendentes, a 15 de Outubro de 1610, instituiu sua herdeira e suc
cessora a Condessa de Vimieiro, sua Irmã ” .
Contra, esta Senhora proseguiu a demanda movida pelo Conde
de Monsanto , D. Alvaro Pires de Castro, filho de D. Luiz de Castro,
o primeiro Author que originou o pleito .
Alguns annos depois um dos juizes nomeados por El -Rei para
resolveram a questão, deu a sentença seguinte (23 ) :
“ Visto estes autos, libellos dos Authores o Conde e Condes de
Monsanto, Artigos de habilitaçam, nos quaes por fallecimento do
Conde D. Luiz de Castro se habilitou seu filho D. Alvaro Pires de
Castro, que como mais velho succedeu no Condato e está pronun
ciado, que com elle e a Condessa sua mãy, por ficar em posse e
cabeça do cazal , corresse esta cauza ; contrariedades dos réus habi
litados, por fallecer Lopo de Souza, irmão da Condessa de Vimieiro ;
mais artigos recebidos Dôações e papeis juntos; minha provisão
porque mandei que os Desembargadores do Paço determinassem a
quem pertencia esta Capitania de Itamaracá , breve e summariamente
sem appellaçam nem aggravo . Mostra - se fazer El-Rei D. João III ,
doaçam a Pedro Lopes de Souza de Juizo e herdade, para elle e seus

( 23 ) Archivo da Camara da villa de Guaiana Liv. VIII de Re


gistro a fls . 81 .
- 125

descendentes, ascendentes e transversaes, e bastardos, nam sendo de


damando coito, – de 80 legoas de terras na Costa do Brasil, em a
Capitania de Itamaracá, repartidos pelo módo contendo na dita doa
ção , e por morte de Pedro Lopes de Souza vir a dita Capitania a D.
Jeronyma de Albuquerque sua filha , mulher de D. Antonio de Lima
e por sua morte lhe succeder D. Izabel de Lima sua filha, que faile
ceu sem descendentes. Consta destes Autos que o Conde D. Luiz
de Castro, e Lopo de Souza , fallecidos , e a Condessa de Viinieiro ,
Ré, com a dita D. Izabel de Lima, serem todos primos segundos, por
o dito Pedro Lopes de Souza ser irmão de Martim Affonso de Souza,
avó do Author, e Réo, do qual ficarão dois filhos, convém a saber ,
Pedro Lopes de Souza, que falleceu na jornada de Africa, com El-Rei
D. Sebastião, e D. Ignez de Pimentel, casada com D. Antonio de
Castro, Conde de Monsanto , pai do Conde, Author, originario D.
Luiz de Castro, e Pedro Lopes de Suza , ( fallecido na guerra ) e
ficando Lopes de Souza, Réo originario, fallecido, e a Condessa de
Vimieiro sua irmã, a qual pretende pertencer -lhe a dita Capitania, por
ser da linha masculina, e por seu pay viver por gloria ao tempo, que
D. Izabel de Lima, possuidora da dita capitania falleceu, e além disso
haver a dita D. Izabel nomeado o dito Lopo de Souza seu primo na
dita Capitania. Prova o Author, que de Pedro Lopes de Souza nam
ficou mais que huma filha, de que nasseu D. Izabel de Lima, ultima
possuidora, e a linha de Martim Affonso de Souza nam fazer ao caso,
por elle não haver sido Instituidor do dito Morgado conforme a Or
denação do Reino, nem ser possuidor senam Pedro Lopes de Souza,
seu Irmão, nem morrer em batalha o pay da Ré Condssa , e visto vi
ver por gloria ; porque o Direito commum instituiu isso somente
para escusar das tutorias e outros encargos publicos , e a Ordenaçam
destes Reynos, no Livro II tit. 35 paragrapho 1.º nam instituiu o viver
por gloria senam em cazos entre tios, sobrinhos, cujo pay falleceu na
guerra, e assim succedem em todos os cazos das Sentenças, que se al
legam, nem o haver nomeado D. Izabel a seu Primo Lopo de Souza,
na dita Capitania lhe dá direito algum , por ella fallecer sem filhos : 0
que tudo visto, e a forma da Orientação e mais Autos, e como nesta
cauza nam podem haver lugar taes razõens , em que se fundam os
Réos, e como se prova estarem os Authores originarios em igual gráo,
com a defunta D. Izabel, e bem assim ser o dito Conde de Monsanto
mais velho em idade do que o dito Lopo de Souza, julgo pertencer
a dita Ilha do Itamaracá ao Conde D. Alvaro Pires de Castro habili
tado com os rendimentos da morte de D. Izabel, em diante, dos quaes
haverá a parte, que lhes cabe da Condessa sua may e, outro sy Au
thora ; e condemno aos Réos nas custas dos autos. Lisboa, 20 de
Mayo de 1615..."
- 126

De posse desta sentença, recorreo o dito Conde de Monsanto a


S. Magestade, pedindo carta de confirmação por successão das oi
tenta legoas concedidas a Pedro Lopes de Souza . Esta Carta foi pas
sada em Lisboa a 10 de Abril de 1617 e confirmada, segunda vez, aos
3 de Julho de 1628 .
A Condessa de Vimieiro, emquanto durou este pleito, não requereu
confirmação pela successão das duas Capitanias litigiosas, Santo Ama
ro e Itamaracá, nem mesmo da de São Vicente, da qual ninguem lhe
disputava, e sem controversia lhe pertencia.
Dessa circumstancia, ou dessa imprevidencia originou -se uma anor
malidade que ainda mais prejudicou a cauza da dita Condessa dona
taria. “ Como nem esta nem o Conde de Monsanto tinham Carta de
confirmação das Capitanias de S. Vicente e Santo Amaro, observa
Fr. Gaspar, nem um delles as governou de facto e de direito até o
anno, que depois direi, e todos os Capitães, Ouvidores e Officiaes de
Justiça, éram nomeados por El-Rei, ou pelo Governo Geral , na falta
da Provisão -Regia " .
Esta anormalidade durou até 1624, que foi quando terminou esta
2. phaze do litigio .
Como se vê do texto desta Carta de sentença , dando ganho de
causa ao Conde de Monsanto a questão não ficava claramente re
solvida porque a referida sentença diz que “ julga pertencer a dita
ilha de Itamaracá ao Conde D. Alvaro Pires de Castro " e nada diz,
nada julga sobre a posse das duas secções da Capitania de Santo
Amaro, isto é : das quarenta legoas ao sul da Barra de Cananéa e das
dez legoas intercaladas neste littoral da barra do Juqueriquerê á
barra de Bertioga .
Vamos ver, entretanto, os recursos ou os subterfugios de que se
prevaleceu o Conde de Monsanto para apossar- se não só das oitenta
legoas da doação de Pedro Lopes de Souza como tambem da Capi
tania de São Vicente e das suas quatro villas .
Quando essa sentença final chegou ao Brasil era Capitão -mór de
São Vicente Martim Corrêa de Sá, sujeito de qualificada nobreza
( Fr. Gaspar Memorias) , e pai do General Salvador Corrêa de Sá
Benevides, a quem S. Magestade havia feito Capitão-mor por tres
annos, se tanto durasse a demanda, segundo consta da sua Carta Pa
tente datada de 22 de Fevereiro de 1618 .
Sendo-lhe necessario ir á Cidade do Rio de Janeiro, havia decli
nado do seu cargo na pessoa do Alcaide-mór Pedro Cubas, para que
governasse a Capitania de São Vicente durante a sua ausencia .
A provisão deste substituto foi registrada na Camara de S. Vi.
cente a 20 de Dezembro de 1620 .
- 127

* O Alcaide-mór Pedro Cubas não chegou entretanto a tomar posse


do seu cargo na Camara de S. Vicente, por lh'a ter impedido o Loco
Tenente do Conde de Monsanto, Manoel Rodrigues de Moraes , que
no acto da posse exhibiu, como embargo, uma Procuração do donata
rio D. Alvaro Pires de Castro e Souza. Essa Procuração “ é digna
de ler -se !” exclama o chronista vicentino, " pela inerivel novidade de se
constituir senhor, o dito Conde, não só das oitenta legoas de Pedro
Lopes, que diz lhe haviam sido julgadas, mas tambem da Capitania de
São Vicente, dôada a Martim Affonso de Souza, mandando tomar
posse, em seu proprio nome, das quatro villas que então havia nes
tas partes, sem lhe servir embaraços a evidencia, de que todas ellas
desde o seu principio haviam dado obediencia a Martim Affonso e aos
seus successores, sem contradicção de pessoa alguma.”
A procuração apresentada em Camara pelo dito Loco-tenente é
assim concebida :
“ Saibam quantos este Instrumento virem que, no anno do Nasci
mento de Nosso Senhor Jesus Christo de mil seiscentos e vinte, aos
onze dias do mez de Junho do dito anno em esta villa de Cascaes,
nos Paços do Conde de Monsanto, Senhor desta villa e donatario da
Corôa da Capitania de Itamaracá do Estado do Brasil, e legitimo
successor e possuidor délla, e bem assim da Capitania de São Vicente,
e das 50 legoas de costa na dita Capitania , e de todas as povoações
sitas nellas . Logo pelo dito Senhor foi dito ..... e logo ordenado por
seu Procurador em todo abundozo e bastante .... a Manoel Rodri
gues de Moraes , morador em esta villa de Cascaes, e ao qual disse,
que dava, e outorgava ... poder ..... para que o dito seu Procura
dor .... assim dentro das cincoenta legoas de Costa , e em todas as
povoações, que estam na Capitania de São Vicente, como em todo o
Estado do Brasil, em especial lhe dá poder para , em seu nome do
dito Senhor Conde de Monsanto D. Alvaro Pires de Castro e Souza,
tome posse' da dita povoaçm de S. Vicente, e S. Paulo , e Cananéa , e
Conceição, e todas as mais villas que estiverem pelo sertam, e pela
Costa, dentro das cincoenta legoas de que elle outhorgante hé senhor,
Capitão -mór e Governador, conforme as suas doaçõens e assim po
derá elle dito seu Procurador tomar posse de todas as pertenças de
direito , da Capitania , ou Capitanias que lhe pertencerem e haver, con
forme a sua dita Doaçam, e melhor elle dito seu Procurador a puder
tomar. E havendo contradicção de pessoa alguma, assim no tomar da
posse como em todas as demais couzas pertencentes as ditas povoações,
a elle Conde de Monsanto e aos direitos que nella tem, como Dona
tario da Coroa, lhe dá poder a elle seu Procurador e substabelecidos,
para que em Juizo e fóra delle possa requerer, etc ... Testemunhar ,
que a todo foram presentes, o Capitão Manoel Pestana Pereira, Se
128

cretario do dito Senhor, e Pedro da Motta Leite, criado do dito


Senhor... E eu Domingos Barbosa da Costa, Tabaliam que o escrevy
etc ... " ( Archivo da Camara de S. Vicente . Liv. de Registro que
serviu pelos annos de 1616 fls. 37 yrs. ) .
Além desta Procuração, Manoel Rodrigues de Moraes apresentou
ainda a copia da petição, que na sua passagem pela cidade da Bahia ,
havia feito ao Governador Geral do Estado, D. Luiz de Souza :
“ Diz o Conde de Monsanto D. Alvaro Pires de Castro de Souza,
por seu Procurador bastante Manoel Rodrigues de Moraes, que falle
cendo da vida presente D. Izabel de Lima, sua tia, mulher, que foi
de Francisco Barreto de Lima, houve duvida entre o supplicante e o
Conde de Vimieiro, sobre a succssão das oitenta legoas de terra , que
a dita D. Izabel de Lima tinha neste Estado, como herdeira de
Pedro Lopes de Souza, aquem foram dadas, nas quaes se incluia a Ca
pitania de Itamaracá, e a de São Vicente, e procedendo -se na causa ,
foi dada sentença em favor delle supplicante, que apresenta ; por meio
da qual tomou posse, por seu Procurador, outro sim, da Ilha de Ita
maracá ; e porque óra quer tomar posse tambem da Capitania de S.
Vicente, por lhe pertencer juntamente pela dita sentença que Sua
Magstade tem confirmada, das ditas doações como dellas Consta :
Pede a V. S." que por quanto a dita Capitania de S. Vicente he muito
distante, e as Justiças, que hora são della, por seu particular respei
to, e assim outras pessoas interessadas lhe poderão por algum embargo
ou duvida a dita posse , e havendo de recorrer a esta Relação lhe
fica mui grande trabalho, e se meterá muito tempo por cauza das
monçoens ; e assim lhe mande passar Provisão, para o Capitão e mais
Justiças, e os Officiaes da Camara da dita Capitania de S. Vicente ,
o meterem de posse, vista a dita Sentença e confirmaçam . E Receberá
Mercê " .
Qualquer pessoa, que tivesse assistido na Capitania de S. Vi.
cente, ou lido a sentença mencionada ( pondera ainda Fr. Gaspar ),
desprezaria a supplica de Manoel Rodrigues e reportaria insensata
toda a pessoa que pretendesse empossar esta Capitania ao Conde de
Monsanto , em virtude de uma tal sentença , na qual só lhe foram
julgadas uma parte das oitenta legoas de Pedro Lopes.
Não se conduziu porem desta sorte o Governador Geral, sendo que
na sua pessoa concorriam circunstancias expeciaes, para melhor, do
que ninguem, conhecer a injustiça de tal petição ; pois tinha governado
as Capitanias do Sul por morte de seu pae D. Francisco de Sousa ;
havia morado nas Villas de Santos e S. Paulo, bem como em S.
Vicente e reconhecido portanto que a todas estas Villas goveruava
Lopo de Sousa , neto de Martim Affonso de Sousa , quando elle aqui
assistiu .
- 129

Se teve noticia das contendas passadas, nesse conflicto de ju


risdicção entre os herdeiros de Martim Affonso e os de Pedro Lopes,
tambem havia de saber que —, o unico objecto das duvidas havia sido
a Ilha de Santo Amaro ; porque, até o dia em que o Conde assignou
a Procuração referida, ninguem havia pensado que nas oitenta legoas
de Pedro Lopes estivesse comprehendida a Ilha de S. Vicente, com
suas duas villas, e muito menos se podia imaginar ainda que as villas
de Itanhaen e Cananéa estivessem fazendo parte da Donataria de Santo
Amaro !

Não obstante, deferio D. Luiz de Souza a petição do Procurador


do Conde de Monsanto, mandando por uma Provisão de 5 de No
vembro de 1620, que os Camaristas de S. Vicente e de todas as villas
da dita Capitania, o reconhecessem como Procurador do Conde e lhe
déssem posse, nos termos seguintes : “ Hei por bem e mando , que
apresentando o dito Manoel Rodrigues de Moraes, a Procuração do
dito Conde de Monsanto e assim o traslado da Sentença de que se
trata , o metão logo de posse desta Capitania de São Vicente, e de
tudo o que nella pertencer ao dito Conde D. Alvaro Pires de Castro
de Souza, sem duvida nem embargo algum , fazendo -se Autos da dita
Posse e registrando - se como a dita Sentença nos livros da Camara da
Capitania ; o que assim cumprirão e farão cumprir e guardar intei
ramente como nesta minha Provisão se contém , sob pena de mandar
proceder contra os que o contrario fizerem , como me parecer, etc ..."
Esta Provisão era, como se está vendo, um verdadeiro attentado
que comettia o Governador Geral do Brasil, contra o direito do dona
tario de S. Vicente .
D. Luiz de Souza , de resto, sempre se manifestou adverso á Causa
dos Donatarios de S. Vicente, “ cujos poderes e direitos foram sempre
derrogados e usurpados por elle, Governador Geral” , segundo affir
mam os chronistas desta Capitania .

Para dar entretanto um “ ar de benignidade e tolerancia” ao seu


acto despotico, o governador, em carta particular, aos Camaristas de
S. Vicente , dizia que dessem posse a Manoel Rodrigues de Moraes,
na forma de sua Provisão, mas sem innovarem cousa alguma a res
peito do Governo da terra".
Ao chegar porém ao Rio de Janeiro, na sua viagem da Bahia para
S. Vicente, Manoel Rodrigues de Moraes , intimou logo a Martim
Corrêa de Sá que fizesse desistencia, na sua pessoa, do cargo que oc
cupava, de Capitão -mór de São Vicente. Este fidalgo respondeu-lhe
altivamente : que nada havia que desistir, visto como elle, Martim
de Sá, era representante de Lopo de Souza e não do Conde de Mon
santo ; que mantiria o seu prstigio nas terras dôadas a Martim Af
130

fonso, das quaes o dito Conde, sem titulo algum, pretendia se fazer
Senhor .
Ao chegar a São Vicente, Manoel Rodrigues de Moraes, disto se
queixou amargamente em um Requerimento que dirigiu aos Camaris
tas, aos quaes apresentou a dita Provisão do Governador Geral, pe
dindo que , “ sem demora o apossassem da Capitania de S. Vicente e
da de Santo Amaro, com todas as jurisdicções dellas, e com todas as
cousas a ellas pertencentes, assim e da maneira que Lopo de Souza as
possuia etc."
O facto de não se achar em S. Vicente o Capitão -Mór Governador
Martim Corrêa de Sá e a tibiesa dos Camaristas, em não darem posse
immediatamente ao substituto deste, que era , como já dissemos, o
alcaide-mór Pedro Cubas, fez com que, não só os officiaes do Con
selho, como as demais autoridades se submetessem ás imposições de
Manuel Rodrigues de Moraes .
“ Admirou aos officiaes da Camara a injustiça do despacho do
Governador Geral ; porém temerosos de que D. Luiz executasse a sua
communicação, mandando -os conduzir para a Cidade da Bahia, carre
gados de ferros , onde os opprimisse em masmorras por todo o tempo
do seu Governo, como muitas vezes faziam os Governadores Geraes
aos que deixavam de cumprir as violencias de seus dispotismos,
executaram a ordem, e deram a posse ordenada" ( Fr. Gaspar Me
morias ) . O unico vereador que de alguma forma protestou, decla
rando abaixo de sua assignatura, que respeitava o Direito de S.
Magestade “ ou de quem o tiver”, foi Jorge Corrêa ; os demais sub
metteram-se a tudo .
O auto de posse foi lavrado na Camara de S. Vicente a 11 de
Janeiro de 1621. A 13 do mesmo mez poz-se o cumpra -se na Villa
da Conceição de Itanhaen , no dia 16 na Villa de Santos e no dia 25 do
mesmo mez de Janeiro na Villa de São Paulo .
E assim, com o boneplacito de todas as Camaras, se consummou
esse attentado contra os direitos dos herdeiros de Martim Affonso de
Sousa, na pessoa de sua legitima descendentes, pela linha masculina,
D. Marianna de Souza da Guerra, Condessa de Vimieiro .
CAPITULO IV

O Conde de Monsanto continua na posse da Capita


nia de São Vicente , até 30 de Novembro de 1622 ..
Manoel Rodrigues de Moraes é distituido do governo, sen
do, em seu lugar, empossado Pedro Cubas, por ordem
do Governador Geral. Memoravel Representação, diri
gida ao Conde de Monsanto, pelos Vereadores de S. Vi
cente, - A Condessa de Vimieiro requer, afinal, ao Rei, a
confirmação da Carta de Doação feita a Martim Affonso
em 1535 . João de Moura Fogaça investido do cargo
de Capitão-Mór e Ouvidor da Capitania de São Vicente,
pela Condessa. Diogo de Mendonça, como Governador
Geral, ordena , aos Camaristas de S. Vicente, que dêm pos
se a Fogaça , em nome da Condessa, de toda a Capitania de
S. Vicente.

Os Camaristas de S. Vicente voltando a si, arrependidos, talvez,


do acto de submissão irreflectida que haviam praticado, tentaram rea
gir na esperança de achar um meio de reconsiderar os seus actos, co
mo vamos ver .

Manoel Rodrigues de Moraes, conforme já ficou dito, não con


sentiu, após seu acto de posse, que o Alcaide-Mór Pedro Cubas pres
tasse juramento do cargo de Capitão -Mór Governador de S. Vicente ,
para o qual entretanto já estava nomeado antes da referida posse dada
a Moraes, não obstante terem os officiaes da Camara exhibido a or
dem do Governador Geral dizendo que nada se enovaria quanto ao
govrno da terra.
Os camaristas reluctaram ainda em reconhecer e dar juramento,
como Governador da Capitania, ao dito Cubas visto aquelle não estar
munido da respectiva Provisão. Taes foram porém os subterfugios usa
dos por Manoel Rodrigues que os vereadores de S. Vicente se viram
forçados a reconhecel- o por Capitão -Mór Loco -tenente de seu consti
tuinte o Conde de Monsanto .
132

Este procedimento se apressaram entretanto os ditos vereado


res em communicar a Martim Corrêa de Sá, que por sua vez participou
a D. Luiz de Souza , o qual cahindo em si , reprovou o acto dos ca
maristas de S. Vicente, ordenando que depusessem do governo
da terra ao dito Moraes e obedecessem , como tal , a Martim Cor
rêa de Sá .
Em virtude desta ordem do Governador Geral , os Camaristas de
ram posse a Pedro Cubas, de accordo com a decisão anterior de Mar
tim Corrêa de Sá .
Quando Manoel Rodrigues de Moraes foi intimado para ir ao
Paço do Conselho, fazer publica a sua disistencia, “ aiterou - se de
maneira desabrida ; e não só articulou palavras descomedidas, mas
tambem chegou desembainhar a espada, dardo occasião, com este
excesso, a que os Camaristas formassem um auto contra elle."
Afim de justificarem os seus actos , os ditos vereadores fizeram
uma representação ao Conde de Monsanto e outra ao Governador Ge
ral expondo todo o occorrido .
Essa representação memoravel , pelas verdades que encerra e pe
los esclarecimentos que dá, sobre o objecto do pleito que então se mo
via é, sem duvida , uma peça de grande valor ; pois mostra ainda a
boa fé, a sinceridade e franquesa dos officiaes do Conselho, d'essa
villa de S. Vicente, considerada , até então , como séde da Capita
nia de Martim Affonso de Souza .
Embora longo, não podemos deixar de transcrever esse importante
documento, para o qual chamamos a attenção dos leitores. “ Ao Senhor
Conde de Monsanto .
“ Por Janeiro, em companhia das que escreveu Ma
noel Rodrigues de Moraes, avisando d’esta Camara da
Villa de S. Vicente, como Cabeça desta Capitania, dando
lhe a V. S. os parabens da successão, e o mesmo tornar
mos de novo a fazer por esta, já que pessoalmente o não
podemos fazer com as pessoas .
Juntamente mandamos a V. S. o Auto da posse tras
lado, Foral, e Aviso sobre o regimento de Ouvidor ; adver
tindo demais a V. S. o bem que se poderá alcançar de
El - Rei, em huma Provisão para os negros que de Angola
vieram em esta Capitania, afim se pagarem os direitos
delles em assucares e fazendas da terra , como passou á
Villa do Espirito Santo ; para que vá em mais augmento
a terra, e acudão a ella escravos, pela muita mortandade
que houve do gentio ; pois se impede agora o hil- os buscar
ao Sertão, e não havendo gentio, totalmente se acabará
de perder a terra .
- 133

Agora hé muito necessario dar a V. S. relação lar


ga da disposição da terra , para que esteja informado, e
conforme a isso, ordene V. S. sobre o provimento della,
como lhe parecer de Justiça e bem de sua Fazenda, e do
que se passou nesta Camara com Manoel Rodrigues de
Moraes, depois do Aviso a V. S. , e porque, para fazer, he
necessario sermos nesta mais largos do que queriamos ,
não nos tenha V. S. por enfadonhos, pois convém ao seu
serviço :
Nesta Costa , desde doze legoas do Cabo Frio para
o Norte, até a terra de Santa Anna, ( Santa Catharina )
que está em 28 gráos e meio, segundo o Foral, ha cento
e oitenta legoas, que são de Martim Affonso de Souza e
oitenta de seu irmão Pedro Lopes de Souza, que El-Rei
D. João, que Deus tenha na gloria, lhe deu de juro e her
dade : as oitenta de Pedro Lopes foram as que herdou Lo
po de Souza , da Senhora D. Izabel de Gamboa de Lima ,
que dizem cá algumas pessoas, que he a Capitania de San
to Amaro, em a qual teve Capitão e Ouvidor de per si, e
ha muitos annos, que já nesta Ilha (Capitania de Santo
Amaro ), não ha Villa , nem Justiça, por se despovoar ; e
nesta terra ha huma Villa que esta na bocca da Barra
desta Capitania, que hé a de São Vicente, que dizem foi
povoada por Martim Affonso de Souza ; como foi pri
meira, ficou com o titulo de Cabeça das mais, e della
huma legoa pela bocca da Barra acima , pelo rio, está a
Villa de Santos, em distancia de legoa e meia, por ter
ra. Esta dizem povoada por Braz Cubas , em nome de
Martim Affonso . Em distancia de 12 legoas , pela terra a
dentro , está a villa de S. Paulo , e pela costa , ao sul , dis
tancia de 10 legoas , está a Villa da Conceição de Itanhaen
e, em distancia de 30 legoas, está a Cananéa ; e todas estas
se nomeão Villas da Capitania de S. Vicente , de que
he Capitão Martim Affonso de Souza , depois seus suc
cessores até Lopo de Souza .
“ E dizem , que a Capitania de Santo Amaro não tem
villa nem huma, que hé huma Ilha que o Rio de Santos
faz, hindo por este acima ; e por dentro vae outro rio
fazer outra barra, para banda do norte deste , o que cha
mão Barra de Bertioga, e esta Ilha hé Santo Amaro, que
fica sobre a costa ; tem hoje trez a quatro homens ape
nas que lavrão no sitio e fóra o que há por dentro do
Rio, mas morão na villa de Santos .
134

“ A doação de V. S. diz que he do Rio de Corupacé


até o Rio de S. Vicente, se extenderão dez legoas ; e d'ahi,
da banda do Norte, se porá um padrão, e cortará huma
linha direita pelo rumo de Loéste .
“ Dizem homens pilotos que a Villa de S. Vicente e
a de Santos e a de S. Paulo cahem na demarcação de
V. S. , outros dizem , que não abrange isso ; porque foi
concerto dos dois Irmãos, que tinhão feito que, o que
cada hum povoasse ficasse villa por sua .
“ Manoel Rodrigues de Moraes veio a esta Villa e,
como Cabeça, apresentou a Procuração e a Sentença das
oitenta legoas : 30 em Itamaracá e 50 nesta costa ; e
trouxe huma Provisão do Senhor Governador Geral des
te Estado D. Luiz de Souza, dizendo nella que
se incluia a Capitania de S. Vicente
“ Nós demos posse a V. S.a, na forma do Auto cujo
traslado la mandou a V. S. Manoel Rodrigues de Moraes,
que diz, lhe demos posse de tudo, o que V. S. tiver nestas
Capitanias, assim e da maneira que Lopo de Souza a pos
suia , na conformidade da Sentença e Provisão do Go
vernador, por não haver em nada erro ; porque nós nem
podemos dar mais, nem tirar do que dá S. Magestade a
V. S., e por isso lhe mandamos o Foral para que man
dasse V. S. lá vê isso bem ; por que , se herdou todas as
cento e oitenta legoas peça confirmação, e se não são mais
que oitenta da Capitania de D. Izabel, que he de Santo
Amaro, não ha villa nem huma ; por isso advertimos a V.
S. mande ver isso por Letrados e pedir Provisão para de
marcação, e mandar citar as partes para partilhar, que nós
não somos cá Letrados, nem na terra os há ; porque não
pode V. S. possuir todas as villas que huverem nestas
cento e oitenta legoas, se não fôr tudo seu, porque, todas
as villas se nomeão da Capitania de S. Vicente , e o Go
vernador mandou dar posse de S. Vicente : logo todas as
mais villas obdecem ao Capitão de São Vicente .
“ ... E fazemos lembrança a V. S. que hé muito pre
juizo em huma só pessoa ó cargo de Capitão e de Ou
vidor, pelas insolencias que fazem , e não só em fraude
de sua Capitania sinão desfraude com inquietações ; or
dene V. S. de maneira que não esteja vago, porque a
quelles que se provê nas vagantes, dóe-lhes pouco, sinão
seu proprio interez .
135

“ E sobre tudo faça V. S. o que for servido, que nós


cumpriremos com a nossa obrigação christãmente no avizo
que fazemos pela obrigação de nossos Cargos.
· Desta Capitania, Camara e Villa de São Vicente,
hoje 14 de Junho de 1621. Diogo Vieira Tinoco
Lourenço Galam Antonio de Souza Antonio Vaz
Manoel Lopes." .
A Condessa de Vimieiro logo que teve conhecimento do proce
dimento do Conde de Monsanto e do esbulho de que tinha sido vi
ctima, “ dispertou afinal , diz o historiador vicentino, do lethargo em
que se havia conservado, por tantos annos" e requereu, immediata
mente, a S. Magestade a “ confirmação da Carta de Doação da Ca
pitania de S. Vicente " concedida a Martim Affonso em 1535 , a qual
anno
lhe foi concedida, em Lisboa , aos 22 de Julho desse mesmo
de 1621 .
A 9 de Março de 1622 a mesma Condessa constituiu a João Moura
Fogaça seu Procurador Geral e, a 22 de Outubro desse anno, passou
lhe ainda uma Provisão de Capitão-Mór e Ouvidor das cem legoas
da dita Capitania de S. Vicente .
Fogaça, munido destes poderes, embarcou para o Brasil , no fim
desse anno de 1622 e chegou Bahia, mais ou menos , na occasião
em que havia sido ali empossado no Cargo de Governador Geral do
Brasil D. Diogo de Mendonça Furtado , em substituição de D. Luiz
de Souza, que tinha terminado o seu tempo de Governador. Isto já era
um indicio favoravel para a causa de sua constituinte, da qual D. Luiz
de Souza era adverso , como já ficou dito e provado .
Nesse fim de anno de 1622, era ainda Governador de São Vicente
Martim Corrêa de Sá, por ter Pedro Cubas deixado o exercicio do
cargo no anno anterior. Em substituição a Martim Corrèa de Sá está -
va servindo interinamente, como Capitão -Mór Governador da Capita
nia de São Vicente -- Fernão Vieira Tavares, em virtude de uma Pro
visão concedida a 9 de Abril de 1622, no Rio de Janeiro , pelo mesmo
Corrêa de Sá . O Governador Geral Diogo de Mendonça Furtado ap
provou esta nomeação e levantou a homenagem que em suas mãos ha
via prestado o dito Martim de Sá .
Logo que chegou a S. Vicente o Procurador e Ouvidor da Con
dessa de Vimieiro, Ferrão Vieira oppoz -se tenazmente a lhe entregar
o Governo declarando -se, abertamente, partidario do Conde de Mon
santo e inimigo de João de Moura Fogaça, como adiante se verá .
Fugaça apresentou entretanto em Cainara os seus despachos , e
apesar da grande opposição feita por Fernão Vieira Tavares foi, pe
los Camaristas, empossado em nome da Condessa de Vimieiro, sem que
os direitos contrarios lhe tolhassem a acção ; pois estavam os ditos
136

vereadores “ sempre firmes no systema de observar as ordens e Pro


visões dos Governadores Geraes , e demais ; accrescia ainda a cir
cumstancia de julgarem, elles, que á Condessa, e não ao Conde per
tenciam as quatro villas e as cem legoas ” .
Fernão Vieira Tavares reluctou ainda em submeter -se ao acto dos
vereadores e só, mediante a ordem , expressa , do dito Governador Geral,
que foi exhibida por Fogaça, intimando que lhe entregasse o Go
verno da Capitania é que resolveo ceder .
“ Não suppunha o mencionado Fernão Vieira, observa o chronista
Benedictino, que tão cedo o privariam do Governo da Capitania de
S. Vicente ; e, ou fosse com a esperança de nelle ser confirmado pelo
Conde de Monsanto , ou pela ambição de se conservar no lugar em
quanto durasse o pleito, declarau -se desde o dia da posse de Fogaça,
o fautor do rival da Condessa de Vimieiro, unindo -se a Manoel Ro
drigues de Moraes e tornando-se inimicissimo de Fogaça, pela razão de
ter sido obrigado a entregar -lhe a Capitania -Mór."
“ Este sujeito Fernão Vieira Tavares, escreve Pedro Taques,
éra homem de grande influncia e de reconhecida nobresa, na Corte,
e havia militado na provincia de Alemtejo, passando depois ao Brasil,
com este emprego, por nomeação do Conde de Monsanto e patente
régia . Vendo - se o dito Tavares apeada dos lugares que occupava, com
a posse que tomara a Condessa de Vimieiro , da Capitania de S. Vi
cente. interpoz logo aggravo , por parte de seu constituiente o Conde
de Monsanto , contra os officiaes da Camara da Capitania de S.
Vicente, pela posse que estes tinham dado á Condessa de Vimieiro na
pessoa de seu procurador João de Moura Fogaça, e passou para a
Bahia a tratar destas causas ; e tendo alli feito os seus bons officios
conseguio vir, para São Vicente, provido no cargo de Provedor da
Real Fazenda da mesma Capitania de S. Vicente.”
Veremos, nos capitulos seguintes, as arbitrariedades , os actos des
poticos praticados por este “ Provedor da Real Fazenda", em relação
ao presente litigio entre os donatarios de São Vicente e Santo Amaro.
Fernão Vieira , antes de sua viagem a Bahia , isto é, antes de ser
provida no dito cargo de Provedor , procurou por todos os meios,
tramoias e ameaças , vêr si conseguia repor no Governo da terra o
Procurador e donatario do Conde de Monsanto, Manoel Rodrigues de
Moraes, porém nada conseguio .
João de Moura Fogaça, foi, apesar de todas as ameaças, impossado
solemnemente, no referido cargo de Governador e Ouvidor da Capitania
de São Vicente, em nome de sua constituinte, a Condessa de Vimieiro,
em o dia 30 de Novembro de 1622, sendo esse acto da Camara de São
- 137

Vicente approvado e acceito nas Camaras das villas de Santos, Ita


nhaen e São Paulo, ficando desta sorte, a Condessa de Vimieiro D.
D. Marianna de Souza da Guerra, re - impossada de sua Capitania de
S. Vicente, a qual estivera na posse do Donatario de Santo Amaro
por espaço de vinte e dous mezes e alguns dias."
CAPITULO V
O Governador Geral do Brasil annula o seu acto pelo
qual ordenava a posse de Fogaça. Fernão Vieira Tavares
provido no cargo de Provedor da Real Fasenda, em São
Vicente. Sentença de aggravo proferida pelo Provedor
Mór. Arbitrariedades commettidas pelo Provedor da
Real Fasenda, em beneficio do Conde. As l'illas de S.
Vicente, Santos e São Paulo fazendo parte da Capitania
de Santo Amaro . Protesto de João de Moura Fogaça,
Procurador da Condessa de Vimieiro, sobre o desmem
bramento da Capitania de S. Vicente. A Pédra do Ita
raré servindo de “Marco de divisa", entre as duas Capi
tanias. Considerações sobre esse caviloso alvitre pro
posto pelo Provedor da Real Fazenda . A Ilha do Mudo,
s6
( ou Ilha Porchat ) considerada como * Ilha de São Vic
cente " . Sentença da Relação e Provisão do Governador
Geral , apresentada por Luis do Valle. Recurso inter
posto por Fogaça. Posse dada ao Conde de Monsanto,
na Camara de S. Vicente.

Nada podendo conseguir dos vereadores de São Vicente, que não


quizeram acceitar os embargos propostos por Manoel Rodrigues de
Moraes, quanto á posse dada a Fogaça do Governo da Capitania de
S. Vicente, aggravou , o dito Moraes, para a Relação da Bahia , para
onde fez seguir, como já ficou dito, Fernão Vieira Tavares, afim de
tratar de annular os actos praticados na Camara de S. Vicente , pro
curando convencer o Governador Geral dos direitos que militavam a
favor do seu Constituinte, o Conde de Monsanto .
O dito Governador Geral , como se vae ver, não só deu por nula a
sua Provisão, que mandava empossar João de Moura Fogaça e na qual
ordenava aos Camaristas “ que depusessem do cargo de Capitão -mór
a Fernão Vieira Tavares e reconhecessem como tal ao dito Fogaça ", .
provêu ainda, no referido cargo de Provedor da Real Fazenda, em
139

S. Vicente, o mesmo Fernão Vieira, outhargando-lhe assim amplos


poderes, afim de que a Causa do Conde ficasse “ bem amparada ".
Em visto pois do aggravo proposto por Moraes, o Provedor-Mór
do Estado, sem duvida influenciado pelo Governador Geral, deu
no accordão a sentença, que se vae ler, ( Archivo da Camara de S.
Paulo, livro de Registro, titulo 1623. )
" Accordei tec , E' aggravado o aggravante D. Alvaro Pires de
Castro e Souza, Conde de Monsanto , pelos officiaes da Camara de S.
Vicente, em o esbulharem da posse que lhe deram de cincoenta legoas
de terras, depois de estar nella empossado por tempo de um anno e
dez mezes o seu bastante procurador Manoel Rodrigues de Moraes, ao
qual foi dada pacificamente por virtude da Sentença que se deu a favor
do aggravante, na conformidade de uma doação de oitenta legoas de
terra antigamente concedidas a Pedro Lopes de Souza, bisavô do aggra
vante, e carta de confirmação que outro sim lhe foi passada, pela qual
se manda aos Juizes e Vereadores, officiaes do conselho, pessoas da
Governança e povo, das terras e povoações dos lugares que nas ditas
oitenta legoas de terra houver, the impossem dellas em seu certo
procurador, e lhe deixem ter, logar e possuir, havendo - o por Capitão
d'ellas de Juro e herdade, assim como foram dadas a Pedro Lopes de
Souza, a quem o aggravante succedeu ; provindo em seu aggravo visto
os autos ; e como se mostra que os ditos officiaes deram posse ao
procurador do aggravante, não só das cincoenta leguas de terra que
pertencem á data das oitenta leguas de que foi donatario Pedro Lopes
de Sousa, mas tambem lhe deram das cem leguas que foram concedidas,
por El-Rei D. João 3.º a Martim Affonso de Sousa, (24) não fazend )
demarcações e medições na forma de sentença do Supremo Senado,
que julgou as oitenta leguas de terra do aggravante Conde de Monsanto ,
e que manda lhe dem posse d'ellas pelos rumos declarados na doação,
o que tudo não fizeram os officiaes da Camara de S. l'icente antes
com grande confusão e prejuizos das partes deram posse ao aggravante
das suas cincoenta legoas de terra e das ditas com leguas que lhe não
pertenciam , que estão todas mistiças e sem divisão ( 25 ) e logo de uma

(24 ) “ Feriu o ponto o Provedor Mór ! ( exclama Pedro Taques )


no qual cahiram os moradores e Camaristas de S. Vicente, dando posse
ao Conde de Monsanto da Capitania de S. Vicente; devendo somente
ser de cincoenta leguas comprehendidas, confrontadas e demarcadas
na doação de Pedro Lopes ' ; deram-lhe afinal todas as cem legoas,
inclusive todas as povoações de Martim Affonso de Souza, quando, na
doação de Pedro Lopes, não existia então povoação alguma.
( 25 ) Não éram os vereadores de S. Vicente que haviam con
fundido essas divisas, mas sim os Procuradores do Conde e o proprio
Governador Geral na Provisão em que ordenou que “ os vereadores
- 140
e de outra desapossaram sem ouvirem nem defenderem aos requerimen
tos que lhes fez o procurador do aggravante , Manoel Rodrigues de
Moraes, e deram posse d'ella, a João de Moura Fogaça, Procurador da
Condessa de Vimieiro D. Marianna de Souza da Guerra ; no que,
outro sim, não hão procedido com menos confusão e prejuizo ; e com
o mais que dos Autos consta, mando que o Provedor da Fazenda da
Capitania de S. Vicente, com quatro ou cinco pilotos, e mais homens
que lhe parecer, que bem entendam , todos juramntados, demarquem e
meçam as cincoenta legoas de terra que naquellas partes foram dadas
a Pedro Lopes de Souza , pondo os padrões no lugar assignalados pela
doação que lhe foi feito, e lançando as linhas pelos rumos declarados
nella , sem se desviarem d'ellas ; achando - se, pelos padrões e linhas
que lançaram na forma da doação, que dentro das cincoenta legoas de
terra ficam as villas de São Vicente de Santos, de São Paulo e.
outras algumas , seja restituido á posse de todas ellas ao Aggravante D.
Alvaro Pires de Castro, Conde de Monsanto ( 26 ) em seu certo Pro
curador, e lhe deixem ter lugar e possuir, havendo - o por Capitão e
Governador das ditas Villas, na conformidade da doação, sentença e
carta de confirmação ; e juntamente , o restituam a todas aquellas causas
que por respeito das ditas cincoenta legoas assim medidas e demarcadas
lhe pertencem , sem embargo de quasquer embargos a que venha a sua
restituição, posto que nellas se deduza dominia e posse de embargante.
Bahia - 8 de Novembro de 1623 _ ” ( O rgistro diz em nota que o
presente Accordão não tem o nome de Provedor Mór que o proferio )
Parece -nos entretanto que foi Sebastião Paes de Brito. Neste meio
tempo chegava tambem a Bahia, vindo de Portugal , Alvaro Luiz do
Valle , a quem o Conde de Monsanto acabava de constituir seu Loco
tenente e Ouvidor “ da Capitania de S. Vicente " , sem já se lembrar da
Capitania de Santo Amaro, a qual , por má fé, ou malicia comessa ,
desta data em deante a não ser mais designada por esse nome.
“ Este criado e procurador do Conde, diz Fr. Gaspar da Madre de
Deus , foi quem solicitou a causa do aggravo, e ella foi sentenciada , na
Relação."

dessem de tudo posse ao Conde de Monsanto " , conforme já ficou


demonstrado. A representação dos Camaristas Vicentinos, dirigida ao
Conde de Monsanto é ainda uma prova da sua boa fé e criterio 110
que dizia respeito aos direitos dos herdeiros de Martim Affonso e a
as arbitrariedades dos Procuradores do dito Conde de Monsanto .
( 26 ) Era este o ponto principal, com o qual os vereadores de S.
Vicente não podiam nem deviam concordar, porque sabiam que essas
villas e povoações estavam fazendo parte da Capitania de Martim
Afforso e não da de Pedro Lopes, na qual não havia villa de especie
alguma .
141

Este Aggravo e sentença é o que já ficou transcripto .


Com a dita sentença bem se podia ter harmonisado tudo e feito
um accordo entre as partes, sobre taes duvidas ; porém, nada disso se
praticou e, ao contrario, como bem observa o dito chronista : essa

sentença deu origem a maiores contendas pela malicia com que foi exe
cutada pelo Provedor da Real Fazenda, Fernão Vieira Tavares."
“ Este Fernão Vieira Tavares, Provedor da Fazenda Real na
Capitania de S. Vicente, escreve tambem Pedro Taques foi o Juiz
executor desta sentença ; parece que ainda occupado da dôr que sentia
de ter sido apeado do cargo de Capitão -mór Govrnador e Alcaide da
Capitania de S. Vicente, pela donataria, a Condessa de Vimieiro,
obrou como veremos, esquecendo-se totalmente do santo temor de Deus
e com a consciencia estragada, praticou tão despoticamente, que - roubou
á Condessa donataria a sua Capital Villa de S. Vicente, a de Santos
e a de S. Paulo , e com estas todas as mais villas do centro de S.
Paulo !"
Diz ainda Pedro Taques que os autos da demarcação que, em cum
primento desta sentença do Provedor-mór do Estado, se deveria ter
executado, não existiam mais no Cartorio da Provedoria da mesma
Fazenda, quando elle ali deu busca, e que nem por meio de uma
Petição pode obter tal documento, dando assim a entender que esses
papeis haviam desapparecido ou lhe éram sonegados ou que tal
demarcação não se effectuou , conforme ordenava a sentença .
“ Estas conjecturas se apadrinha, acrescenta entretanto o historia
dor, da certeza de existir no archivo da Camara da villa de S. Vicente
uns autos entre partes , ( do Conde de Monsanto e da Condessa de
Vimieiro ) , e nelles se acha uma certidão dos officiaes da Camara da
mesma villa . "
E' do teor seguinte o precioso documento da Camara de S. Vicente
aludido por Pedro Taques :
“ Certidão dos officiaes da Camara da Villa de São Vicente, sobre
o procedimento que teve o Procurador da Fazenda Fernão Vieira
Tavares, para metter de posse desta Villa e outras, ao Conde de
Monsanto, e repelir d'ellas a Condessa de Vimieiro :
Os officiaes da Camara desta Villa de S. Vicente abaixo
assignados, sertificamos como aos 29 dias do mez de Janeiro de
1624, indo o provedor da Fazenda de Sua Magestade Fernão
Vieira Tavares, metter um padrão no rio desta villa , por virtude de
uma sentença da Relação deste Estado, indo em sua companhia o
Capitão-mór Ouvidor, que no presente servia, João de Moura Fogaça,
outro sim, procurador da Condessa de Vimieiro, D. Marianna de Souza
da Guerra, entre os quaes dito provedor da Fazenda e o Capitão Mór
Ouvidor, houve algumas palavras de differença , antes que partissem
142

desta Villa ao dito effeito, ao que nós, ditos officiaes, por bem da paz
e da quietação accudimos, e fomos em pessoa para evitar algumas di
sençõens que se presumia poder haver no lugar do dito padrão : e
chegando nós todos ao lugar pelo dito Provedor, deputado para isso,
se foi o dito Provedor a um penedo que está na agua salgada, junto
da terra, da banda desta V'illa, e mandou aos pilotos, que consigo levava,
tomar o rumo pela agulha, para saber onde havia de fixar o dito
padrão, ao que elles satisfizeram . O dito Provedor, em virtude disto,
mandou botar fóra da canoa onde ia, uma pedra que já levava prepa
rada para marco ; e, a este tempo, accudiu logo o dito Capitão Mór e
Ouvidor João de Moura Fogaça, em altas vozes , como Procurador da
dita Condessa de Vimeiro, dizendo- lhe e fazendo - lhe requerimentos
que não pozesse o dito marco n’aquelle lugar: porquanto as des legoas
de que sua Magestade davo ao Conde de Monsanto, desde o Rio Coru
pacé até o Rio de São Vicente, se acabavam , largamente, da banda do
Norte do dito Rio, na outra bocca e barra de São l'icente, que por
outro nome chama-se Bertioga : E que, do Rio Corupacé até aquelle
braço da banda do Sul, rio ou barra onde mettiamo marco, eram
quinze legoas, e que assim o perguntassem aos Pilotos que com sigo
trazia o Provedor , ( que eram quatro ) ; e que protestava, com os seus
ditos, de não consentir que o dito Provedor, coma seu inimigo, The
metesse ali marco, e que só medindo as dez legoas, na forma da Sen
tença da Relação deste Estado, donde ellas acabayam, no braço do dito
Rio da banda do Norte ( Bertioga ) , o pozesse; porque queria obdecer
á Justiça e não podia consentir em nada de que se estava fazendo,
porque tinha vindo com embargos a execução ; porém que naquella
paragem não queria consentir em tal marco ; e aos ditos requerimentos
o dito Provedor respondeu que elle não éra seu inimigo, mas que
dava cumprimento ao que Sua Magestade lhe mandava . E pondo pena
ao dito Capitão Mór Ouvidor de “quinhentos cruzados e dois annos
de degredo para Africa ” , não lhe perturbasse a deligencia que lhe
éra comettida, e mandou seu Escrivão tomasse todos os requerimentos
que o Capitão Ouvidor lhe tinha feito : e insistindo o dito Capitão
Ouvidor para que não fixasse o marco no dito logar, o dito Provedor
nomeou e houve em lugar de padrão e marco " O Penedo atras dito ” ,
que fixo estava na agua salgada. Ao que accudio logo Domingos de
Freitas, que diziam ser Procurador da Condessa de Vimieiro, gri
tando e appellando a que Del -Rei ! deitando tres pedras sobre o dito
marco ( Penedo ) e que lhe accudlssem sobre a injustiça e força que lhe
fasia o Provedor, por ser inimigo de sua Constituinte, a dita Condessa
de Vimieiro, pois com o poder de seu Cargo, elle Provedor, The toma
vam cinco ou seis legoas de terra, dando -as ao Conde de Monsanto, e
que o dito Provedor não corresse mais com a tal obra por diante ; e
- 143

que nós requeria tambem , como vereadores, visto o Procurador não


querer ouvir-nos, e como Juizes e Camara desta Villa, só a elle Pro
vedor ouvissemos : ao que lhe respondemos que não nos tocava, naquelle
acto, mais do que pol-os em paz, e que não houvesse disensões, o que
assim desejavamos da parte de Deus e de sua Magestade .
Requereu mais o dito Capitão-Mór Ouvidor que fizesse-mos per
guntar aos ditos pilotos que estavam presentes, para que, debaixo de
juramento que tinhão recebido, declarassem as legoas que haviam do
Rio Curupacé até aquelle em que se punha , ou estava o marco ; e
ouvimos em altas voces, diserem os ditos pilotos que eram quinse le
goas ; e que sem embargo de tudo, o dito Provedor houve por mettido
o marco no lugar em que dito temos, marcando dali a terra para o
Sertão, sem dahi do marco deitar linha alguma. Isto é o que se passou ,
na verdade ; e por nos ser pedido a presente, a mandamos passar, e
lida a assignamos, e vai sellada com o sello que nesta Camara serve,
em os cinco dias do mez de Fevereiro de mil seis centos e vinte e
quatro annos, a qual Certidão eu Tabellião do Publico e Judicial fiz
escrever em ausencia do Escrivão da Camara e do Conteudo desta
Certidão dou fé e assigno do meu signal raso que tal é hoje 5 de Feve
reiro de 1624 annos. O Tabellião Gaspar de Medeiros Pedro Vieira
Tinoco vereador. Pedro Gonçalves vereador. Salvador do
Vale vereador. João da Costa Juiz. Gonsalo Ribeiro
Procurador . Lugar do sello. - "
Diz o documento da Camara de São Vicente, que acabamos de
transcrever, que, os representantes do Conde de Monsanto fixaram e
determinaram o limite no Rio de São Vicente da banda do norte sem
d'ali do marco deitar linha alguma para o sertão . De facto : daquele
ponto, “ ou daquelle marco " conforme se verifica do mappa que
em seguida estampamos nem o rumo de L'Oeste, nem o rumo de
Suéste a Noroeste poderia satisfazer aos representantes do conde de
Monsanto, cujo intuito principal era apoderar - se da ilha de São
Vicente com as duas Villas e bem assim as duas outras fundadas no
sertão – S. Paulo e Mogy das Cruzes ,
Se quisessem optar pelo rumo a l'Oeste - conforme a letra do
" Foral de D. João III” , todas essas villas, mesmo a de S. Vicente e
Santos, ficariam fóra da Area limitada por essas duas linhas uma

da barra do Juquryqurê e outra da barra do norte do rio de S. Vi


cente. Si optassem pelo rumo do sertão Suéste Noroeste a villa
de S. Paulo e mesmo a de S. Vicente ficariam tambem fóra da referida
área, E foi por isso que, do tal marco, não se deitou rumo algum,
Como, entretanto, os rumos de divisas" eram necessarios para
ambos os litigantes, se estabeleceu depois o rumo diffinitivo, que
" partindo da referida “ pedra de Março ” seguisse pelo rio ( ou laga
144

mar ) até o Marco da Pedra do Judeu, na fóz do Rio Branco ou


Boturóca, e d'ali para o sertão, em rumo de Suéste a Noroeste, como
indica o mappa referido .
As linhas ou rumos estabelecidos pelo Foral-régio - a l'Oeste,
tirada da fóz do Juquryqurê e da bocca da Barra do rio de São
Vicente demarcaria apenas uma estreita faixa, em consequencia da
obliquidade de taes linhas, em relação ao rumo da costa, que é
Nordéste a Suéste - Esta linha ou rumo a l'Oeste si fosse
estabelecida - resvalaria pelo littoral, e nesse caso , só a villa de
Itanhaen ficaria dentro da estreita faixa da Capitania de Santo Amaro.

Eis -nos enfim, chegados ao ponto Capital desta escandalosa de


manda .
Já dissemos atraz, quando tratamos das questões preliminares que
deram origem a este pleito, na “ primeira phaze do litigio ”, que — a
posse ou a usurpação, d'essa ilha de Santo Amaro, pelos herdeiros de
Pedro Lopes de Souza, havia de accarretar, forçosamente, para os
herdeiros de Martim Affonso de Sousa, o desmembramento dessa
outra Ilha de Ingáguaçú, onde estavam situadas as duas villas, de
São Vicente e Santos, bem como todo o sertão do interior compre
hendendo as villas de S. Paulo, Parnahyba e as demais povoações do
planalto da serra Paranapiacaba .
Era, sobre tudo, dessa famosa villa de São Paulo que os Senhores
de Monsanto e de Cascaes se empenhavam mais em apossar-se, afim de
fazerem d'ella a séde da sua Capitania, já no intuito e na esperança de
que, seria d'esse ponto que se haveriam de irradiar as * " linhas dos
roteiros” , na conquista das brenhas que ainda occultavam as tão cobi
çadas minas de pedras e metaes preciosos.
Na agúdez de suas vistas e na argucia de suas acções, capciosamente
calculadas, os Condes de Monsanto bem conheciam o valor que para
a sua phantastica Capitania de Santo Amaro, (a qual não possuia si
quer uma povoação ) viria trazer essa “Ilha de São Vicente " com as
duas sitadas villas, e com um porto de mar magnifico ; bem assim,
a outra villa de São Paulo de Piratininga, já tão famosa, situada
a margem do não menos celebre rio Anhemby então conhecido por
Tieté, o qual , como já dissemos, “ por uma singularidade notavel
corre as suas aguas do mar para o sertão ” , como que induzindo e
66
attrahindo os aventureiros para as entradas certanejas " !
O precioso e vil metal dava já, nesse tempo, indicio de sua appa
rição, em diversos pontos da Capitania de Martim Affonso, e á Villa
de São Paulo iria em breve fazer parte da chimerica Capitania de
Santo Amaro, que passará então para os annaes da nossa historia
145

paulista , com o titulo official de Capitania de São Vicente, como vêre


mos adeante .
Afim de fazer prevalecer os incontestaveis direitos, sobre a tal
Ilha de Santo Amaro, que a desidia de seus antepassados havião dei
a
xado cahir em poder dos herdeiros de Pedro Lopes de Souza,
Condessa de Vimieiro, um tanto tarde, acordava em fim do “ seu longo
lethargo " .
A influencia porém desta Senhora , na Côrte luzitana, não éra,
como estamos vendo, tão bem acatada como as que ali dispunham os
seus antagonistas, cujos bons officios haviam sido sempre melhor
reconhecido, nas decisões dos Magistrados, Governadores e mesmo
nas do proprio monarcha .
Não obstante a actividade do seu Procurador e lóco -tenente João
de Moura Fogaça e a bôa vontade dos vereadores de São Vicente em
reconhecerem os direitos indiscutiveis da Condessa de Vimieiro, não só
sobre a referida Ilha de Santo Amaro como tambem na de São Vi.
cente onde se achavam as respectivas villas, nada conseguiram ; -- e a
Condessa tinha de ser, ainda uma vez, esbulhada dessa parte da Capi
tania de São Vicente, sem que os appelos e aggravos de seu Pro
curador fossem ouvidos e attendidos !
A posse da Ilha de Santo Amaro, a qual , devido a desidia dos
primeiros lóco-tenente de Martim Affonso e da propria Condessa de
Vimieiro, se achava, de ha muito, incluida na Capitania de Pedro Lo
pes, dava direito, de alguma sorte, a que os donatarios desta secção
da Capitania de Santo Amaro, se apossassem tambem da Ilha de São
Vicente qu elhe ficava nos fundos .
A divisa da Ilha de Santo Amaro éra , para os lados do Sul, como
já ficou explicado, a barra do meio ou “ Barra Grande de Santos" .
Essa divisa porem não satisfazia agora os desejos e planos do pro
curador do Conde de Monsanto, porque tirando d'ahi desse ponto um
rumo de sertão a l'oeste só uma pequena parte da cubicada Ilha,
incluindo nella apenas a Villa de Santos, é que ficaria dentro da Capi.
tania do Conde ; pois o resto da Ilha em que se achava a Villa de S.
Vicente estaria fóra da linha divisoria .
Isto, absolutamente, não convinha aos planos do Conde, cujo in
tuito, como se está vendo, éra “ apossar -se de todas as villas e povoa
ções contidas na dita Ilha e nos seus fundos , abrangendo principal
mente as villas de S. Vicente e S. Paulo " .
Para isso conseguir é que dito Conde teve a habilidade de lançar
mão do famigerado “ Provedor da Real Fazenda Fernão Vieira
Tavares, nomeado addréde para o Caso, afim de que dispuzesse as
cousas da maneira por que já ficou narrada nessa lucida Certidão pas.
sada pelos vereadores de S. Vicente.
146

Não convindo pois a divisa das duas Capitanias, nem por essa
barra da Bertioga, nem pela barra do meio, denominada “ Barra Gran
de de Santos" , Fernão Vieira, de accordo com Manoel Rodrigues de
Moraes, lembrou -se então de um " alvitre feliz " que bem demonstra a
argucia sagaz deste deffensor dos direitos e dos planos do Conde de
Monsanto , como se vae ver .
O Fôral de D. João III , como já temos demonstrado, dizia que a
divisa entre os donatarios de Martim Affonso e de seu irmão Pedro
Lopes, seria “ a Barra do Norte do rio de S. Vicente " isto é o braço de
mar que vae fazer barra na Bertioga . Outros documentos antigos,
tratando dessa divisa, dizem tambem que o ponto , onde se deveriam
por os marcos, era a “ Barra do Norte da Ilha de S. Vicente ” , porque,
na verdade, o lagamar que cerca a referida Ilha de S. Vicente ou
Ilha de Ingáguaçú ” forma um delta com tres barras, ou tres sahidas .
Prevalecendo-se dessa circunstancia ou dessa confusão, - em não
terem os ditos donatarios entrado em um accordo definitivo sobre
qualquer um desses pontos (ou da Barra de Bertioga , ou da Barra
Grande de Santos ), para limitarem suas posses , o Provedor da
Real Fazenda, Fernão Vieira Tavares lembrou-se então deste novo e
ardiloso alvitre :
Existe, como todos sabem , na bocca da Barra de São Vicente um
outeiro, ou pininsula conhecida actualmente pelo nome de Ilha Porchat.
Diz Fr. Gaspar da Madre de Deus, ao tratar deste ponto da questão,
que esse Outeiro, ou Pininsula era antigamente conhecida por İlha
do Mudo, e tambem por Ilha de São Vicente .
A referida ilha foi tambem denominada, na época do povoamento,
Ilha do Sól, pois é por esse nome que Pedro Lopes de Souza á deno
mina no seu Diario " , como já referimos quando tratamos da “ Fun
dação da Villa de S. Vicente " .
Actualmente esse Outeiro ou Ilha do Mudo é apenas uma pininsula,
pois só fica cercada d'agua nas grandes marés do Equinoxio ou em
tempos anormaes em que o mar innunda aquella parte da praia ; não
obstante, essa pininsula é ainda hoje conhecida por liha Porchat,
nome esse que lhe deram os actuaes proprietarios.
Nas evoluções das areias e syrtes que margeiam e formão o alvéo
da fóz da dita Barra de S. Vicente, produzidas por “ phenomenos mari
timos ” de escavações repentinas, que insolitamente se repetem até hoje,
como temos demonstrado em outro Capitulo, esse outeiro tem
sido alternativamente até o presenteilha e peninsula .
Pelo mappa topographico levantado por ordem do Governo por
tuguez no fim do seculo 18.', o qual vae reproduzido neste Capitulo ,
vê-se que, nessa época, a Barra de São Vicente tinha duas sahidas. –
147

uma ao norte e outra ao sul , e que o referido Outeiro éra de facto


uma ilha .
Sem duvida, na época em que esta questão de divisas entre os
dous donatarios estava sendo discutida, isto é, em 1624, a fóz do São
Vicente havia passado por uma dessas phazes alternativas, e a barra se
achava então dividida em duas .
D'essa circunstancia, ou desse méro accidente, soube aproveitar-se
o Provedor Fernão Vieira Tavares para sophismar que a Ilha de
São Vicente, da qual trata o Foral de D. João, III , era esse Outeiro,
tambem conhecido por Ilha do Mudo, ou Ilha do Sól, e que a barra
do norte, onde se deveria pôr o marco divisorio, não éra, e nem
podia ser, a Barra da Bertioga, nem a Barra Grande de Santos, mas
sim “ esse canal ao norte da Ilha do Mudo, porque a dita ilha éra tam
bem conhecida por Ilha de S. Vicente ” .
Baseado pois neste falso raciocinio, segundo se vê da Certidão dos
Camaristas de S. Vicente, já transcripto, Fernão Vieira Tavares, foi,
em diligencia, a praia do Itararé e, tomando ali uma canoa, dirigiu-se
66

com os pilotos e mais commitiva a um penedo, que fixo estava na


agua salgada" e determinou que esse “ penedo " fosse o marco
divisorio entre as duas Capitanias, porque essa pedra, que surgia
d'agua, estava justamente na bocca da Barra do Norte, da Ilha de
São Vicente !... ”
Esta pedra, ou esse penedo que fixo estava na agua salgada, na
bocca da Barra do Norte, da Ilha de São Vicente, ou Ilha do Mudo , é,
nem mais nem menos , a pédra denominada hoje Itararé, que está
na parte do mar comprehendida entre a dita Ilha Porchat, ( ou Ilha do
Mudo ) e a pequena ilhota do José Menino, conhecida por Ilha de
Urubuquicaba.
Esta rocha fica de facto, como se verificará do mappá , bem
em frente, da bocca da aludida Barra do Norte, que deveria, quando
estivesse aberta, comprehender a parte do pequeno isthmo de areias
cnide hoje é a praia da Bella -Vista, no Itararé .
Foi pois, ahi, sobre essa pedra do Itararé, ainda hoje lavada e
fustigada pelos embates das ondas, que se consumou , a 29 de Janeiro
de 1624, o grave attentado esbulhando da posse e direito que
tinham , até então, sobre essa região, os herdeiros de Martim Affonso
de Sousa ! ...
Fernão Vieira Tavares e Manoel Rodrigues de Moraes, como
representantes, em S. Vicente, do Conde de Monsanto, poderiam , -

pelas faculdades, recursos e apoio que tinham dos poderes publicos


ter engendrado uma outra solução mais vantajosa, afim de resolverem
esta questão de divisas , uma vez que a posse da liha de Santo Amaro
Ihes estava garantida e a divisa pela Barra Grande não satisfazia mais
148

os seus planos, pois, como já ficou dito, não abrangia toda a


Ilha de S. Vicente, poderiam , nesse caso estabelecer as divisas, não
pela Barra Grande mas sim pela Ponta Groça, isto é, pela parte
mais austral da dita Ilha de Santo Amaro, pois que assim sendo não
só a villa e a Ilha de São Vicente lhes ficaria pertencendo, mas tam
bem todo o lagamar desse nome que fica a sud'oeste da mesma Ilha.
O Provedor da Real Fazenda, Fernão Vieira Tavares, preferia
entretanto optar pelas ditas divisas " ao norte da Ilha de São Vicente ”,
porque, neste caso, com sophismoso alvitre, elle apparentava
cumprir, “ ao pé da letra ” , a determinação do Foral de D. João III O
qual dizia que as taes divisas, entre os dois donatarios, seriam “ pelo
Rio de São Vicente, braço da banda do norte " . ( 27 ) E ainda
mais : com esta divisa pelo “ braço da banda do Norte " , do Rio
de São Vicente, como determinava o Regio Foral , elle, Provedor
da Real Fazenda, ainda deixava para os seus adversarios, os her
deiros de Martim Affonso, " toda a Ilha de São Vicente " .
Como se está vendo este acto seria o cumulo da generosidade do
tal Provedor, se não fosse o auge, o requinte da mais referida e dolosa
malicia ! ...
Essa Ilha de São Vicente que Fernão Vieira deixava intacta, a
João de Moura Fogaça, Capitão-Mór & Ouvidor da Capitania de Mar
tim Affonso de Souza éra, simplesmente, o Outeiro da Ilha do Mu
do, ou Ilha do Sól a qual o povo dá ainda hoje o titulo de " Ilha
Porchat " ! ...
O Provedor Fernão Vieira bem sabia que aquellas terras de S.
Vicente pertenciam aos herdeiros de Martim Affonso e que a secção

( 27 ) “ Os Camaristas não explicam, diz ingenuamente Fr. Gas


par, qual seja o penedo que ficou servindo de Marco de divisa por
determinação do Provedor, nem hoje ha quem nos possa dar esta no
ticia . ( ! ) Contudo nos Autos desta demanda vem uma resposta de
Alvaro Luiz do Valle, a qual supre bastantemente aquella omissão.
Diz ella : “ Respondendo a citação que me fez, como Procurador do
Conde de Monsanto, Donatario da Capitania, digo, que por parte do
dito Conde se requereu a Justiça e se mostrara, que o Procurador da
Fazenda Real de S. Magestade pôz o Padrão no Rio de S. Vicente,
e na parte e lugar, onde diz a doação do Conde e da Condessa ; por
que ellas ambas dizem huma e mesma couza, que hé no Rio de
São Vicente, na parte do norte e diz a da Condessa no braço
da banda do Norte ; e ahi esta posto o Marco ; porque o Rio e Barra
de S. Vicente tem huma ilha na bocca , do dito Rio e Barra, que divi
de as aguas em dois braços , hum para a parte do sul por onde
entram os navios quando ali vão e outro da banda do Norte, e nesta
mesma parte está posto o Padrão ; e não quer o Procurador da Con
dessa este braço senão que o Rio de Bertioga seja o braço de São
Vicente
- 149

da Gunataria de Pedro Lopes, composta de dez legoas, terminava na Ber


tioga ; pois antes de fazer esta deligencia na barra de S. Vicente,
que estamos relatando, o dito Provedor, em companhia de quatro
pilotos, tinha ido até a barra do Rio Curupacé, em São Sebastião, afim
de fazer uma medição e verificar, de visu , quantas legoas havia
da fóz do dito Rio Curupacé até a Barra de Bertioga .
João de Moura Fogaça, sabendo dessa diligencia do Provedor,
ao rio Curupacé, dirigio-se á barra de Bertioga, em companhia de
seu advogado Domingos de Freitas e de algumas pessoas para servi
rem de testemunhas e de peritos, no acto da demarcação que ali pre
tendia fazer, de accordo com o Provedor .
Ao chegar a Bertioga, de volta de São Sebastião, o dito Prove
dor não quiz fazer accordo algum ; oppoz-se mesmo, a que Fogaça
colocasse marco naquella Barra .
De uma Certidão da Camara de S. Vicente consta ainda, como

se vae vêr o que se passou em Bertioga nesse dia 12 de Janeiro


de 1624 :
" João de Moura Fogaça, como Procurador da Condessa de Vimieiro
requereu ahi , perante elle, Provedor da Real Fazenda e aos Pilotos, que
declarassem, ( visto o Provedor não lhes querer dar juramento ),
quantas legoas havia do Rio Curupacé até a Barra de S. Vicente, a
qual chamão Bertioga ; e, pelos ditos Pilotos, todos juntos, em altas
vozes, foi dito que, “ do Rio Curupacé, d'onde vinham, até aquella
Barra, onde elle dito Procurador estava , erão dez legoas esforçadas,
até doze, pelas suas cartas;" Outro sim , foi requerido pelo dito Pro
vedor da Real Fazenda para que declarassem os ditos pilotos, se aquel
la éra huma das Barras de S. Vicente; o que eiles todos juntos, e
cada um de per si foi dito, que “ Aquella era a Barra da Bertioga , do
rio pôr onde se vai a S. Vicente " . Requereu mais o dito Procurador
da Senhora Condessa , que declarassem os mesmos Pilotos, quantas le
goas havia do Rio Curupacé, donde vinhão, ao derradeiro Rio de
São Vicente ( onde estava posto o marco ) , ao que responderão todos
juntos, deante do Provedor, “ que por suas cartas, éram quinze ou
dezeseis legoas etc. ” .
Uma vez consumada a tal medição e a colocação do marco, ( das
des legoas da secção da donataria de Pedro Lopes, ) não no Rio de
Bertioga, como estamos vendo, mas sim na barra de S. Vicente ,
como já ficou descripto, o governador Geral do Brasil ordenou ao
Provedor Fernão Vieira que : “ depois de demarcadas as duas Capi
tanias, attestasse, quaes erão as terras e Villas competentes a cada hum
dos Donatarios;" e, aos Camaristas de São Vicente mandava que ,
“ restituissem ao Conde de Monsanto tudo quanto se achasse perten
cer-lhe." Com este fundamento, o Lóco-tenente do Conde, Alvaro
150

Luiz do Valle, se apressou em apresentar aos officiaes da Camara


de S. Vicente, no dia 6 de Fevereiro de 1624, os Autos da medição
referida, bem assim, uma “ Sentença da Relação” e a Provisão do
Governador Geral, requerendo que “ apossassem ao seu Constituinte das
tres Villas S. Vicente, Santos e S. Paulo , visto demorarem nas dez
legoas de Pedro Lopes, segundo consta dos documentos offerecidos."
João de Moura Fogaça achava -se em S. Paulo quando este ce
lebre requerimento foi apresentado na Camara de S. Vicente ; porém ,
o seu advogado Domingos de Freitas interpoz logo recurso na mes
ma Camara, contra o audacioso requerimento de Alvaro Luiz do Valle,
supplicando que “ não desapossassem a Condessa de Vimieiro das
suas villas e terras existentes ao Sul da Bertioga, e conservassem a
Fogaça no posto de Capitão-mór e Ouvidor da Capitania de S. Vi
cente" e concluiu “ appellando ante omnia todo o procedimento con
trario a sua petição ” .
Os vereadores de São Vicente, coagidos pelas ameaças dos pre
postos do Conde de Monsanto, deferiram o Requerimento de Alvaro
do Valle ; e quanto a justa petição do advogado de Fogaça, responde
rão submissos, por esta forma : “ Não somos Juizes nesta Causa mais
que para dar cumprimento á Sentença da Relação e á Provisão do
Senhor Governador Geral Diogo de Mendonça Furtado, em que nos
manda não admitamos duvida, nem embaraço aigum mais, do que dar
cumprimento ao que S. Magestade manda, conforme a deligencia com
metida ao Provedor, conforme os Autos que disso se fiserão ; e re
mettemos tudo á Relação com o traslado da Provisão do Senhor Go
vernador, e papeis que necessario forem. Em S. Vicente os 6 de Fe
vereiro de 1624. ”
Em vista deste despacho, mostrando a iniquidade dos Magis
trados, em taes resoluções , os Procuradores da Condessa, não tendo
para onde appellar, por que, como se vê do referido despacho, até o
recurso para o Rei Ihes era vedado, por ter Sua Magestade, já se
pronunciado a favor do Conde, tiveram emfim que ceder de seus di
reitos, não sem um protesto solemne e energico por parte de Fogaça.
A posse dolosa de todas essas terras e viilas desta parte da Capi.
tania de S. Vicente foi dada, afinal com toda a Solemnidade, ao
Conde de Monsanto, no Paço da mesma Camara de S. Vicente, a
qual por esse acto esbulhava, ainda uma vez, a Condessa de Vimieiro
de uma parte das suas terras e da Villa Capital , fundada por
seu avô Martim Affonso de Souza .
66

Auto de posse dado ao Conde de Monsanto da Capitania de


S. Vicente :
“ Anno do nascimento de Nosso Senhor Jesus Christo de 1624 an
nos, nesia villa de S. Vicente, em Camara della, estando juntos nella
- 151

os officiaes , a saber : Pedro Vieira Tinoco, Juiz Ordinario, Pedro


Gonçalves Meira, João da Costa , Salvador do Valie, vereadores, e o
procurador do Conselho Gonçalo Ribeiro, perante elles appareceu Al
varo Luiz do Valle, procurador bastante do Conde de Monsanto, do
natario desta Capitania , e apresentou a Senterça da Relação e Pro
visão do Snr.” Governador Diogo Furtado de Mendonça, e a dôação
do Snr. Conde e a Certidão como theor dos autos da demarcação que
o Provedor fez e requereu que em virtude da dita Sentença , pro
visão e doação, lhe desse posse da sua Capitania, de todas as suas villas,
povoações e terras que haviam do rio Curupacé até o rio de S. Vi.
cente, que hé cabeça desta Capitania ( ? ) , e da villa de Santos e S.
Paulo , e das demais que dentro do dito limite estiverem , e logo os
ditos officiaes tomaram a dita Sentença, Provisão e Doação e lhe
puserão o cumpra-se e registre-se ; e em virtude da dita Provisão e
Sentença lhe derão logo a posso ao dito Conde, em seu Procurador
Alvaro Luiz do Valle, conforme a doação e sentença da Relação e
Certidão dos Autos de demarcação que fez o Provedor, e derão mais
posse ao dito Conde da Jurisdicção desta Villa, e de todas as mais
nomeadas na Certidão, como cabeça desta Capitania civil e crime e
The metteu o Juiz Pedro Vieira Tinoco a vara
na mão, e OS verea

dores demittiram-se de seus cargos e houverão por empossado ao dito


Conde da dita Jurisdicção, e logo o Procurador do dito Conde beijou
a vara, e a tornou ao dito Juiz, dizendo que serviria o seu cargo
fazendo em tudo Justiça ; e o dito Procurador andou passeando pela
Casa da Camara, e foi em companhia dos officiaes a Praça da dita
Villa, passeando por ella , subiu ao Pellourinho, e pondo as mãos nos
ferros delle ... de maneira que logo ficou o dito Conde mettido de
posse por seu Procurador, da Jurisdicção da dita Villa e Capitania
Civil Crime ; e assim mais lhe derão posse todos os direitos e fru
ctos presentes, pensoens, passagens da dita Villa e Capitania, e man
darão que todas as pessoas que devem ao dito Conde pensõens ou ou
tros quaes quer direitos, conforme o Foral , lhe accudissem com elles .
E de tudo mandarão fazer este Auto ; Ao qual o Procurador
da Condessa de Vimieiro disse que tinha embargos e protestos a fa
zer, do que se lhe deu vista para as formar, o qual auto se fez assi
gnar com o dito Luiz do Valle . Testemunhas que forão presentes :
Manoel Fernandes Porto, Leonardo Carneiro e Pedro Lopes de Mou
ra , que assignarão com os officiaes e Procurador do Conselho, e man
dou desse vista ao Procurador da Condessa de Vimieiro, e eu Gaspar
de Medeiros, Tabelião que escrevi, em ausencia do Escrivão da Ca
mara . "
152

O Tabelião Gaspar Medeiros não declara neste termo o dia em


que se deu a posse, porém, diz Fr. Gaspar que do despacho que os
officiaes da Camaram derão a Domingos de Freitas, advogado de
Fogaça, dos termos de homenagens e posse dadas em 6 de Fevereiro,
a Luiz do Valle, como Ouvidor e Capitão-Mór, collige-se que, nesse
mesmo dia foi apossado o Conde de Monsanto .
TERCEIRA PHASE DO LITIGIO
CAPITANIA DE S. VICENTE E CAPITANIA
DE ITANHAEN

CAPITULO VI

João de Moura Fogaça põe embargos sobre a execução


da Sentença e Provisão dada a favor de Alvaro Luiz do
l'alle. A Condessa de Vimiciro, esbulhada de São Vi.
cente e das suas Villas, dá á Villa de Itanhaen o titulo
de Cabeça de Capitania das terras dôadas a Martim Af
fonso . A Capitania de Itanhaen e a razão de ser desse
titulo . A Capitania de Santo Amaro passa a denomi
nar-se Capitania de São Vicente " . As divisas jurisdi
ciondes destas duas Capitanias. Confusão entre histo
riadores, sobre as jurisdicções das Capitanias de Itanhaen
e São Vicente. Inicio da terceira phase do litigio.

Em consequencia da posse, da Capitania de S. Vicente, dada ao


Conde de Monsanto, passaram os officiaes da Camara uma carta
precatoria e executoria aos officiaes da Camara da Villa de S.
Paulo, no teor seguinte : “ Os officiaes da Camara desta Villa de
S. Vicente, cabeça desta Capitania, ao deante assignados : Fazemos
saber aos srs . officiaes da Camara de S. Paulo, a quem esta nossa
carta for apresentada, em como nesta Camara appareceu Alvaro Luiz
do Valle, procurador bastante do Conde de Monsanto, e nos apresen
tou uma Provisão do Senhor Governador Geral deste Estado Diogo
de Mendonça Furtado, da qual o teor é o seguinte : - Diogo de Men
donça Furtado, do Conselho de S. Magestade, commendador e alcaide
mór do Casal, Governador e Capitão General do Estado do Brasil etc.
Faço saber que havendo respeito ao que na petição atraz escripta, diz
154

o Conde de Monsanto, por seu procurador Alvaro Luiz do Valle, e


visto estar mandado em Relação que se demarquem as terras que
nas Capitanias do Sul pertencem a elle e a Condessa de Vimieiro, e que
das villas que a cada um ficarem se tome posse ; hei por bem e mando
aos officiaes das Camaras das Villas e lugares que pela dita demar
cação pertencem ao dito Conde, por virtude de sua doação e sentença ,
e o dito seu procurador lhes apresentar certidão com teor dos Autos
do Provedor da Fazenda Real, da Capitania de S. Vicente a quem a
dita demarcação está commettida, lhe dêem posse dellas sem a isso
porem embargo algum , e hajam e conheçam ao dito Conde Capitão
Governador das terras, e villas e lugares que assim ficarem dentro da
dita demarcação. E cumpram e guardem as Provisões que pelo dito
The fôrem apresentadas e dêem posse as pessoas por elle providas. e
que João de Moura Fogaça, ou outra qualquer pessoa nomeada pela
Condessa de Vimieiro, não use nem possa usar mais jurisdicção algu
ma naquellas terras , villas e lugares que conforme a demarcação que
se fizer pertencerem ao dito Conde de Monsanto, e que o Ouvidor que
o Conde apresentar faça todas as informações necessarias para as
Minas e o que convier a Sua Magestade, para beneficio dellas, o que
tudo assim declarado se cumprirá inteiramente sem duvida ou embar
go algum , sob pena de mandar proceder contra os que o contrario fi
zerem , com todo o rigor.
Dada na Bahia, sob meu signal e sello das minhas armas. Al
berto de Abreu a fez aos 31 de novembro de 1623. – O Governador
Diogo de Mendonça Furtado."
Em vista desta ordem expressa do Governador Geral, que foi
registrada nas Camaras de São Vicente e de S. Paulo, os camaristas
de São Vicente deram posse ao Conde de Monsanto, na pessoa de
seu lóco - tenente Alvaro Luiz do Valle, conforme consta do Auto se
guinte :
“ E sendo-nos assim apresentada a presente Provisão, em cum

primento della e da Sentença da Relação e Doação do dito Conde,


bem como da Certidão do Provedor da Fazenda -- Fernão Vieira
Tavares, com o teor dos Autos, tudo na forma da Provisão,
demos posse ao dito Alvaro Luiz do Valle, como Procurador bas
tante do Conde de Monsanto, desta Villa de São Vicente, da de
Santos, dessa de São Paulo, e da Villa de Santa Anna de Mogy, da
Ilha de Santo Amaro, e da Ilha de São Sebastião, e povoação de
terra firme que está defronte da dita ilha, por as ditas villas, ilhas
e povoações entrarem nas demarcações que estão feitas pelo dito Pro
vedor, desde o rio Corupacé até o rio de S. Vicente, tudo perten
cente ao dito Conde, na forma da Certidão do dito Provedor da Fa
zenda e Autos conforme a Sentença da Relação ... E o dito Alvaro
155

Luiz do Valle nos apresentou mais duas Provisões do dito Conde,


uma para servir de Capitão -mór seu lóco-tenente, com o cumpra-se
do sr. Governador Geral e outra para servir de Ouvidor, dos quaes
cargos, em virtude das ditas Provisões, lhe demos posse dellas e o
está servindo actualmente. E por quanto João de Moura Fogaça foi
provido nos ditos cargos pela Condessa de Vimieiro, não pode agora
usar delles e de Jurisdicção alguma, conforme a Provisão do sr. Go
vernador Geral; o qual João de Moura Fogaça, se diz, estar nesta
villa ; requeremos a Vmcê. da parte de Sua Magestade, e da nossa ,
lhe pedimos por mercê, que sendo -lhe apresentada esta nossa Carta
a cumpram e guardem ; e em cumprimento della mandem notificar ao
dito João de Moura Fogaça para que desista dos ditos cargos e não
use mais Jurisdicção alguma nas ditas villas, ilhas e povoações etc.
Feita nesta Villa de S. Vicente aos 6 de Fevereiro de 1624 annos. Eu
Gaspar de Medeiros, Tabellião publico e do Judicial nesta Villa de
S. Vicente, que óra sirvio de Escrivão da Camara, a fiz escrever e
subscrevi. João da Costa, Pedro Gonsalves Meira. Pedro Vieira
Tinoco. Gonçalo Ribeiro. Salvador do Valle.-- "
Em cumprimento desta Carta, mandaram, pois , os officiaes da
Camara de S. Vicente, pelo “ Moço da Camara de El-Rei” , notificar
a João de Moura Fogaça de todo o occorrido.
Uma vez sciente, Fogaça respondeu aos ditos officiaes, que :
" punha embargos á Proyisão de Alvaro Luiz do Valle, por não ser
esta confirmada por Sua Magestade, como a Provisão delle Fogaça ;
e ser somente passada pelo Conde de Monsanto para servir os cargos
de Capitão -mór e Ouvidor, o que só podia ter effeito nas terras que
legitimamente fossem do dito Conde, por verdadeira demarcação
sendo, portanto , para ella, citadas as partes na forma de direito, o
que entretanto, ainda não se tinha effctuado : Dclarou mais que
não podia ser tirado da posse em que pacificamente estava antes da
dita demarcação ser feita , com a conformidade de direito, e jul
gada por boa ; que até então não havia mais que sentenciarem-se
as terras sem ter julgado a demarcação com as partes citadas ; jul
gando - se esta por boa, estaria prompto para largar então, a cada um,
o que fosse de direito, na forma que a sentença final fosse julgada,
e se assim ordenassem os seus constituintes."
Declarou ainda que “ tinha feito pleito de homenagem a Sua
Magestade, pela Capitania de São Vicente, suas fortalezas e Castellos
della, nas mãos do Governador Geral Diogo de Mendonça Furtado,
e lhe não constava haver Provisão alguma, pela qual se lhe houvesse
levantado tal homenagem que tinha prestado ; que protestava não
largar a posse que tinha, e defenderia o seu Cargo e a Capitania,
como pela dita homenagem tinha de obrigação . "
- 156

A este justo e energico protesto de João de Moura Fogaça res


ponderam os vereadores que, sem embargo do seu requerimento,
manda vam se cumprisse a Carta Precatoria dos officiaes da Camara
da Villa de S. Vicente " .
Fogaça, porém, se oppoz a esta determinação, aggravando aos of
ficiaes da Camara , por haverem-no apeado dos cargos que servia ,
antes de se lhe terem levantado a homenagem, que pelos ditos Cargos
havia feito a Sua Magestade .
Tomou-se-lhe o aggraco, e a elle responderam os ditos officiaes
da Camara de S. Paulo dizendo : " que não eram juizes da causa,
e que somente davam cumprimento á Carta Precatoria e á Provisão
nella incorporada, do Governador Geral do Estado ; e que visto estar
já Alvaro Luiz do Valle empossado pela Camara Capital de São Vi
cente, se dessem os traslados de tudo ao aggravante, para seguir sua
Justiça e direito . ” (Archivo da Camara de S. Paulo Livro de Re
gistro 1623 pag. 13 e seg. )
Por esta forma, diz Pedro Taques : " foi a Condessa de Vimieiro ,
d. Marianna de Souza da Guerra repellida da sua Villa Capital de
S. Vicente, bem como da de Santos, S. Paulo e da de Mogy das Cru
zes ( eram estas duas villas as que, em Serra -acima, estavam erectas
até esse tempo ) . Vendo-se assim destituida , a dita Condessa de Vi
mieiro, fez então Cabeça da Capitania , - a sua antiga Villa de
Nossa Senhora da Conceição de Itanhaen .” “ Para governarem esta
nova Capitania de Itanhaen , accrescenta Pedro Taques, nomeou sem
pre a dita Condessa Capitães -móres-Governadores , cada um dos quaes
governou , com ampla jurisdicção , até á Cidade de Cabo Frio, desde
este anno de 1624, até ao de 1645, em nome da dita Condessa como se
vê no Cartorio da Provedoria da Fazenda e nos livros das Sesma.
rias ."
“ Neste anno, porém, de 1645, entrou na Capitania de Itanhaen,
D. Sancho de Faro, filho primogenito da Donataria Condessa de Vi
mieiro ; e porque então militava nos Estados de Flandres, e em Lis
boa se achava seu irmão D. Affonso de Faro, este fez a Sua Ma
gestade o requerimento” , cujo teor vae adeante transcripto .
O acto da Camara Municipal de S. Vicente, de 6 de Fevereiro
de 1624, já transcripto, indo posse ao Donatario Conde de Mon
santo das viilas de S. Vicente, Santos, S. Paulo etc., e esbulhando
assim a Condessa de Vimieiro de uma grande parte da Capitania de
S. Vicente, marca, incontestavelmente , uma nova época na nossa his
toria, com a creação de uma nova Capitania hereditaria.
A Villa de Itanhaen assume pois, desta data em deante, 7 de
Fevereiro de 1624 -- , para sua vida politica aliás muito legal e
legitima, como diz o historiador Pedro Taques - o titulo e categoria
- 157

de séde da Donataria de Martim Affonso, sob o nome de Capitania


de Itanhaen ; cuja jurisdicção abrangia as cem legoas de costa com
os respectivos sertões doados ao dito Martim Affonso de Souza
no referido " Foral de D. João III " .
Essa jurisdicção, convem que se note ( conforme a medição feita
pelo proprio Provedor Fernão Vieira Tavares ) , começava na parte
merisional da referida “ Ilha do Mudo" ( Ilha Porchat ) , na barra de
S. Vicente, e se estendía por toda a costa do sul até á “ Ilha do Mél"
na barra do lagamar de Paranaguá, onde, como já ficou demonstrado,
" estava posto o marco, mandado collocar ali pelo proprio D. João III” ,
conforme affirma o mesmo Pedro Taques.
Desses dois pontos da costa da Ilha do Mudo em S. Vicente
e da Ilha do Mél, em Paranaguá partiam as respectivas linhas de
divisas, em rumo do ertão, até ás conquistas e dominios d'El-Rei da
Castella .
Na parte, ou na secção septentrional , a jurisdicção da Capitania
de Itanhaen começava na fóz do Rio Juqueriquerê ( Curupacé ) , com
o mesmo rumo do sertão , em S. Sebastião, e se prolongava peia
costa do norte até á barra de Macahé, em Cabo Frio .
Rio de Janeiro, parte de Minas Geraes e toda essa immensa zona de
sertão ainda despovoada e desconhecida, estava então, muito legiti
mamente, dentro da Jurisdicção da Capitania de Itanhaen, como se
verifica pelas Provisões de seus donatarios e lóco - tenentes dando
predicamento ás respectivas villas que, depois, ahi se crearam , como :
Cabo - Frio , Angra dos Reis, Paraty, Caraguatatuba, Ubatuba, e as
villas do planalto : Taubaté, Guaratinguetá, Pindamonhangaba, S.
José dos Campos, etc., como consta do 1.0 volume desta memoria, que
se refere as fundações das ditas villas , bem como da “ relação com
pleta dos governadores da Capitania de Itanhaen .
Durante o periodo em que a villa de Itanhaen gozou das prero
gativas de Cabeça de Capitania dos herdeiros de Martim Affonso,
foram egualmente creadas, na secção meridional, as villas seguintes :
Sorocaba, Iguape, Cananéa e mesmo a de Paranaguá, embora esti
vesse essa ultima povoação fóra da dita Jurisdicção, conforme já
ficou demonstrado na parte que trata dessa importante villa do
littoral paulista .
Dizem alguns historiadores modernos, como já temos notado,
que o titulo de Capitania dado á villa de Itanhaen “ foi uma illegalida
de, pois estando essa villa dentro da Donataria de S. Vicente, isto é
dentro da Capitania de Martim Affonso, não poderia adoptar
outro titulo que não fosse Capitania de S. Vicente ."
Já demonstramos em outro capitulo – a razão de ser desse titulo,
com o qual se “ condecorou ” , por mais de um seculo, a humilde po
158

voação de Itanhaen . Já demonstramos egualmente a legalidade poli


tica desse titulo Capitania de Itanhaen bem como o
titulo legal e indiscutivel co que se denominaram , dentro dessa ines
ma donataria de Martim Affonso, as “Capitanias secundarias” , de
Minas Geraes, Rio de Janeiro, e as demais Matto-Grosso e Goyaz,
que estavam tambem dentro da Jurisdicção da antiga Capitania de S.
Vicente, então denominada Capitania de Itanhaen .
Nenhum dos historiadores, aos quaes nos referimos, se lembrou,
entretanto, de contestar o titulo de Capitania dado ao Rio de Janeiro,
a Minas Geraes , S. Paulo e Matto Grosso como sendo um erro ou
falsa interpretação dos antigos chronistas, o darem tal denomina
ção, simplesmente por estarem taes Capitanias dentro da donataria
hereditaria de Martim Affonso de Souza !
Quem seguir pari- passu todas as phases e detalhes deste litigio
entre as duas donatarias, hade , forçosamente, notar a malicia, a ma
neira ardilosa pela qual agiram sempre os donatarios da Capitania de
Pero Lopes e os seus prepostos, para se apossarem da villa de S.
Vicente, com o fim exclusivo de fazerem dessa primitiva povoação
a Cabeça de sua " acephala Capitania de Santo Amaro." Hão de
notar egualmente que, após essa posse, a ficticia Capitania de Santo
Amaro, deixa de ser officialmente denominada por esse titulo,
passando a intitular-se Capitania de S. Vicente.
E ' que, os senhores de Monsanto e depois, os de Cascaes,
não contentes em despojar os legitimos donatarios da Capitania
de S. Vicente , dessa importante zona da sua donataria, com as res
pectivas villas, quizeram tambem usurpar-lhes o titulo. E o conse

guiram de facto : pois , desde que tal posse se effectuou, definitiva


mente, o Conde de Monsanto e os seus successores, não mais deno
minaram a sua donataria sinão com o titulo de Capitania de S. Vi
cente ; pois é assim que ficou conhecida, não só a secção entre o rio
de S. Vicente e o rio Juqueriquerê, como outra, ao Sul, compre
hendida entre Paranaguá e Santa Catharina.
Esta illegalidade jámais foi notada pelos chronistas e historiado
res modernos. Foi entretanto essa arbitrariedade, assim praticada
pelos donatarios de Pero Lopes, que originou a confusão das juris
dicções e as erroneas interpretações dos diversos historiadores quan
do se propunham a estudar e descrever os factos occorridos, desta
época em deante, entre as duas donatarias .
Dahi originou -se tambem a confusão dos ditos historiadores,
ou a má fé, ou malicia em não quererem fazer distincção entre
os governadores da Capitania de S. Vicente (donataria de Pero
Lopes ) e os governadores da Capitania de Itanhaen, ( donataria
de Martim Affonso ), pelo facto de presumirem , ou pretenderem dar
159

a entender que “ Capitania de S. Vicente e Capitania de Itanhaen


eram uma e a mesma cousa ."
A Condessa de Vimieiro dando á antiga villa de Itanhaeno
predicamento de Cabeça de Capitania, como diz Pedro Taques , não
podia denominal-a com o titulo de “ Capitania de S. Vicente ”, porque
nesse caso , como estamos vendo, seriam duas donatarias distinctas
conhecidas sob o mesmo nome .

Foi pois, por essa razão, isto é, com o fim de distinguir a ju


risdicção das duas capitanias, para evitar duvidas futuras, que a
Condessa de Vimieiro mui sabia e criteriosamente deu á sua antiga
villa, – cuja fundação de povoado havia sido levada a effeito pelo
propiro Martim Affonso , o titulo, aliás muito legitimo e legal, de
- Capitania de Itanhaen .
64
Pedro Taques, que escreveu a * Historia da Capitania de S. Vi
cente" , desde a sua fundação até 1710, ( fim da terceira phase do
litigio do qual nos estamos occupando ), não obstante a sua preoccupa
ção dominante que era a defesa dos direitos dos Condes de Vi
mieiro ", não deixa entretanto de claudicar, confundindo, ás vezes, a
Capitania de S. Vicente com a Capitania de Itanhaen , na terceira
phase ; embora reconheça elle bem verdadeiro, o titulo desta
ultima .
Fr. Gaspar da Madre de Deus , nas suas “ Memorias para a His
toria da Capitania de S. Vicente ” , depois de descrever a fundação da
dita Capitania , occupa-se, na segunda parte do seu livro, da
fundação da Capitania de Santo Amaro e das “ Contendas que
houve sobre seus limites até a época em que passou á Corôa " .
Não tratou o citado autor sinão accidentalmente da Capitania de
Itanhaen. Prometteu , entretanto , occupar- se deste assumpto no se
gundo volume de suas “ Memorias” , obra essa, aliás, que ( por mo
tivos ignorados ) não chegou a ser publicada .
Este illustrado autor a quem tanto deve a nossa Historia Pau
lista, não deixou tambem de ter alguns preconceitos contra os fastos
da velha e humilde Villa de Itanhaen ; pois, como se deprehende de
sua obra os archivos dessa villa que por mais de um seculo serviu
de séde á Capitania de Martim Affonso de Souza , como é aliás por
elle confirmado, não lhe mereceram jámais as honras de uma
consulta !
Vejamos, entretanto, o que diz o mesmo chronista vicentino ao
referir-se á “ usurpação das terras, das villas e do titulo da Capitania
de S. Vicente, pelo Conde de Monsanto :
“ Vendo- se a Condessa de Vimieiro esbulhada de S. Vicente, villa
que sempre fóra Capital das cem legoas de Martim Affonso, e que o
Conde de Monsanto apossara-se não só desta, mas tambem das duas
- 160

villas, Santos e S. Paulo, ordenou que a de Nossa Senhora da Con


ceição de Itanhaen servisse de Cabeça ao resto das terras que lhe
davam obediencia. Daquella novidade, e desta providencia necessaria ,
resultou augmentar-se a confusão e desordem ; dahi por deante não
se deu a pessoa alguma o titulo de Donatario de Santo Amaro, por
não usarem delle os senhores da casa de Monsanto. Os herdeiros
de Martim Affonso nunca mais se nomearam Donatarios da Capi
tania de S. Vicente, como haviam feito seus antepassados até á morte
de Lopo de Souza, e deste titulo usaram os successores de Pero
Lopes de Souza, que antes se diziam Donatarios de Santo Amaro .
Em fim, depois disto chamaram, Capitania de S. l'icente a tudo quanto
dominava o Conde, assim proprio como alheio, e Capitania de Ita
nhaen as terras subordinadas, primeiro á Casa dos Vimieiros e depois
á Casa da Ilha do Principe, a quem se transferiu a propriedade das
cem legoas , pelo casamento do Conde Luiz Carneiro com d . Marianna
de Faro e Souza , etc.”
O nosso intuito, finalmente, em bem apurar esta velha “ Conten
da " , como diz Fr. Gaspar, é restabelecer a verdade, afim de que
uma vez por todas , fique estabelecido definitivamente , que : de 6
de Fevereiro de 1624 em deante, a jurisdicção da Capitania de S. Vi
cente compõe -se apenas das terras doadas a Pero Lopes de Souza ,
nas duas secções do littoral , conforme ficou descripto ; e, a juris
dicção da Capitania de Itanhaen comprehende todas as terras doa
das a Martim Affonso de Souza, do Rio Juqueriquerè a Macahé, e
da Barra de S. Vicente ( ilha Porchat ) até á Barra de Paranaguá
( Ilha do Mél).
A Capitania de S. Vicente, propriamente dita, a qual föra insti
tuida por Martim Affonso de Sousa , dominando as cem legoas de
costa, deixou de existir, com esse titulo, desde os dias 6 e 7 de Feve
reiro de 1624, em que se deu posse , em S. Vicente, ao Conde de
Monsanto, o qual , por esse acto, usurpou não só a parte da Capitania
de Martim Affonso como tambem o seu titulo, como ficou provado .

Esta “terceira phase do litigio ” entre as duas donatarias, começa


- da data em que a Condessa de Vimieiro foi esbulhada das suas
villas na ilha de S. Vicente e, do dia em que ella deu, á Villa de
Conceição, o titulo de “ Cabeça da Capitania de Itanhaen ” .
A Condessa submetteu -se ás injustiças das sentenças que a esbu
Thavam de uma boa parte de sua donataria, e das suas villas mas não
se deu totalmente por vencida e, não só ella como os seus successores.
na Capitania de Itanhaen , continuaram a pleitear a causa , como se
verá nos capitulos seguintes,
!
CAPITULO VII

Continuação do litigio na terceira phase. A Con


dessa de Vimiciro como donataria da Capitania de Ita
nhaen ( 1624 - 1645 ) . 0 Filho Primogenito da
Condessa D. Sancho de Faro como donatario da
se u
mesma Capitania , entrega a administração desta a
Irmão D. Affonso de Faro. ( 1645 - 1648 ). D. Diogo
de Faro e Sousa, filho de D. Sancho, toma posse da Ca
pitania de Itanhen, em 1648. D. Diogo de Faro e Sousa
traspassa o Governo e posse da Capitania de Itanhaen, em
dote á sua irmã D. Marianna de Farro e Sousa ( 1654 ) .
Escriptura de dote a referida D. Mariamna a seu marido
D. Luiz Carneiro conde da Ilho do Principe e outros do
cumentos da Camara de Itanhaen.

O primeiro Capitão -Mór e Governador da Capitania de Itanhaen ,


como lóco-tenente da Senhora Condessa de Vimieiro, foi, conforme
se verifica da “ Relação dos Governadores desta Capitania ” – João
de Moura Fogaça , o qual não só propôz embargos e protestos contra o
esbulho de que havia sido victima a sua Constituinte, como proseguiu
na acção do litigio appellando para o Juizo competente .
Os seus substitutos continuaram a pleitear a dita Causa por todo
o tempo em que esta donataria esteve sob'o governo da dita Condessa
de Vimieiro, sem nada conseguirem entretanto.
Os governadores da Capitania de Itanhaen, segundo affirmam
as chronicas de São Paulo e Rio de Janeiro, e os documentos que
temos obtido, tinham “ ampla jurisdicção desde Paranaguá até a barra
de São Vicente, e desde a barra do Juqueriquerê até Cabo-Frio " .
A Condessa de Vimieiro governou, como já ficou dito, a
Capitania de Itanhaen, do anno de 1624 até 1645. ( 1 ) Após esses

(1) Pela “ Relação dos Governadores da Capitania de Ita


nhaen ” e pela “Creação das villas" da mesma Capitania, que vão em
outros Capitulos do 1.• Volume vêr-se-ha quaes foram os governadores
que administraram a extensa Donataria da Condessa de Vimieiro, e
as villas que foram fundadas neste periodo de 1624 - 1645 .
- 162

vinte e um annos de governo resolveu a dita Condessa entregar, ainda


em vida , a gerencia dos seus bens e morgado a seu filho primo
genito D. Sancho de Faro. Não podendo porem este tomar
posse da Capitania de Itanhaen , por se achar militando nos Estados
de Flandres, traspassou a seu irmão D. Affonso de Faro, que se achava
em Lisboa , os direitos e a administração que tinha sobre a Capitania re
ferida.
D. Affonso de Faro dirigiu então ao Rei de Portugal uma petição,
e obteve, do mesmo monarcha , o Alvará do seguinte teôr :
* Eu El- Rei faço saber aos que este meu Alvará virem que, ha
vendo respeito ao que D. Affonso de Faro me enviou a dizer, por
sua petição á cerca da Administração do Morgado de Alcoentre, que
vagou pela Condessa de Vimieiro sua Mãe, cuja successão pertence
a D. Sancho de Faro seu irmão, ausente nos Estados de Flandres e,
em sua falta a seus filhos ; e vistas as causas que para isso allegou ,
informações que se tomaram pelo licenciado João Correa de Carvalho,
executor dos confiscados e ausentes em Castella, e resposta do Pro
curador da minha fazenda ; hei por bem e me apraz, em conformidade
das minhas ordens de lhe conceder a administração para que possa
tratar do acrescentamento das rendas do dito morgado e beneficio das
propriedades que a elle pertencem , dado, como offerece, para as des
pezas da guerra 420 $000 rs . cada anno etc. etc ... "
Este Alvará d'El-Rei tem a data de 24 de Julho de 1645 e, em
virtude do mesmo, foi D. Affonso de Faro empossado dos bens do
dito “Morgado de Alcoentre, passando em 31 de Março desse mesmo
anno de 1645 uma Procuração ao Capitão Manoel de Carvalho para
tomar posse, em seu nome, da Capitania de Itanhaen, que de direito
pertencia a seu irmão D. Sancho de Faro.
Eis os termos desse Instrumento : “ D. Affonso de Faro etc.
Por esta Procuração por mim assignada e sellada com o sello das
minhas armas, como administrador que sou do Morgado de Alcoentre
por Provisão de Sua Magestade, a cujo Morgado pertence a Capitania
de Nossa Senhora da Conceição de Itanhaen, faço meus Procuradores
ao Capitão Manoel de Carvalho, morador na Ilha Grande, e a Valerio
de Carvalho, morador na mesma Ilha, a ambos e a cada um in solidum
para que possão tomar posse da dita Capitania e de todas as suas
pertenças . em meu nome, como administrador que sou do dito Morgado
que pertence a meu irmão D. Sancho de Faro, ausente em Flandres,
e na sua falta a seus filhos, fazendo Autos e Intrumentos de Posse ; e
poderão outro sim nomear pessoa da terra benemerita e de experiencia
de Guerra, que sirva de Capitão -Mór e Ouvidor por tres annos, por
quanto o Capitão-Mór e Ouvidor Antonio Barbosa de Aguiar tem já
acabado o seu trienio ; com declaração outrosim, que o Capitão e Ou
163

vidor nomeado por elles, me responderá, nesta Côrte, com oitenta mil
reis cada um anno, de direitos que pertencem á dita Capitania, e
poderão outro sim cobrar dos Tabelliães da dita Capitania as pensões
que, conforme ao Foral, são obrigados a apagar, e concertar-se com os
donos dos Engenhos em alguns föros ou tributos que lhe parecer a
isto conforme, ao que cada um até agora lavra ; o que tudo está ex
presso na Ordenação que aqui hei por expressada e declarada ; e poderá
outro sim requerer minha Justiça em todas as Causas que se moverem,
e substabelecer um e muitos Procuradores, e para tudo lhes dou poderes
em direito necessarios e livres a geral administração ; e tudo por elles
feito haverei por firme e valioso. Lisboa, 31 de Março de 1645,
annos. D. Affonso de Faro."
Munido pois desta Procuração, dirigiu - se o Capitão Valerio de
Carvalho á Villa de Itanhaen, e apresentando - se no Paço do Conselho,
os vereadores lhe deram posse da dita Capitania pelo Auto do teor se
guinte :
“ Anno do Nascimento de Nosso Senhor Jesus Christo de mil seis
centos e quarenta e seis, nesta Villa de Nossa Senhora da Conceição
de Itanhaen, estando juntos em vereação os officiaes da Camara deste
presente anno, por elles foi posto o cumpra-se na Procuração atraz, e
em virtude della foi mettido de posse aos Procuradores que nella se
declara desta Capitania de Itanhaen em nome do Senhor Don
Sancho de Faro , Donatario della, como se vê do Alvará de Sua Ma
gestade ; e, de hoje em diante reconhecem ao dito Senhor por Donatario
desta Capitania e como tal poderão fazer os ditos seus Procuradores,
em seu nome, tudo quanto lhes éra ordenado ; como tambem em Camara
se deu juramento , pelo vereador mais velho - João Lopes Martim , ao
dito Valerio de Carvalho, para servir nesta Capitania de Itanhaen os
cargos de Capitão -Mór e Ouvidor, como nesta Procuração se contem,
-e elle assim prometteu fazer. Do que fiz este Auto em que assignarão,
e eu Braz Nunes Freire, Escrivão da Camara o escrevi. Mathias
de Aguiar Daltro. – Manoel da Costa Cordova. -- João Lopes Mar
tins. Felippe Gonçalves. Francisco de Pontes. Valerio de
Carvalho. -- "
D. Sancho de Faro, representado por seu Irmão D. Affonso de
Faro, conservou -se como Donatario da Capitania de Itanhaen até 10 de
Novembro de 1648 . Neste anno lhe succedeu seu filho D. Diogo
de Faro e Souza, em cujo nome foi provido no cargo de Capitão - Mór
e Ouvidor, da mesma Capitania , o Capitão Dyonizio da Costa, conforme
se verá, da respectiva “ Relação dos Governadores da Capitania de
Itanhaen " que vae em outro volume desta “ Memoria ” . Este Gover
- 164

nador e Ouvidor de Itanhaen, tomou posse, na Camara da mesma Villa ,


a 3 de Abril de 1649, pela Provisão cujo teór é o seguinte : ( 2 )
“ D. Affonso de Faro etc. Como administrador que sou do Mor
gado de Alcoentre e como tutor que fui dado por Sua Magestade á
pessoa e bens de D. Diogo de Faro e Souza , meu sobrinho, menor de
14 annos, donatario da Capitania de Nossa Senhora da Conceição de
Itanhaen ; a quantos esta Provisão virem , e em especial aos Juizes,
Vereadores e Procuradores do Conselho da Villa de Nossa Senhora
da Conceição de Itanhaen, Cabeça da Capitania , a quem será mostrada
etc. Faço saber que por confiar da qualidade, valor e maduresa de
Dyonizio da Costa, e que tudo o que lhe fôr encarregado dará boa
satisfação, guardando justiça as partes, e nas occasiões de guerra mos
trando valor que de sua qualidade se espera, pela presente, em nome
de meu sobrinho, o nomeio para Capitão -Mór e Ouvidor da dita Villa
e toda a Capitania e seu districto e villas a ella sujeitas, etc ..." (3)
Em poder do 6.º donatario se conservou a Capitania de Itanhaen
até o anno de 1653 .
Neste anno D. Diogo de Faro e Sousa, sobrinho de D. Affonso de
Faro, traspassou a dita Capitania de Itanhaen , em dote, á sua irmã
D. Marianna de Faro e Sousa, quando esta casou com D. Luiz Car
neiro de Sousa , Conde da Ilha do Principe, conforme se verá dos do
cumentos seguintes extrahidos dos archivos das Camaras de Itanhaen
e Angra dos Reis.
D. Affonso de Faro, além de administrador do Morgado de Al
coentre, como já ficou dito, era tutor de D. Diogo de Faro ( seu so
brinho ) por já ter fallecido, nesta época, o pae deste D. Sancho de
Faro, que se achava “militando nos Estados de Flandres " , quando o
dito D. Affonso assumiu a Administração do Morgado .

“ ESCRIPTURA DE DOTE

Aos Condes da Ilha do Principe D. Luiz Carneiro e Dona


Marianna de Faro e Souza, da Capitania de Itanhaen. (4) ”
( Esta doação foi feita em 5 de Janeiro de 1654 pelo então dona
tario da mesma Capitania D. Diogo de Faro e Souza, aos Condes da
Ilha do Principe .)

( 2 ) - O teor desta Provisão já foi dado, na integra, quando tra


tamos dos “Governadores da Capitania de Itanhaen " .
(3) Cartorio da Provedoria da Fazenda Real, titulo 1643.
Archivos das Camaras da Villa de Itanhaen e da Villa de
Angra dos Reis .
165

" João Blau, Capitão -Mór e Governador desta Capitania de N. S.


da Conceição de Itanhaen , de que hé donataria a Senhora Condessa
da Ilha do Principe Dona Marianna de Faro e Souza, diz que lhe hé
necessario o traslado do Alvará que passou Sua Magestade El-Rei D.
João IV, que Deus tenha em gloria, a Senhora Condessa, de doação
das terras, quando se casou com Dom Luiz Carneiro, Conde da Ilha
do Principe, o qual Alvará está no livro da Camara desta Villa de
Itanhaen, pelo que pede a Vas. Mces. mandem dar os traslados que
pede e R. Mce . Despacho : Como péde. Conceição de Itanhaen , em
Camera, aos 9 de Abril de 1689. Sebastião Luiz Martins da Costa .
- Custodio Barrozo . Jeronymo Galan . Miguel Gonçalves.” (5)

Traslado :
Em nome de Deus amem . Saibam quantos este instrumento
publico de contracto de dote, e obrigação virem , que no anno do Nasci
mento de Nosso Senhor Jesus Christo de mil seis centos e cincoenta
e quatro, em os cinco dias do mez de Janeiro, nesta cidade de Lisboa,
junto ao Convento de S. Francisco, nos aposentos de D. Affonso de
Faro, estando ahi presentes partes a saber : de um lado Dom Luiz
Carneiro, Senhor das Ilhas de Santa Helena , de Santo Antonio e da
do Principe, Conde dellas e do Conselho de Sua Magestade, e da outra
Dom Diogo de Faro e Souza, filho de Dom Sancho de Faro que
Deus tem herdeiro e successor de sua Caza e Morgado de Vimieiro e
Alcoentre e de Dona Izabel de Lima e Carcome, sua mãe, que Deus
tem , e bem assim o dito Dom Affonso de Faro, seu tio, tutor e cura
dor, e de Dona Marianna de Faro e Souza, sua Irmã, e seus sobrinhos
menores. Em seu nome e no de cada um delles ; e outrosim estavam
presentes o Dr. Pedro Paulo de Souza, Desembargador dos Aggravos
e Casa da Supplicação, e o Dr. Francisco da Cruz Freire, nomeados
procuradores pelo Dr. Francisco Ferreira Euserrabodes, Juiz dos Or
phans e das repartições desta cidade e dos ditos menores que tambem
estavam presentes, para assistirem e darem auctoridades a este Con
tracto e Capitulações . Disse logo por elles Dom Diogo de Faro e
Souza e Dom Affonso de Faro, como tutor e curador dos ditos seus
sobrinhos menores ; foi dito a mim tabellião, perante as testemunhas
adeante nomeadas, que estão contractados para, com o favor divino,
mediante o Agrado do Espirito Santo e comprasimento de Sua Mages
tade, por seu Alvará ao deante trasladado, haverem de casar a dita
Dona Marianna de Faro e Souza , sua Irmã e sobrinha, com elle Conde
Luiz Carneiro, e que havendo o dito casamento seu real effeito e sendo

( 5 ) - O Traslado do Alvará requerido vae transcripto no fim


desta “ Escriptura de Dote " .
166 -

recebidos por palavras de presente, na forma do Sagrado Concillio


Tridentino, consummando-se o matrimonio , o contracto que este Dom
Diogo de Faro e Souza dá e dota a dita Dona Marianna de Faro, sua
irmã, com auctoridade do dito Dom Affonso de Faro, seu tio e curador,
e por bem do Alvará que tem de Sua Magestade de supprimento de
edade para este dote e casamento e bem de todos ; que outrosim ao
deante irá trasladar a sua Capitania de Itanhaen de cem legoas
de costa, no estado do Brasil, districto do Rio de Janeiro, de que elle
hé Capitão donatario, Senhor e Governador perpetuo , e de toda sua
jurisdicção, direitos e rendas, e assim e da maneira que a tem e lhe
pertence por sua doação e dote, em estimação e valor de quarenta mi)
cruzados, e assim mais lhe dá a dota a dita Dona Marianna sua irmā,
duzentos mil reis de renda, cada anno, em valor de dez mil cruzados ,
consignados e constituidos em todos os rendimentos do morgado do
Rio Maior, sito no termo de Santarem , assim da maneira que possue e
lhe pertencem por qualquer via que seja, e não bastante todos os ren
dimentos e tudo o que faltar para o cumprimento dos duzentos mil reis,
e elle dotador é contente que se prefaça dos sessenta mil e quinhentos
e oito reis de juro que tem na Alfandega desta cidade. E por quanto
Sua Magestade tem concedido a elle Dom Diogo de Faro que possa
dotar estes litos duzentos mil reis de renda, cada anno, no morgado
de Vimieiro, se obriga ainda elle Dom Diogo a haver apostilla no dito
Alvará do dito Senhor, para a consignação dos ditos duzentos mil
reis em todos os rendimentos do dito morgado do Rio Maior etc. etc.
E outro sim, por morte da dita Dona Marianna, fallecendo ella e sem
descendentes, ficarão os ditos duzentos mil reis livres aos ditos morga
dos conforme o dito Alvará e este contracto, e assim mais dá e dota
o titulo de Conde da Ilha do Principe, que elle Conde Luiz Carneiro
terá em sua vida, o qual titulo, que assim dota, haverá por Alvará de
duas vidas mais nos descendentes deste matrimonio, estimadas as
ditas duas vidas do titulo de Conde em outros dez mil cruzados, por
quanto elle dotador tem já alcançado Alvará do titulo em uma vida .
Das duas promettidas e dotadas e tambem adeante, óra trasladada, para
os descendentes deste matrimonio, externados nos ditos dez mil cru
zados; declara elle dotador que não alcançando Alvará da outra se
gunda vida para neto e descendente deste matrimonio dentro do tempo
de cinco annos, começando do effeito do dito matrimonio em deante,
elle dotador se obriga a dar no fim dos ditos cinco annos a quantia de
cem mil reis, cada anno de renda, em bem livres, ou de morgados que
bem renda, estimados no valor de cinco mil cruzados, que hé a respeito
dos ditos dez mil cruzados dotados por titulo de Conde das ditas duas
vidas, e para a dita renda dos ditos cem mil reis elle dotador obriga
desde logo todos os seus bens e rendas livres, havidas e por haver, e
- 167

os rendimentos de seus morgados, para o que haverá Alvará de Sua


Magestade para segurança dos ditos cem mil reis de renda, e a todo o
tempo que elle dotador ou seus successores alcançarem o dito Alvará
da dita segunda vida, da mercê do titulo de Conde, ficará cessando a
obrigação dos ditos cem mil reis de renda. E desta maneira se entenderá
e competirá este dote que elle, dotador dóta a dita Dona Marianna,
sua Irmã, nos ditos quarenta mil cruzados que leva comsigo, por
que nesta quantia e valor elle Conde a acceita sem poder allegar lezão,
erro ou engano algum , porque neste valor das ditas causas estão confor
mes ; e é ainda declarado neste contracto que todos os bens adquiridos
serão sempre communicaveis e parte entre ambos.
E no tocante á Capitania de Itanhaen, dotada neste contracto, elle
dotador se obriga a entregar as contas de doação e titulos, della, para
por elles a dita Dona Marianna tirar carta de successão, em sua

Cabeça, ou para os descendentes deste matrimonio, conforme o Alvará


de Sua Magestade ao deante trasladado e mais declaração deste con
tracto, que todos os bens deste dote que a dita Dona Marianna de Faro
e Souza leva comsigo terão e seguirão a natureza dos bens dotaes sem
se poderem desviar, traspassar, vender, alienar nem obrigar por ne
nhuma via que seja ; e este dote promette e obriga elle dotador assim
de maneira que neste contracto se contem , de tal maneira que hajam e
logrem e possuam assim e de modo que nesta escriptura se contem ,
pela qual tira e aparta de si e de seus herdeiros e descendentes todos os
ditos bens, todo o direito e acção que até agora nelles teve e adiante
podia ter e haver, o que tudo traspassa aos ditos dotados e successores
deste matrimonio. E por elle Conde D. Luiz Carneiro foi dito que
acceitava este dote dos ditos quarenta mil cruzados da mão delle Dom
Diogo de Faro, com autoridade do dito Dom Affonso de Faro, seu tio,
tutor e curador na forma dita, e que a respeito dos ditos quarenta mil
cruzados, assim do mais tudo, se obriga elle Conde a dar terça parte
de arrhas, conforme a ordenação, á dita Dona Marianna de Faro sua
tutoranda mulher, consignados e constituidos a provimento destes dota
dores em bens seguros e abonados, por quanto, conforme este contracto,
elle Conde promette e dá em nome de arrhas e doação á dita Dona
Marianna de Faro a terça parte dos ditos quarenta mil cruzados do
dito dote, que são treze mil, trezentos e trinta e trez cruzados, consi
gnados e constituidos em bens equivalentes e seguros á satisfação delles
dotadores ; - e outro sim se obriga, soluto matrimonio, a segurar o
dito dote que receber e, destas arrhas, a metade dos ditos bens adqui
ridos ; - por elle Conde foi mais dito que a dita segurança e restituição
e consumamento do dia, desde que fora entregue, e assim mais as ditas
arrhas promettidas, obriga todos os seus bens assim livres que por
qualquer maneira lhes pertençam como do morgado patrimonial e quas
- 168 –

quer outros que houver em particular para as ditas arrhas, as bemfei


torias de seu molde, sitas nesta Cidade de Lisboa, por detraz da egreja
de S. Paulo, que importam em muito mais, as quaes bem feitorias, con
signadas ao pagamento das ditas arrhas, são livres e sem vinculo
algum, como está declarado em uma sentença que se deu no Juizo do
Civil desta Cidade, pelo licenciado Manoel Tenreiro de Gouvêa, de que
hé escrivão Domingues Rodrigues, a que se refere ; e sempre elie Conde
as trará livres e descbrigadas com todos os seus vencimentos equivalen
tes aos ditos treze mil trezentos e trinta e tres Cruzados de arrhas e
rendimentos de todos os mais seus bens e pelo melhor parado de sua
fazenda, livre de rendas ; e para esta obrigação, para mais segurança,
haverá hypotheca de bens de morgado, com Provisões e Alvará de Su
Magestade, conforme aos que por sua parte houverem os doadores, para
a obrigação deste, e uns e outros assim livres como de morgado, com a
dita licença que fôr necessaria para sua inteira validade e segurança
fiquem desde logo em seu vigor ; com mais esta declaração : que
fallecendo a dita Dona Marianna com filhos deste matrimonio ficarão
as ditas arrhas vinculadas ao morgado do filho successor deste matri
monio, para acressentamento delle ; é mais declaração deste contracto
que, sendo caso que o Conde falleca primeiro que Dona Marianna de
Faro, ella ficará em posse e cabeça de casal com todos e quaesquer
bens que ficarem, de qualquer sorte, e seus rendimentos, até com effeito
ser entregue todo o seu dote, arrhas e metade dos adquiridos inteira
mente ; e emquanto não lhe forem pagos as ditas arrhas, haverá cada
anno, duzentos e cincoenta mil reis de rendimentos de todas as casas
do dito molde, que hé a quantia que vem a razão de juros dos ditos
treze mil trezentos e trinta e trez Cruzados, das ditas arrhas, e as
mais condições e declarações deste contracto, que vencendo em dias,
a dita Dona Marianna de Faro e elle Conde, lograrão e comerão as ditas
arrhas em suas vidas e assim mais os ditos morgados ; assim as ditas
arrhas como os ditos duzentos mil reis, comerão em suas vidas, quer
fiquem filhos e successores deste matrimonio, quer não. E é mais
declaração desta escriptura que, cada um delles partes, assim dotadores
como dotados, poderá haver de Sua Magestade a licença e Alvará que
forem necessarios para a validade deste dote e contracto, e para que
tudo elles partes, dotadores e dotados, assim cumprirem , e cada um
disse que se obrigava, e de facto, logo se obrigaram , os dotadores, todos
os seus bens, rendas livres havidas e por haver, de juro e morgado ...,
e por elles Dom Affonso de Faro, tutor e curador,e o doutor Francisco
Ferreira Encerrabodes, Juiz dos Orphãos da dita repartição foi dito
que elles aprovavam e ratificavam este contracto de dóte e dam a elle
sua autorga e consentimento para que fique firme e valioso e tenha
seu real e cumprido effeito, assim e da maneira que nelle se contem
169

e pela melhoria que em direito possa ser ; e outorgaram de responderem


elles dotadores e dotados por tudo o que aqui ficou constituido, nesta
Cidade de Lisboa, perante os corregedores da Côrte, Juizes do Civil
della, onde e perante quem este instrumento for aprsentado e se pedir
e requerer seu cumprimento ; se obrigam mais a responder e se fazer
todo o cumprimento de direito e Justiça, citadas por suas cartas cita
torias, precatorias e sem ellas, para o que disseram que renunciavam a
cada um dos Juizes de seu föro, da terra e logar onde em qualquer
tempo estiverem e morarem, e todos os mais privilegios, liberdades,
leis, direitos, ordenações, distincções, férias geraes e especiaes, e tudo
o mais que por si ou em seu favor allegar possão, que de nada se
poderão valer, salvo tudo cumprir pelo modo sobredito ; e declaram
mais elles partes que no que toca ao pagamento dos cinco mil cru
zados , em que está stimada a segunda vida de titulo de Conde, no caso
em que este Dom Diogo o não haja de Sua Magestade, nos ditos cinco
annos, pagará a elle Conde da Ilha, os ditos cinco mil cruzados dos bens
livres que tiver e pelos rendimentos e rendas de seus morgados, sem
fruir outra graça nem uma, mas sim dos ditos morgados que assentam
sobre as rendas e rendimentos delle, e para isto se haverá as licenças
necessarias, como atraz fica dito e declarado. Esta se outorgou em
cinco de Janeiro posto que continua em nove do dito mez ; e em teste
munho da verdade assim o outorgaram todos elles outorgantes, e pedi
ram que se fizesse este Instrumento nesta nota e que dessem os tras
lados necessarios, que acceitam ; e eu Tabellião o acceito em nome de
quem tocar ausente, como pessoa publica, estipulante e acceitante.
Testemunhas que foram presentes : 0 Dr. Thomé Pinheiro da
Veiga, Procurador da Coroa de Sua Magestade e seu Desembargador
do Paço e Manoel Rodrigues, créado delle Dom Affonso de Faro, e
Amador de Abreu, creado delle Dom Luiz Carneiro, e todos conhecemos
a elles partes outorgantes dotados Conde dotado, tutor e curadores
e Juizes, por serem os proprios aqui contidos, que na nota assignam
com as testemunhas Antonio Pinto de Lemos, Tabellião o escrevi.
Conde da Ilha Dom Diogo de Faro e Souza Dom Affonso de
Faro - Pedro Paulo de Souza Francisco da Cruz Freire Fran
cisco Ferreira Encerrabodes Thomé Pinheiro da Veiga Manoel
Rodrigues Cabreira Amador de Abreu ."

O segundo traslado desta “Escriptura de doação da Capitania de


Itanhaen " , feita em Lisboa no anno de 1654, foi enviada para a villa
da Conceição de Itanhaen , e ahi transcripto no livro de Registros da
mesma Camara. Deste traslado se tirou outra copia que foi regis
trada no livro competente da Camara da villa de Angra dos Reis, que
fazia parte então da Capitania de Itanhaen :
- 170 –

Achando-se na villa de Angra dos Reis, em 1797, ( em Correi


ção ) o Juiz de Fora Balthazar da Silva Lisboa, mandou extrahir uma
cópia desse importante documento, do qual nem um dos chronistas de
São Vicente, nem Fr. Gaspar nem Pedro Taques, tiveram conhecimento .
Na historia e nas chronicas da Capitania de São Vicente estes dois
historiadores se referem a esta doação feita ao Conde da Ilha do Prin
cipe D. Luiz Carneiro e a sua esposa a Condessa D. Marianna de
Faro e Souza, que Pedro Taques dizia ser prima, e Fr. Gaspar affir
mava , ( com rasão ), ser irmã do dôador o Conde D. Diogo de Faro e
Souza . Entretanto , nem um desses dois chronistas manuseou o dito
“ traslado de escriptura " que se achava registrado nos archivos das
Camaras de Itanhaen e Angra dos Reis.
Isto vem , mais uma vez, confirmar o que temos dito e lamentado ,
isto é o estado de abandono e o menospreso , por parte dos histo
riadores, a que havia chegado, já nessa época, o importante Archivo
da Camara de Itanhaen, principalmente depois que essa villa ficou
destituida do predicamento de Cabeça de Capitania dos herdeiros de
Martim Affonso de Souza.
66
Pedro Taques ao escrever a · Historia da Capitania de São Vi
cente” , que nada mais é que a “ historia da Capitania de Itanhaen ",
bem como Fr. Gaspar, quando encetou e levou a effeito as impor
tantes pesquisas historicas para as “ Memorias da Capitania de S. Vi
cente " , nunca se dignaram ir a Villa de Itanhaen, como já temos dito,
afim de consultarem ali os velhos archivos . Si esses historiadores, lá
tivessem estado, teriam encontrado este traslado e outros documentos
importantes para a ellucidação d'estes pontos historicos e genealogi
cos , em que ambos tanto se empenhavam .
Este descuido ou despreso, por parte dos chronistas vicentinos,
em relação á Villa de Itanhaen como já temos notado, é bem frizante
como se vae vêr.
Fr. Gaspar, no fim do seu livro “ Memorias para a Historia da Ca
pitania de S. Vicente ", dá um "catalogo bibliographico das obras e
documentos, que foram consultados para a confecção de suas Memorias "
e nessa “ bibliographia ”, além das obras impressas, estão figurando os
archivos das villas que elle consultou, que são as seguintes : Villa de
Goiana, villa de S. Vicente, Villa de Santos, Villa de S. Paulo e
Cidade do Rio de Janeiro ; menos a Villa de Itanhaen, que lhe passou
inteiramente despercebida .
Nestas localidades, por elle visitadas, foram feitas consultas não
só nos archivos e cartorios publicos, como nos archivos dos diversos
conventos e mosteiros de Santos, São Paulo, Rio de Janeiro, etc.,
excepto no Archivo do Convento de Itanhaen, o qual não mereceu
tambem as honras de uma consulta .
- 171 -

Pedro Taques, alem do mais, é escasso e quasi ommisso, quando


trata da Villa de Itanhaen .
Essa villa já tão pobre e tão decadente, na época ( 1772-1797 ) em
que Pedro Taques e Fr. Gaspar escreviam a Historia da Capitania de S.
Vicente , “ havia sido entretanto , até 1753 , segundo affirma o Dr. Antonio
Piza (6 ) , a séde dessa mesma Capitania de São Vicente, a qual elles
persistiam, ( e os demais chronistas de nossa época ainda persistem )
em não querer que fosse denominada com o seu verdadeiro nome
Capitania de Itanhaen -, conforme lhe haviam chamado os seus proprios
donatarios Condes de Vimieiro e da Ilha do Principe, legitimos
herdeiros de Martim Affonso de Sousa .
Ao tratar, ligeiramente, da creação da Capitania de Paranaguá,
na pag. 172 de suas “ Memorias para Historia da Capitania de S. Vi
cente " diz o chronista Fr. Gaspar que Diogo Vas de Escobar, Capitão
mór da Capitania de Nossa Senhora da Conceição de Itanhaen , aos 16
de Dezembro de 1653, tomou posse da Villa de Nossa Senhora do Ro
sario de Paranaguá, que pouco antes havia fundado Gabriel de Lara ;
tomou, digo, posse em nome de D. Diogo de Faro e Souza, herdeiro de
Martim Affonso de Souza etc., etc...”
Para salvar entretanto a sua responsabilidade, em ter dito Capi
tania de Itanhaen " em vez de Capitania de S. Vicente, o chronista vi
centino faz esta citação, em nota, extrahida dos “ apontamentos' do
Juiz de Fora Marcellino Pereira Cléto que havia sido, bem ou mal, o
unico chronista que fez consultas no velho Archivo de Itanhaen.
A “ Nota " de Pereira Cléto a que nos referimos, citada por Fr.
Gaspar, é esta : “ Archivo da Camara da Villa de Nossa Senhora da
Conceição de Itanhaen, Caderno que tem por titulo : Livro V , o qual
servio pelos annos de 1654 fs. 1 ” ... E disse !
E' a unica citação que o autor das Memoria's da Capitania de S.
Vicente faz ao referido archivo da Sede da Donataria dos herdeiros
de Martim Affonso, durante o longo periodo de 1624 a 1797.

Passamos agora a dar a copia do Alvará a que se refere a “ Es


criptura de Dóte ”, atraz transcripta, que foi tambem registrada nos
livros da Camara de Itanhaen :

1.° Alvará
“ Eu El Rey, faço saber aos que este alvará virem que havendo
respeito ao que por sua petiçam me enviou a dizer Dom Diogo de Faro
e Souza, por seu tio e tutor Dom Affonso de Faro, pedindo-me lhe

(6) A Capitania de Itanhaen só deixou de existir no reinado


de D. Maria 1.a , de 1791 em diante .
172

conceder licença para dotar a sua Irmã Dona Marianna de Faro e


Souza, que está contractada para casar com o Conde da Ilha do Prin
cipe, donatario das cem legoas de terras que tem na Costa do Brasil,
com suas povoações e titulo de Capitão e Governador, com mais juris
dicções e rendimentos, e que lhe passe carta de sucessão em nome da
dita sua Irmã, na forma que a elle lhe está mandada passar, supprindo
lhe o ser menor para fazer o dito dote, e visto os casos que allega e as
informações que se houve pelo Dr. Pedro Paulo de Souza, Dezem
bargador dos Aggravos e da Casa da Supplicação, de que consta que
ouvira o Supplicante e seu tutor e immediato successor do Morgado
que hé a dita sua Irmã dotada, que o Juiz de Orphãos lhe dera curador
lettrado por ser menor, e todos consentem no dote referido, e a
resposta que sobre tido deu o Procurador de minha Corôa, hei por
bem e me apraz que, sendo feito o dito casamento, se passe carta a
Dona Marianna de Faro e Souza das cem legoas de terras de que se tra
ta, na forma que está mandada passar ao dito Dom Diogo Faro, a quem
hei por supprida a idade para poder fazer o dito dote, tudo como em
sua petição péde, e este Alvará se cumprirá como nelle se contém e
valerá posto que seu effeito haja de durar mais de um anno sem em
bargo da Ordenação do Livro segundo, titulo quarenta , sem contrario .
Manoel da Costa o fez em Lisboa aos desesete de Setembro de mil
seis centos e cincoenta e tres annos. Jacintho Fagundes Bezerra o fiz
escrever . Rey. "
Além desta Alvará , consta do mesmo archivo, este “ Instrumento
de Procuração ” , que ainda se refere á posse da referida Capitania de
Itanhaen, dada em dote á Dona Marianna de Faro e Souza , Condessa
da Ilha do Principe :
“ Luiz Carneiro , Senhor das ilhas de Santa Helena e de Santo
Antonio e do Principe; Conde délla, do Conselho de Sua Magestade
que Deus guarde etc. Dou poder ao Senhor D. Luiz de Almeida,
meu sobrinho , para que por mim e em meu nome me faça mercê de
mandar tomar posse da Capitania de Itanhaen, de cem legoas de Costa,
no districto do Rio de Janeiro, com tudo a ella pertencente, na forma
das dôações della, e Mercê que Sua Magestade me tem feito, por re
nunciação do Senhor D. Diogo de Faro e Souza, em parte do dote
da Condessa sua Irmã e minha muito presada mulher ; e para mandar
cobrar as rendas da dita Capitania de Itanhaen, tomar contas e dar
quitações, e prover em todas as demais causas que a bem delle con
vier ; para que lhe dou todos os poderes e direitos necessarios para
substabelecer em um e mais procuradores que lhe parecer, com os
mesmos poderes. Passada em Lisboa no derradeiro dia do mez de
Abril de 1654 annos . O Conde da Ilha do Principe, D. Luiz
Carneiro."
173

Este setimo donatario da Capitania de Itanhaen D. Luiz Car


neiro – esteve na posse da dita donataria, desde 5 de janeiro de 1654
até 28 de Abril de 1679, em que foi substituido por seu filho D. Fran
cisco Luiz Carneiro, o qual obteve do Principe Regente D. Pedro II a
confirmação da " doação das cem legoas feitas por D. João III ao
primeiro donatario Martim Affonso de Souzo .” conforme se verá no
Capitulo seguinte.
-- 174

CAPITULO VIII

D. Francisco Luis Carneiro de Souza , Conde da Ilha


do Principe, reivindica as l'illas e terras uzurpadas pelos
Senhores da Casa de Monsanto . Carta régia de D.
Pedro II, Principe Regente, ordenando a posse dessas
terris em favor de D. Francisco . 1679. Carta de Dili
gencia e Certidões, requeridas na Bahia pelo Capitão Luis
Lopes de Carvalho, Procurador do Conde da Ilha do
Principe. Uma interessante Certidão do Archivo da
Fasenda Real, da l'illa de Santos. Posse solemne dada
na Camara de S. L'iconte, em 1679, na pessoa do Capitão
Luis Lope's de Carvalho. O Marques de Cascaes, suc
cessor dos Condes de Monsanto, é de novo empossado da
Capitania de São l'icente 1682. A l'illa de Itanhaen
continua com o titulo de Cabeça de Capitania da Donata
ria de Martim Affonso.

Em 28 de Abril de 1679, como já ficou dito, tomou posse da Capi


tania de Itanhaen D. Francisco Luiz Carneiro, filho e successor de D.
Luiz Carneiro, Conde da Ilha do Principe.
D. Francisco Luiz Carneiro de Souza, que herdou de seu pai
o titulo de Conde da Ilha do Principe, foi o oitavo donatario da Ca
pitania de Martim Affonso. Todos os demais Donatarios, seus anteces
Sores . na Capitania de Itanhaen, desde a Condessa de Vimieiro em

1624 , por seus procuradores e Loco-tenentes, haviam pleiteado a


causa de reivindicação das villas uzurpadas, perante os Tribunaes, sem
entretanto nada terem conseguido até esta data 1679. A gloria de
obter uma Sentença favoravel coube pois a este oitavo donatario da
Capitania de Itanhaen D. Francisco Luiz Carneiro de Souza que
a obteve do rei D. Pedro II, então principe regente de Portugal, plena
reivindicação de todas as cem jegoas doadas a Martim Affonso de
Souza, mandando então restituir a Villa de São Vicente, Santos, e as
· 175

demais do planalto da serra, a este donatario, as quaes se achavam


em poder dos Condes de Monsanto desde 1624 .
Era então donatario da Capitania de S. Vicente ( antiga Capitania
de Santo Amaro ), D. Alvaro Pires de Castro e Souza, conde de Mon
santo , que ao titulo de Conde havia juntado o de Marquez
de Cascaes. D. Alvaro Pires de Castro e Souza se oppos
tenazmente a que a Camara de São Vicente desse posse ao Conde de
Vimieiro. Procederam - se aggravos para a Relação da Bahia , Cartas de
diligencia etc., sem impedir entretanto que o donatario da Capitania
de Itanhaen D. Francisco Luiz Carneiro tomasse posse das referidas
villas, por intermedio do seu lóco -tenente o Capitão Luiz Lopes de
Carvalho, Governador e Ouvidor da Capitania de Itanhaen.
O Governador de Itanhaen, Luiz Lopes de Carvalho , antes de ser
empossado, foi á Bahia e ali apresentou, ao Ouvidor-Geral do Estado,
a carta de confirmação das terras, dadas pelo Rei, e requereu, que
" visto ter o Soberano feito aquella Mercê ao Conde seu constituinte,
o mandasse empossar de todas as villas e lugares que havia possuido
Martim Affonso de Souza e seus herdeiros, sem contradicção de pessoa
alguma." Sendo attendida a sua petição requereu ainda que lhe fosse,
em virtude da Carta Régia, passada uma Carta de diligencia, a qual
consta dos “ Autos de posse do Conde da Ilha do Principe” na Camara
de S. Vicente .
Eis o teor dessa Carta -Regia :
“ D. Pedro, por Graça de Deus etc ... Me mandou dizer por sua
Petição o Conde da Ilha do Principe, por seu Procurador Luiz Lopes
de Carvalho, Ouvidor e Governador da Capitania de Itanhaen, lhe man
dasse passar carta de diligencia, para em virtude della se lhe dar a
posse de todas as villas e terras da dita Capitania, na forma de sua
Doação, como as possuia o dito Martim Affonso de Souza, e Eu man
dasse ; e receberia Mercê ... Em virtude do qual despacho se passou
a presente Minha Carta de diligencia, pela qual vos mando a todos
em geral e a cada hum em particular, que, tanto que vos seja apresen
tada, sendo primeiro pelo meu Ouvidor Geral assignada e passada pela
minha Chancellaria, e em seu cumprimento dareis, ou mandareis por
hum Official de Justiça, de ante vóz, dar posse ao Supplicante o Conde
da Ilha do Principe, Francisco Luiz Carneiro de Souza , por seu
Procurador Bastente, das ditas cem legoas de terra e de todas as villas
e terras da dita Capitania, em sua petição declarada atraz, nesta incor
porada, na forma da sua Doação, que com esta vos será apresentada;
assim e da maneira que as possuia Martim Affonso de Souza e como
Eu mando na dita Doação, e como os tinhão e possuirão os Donatarios
antecessores do dito Supplicante ... E sendo caso que por parte de
alguma pessoa, ou pessoas, venhão com embargos ao cumprimentɔ
- 176

desta Carta, vós delles não tomareis Conhecimento, posto que hajam
de receber ; antes os remettereis a este Juizo de minha Ouvidoria -Geral
e do Civil, adonde pertencem ; sem embargos delles esta a fareis cum
prir e guardar, assim e da maneira que nellas se contem. Dada e pas
sada nesta minha Cidade do Salvador, Bahia de Todos os Santos, aos
26 dias do mez de Setembro de 1678 annos. O Principe Nosso Senhor
o mandou pelo Doutor João de Góes de Araujo, do seu Desembargo,
seu Desembargador e Ouvidor-Geral e Civil, com alçada em todo este
Estado do Brasil."
Luiz Lopes de Carvalho obteve ainda na Bahia uma Certidão do
Escrivão da Provedoria da Fazenda Real e outra extrahida dos
Livros da Fazenda Real, da Villa de Santos , conforme consta dos refe
ridos autos das Camaras de S. Vicente, Itanhaen e Santos.
Damos na integra a copia dessas duas certidões, que são impor
tantes, não só pelo que esclarecem sobre a questão, como tambem pelas
referencias que fazem a outros pontos que muito interessam a historia
da fundação de São Vicente e Santos .

“ Certidão de um livro da Provedoria


Mór da Fazenda Real da Bahia :

" O Capitão João Dias da Costa, Escrivão da Fazenda Real do


Estado do Brasil e da matricula da Gente da Guerra do exercito della,
e prezidio desta Cidade do Salvador, Bahia de todos os Santos, por
Sua alteza etc. Certifico que revendo os livros da mesma Fazenda,
que estão em meu poder, achei um antigo, que começa a escriptura
delle pelo Traslado do Regimento dos Provedores das Capitanias e
villas dos Estados do Brasil , de como hão de servir.
E a folhas 22v. delle consta estar registrado o Traslado de uma
Doação, cujo titulo é o seguinte : “ Traslado da Doação da Capitania
de S. Vicente, da qual é Capitão Martim Affonso de Souza " . E logo
adiante da dita Doação está registrada o Fóral della, a fls. 26 do dito
Livro, dado pelo Senhor Rei D. João III, da data de 7 de Outubro
de 1534, cujo titulo diz : “ Traslado do Fóral da Capitania de S.
Vicente, de que é Capitão Martim Affonso de Souza ” . E em outro
livro Antigo, que tem por titulo : “ Livro de Registro dos Ordenados e
Mantimentos etc." o qual começou no primeiro de Abril de 1549, e
const délle, a fls. 26, que estão registrados trez Alvarás, passados em
Maio do anno de 1544, cujo titulo diz : “ Traslado das trez Provisões
d'El- Rei Nosso Senhor, dos Ordenados de que faz Mercê e ha de haver
Simão de Oliveira, Vigario da Villa de S. Vicente, Capitania de Mar
tim Affonso de Souza ” . E nos ditos Alvarás faz a mesma declaração
da Villa de São Vicente, Capitania de Martim Affonso de Souza .
- 177

E, na dita folha, verso, está uma Provisão do mesmo Senhor Rei D.


João III , porque faz Mercê a Antonio de Oliveira, da Feitoria e Al
moxarifado da Capitania do Brasil de que tem feito mercê ao mesmo
Martim Affonso, cujo titulo diz : “ Traslado da Provisão de S. Alteza,
por que faz mercê a Antonio Rodrigues, do Officio de Feitos, e Al
moxarife da Capitania de S. Vicente, de que é Capitão e Governador
Martim Affonso de Souza " , a qual é dada no mez de Janeiro de
1538. E a folhas 27 do dito Livro está um Alvará de S. Alteza , por
que faz mercê a Antonio Tinoco de Provedor da Fazenda da
Capitania de Martim Affonso de Souza , nas terras do Brasil , passada
em 1548 cujo titulo diz : “ Traslado da Provisão de Sua Alteza , a
Antonio Tinoco, de Provedor da Fazenda da Capitania de S. Vicente."
e a folhas 44 está uma Provisão do Senhor Rei D. João III , porque
faz merce a Braz Cubas dos cargos de Provedor e Contador de Suas
Rendas e direitos da Capitania de São Vicente, nas terras do Brasil
de que Martim Affonso de Souza, do seu Conselho hé Capitão ; pas
sada em Julho de 1554 annos, cujo titulo diz : “ Traslado da Provisão,
porque Sua Alteza ha por bem que Braz Cubas sirva de Provedor,
em sua vida, da Capitania de S. Vicente . " Como tudo consta dos
ditos livros acima referidos a que me reporto e delles passei a pre
sente , por ser o que achei etc. Na Bahia, aos 30 dias do mez de
Agosto de 1678. José Cardozo Pereira a fez. Assignado João Dias
da Costa ." ( Documentos do Archivo da Camara de S. Paulo ) .

A outra Certidão extrahida dos livros da Provedoria da Fazenda


Real da Villa de Santos é a seguinte :

“ Certidão de livro da Provedoria da Real


Fazenda da l'illa de Santos :

“ Certifico eu Sebastião Ribeiro, Escrivão da Real Fazenda, e


Almoxarifado desta Capitania de São Vicente, que é verdade, que
em meu poder tenho um livro velho, que está no Cartorio desta Pro
vedoria, que se intitula : “ Livro do Registros desta “ Feitoria da
Capitania de São Vicente, que começou a servir em o anno de 1564.”
E a folhas 25 do dito livro está uma Provisão do Senhor Rei de Por
tugal, e por nella não estar o nome do Senhor Rei, fui a ver adeante,
e se nomeava o Real Nome, achei outra Provisão passada a folhas
47, em 18 do mez de Junho de 1551 , em que inferi serem ambos
passados pelo Senhor Rei d . João III , que deus haja, e nella ordena o
senhor rei, pela primeira Provisão a folhas 25 do dito livro, e
diz , que a requerimento dos moradores da Capitania de São
Vicente, de que Martim Affonso de Sousa, de seu Conselho, é Ca
- 178

pitão, mandava se fizesse uma Fortaleza na Barra de Bertioga,


para a qual havia por bem, que dos direitos, que tenha na dita
Capitania se gastassem dois mil cruzados nas obras da dita Fortaleza,
e que das redizimas da dita Capitania, pertencente ao dito Martim
Affonso , se gastassem mil cruzados. Passado em Almerim , aos 25
de Juiho de 1551 annos . E a folhas 19 do mesmo livro está regis
trada uma Provisão, cujo theor é o seguinte : – Martim Affonso de
Sousa, do Conselho d'El-Rei Nosso Senhor, Capitão e Governador
da Capitania de S. Vicente, no Estado do Brasil, etc. Mando a vós
Braz Cubas, que óra tendes o cargo de arrecadador de minhas rendas,
que tenho na dita Capitania, ou a quem tiver cargo de arrecadar as
ditas rendas, que dellas deêm e entreguem mil cruzados á
pessoa a quem se entregar o dinheiro, que El - Rei Nosso Senhor
manda dar para a Fortaleza, que se ha de fazer na Bertioga ( 7 ) e
por este conhecimento da pessoa a quem se entregar, e com Certidão
de como foram carregados em receitas, para as obras da dita Fortaleza,
os levareis em conta ; por que são para ajuda das despesas da dita For
taleza, como El-Rei Nosso Senhor manda em sua Provisão. Sebastião
de Moraes as fez em Alcoentre a 8 de Março de 1552 annos. As
signado Martim Affonso de Souza .
E não contem mais a dita Provisão e por me ser mandado por
despacho do Provedor da Fazenda Real, desta Capitania, o Capitão
Paulo Rodrigues de Lara, passei a presente Certidão, reportando -me
ao dito livro, que em meu poder fica. Em esta Villa de Santos, aos
23 dias do mez de Abril de 1679 annos. Eu sobre dito Escrivão que
o escrevi.” ( arch . da Cam . de Itanhaen ).
Luiz Lopes de Carvalho, munido de todas estas certidões e
Cartas-Regias de confirmações dos direitos de seu constituinte, se
apresentou em S. Vicente, requerendo aos Camaristas que lhe dessem
posse immediata de tudo, segundo ordenava a mencionada Provisão
e a Carta Regia. Os vereadores indeferiram porém a petição de Luiz
Lopes de Carvalho, e este aggravou logo, o despacho, para a Relação
da Bahia, a qual, attendeu a petição de aggravo, mandou que os
officiaes dessem a referida , posse, immediatamente .
Em virtude desse despacho da Relação os officiaes da Camara
empossaram , sem mais escrupulo, o Conde da Ilha do Principe, na

(7) Martim Affonso, durante a sua permanencia em S. Vi


cente, já havia mandado levantar uma Fortaleza, que depois foi conhe
cida com o nome de S. Felippe, na margem direita da barra da Ber
tioga, ( Ilha de Santo Amaro ). Nesta data – 1551 – ordenava ainda
o donatario, em Almerim, que se levantasse outra na margem opposta,
onde hoje existe a Fortaleza de São João da Bertioga. (Vide " Forta
lezas do Porto de Santos " em utra parte destas “ Memorias " ) .
- 179

pessoa de seu representante o Capitão Luiz Lopes de Carvalho, a 28


de Abril de 1679, conforme consta do Auto que passamos a transcrever.

“Posse que tomou o donatario D. Luis Carneiro de


Souza, Conde da Ilha do Principe, da Capitania de São
Vicente, em 28 de Abril de1679.
Anno do Nascimento de Nosso Senhor Jesus Christo de mil
seis centos e septenta e nove, aos vinte e oito dias do mez de Abril,
do dito anno, nesta Villa de S. Vicente, Cabeça desta Capitania, em
Senado da Camara della, estando em vereação os juizes ordinarios
• Capitão Domingos de Brito Peixoto , e O Capitão Francisco
Callaça, e os vereadores : o Capitão Augusto Rodrigues da Guerra e
o Capitão Manuel de Aguiar e Manuel Rodrigues de Azevedo, e O
procurador do Conselho o Capitão Sebastião Vieira de Souza, perante
elles appareceu o Capitão Luiz Lopes de Carvalho, procurador bastante
do Conde da Ilha do Principe Francisco Luiz Carneiro de Sousa,
e apresentou aos ditos officiaes daCamara uma Doação, pela qual
Sua Alteza, que Deus guarde, faz mercê ao dito Conde, da Capitania
das cem legoas de terras por Costa, a qual foi concedida pelo Senhor
Rei D. João III a Martim Affonso de Souza , terceiro avó do dito
Conde ; e por quanto a doação era confirmada por Sua Alteza e
trazia o cumpra- se do dito Governador Geral do Estado e pelos
Desembargadores da Relação, apresentou tambem a Carta de diligen
cia, contida nestes Autos ; em virtude da dita doação e Carta de
diligencia, requereu aos ditos officiaes lhe dessem posse da dita
Capitania do dito Senhor Martim Affonso 'de Souza ; e porque os
litos officiaes da Camara repugnaram dar a dita posse, como destes
Autos se vê, pelas razões de seus despachos declarados, o dito Pro
curador aggravara para o desembargo da Relação do Estado, e
viera com a Petição de aggravos a estes Autos juntos ; a qual sendo
vista pelos ditos officiaes da Camara e as certidões que por parte do
Senhor Conde se apresenta, pelas quaes consta ser a dita Capitania
de Martim Affonso de cem legoas de terra, por Costa, deferiam com
o despacho retro , e, em virtude delle impossaram ao dito Capitão
Luiz Lopes de Carvalho, em nome de seu Constituinte D. Francisco
Luiz Carneiro de Souza , Conde da Ilha do Principe, de todas as
villas da Capitania que possuia Martim Affonso de Souza, na forma
da Ordem de Sua Alteza ; e o dito Procurador, em virtude da dita
posse , passou pela dita Casa da Camara, abriu portas e janellas e
as
as fechou, e foi ao Pellourinho, poz mãos nos ferros delle,
dizendo duas e tres vezes, em altas vozes : Que tomava posse,
em nome de seu Constituinte, de toda a Capitania e villas que possuia
o dito Martim Affonso de Souza , e de toda a Jurisdicção della,
- 180

tanto civil como crime, na forma da sua Doação. E se havia alguna


pessoa que fosse contra a posse...
E por não haver quem lhe impedisse, os ditos oificiaes houveram
por empossado da dita Capitania e de todas as cousas pertencentes a
ella. E todos assignaram , e eu Antonio Madureira Salvadores, escri
vão da Camara o escrevi . Manuel Rodrigues de Azevedo. Do
mingos de Brito Peixoto. Manuel de Aguiar. Antonio Rodri
gues da Guerra . Francisco Callaça . Sebastião Vieira de Souza.
- Luiz Lopes de Carvalho."
Em consequencia desta posse ( aliás muito legitima ) ficou o
Conde de Monsanto ( que já tinha o titulo de Marquez de Cascaes ),
não só sem as ilhas de São Vicente e Santo Amaro, como tambem
sem as villas situadas nellas e nos seus fundos, que não eram suas ;
mas tambem ficou sem a Villa e Ilha de São Sebastião , que de direito
the pertencia, por se achar comprehendida dentro das dez legoas de
Pero Lopes : do Rio Curupacé á barra de Bertioga .
" Como os Senhores da Casa de Monsanto haviam tomada posse,
diz o Chronista vicentino, como titulo de Donatarios de S. Vicente,
averiguando - se nesta occasião que lhes não pertencia a tal Capitania ,
as entenderam os vereadores de São Vicente que nada era seu, e
tu lo competia aos herdeiros do Donatario Fundador da villa de São
Vicente !"
“ Em fim, praticou- se de accordo com o estylo observado em todas
3s occasiões de posses ; pois quasi nunca as tomou Donatario algum,
sem que entrasse pelas terras do seu vizinho.” ( Fr. Gaspar, obra
citada .)
Existe nesta phase do litigio, um ponto, aliás muito importante,
que precisa ser esclarecido, no qual OS dois historiadores , que se
occuparam desta questão, Pedro Taques e Fr. Gaspar não
esclarecem e não estão de accordo, como vamos vêr.
Pedro Taques diz que o donatario D. Francisco Luiz Carneiro
de Souza conservou - se na posse das villas e logares da dita Capitania
de São Vicente e que “provendo em 22 de Março de 1694, no cargo
de seu Procurador Bastante no Capitão Thomé Monteiro de Faria ,
declara, no seu Alvará, de Procuração, que é Donatario da Capitania
de São Vicente, e da de Nossa Senhora da Conceição de Itanhaen ,
bem como das Villas de Santos, de São Paulo, de Paranaguá, de
Iguape, de Cananéa, da Ilha -Grande e das mais annexas."
Esse mesmo historiador dá a entender que, na Capitania de Ita
nhaen, os outros donatarios, que succederam a D. Luiz Carneiro até
1709 ou 1711 (que foi quando a Coroa comprou do Marquez de
Cascaes, essa parte da Capitania de São Vicente e Santo Amaro,)
sinda estavam de posse de toda a Capitania de São Vicente. Esta
181

supposição de Pedro Taques é erronea pois que, se as villas de


São Vicente, Santos, São Paulo e as demais incluidas nas cincoenta
legoas de Pero Lopes, que ficaram injustamente fazendo parte da
dita Capitania de São Vicente, ou por outra da Capitania de Santo
Amaro, estivessem ainda em poder dos Condes de Vimieiro, até essa
data, como pretende o digno historiador, seriam então estes e não o
Marquez de Cascaes que effectuariam a venda e receberiam os qua
renta mil cruzados que o rei mandou pagar.
Nesta controversia, entre os dois historiadores de São Vicente,
quem está com a razão, incontestavelmente, é ainda Fr. Gaspar da
Madre de Deus .
Vejamos pois o que diz este chronista quando se refere a tão im
portante ponto controvertido.
“ Hé certo, diz elle, depois de analysar a posse dessa parte da
Capitania dada pelos camaristas de São Vicente, ao Conde da Ilha
do Principe, em 1679, “ Hé certo, que o Conde da Ilha não con
servou muito tempo o Paiz revendicado, e tambem que o de Mon
santo ( Marquez de Cascaes ) tornou a introduzir -se nas duas ilhas e
terrenos ( São Vicente e Santo Amaro ) por elle antecedentemente
occupados, em virtude da demarcação de Fernão Vieira Tavares.
“ Na Camara de S. Vicente não se acham os Autos da sua ultima
posse ; mas entre os papeis soltos do Archivo da mesma Camara de
São Vicente, conserva - se huma carta do Conde de Monsanto, escripta
aos Vereadores, em 26 de Janeiro de 1682, na qual diz que : Aggra
vando seu Procurador dos Officiaes da Camara que haviam executado
a Carta de Diligencia do Ouvidor Geral, obtivera elle Conde de Mon
santo Sentença de desfarço a seu favor dada pelo Desembargador
Syndicante João da Rocha Pita .
“ Hé verosimil, pois , que no mesmo anno de 1682 , ou no seguinte ,
quando muito, tornou o Conde de Monsanto a tomar posse das duas
[lhas de São Vicente e Santo Amaro, e das villas situadas nos seus
fundos."
Além desta prova apresentada por Fr. Gaspar, temos, ainda ,
além de outras que vamos adduzir, uma na “ Chronologia de Aze
redo Marques " que vem demonstrar, na forma mais positiva,
fue, a parte da Capitania de São Vicente, comprehendendo as
villas de S. Vicente, Santos, São Paulo etc. estava, já de novo, na
posse do Marquez de Cascaes, não em 1682. mas em 1681 ; pois a 22
& Março desse anno, dito Marquez de Cascaes , passava
una Provisão, no Castello de São Jorge, em Lisboa, dando á Villa
de São Paulo a categoria de “ Cabeça de sua Capitania " e desti .
tuindo, portanto , a Villa de São Vicente, desta prerogativa , como
verá no Capitulo seguinte.
182

Em virtude dessa Provisão, diz Azevedo Marques, lavrou-se


autó de posse” em Camara , á 27 de Outubro de 1683, ( conforme
consta do Archivo da Camara de S. Paulo. Livro de Registro de
Pievisões e Ordens Regias, como teremos occasião de verificar.)
Vos " Annaes da Camara de' S. Paulo " , correspondentes ao anno
de 1€ 33, não consta, entretanto , este auto de " Posse" que a mesma
Villa assumiu de Cabeça de Capitania de São Vicente " . Nos ditos
annaes livros de Actas vem um termo de requerimento que
Íez , a 2 de Outubro de 1683, o Capitão -Mór Luiz Lopes de Carvalho,
não como Governador da Capitania de S. Vicente, mas como repre
sentante do Conde da Ilha do Principe.
Luiz Lopes de Carvalho requeria á Camara de S. Paulo a en

trega de uns papeis relativos ás minas de Sorocaba, que estavam


dentro da jurisdicção da Capitania de Itanhaen .
O Termo ou Auto, que se lavrou na Camara de S. Paulo, quando
se leu e registrou-se ali a provisão do Marquez de Cascaes, dando á
mesma Villa o predicamento de “ Cabeça da Capitania de S. Vicente"
não foi registrado no livro de Actas, mas no livro de registro geral,
como se verá adeante .
Durante os dois annos, mais ou menos, em que os donatarios da
Capitania de Itanhaen estiveram na posse da Capitania de São Vi
cente , isto é – da Capitania de Santo Amaro não deixou de haver
a mesma distincção, que até então havia existido, entre as duas Ca
pitanias, de São Vicente e de Itanhaon , como se verifica dos documen
tos dessa época .
O Alvará de 1694 citado por Pedro Taques, pelo qual o Conde da
Ilha do Principe dá Procuração Bastante ao seu Loco - tenente
Thomé Monteiro de Faria (8 ) , diz claramente que elle, Conde da
Ilha do Principe “ é donatario da Capitania de São Vicente e da de
Nossa Senhora da Conceição de Itanhaen, bem como das Villas de
Santos, de São Paulo, etc. " .
E' preciso que se note, portanto, afim de evitar confusão, que a
Villa de Itanhaen não ficou destituida do titulo de “ Cabeça da Ca
pitania de Itanhaen " durante este periodo 1679 1682 e muito
inenos depois, de 1711 , quando o Marquez de Cascaes vendeu á
Corôa a sua Capitania de Santo Amaro ", conhecida por Capitania de
São Vicente .
Todos os documentos da Camara de Itanhaen e das respectivas
Villes, que air.ca estavam sujeitas á Jurisdicção da Donataria dos
herdeiros de Martim Affon : 0, e mesmo as Provisões e Cartas Regias,

( 8) Thomé Monero de Faria, foi Governador da Capitania de


Itanhaen , como se verifi.a da Relação" respectiva que vae em outro
Capitulo Vol . 1.9.
183

deste periodo que vae de 1679 a 1721 , como se verifica dos Archivos
Publicos, fazem menção da “ Capitania de Itanhaen da qual é do
natario o Conde da Ilha do Principe. "
E' isto, afinal, um facto incontestavel, provado pelos documentos
que vão transcriptos nesta “ Memoria " .
Admira, entretanto, que , nem Pedro Taques, nem o dr. Antonio de
Toledo Piza, que se occuparam exclusivamente desta questão “ Pro
cesso Vimieiro Monsanto " no intuito de esclarecer a verdade,
tivessem olvidado esse ponto principal de que estamos tratando, e
viessem mesmo accentuar ainda mais tal confusão entre as Capitanias
de São Vicente e de Itanhaen , como já temos demonstrado .
Se csies historiadores tivessem , com mais perseverança, consultado
os velhos archivos, já não diremos das villas da Capitania de Ita
nhaen, mas da propria Cidade de S. Paulo, teriam ahi encontrado os
velhos documentos, dessa época, que bem esclarecem agora todos esses
pontos de controversia entre Fr. Gaspar e Pedro Taques, quanto á
posse ou revindicação, por parte do Marquez de Cascaes, da parte da
Capitania de São Vicente que havia sido reconquistada pelo Capitão
Governador de Itanhaen Luiz Lopes de Carvalho, em 28 de Abril
de 1679 .
Passamos a transcrever , neste Capitulo, outro documento do
Archivo Municipal de São Paulo, que tambem não foi citado por
esses historiadores.
Em 20 de Março de 1682 o Capitão Diogo Ayres, procurador
do Marquez de Cascaes, dirigia uma carta e requerimento ás Camaras
da Capitania de S. Vicente, nestes termos : “ Senhores officiaes
da Camara. O Capitão Diogo Ayres de Araujo, procurador bastante
do Senhor Marquez de Cascaes, donatario desta Capitania de São
Vicente, e como procurador da Coroa, fazenda real e fisco, requer a
vossas mercês, da parte de Sua Alteza , que á sua noticia é vindo
que Luiz Lopes de Carvalho, Capitão-mór da Capitania de Con
ceição , que de presente está no reino, tem escripto a esta Capitania,
dizendo estar provido por Capitão-mór desta Capitania ( de São Vi
ceinte) por nove annos ; tendo assim alterado estas villas que estiveram
sempre em posse pacifica do dito Senhor Marquez de Cascaes, do
natario destas Capitanias de S. Vicente, como a vossas Senhorias Ihes
consta ; e por quanto o dito Luiz Lopes de Carvalho, por si e por
segunda pessoa pode apresentar nesse Senado, occultamente, alguma
ordem , sentenças , provisões ou outro qualquer titulo que eja , que
prejudique ao dito senhor marquez em sua pacifica posse, ou por
outra qualquer via que seja, requeiro a vossas mercês, da parte de
Sua Alteza, lhe não admittam cousa alguma, nem provisão, nem nada
que a esse Senado possa apresentar o dito Luiz Lopes de Carvalho,
184

por si, por seu procurador ou por outra qualquer pessoa, sem primeiro
me mandarem vossas mercês dar vista de todos os papeis, provisões
que apresentar, ou Sentenças que prejudiquem a posse do dito Senhor
Marquez, por quanto tem embargos legitimos a tudo quanto apre
sentar ; aliás não lhe sendo concedida vista por vossas mercês, antes
de lhe deferirem cousa alguma : aggravo ou appello, qual no caso
couber para a Relação deste Estado, ou para donde o caso directa
mente pertencer, onde proteste allegar justiça contra meu constituinte
e de haver as perdas e damnos que resultarem ao dito Senhor, que em
direito fôr. Para o que mandem vossas mercês tomar este requeri
mento e dar certidão do teor delle por ser para bem da Justiça ; e o
mesmo tenho feito na Villa de São Vicente para que conste a todo
o tempo, com o que me assigno. Santos, 13 de Março de 1682. O
procurador da Coroa Diogo Ayres de Araujo.” ( Registro Geral
da Camara de S. Paulo ) .
No Capitulo seguinte ao tratarmos da prerogativa de Cabeça da
Capitania de São Vicente " , concedida nesta época pelo Marquez de
Cascaes á villa de São Paulo transcreveremos ainda outros
documentos importantes, do “ Registro Geral” da mesma Camara,
que não foram citados pelos ditos chronistas .
CAPITULO IX

O Marquez de Cascaes destitue a Villa de São Vicente


do titulo de “ Cabeça de Capitania " e concede essa pre
rogativa á Villa de São Paulo 1681. A gratidão do
Marquez para com os habitantes da Villa de São Paulo. -
A Camara de São Vicente appella para a Relação da
Bahia e consegue annullar o Acto do Marquez de Cas
caes. Os documentos da Camara de S. Paulo , dessa
época, que esclarecem este ponto. A Epopéa dos Ban
deirantes, nas duas Capitanias Paulistas.

O documento que passamos ainda a transcrever, .dos livros de


Registros das Provisões e Ordens Régias do Archivo da Camara Mu
nicipal de São Paulo, não foi citado, nem por Pedro Taques, nem
por Fr. Gaspar, que sem duvida não tiveram delle conhecimento , ou
lhes passou despercebido . E' esse documento, entretanto, a prova
mais evidente, como já dissemos, da posse que o Marquez de Cascaes
havia de novo obtido das terras e villas que, a 28 de Abril de 1679,
haviam sido restituidas aos herdeiros da donataria de Martim Af
fonso de Souza, na pessoa de seu Loco - tenente Luiz Lopes de
Carvalho. Azevedo Marques citou essa Provisão mas não procurou ,
de forma alguma, esclarecer o ponto controvertido porque, como os
demais historiadores contemporaneos, não ligou importancia ao facto,
suppondo sem duvida que : Capitania de São Vicente ou Capitania
de São Paulo e Capitania de Itanhaen -, eram uma e a mesma
cousa !
A Provisão dando á villa de S. Paulo a prerogativa de Cabeça
de Capitania de São Vicente, é assim concebida :
“ Eu o Marquez de Cascaes, Senhor e Capitão Geral das terras
de S. Paulo e Santo Amaro do Estado do Brasil etc. Tendo respeito
ao zelo e fidelidade com que os moradores da dita minha villa de São
Paulo servem ao Principe meu Senhor e a mim , em todas as occa
186 -

siões avantajando -se em tudo aos mais vassallos e moradores da dita


Capitania, com tanto valor e verdade, como experimentou na occa

sião em que se intentou, subsepticiamente privarem ao seu Capitão -mór


da minha posse ; desejando que pelo serviço que nesta occasião inten
tavam fazer-me, rememorando -lhes tão grande obrigação, como farei
sempre que me lembrar do seu merecimento, que procurarei ter sempre
multo na memoria , para em toda a occasião lhes mostrar o animo com
aire desejo empregar-me nas suas melhoras ; assim , por esta razão
como por outras muitas que se me offerecem, quero e o hei por bem ,
que a dita Villa de S. Paulo seja, de hoje em deante Cabeça da dita
Capitania e como tal gose de todas as proeminencias que até o pre
sente lograva a Villa de S. Vicente. Pelo que mando etc. Dado em
Lisboa em o Castello de S. Jorge, aos 22 de Março de 1681 etc.
9
Marquez de Cascaes,"
Vê-se bem , pela fórma porque se exprime o Marquez nesta Pro
visão, que os Camaristas de São Vicente haviam incorrido no seu
desagrado, pelo facto de terem, embora com alguma relutancia,
dado posse solenne ao Conde da Ilha do Principe, não só da Capi
tania de São Vicente como de uma parte da de Santo Amaro, que
de direito lhe pertencia, como já ficou explicado ; ao passo que os
Vereadores de S. Paulo se negaram a confirmar esse acto, conforme
se deprehende das allusões feitas no documento que vimos de tran
screver .
Assim se explica pois o motivo da gratidão do dito Marquez e
dos seus termos lisongeiros e affectuosos para com os Camaristas e
povo da villa de S. Paulo, a qual villa vae ser por elle elevada ao
Jiredicamento de Sede de sua Capitania.
Os vereadores e homens bons de S. Paulo, na mesma sessão em
que se reuniram para tomar conhecimento desta provisão do Marquez
de Cascaes, lavraram o seguinte auto : “ Aos 27 dias do mez de Abril
de 1683, sendo juntos os officiaes da Camara abaixo assignados
e o Capitão-mór desta Capitania Diogo Pinto do Rego, foi vista e
recebida a mercê atraz por alguns homens bons do povo que foram
chamados, e logo pelo dito Capitão -mór foi accordado que o por
teiro desta Camara e tabellião fossem a praça e logares publicos desta
Villa a dar noticia e fazer patente em como o Senhor Marquez
de Cascaes, donatario, fazia , como tinha feito, mercê, de que esta
villa fosse Cabeça da Capitania, com os privilegios que até agora
tinha gosado a villa de São Vicente. E se houvesse alguma outra pro
visão em contrario, acudisse a apresentar neste Senado, quema
, tivesse ; o que sendo assim feito constou , pela resposta dos sobreditos
officiaes que a dita diligencia fizeram não haver pessoa que com
outra provisão encontrasse esta . O que visto pelo dito Capitão -mór
187

e governador desta praça e pelos officiaes da Camara deste Senado,


se mandou fazer este Auto de posse em que todos assignaram etc." ,
Não obstante o regosijo dos habitantes da villa de São Paulo
por este acto do Marquez, que foi assim acolhido e registrado nessa
sesão solenne presidida pelo Capitão-mór Diogo Pinto do Rego,
surgiram duvidas, não só em São Vicente, como em todas as de:
mais villas da Capitania ,, e mesmo na propria villa de S. Paulo,
se deveriam ou não os Camaristas acceitar esse acto ou essa dadiva
do donatario ; destituindo a Villa de São Vicente do seu titulo de
" Cabeça de Capitania " .
Os membros do “ Senado do Conselho " da villa de S. Paulo,
movidos então por natural , escrupulo, dirigiram - se, em carta, aos ve

readores vicentinos, aos . 4 de Outubro do anno seguinte 1684,


dizendo que a attitude assumida pela Camara, acceitando a provisão
do Marquez, era um facto commum de obdiencia, e “ muito ajustada
a razão ” , ainda assim não ignoramos, diziam os vereadores de S.
Paulo, que vossas mercês tinham , tambem, suas razões ; “ e para
que se não infira, de nossa parte, motivos que não desejamos, mas
todo acerto e união, como nos encommenda Deus e El-Rei nosso
Senhor - se accordou neste Senado a fazer-se-lhes a vossas mercês
estas regras, e nellas significar-lhes que : Sendo que houvesse
alguns dos Senhores Reis feito mercê a essa Camara ( de S. Vicente )
dą primazia da Cabeça de Capitania, por provisão e Alvará, ou cousa
por onde determine expressamente essa dita mercê, esta Camara vem
pedir , a v. mercê, nos remettam OS traslados, porque embora este
Senado tenha a dita mercê ( provisão) , não duvidaremos obediencia de
leaes vassallos e lograremos o favor do maior, sessando o menor,
que é o Senhor Varquez, por onde esta Camara, de presente, logra
primazia... etc."
Os vereadores da Camara de São Vicente, depois de ligeira busca
nos velhos archivos da villa, deram, a 1.º de Novembro desse mesmo
anno de 1684, a seguinte resposta : Senhores officiaes da Camara
de São Paulo. Recebemos a de v. mercês de 4 de Outubro passado de
que fizemos intimação etc. Não fizemos a resposta mais cedo, por
não nos ter ajuntado, pedindo a V. Mercês relevem esta alta . Sobre
o que v. mercês nos apontam que se façam as diligencias de buscas
no archivo, entre os muitos papeis delle, nada encontramos ... Vossas
Mercês, serão sabedores, supposto que bem se sabe , -- que o inimigo
queimou esta villa, e nessa ,occasião arderiam , os papeis, e, somente
se livrou os , ornamentos, sinos com que o Senhor D. João, o ter
ceiro, de gloriosa memoria, quiz engrandecer esta Igreja e villa que
o Senhor Martim Affonso de Souza, que Deus haja fundou, e foi
a primeira desta Capitania que o Senhor Marques de direito deve
188

conservar em sua posse e antiquidade immemoravel. Todos somos


vassallos de Sua Magestade que Deus guarde e soldados do Senhor
Marquez donatario etc. "
Esta resposta e estas desculpas improcedentes dos vereadores de S.
Vicente aos Camaristas de São Paulo, dizendo que não havia documen
tos no archivo em consequencia de ter sido a dita villa incendiada
pelos inimigos que só respeitaram os sinos e alfaias da matriz, “ en
grandecida pelo rei D. João III", não nos parece muito sincera.
Na Camara vicentina havia , nessa época, grande cópia de do
cumentos provisões, cartas régias e alvarás d'el-rei provando que
a villa de Martim Affonso havia sido desde seus primordios, insti
tuida em Cabeça de Capitania de São Vicente " . Essa mesma Camara,
esse mesmo escrivão Antonio Maria Salvadores que assignou a
resposta dirigida aos Vereadores de São Paulo, havia re
gistrado em São Vicente 0 Auto de posse as cartas- régias,
provisões etc, apresentadas pelo Capitão Luiz Lopes de Carvalho em
sessão solenne de 28 de Abril de 1679, quando os vereadores de
São Vicente o empossarem dessa villa e de todo o resto da Capitania ,
que se achava em poder do mesmo Marquez de Cascaes. Nesses
documentos , que já foram transcriptos , havia prova, a mais evidente,
que a dita Villa de S. Vicente tinha sido sempre considerada a

Séde da Capitania dos herdeiros da donataria de Martim Affonso, até


o anno de 1624, passando, dessa data em deante, a fazer parte da
donataria de Pedro Lopes sempre com o mesmo titulo de Cabeça
de Capitania de São Vicente, conforme constava, tambem , das
antigas “ Cartas de Sesmarias " .
Os ditos vereadores eram ainda pouco sinceros e procediam um
tanto astuciosamente quando diziam nessa carta que : " O Senhor
Marquez devia, de direito , conservar em sua posse e antiquidade im
memoravel, essa Capitania, pois todos somos soldados do Senhor
Marques" , tanto assim que, apesar de haverem aparentado con
cordia com os vereadores de S. Paulo, " em manter o acto do mar
quez ”', elles, a socápa, appellavam para a Relação da Bahia, pedindo
revogação do dito acto do Senhor de Cascaes, pelo qual destituia a
Villa de São Vicente “ dessa prerogativa ” , e recorreram mesmo, nesse
sentido, ao Governador Geral Marquez das Minas, com sede na
Bahia .
O Governador Geral dirigiu então uma carta aos officiaes da
Camara de S. Paulo, em 6 de Setembro de 1684, reprovando o pro
cedimento da mesma Camara em “ não querer dar posse e não querer
admittir o Capitão-mór de São Vicente Pedro Taques de Almeida ".
Entre outras cousas dizia o Governador- geral: " Nenhuma razão po
dem ter V. Mercês por a Capitania de S. Vicente haver preferido, de
189

muitos annos até o presente, como Cabeça (a Villa do mesmo titulo )


por mercê particular d'el-rei dom João III, feita a Martim Affonso
de Sousa, primeiro povoador desta villa de São Vicente. O funda
mento que V. Mercês têm, desta regalia, é uma provisão do do
natario que não tem poder nem jurisdicção para isso, tocando só a S.
Magestade esta divisão ; e parece de razão e de Justiça que devem
V. Mercês ceder de sua opinião, ficando como sempre a Capitania de
São Vicente ( a Villa ) como cabeça , conforme sempre se obser
vou etc ..."
Não foi só o Governador Geral do Brasil , com séde na Bahia,
a unica autoridade que se oppoz a esse acto do Marquez de Cascaes,
nias o proprio seu lóco -tenente o " Capitão-maior” Pedro Taques
de Almeida, o substituto de Diogo Pinto do Rego no governo da
dita Capitania de São Vicente. Este tambem se rebelou contra o acto
do seu constituinte : Pedro Taques de Almeida que tinha sido nomeado
para tal cargo por provisão de 8 de Outubro de 1683, não reconheceu
66
a vilia de S. Paulo como * Cabeça da Capitania de São Vicente ", e
foi na Camara da Villa de S. Vicente e não da de S. Paulo que elle
tomou posse solenne do seu cargo, aos 4 de Março de 1684 .
Por este motivo é que os officiaes da Camara de S. Paulo não
n quizeram reconhecer como seu chefe, quando, como Capitão -mor,
ali se apresentou, em Camara, afim de ser reconhecido pelas respe
ctivas autoridades locaes, as quaes não o attenderam e ordenaram
mesmo que se abrisse uma devassa contra esse Capitão
maior " .
Pedro Taques recorreu, então desse acto, ao Ouvidor da Capi
tania, Diogo Ayres de Araujo, que residia na villa de Santos, em
cuja petição dizia :
" Que os Vereadores da Camara da villa de S. Paulo, que ser
viram o anno que passou , de 1684, nunca lhe quizeram obedecer, nem
reconhecer como Capitão -maior, quando, elle lhes apresentou sua pa
tente e certidão da Camara de São Vicente de como estava empossado
e acceito nella ; ao contrario o atacaram , tomando por motivo a causa
de que : elle supplicante não tomára posse naqueila Camara de São
Paulo como Cabeça da Capitania ... sem quererem admittir a sen
tença que, por aggravo alcançou a dita Camara de São Vicente, a
qual foi provida pela Relação deste Estado etc.” ( “ Registro Geral
da Camara de S. Paulo " ) .
O desmedido orgulho e a prosapia do poderoso marquez não pode
riam deixar de sahir um tanto arranhados com a desautoração desse
“ Acto ”, pelo qual elle queria manifestar, á Camara e povo da villa
de S. Paulo, a sua gratidão e reconhecimento pela inteira adhesão
que sempre manifestaram a seu favor nesse pleito, nesse famoso
190

litigio que ainda se mantinha e se debatia, ardorosamente, entre as


casas dos Monsantos e dos Vimieiros ! O Marquez de Cascaes, nesse
seu “ Acto " , como já dissemos visava dois pontos principaes :
galardoar a Villa de S. Paulo e abater , humilhar, a antiga villa de S.
Vicente, cujos representantes haviam tido a ousadia, não só de dar
posse da Capitania aos seus adversarios, como ainda se recusarem em
acceitar a sua ultima provisão, elevando a villa de S. Paulo á catego
ria de séde “ das suas Capitanias ”.
Não podendo então vingar-se das autoridades vicentinas que haviam
annulado o seu “ Acto " , o orgulhoso fidalgo descarregava toda a sua
cólera, espectorava toda a sua bilis, contra o outro fidalgo, seu
parente e adversario, o Conde da Ilha do Principe, D. Antonio Car:
neiro de Souza , filho de D. Francisco Luiz Carneiro de Souza, ligitimo
herdeiro de Martim Affonso de Souza; pelo simples facto de querer
o dito Conde revindicar o que de direito lhe pertencia.
O Marquez de Cascaes , victorioso, embora , com a ultima decisão
ou sentença que lhe dava a posse da parte da Capitania disputada, não
estava entretanto tranquillo e seguro nesse “ direito " , porque reconhecia
que a sua causa , embora estivesse sempre bem amparada , pelo valimento
de que elle gosava na Côrte , era má e injusta , como o bom senso
está demonstrando .
A irritabilidade do Marquez se manifestava principalmente contra
governador perpetuo da Capitania de Itanhaen, Luiz Lopes de
Carvalho lóco -tenente e procurador do Conde da Ilha do Principe.
o qual se achava em Lisboa, nessa occasião, interpondo novo recurso,
perante os tribunaes, afim de annular de novo , a referida posse do
Marquez, n'essas villas e terras da antiga donataria de Martim Af
fonso de Souza, das quaes elle, marquez, se havia de novo assenhoreado .
Para bem esclarecer o estado desta já tão celebre demanda, nessa
época, e confirmar os pontos de que estamos tratando, que passaram
inteiramente despercebidos a Pedro Taques e a Fr. Gaspar, nas “ ra
sões” que expuzeram em suas chronicas, defendendo os direitos da
Casa Vimieiro, vamos ainda transcrever, do “Registro Geral da
Camara Municipal de S. Paulo ” , a “ Carta ” que o Marquez de Cascaes
dirigio a mesma Camara a 27 de Janeiro de 1682 .
Eis o que nesse documento, dizia o celebre Marquez aos officiaes
da Camara da villa de S. Paulo :
"Fiado no zelo com que os moradores dessa villa deffenderam a
minha jurisdicção, sendo principal motivo para mais confusão dos ve
readores de São Vicente - a resolução que em todas achou o Capitão
Maior, para haver de castigar aquelle desconcerto me obriga a dar
conta a essa Camara do que depois disto succedeu : que como lhe tenho
dado a ' primazia de toda essa Capitania com mais razão lhe toca
191

a zelar hoje ' os meus interesses particulares mais que nunca ; maior
mente amando eu esse povo mais que a todos e, vem a ser : que como
este velhaco de Luis Lopes de Carvalho não pode por la conseguir o
seu intento, fez que o Conde ( da Ilha do Principe ) alcançasse de Sua
Alteza que Deus guarde , simulando e subrepticialmente uma provisão,
pela qual o dito Senhor, quando menos, o fazia senhor de todas as
minhas terras... Chegando eu a esta Corte e tendo noticia deste facto,
fis presente ao dito Senhor, da verdade, e convencndo - o da mentira em
que se fundava o acto de posse que de la trouxe , e occultando o des
forçamento que me fez João da Rocha Pita, desfiz tudo com grande
nota do mesmo Conde, a quem Sua Altesa mandou reprehender aspe
ramente e que logo est esse ( sic ) a dita provisão para se rasgar.
“ E para maior cautella escrevo ao Governador Geral da Bahia á
Camara de São Vicente, ordenando-lhes que á dita provisão não dêm
cumprimento algum, por haver sido passada contra a verdade e sem
legitima informação ; e ainda que este documento por ser tão grande
me segura e que com elle não haverá nada que se atreva contra minha
posse, não fio menos dos moradores desse povo, por que, em caso que
os de São Vicente, sentidos de os eu haver feito subditos desse (de
S. Paulo) , continuem com me faser aggravos. Espero que essa Ca
mara tome tudo por sua conta , sobre este negocio, e que tenha eu muito
que lhe agradecer, continuando no selo que mostram em meu serviço,
como eu sempre lhe saberei merecer, etc.
" Lisboa, vinte sete de Janeiro de mil seis centos e oitenta e dois ” .
" Depois de ter esta feita me chegou noticia que o mesmo Conde
estava tambem introduzindo -se em Paranaguá, que pelas noticias e
tradições fica dentro de minha demarcação. Espero que dessa Camara
se me remettam todos os documentos e informações que melhor jus
tifiquem a minha razão, assistindo o Capitão -Maior e mais procuradores
deffendendo nesta parte, a minha jurisdicção, como ofiseram e eu
reconheço na de São Vicente, o Marques de Cascaes”. ( Trasladada
no livro de registro da Camara de S. Paulo, pelo Escrivão Jeronymo
Pedrozo de Oliveira, aos 16 de Julho de 1682 ) .

Quando o Marquez de Cascaes entrou, de novo, na posse da Capi


tania de S. Vicente, a Capitania de Itanhaen já não éra governada
por D. Francisco Luiz Carneiro de Souza, mas sim por seu filho D.
Antonio Carneiro de Souza, que herdou de seu pai não só os bens do
morgado como o titulo de Conde da Ilha do Principe, conforme consta
dos velhos archivos do Conselho Ultramarino , ( livro 4.", das Ordens
Regias do Rio de Janeiro ) e do “ Traslado de Confirmação da Doação"
que adiante transcrevemos .
192 -

Durante este periodo que vae de 1683 a 1710 os donatarios das


Capitanias de S. Vicente e Itanhaen, se conservaram , mais ou menos,
tranquillos em relação as respectivas posses e jurisdicções, as quaes
eram as mesmas estabelecidas desde 1624, quando o Conde de Mon
santo se apossou de um parte da Capitania de Martim Affonso, e a
Condessa de Vimieiro creou a sua Capitania de Itanhaen .
O perido que se vae seguir nesta terceira phase do litigio , fim do
seculo XVII e inicio do seculo XVIII , é sem duvida o mais im
portante d’esta demanda , pois assignala uma das épocas mais notaveis
na historia destas Capitanias paulistas; não só porque, é de então que
se definem e se formam as demais Capitanias secundarias (da Coroa)
na extensa zona meridional do territorio brasileiro, pela expansão das
intrepidas e arrojadas bandeiras, como pelas grandes descobertas auri
feras, ha tantos anros sonhadas, que afinal se realizam .
4

E' a época em que, com mais relevo, se destaca a acção dos Ban
deirantes Paulistas que, “ com seus feitos heroicos, formaram o periodo
aureo da Capitania, mais duradouro que o bronze”, conforme exclama
o Dr. Washington Luis na sua “Contribuição para a Historia da
Capitania de S. Paulo " .
Sim : foram elles, os paulistas, primeiro na Capitania de
Itanhaen e depois na Capitania de São Paulo e Minas Geraes, OS

descobridores de minas , os autores dessas acções extraordinarias e


maravilhosas, cuja epopéa ainda não encontrou cantor ". ( 9 )
Os primeiros pioneiros dessa jornada heroica, dessa " epopea glo
riosa " , haviam partido entretanto da Capitania de Itanhaen, nas expe
dicções que, seguindo pela Ribeira de Iguape e pelo Lagamar de
Cananéa e Paranaguá , foram ter ás coxilhas do Rio Grande do Sul e,
outras vezes, penetraram o sertão, até além do Paranapanema. Depois,
na zona septentrional da mesma Capitania proseguiram os bandeirantes
fundando as povoações do littoral, desde Juqueriquerê até Angra dos
Reis, bem como no planalto da serra, afim de lhes facilitar as " en
tradas” que haviam de escalar as encostas da Mantiqueira, abrindo
verêdas para as famosas “ Minas Geraes ” ou Cataguazes.
As incipientes descobertas, desta rica região, feitas anteriormente
por Braz Cubas, Fernandes Tourinho, Marcos de Azevedo, Diogo Mar
tins Cam, Antonio Dias Adorno, Agostinho Bezerra, e depois por
Lourenço Castanho Taques, Manoel de Borba Gatto e o seu sogro
Fernão Dias Paes ( 1675 ) , haviam de ser em 1692 corôadas de melhor

(9) Dr. Washinton Obra citada .


193

exito, pelo famoso taubateano, Governador da Capitania de Itanhaen ,


Carlos Pedrozo da Silveira e outros. ( 10 )
E' depois que estes bandeirantes paulistas, da Capitania de Ita
nhaen, devassam os sertões meridionaes e septentrionaes, iniciando o
“ grande Cyclo Aureo das Minas Geraes" 1692-1718 -, que a fébre
ardente do ouro, nas “ Entradas" e " bandeiras Paulistas” attinge ao
gráu mais elevado, ao periodo mais agudo das descobertas, desvendando,
então, de 1718 em diante, as riquissimas jazidas auriferas de Cuyabá e
mais tarde as de Coyaz .
O Snr. Dr. Washington Luis, nas bellas descripções que faz em
sua referida Memoria, da's fabulosas riquezas que já então se accumu
lavam nas Capitanias de Itanhaen e de S. Paulo, na época, em que
a Villa de Taubaté, como segunda sede da Capitania de Itanhaen , ( 11 )
queria sobrepujar, ( ou sobrepujou de facto ) , em opulencia e desen
volvimento a Villa de São Paulo, o Snr. Dr. Washington , nos dá,
como iamos dizendo, uma idéa bem viva e bem detalhada do que
eram e do que valiam esses paulistas que, na sua opulencia , depois da
vida nomade e accidentada dos sertões, começavam a tomar gosto pelo
conforto, aspirando já o mando, n'um posto de Capitão -mór, ou uma
simples distincção, num titulo de Official ou Cavalleiro, com habito
de qualquer Ordem Honorifica, para o que faziam justificação de Ge
nere, que provasse a nobreza de sangue de seus avós...
“ A riqueza era tão grande, refere ainda o dito autor , que um desses
potentados José de Góes e Moraes, se propoz a comprar, do Marquez
de Cascaes, a Capitania de Santo Amaro ( que tinha então o nome de
Capitania de S. Vicente ) e teria levado a effeito o seu intento se o
Rei D. João V não lhe tivesse atrevessado o negocio " .
Vejamos pois quem era este opulento paulista José de Góes e
Moraes e a razão que tinha o Marquez de Cascaes em querer se
desfazer da sua Capitania .

( 10 ) Antonio Rodrigues de Arzão e Bartholomeu Bueno de


Siqueira, foram os companheiros de Carlos Luiz Pedrozo, nessas fa
mosas descobertas.

( 11 ) Taubaté , era, as vezes , considerada, como 2. * Sede da


Capitania de Itanhaen , pelo facto de ter a honra de hospedar, por muito
tempo, o Governador e Ouvidor de Itanhaen, que ali permanecia, de
vido ao serviço da mineração.
CAPITULO X

O opulento paulista José de Góes e Moraes quer com


parar a donataria do Marques de Cascacs. A razão
que tinha o Marquez para vender sua donataria ,
acção dos Bandeirantes nas duas secções da Capitania de
Itanhaen . Condições precarias da Capitania de São
Licen!. Prosperidade das villas situadas á margem
do Parahyba . O ouro extrahido das Minas Geraes.
Rivalidades entre habitantes de São Paulo € Taubaté.
Os Bandeirantes da Capitania de Itanhaen . O verda
deiro sentido do vocabulo “ Paulista " .

José de Góes e Moraes nasceu na villa de S. Paulo em meados


do seculo XVII 1666. Era filho do Alcaide-mor e Capitão-mór
Pedro Taques de Almeida e de d . Angela de Siqueira Araujo.
Exerceu tambem , como seu pae, o posto de Capitão -mór de São
Paulo, de 1711 em deante.
Diz Pedro Taques ( Nobiliarchia Paulista ) que Moraes possuia
grandes riquezas adquiridas , por herança paterna, nas Minas Geraes,
onde residiu por a guns annos. Em 1708 pretendeu comprar por qua
renta e cinco mil cruzados, as cincoentas legoas de terra que consti
tuiam a parte da Capitania de Pero Lopes de Souza, pertencente
então ao Marquez de Cascaes ; porém , isto não teve effeito porque o
Governo de D. João V resolveu adjudicar á Corôa esta Capitania , in
demnizando ao proprietario ; por isso José de Góes e Moraes man
dou empregar, em Portugal, o capital destinado a essa compra, em
uma grande partida de fazendas, que em viagem, foi tomada pelo
pirata francez Pexiling. (* ) José de Góes fundou ainda vastas fazen
das de criação em Curityba , que deixou, umas a seus herdeiros e ou
tras a Ordens Religiosas .
Falleceu José de Góes de Moraes em S. Paulo, a 20 de Agosto
'de 1763, na edade de 97 annos e do seu casamento com d. Anna Ri
beiro de Almeida deixou cinco fihos: d. Escolastica Jacintha da Ri
195

beira Góes. - O Capitão -mór João Raposo da Fonseca Góes. - d.


Anna Maria Ribeira Góes e Moraes. d. Leonor Thereza da Ribeira
Góes e Moraes, e d. Maria de Lara Leite, casada com José Góes de
Siqueira.
Quando este famoso paulista pretendeu em 1708 comprar as cin
coentas legoas da parte da donataria de Pero Lopes, denominada
então “ Capitania de São Vicente” é porque sabia que o seu proprie
tario, o Marquez de Cascaes, queria desfazer-se della .
De facto ; o Marquez bem reconhececia que os seus direitos sobre
essa parte da Capitania de S. Vicente, não eram legitimos nem se
guros e poderiam periclitar novamente, logo que o Conde da Ilha do
Principe obtivesse, de novo, alguma decisão em seu favor ; porém,
o que mais influia no animo do arguto e famoso donatario, da antiga
Capitania de Santo Amaro, era a decepção que elle e seus antecesso
res haviam tido sobre a dita Capitania- em relação a essas, tão
desejadas, Minas de Ouro !
Os Senhorés da Casa de Monsanto e depois, os de Cascaes, que
tanto empenho haviam feito para se apossarem da Ilha de S. Vi
cente e do Porto de Santos , e bem assim da Villa de Piratininga,
“ Porta e chave do sertão ” , na supposição que “ seria pelo rio Tieté
e pela Barra -grande de Santos, que se havia de escôar todo o ouro
extrahido das minas do sertão ” , não podiam deixar de ficar surpresos
e contrariados ao verem que, todas as minas descobertas até essa
data, 1708, se achavam dentro da jurisdicção da Capitania de Itanhaen ,
e que , os pontos do littoral para onde affluia o producto das
minas o ouro, e para onde o Governo da Metropole mandava
crear “ Casas de Fundição" onde se quintava e amoedava o ouro
não eram, nem a Villa de Santos , nem a de São Paulo, mas sim as
villas de Iguape e Taubaté !
Os portos de mar por onde passavam os productos das minas e
onde se arrecadavam os quintos reacs e as redisimas do Donatario
não eram tampouco os de Santos e São Sebastião, mas os de Cananéa ,
Iguape, Paranaguá, Ubatuba, Paraty e Angra dos Reis ; todos dentro
da jurisdicção da Capitania de Itanhaen .
A Capitania do Marquez de Cascaes ( Capitania de S. Vicente) ,
nada aproveitava , portanto, desta “ boa maré de enchente ” , desta “ der
rama de ouro " affluido do sertão brasileiro para as arcas do Soberano
Luzitano e do seu antagonista o Conde da Ilha do Principe.
A Villa de S. Paulo, embora condecorada com o titulo ficiicio de
Cabeça de Capitania de S. Vicente" desde 1681 , pelo mesmo Mar
quez , não havia prosperado nada, neste periodo aureo das descober
tas . O seu donatario apenas recebia os magros rendimento : das velhas
e depauperadas minas do Jaraguá. O elemento portuguez Os cm
196

boabas, que affluiam da Metropole, sedentos de riquezas, e mesmo


grande parte dos habitantes da marinha e do interior de S. Paulo,
convergiam , em massa, para as regiões das Minas-geraes, onde em
breve se havia de originar a lucta, entre riaturaes e forasteiros,
denominada Guerra dos emboaba s.
Ao passo que a Villa de S. Paulo, á margem do Tietê, se des
povoava e empobrecia, surgiam , ás margens do Parahyba, na Capita
nia de Itanhaen, novas e prosperas povoações, que se desenvolviam
com o commercio das minas. A mais antiga dessas localidades - Tau
baté elevada á villa pelo Governador de Itanhaen, Dionysio da
Costa em 1650, era então o grande emporio do Commercio das
minas, e por esse facto, rival da villa de S. Paulo, como vamos ver ,
** Desde que Taubaté deixou de ser aldeia de indios, escreve o
sr . Machado de Oliveira, ( 12 ) e com a descoberta de minas em
terras de sua visinhança, começou a emulação e a desintelligencia entre
o povo desta villa e a de S. Paulo , e se pensa por aspirações de
preponderancia que uma queria ter sobre a outra, alardeando a villa
como
de S. Paulo sua precedencia na edificação e sua categoria
Cabeça de Capitania, ( do Marquez de Cascaes ) e a de Taubaté
a sua casa de fundição que tinha com o predicamento, ( dado pelo
Conde da Ilha do Principe ) e onde se amoedava ouro das minas , con
juntamente com o que em S. Paulo era extrahido da serra do Ja
raguá." ( 13 )

( 12 ) - “ Quadro Historico da Provincia de S. Paulo " .


( 13 ) -- A Villa de Parnahyba, que fazia parte da Capitania de
Santo Amaro, havia prosperado tambem, nesta época, com o Com
mercio das “ Minas Geraes” ; pois desse ponto partiam algumas ban
deiras como se verifica dos documentos descobertos pelo Snr. Dr. A.
de Taunay, transcriptos nas " Notas de Historia Eccleciastica" (capel
las de Araçariguama ) do Exm . e Rmo. D. Duarte, Arcebispo de
S. Paulo. Do livro borrador onde se achain escripturadas as cartas
do negociante, padre Guilherme Pompeo, vê- se que alguns mi
neiros mantinham relações commerciaes com este celebre sacerdote,
morador em Araçariguama : “ Por curiosidade faço a conta, diz o
curioso borrador, do ouro que entrou na Villa de Santa Anna de
Parnahyba, este anno de 1698, de Agosto em diante,'e é o seguinte :
Por Agosto do dito anno recebi oitenta oitavos que me mandou João
Pinto e 40 que me mandou um Primo Sulpecio Pedrozo e é por
tanto 120 8.as em pó ..." Por esta curiosa lista, vê-se que o Padre
Pompeo mantinha commercio tambem com os exploradores das mi
nas de Iguape e Paranaguá de onde recebia ouro em pagamento dos
generos que fornecia para tal mister . Esse ouro, porem , não só o
de Minas como o do Sul, já vinha quir.tado na maior parte ; quer
isso dizer que já havia passado pelas Casas de fundição de Taubaté
ou de Iguape. Os " termos de vereança da Camara de São Paulo "
de 1624, nos dão noticia de uma Casa de fundição existente nesta
197

Estas rivalidades só desappareceram mais tarde , quando, em con


sequencia da " guerra dos emboabas” , a população das duas Capita
nias e Villas rivaes se uniram e se irmanaram, pelo mesmo senti
mento patriotico, afim de defenderem o territorio anteriormente con
quistado pelos esforços heroicos dos paulistas, nessa região aurifera,
pertencente ainda, nessa época, á Capitania de Itanhaen .
A alma, o “ coração paulista ” , palpitava, ha muito, no peito de
todo o povo que habitava a Capitania de Itanhaen e a Capitania de
S. Vicente .
Paulista, era já toda essa vasta região das “ cem legoas da Capi
tania de Itanhaen ” , nas duas secções desvendadas pelos bandeiran
tes , desde os sertões do Paraná e Paranapanema, até os confins
de Minas Geraes .
Os moradores da villa de S. Paulo, " teimosos e birrentos” , como
os de Taubaté e demais habitantes das duas donatarias, ainda não
comprehendiam , entretanto, a generalidade ampla desse vocabulo
paulista, e, dahi, provinham taes rivalidades.
Aiguns diccionarios antigos definem a palavra paulista no

sentido figurado, como sendo synonimo de --- teimoso, birrento.


Não deixa de ser bem applicado o vocabulo, pois que a teimosia,
a tenacidade energica, foi o que sempre distinguiu o Caracter do Ban
deirantedeirante Paulista. Foi com essa teimosia e tenacidade inque
branta vel que o paulista conseguiu, através dos sertões, tornar grande
e unida esta Patria que tanto extremecemos.

Vejamos ainda o que, sobre a Villa de S. Paulo, nos diz c sr . dr .


Washington Luis na sua citada obra, quando esta Villa já tinha
( 1711 ) as regalias de cidade.
" Apesar de ser a unica povoação elevada a cidade, por Alvará de 11
de Julho de 1711 e ser a capital do Governo da Capitania de S. Paulo,
era uma localidade relativamente insignificante .
Até bem pouco tempo Parnahyba e Itú disputavam- lhe a pri
mazia, e Taubaté chegára a empanar-lhe o brilho ... Era tão pequeno
o seu ambito que a Cadêa, estando junto ao Convento de S. Fran
cisco, já se achava fóra das ruas publicas,” ( 14 )

Villa de São Paulo, quando não estavam ainda definitivamente des


cobertas as lavras de Minas Geraes. Essa Casa de fundição foi depois
extincta, quando se fundou a Villa de Taubaté, como já ficou referido,
ao tratarmos destas povoações da Capitania de Itanhaen .
( 14 ) Diz um escriptor hespanhol que passou por S. Paulo em
1682 que, nessa época a Villa podia ter “ duas centenas de fogos ” e que
essas habitações eram construidas á móda dos indios, e no meio
das quaes apenas avultavam as taipas do Collegio e as da Matriz e do
Senado da Camara, que ainda estava coberto de palha.”
198

Se a villa de S. Paulo, em 1711 , tendo já a categoria de cidade,


era de facto isso, o que seria pois em 1708, quando o Marquez de
Cascaes pretendeu vender a sua donataria ao paulista José de Góes
e Moraes ?
Este opulento paulista, intelligente e perspicaz, nem por isso des
denhava da pouca importancia que então tinha a villa de S. Paulo e
mesmo da parte da Capitania de São Vicente que elle se propunha a
adquirir.
Conhecia, porém, as riquezas do sóio da dita Capitania e previa
já o papel importante que lhe estava reservado, quando essa humilde
e vetusta povoação de Piratininga viesse a occupar o posto que lhe
estava de ha muito reservado, como “ porta e chave do sertão”, na
phrase inspirada do veneravel Padre Manuel da Nobrega.
Muito breve a povoação de S. Paulo se tornaria o centro, o
emporio, do grande commercio das minas de Cuyabá e Goyaz, e
seria a Capital, onde os Capitães Generaes, prepostos, não dos dona
tarios, mas do governo absoluto de D. João V e D. José I , haviam
de dominar, ostentando o seu fausto e as suas arbitrariedades.
A Donataria do Marquez de Cascaes, até então ambiguamente
denominada Capitania de São Vicente, ou Capitania de Santo
Amaro –, não podendo ser adquirida por esse paulista, vae, finalmente,
ser adjudicada pela Corôa e, a Villa de S. Paulo, que já tinha as
prerogativas de Cabeça de Capitania ... de Pero Lopes de Souza
ou de São Vicente, passará immediatamente á categoria de Séde
da Capitania de S. Paulo, recebendo tambem 0 predicamento de
Cidade ...
Veremos, no Capitulo seguinte, qual era ou qual deveria ser, de
facto e de direito, a jurisdicção dessa Capitania de S. Paulo.
29

CAPITULO XI

O Marques de Cascaes vende á Corôa a sua “Capitania


de São Vicente" 1708. Alvará do Rei D. João V,
de 22 de Outubro de 1709 autorisando a venda das 50
leguas da Capitania de São Vicente .

" Eu El-Rei faço saber aos que este alvará virem que fazendo
se -me presente pelo meu conselho ultramarino o requerimento que
por elle havia feito o Marquez de Cascaes D. Luiz Alvares de Castro
e Souza, do meu Conselho de Estado, em que me pedia licença para
vender a José de Góes de Moraes as cincoenta leguas de Costa que
possuia no Estado do Brasil , quarenta dellas que começam doze le
guas ao sul de Cananéa e acabam na terra de Santa Anna, que está
em altura de vinte e oito graus e um terço, e as dez legoas que res
tam principiam no rio Corupacé e acabam no de S. Vicente, pelas
quaes cincoenta legoas de costa lhe dava o dito José de Góes de
Moraes quarenta mil cruzados, pagos logo em um só pagamento , para
se porem na junta do commercio á razão de juro, e todas as vezes
que se offerecesse oocasião se empregasse em bens de raiz, além de
quatro mil cruzados que mais lhe dava de luvas; e sendo ouvido neste
requerimento o conde de Monsanto, filho do dito Marquez de Cas
caes , comoseu immediato successor, e o meu procurador da coroa
a quem se deu vista : tendo a tudo consideração, e sem embargo do
dito marquez declarar que os rendimentos das ditas cincoenta legoas
de terra não correspondiam ao referido preço, que José de Góes de
Moraes lhe dava por respeitar a honra que da dita compra lhe resul
tava, de ser donatario de uma capitania , cujo honorifico não era de
valor para a coroa por ter nas ditas terras o supremo rogado, para
que as ditas cincoenta legoas de costa que mando comprar ao dito
Marquez fiquem divididas e apartadas das outras trinta legoas da
Ilha de Itamaracá, ficando-lhe estas com a capitania dellas, jurisdic
ções, rendas e direitos que nellas tem, na forma que pela sua doação
- 200

lhe são concedidas e lhe pertencem ; e as cincoenta legoas fiquem


divididas da dita Capitania e incorporadas por esta compra na coroa
e patrimonio real, como se nunca della houveram sahido ; e os qua
renta mil cruzados que pela dita compra se dão ao dito Marquez, e
os bens em que se empregarem , fiquem sendo bens de morgado pa
trimonial, para succeder nelles a pessoa que succeder no morgado
da capitania de Itamaracá, sem que em nenhum tempo nem por ne
nhum caso possam tornar para a corôa , nem se hajam de regular
nunca pela lei mental; para o que a hei por derrogada na ordena
ção do livro 2.0, titulo 35, e todos os capitulos e paragraphos della ,
para que em nenhum tempo os bens em que os ditos quarenta nul
cruzados se empregarem se reputem por bens da coroa, e quero que
esta compra seja sempre firme , sem que em tempo algum pela minha
parte e dos reis meus successores se possa desfazer, nem vir contra
ella, nem allegar que nella houve nullidade, lesão ou engano algum,
para cujo effeito a confirmo e approvo por este, e hei por suppridos
e quaesquer defeitos que nella podesse haver e considerar - se do meu
motu proprio, certa sciencia, poder real e absoluto ; e promessa de
minha fé real, para nunca vir contra ella em tempo algum ; e da
mesma maneira hei por bem que em nenhum tempo se possa allegar
pela minha parte, nem pela dos reis meus successores, que na dita
compra houve lesão ou engano , contra a declaração que o dito mar
quez me fez de ser excessivo o preço a respeito do util e proveitoso
da dita Capitania, pelo pouco que de presente lhe rendia, porque sem
embargo de assim o reconhecer, renuncio todo o remedio da lesão
que pelas leis e direitos possa competir para desfazer esta venda, a
hei por feito, e doação ao dito marquez e seus successores de toda a
maioria do preço que exceder ao justo valor das ditas, terras, e como
rei e principe supremo declaro e determino serem os ditos quarenta
mil cruzados o justo preço das ditas cincoenta leguas de terra, que
mando se compre para a minha coroa e patrimonio real, e para
maior firmeza desta compra renuncio toda e qualquer restituição, que
contra o dito contracto ou contra as clausulas delle me podem com
petir, para que em nenhum tempo se possa implorar por minha parte,
o que tudo hei por bem de minha certa sciencia, motu proprio e poder
real e absoluto, sem embargo da Ordenação, livro 2.o, titulo 35, para
grapho 23, que trata de se poderem desfazer os cambios e escambios
dos bens da coroa pela lesão e engano, e Ordem , livro 4.o, tit. 13,
que trata do remedio da lesão e engano nas compras e vendas e mais
contractos , e do paragrapho 9.0 da Ordem do tit . 13, que prohibe
renunciar o remedio da lesão, e fazer doação da melhoria do valor
ou preço da causa e todas as mais leis ordenações, capitulos de
côrtes , glosas, e opiniões de doutores que sejam contra a firmeza
201

deste contracto e validade das clausulas delle, que tudo hei por derro
gado de meu poder absoluto, ainda que seja necessario fazer de tudo
expressa e individual menção, sem embargo da Ordem do livro 2.0,
titulo 44, pelo que mando aos meus procuradores da coroa e fazenda
que hoje são e ao diante forem , e mais ministros a que tocar, que
em nenhum tempo venham, nem possam vir contra este contracto e
compra , nem intentar desfazel- o e quando o façam não serão ouvi
dos em juizo em cousa alguma, e lhes seja denegada toda a audien
cia e por este meu alvará hei inhibido todos os julgadores e tribunaes
para que não possam conhecer de cousa alguma que se allegue con
tra elle ou contra a dita compra, nem demanda que contra ella se
mova e lhes hei por tirada para o dito caso toda jurisdicção ou po
der de conhecer e julgar, tudo do meu motu proprio, certa sciencia e
poder real e absoluto, sem embargo de quaesquer ordenações, leis ou
opiniões de doutores em contrario, que tudo hei por derrogado como
se de tudo se fizera expressa menção, não obstante a dita Ordenação
livro 2.0, tit. 44. E este meu alvará se incorporará na escriptura que
se ha de fazer de compra ; e do conteudo della, se porão verbas na
carta de doação passada ao dito marquez de Cascaes das oitenta le
guas de terra, e em seus registos, para que em todo o tempo conste
da referida compra e se cumprirá inteiramente como nelle se contém
sem duvida alguma, e valerá como carta sem embargo da Ordem, do
livro 2.0, tit. 40, em contrario e não deve novos direitos por ser para
a compra que se faz por parte da minha corôa , e eu assim o haver
por bens sem embargo do regimento e ordens em contrario . Dionisio
Cardoso Pereira o fez. Lisboa , 22 de Outubro de 1709. O secretario
André Lopes de Lavre o fez escrever. Rei. Miguel Carlos."

Escriptura de compra e venda da Capitania de Santo


Amaro, denominada Capitania de São Vicente em

19 de Setembro de 1711 .
“ Em nome de Deus, amem . Saibam quantos este instrumento de
venda, quitação, ou como em direito melhor lugar haja virem , que
no anno do nascimento de Nosso Senhor Jesus Christo de 1711 , em
19 dias do mez de Setembro, na cidade de Lisboa, nos aposentos em
que vive de presente o desembargador Manuel Lopes de Barros, pro
curador da fazenda real da repartição do conselho para em seu nome
outorgar é assignar a escriptura do contracto ao diante declarado, em
virtude de um alvará real que ao diante se faz menção nesta escri
ptura, e que todo nella ha de ir incorporado ; e de outra José Correa
Barreto, em nome e como procurador bastante do marquez de Cas
caes, D. Luiz Alves de Attaide Castro Noronha e Sousa , do conselho
de Estado do dito Sr., por um alvará de procuração pelo dito mar
202

quez assignado, que eu tabellião conheço e ao diante será trasladado ;


por elles partes foi dito em presença de mim tabellião e das testemu
nhas ao diante assignadas, que elle marquez de Cascaes é donatario
de oitenta legoas de terra na costa do Brasil que foram todas dadas
em Capitania a Pero Lopes de Souza, primeiro donatario dellas, de
claradas e confrontadas na mesma doação com todas suas rendas,
direitos e jurisdicções, na fórma em que pela dita doação foram con
cedidas e confirmadas na pessoa do dito marquez por carta de 11
de Janeiro de 1692, de que está de posse, e que tratando de vender
cincoenta legoas da dita costa , a saber : quarenta que começam de
doze legoas ao sul da ilha de Cananéa e acabam na terra de Sant'An
na ( Santa Catharina) , que está na altura de vinte e oito graos e um
terço, e as dez restantes principiam no rio Curupacé ( Juqueriquere) ,
a José de Góes de Moraes, que lhe dava pelas ditas cincoenta leguas
de costa quarenta mil cruzados pagos logo em um só pagamento ,
além de quatro mil cruzados que mais lhe dava de luvas, pediu elle
dito Marquez licença ao dito Senhor para poder fazer a dita venda ;
porém , foi servido resolver que as ditas cincoenta legoas de costa
se comprassem para a sua coroa real, sem embargo de lhe declarar
e lhe representar o dito marquez de Cascaes que o rendimento das
ditas terras não correspondia ao preço que o dito comprador José
de Góes de Moraes lhe dava por ellas, porque só lhe rendiam 320 $ 000
rs . de tres em tres annos, que era o preço por que as arrendava aos
capitães -móres, que em cada triennio, para as governar nomeava, e
que o dito José de Góes de Moraes lhe dava pelas ditas cincoenta
legoas de costa a quantia acima referida em razão da honra que ad
quiria em ficar donatario de uma capitania de tão grande jurisdicção,
o qual honorifico não era de nenhum valor para a corôa, por ter
sempre nas ditas terras o supremo e alto dominio, e sem embargo de
tudo houve o dito Senhor por bem resolver que o seu conselho ul
tramarino fizesse escriptura de compra para a coroa real pelo dito
preço de quarenta mil cruzados, e dos quatro de luvas que logo lhe
mandou entregar, pelas ditas cincoenta legoas de costa , e os qua
renta mil cruzados lhe seriam logo entregues para se porem na
junta do commercio á razão de juro de cinco por cento, para o dito
marquez e seus successores haverem os ditos juros, e se achar na
dita junta do commercio promptos OS ditos quarenta mil cruzados
para na occasião que se offerecer se empregarem em bem de raiz. Ha
vendo-se ouvido sobre todo o referido ao desembargador Francisco
Mendes Galvão procurador da coroa do dito senhor, como tudo se
declara no alvará que para esse effeito se passou em 22 de Outubro
de 1709, assignado pelo dito senhor, passado pela sua chancellaria em
7 de Janeiro do anno passado de 1710, onde são expressadas todas
203

as clausulas e condições do dito contracto , cujo alvará ao diante será


trasladado nesta escriptura, e querendo ora em virtude do dito alvará
effectuar a dita venda, disse elle José Corrêa Barreto que em nome
e como procurador do dito Marquez de Cascaes, pelos poderes de sua
procuração vende desde o dia da data do dito alvará para sempre
e elle desembargador Manuel Lopes de Barros procurador da fa
zenda real da repartição do conselho ultramarino, para o dito senhor
e para a sua coroa e patrimonio real as ditas cincoenta legoas de
costa acima declaradas e confrontadas no dito alvará e nesta escri
ptura, das quaes cincoenta legoas de costa é donatario no Estado do
Brasil, com tudo o que nellas possue de direitos, rendas, jurisdicções,
e tudo o mais que nas ditas cincoenta legoas de costa lhe possa per
tencer pela dita doação, para que fique incorporada na coroa e pa
trimonio real, e tira e demitte do dito seu constituinte e em seu no
me todo o dominio, direito, ' propriedade e posse que tem e possa ter
nas ditas cincoenta legoas de costa , e tudo põe, céde e traspassa ao
dito desembargador procurador da fazenda real em nome do dito
senhor e na coroa e patrimonio real; para que todas as vezes que
o dito Senhor quizer possa mandar tomar posse das ditas cincoenta
legoas de costa, e ou tome ou não, lh'a larga, cede e transfere desde
logo pela clausula contitesti, e pela melhor forma e via que em di
reito haja lugar para que as ditas cincoenta legoas de costa fiquem
incorporadas na corôa e patrimonio real, como se nunca della hou
véra sahido , e divididas e apartadas das outras trinta legoas de costa
da Capitania de Itamaracá, que ficam ao dito Marquez de Cascaes,
com as jurisdicções, rendas e direitos que nas ditas trinta leguas de
costa tem , assim e da forma que pela sua doação lhe são concedidas
e lhe pertencem, como no dito alvará se declara, e esta venda das
outras cincoenta legoas referidas faz 0 dito Marquez de Cascaes
venda pelo preço de quarenta mil cruzados de principal e quatro de
luvas declarado determinado no dito alvará. E logo elle desembar
gador procurador da repartição do conselho ultramarino, em virtude
de commissão que lhe foi concedida em que deste presente mez de
Setembro, fez entrega a elle José Corrêa Barreto, procurador do
dito marquez, de um conhecimento em forma passado e assignado
pelo thesoureiro geral da junta do commercio, e pelo escrivão da
sua receita , pelo quai consta estarem entregues na junta do com
mercio geral os quarenta mil cruzados do preço desta venda, em
nome e por conta do dito marquez de Cascaes, á razão de juro de
cinco por cento, para haver os juros delles e ahi os ter promptos para
toda a occasião que se offerecer de se empregarem em bem de raiz,
e elle procurador da fazenda real em nome de Sua Magestade e do
seu conselho ultramarino, e pela commissão que para isso teve, cede
- 204

e transfere a elle, marquez de Cascaes pela sua melhor via e fórma


de direito, toda a acção e direito que Sua Magestade e o dito con
selho tenham ou possam ter nos ditos quarenta mil cruzados entre
gues na junta do commercio, para que elle dito Marquez por bem
desta escriptura os possa cobrar e haver como cousa sua , todas as
vezes que houver occasião de se empregarem em bens de raiz, e en
tretanto haver e cobrar em cada um anno os juros delles á razão
de cinco por cento, e para a cobrança de uma e outra cousa lhe dá
no nome que representa todos os poderes necessarios, com toda a
cessão e traspasso das acções uteis exercicio dos direitos e procura
ções em causa propria, e os quaes quarenta mil cruzados e os bens
de morgado patrimonial delle marquez de Cascaes para succeder,
nelles a pessoa que succeder no morgado da Capitania de Itamaracá
sem que em nenhum tempo , nem por nenhum caso, hajam de tornar
para a corôa, nem se hajam de regular pela lei mental, a qual o dito
senhor em dito seu alvará ha por bem derrogar neste caso ; e por
elle José Corrêa Barreto como procurador do dito marquez de Cas
caes, foi acceito o dito conhecimento em forma dos ditos quarenta
mil cruzados, preço desta venda, e o recebeu, do que eu tabellião dou
fé, e disse que no nome que representa ha por bem entregar os ditos
quarenta mil cruzados na junta do commercio, e os ha por recebidos
com o dito conhecimento da entrega delles que nesta nota irá trasla
dado, e cessão e traspassam para a cobrança dos ditos quarenta mil
cruzados, e seus juros, se dá por pago e satisfeito do preço desta
venda, e elle lhe dá plenaria e geral quitação de hoje para todo sem
pre á fazenda do dito Senhor e ao seu real patrimonio, para que em
nenhum tempo por elle marquez nem por seus herdeiros e successo
res possa ser mais pedido nem demandados cousa alguma em razão
do dito preço principal desta venda e que ainda que os ditos qua
renta mil cruzados ou bens que com elles se comprarem se percam,
não ficará Sua Magestade e sua real coroa obrigados a cousa algu
ma pelo preço desta verba, e elle marquez por si e seus herdeiros e
successores a fará sempre boa, firme e certa, sem que possam nunca
elle, nem seus herdeiros nem successores, vir contra ella em tempo
algum, nem contradizel-a: em juizo nem fóra delle, nem sobre isto
poderão ser ouvidos em nenhuma instancia ; porque desde agora para
todo sempre se obriga elle marquez em seu nome e de seus herdeiros
e successores a fazer sempre esta venda boa e toda a evicção della
na forma de direito. E por elle dezembargador procurador da fazen
da real no nome que representa foi dito que acceita a dita quitação ;
e sobre a dita compra das cincoenta legoas de costa para a coroa e
patrimonio real, em nome do dito Senhor e do seu tribunal do con
selho ultramarino ( em virtude da commissão que foi concedida, e
205

debaixo da fé real ; na forma que o dito senhor ha por bem no seu


alvará referido ) , promette e se obriga a que pelo dito Senhor e pelos
senhoers reis seus successores ; e pela sua real coroa e patrimonio
real se cumprirá este contracto, e terá sempre por firme e valida
esta compra, que nunca virão contra ella em nenhum tempo, sem
embargo de qualquer defeito que nella possa haver por que todos o
dito senhor ha por suppridos, e confirma de seu motu proprio, po
der real e absoluto, para que nunca em nenhum tempo se possa des
fazer ; outrosim se obriga e promette o dito desembargador procura
dor da fazenda real, no nome que representa , que nunca em tempo
algum por sua parte, nem pelo dito senhor ou pelos senhores reis seus
successores , se possa allegar que na dita compra houve lesão ou en
gano a respeito do preço della, pelo dito senhor ser informado pela
declaração do dito marquez de Cascaes que era muito excessivo o
dito preço de quarenta mil cruzados e luvas a respeito do util da dita
capitania pelo preço que de presente rendia, e sem embargo disso foi
servido o dito senhor resolver e mandar que se comprassem as ditas
cincoenta legoas de costa para a sua coroa e patrimonio real, pelo
dito preço declarado, e determinado como o rei e principe supremo
ser e é justo preço das ditas cincoenta legoas de costa , como se
contém no alvará referido, firmado por sua real mão e na conformi.
dade delle o dito desembargador procurador da fazenda real do con
selho ultramarino em nome delle, e na forma da sua commissão, em
nome do dito Senhor e dos senhores reis e seus successores , renun
cia todo o remedio da lesão, que pelas leis e direitos possa competir
para desfazer esta compra, e toda e qualquer restituição que contra
este contracto e contra as clausulas delle lhe possa competir, e faz
doação em nome do dito Senhor, em virtude de seus poderes, a eile
marquez e a todos seus successores de toda a maioria do preço que
no dito computo de quarenta mit cruzados excedesse ao dito preço
e valor das ditas terras, para que por nenhuma via se possa em ne
nhum tempo desfazer esta escriptura, tudo na forma em que manda
e declara Sua Magestade, que Deus guarde, no dito alvará em que
derroga como rei e Senhor de poder absoluto as leis em contrario ,
e promette e se obriga elle procurador da fazenda real, no nome que
representa, a que por si e seus successores não virá em nenhum tempo
contra este contracto, nem intentarão desfazel- o, e quando faça quer
e é contente de não ser ouvido em juizo, e que lhe seja denegada toda
a audiencia pois assim o ha por bem o dito Senhor, inhibindo em
dito alvará a todos os julgadores e tribunaes para que não possam
conhecer de cousa alguma que contra este contracto se allegue, e
nesta forma estão elles contrahentes contractados, e querem se cum
pra este contracto para cuja firmeza obrigam elle procurador da fa
206

zenda do conselho ultramarino as rendas e patrimonio real, e a fé


real do dito Senhor, dada no dito alvará a que se refere, e elle José
Corrêa Barreto, no nome que representa, as bens e rendas delle dito
seu constituinte, e em testemunho da verdade, que assim o outorga
ram , pediram e acceitaram, sendo testemunhas presentes o capitão
José de Oliveira e Manuel Luiz, sacador da Alfandega, morador na
rua da Oliveira, freguezia de Santa Marinha, que todos conhecemos
a elles partes, e são os proprios que nesta nota assignaram e testemu
nhas. Manuel Barocho, tabellião o escrevi. Manuel Lopes Barros.
José Corrêa Barreto. José de Oliveira . Manuel Luiz . "
MISTAMANNAAR27.000

CAPITANIA DE SÃO PAULO E CAPITANIA


DE ITANHAEN

CAPITULO XII

QUARTA PHASE DO LITIGIO

Algumas considerações preliminares sobre este capi


tulo : O pretenso “ resgate da Capitania de Itanhaen ” ,
feito por “ actos do Marquez de Pombal em 1753-1754.
Divergencia de Fr. Gaspar, sobre a data desse pretendido
" resgate ". 0 que dizem Marcellino Pereira Cléto e
Azevedo Marques sobre tal assumpto. - Porque não foram
publicados esses " Actos do Marques de Pombal ? Opi
nião do Dr. João Mendes de Almeida sobre essas “ Chica
nas do tempo " . O historiador italiano Vicenzo Grossi
occupa -se da Capitania de Itanhaen. Um justo qualifi
cativo dado pelo Dr. A. de E. Taunay aos historiadores que
se têm occupado, até hoje em esclarecer estes pontos.
Os termos de vereança da Camara de S. Paulo, de 1562
em deante . Porque motivo a Capitania de Santo Amaro
ficou denominada, officialmente, Capitania de S. Vicente.
- O Marquez de Cascaes, proclamado Governador per
petuo da Capitania de São Vicente,

Os donatarios da Capitania de Martim Affonso que até esta data


haviam labutado pela defesa de seus direitos, a ver si conseguiam a
posse das terras e das villas usurpadas pelos donatarios de Pedro
Lopes de Souza, vão ainda, desta época em diante 1711 ter 0
dissabor de ver a parcialidade, a maneira injusta com que o rei D.
João V, e seus successores, procedem , em suas decisões – aivarás e
208

Cartas Régias , no intuito de os prejudicar, cerceando, ainda mais


os seus direitos , como donatarios da Capitania de Itanhaen : primeiro
em beneficio do Marquez de Cascaes “ o favorito do rei D. João V "
como adeante se verá ; depois, em proveito da propria Coroa a
qual em virtude do mesmo Alvará, vae entrar na posse das “ cem
legoas” da dita Capitania de Martim Affonso, sem indemnisação al.
guma dos seus legitimos descendentes ; e, isto em uma época em que
os direitos de primogenitura – a lei dos vinculos de Morgadio
estavam , em Portugal, em pleno vigor, e bem assim nas colonias,
onde predominava ainda, bem arraigados, os preconceitos de casta,
com todos os caracteristicos peculiares ao systema feudal, adaptados
sempre pelos governos absolutos da Metropole Luzitana .
Não somos, já se vê, um admirador ou defensor de tal systema
governamental, tão adequado entretanto ao meio dessa época, nem nos
move o proposito de vir aqui censurar as sabias medidas adoptadas pelo
monarcha, na creação de novas Capitanias secundarias S. Paulo,
Minas e as demais , cujos desenvolvimentos e administrações gover
mentaes tanta preponderancia e influencia tiveram nessa época memo
ravel das grandes minerações.
Não é nosso intuito, tão pouco, summariar os factos das Capi
tanias de S. Paulo e Minas -Geraes, nesse notavel e aureo periodo de
nossa historia paulista, pois que, taes acontecimentos, narrados por
pennas adestradas e competentes, já fazem parte, quer da nossa his
toria-geral , quer da nossa historia-paulistana .
O que nos propomos a estudar, são apenas os pontos obscuros e
controvertidos, em relação á parte desta zona litigiosa da antiga Ca
pitania de S. Vicente, denominada pelos seus donatarios Capitania
de Itanhaen, com relação á Capitania de Santo Amaro, conhecida por
Capitania de S. Vicente, a qual passa, de 1711 em diante, a intitular
se Capitania de São Paulo .
Não nos move tambem, é preciso que insistamos, qualquer senti
mento piegas ou espirito bairrista, pelo facto de termos nascido nesta
zona contestada de Itanhaen porque, como já declaramos,
antepomos a isso o nosso coração a nossa alma de paulista, visto que
esse vocabulo “ paulista " , na sua generalidade ampla, abrangia já,
nesta época, toda a vasta região, como ficou demonstrado no Capi
tulo anterior .
Quando Fr. Gaspar da Madre de Deus e Pedro Taques de Al
meida Paes Leme , no fim do seculo 18.', se occuparam d'estes pontos,
“ da historia da Capitania de S. Vicente" expondo as injustiças de
que tinham sido, e ainda estavam sendo victimas os donatarios da
Capitania de Itanhaen, podia attribuir-lhes - como de facto se
attribuiu que os ditos historiadores eram advogados da causa dos
209

Condes da Ilha do Principe, e que estes, de alguma sorte, retribuiriam


aos ditos autores, o serviço que lhes estavam prestando, o que é
uma grande injustiça que se fez e ainda se faz, talvez, á memoria
d'esses Chronistas, que como historiadores, agiram simplesmente em
pról da Razão e da Justiça .
Si os demais historiadores coêvos e a opinião publica da
época olvidou o assumpto, ou se pronunciou mesmo a favor dos
actos arbitrarios do Governo da Metropole e dos Capitães-Generaes,
é porque consideravamo caso como uma “ Rasão do Estado"
ou lhes convinha apoiar a politica da Metropole que era despresti
giar a causa e os direitos dos donatarios ainda existentes, como
adeante provaremos. Fazia - se necessario, portanto, para ser agradavel
ao Governo e aos capitães-generaes, negar todo apoio aos loco -te
nentes da Capitania de Itanhaen e fazer crêr, e propalar mesmo,
que tal Capitania nunca havia tido uma existencia legal, princi
palmente depois que a Corôa adquirio por compra a “ Capitania
de S. Vicente !"
Convinha, como se está vendo, embahir a opinião publica, nessa
época, afim de que todos se convencessem que a Capitania de São
Vicente tinha sido vendida á Corôa e, que, portanto, não havia mais
rasão em subsistir essa vetusta e pobre villa de Tinhaé com o falço
titulo de Cabeça de Capitania dos Condes da Ilha do Principe ! ( 1 )
Hoje, finalmente, que essa “ rasão de Estado " , esses preconceitos e
interesses pessoaes de então não têm mais rasão de sêr, seja-nos licito
pois estudar livremente os factos, afim de bem apurar a verdade, pro
curando ao mesmo tempo esclarecer taes pontos obscuros, aliás tão
importantes e necessarios para a historia destas capitanias paulistanas.
Fr. Gaspar, como já referimos, nos documentos que transcreveu
nas suas “ Memorias” com os quaes tanta luz quiz derramar sobre
esta complicada e obscura questão das donatarias, bem pouco , entre
tanto, poude esclarecer sobre o ponto de que estamos tratando. Depois
de publicar o citado “ Alvará ” e “ Escriptura de compra e venda das
cincoenta leguas de Pedro Lopes, termina elle o seu livro com este
paragrapho: “ Em virtude deste contracto se reuniram, como era justo,
á Corôa, as 50 leguas de Pedro Lopes constituitivas da Capitania de
( 1 ) Em consequencia desse preconceito o Capitão-General Ro
drigo Cezar de Menezes tinha birra especial com a Villa de Itanhaen
e, por debique ou despreso, fingia não conhecer o seu verdadeiro nome.
Nos documentos publicos dessa época, “ Documentos Interessantes"
quando se tratava, por acaso, dessa Capitania de Itanhaen, os notarios
escreviam sempre por esta forma Capitania de Tinhaé : de facto,
a villa da Conceição era para elles uma vredadeira tinha ou
" sarna !"
- 210 -

Santo Amaro : Ellas motivaram grandes discordias, e foram causa de


nada possuirem os herdeiros de Martim Affonso de Souza , até que a
Rainha nossa Senhora foi servida conceder-lhes um equivalente pela
Capitania das 100 legoas de costa, chamada “ de S. Vicente", como
se verá em outro livro, que destinamos publicar ainda sobre esta
materia ."
Este ultimo paragrapho da obra de Fr. Gaspar, merece, como se
vê, uma analyse minuciosa e presta-se a muitas consideraçes e con
clusões .
Diz o douto chronista vicentino que a Rainha nossa Senhora ,
( provavelmente D. Maria I , filha de D. José I ) foi servida conceder.
lhes (aos Condes da liha do Principe ) um equivalente pela Capitania
de cem legoas de costa chamada de “ São Vicente " (aliás de Itanhaen ),
como se verá em outro livro, que destinamos publicar, sobre esta ma
teria . "
Ora, ninguem sabe , até hoje, a razão porque deixou de ser pu
blicado esse 2. livro de Fr. Gaspar, nem o fim que teve o precioso
manuscripto, ( 2 ) pois que, são considerados apocryphos alguns trechos
do pretendido manuscripto publicados ultimamente, como bem provou o
Dr. Affonso de E. Taunay pela Revista do Instituto Historico de S.
Paulo , por occasião da commemoração do 1.º Centenario do illustre
monge benedictino .
Não seria pois “ alguma rasão de Estado" que influiu, não só
na falta da publicação, como no extravio que teve esse 2.° livro de
Fr. Gaspar ?
A Historia da Capitania de S. Vicente, escripta por Pedro Taques
em 1772, como já referimos, não teve outro intuito sinão defender os
OS
interesses dos donatarios da Capitania de Martim Affonso,

(2 ) Esse manuscripto foi publicado na Revista do Inst . Hist .


Brasileiro, tomo XXIV , sob o titulo Continuação das Memorias de
Fr. Gaspar da Madre de Deus” , sendo o seu verdadeiro autor Manoel
Cardozo de Abreu que exerceu o cargo de Official maior da Secretaria ,
no Governo de D. Luiz Antonio de Souza, em 1774, mais ou menos.
O Dr. Alfredo de Toledo, vice-presidente do Instituto Hist. e Geogra
phico de S. Paulo tambem se occupou desse manuscripto em um artigo
publicado no Diario Popular, sob o titulo “ Um Problema Biblio
graphico " com o fim de esclarecer a verdadeira autoria desse manus
cripto, chegando á seguinte conclusão : “ O autor dessa Memoria
Historica é Manoel Cardozo de Abreu e como a Continuação das
Memorias de Fr. Gaspar da Madre de Deus nada mais é que a terceira
parte de fls . 116 a 160, daquella Memoria, desnecessario é concluir que
a autoria da Continuação e não apenas a Noticia, com que ella é rema
tada, pertence a esse mesmo Abreu " . O archivo publico de S. Paulo,
segundo informa o Dr. Toledo, possue hoje uma copia desse ma
nuscripto .
- 211

Condes de Vimieiro e os Condes da Ilha do Principe. Eram apenas,


como o referido autor declara , méros documentos angariados por elle
e entregues , particularmente , em Lisboa , a D. João de Faro e por
isso ficaram livres da censura e do sequestro , até o anno de 1847,
que foi quando se deu publicidade , com o referido titulo " de Historia
da Capitania de S. Vicente ” , na Revista do Instituto Historico e Geo
graphico do Rio de Janeiro , conforme os originaes em manuscripto ,
que se achavam então no respectivo archivo dessa douta Associação .
O acto da Rainha D. Maria I a que se refere Fr. Gaspar, con
cedendo aos herdeiros de Martim Affonso, Os Condes da Ilha do
Principe, ( donatarios da Capitania de Itanhaen ) um equivalente pela
Capitania das 100 legoas de Costa ” , teria, sem duvida, passado no
começo de seu reinado, em 1777, cinco annos após a entrega dos ditos
documentos de Pedro Taques, a D. João de Faro, porém, que equi
valencia foi essa ?
E o que até hoje não podemos averiguar .
Vejamos pois o que, sobre tal assumpto, escre em outros histo
riadores .
O Snr . Dr. Antonio de Toledo Piza , como á ficou referido,
diz apenas isto ao tratar da compra feita ao Marquez de Cascaes
( Processo Vimieiro -Monsanto ) : “ Sem liquidar a questão de limites
entre as duas donatarias de S. Vicente e Santo Amaro, o governo
portuguez considerou a barra de S. Vicente, com linha divisoria e
assim S. Vicente, Santos e S. Paulo ficaram ir cluidos na compra
feita ao Marquez de Cascaes e annexados aos cominios da Corôa.
Mais tarde o Marques de Pombal, resgatou tambert a Capitania de S.
Vicente ( Capitania de Itanhaen ), e annexou aos doininios reaes, e assim
desappareceram as duas antigas Capitanias e as questões sobre a sua
posse e divisas."
Em baixo deste periodo o Dr. Piza dá esta aconica nota : “ Por
actos de 1753-54 ” .
Ora, si o Marquez de Pombal havia annexado á Coroa, resgatado
essa Capitania de Itanhaen , ou Capitania de S. Vicente, por actos de
1753 e 1754, como é que Fr. Gaspar e Pedro Taques, que estudaram ,
tão minuciosamente esta questão, nessa época, gnoravam totalmente
tal decisão régia ou tal acto de Pombal ?
Si esta questão tinha ficado decidida, com Esse acto do ministro
de D. José I, em 1753 ou 1754, não haveria ra são para que, vinte e
trez annos depois 1777 ou 1779 viesse a R: inha D. Maria I , con
ceder, aos donatarios de Itanhaen, um equivalente pela Capitania das
100 legoas, como escreve Fr. Gaspar .
Que a tal annexação, ou resgate da Capitania de Itanhaen , por
parte da Corôa, não foi feita no reinado de D. José I por esse pretenso
- 212

acto do Marquez de Pombal, conforme querem alguns historiadores,


comprovam não só as affirmações de Pedro Taques e Fr. Gaspar, mas
igualmente a opinião insuspeita e cathegorica do Juiz de Fora da
Villa de Santos, Dr. Marceilino Pereira Clero, na sua “ Dissertação a
respeito da Capitania de S. Paulo, escripta em 25 de Outubro de
1787 – ( Annaes da Bibliotheca Nacional vol . XXI pags . 224 ).
Diz o dito historiador : “ ... Da mesma sorte esta Capitania (de
São Paulo ) , que antigamente se denominava de São Vicente foi
dôada a Martim Affonso de Souza com 100 legoas de Costa , que
principiavam tres legoas ao Norte de Cat.o Frio e acabavam doze
legoas ao Sul de Cananéa , intermediando -se unicamente dez legoas
( de Pedro Lopes ) as quaes principiavair : no Rio Corupacé , hoje
Juqueriquerê, que fica ao Norte de São Sebastião, e acabava no Rio
de Bertioga .
De toda esta Capitania ( de Martim Affonso ) esta hoje de posse
a Corôa, expulsando della, sem titulo, ( lireito ) a Exma. Casa de
Vimieiro ( sic) a quem pertence ; hé de crer que , sendo S. Magestade
informada do direito desta Casa, ou lhe compre a dita Capitania , ou
lhe dê della conveniente ressarcimento, assim como tem feito a res
peito de outros Donatarios da America ; e passando á Coroa a Capitania
por este titulo onerozo, pertencerão á mesma todos os direitos que
nella tinha o seu Donatario, segundo o Foral dado pela dita Capitania
no anno de 1535."
Depois de taes provas decisivas e insuspeitas, vejamos o que, a
66
tal respeito escreveu Azevedo Marques, quando em seus Aponta
mentos Historicos da Capitania de S. Paulo " nos fala dessa Capitania
e da sua incorporação á Coroa . Foi, diz elle, esta Capitania incorporada
á Corôa por alvará de 31 de Agosto de 1753, com indemnisação aos
donatarios. "
Na “ Chronologia Paulista " , do inesmo Autor, vem a mesma refe
rencia : “ 31 de Agosto de 1753 Carta Régia incorporando á Corôa
a Capitania de S. Paulo, com indemnisação aos donatarios” ( !! )
Não sabemos, pois, quem foram esses donatarios da Capitania de
S. Paulo, indemnisados em 1753, em tampouco o livro ou archivo
paulista em que foi registrado tão importante documento . Pois nem
nas pesquizas que temos feito até hoje nos archivos municipaes pau
listas, nem nos milhares de documentos publicados pela repartição do
Archivo publico de S. Paulo, que attingem já a quarenta e quatro vo
lumes, pudemos ver e manusear essa Carta Régia ou Alvará de 31
de Outubro de 1753 e de 6 de Janeiro de 1754 ou 1755 que os Aponta
213

mentos para a Historia de S. Paulo " , nos dão noticia , mas não trans
crevem. ( 3 )
Note-se ainda que, além das confusões de datas, os autores que
vimos de citar confundem ainda as denominações das Capitanias :
Ora é a Capitania de Santo Amaro ou a Capitania de São Vicente
que o acto de Pombal resgata ; ora é simplesmente a Capitania de São
Paulo, e isto pelo simples facto de não quererem, taes autores, fazer
menção do verdadeiro nome da donataria dos Condes da Ilha do
Principe, que se distinguia ainda das outras capitanias com o nome
de Capitania hereditaria de Itanhaen .
Em fim : “ são caturrices de historiadores” como bem define o
Snr . Dr. Affonso de E. Taunay em uma carta que nos escreveo em
resposta a uma consulta que neste sentido lhe fizemos .
Estas confusões feitas pelos nossos historiadores não deixam
de ser prejudiciaes, se não fossem vergonhosas para nós, os paulistas,
perante todo aquelle que se propõe a estudar a fundo este assumpto,
tão importante, das Capitanias paulistanas.
O douto historiador italiano prof. Vicenzo Grossi, em seu livro
“ Storia de la colonizazione europea al Brasile " , ao tratar de tão
importante assumpto das Capitanias em São Paulo , diz o seguinte ,
depois de analyzar a complicada questão :
66
Quanto alla Capitannia de Itanhaem (o de São
* Paulo ? ) , essa viene incorporata a la Corona colle
“Carta Regia del 31 Agosto 1753 e 28 Gennaio 1754,
mediante indenizo al donatario ."

Esse apontamento erroneo tirou o historiador italiano, sem du


vida, da obra de Azevedo Marques. Não deixou, entretanto, o dito
historiador italiano, de discordar do autor, quanto ao titulo da
Capitania que então se incorporava á Corôa, a qual seria realmente a
Capitania de Itanhaen e não a de S. Paulo, pu Capitania de S. Vicente,
que já estava incorporada desde 1711 .

(3 ) O distincto historiador brasileiro Dr. Capistrano de Abreu, a


quem consultamos sobre o assumpto nos diz em uma carta : “ Procurei
noticias sobre a data da incorporação da Capitania de São Vicente á
Corôa , mas fui infeliz na pesquiza .
Sei apenas que Pombal obrigou o Conde da Ilha do Principe a
trocar o titulo pelo de Lumiares ; que com este titulo litigou a pro
posito da herança do que sahiu victorioso. Tenho idéa vaga de que
do tempo de D. Maria I , vi um papel que dava o Conde de Vimieiro
ainda como donatario . Estes nós poderão ser desatados pelo nosso
amigo e consocio Gentil de Moura, si para o anno, como pretende,
fôr a Portugal... "
- 214 –

O prof . Vicenzo Grossi, que estudou bem a questão, não trata


mais, nesse ponto, de Capitania de S. Vicente, porque bem reconhecia ,
que tal Capitania com esse titulo havia desapparecido desde a
data em que o Marquez de Cascaes, uzurpando -lhe o titulo, a traspassou
ao dominio da Coroa já com o novo denominativo de Capitania de
S. Paulo , como se está vendo.
Vejamos ainda o que, sobre esta materia, diz o Snr. Dr. João Men
des de Almeida em seu livro “ Notas Genealogicas ”.
Depois de estudar e analyzar, com a proficiencia que lhe éra
peculiar, a complicada questão das Capitanias, em S. Paulo não
deixando entretanto de confundir, como os demais autores , OS

nomes das Capitanias, o que é deveras lastimavel em um escriptor de


tal competencia, escreve elle o seguinte :
“ E do que fica exposto, vê-se quaes eram os limites da Capitania
de São Vicente ( Itanhaen ) depois S. Paulo .” A jurisdicção desta
donataria estendia - se :
“ Desde Macahé até o extremo Sul ; e todo o sertão comprehendendo
Minas (Matto -Grosso e Goyaz ) e confinando por tanto ao sul e Este
com as possessões hespanholas, e ao Norte com Pará, Maranhão ,
Pia uhy, Pernambuco, Bahia e Espirito Santo .
“ Reduzida successivamente por perda de territorios, afim de se
formarem capitanias novas, depois de haver sido subordinada ao Go.
verno do Rio de Janeiro em 1637, ainda que voltasse a constituir- se
depois, em 1709, governo separado e independente, vio-se afinal abatida
e extinta em 1748, como governo subordinado ao Rio de Janeiro, pela
segunda vez ; readquirindo só em 1765 a posição de Governo separado
e independente.”
O autor referindo-se aqui ás diversas phases porque passou a Ca
pitania de São Paulo, depois de 1709, accrescenta :
Consideradas as quatro datas, 1748 – extincção da Capitania,
1753 incorporação de Capitania á Corôa, com indemnisação aos
donatarios ( ? ) 1763 transferencia do vice-rei do Brasil para o
Rio de Janeiro. 1765restauração do governo separado e inde
pendente em S. Paulo, ( que ainda conservava o titulo de Capitania ) ,
(4 ) além das desannexações anteriores a 1748, é licito suspeitar que

( 4 ) Então muito legitimo, si é que os donatarios da Capitania de


Itanhaen haviam sido indemnisados pela Coroa em 1753. E' extra
nhavel , mesmo censura vel e digno de reparo, bem é que se re
que, nem um destes escriptores , que citam essa Carta régia
pita
fazendo annexação á Corôa, da parte da Capitania de Martim Affon.
so, em 1753 ou 1754, nos digam o archivo em que se acham trans
criptos tão valiosos documentos ! Nem Azevedo Marques na sua
“ Chronologia ”, nem Jacintho Ribeiro no seus tres grossos volumes
- 215

o Governo de Portugal cogitava de peiorar a condição do donatario


( da Capitania de Itanhaen ) , para diminuir a indemnisação ; tanto
mais concorrendo a variedade de decisões na famosa questão do Conde
de Monsanto, no seculo anterior e o auto de posse pela Coroa, a Ca
mara de S. Paulo, em 25 de Fevereiro de 1714, e em que foi compre
hendida a Capitania de Santo Amaro e tambem grande parte da Ca
pitania de São Vicente, como já ficou referido. ( 5 )
Chicanas do tempo !"
O que deu mais força a essas chicanas" foi, incontestavelmente,
a má interpretação, ou a má fé dos donatarios de Santo Amaro e dos
locotenentes em denominarem a sua Capitania com o titulo de São
Vicente ; nome esse que ficou consagrado nos annaes das Camaras
Municipaes e nos papeis officiaes da época.
Nas provisões concedidas pelos donatarios para as creações das
villas da dita Capitania dos Monsantos, desde 1624—1710, e na mór
parte dos termos de Vereanças e mais autos da Camara de S. Paulo
durante esse periodo , não se vê mais o nome de Capitania de Santo
Amaro , mas sim de Capitania de São Vicente que era o seu titulo
official. Foi dahi, como temos dito, que surgio a confusão que ainda
hoje persiste entre os historiadores, como se está vendo, os quaes não
querendo concordar com esse facto consumado teimavam , e
teimam ainda , em confundir a Capitania de Itanhaen, donataria dos
Vimieiro e dos da Ilha do Principe, com a Capitania de S. Vicente
donataria dos Monsanto e Cascaes.
Para que se não diga que é teimosia, ou caturrice de nossa

parte, em insistir neste ponto, damos ainda a opinião de Pedro Ta


ques , que bem se pronuncia em prol do que vimos discutindo ; e se
isso não bastar para provar o que era, nessa época, considerado como
Capitania de São Vicente, bem como a parte da donataria de Martim
Affonso , denominada Capitonia de Itanhaen , poder- se -á consultar
ainda os “ Documentos Interessantes" na parte que se refere á admi
nistração do Capitão-General Rodrigo Cezar de Menezes por onde

“ Chronologia Paulista ” , nem tão pouco os 44 volumes dos “ Documen


tos Interessantes ” para a historia de S. Paulo, publicados pela Re.
partição do Archivo Publico de S. Paulo, e as Actas da Camara,
hoje impressas, nos dão a menor noticia de tal documento ! ...
( 5 ) Note- se : o que o autor denomina aqui Capitania de San
to Amaro, era então officialmente conhecido por Capitania de S. Vi .
cente, visto que, por esse facto, – a Capitania de S. Vicente, a pri
mitiva, havia sido denominada officialmente, pelos seus donatarios,
com o titulo de Capitania de Itanhaen , afim de não existirem duas Ca
pitanias, distinctas, sob o mesmo nome, como tão sabia e criteriosa
mente previo a Condessa de Vimieiro e o seu locotenente João de
Moura Fogaça, em 1624.
- 216 -

se verá que a Villa de Tinhaé ( Itanhaen ) era ainda, de 1721 em


deante, considerada como Cabeça de Capitania dos herdeiros de Mar
tim Affonso com o titulo official de “ Capitania de Itanhaen ",
Vejamos pois ainda, de que forma encarava Pedro Taques o
estado da questão entre as duas donatarias, no inicio desta quarta
phase do litigio, após a annexação, á Coroa , da parte da donataria de
Pedro Lopes, denominada Capitania de S. Vicente :
" A vista da clareza com que se procedeu na venda e compra
das cincoenta legoas de costa que tinha o Conde de Monsanto (Mar
quez de Cascaes ), fica mais patente o iniquo procedimento de Fernão
Vieira Tavares, executado em 1624 ; (como já ficou referido ) porque
mandando el-rei esta escriptura com carta de 6 de Dezembro a An
tonio de Albuquerque Coelho de Carvalho, Governador e Capitão
General da Capitania de S. Paulo, para fazer tomar posse das ditas
cincoenta legoas, procedendo-se na medição e demarcação dellas, e
pondo-se os reaes padrões ; entretanto nada teve effeito, porque o
General Albuquerque se achava então ausente em Minas Geraes,
d'onde enviou a dita Carta régia e a escriptura da compra e venda
(já transcriptos ), aos Officiaes da Camara da Cidade de São Paulo,
para executarem o conteudo da real ordem : elles porem , sem faze
rem proceder na medição e na demarcação das ditas cincoenta legoas
de Costa para conhecimento das villas povoações que ficavam den
tro d'ellas, materialmente, satisfizeram a tudo isto com mandarem
escrever no livro das vereações um termo de posse no dia 25 de Fe
r'ereiro de 1714, no qual disseram que tomavam posse por parte da
real Corôa, das cincoenta legoas de Costa , que o Marquez de Cascaes
possuia na Capitania de S. Vicente, na qual se comprehendia as villas
de S. Vicente , Santos, de S. Paulo, e todas as demais, que possuia o
donatario dellas, dito Marquez de Cascaes.
Por esta indiscutivel facilidade e crassa ignorancia está subsis
tindo até agora ( 1772 ) o errado conceito de que todas as villas desta
Capitania de S. Paulo ( inclusive Itanhaen ) , assim da marinha, como
as de serra acima, são da Corôa e patrimonio real. (6)
Contra este engano está clamando a clareza da mesma escriptura
de compra e venda ; porquanto nas dez legoas do rio Corupacé até
o rio de S. Vicente, braço do norte, não ha mais do que a villa de
S. Sebastião ; e, nas quarenta legoas, desde a barra de Paranaguá até

( 6 ) Será crivel, pois, que, Pedro Taques, em 1772, ginorasse a


existencia dessas Cartas régias, de 1753 e 1754, pelas quaes a Coroa
havia resgatado o resto da Capitania de Itanhaen, mandando indem
nisar os seus donatarios, conforme escrevem os chronistas e historiado
res da nossa época ?
- 217 -

a Ilha de Santa Anna não ha mais que as villas de S. Francisco,


Ilha de Santa Catharina e Laguna, todas as demais Villas e cidades,
comprehendidas nas cem legoas da (primitiva ) Capitania de S. Vi.
cente , são do donatario desta Capitania..."
Rebuscando nos annaes da Camara Municipal de S. Pauio,
a collecção de actas de 1701-1719, não encontramos, infelizmente, esse
" termo de posse " ao qual Pedro Taques se refere.
64

No livro de actas de 1714, existe um Auto de posse da Capitania


de São Paulo " com essa data de vinte e cinco de Fevereiro ;
este " Auto " porém, não traz as referencias citadas por Pedro Ta
ques. Parece-nos apenas um rascunho incompleto do " termo” refe
rido pelo historiador, como se verifica da nota que vem no fim do
66
mesmo Auto " como se vae vêr :

64
Auto de posse da Capitania de S. Paulo em nome
de Sua Magestade que Deus guarde. "
“ Anno do nascimento de Nosso Senhor Jesus Chris
to de mil setecentos e quatorze, aos vinte e cinco dias do
mez de Fevereiro do dito anno , nesta cidade de S. Paulo,
em as casas do Senado da Camara della, com assistencia
do Governador Manoel Bueno da Fonseca prezidencia
do Dezembargador Ouvidor Geral Dr. Sebastião Gal
vão Rosquinho, juizes, vereadores e procuradores da Co
rôa e Conselho ; onde vierão para effeito de tomar pos
se desta Capitania de S. Paulo, em nome de Sua Ma
gestade que Deus guarde, por estar hoje affecta a Coroa
real, por compra que della fez o dito Senhor, pelo Con
selho Ultra- Marino, ao Marquez de Cascaes, Senhor e
donatario d'ella, pelo preço de quarenta mil cruzados,
pagos na Junta do Commercio, e a luva de quatro mil
cruzados que mais se lhe derão pela dita Capitania, de
cincoenta legoas de costa, conteudas na escriptura de
compra e venda que d'ellas se fez pelos procuradores da
fazenda real, ao dito Marquez de Cascaes, e a Coroa
de Sua Magestade, que estão registrados nos livros da
Camara desta Cidade. E com effeito, o dito Dezember
gador e Ouvidor Geral e officiaes da Camara tomarão
posse das ditas cincoeinta legoas de Costa, desta Capi
tania , em nome do dito Senhor e do seu procurador da
Coroa o Capitão-mór Pedro Taques de Almeida, no
nome que representa. Do que, de tudo , mandarão fazer
este Auto que assignarão com as mais pessoas que pre
sente se achavão e eu Antonio Corrêa de Sá o escrevi.”
- 218 -

Este termo, assim concebido, parece que não satisfez as partes


interessadas, pois que não foi assignado ; e no fim do mesmo Auto
o escrivão pôz a seguinte nota : “ Não teve effeito porque este Auto
se fez por um t.am ( ? ) ao pé da mesma escriptura de compra e venda
que se fez ; do que fiz esta declaração. S. Paulo 25 de Fevereiro de
1714. Antonio Corrêa de Sá."
Não sabemos a razão porque não consta, deste livro de actas,
o termo definitivo ao qual Pedro Taques se reporta, lavrado nessa
mesma data, com as declarações : que tomavam posse, por parte da
Real Corôa, das cincoenta legoas de Costa, que o Marquez de Cascaes
possuia na Capitania de São Vicente etc."
No referido livro de actas da Camara de S. Paulo, principalmente
nesta parte, a escripturação não está feita com regularidade, pois os
termos de vereação não se acham em ordem, nas respectivas datas :
assim é que o termo seguinte a este Auto ( de 25 de Fevereiro) é
de data anterior 6 de Fevereiro e os demais que se seguem ,
já pertencem ao mez de Abril ; parecendo, portanto, haver uma la
cuna ou falta de folhas nesta parte, aliás, tão importante dos Annaes
possuia na Capitania de São Vicente, etc.
Nas escripturas de compra e venda, já transcriptos, não ha men
ção alguma do nome da Capitania que então se resgatava, isto é
não se declara se era a Capitania de Santo Amaro ou a Capitania de
S. Vicente que o Marquez de Cascaes vendia á Corôa ; isso porém ,
precisava ficar declarado, em um documento publico afim de
bem esclarecer a transacção ; e foi isto que fizeram os Camaristas de
S. Paulo nesse termo" a que Pedro Taques se refere e ... o qual não
apparece .
Os senhores de Monsanto e de Cascaes, como já ficou provado,
davam á sua Capitania o titulo de Capitania de S. Vicente e os cama
ristas de S. Paulo , para lhes serem agradaveis, e mesmo no seu pro
prio interesse, como veremos adeante, denominavam tambem á Capi
tania de Pedro Lopes , da qual a sua villa fazia parte desde 1624
com o titulo de Capitania de S. Vicente.
Nas actas da Camara de S. Paulo, desde 1562 em deante, os têr
mos de vereanças começam sempre por esta forma ... nesta villa
de São Paulo, Capitania de São Vicente de que é Capitão governador,
por él-Rei Nosso Senhor, o Senhor Martim Affonso de Souza."
Essa formula, com o correr dos tempos, foi mais ou menos sen
do abolida . Do anno de 1600 em deante os termos de vereança de S.
Paulo adoptavam ainda uma vez ou outra, a dita “ formula " como
na acta de 16 de Janeiro desse anno onde se lê este trecho : “ Accor
darão os ditos officiaes e mais pessoas que lhes parecia bem a todos
não haver juiz dos indios que os reverendos padres deceram nova
- 219 --

mente do Sertão, porque, os indios que óra há na terra são morado


res e povoadores da terra que achou o Snr. desta terra Martim
Affonso de Sousa , quando a povôou . "
Vê-se pois que, nesta época, os vereadores de São Paulo reconhe
ciam ainda, não só que a Capitania de S. Vicente éra de Martim
Affonso, bem como que, havia sido esse mesmo donatario o fun
dador e povoador dessa povoação villa de S. Paulo. (7 )
No periodo que vae de 1600 a 1623, a formula Capitania de
São Vicente já não era usada nos referidos termos de vereança ;
entretanto , na acta do dia 26 de Dezembro de 1623, os vereadores
da Camara de S. Paulo ainda reconheciam como Capitão-Mór e
Governador da Capitania de Martim Affonso, o lóco -tenente da Con
dessa de Vimieiro João de Moura Fogaça , conforme se vê de uma
Provisão deste governador, apresentada e acceita nessa sessão .
No anno seguinte, a 10 de Fevereiro de 1624 se la vrou um ter
mo na mesma Camara, onde se declara que compareceo em Camara
João de Moura Fogaça , Capitão - Mór e Ouvidor da Capitania de
S. Vicente e apresentou uma Provisão do Snr. Governador Geral, etc."
No termo de vereança de 17 de Fevereiro, desse mesmo annu,
de 1624, sete dias após ao comparecimento de Fogaça na sessão O
Conselho de São Paulo, os mesmos vereadores sem mais explica
ções já não reconheciam o Capitão e Ouvidor da Condessa de Vi.
mieiro como Governador da Capitania de São Vicente, mas sim ao
seu antagonista Alvaro Luiz do Valle, procurador e Lóco - tenente do
Conde Monsanto. Diz o termo, mui laconicamente : “ ... e pelo
Capitão -Mór e Ouvidor, Alvaro Luiz do Valle, foi apresentado aos
ditos officiaes da Camara duas Provisões do Conde de Monsanto,
por onde proveo o dito Alvaro Luiz do Valle de Capitão-Mór e
Ouvidor. As quaes mandarão fosse registrada e assignarão aqui ; eu
Calixto da Motta Escrivão da Camara o escrevi : Alvaro Neto
Antonio Furtado de Vasconcellos Lourenço Nunes - Leonel Fur
tado Corrêa " .
Neste laconico termo de 17 de Fevereiro de 1624, não declaram
os vereadores de S. Paulo quel era a Capitania em que Luiz do Valle
vinha exercer o cargo de Capitão-Mór e Ouvidor, em nome do Con

( 7 ) Em uma “ Memoria " por nós publicada em 1913, “ A primi


tiva povoação de Piratininga e a Villa de Santo André da Borda do
Campo ”, já discutimos e provamos, com documentos, que foi Martim
Affonso de Souza , o fundador da povoação de Piratininga, proximo
á Aldea de Tibiriçá, onde depois, em 1554, os P.P. Jesuitas crearam
a villa de São Pauio, sob provimento do mesmo donatario.
- 220

de de Monsanto ; elles bem sabiam, entretanto, que o Conde de Mon


santo (Marquez de Cascaes) não era donatario da Capitania de
São Vicente, mas sim da Capitania de Santo Amaro, da qual a Villa
de São Paulo ia ser a séde . Esse titulo Capitania de Santo
Amaro - não convinha, de maneira alguma, ao Marquez de Cas
caes nem aos moradores de S. Paulo, que nunca quizeram delle fazer
a minima menção nos seu termos" e " autos” publicos .
Já demonstramos que a “ formula " Capitania de São Vicente,
usada primitivamente nos termos de vereanças, desde 1560, tinha
sido quasi abolida durante o periodo em que a dita Capitania de
S. Vicente fóra governada pelos donatarios que succederam a Mar
tim Affonso de Souza . Vamos ver agora como essa velha e olvidada
“ formula ” reapparece ostensivamente nos annaes da Camara de
São Paulo, para demonstrar bem , que a donataria de Pedro Lo
pes , da qual era Senhor " o Conde de Monsanto ( então Marquez
66
de Cascaes ) era de facto e direito " a Capitania de São Vicente .
No termo de vereança da Camara de S. Paulo de 16 de Março
desse mesmo anno de 1624, em que a Condessa de Vimieiro foi es
bulhada do direito que tinha sobre as villas fundadas por seu bi
savô Martim Affonso de Souza e bem assim do titulo, ( Capitania
de São Vicente ) , nesse termo de vereança, como iamos dizendo, se
declara que ... " O procurador do Conselho, Leonel Furtado, reque
reu aos officiaes da Camara, para que pedissem ao lóco -tenente e
Procurador do Senhor desta terra, dé- se provisão para que fossem
feitas prisões para esta cadêa, a custa dos ridizimos desta Ca
pitania de São Vicente e que nomeasse Alcaide e Carcereiro, por
quanto não havia, visto estarem vagos esses cargos ... requeriam mais,
umas tantas coisas , ao Capitão-Mór e Ouvidor desta Capitania , de
São Vicente, procurador e lóco -tenente do Senhor Conde de Mon
santo , donatario d'ella, etc ...."
A Capitania de Santo Amaro já estava pois solennemente chris
mada como nome de Capitania de São Vicente pelos vereadores
de São Paulo, e mobediencia ao “ Senhor d'esta terra " , como declara
o procurador do Conselho Leonel Furtado ; e, esse " senhor " - era
O Marquez de Cascaes, “ fidalgo de nobre linhagem e valido d'el.
Rei” , como veremos adeante .
A Villa de São Paulo é então " condecorada” com o titulo de
“ Cabeça de Capitania de São Vicente " pelo mesmo marquez, em
recompensa aos serviços que os ditos vereadores haviam prestado á
Causa que enião se debatia entre elle e os Condes de Vimieiro, como
já ficou demonstrado no Auto de posse e mais documentos no ca
pitulo anterior .
_221

A “ formula -- Capitania de S. Vicente" vae ser agora ado .


ptada em todos os autos e termos, nas occasiões solennes, como se
verifica dos respectivos termos de vereança, os quaes, quando tra
tavam de assumptos importantes eram sempre assim redigidos : “ Ter
mo que se fez na Camara desta villa de S. Paulo sobre a ganancia
de dinheiro dos orphãos, que se costumavam levar nesta Vil
la etc... Aos oito dias do mez de Março de mil seis centos
e sesenta annos, nesta Villa de S. Paulo, Capitania de São Vicente :”
No requerimento de protesto que então fez o Juiz de Orphãos
de S. Paulo – D. Simão de Toledo Piza perante os officiaes da mes
ma Camara, rebatendo esses termos insolitos dos Camaristas, se de
clara que " a villa de São Paulo estava sob a alçada de sua vara
de Juiz, por Mercê do Conde de Monsanto, óra Marquez de Cascaes,
donatario perpetuo desta Capitania de São Vicente, etc. ”
E' desta época 1640 e 1660 em deante, que os Vereadores ,
os Juizes de fóra e Juizes de Orphãos da villa de São Paulo fazem
alarde, nos documentos publicos, do titulo e da formula Capitania
de S. Vicente -- principalmente de 1682 a 1709, como se podera ve
rificar dos ditos annaes da Camara de S. Paulo .
E' esta, como veremos adeante, a época em que mais se manifesta
o brio do povo de São Paulo que, conscio já do seu vaolr, começa
a demonstrar a tenacidade heroica de seu caracter, não só nas au
daciosas “ entradas” do “ sertão" , nas famosas “ bandeiras” , como nas
ruidosas manifestações publicas que dava, da sua altivez e indepen
dencia, nesses “ ajuntamentos” que frequentemente promovia, “ ao
toque de alarme”, nas praças publicas e nos pateos da Casa do Con
selho, afim de protestar, tumultuosamente , perante os officiaes do
Senado e mais autoridades ; ora, contra as leis violentas que lhes
queriam impôr ; ora, contra a acção dos missionarios Jesuitas ; e, ou

tras, ainda, contra as ordens emanadas do proprio Governador Geral,


quando se pretendiam pôr em pratica as “Ordenações da Metropole” ,
sobre a liberdade dos indios, ou sobre um ponto qualquer que o viesse
ferir nos seus interesses, nos seus direitos e nos seus brios de povo
independente ! Era pois esse povo, assim altivo, que não admittia,
não tolerava que a villa de S. Paulo fosse Cabeça da Capitania
de Santo Amaro, mas sim da Capitania de S. Vicente, porque esta,
além de ser a primitiva, era ainda a mais vasta, a mais importante de
todas as donatarias .
Fazia - se alarde então em proclamar o Marquez de Cascaes
Senhor da terra ” e “ governador perpetuo da Capitania de S.
- 222

Vicente” , como se vê desse requerimento de protesto feito por Don


Simão de Toledo Piza, aos vereadores da Camara de São Paulo,
cuja villa era, de facto, a “ cabeça de todas essas Capitanias”.
Isto, embora fosse um acto arbitrario, era, entretanto, rasvavel e
até justo, pois estava bem de harmonia e de accordo com o meio da
época e, sobretudo, com a indole do povo de São Paulo, como ve
remos adeante .
CAPITULO XIII

Confirmação da doação das " cem legoas de costa "


feita ao donatario da Capitania de Itanhaen D. An
tonio Carneiro de Souza , em 1709. As villas que esta
vam creadas nessa época e fazendo parte da Capitania
de Itanhaen. As villas que pertenciam, de direito, e de
facto , á Capitania de São Paulo. As generosidades do
Rei D. João V para com o Marques de Cascaes, e as in
justiças praticadas contra o Conde da Ilha do Principe.
A razão de ser dessa parcialidade, nas decisões régias e
nas sentenças pronunciadas neste longo litigio. Os ha
bitantes da Villa de São Paulo . O caracter do powi
paulista. Ainda “ Os annaes da Camara de São Paulo,
de 1640 em deante " . Os ajuntamentos e as arruaças
nessa época. Os Camaristas coagidos pelo povo. — Qual
era o elemento que constituia o povo, nesses ajuntamentos.
O opulento paulista, Guilherme Pompeo.

Afim de bem demonstrar qual era a jurisdicção da Capitania de


Itanhaen, na época em que D. João V comprou, ao Marquez de
Cacaes, as cincoenta leguas da Capitania de Santo Amaro, denomi
nada então Capitania de São Vicente e depois - Capitania
de São Paulo daremos aqui, na sua integra o “ Traslado da Con
firmação e de doação ao Exmo. Snr. Conde donatario da Capita
nia de Itanhaen , na era de 1709 annos, a 19 de Fevereiro do dito
Anno, por el Rei Don João, o quinto ” : “ Pedindo -me o dito An
tonio Carneiro de Souza, Conde da Ilha do Principe, que por quanto
o dito Senhor D. Francisco Luiz Carneiro, seu Pai, Conde que foi
da mesma Ilha , hera fallecido e por sua morte lhe pertencia o ser do
natario das cem legoas de terras incluidas nas Cartas nesta in
corporada, como héra o dito Conde seu pai, por ser seu filho legi
timo e de sua mulher Dona Euphrazia Felippe de Noronha, Con
- 224

dessa do mesmo titulo, e o mais veiho que ficára por morte do


dito seu Pai, como constava da Sentença do Juizo das Justificações,
que offerecia -lhe fizesse Mercê mandar passar carta de confirmação
da doação das ditas cem legoas de terras, em seu nome, para as lo
grar na mesma forma, em que as possuia o dito Conde seu Pai ; e
visto seu requerimento e sentença e justificação referida, e carta
nesta encorporada e resposta do procurador da Minha Corôa, a quem
se deu vista hei por bem e me apraz fazer Mercê ao dito Antonio
Carneiro de Souza, Conde da Ilha do Principe, de lhe confirmar a
doação das ditas cem legoas de terras, formadas em Capitania no
districto do Rio de Janeiro, para que as logre e possua, por suc
cessão, com todas as jurisdicções, preheminencias, derrogações e tudo
o mais que na doação, nesta Carta incorporada vai declarada , assim
como as teve , logrou e possuiu o dito seu Pai D. Francisco Luiz
Carneiro, Conde que foi da Ilha do Principe ; pelo que mando ao
meu Governador e Capitão -General do Estado do Brasil, Governador
do Rio de Janeiro e a todos os meus ministros da Justiça e mais
Fazenda do mesmo Estado, a quem pertencer, cumpram e façam
cumprir e guardem esta Minha Carta de Confirmação e doação mui
to inteiramente como nella se contém, e na sua conformidade dem
posse ao dito Conde da Ilha do Principe, Antonio Carneiro de Souza,
da dita Capitania e terras delia, na forma desta doação, e lha cum
pram e guardem como nella se contém, sem duvida alguma; a qual
se registrará nos livros das Contas da Cidade de São Salvador e nas
Camaras da dita Capitania de Itanhaen e nas partes onde for neces
sario, de que os escrivães que a registrarem passarão suas certidões
nas Costas d'ella, a qual por firmeza de tudo lhe mandey passar, por
mim assignada e sellada do meu sello de chumbo pendente, do que
pagou , de novo, o direito de quatrocentos reis, que se carregarão ao
thezoureiro Aleixo Botelho Ferreira, a folha 70, cujo conhecimento
em forma consta no registro geral a folhas 59. Dada nesta cidade de
Lisboa, aos 19 de Fevereiro de 1709 . Rey . Miguel Carlos."

Nem Pedro Taques, nem Fr. Gaspar tiveram conhecimento desta


Carta Régia de D. João V, pois que não fazem della a menor men
ção, não obstante achar - se registrada na Camara de Itanhen
e nos papeis avulsos do Governo do Capitão General de São Paulo,
Rodrigo Cezar de Menezes, bem como nos archivos publicos do Rio
de Janeiro e da Bahia.
A Jurisdicção da Capitania de Itanhaen estava, portanto, bem de
terminada no documento que vimos de trancrever; entretanto, oito
mezes após a concessão desta Carta de Confirmação - a 22 de Ou
225

tubro desse mesmo anno de 1709, o mesmo Rei D. João V auto


risava por um Alvará , a venda das cincoenta legoas do Marquez de
Cascaes, nas quaes incluira já uma boa parte da donataria do conde
da Ilha do Principe, inclusive as villas de São Vicente, Santos, São
Paulo, etc. , como já ficou demonstrado. O resto das cem leguas da
Capitania de Itanhaen , vae, d'ahi em deante, ser, não adjudicado
por uma sentença ou decisão régia, mas, simplesmente usurpado pelos
governadores Capitães-Generaes das Capitanias de São Paulo e de Mi
nas Geraes , com a acquiescencia do proprio Monarcha luzitano !
A Capitania de São Paulo ainda não estava creada nesta data,
19 de Fevereiro de 1709 quando D. João V reconhecia ainda os
direitos do Conde da Ilha do Principe na extensa Capitania de Ita
nhaen ; mas, a sua creação teve lugar no fim desse mesmo anno de
1709 e a installação solenne a 18 de Junho de 1710, com a posse do
seu primeiro Governador Capitão -General Antonio de Albu
querque Coelho de Carvalho .
A villa de S. Paulo, que já tinha o titulo, embora nullo, de Ca
beça de Capitania de São Vicente, concedido pelo seu “ Governador
Perpetuo " , o Senhor DoDn Manoel Joséph de Castro Noronha de
Attayde e Souza, VIII Conde de Monsanto e II Marquez de Cascaes,
vae receber tambem o titulo de Sede da Capitania de S. Paulo.
A 11 de Julho do anno seguinte, 1711 , o mesmo rei D. João V, por
uma Carta régia, lhe confere ainda o predicamento de Cidade, talvez
ror influencia do ex -Governador Perpetuo, o Senhor Marques de Cas
caes, que gosava de tanto prestigio na Côrte faustosa desse rei luzitano.
Vejamos pois, qual seria de facto e de direito a jurisdicção desta
Capitania de São Paulo, creada em 1709 e installada a 18 de Julho
de 1710. ( 8 )
Si, conforme rezam as cartas de confirmações e doações conce
didas por D. João V, as quaes vimos de transcrever, as cem le

guas da donataria de Martim Affonso pertenciam de direito ao Con


de da Ilha do Principe, é claro que a jurisdicção da Capitania de
Itanhaen, da qual o dito Conde era donatario legitimo, fazendo mes
mo abstracção da parte comprehendida entre Bertioga e S. Vicente, )
se estendia ainda da barra de S. Vicente ( Ilha Porchat ) , até á Ilha
do Mel , na barra de Paranaguá, e do rio Juqueriquerê, em S. Se
bastião , até Angra dos Reis , ou Cabo Frio, conforme affirma Pedro

( 8 ) 0 " termo de posse " das cincoenta leguas da Capitania


de S. Vicente ( antiga Capitania de Santo Amaro ) foi lavrado a 25
de Fevereiro de 1714, em virtude da Carta Régia, de 14 de Abril
de 1712 .
- 226 -

Taques. As villas da marinha, situadas nesta secção septentrional da


Capitania de Itanhaen , que ainda faziam parte da mesma jurisdic
ção, após a creação da Capitania do Rio de Janeiro, ( como se ve dos
documentos na parte destas “ Memorias ” que se refere á creação des
sas villas ) , eram as seguintes : Paraty, Ubatuba, e Caraguatatuba.
No interior, á margem do Parahyba, existiam então nessa época,
as villas de São José dos Campos, Jacarehy, Taubaté, Pindamonhan
gaba e Guaratinguetá, bem como outras povoações, que ainda não tinham
predicamento de villa e que estavam, entretanto, sob a jurisdicção da
Capitania de Itanhaen .
Grande parte do vasto territorio de Minas Geraes, com suas
respectivas povoações, onde então se extrahia o ouro, estava igual.
mente fazendo parte da mesma Capitania.
Na secção meridional desta Capitania, na zona maritima já descri
pta, estavam as villas de Itanhaen, Iguape e Cananéa ; e no interior,
2 villa de Sorocaba, talvez a de Itú e as demais povoações já fundadas
nessa época.
Eram estas, pois, incontestavelmente, conforme'o “ Traslado de
Doação ” dado por D. João V, as villas. ę povoações que perten
ciam á Capitania de Itanhaen .
Veremos agora quaes as villas que faziam parte da jurisdicção
da Capitania de São Paulo, a qual nada mais era, nessa época, que
a parte donataria de Pedro Lopes de Souza, denominada primitiva
mente - Capitania de Santo Amaro e chrismada depois com o nome
de “ Capitania de São Vicente ", a qual acabava de ser comprada, ao
Marquez de Cascaes, pela Coroa luzitana.
Na parte littoreana desta Capitania de São Vicetne, comprehen
dida entre o rio Juqueriquerê e a Barra de São Vicente, estavam as
villas de Santos e São Sebastião, cuja fundação data, segundo diz
Pedro Taques, de 1603.
No interior, dentro dessa zona, estavam apenas as villas de São
Paulo, Mogy das Cruzes, Parnahyba, talvez Itú, e outras povoações
que não tinham ainda predicamento de villa.
Na secção meridional d'esta mesma Capitania que abrangia des
de a barra de Paranaguá até á Ilha de Santa Catharina, existiam ape
nas tres villas : Paranaguá, São Francisco e Laguna, visto como, se
gundo affirma Pedro Taques, o resto desse territorio estava ainda des
povoado nessa época.
Era esta pois a discriminação exacta das divisas, entre as duas
antigas donatarias, e suas respectivas jurisdicções .
Os Governadores da Capitania de São Paulo não podiam ignorar
esta discriminação, aliás tão clara e tão positiva, pois tinham no Ar
chivo da mesma Capitania a “ Carta Régia ” da confirmação dessas
- 227

doações, com as respectivas divisas, que o rei D. João V havia con


cedido ao Donatario da Capitania de Itanhaen , a qual, por sua or
dem estava registrada nos livros das Camaras respectivas.
Entretanto, a nada se attendeu ; e, com acquiescencia do proprio
rei, tudo ficou como “ letra morta ” , sujeito ao arbitrio despotico dos
Capitães-generaes .
Todas estas injustiças se teriam, entretanto , evitado, se o rei D.
João V, tivesse, nessa mesma época, annexado á sua coroa o resto
das cem leguas da donataria do Conde da Ilha do Principe, indemni
sando-o do seu respectivo valor, como aliás havia feito com as cin
coenta leguas pertencentes ao Marquez de Cascaes.
Ainda mesmo que essa donataria dos Condes da Ilha do Principe,
que constituia a Capitania de Itanhaen, tivesse o dobro ou triplo do
valor da antiga Capitania de Santo Amaro, em consequencia da im
portancia que provinha das suas minas auriferas, como já demonstra
mos, mesmo assim, não seria difficil e tão onerozo, para D. João V,
obter os meios para tal indemnisação : bastaria, para tal fim, lançar
mão apenas de uma parte do redito das proprias minas, que lhe
rendiam, já nessa época, mais de cem arrobas de ouro annualmente,
só com o producto dos reaes quintos .
Quando se tratou em Lisboa , em 1708, de vender essas cincoenta
leguas da Capitania de São Vicente, ao opulento paulista José de
Góes de Moraes , por quarenta mil cruzados " , 0 Senhor Marquez
de Cascaes, proprietario da mesma Capitania , declarava ao rei D.
João V que esse preço era excessivo, visto que, os rendimentos
em juros iriam avultar ainda mais essa importancia fabulosa
que o Creso paulista lhe offerecia. O rei D. João V, não querendo
que essa donataria viesse cair em mãos de um simples particular,
como esse opulento paulista que desejava “ honrar -se com o titulo
de donatario, em uma Capitania de tão grande jurisdicção”, resol
veo adquiril - a para sua Coroa ; e, sem tratar de regatear 0
" excessivo preço ” que por ella offerecia o argentario paulista, ao
contrario, mandou que immediatamente fossem pagas ao Marquez,
não só os 40.000 cruzados, como ainda os 4.000, a titulo de luvas ! ...
Ao passo que com o Marquez de Cascaes assim se praticava,
com tal generosidade, procurava - se, já, como bem pondera o Dr.
João Mendes de Almeida, " peiorar, cada vez mais, as condições dos
donatarios da Capitania de Itanhaen, afim de lhes diminuir a indemni
sação” , si é que de facto se cogitou de indemnisal-os.
O historiador, para bem esclarecer certos pontos tem o dever
de indagar, na propria historia, a rasão de ser de alguns factos que,
como este, se nos apresentam de forma tão extranha e singular.
228

Houve, sempre, por parte do Rei e dos Governadores, como

temos visto nesta questão entre as duas donatarias, – uma sympathia


ou parcialidade bem accentuada a favor dos herdeiros de Pedro Lopes
e, ao mesmo tempo, uma tendencia hostil aos legitimos herdeiros de
Martim Affonso .
Não procuraremos desvendar a origem ou o motivo dessa par
cialidade nos julgamentos dos Juizes e nas decisões régias, durante
o desdobramento das phases deste litigio, pois que seria por demais
longo e fastidioso. Apenas nos occuparemos, neste ponto, de indagar
a rasão do apoio e sympathia prestadas á Causa do Marquez de Cas
caes, não só pelos paulistas ( 9 ) , como pelos governadores e Capitães
Generaes, como tambem pelo proprio rei, conforme se está vendo.

AINDA OS ANNAES DA CAMARA DE S. PAULO DE 1640


EM DEANTE

Os habitantes da villa de São Paulo foram sempre considerados


como gente independente : eram um povo destemido, heroico, conscio do
seu alto valor, da sua audacia e intrepidez, da qual já tinha tantas
vezes dado provas, nas suas famosas bandeiras atravez do vasto con
tinente americano .
“ A classe dirigente paulista no principio do seculo XVIII , os
principaes da terra ( os sertanistas de outr'óra ) eram nesta época
pessoas graves, que já tinham o que perder, desejosos de fidalguia ve
nerando o seu rei e acatando os representantes delle" ( contribuição
para a Hist. da Capitania de S. Paulo, pelo Dr. Washington Luis) .
O povo paulista que, na época da creação da Capitania de São
Paulo venerava o seu rei e acatava os seus representantes, era ainda
o mesmo povo brioso e energico e ás vezes violento e insoffrido, que
tantas vezes deu que falar de si, nas reuniões tumultuosas que pro
movia sempre nas praças publicas e no recinto da Casa do Con
selho, conforme relatam os annaes da Camara paulista e os demais
documentos, desde 1640, quando o povo de S. Paulo acclamava seu
rei, a Amador Bueno da Ribeira ; quando, ainda em 1640, e 1641 a
proposito da “liberdade dos indios ”, se amotinava contra os Missio
narios Jesuitas, repellindo as bullas do Santo Padre, protestando e
impedindo então que viesse á villa de São Paulo, em 1660, 0

(9) Ovocabulo paulista é aqui applicado aos moradores


da villa de S. Paulo .
229

Governador Geral Salvador Corrêa de Sá e Benevides, dizendo “ a


grandes vozes e alaridos , que, não queriam o dito Sa.yador Corrêa de
Sá e Benevides nesta villa, e que se trazia algumas ordens de Sua
Magestade, que de la ( de Santos, onde se achava ) as mandasse aos
ditos officiaes da Camara, que elles, como locoes vassallos os dariam a
sua devida execução... " O mesmo povo requeria tambem, nessa data,
66
aos officiaes do Conselho que escrevessem ao dito Governador para
que não viesse a esta villa ; com protestação de que vindo, se poriam
em defesa e não seriam incursos em pena alguma” . ( Termo de Ve
rêança, 2 de Novembro de 1660 ) .
A proposito de qualquer causa, que não estivesse de accordo com
os seus interesses, como se está vendo, o povo de S. Paulo se amoti
nava. Mandava tocar rebate nos sinos de todas as egrejas e acudia
em massa ao pateo da Casa do Conselho, armado de espadas e
mosquetes e obrigava os vereadores a fazerem vereança, a acceitarem
seus requerimentos e a lavrarem termo de todo o occorrido, nessas
tumuituosas reuniões, cujos termos eram assignados por todos os
revoltosos .
São bem curiosos e interessantes taes termos de Verêações da
Camara de S. Paulo, dessa época, que bem definem o caracter e al
tivez do povo paulista. Muitas vezes, se os vereadores e os Juizes,
não queriam comparecer ao toque de rebate dado pelos sinos, o povo
os ia buscar em suas residencias, ou no lugar em que se achassem, e
os levava violentamente, para a Casa do Conselho, afim de “ despa
charem os seus requerimentos” .
Esse povo, que assim agia, não era, como se poderá suppor a

plébe ou a ralé, era o que a villa de S. Paulo tinha então de mais


nobre e mais distincto, como se vê por este Termo de requerimento
Lavrado nos livros de Vereanças, que tem a data de 23 de Janeiro
de 1693.
Havia em São Paulo nessa occasião o que era aliás muito
commum nas outras localidades, uma verdadeira crise mone
taria ! Pois " dinheiro cunhado” que corria na praça não satisfa
O

zia ás exigencias do commercio miudo. O povo, sem duvida cançado


de se queixar contra essa falta, · resolveu nesse dia obrigar as au
toridades a tomnarem uma providencia immediata. Vejamos pois o
que relata o dito termo sobre essa occorrencia tumultuosa .
“ Termo de Requerimento do povo sobre o dinheiro. Per
guntando os officiaes da Camara, para que ali se ajuntava, o povo,
responderão que tinham elegido seus Procuradores para tratar do que
lhes fosse bem .... e que querião elles (o povo ) que crecesse, do
valôr todo o dinheiro meudo, pela confusão que havia nesta Villa, de
não haverem trócos ... Ao que responderão os Camaristas que não
230

podiam levantar o valor do dinheiro sem ordem expressa de Sua


Magestade ... Com esta resposta puxaram por armas , o povo , per
dendo o respeito a todo o Senado, em termos de se botar a perder
este povo... O Senado, coagido lhes respondeu que acceitava o seu
requerimento e que consultaria, com os prelados das religiões , e que
só então se determinaria o que fosse conveniente etc ..."
O motivo deste ajuntamento era futil , para não dizer ab
surdo ; porém, o mais curioso, é o começo da narração do facto, exa
rado no proprio termo de Vereança, que diz : Estando os otli
ciaes da Camara, debaixo de toda a quietação, ( fazendo vereança ),
ouvirão tocar o sino, e accudirão , os Juzes Ordinarios , a fim de
prender (um rapaz que tocava rebate nos sinos ) , e trazendo a Ca
dèa publica prezo, o dito rapaz, accudiu hum grande concurso de
povo, tomando armas na mão, contra a Justiça, violentando, dizendo
que éra o povo que havia mandado tocar ( rebate ) e que lar
gassem o preso, e quando não os matariam ; tirando então armas
offensivas, assim espadas como armas de fogo, etc. ” O que o povo
queria, nesta occasião, era apenas o que acima ficou transcripto.
' Vejamos pois quem foram os promotores desta arruaça em S.
Paulo, e que assignaram o termo referido : José de Camargo Ortiz.
Manoel Lopes de Medeiros. Manoel de Avila. Domingos de
Araujo . Simão Nunes de Siqueira. Estevam da Cunha de
Abreu . Domingos Dias da Silva Lucas de Camargo José de
Camargo Manoel Brito de Souza José de Lemos de ... An
tonio da Rocha Pimentel Domingos Freire Farto Don João
Rodrigues da Gama Domingos de Amorim de Almeida José de
Souza Mathias Rodrigues da Silva Francisco Cardozo Sodré
João de Camargo Pimentel Fernão de Camargo das Neves Ma
l
noe Ort iz Dom ing os de Brito Domingos Dias Sebastião Soa
res Paulo Fernandes Boyto Manoei Peres Pedro Rodrigues
Manoel Bicudo Leme Domingos Rios Moreira Silvestre Go
mes ... Francisco Fernandes Porto Antonio Guerra Muniz
João Pais de Quadros José Gomes Diogo Peres da Gama
João Rodrigues Coelho Lucas de Camargo José Ortiz de Ca
margo Francisco Corrêa de Lemos Antonio de Siqueira Al
buquerque Francisco Corrêa de Sá Don Simão de Toledo Piza
( por força ) Bartholomeu Preto Moreira Hyeronimo da Rocha Pi.
mentel -- Amador Bueno - João Velho Salvador Bicudo Ama
dor Pereira de Avelar Luiz Dias Cardozo Antonio Dias Car.
dozo - Francisco de Camargo Santa Maria - Pedro Taques de Al
meida - Pedro Ortiz de Camargo Antonio Nunes de Siqueira, e
muitos outros..."
231

A lista de assignaturas é longa, e della só destacamos as pessoas


gradas e conhecidas, dessa época .
Era pois , como se está vendo, a nata da nobreza paulista
que subscrevia esse termo de requerimento. E'ram homens graves e
circumspectos como Pedro Taques de Almeida, Antonio Nunes de
Siqueira e Amador Bueno, os que tomavam parte nesses comicios
assim violentos , e não se recusavam nem se desdouravam em assi
gnar taes requerimentos.
o unico desses fidalgos que assistio constrangido a esse “ ajunta
niento ” , sendo afinal “ forçado" a subscrever o dito documento,
foi como se verifica da sua assignatura - O Juiz de Orphãos ,
D. Simão de Toledo Piza, pois que, na sua qualidade de Juiz , não
podia proceder de outra forma .
Nestes “ Termos de requerimentos do povo " , lavrado nos livros
de vereança da Camara de São Paulo, é preciso que se note :
ninguem “ assignava de cruz " : o que demonstra ainda que, o pes
soal que acudia aos toques de rebate ao alarme dado pelos sinos,
para taes manifestações populares, eram sempre os “ homens bons,
e a nobreza ” , aptos para as representações e cargos da republica."
Estes actos assim violentos, se attendermos aos costumes e ao
meio da época em que se reproduziam, não deve desdourar nem depri
mir o brio do povo paulista, o qual poderá ser qualificado de rude
e violento, mas não deixava, entretanto , de exprimir assim a fran
queza, a sinceridade com que pautava as normas de sua conducta .
Podiam os paulistas ser qualificados de violentos e ás vezes até de
crueis em suas acções, mas eram , entretanto , francos, honestos e sin
ceros e isto constituia uma das principaes qualidades da nobreza e
da firmeza do seu caracter.
Nestas “ arruaças” promovidas pelo povo de São Paulo, nesta
época, a que mais accentúa o traço de honradez, que o caracterisava
é, sem duvida, como pondera o Dr. Washington Luis, aquella arruaça
ou aquelle motim popular contra o Ouvidor da Capitania , – Sotto
Maior obrigando-o a fugir da villa por ter faltado ao respeito a
uma menina paulista, com quem depois teve de casar .
Os habitantes de São Paulo, desde os primordios dessa villa,
foram sempre muito ciosos d'essa e de outras prerogativas que tanto
abonava a sua conducta moral. Não admittiam na referida villa, os
forasteiros de má nota, nem os vadios, vagabundos e linguarudos, os
quaes eram intimados a deixar, em 24 horas, a villa e as fronteiras
do municipio, isto é – as déz legoas em torno, que constituia então
- o termo e a jurisdicção de cada villa ou municipio .
- 232

Prestavam tambem o seu apoio e obdiencia ás autoridades e pu


niam severamente aos deliquentes quando, isoladamente, alguem se
pronunciava contra ellas ; como, por exemplo, o facto do “desacato
contra o Dezembargador Dr. Manoel Jacome Bravo, em 1614 ” , do
qual se mandou abrir devassa para saber quaes haviam sido os au
tores que atiraram frechadas a janella do dito desembargador, afim
de se lhes castigar, como merecem, quem taes cousas cometteu .” ( Ter
mo de Vereança 5 de Fer. 1614. )
o “ paulista ” admittia e achava rasoavel mesmo, os pronuncia
mentos populares contra quem quer que fosse, uma vez, porém, que
taes manifestações hostis fossem feitas ás claras, com a respon
sabilidade de suas proprias assignaturas ; mas não permittia que, ás
occultas, traiçoeiramente, se praticasse a menor offensa a uma au
toridade constituida .
Um d'esses “ typo de paulista opulento ” que tanta fama gozou
na sua época, e foi considerado como “ homem de grandes cabedues e
muita liberalidade" pelos chronistas paulistanos é sem duvida o
Padre Dr. Guilherme Pompeo de Almeida, natural de S. Paulo e
fallecido, em Parnahyba, a 7 de Janeiro de 1710, época em que teve
inicio a Capitania de S. Paulo .
Embora a lendaria e fabulosa riquesa desse potente paulis
ta esteja hoje reduzida ás suas reaes proporções, pelas investigações
que o Exmo Sr. D. Duarte Leopoldo, Arcebispo de São Paulo, acaba
de fazer , para o seu oppusculo “ As Capellas de Araçariguama e
seus fundadores ”, não deixam, entretanto, de ser ainda reconhecidos
bem avultados os cabedaes que deixou esse Créso paulista, adquirindo
no commercio das minas de ouro da Capitania de Itanhaen : – Iguape,
Paranaguá e Minas Geraes .
O Snr. Dr. Affonso de E. Taunay que tambem se occupa d'este
notavel paulista, Guilherme Pompeo, com importantes subsidios
ineditos , diz o seguinte : · Agricultor e
criador opulento, assistio o
padre Pompeo os primeiros movimentos do formidavel rush paulista
para o ouro, a que se deve a descoberta e o povoamento do sólo de
Minas, o territorio immenso dos Cataguazes. Sem deixar Parnahyba,
associou - se Guilherme Pompeo a estas entradas do sertão, fazendo-se
banqueiro dos que partiam ... Comprehendeu logo que os proventos
do ouro nunca são para os mineradores e fez João Pinto, ( seu asso
ciado ) voltar por vezes ás lavras, levando grandes pontas de gado,
ou conduzindo carregamentos, que os mineiros, separados da civi
lisação pelo deserto, soffregamente adquiririam por preços altamente
renumeradores ... Negociava Pompeo em dezenas de artigos :
pannos, linhos, chapéos, calçados, drogas, remedios, ferragens etc."
233

Tinha officinas para fabricar toda a sorte de artigos e ferra.


mentas de que uzavam os mineiros ; mantinha vasta correspondencia
com diversas praças do reino, donde lhe vinham generos diversos e
artigos de industria . Uma das cousas, porém, que mais avultava no seu
commercio era o movimento de dinheiro que pedia e dava, a juros.
aos seus freguezes” .
Como quer que seja, commenta criteriosamente Don Duarte Leo
poldo, “Guilherme Pompeo, era menos padre, do que negociante feliz,
e ... tão feliz que chegou a ser, no escasso meio colonial, verdadeira
potencia financeira.
A publicação do seu borrador, ou livro de notas commerciaes,
feita pelo operoso Dr. Affonso de Taunay, veiu desvendar-nos a ver
dadeira physionomia do Creso Parnahybano, cujas proporções, se bem
avultam como legitimo caracter de paulista, desmerecem no brilho que
The emprestaram as chronicas.
" O que mais impressiona, porém, nas operações commerciaes do
Padre Pompeo, accrescenta o Snr. Don Duarte, é a absoluta hono
rabilidade que o caracterisa : Safamos contas ; safei contas; estou pela
sua verdade ; deve -me o que disser ; São expressões incompre
hendidas hoje que, anteposta á assignatura de um negociante, definem
bem uma época e glorificam uma raça .
“ Como subsidio para a historia colonial e monumento dessa he
roica geração de bandeirantes, mais vale o avariado borrador desco
berto pelo Dr. Taunay, que o avariado sectarismo de imaginosos ro
mancistas . "
Outro tanto poderemos dizer, ao terminar este Capitulo, dos
annaes da Camara de São Paulo " : Os documentos, os termos de ve
reança e de requerimentos, ruidos pelas traças, na sua linguagem
ingenua e pitoresca, porém sincera, caracterisam e definem mais
a alma e o caracter paulista, dessa época heroica, que todas as chro
nicas e memorias historicas que até hoje se tem escripto .
Tem a singelesa, a simplicidade, das cousas que, na realidade são
grandes e immorredouras !
[୧୩

CAPITULO XIV

Como se justifica ainda o brio e o caracter altivo e


nobre dos Paulistas. O espirito de independencia, a al
tivez e o estoicismo de alguns chefes indigenas. A rasão
que tinham os Paulistas em desejar que o Rei lhes man
dasse governadores de linhagem e nobresa reconhecida.
Martim Affonso de Souza exaltado nas estrophes de Luis
de Camões. Os bandeirantes paulistas, no sertão, liam
e decoravam os " cantos dos Luziadas ” . A razão que
tinham os moradores de São Paulo em exaltarem o Mar.
quez de Cascaes. Os titulos nobiliarios dos Condes de
Vimieiro e da Ilha do Principe, comparados com os ti
tulos dos Condes de Monsanto e Marquez de Cascaes.

Uma vez demonstrado, a largos traços, a altivez de caracter do


povo paulista , com especialidade dos habitantes da antiga villa de Pi
ratininga, até á época da creação da Capitania de S. Paulo, precisa
mos reincetar e concluir o motivo ou o ponto que nos propuzemos
a esclarecer , isto é : a “ razão” que tinha esse brioso povo de
São Paulo em acclamar o Marquez de Cascaes“ Governador Perpe.
tuo d'essas Capitanias” , negando assim, o seu apoio, ao direito que,
sobre essas mesmas terras e villas, tinham os Condes de Vimieiros
e da Ilha do Principe.
E' já bem conhecido, nesse periodo da historia colonial, a tenden
cia cavalheiresca d'esse mesmo povo paulista, em exaltar -se pelas
suas acções , ennobrecidas pelo vinculo de sangue que lhe provinha dos
principaes fidalgos portuguezes e castelhanos que haviam povoado a
Capitania de São Vicente. Sabemos bem quão legitima e justifica
vel era a nobreza de sangue, a nobreza dos feitos da mór parte dos
" cavalheiros fidalgos” dos tempos heroicos em que Portugal e Hespa
nha tanto se distinguiram nas grandes conquistas e descobertas.
- 235

O paulista orgulhava-se com rasão dessa nobre descendencia. Em


bora sentisse correr em suas veias alguns globulos vermelhos do
sangue americano , a mesclar-se com o sangue-azul das metropoles ,
não julgavam , nem por isso, aviltada ou desmerecida a sua nobiliarchia ;
o incola , embora selvagem , não deixava tambem de ser activo e
de ter certa nobresa na intrepidez e na coragem heroica com que ou.
sava affrontar os perigos e a propria morte. Quer nas pugnas san
grentas em defesa de sua gleba, quer nas garras de seus inimigos
de tribu, cingido pelos fotres laços fataes da moçurāna , sabia o indio,
- com coragem estoica , affrontar o supplicio e repellir, nesse mo
mento extremo, os insultos que lhe eram dirigidos e exaltar ainda os
feitos guerreiros de seus companheiros que ihe haviam de succeder
na morte.
Para melhor demonstrar a coragem e a intrepidez dos nossos in
dios, citaremos o que sobre elles escreve o nota vel historiador Pinheiro
Chagas na sua “ Historia de Portugal” quando trata das nossas co
lonias.
" A principio foram benevolas e cordiaes as relações entre os
Portuguezes e os Indios . Estabelecera -se uma troca de serviços em
proveito de ambas as partes ; mas a altivez dos Indios , o seu es
pirito de independencia começou a fazer com que os contractos a
cada instante se rompessem . D'ahi resultavam conflictos violentos.
Os Indios vendo que os prisioneiros christãos não eram, como elies ,
estoicos e resolutos ; que se não envergonhavam de implorar a sua

misericordia, quando, depois de prisioneiros, eram como de costumt .


conduzidos ao supplicio ; começaram a despresar profundamente os eu
ropeos, e a consideral -os covardes e effeminados.
" Mais os impressionava de certo, o heroismo dos Jesuitas do que
a bravura dos soldados europeos. Estes, depois de combaterem intre
pidamente, não affrontavam, com igual valor, o supplicio, e não he
sitavam , ou em pedir misericordia, o que era tido pelos Indios como
extremo da fraqueza , ou em offerecer resgate, o que tambem ins
pirava aos Indios um desprezo profundo . Os Jesuitas esses marcha
vam para o supplicio, radiantes, de Cabeça levantada e cantando os
hymnos da Igreja, ambicionando a morte como recompensa suprema,
porque a morte nessas condições lhes dava a palma do Martyrio e
esse heroismo estava bem de accordo com as tradições dos Indios..."
O paulista reconhecia e admirava , no selvagem , todas essas boas
qualidades apontados hoje pelo historiador portuguez. Reconhecia e
admirava tambem a abnegação e o devotamento , ás vezes até o
sacrificio da propria vida , com que esses chefes indigenas se allia
vam e se dedicavam á causa dos colonisadores .
- 236 -

Eram, pois, desses chefes que alguns nobres paulistas descendiam .


Não se avilta vam então, nem se aviltam hoje os mesmos paulistas,
em ter no seu registro nobiliario ” , pelo costado materno, ou por
outras linhas, uma remota descendencia dessa raça indigena americana.
E' por isso que ainda vemos tantas familias illustres uzarem , como
sobre-nome, os appellidos d'esses murubirabas. Familias ha que se
honram mesmo em baptisar os seus filhos com nomes proprios indi
genas, o que é, aliás, muito commum, não só em S. Paulo, como nos
demais estados da União e mesmo nas republicas do Prata e dos
Andes de origem catholica .
Todos reconhecem , afinal, que foi pela fusão, pela alliança de san
gue, coin essa raça americana, que o paulista, o bandeirante,
adquiriu e retemperou essa fibra, que tão rija e tão forte se tornou
nos dois primeiros seculos de nossa historia, e no inicio do terceiro,
isto é, de 1700 a 1721.
A influencia da época e do meio em que viveram esses heroicos
sertanistas, levava-os a exaltarem e a exigirem mesmo nos seus
governadores ”, todos os requisitos de nobreza e de bravura.
Assim é que, os paulistas dessa época, exigiam que o rei, só
lhes mandassem Governadores de linhagem e nobresa reconhecida,
como os que haviam tido desde os primordios de São Vicente. ”
Entre esses fidalgos primitivos, que mais satisfazia por certo a
exigencia dos paulistas, já pela sua nobreza de sangue, já pelo heroismo
de suas acções, embora deshumanas e crueis, nos dominios da Asia,
era sem duvida, o primeiro donatario Martim Affonso de Souza !
A fama desse fidalgo luzitano, como governador da India e como
Donatario da Capitania de São Vicente, estava ainda bem em vóga
na villa de Piratininga.
Os paulistas dessa época não se vexavam em reconhecer por
patrono e fundador da villa de São Paulo, o famoso “ heroe de Da
mão ", já tão celebrisado n'estas immortaes estrophes de Luiz de Ca
mões :

Das mãos do teu Estevam vem tomar


As redeas hum , que já será illustrado
“ No Brasil , com vencer e castigar
" O Pirata Francez, no mar dessado.
" Depois, Capitão-Mór do indico mar,
" O Muro de Damão soberbo, e armado
“ Escala ; e primeiro entra a porta aberta
“ Que fogo e frechas mil levão coberta .
- 237

“ Este será Martinho, que de Marte


“ O nome tem c'oas obras derivado ;
“ Tanto em Armas illustre em toda parte
" Quanto em conselho salvo, e bem cuidado.

( Luciadas Canto X LXIII LXVII )

Como se está vendo , era assim que o famoso poeta luzitano


exaitava as glorias do 1.º Governador da Capitania de São Vicente .
Pouco importava, pois , aos paulistas d'essa época, como já dissemos,
que as acções desse governador da India houvessem sido taxadas de bar .
baras e crueis ; pouco se lhes dava, tampouco, que esses chefes indi.
genas, dos quaes descendiam alguns dos intrepidos bandeirantes, per
tencessem a tribus barbarisadas e ferozes. Nada disso desdourava ou
aviltava o homem, nesses tempos heroicos, em que acima de todos
os requisitos e predicados estava a tenacidade, o arrojo e a intre
pidez nas acções, uma vez que esses feitos fossem praticados em
proveito ou defesa de seu Deus e de seu Rei .
O que aviltava então o caracter cavalheiresco do fidalgo, eram
as acções immores, as uniões illicitas “ de coito damnado, ou de
alliança com sangue mouro ou judeo, inimigos irreconciliaveis de sua
fé” , conforme determinavam as leis canonicas desse tempo, entre os
povos latinos .
A união de sangue com o gentio americano era licito e até acoro
coada pelos missionarios jesuitas ; e essa alliança não quebrava nem
aviltava os vinculos nobiliarios, como se verifica nas “ justificações de
genere", que promoviamos paulistas, para provarem os titulos de no
bresa, que lhes provinha de seus illustres antepassados.
O paulista, tão falsamente apreciado e tão barbaramente quali.
ficado pelos hsitoriadores côevos a essa época não era , já se vê, “ um
povo de salteadores e de crueis assassinos “ orgulhosos, indomitos,
sem noções de leis e sem cultivo " ; era ao contrario como se está
vendo, simplesmente um povo brioso e cioso de suas prerogativas;
regularmente instruido , pelo menos sabendo lêr e escrever , con

forme se verifica pelos autos e mais documentos da Camara de São


Paulo e do Archivo Publico, nos quaes, esse povo, nas suas reuniões
e nos seus energicos protestos, assignava , não de cruz mas de
seu proprio punho, provando assim que não era analphabeto, como
já ficou demonstrado.
Das pesquizas feitas no Archivo Publico e nos Cartorios de São
Paulo, pelo Dr. Washington Luis, no intuito de obter documentação
238

para a Historia dos Bandeirantes, encontrou umas “ Declarações testa


mentarias” feitas, no sertão, por um desses famosos bandeirantes pau
listas, o qual não tendo papel para esse fim, escreveu as suas dispo
sições testamentarias ” no verso de um caderno, em manuscripto, na
qual estavam copiados uma boa parte das estrophes dos “ Lusiadas
de Camões” . ( 10 )
Homens como este, que em pleno sertão, desprovido de todo
e qualquer conforto, curtindo e soffrendo as maiores privações, fazia
ainda garbo de carregar na sua desprovida bruaca de sertanista, es
sas estriphes de Camões, não eram com certeza, os “ gnaros e
barbaros aventureiros " de que taes historiadores nos dão noticia.
O Bandeirante paulista embrenhado no sertão, lia e decorava os
cantos dos Luziadas, revendo e admirando nelies os feitos dos he
róes luzitanos, entre os quaes occupava uma posição de destaque o
“ heroe fundador da sua amada povoação de Piratininga” - o 1.º
donatario e Governador da Capitania de São Vicente ! ...
Porque motivo pois, esses mesmos paulistas, moradores de São
Paulo de Piratininga, que tanto veneraram os feitos de Martim Af.
( 10 ) Foi escripto este Capitulo em 1912, quando não estavam
ainda publicados os " Inventarios e Testamentos ” dos cartorios de S.
Paulo, por ordem do Exmº Snr. Washington Luis, presidente do
Estado, e já por elle consultados.
Ultimamente, o Sr. Dr. Alcantara Machado, sob o titulo “ Aspe.
ctos da vida Colonial Paulista " publicou no Correio Paulistano ( 11 de
Junho de 1921 ) uma série de commentarios sobre os “Inventarios
Antigos” publicados pelo Governo ; e , ao referir-se aos livros e as
bibliothecas desso época , existentes em S. Paulo diz que “ nem um
exemplar dos Luziadas consta dos respectivos róes dos inventarios, mas,
sem embargo da lacuna, temos um testemunho decisivo de quanto
era lido e conhecido o poema de Camões. Aqui está o inventario de
Pero de Araujo ( 1617 ) , processado no sertão de Paraupava a mando
do Capitão Antonio Pedroso . A carencia material de escripta obriga
o escrivão do arraial a aproveitar o primeiro pedaço de papel que
lhe vem as mãos. Por uma d'aquellas coincidencias esplendidas, em
que o destino se compraz , a ultima folha dos autos tem numa das
faces os termos finaes do inventario e na outra a cópia manuscripta
de algumas estrophes dos Luciadas. São precisamente as estancias, em
que diz o poeta que depois de terem passado por calmas, por tormentos
e oppressões, e transposto o limite aonde chega o sol, obordam os por
tuguezes as regiões habitadas por gentes extranhas. Vēde a profunda
belleza, o symbolismo radioso , o sentido heroico dessa obra maravi.
lhosa do acaso ; um fragmento da epopea dos Gamas dos Albuquerques
servindo de fecho ao inventario de um bandeirante obscuro ... dir-se
ia a apparição miraculosa do genio de Camões, á beira da sepultura
em que descança o heróe desconhecido, para associarem na immortalidade
e na gloria , as caravellas arrogantes e as canoas humildes, os vence
dores do Oceano e os desbravadores do Sertão ..."
-_ 239

fonso de Souza, nessa primeira época, o olvidaram depois, de 1624


em deante, na pessoa dos seus legitimos descendentes, os Condes de
Vimieiro e da Ilha do Principe, cerceando-lhes assim todos os seus
direitos , na posse da Capitania de São Vicente, para darem ganho
de cauza , aos seus antagonistas, os Condes de Monsanto ao Mar
Guez de Cascaes, herdeiros do donatario Pero Lopes de Souza ? ! ...
Sim ! Qual o motivo, qual a forte razão que agia no espirito dos
paulistas, moradores da villa de São Paulo, em exaltarem o Marquez
de Cascaes, herdeiro da donataria de Pero Lopes de Souza e em

deprimirem e negarem os direitos dos Condes de Vimieiro e da Ilha


do Principe, herdeiros legitimos da donataria de Martim Affonso
de Souza ? ! ... Qual a razão, qual o motivo, pois, que tinha ainda
esse povo em acoroçoar a politica dos Capitães-Generaes, de 1711 em
deante, contra os direitos reconhecidos dos donatarios da Capitania
de Itanhaen, e, mesmo dessa hostilidade, dessa odiosidade atavica dos
chronistas e historiadores modernos em negarem a legalidade do ti
tulo de Capitania dado á villa de Itanhaen pela Condessa de Vi.
mieiro e mantida sempre pelos seus descendentes até 1753 ou 1777 ? ! ...
Seria, por ventura, esse procedimento, essa maneira de pensar dos
paulistas, desde 1624 suggerida pela falta do necessario criterio, ou
a consequencia de uma falsa interpretação, quanto aos direitos de
ambos os donatarios, após a iniciação do pleito entre as Casas de
Vimieiro e de Monsanto ? ! ...
Façamos ainda inteira justiça ao brio e ao caracter do povo de
São Paulo dessa época. Não era falta de criterio nem tão pouco uma
falsa interpretação que os levou a prestarem o seu apoio á causa
dos Condes de Monsanto e ao Marquez de Cascaes. Não. Com esta
sua inteira adhesão aos donatarios da Capitania de Santo Amaro,
elles, os paulistas, não desprestigiavam o nome, as glorias e os di
reitos de Martim Affonso de Souza, em proveito de seu irmão Pe
ro Lopes de Souza, que para elles, era uma figura secundaria e
quasi apagada nos fastos da historia dos dominios luzitanos.
Os actos de bravura de Pero Lopes, no Brasil ( 11 ) ainda não
estavam divulgados nessa época, ou eram attribuidos, em parte, a
Martim Affonso, conforme se vê dos Luziadas. O paulista d'essa
época, deslumbrado e propenso a grandes commettimentos, ambicioso de
conquistas territoriaes, pouca importancia poderia ligar a essa es
treita faixa de terra entre a Ilha de S. Vicente e São Sebastião,
denominada Capitania de Santo Amaro na qual estava compre
hendida a Villa de São Paulo.

( 11) Vid. Diario de Pero Lopes, no Cap. que refere á Villa de


S. Vicente,
240

O paulista, com o seu espirito dominador, com a sua proverbial


e legitima ambição de conquista, não se contentaria com tão pouca
cousa : queria a todo o transe, não só, que as tres villas primitivas
do tempo de Martim Affonso, como todas as “ cem legoas de costa”,
estivessem fazendo parte da sua Capitania.
Quando o Conde de Monsanto se apoderou dessas povoações,
os habitantes da villa de São Paulo foram os primeiros a lhe pres
tarem o seu apoio, com a condição, porém, que essa Capitania de
Santo Amaro, da qual o Conde de Monsanto era donatario fi
casse desde então conhecida por Capitania de S. Vicente, como de
facto aconteceu, conforme ficou provado.
Eis como se explica a “ teimosia dos paulistas" em não quererem ,
jamais, reconhecer os direitos dos Condes de Vimieiro e da Ilha do
Principe e não tolerarem mesmo que essa humilde villa de Ita
nhaen tivesse a ousadia de se intitular Cabeça da Capitania de
Martim Affonso de Souza com uma denominação diversa da que
lhes havia dado esse primeiro Donatario.
Eis a rasão porque, ainda em nossos dias, se vem dizer que
o titulo de Capitania de Itanhaen, foi sempre uma cousa illegal .
visto que o seu titulo verdadeiro devia ser : Capitania de São Vi.
cente da qual as “unicas sédes incontestaveis foram sempre São
Vicente e S. Paulo." Era essa, e é ainda, talvez, a opinião geral ou
a teimosia dos historiadores paulistas, como si por ventura, se pu
dessc admittir, ou conciliar a idéia, a possibilidade, da existencia de
duas donatarias diversas e distinctas, sob a mesma denominação !
Eis finalmente a razão porque, os habitantes de S. Paulo , de
1624 em deante, faziam tanto garbo em declarar nos seus documen
tos officiaes" , que : pertenciam de facto e de direito á Capitania
de S. Vicente da qual era “ Governador Perpetuo o Senhor Mar
quez de Cascaes” . Nestes documentos, ( Annaes da Camara de São
Paulo, ) os paulistas dão ao mesmo Marquez de Cascaes o titulo de
“ Governador destas Capitanias" , porque, já então, alimentavam a

esperança de que a Villa de São Paulo de Piratininga, fosse con


decorada com o titulo de Cabeça de Capitania de São Vicente, ou
de Capitania de São Paulo, com amplas jurisdicções em todas as
demais Capitanias do sul , podendo assim submetter ao seu dominio,
a donataria dos Condes da Ilha do Principe, denominada Capitania
de Itanhaen, como veremos adiante. Esta ambição dos paulistas, em
hora estribada em actos arbitrarios, era ainda justificavel, attenden
do á tenacidade, á teimosia inquebrantavel de seu caracter e ainda
aos seus sentimentos, ás suas exigencias nobiliarchicas , como vamos vêr.
Os Condes de Vimieiro, principalmente o primeiro d'esse titulo ,
D. Francisco de Faro, que casou com a neta de Martim Affonso de
- 241

Souza, D. Marianna de Souza da Guerra -


( Condessa de Vimieiro)
era, como se vê dos dados biographicos que vão em outro Capitulo
destas Memorias, uma personagem distincta nas Côrtes das Metropoles
Portugla e Hespanha descendendo por varonia de D. Fernando,
Duque de Braganãa .
O segundo Condede Vimieiro, D. Sancho de Faro, filho de D.
Francisco de Faro, havia sido igualmente, homem de grande pres
tigio, Governador de Mazagão, Mestre de Campo-Geral na guerra,
Governador do Minho e Beira, Capitão -General e Governador da Bahia,
onde falleceu, em 29 de Agosto de 1703.
Os Condes da Ilha do Principe, que foram os successores dos
Condes de Vimieiro, na donataria de Martim Affonso de Souza, con
forme já ficou demonstrado, eram tambem de nobre linhagem . “ A
varonia desta Casa, diz a biographia, ( 12 ) é Carneiro, de que des
cendia Antonio Carneiro, que serviu aos Reis D. João II , D. Ma
roel e D. João III e dos dois ultimos foi Secretario de despacho
Universal e do Conselho, de que fizeram grande estimação. Era
Senhor da Ilha do Principe, Commendador do Sensoldos e de Mar
mellar, na Ordem de Christo e Alcaide-Mór de Belém . ”
Todos estes titulos nobiliarchicos deviam produzir excellente im
pressão e satisfazer mesmo, em parte, as exigencias dos habitantes
da Villa de São Paulo, tão propensos a estes requisitos de nobreza
hereditaria.
Se fizermos, porém, uma recapitulação do que já ficou exposto
nesta tão intrincada demanda, entre os herdeiros do Morgado de
Martim Affonso e de Pedro Lopes, ver-se-á logo, quão diversa
havia sido a acção dos pleiteadores, isto é dos Condes de Vic
mieiro e Ilha do Principe, e dos Condes de Monsanto e dos de
Cascaes. Ao passo que aquelles, os herdeiros de Martim Affonso, ti
nham sido sempre vencidos nas decisões desse pleito secular, es
tes, os herdeiros de Pero Lopes -
bem mais ousados, intemeratos
e energicos em suas pretenções , haviam constantemente sahido
vencedores ; pois dispuzeram sempre do valimento e das boas gra
ças dos monarchas e da influencia dos Juizes e Governadores-Ge
raes da Colonia.
Nota-se tambem, no correr deste pleito, que a acção dos Condes
de Vimieiro e da Ilha do Principe foi sempre fraca e morosa, princi
palmente após a morte do Conde D. Sancho de Faro Governador
da Bahia, e depois da energica administração de João de Moura
Fogaça, de 1624 em deante . Embora no Governo da Capitania de

( 12 ) " Os Grandes de Portugal" por D. Antonio Caetano


de Souza.
242

Itanhaen estivessem homens de grande prestigio


e energia, como
Diogo Vaz de Escobar, Luiz Lopes de Carvalho, Antonio Barbosa
de Sotto Maior , Garcia Lumbria , Carlos Pedrozo da Silveira e outros.
paulistas, sempre firmes e dispostos a resistir ás prepotencias e in
justiças praticadas contra o direito de seus constituintes, estes , por
sua parte, não correspondiam á boa vontade e á acção energica de
seus lóco- tenentes, em prol de seus direitos incontestaveis.
A tempera desses fidalgos, herdeiros legitimos do “ Morgado de
Alcoentre ”, principalmente os ultimos Condes de Vimieiro e Ilha do
Principe e Lumiares , já estava , por certo, bem amollecida . nessa
faustosa corte de D. João V ... O espirito lucido do paulista sem
pre prespicaz e profundo, nas suas observações, m comprehendia e
bem avaliava taes diversidades de caracter entre os dois partidos
antagonistas, e não podia deixar de estar ao lado do Marquez de
Cascaes ; pois, como bem sentenciava o classico Lafontaine : “ La
raison du plus fort , c'est toujours la meilleure."
De facto , a energia do Marquez era, incontestavelmente, bem
mais forte que a do Conde da Ilha do Principe .
Havia ainda uma razão, aliás bem plausivel e ponderosa, para
que a sympathia, a admiração dos paulistas, moradores de S. Paulo
pendesse para o lado do Senhor de Cascaes, como vamos vêr.
“ A varonia desta Casa , ( diz a Geneologia dos Grandes de Por
tugal ) teve principio em o Senhor D. Affonso Conde de Guijón e
Noronha , filho d'el Rey P. Henrique II de Castella , e na de sua
mulher a Senhora Dona Izabel, filha d'el Rey D. Fernando I de Por
tugal..."
Os Condes de Monsanto que eram da mesma linhagem dos de
Cascaes, descendiam tambem , directamente, da Rainha D. Ignez de
Castro e de outros fidalgos da mais alta nobreza luzitana e caste
Ihana .
Si os Condes de Vimieiro e Ilha do Principe uzavam em seus

brazões d'armas a symbolica flôr de lis, a Cruz de Callatrar e as


Quinas Lucitanas, os Condes de Monsanto e o Marquez de Cascaes,
por sua vez, tinham o direito de uzar no seu escudo de prata ao
lado dos seis besantes de bláu, postos em palla, os " leões rom
pentes" de Castella e as “ Quinas Portuguezas” , que constituiam
obrazão d'armas de Martim Affonso de Souza ; pois, como se ve
da " Arvore Genealogica " desse famoso fidalgo, elles, os Senhores
de Monsanto e de Cascaes, descendiam pelo costado feminino desse
donatario da Capitania de S. Vicente e não tinham , no seu bra
são, nem um “ labéo de bastardia ” , do que aliás , não estavam isentos
os brazões dos Vimieiro e Ilha do Principe , que, embora herdeiros le
gitimos, vinculados no “ Morgadio de Alcoentre ” pela linha mascu
243

lina, não poderiam negar que essa linha” lhes provinha de Lopo de
Souza , neto não legitimo, mas reconhecido, de Martim Affonso de
Souza ...
Pequenas e insignificantes particularidades estas, que hoje nada
significam e que, entretanto, na época á qual nos estamos referindo,
entre um povo tão cioso de suas prerogativas, como era povo
paulista, muita importancia adquiria , pesando fortemente sobre
a opinião publica, com a qual se aquilatavam os factos e se decidiam
altas questões, como esta de que nos occupamos .
Me

CAPITULO XV

Os primeiros Capitães-Governadores da Capitania de


São Paulo . Creação da Capitania de Minas Geraes.
Os Capitães- Generaes de São Paulo vão residir em Minas
Geraes. Descoberta das minas de Ouro em Cuyabá e
Goyaz. Rodrigo Cezar de Menezes é nomeado Gover
nador de São Paulo e vem residir na mesma cidade.
Dados biographicos sobre este celebre Governador. A
nazão porque o Rei D. João V dispensava o seu valimen
to e boas graças, do Marquez de Cascaes. A acção dos
Governadores da Capitania de Itanhaen no conflicto de
jurisdicção. O Governador de Itanhaen, Antonio Cae
tano Pinto Coelho de Souto Maior e o sequestro da sua
jurisdicção, ordenada pelo rei. O desanimo e a inércia
dos Condes da Ilha do Principe.

Todo o vasto territorio comprehendido hoje nos Estados de São


Paulo, Minas Geraes, Goyaz, Matto -Grosso e uma parte do Paraná,
estava, como já dissemos, fazendo parte da Capitania de Itanhaen .
pois a Capitania de São Paulo, ou Capitania de São Vicente, resga
tada pela Coroa em 1710, nada mais era que as cincoenta legoas de
Pero Lopes de Souza, denominada primitivamente Capitania de
Santo Amaro, cuja secção, nesta parte do littoral paulista estava
restricta entre a barra do rio Juqueriquerê e a barra do rio de São
Vicente .
Não é nosso proposito, como já ficou dito, historiar os fastos
memoraveis da Capitania de S. Paulo nesse periodo tão importante
de nossa historia colonial que vae de 1710 a 1821 , que foi quando ter
minou o largo periodo “ dos governos dos Capitães-Generaes para ser
substituido pelo “ Governo Provisorio ” eleito então pelo povo e tropa,
do qual foi eleito presidente, a 23 de Junho de 1821, o ultimo d'esses
Capitães-Generaes, João Carlos Augusto de Oyenhausen.
245

66

O primeiro Governador e Capitão-General da Capitania Especial


de São Paulo " foi, como já ficou dito, Antonio de Albuquerque Coe
lho de Carvalho, que tomou posse, do Governo, a 18 de Junho de 1710
e servio até 30 de Agosto de 1713 , sendo substituido no referido
cargo, por D. Braz Balthazar da Silveira, empossado a 31 de Agosto
de 1713, que governou a Capitania até 3 de Setembro de 1717 .
Nessa data, isto é, a 14 de Setembro de 1717, tomou posse do
mesmo cargo, D. Pedro de Almeida Portugal, Conde de Assumar,
que serviu até 4 de Setembro de 1721. Este fidalgo, após o seu go
verno, foi agraciado com o titulo de “ Marquez de Castello -Novo"
e nomeado depois Vice-rei da India, em 1744 .
Pedro Alvares Cabral foi, em 1721 , nomeado Capitão-General de
S. Paulo, porém, não chegou a tomar posse, sendo então substituido
pelo celebre Rodrigo Cezar de Menezes que tomou posse a 5 de Se
tembro de 1721 , e serviu o cargo de Governadore e Capitão General
da Capitania de São Paulo até 1727. Este nobre fidalgo, cujo governo
tanto se distinguiu no aureo periodo das minerações de Cuyabá e
mesmo nas descobertas das ricas minas de Goyaz, fôra tambem re
compensado pelo governo portuguez com o titulo de Governador de
Angola , em 1733 .
Foi durante o periodo governamental destes primeiros Capitães-.
Generaes de São Paulo - 1710 a 1727 que mais se accentuou o con
flicto de jurisdicção entre a Capitania de São Paulo e a Capitania
de Itanhaen .
O formidavel rush paulista para o ouro, ao qual se deve a des
coberta e o povoamento do sólo de Minas-Geraes e do territorio iin
menso dos Cataguazes, como diz o Dr. Taunay, havia tido grande im
pulso, nessa época, pouco antes da creação da Capitania de São
Paulo . ( 13 )
As descobertas das ricas minas de ouro , no territirio de Minas
Geraes, tinham attrahido então tantos forasteiros, e, tal era a den
sida.de da população em alguns pontos que muitas povoações, já pelo
ser: commercio, já pelo seu desenvolvimento, haviam se tornado bem
mais importantes que as villas de S. Paulo e Taubaté .

( 13 ) A terminação da “ Guerra dos Emboabas ” , nessa época ha


via contribuido tambem para o desenvolvimento dessa zona : Os
moradores de S. Paulo e Taubaté, esquecendo antigas rivalidades,
haviam - n’um influxo patriotico defendido com denodo , nessa
guerra . o territorio aurifero então invadido pela " onda dos foras
teiros" que, a todo transe, pretendiam apoderar -se, como de facto se
apoderaram, das jazidas auriferas, mais importantes, e das terras
descobertas e desbravadas pelos paulistas da Capitania de Itanhaen e
Capitania de S. Vicente, então denominada Capitania de S.
Paulo .
- 246

Por este motivo, o governo da Metropole achou conveniente,


logo após a creação da Capitania de S. Paulo, remover para a Villa
do Carmo, O 1.° Capitão -General, Antonio Albuquerque Coelho de
Carvalho, que aii ficou residindo, afim de melhor administrar as ren
das , já fabulosas, dessa zona da Capitania de Itanhaen e isto , com
grave prejuizo e desprestigio da legitima autoridade do respectivo
Governador e lóco-tenente do Conde da Ilha do Principe, que residia
ainda em Itanhaen .
Foi este o primeiro acto despotico de D. João V e do seu lóco
tenente, após a creação da Capitania de S. Paulo, no novo conflicto
de jurisdicção entre as duas antigas donatarias. Durante o governo
de Rodrigo Cezar de Menezes, 1721 a 1727, como veremos adeante, as
usurpações e sequestros succeder -se-ão, contra os direitos do dito
dogatario da Capitania de Itanhaen .
De 1710 a 1721 , a cidade de S. Paulo não teve a regalia de ser
cousiderada - a Capital, a séde do Governo da mesma Capitania , por
914 os Capitães-Generaes deste periodo, fizeram sempre da villa
do Carmo, hoje Cidade de Marianna, a capital de seu Governo.
O rendimento proveniente das minerações auriferas, nesse terri
tn; io de Minas Geraes , havia se tornado tão importante que o mes
mo Rei D. João V achou acertado, em 1721 , desmembrar essa zona
de Minas, da Sapitania de S. Paulo, ( embora não estivesse ella com
prehendida na Capitania de S. Paulo ) , e bem assim da Capiatnia de
Itanhaen e Rio de Janeiro, afim de formar a Capitania de Minas-Ge
raes, com jurisdicção separada das demais .
Tudo isso se fez, é preciso que se note, dentro da jurisdicção da
Capitania de Itanhaen, sem a minima interferencia do respectivo Go
vernador e lóco-tenente dos donatarios, condes da Ilha do Principe
os quaes, entretanto, segundo a “ Carta de Confirmação ",
passada
pelo mesmo D. João V, a D. Antonio Carneiro de Souza, em 1709,
eram os legitimos donos das “ cem legoas de Costa, de Martim Af
fonso de Souza !..."
A jurisdicção da extensa Capitania de Itanhaen, como se está
vendo, vae sendo cada dia retsringida ; e as villas e povoações á
margem do Parahyba , d'onde haviam partido as primeiras expe
dições, as primeiras bandeiras, para a conquista desse rico sertão de
Minas Geraes, sob os auspicios dos Governadores e Ouvidores de Ita
nhaen , no tempo da administração de Carlos Pedrozo da Silveira
( 14 ) e outros notaveis paulistas da mesma Capitania de Itanhaen,
achavam-se agora em declinio, quasi em abandono, como a sua antiga

( 14 ) Vid . este nome na " Relação dos Governadores da Cap. de


Itanhaen .
247

de São Paulo , e isto porque, todo 0 commercio


rival , a cidade
das minas estava sendo feito directamente pela Capitania do Rio de
Janeifo e por outras vias de communicação que partiam da villa de
Paraty, a qual já estava sendo absorvida, tambem , nas novas ju
risdicções determinadas pelos prepostos do Governo da Metropole, em
prejuizo dos paulistas. ( 15)
Os habitantes que constituiam as novas e florescentes povoações
nesta rica zona e mesmo os mineiros empregados no serviço das la
vras, ( - na sua mór parte - já não eram paulistas, mas sim, essa
onda avassaladora de forasteiros que, avidamente, affluia de todos os
pontos , principalmente, depois da terminação da “ Guerra dos Em
boabas ”. Foi então , quando, mais se fez sentir, nesta zona, a influen
cia e preponderancia absoluta dos Governadores-Geraes do Rio de
Janeiro e da Bahia , cuja politica havia sido sempre , mais ou menos,
adversa e hostil á acção energica, ao espirito independente e altivo
do povo paulista . D'essa prevenção, ou d'essa desconfiança contra o
animo e brio dos paulistas, não estavam isentos os proprios Capitães
Generaes de São Paulo , como provaremos adeante .
Os Bandeirantes paulistas, já um tanto retrahidos e desiiludidos,
n'esta época, affastavam- se d'essa região mineira, por elles desbrava
da ; e , dando ainda expansão ao seu impeto avassalador, e á tenaci
dade do seu temperamento, embrenhavam -se de novo nos sertões de
sua Capitania , onde em breve desvendariam novas e ricas jazidas
auriferas, como as de Cuyabá e Goyaz, que tanto gaudio, tanto des
lumbramento haviam de levar ás Côrtes de D. João V e D. José I.
As famosas minas de Cuyabá achavam-se tambem dentro da ju
risdicção da Capitania de Itanhaen, e o seu descobridor Miguel
Sutil natural da villa de Sorocaba , era tambem como se vê, um
subdito do conde da Ilha do Principe, porque essa Villa fez sem
pre parte da mesma Capitania de Itanhaen. ( 16 )

( 15 ) Vide “ Villa de Paraty ” na “ Relação das Villas funda


das durante o dominio da Cap. de Itanhaen ” .
( 16 ) As minas de Cuyabá estavam sendo procuradas desde 1716,
e mesmo antes, por destemidos e a audazes sertanistas paulistas como
Antonio Pires de Campos, Paschoal Moreira Cabrai Leme e outros
que conseguiram descobrir alguma pinta do precioso metal nesses
sertões de Matto -Grosso . Mais tarde, em fins de 1718, outras bandei
ras paulistas se uniram com as primeiras, no mesmo afan de desco
bertas e a 8 de Abril de 1719, no arraial de Cuyabá , es ajuntavam
todos esses sertanistas paulistas, após as descobertas de ouro no ri.
beiro de Caxipó e elegiam “ seu guarda-mór regente", a Paschoal Mo
reira Cabral Leme , afim de salvaguardarem os seus direitos, nas mes
mas minas. Este auto foi assignado por Paschoal Moreira, Simão
248

“ Natural de Sorocaba, diz Azevedo Marques, foi Miguel Sutil


o primeiro que por intermedio de dois indios Carijós descobrio, em
1721 , a fertil mina de ouro no logar onde se edificou depois a Villa
Real de Cuyabá, recolhendo-se no primeiro dia de trabalho meia ar
roba de Ouro, e as pessoas que o acompanhavam , entre as quaes 05
tava um João Francisco, natural de Portugal, chamado o Barbado,
quantidade proximamente igual . Montou a perto de quatrocentas ar
robas o ouro extrahido, deste logar, no primeiro mez de exploração,
sem que fosse preciso fazer excavações mais profundas de que qua
tro braças ..."
Fôram estas noticias, assim lisongeiras e mirabolantes que de
moveram O rei de Portugal, a mandar immediatamente para a ci

dade de São Paulo, até então abandonada pelos seus Capitães-Gene


raes , o celebre fidalgo de que já falamos, Rodrigo Cezar de Me
nezes , que lhe merecia “ toda a confiança ” , afim de administrar “ O
vasto territorio ” d'essa Capitania de S. Paulo.
Deveria tambem , por ordem do mesmo monarcha, manter e fazer
respeitar a sua autoridade, subjugando ao mesmo tempo a " arrogan
cia e o brio dos paulistas” e ... submetter ainda, aos mesmos dominios
reaes, essa “ rebelde Capitania de Tinhaên ” , cujos governadores em
bora desautorados , persistiam , como esse famoso e arrojado Antonio
Caetano Pinto Coelho de Soutto Maior “ em conceder provimentos,
contra as ordens reaes nas villas que ainda estavam sob a sua juris
dicção, de Capitão -Mór-Governador e Ouvidor da Capitania de Ti
nhaện. ”

Para dar, embora, summariamente, uma idéa do que era a socie


dade paulista, ou por outra, do que era a Capitania de São Paulo
em 1721 , quando Rodrigo Cezar de Menezes veio tomar as redeas do
Rodrigues Moreira, Manoel dos Santos Coimbra, Manoel Gar
cia Velho, Balthazar Ribeiro Navarro, Manoel Pedrozo, João
de Anhaia Lemos , Francisco de Siqueira, Ascenzo Fernandes,
Diogo Domingos, Manoel Ferreira, – Antonio Ribeiro, Alberto
Velho Ribeiro, João Moreira, Manoel Ferreira de Mendonça,
Antonio Garcia Velho, Pedro de Góes, – José Fernandes,
Antonio Moreira, Ignacio Pedrozo, Manoel Rodrigues Moreira,
e José da Silva Paes .
Havia sido já enviado, em missão ao Governador de São Paulo,
o paulista Antonio Nunes Maciel, dando conta das descobertas, afim
de que este Governador ( D. Pedro de Almeida ) communicasse ao
rei D. João V.
A descoberta mais importante, nesta região foi, entretanto, a rea
lisada em 1721 , por Miguel Sutil .
249

Governo, transcrevemos aqui uma parte do Capitulo II, da “ Contri


buição para a Historia da Capitania de São Paulo " , do Dr. Washin
gton Luis, á qual já nos temos referido.
“ A classe dirigente paulista, no principio do seculo XVIII, os
principaes da terra, eram pessoas graves, que já tinham o que perder,
desejosos de fidalguia, venerando o seu rei e acatando os represen
tantes delle . ( 17 ) .
“ Essa situação é que havia de permittir, sem revoitas, as vio
lencias de Rodrigo Cezar de Menezes, que viria cerrar as cortinas so
bre o passado de aventuras portentosas e de altiva independencia e
inaugurar a administração paulista .
“ E ' por isso que o periodo administrativo desse Capitão-General
marca a época de transição entre a vida antiga e a vida nova, amolle
cida já pela riqueza . Ainda appareciam casos de heroismo praticados
por homens de outros tempos, mas esporadicos e anachronicos na
nova sociedade que se ia inaugurar .
Quando Rodrigo Cezar de Menezes terminou o seu governo, o
nome de paulista estaria obscurecido para deixar apparecer o de Ca
pitania de S. Paulo, movendo- se sem attritos na engrenagem admi
nistrativa colonial. Isso é que faria correr, como depois se repetio,
que só nessa época os paulistas reconheceram o dominio da Corôa
portugueza .
• Para a nova Capitania de São Paulo foi nomeado Governador
Pedro Alvares Cabral que não tomou posse do Governo ; em seu

lugar veio, pois, despachado Rodrigo Cezar de Menezes.


Pelo seu nascimento, o novo governador era fidalgo de linha
gem e pertencia a uma das mais nobres familias de Portugal. A va
ronia de sua Casa era Cezar, e procedia de Pedro Pires Cezar, cida
dão de Leiria, que já andava nomeado no foral que D. Sancho I
deu a essa cidade, em 13 de Abril de 1195. Seus antepassados con
correram e participaram das glorias e Portugal, praticando façanhas
em Azia e Africa , onde se illustraram . Um delles , Vasco Fernandes
Cezar, Capitão de Cafim , durante o reinado de D. Manoel, com
mandando uma fusta, com ella desbaratou seis chavecos mouros .
D. Manoel, por isso, abraçou - o dizendo-lhe : “ Isso é feito
de Cezar !" Trocadilho que se perpetuou na familia. D. João III
accrescentou ao Brazão de Armas, seis galés em memoria d'esse feito.
“ Durante o longo periodo da affirmação da independencia de Por
tugal, que vae de D. João IV a D. Pedro II , a rivalidade entre os
Cezar e os Mascarenhas, interessou e emocionou Lisboa , consti

( 17 ) Este periodo já foi transcripto em outro Capitulo destas


Memorias .
250

tuindo uma lucta de gigantes, na phrase de C. Castello Branco, que


a estudou com amor . Por parte dos Cezar distinguiram -se o Arce
bispo de Lisboa, D. Sebastião Cezar de Menezes e Fr. Diogo Cezar
de Menezes, Provincial dos Franciscanos no Algarve; aquelle dissimu
lado e hypocrita, este irritavel e violento, ambos cheios de talento ,
irmãos do bisavô do novo Governador. Essas duas faces do caracter
daquelles religiosos se reuniam sem os talentos, na pessoa de Ro
drigo Cezar.
“ Rodrigo Cezar de Menezes, era filho segundo de Luiz Cezar
de Menezes, que fóra governador do Rio de Janeiro, de Angola e de
pois Governador Geral do Brasil , donde sahiu em 1710. A sua linha
materna era Lancastre, que procedia de D. Jorge, filho natural de
D. João II : por essa linha bastarda, Rodrigo Cezar era aparentado
com a casa real de Portugal . Seu irmão mais velho, Vasco Fernandes
Cezar de Menezes, primeiro Conde de Sabugosa, herdeiro da Casa
de seus paes, vice-reinava no Brasil, desde 23 de Novembro de 1720,
ao tempo em que elle föra nomeado Governador de São Paulo. (Dic.
Hist. e Geog. de Portugal. )
“ Rodrigo Cezar estudou em Coimbra ; logo, porém , trocou a car
reira literaria pela vida militar, tendo sido nomeado brigadeiro de
um dos regimentos de infantaria da Córte .
“ Nesse posto estava, quando em Lisboa se começou a murmurar
dos amores que o moço rei D. João , o quinto, trazia com D.
Felippa de Noronha, dama do Paço, filha do Marquez de Cascaes.
“ O galanteio, refere um chronista, deveria ter começado por
1704, quando D. João V, ainda principe real, teria uns 15 annos e
D. Felippa 22. Para vencer os escrupulos e receios de D. Felippa, o
principe déra um escripto de Casamento.
“ D. Felippa acreditou, não só pela fé devida a um principe,
como tambem porque sendo ella nobre o casamento era possivel e ...
deixou-se vencer . As conveniencias, porém, da politica, aconselharam
a reclusão de D. Felippa, no Convento de Santa Clara,
“ D. João V, para evitar um conflicto e cobrir o escandalo, re
correra ao expediente sediço de casar D. Felippa de Noronha ; e,
para tal fim, escolhera Rodrigo Cezar de Menezes, um excellente
corte de marido .
“ Mas, D. Felippa recusou o alvitre e as murmurações da Corte
encarregaram-se de mallograr tal casamento . Nessa occasião a creada
de D. Felippa, escreveu ao rei uma carta celebre, considerada por
alguns como apocrypha, mas cuja cópia existe nas bibliothecas de Evo
ra. Codices C. V. 1-2 - C, 1-4 e na bibliotheca d'Ajuda (Alb. Pimentel,
Est, hist. “ As Amantes de D. João V ” ). Accrescenta o chronista que
- 251 –

talvez não fosse extranho a nomeação de Rodrigo Cezar de Me


r.ezes para São Paulo o mallogro desse casamento ; queria affastar-se
da Côrte . "
Isso parece improvavel , pondera o Dr. Washington Luis, por
que esse casamento mallogrado , foi em 1708, e Rodrigo Cezar de Me
nezes só foi nomeado em 1721 , o que dava 13 annos de incubação
Lara o acordar do melindre do pouco escrupulo do brigadeiro.
Poderia , sim, ter havido malicia da parte do D. João V, no
meando - o governador da Capitania de São Paulo, constituida em par
te pela de Santo Amaro, adquirida ultimamente ao Marquez de Cas
caes , pae de D. Felippa, " sendo quasi um logar de familia."
“ O que parece mais provavel, é que a boa vontade de Rodrigo Ce
zar de Menezes lhe tivesse grangeado as graças de D. João V e, es
tando passados os tempos aureos da India , viesse elle despachado para
o Brasil , onde então se acommodavam os nobres . Havia aqui bons
lugares então, para filhos segundos das casas nobres..."

Eis, finalmente, como devido á indiscrição dos chronistas portu


guezes , se vem a descobrir o motivo do “ valimento " e das “ boas
graças” que o rei D. João V dispensava ao Marquez de Cascaes,
comprando -lhe a Capitania de Santo Amaro pelo duplo, ou triplo do
valor que lhe dava o seu donatario ; annexando ainda a essa Capi
tania uma boa parte da donataria de Martim Affonso de Souza, com
as tres villas primitivas, dessa região, e consentindo mais que se
continuasse a dar a essa Capitania de Santo Amaro -

O titulo de

Capitania de São Vicente para bem garantir os direitos de seu pro


tegido , em prejuizo dos legitimos herdeiros d'essa vasta e antiga do
nataria de São Vicente .
Como bem pondera o historiador : Essa antiga Capitania de
Santo Amaro era quasi um logar de familia " onde se poderia acom
modar esse outro valido d'El Rei que agora vinha governal -a, no
intuito de expandir, de desdobrar cada vez mais a sua elastica juris
dicção ; não já em proveito do Marquez, mas de seu proprio rei,
que tanto se interessava agora pela Capitania de São Paulo . Era
preciso, pois, que as ricas minas de Cuyabá, recentemente descobertas,
estivessem “ dentro da jurisdicção das terras compradas ao Marquez
de Cascaes ” , fazendo parte integrante da Capitania de S. Paulo e.
para tal fim , era necessario invadir a jurisdicção da Capitania de
Itanhaen, annullando e sequestrando todos os direitos dos respectivos
donatarios, como já se havia procedido com a Capitania de Minas
Geraes .
- 252 –

E será esse o primeiro acto que vie praticar o “ valido d'el-rei


D. João V " , no governo da Capitania de S. Paulo, conforme os do
cumentos do Archivo Publico citados pelo historiador :
“ Vindo por Santos, chegou a S. Paulo o nobre brigadeiro da
Côrte de D. João V, acompanhado de seus officiaes de sala, os tenen
tes de mestre de Campo -General, David Marques Pereira ( de glorio
sa memoria ) e Antonio Cardozo dos Santos, do ajudante de tenente,
João Rodrigues do Valle, e do Secretario do Governo, Gervasio Lei
te Rebello .
“ Vaidoso de sua pessoa, orguihoso de sua prosapia, o novo Go
vernador admirava- se e guardava profundo rancor e despeito pela
quasi indifferença com que föra recebido em S. Paulo.
“ Os Governadores precedentes, da Capitania unida de S. Paulo
e Minas Geraes, tinham feito moradia na villa do Carmo, hoje Ci.
dade Marianna, em Minas Geraes, por ficar mais proxima das la.
vras, e lá se achava todo o archivo da administração .
“ Chegando a S. Paulo, foi Rodrigo Cezar residir nas Casas de
D. Simão de Toledo Piza, nas quaes já acostumavam a assistir os
seus antecessores quando passavam por S. Paulo. Essas casas deviam
estar situadas na Rua do Carmo ou na rua da Fundição, visinhando
com o collegio dos Jesuitas. Era ahi o palacio do Governo.
“ Em 7 de Setembro de 1721 , Rodrigo Cezar communicou a sua
posse ás Camaras das Villas das Capitanias ( incluindo já nesse nume
ro as Villas da Capitania de Itanhaen ) e determinou, uma vez que
nem uma havia feito espontaneamente que cada uma dellas en
viasse um membro para lhe dar informações necessarias ao real ser
viço de Sua Magestade.
“ Para fazer crer que toda a autoridade estava enfeixada em
suas mãos e que já estava acabado o tempo das donatarias, o seu
primeiro acto foi, em obediencia á Carta Régia de 1.° de Fevereiro
de 1721 , dar baixa em todas as nomeações para os postos de Oro
denanças feitas por Antonio Caetano Pinto Coelho, Capitão -Mór ( e
governador da Capitania ) de Itanhaen e lóco -tenente do Conde da
I ha do Principe ..."
Mas , para que “ os tempos das donatarias já estivessem aca
bados” , como queria o Capitão-General de São Paulo, seria preciso,
que o rei indemnisasse, primeiramente, aos donatarios da Capitania de
Itanhaen , como já havia feito com o feliz donatario de Santo Amaro
ou S. Vicente . Só então é que Rodrigo Cezar de Menezes poderia
" enfeixar em suas mãos" toda a autoridade, na vasta região des.
bravada pelos paulistas.
253 –

O rei, entretanto, jamais cogitou de tal indemnisação ; e, se

isso não o tinha feito até essa data, emquanto as suas vistas estavam
voltadas unicamente para a região das Minas Geraes, menos pro
babilidade haveria agora , na desannexação legal dessa donataria de
Martin Affonso, quando já estavam em plena evidencia as ricas mi
nas de Cuyabá bem como as de Goyaz. Do que agora cogitava, se
riamente, o rei D. João V, como bem diz o Dr. João Mendes de Al
meida , “ era de peiorar as condições do donatario, para diminuir a
indemnisação ” . Essa “ indemnisação " não se faria porém, em seu rei
nado, nem tão pouco no do seu successor, como affirmam os chronis
tas, Fr. Gaspar, Pedro Taques e Marcellino Pereira Cléto, porque,
o producto fabuloso dessas Minas de Ouro da donataria de Martim
Affonso, então chamada Capitania de S. Paulo – ainda não eram
sufficientes para manter o fausto e as prodigalidades d'esses mo
narchas .

As condições da Capitania de Itanhaen , no periodo administrativo


dos Capitães-Generaes de São Paulo era o mais precario e o mais
triste possivel, principalmente durante o governo de Rodrigo Cezar
de Menezes. Os governadores não tinham autonomia alguma, pois
que, as suas jurisdicções estavam inteiramente annulladas pelas decisões
régias. Como, porém, a autoridade do rei, não podia, assim de uma
pennada , abolir ou negar a posse incontestavel que sobre essa dú
nataria tinham ainda os herdeiros directos de Martim Affonso pelo
direito de morgadia, ordenava aos governadores que não deixas.
sem de lhes pagar a ridizima a que tinham direito , como do..
natarios que, ainda eram, da Capitania de Itanhaen .
Nas vesperas da retirada de Rodrigo Cezar, da Capitania de S.
Paulo, isto é, da Villa Real de Bom Jesus de Cuyabá, onde então
.se achava em serviço da Administração das Minas, escrevia elle a
D. João V, a 7 de Março de 1728, relatando o seguinte : “ Senhor :
Pela cópia de algúas ordens que trouxe da Secretaria deste Go.
verno, Gervasio Leite Rebello, vi o que V. Magestade foi servi
do determinar a respeito de não consentir que os Loco-Tenentes dos
Donatarios, que tivessem jurisdicção, sem estarem encartados novo
mente, o que executei em dous que vinham providos pelo Conde da
Ilha, e mandei ao Provedor da Faznda Real que lhe continuasse com
a ridizima que costumava pagar-lhe, e agora novamente mandarei
registrar a ordem que V. Magestade foi servido mandar-me sobre este
particular ... "
A Capitania do Conde da Ilha do Principe Itanhaen tinha
ainda governadores, como esses “ Loco-tenentes dos donatarios encar
tados novamente ” , como diz o Governador de S. Paulo , os quaes,
254

entretanto , não tinham direito de exercer jurisdicção alguma em suas


terras, como se vae vêr .
Na “ Relação das Villas da Capitania de S. Paulo e sua respectiva
Comarca ” , sujeitos ao mesmo Governo, na forma da divisão que man
dou fazer o mesmo Rei D. João V, estavam , desde 1721, incluidas
todas as villas da Capitania de Itanhaen , inclusive a propria villa do
mesmo nome, séde ainda d'essa mesma Capitania.
E, como desse acto régio houvesse desobediencia por parte de
Antonio Caetano Pinto Coelho de Souto Maior, lóco -tenente do do
natario, Conde da Ilha do Principe, o rei D. João V, attendendo á
representação que lhe havai feito o Conde de Assumar, D. Pedro de
Almeida, Capitão-General de São Paulo e Minas, ordenou por uma
Carta régia ( cuja data se ignora, conforme uma annotação redigida
pelo Dr. Antonio de Toledo Piza) que : " se mandasse dar bayoca
( baixa ) a todas as pessoas que estavam providas, em postos de Orde
nanças, por Antonio Caetano Pinto Coelho, Capitão -Mór da Capitania
de Nossa Senhora da Conceição de Tinhaên, como lugar-Tenente do
Conde da Ilha , donatario da dita Capitania, por não ter jurisdicção
algia para provêr os ditos postos e haver Sua Magestade, que Deus
guarde mandado sequestrar a jurisdicção do dito donatario para a
Corôa Real" .
Não querendo o rei desfalcar o seu erario com a indemnisação aos
donatarios de Itanhaen , ordenava pois aos seus prepostos — que déssem
baixa ás autoridades e sequestrassem , em proveito de sua real Corða,
os direitos e as jurisdicções da vasta e rica Capitania de Nossa Se
nhora da Conceição de Tinhaên.
Mais tarde, em 1728, esse mesmo rei D. João V, condoido talvez,
da posição humilhante e da inercia dos Condes da Ilha do Principe,
cuja tempera de fidalguia tanto havia amollecido nesse faustoso rei
nado , e vendo então as arcas de seu thesouro abarrotadas com o ouro
da Capitania de Martim Affonso, mandava que o Provedor de
sua Fazenda, a titulo de redisinta, lhe distribuisse algumas migalhas
das rendas fabulosas que lhe provinha dessas ricas e inexgotaveis
minas da antiga Capitania de Itanhaen ! ...
୧୩|

CAPITULO XVI

O SERTÃO E AS MINAS
NAS DUAS PRIMEIRAS CAPITANIAS PAULISTAS

Chegada da frota de Martim Affonso ao Rio de Janeiro Pri


meira entrada no sertão Noticias de metaes preciosos Prosegue
a armada em sua rôta ao rio da Prata, sem tocar em S. Vicente
Segunda entrada no sertão, “ dos oitenta homens que partem de Ca
nanéa, em busca de ouro e escravos" Castelhanos e Luzitanos ali
encontrados Volta da esquadra dos mares do Sul ; sua entrada no
porto de S. Vicente – As duas primitivas villas fundadas pelo futuro
Donatario : S. Vicente e Piratininga Pontos de controversia que
não têm mais razão de subsistirem Fascinação dos povoadores pe
los thesouros occultos no sertão -- Delineamento das divisas entre os
dois donatarios das terras - auriferas Explorações no sertão Os
caminhos de penetração e as grandes arterias fluviaes As zonas
auriferas do littoral A permanencia de Pero Lopes em S. Vicente
e seu regresso a Portugal .

O fito principal de Martim Affonso e Pedro Lopes, escolhendo


na partilha do vasto territorio brasileiro, feita por D. João III,
em 1534, esta zona austral do continente para nella estabelecerem
suas Capitanias, era, está bem visto, a exploração, antes de tudo,
de minas auriferas , prata e pedras preciosas, cujas noticias de exis
tencia eram correntes nessa época.
Ao chegar a armada de povoadores ao Rio de Janeiro – 30 de
Abril de 1531 afim de prover-se do necessario para proseguir a
rôta até o Rio da Prata, um dos primeiros cuidados do futuro dona
- 256 —

tario de S. Vicente, foi enviar uma expedição ao sertão com o fim


especial de explorar a bacia e valle do Parahyba, até ás encostas da
Mantiqueira, indagando dos indios as veredas que iriam até os pri
meiros affluentes do rio S. Francisco .
" Daqui (do Rio de Janeiro, diz o “ diario” de Pero Lopes) , man
dou o capitão irmão quatro homens pela terra a dentro ; ali foram e
vieram em dois mezes, e andaram pela terra em cento e quinze legoas ;
e as sessenta e cinco dellas foram por montanhas mui grandes, e as
cincoenta foram por um campo mui grande ; e foram até darem
com um grande rei, senhor de todos aquelles campos ( talvez Tibiriçá ? )
que lhes fez muita honra e veo com elles até os entregar ao Capitão
irmão. E lhes trouxe muito chrystal , e deu novas como no Rio de
Paraguay havia muito ouro e prata ."
Sobre a região vicentina e seu respectivo sertão cortado pelo
Anhenby e outros caudaes, affluentes do Paraná, Paraguay e Prata,
caminho por onde já se aventuravam os europeus mais destemidos
daquella época, não necessitaria, por certo, o capitão Martim Affonso,
que os indios lhe dessem noticia, pois elle já bem o sabia, pela in
formações de seus companheiros de jornada, o escrivão da armada,
Pero Capico, Pero Annes Piloto, e outros que já tinham esta

do no Brasil , inclusive o seu proprio irmão Pedro Lopes de Souza ,


conforme affirmam hoje alguns historiadores, baseados em documentos.
E foi por isso, por terem de antemão boas noticias dessa famosa
região, onde Antonio Rodrigues e João Ramalho possuiam já uma
feitoria , a qual éra “ o fito principal ou a méta da expedição
dos povoadores de 1531” ... foi por isso, como iamos dizendo,
que a armada de Martim Affonso, ao sahir do Rio de Janeiro, de
pois de fazer escala pelos Alcatrazes, passou ao largo sem tocar em
S. Vicente, dirigindo-se para Cananéa, onde fundeou " no dia de
Santa Clara 12 de Agosto de 1531 - " conforme escreve Pedro
Lopes de Souza em seu “ Diario " . ( 1 )
Ali, segundo resa esse documento irrefutavel, o futuro donatario
confabulou com castelhanos e luzitanos residentes no local, procu
rando ainda ter noticias do sertão e das sonhadas minas de ouro e,
principalmente , dos caminhos e veredas que se ligavam ou se ligariam,
mais tarde, com o Paraguay e mesmo com o Perú, cujos thesouros já
estavam em evidencia .

( 1 ) – O fim da viagem ao Rio da Prata era, simplesmente, explo


rar a costa e collocar “ marcos de posse " com as armas luzitanas,
conforme lhe ordenara el-rei D. João III e isso, Martim Affonso e
Pedro Lopes o effectuaram .
.
- 257

Ao tratar da estadia da frota em Cananéa, diz o Diarista de Bor


do : “ Por este rio arriba ( mar-pequeno, ou lagamar que vae a Ara
rapira e a Ribeira de Iguape ), mandou o Capitão irmão hum bergan
tim e a Pedro Annes Piloto, que éra lingua da terra, que fosse ha
ver falla com os indios . Quinta-feira disa sete dias do mez de Agos
to, vêo Frarcisco de Chaves, e o bacharel ( mestre Cosme ) e cinco
ou seis castelhanos. Este bacharel havia trinta annos que estava de
gredado nesta terra, e o Francisco Chaves, era mui grande lingua
desta terra. Pela informação que della deu ao Capitão irmão, man
dou a Pero Lobo com oitenta homens, que fossem descobrir pela
terra dentro ; porque o dito Francisco de Chaves se obrigava que
em dez mezes tornaria , ao dito porto de ( Cananéa ) , com quatro
centos escravos carregados de prata e ouro
“ Partiram desta ilha ( para não mais voltarem ) ao primeiro dia
de Setembro de mil quinhentos e trinta e hum, os quarenta besteiros
e os quarenta espingardeiros..."
Todos sabem o desastroso fim que teve esta infeliz bandeira por
Martim Affonso expedida ás terras fatidicas dos Tapes e Carijós.
Ao voltar a frota dos mares procellosos do sul, em demanda do
seu almejado fim S. Vicente em cujo porto fundeou no dia
22 de Janeiro de 1532, e não em Bertioga, como erradamente se
suppõe, o Capitão Martim Affonso deu inicio, immediatamente, á
villa que vae ser de então em deante a séde de sua colonia e da
futura Capitania .
Uma vez estabelecidas as bases fundamentaes da villa e da res
pectiva governança da colonia, casa de Conselho , Egreja, Pelou
rinho, etc., o futuro donatario tratou de galgar a serra, em com
panhia de Ramalho e do chefe Tibiriçá e parte do seu sequito, afim
de visitar a aldea da Borda do Campo e principalmente " a
paradiziaca Piratininga ” , situada na ridente colina, proxima ao Tieté
( Anhenby ), em cujo local estava estabelecida a aldeia do grande Mo
robixaba.
Foi ali, na aldeia de Tibiriça, o ponto escolhido por Martim Affonso
para localisar a “segunda villa ”, como affirmam Pedro Lopes, e as
Cartas Jesuiticas" dessa primeira épocha, o confirmam, conforme
temos demonstrado pela Revista do Instituto Historico de São Paulo .
Esta nossa opinião, embora apoiada em documentos irrefutaveis,
não mereceu fé e foi mesmo contestada, em 1913, por membros do
Instituto Historico Paulista.
Hoje, graças á publicação e diffusão dos annaes da Camara de
São Paulo e outros documentos, mandados publicar pelo digno his
toriador Dr. Wahington Luis, ex-presidente do nosso Estado,
258

OS autores de mais nomeada, tratando de esclarecer assumptos tão


importantes de nossa historia paulista, como esse, vêm exhumando,
dos velhos archivos, ora publicados, os topicos referentes á tradicio
nal collina de Piratininga, comprovando assim as nossas ul

teriores affirmações “ que a villa de Piratininga, fundada pelo pri


meiro donatario, não foi nem podia ser a villa de João Ramalho,
na Borda do Campo .
Affonso de E. Taunay, em seu livro “ São Paulo nos Primeiros
Annos" , e Affonso de Freitas, presidente do Instituto Historico de
S. Paulo no seu trabalho “ Piratininga Exhumada ” , apoiados nos di
tos documentos da Camara de São Paulo, vêm confirmando nossas
asserções, esclarecendo e firmando, de uma vez, esse e outros pontos
controvertidos e mal interpretados .
Não fecharemos este parenthesis sem que fique igualmente es
clarecido, neste capitulo final das “ Donatarias de Martim Affonso e
Pero Lopes ”, um outro ponto essencial, do qual já nos occupámos,
com mais largueza, na memoria ainda inedita, “ As Villas de São Vi
cente e Itanhaen " .
Opinam ainda alguns historiadores, em opusculos e livros ulti
mamente publicados, baseando-se nas Memorias de Fr. Gaspar e nas
opiniões do Dr. João Mendes e outros, que : a frota de Martim
Affonso, aportou e fez o desembarque na Bertioga, em 22 de Janeiro
66
de 1531 , e não na Barra de São Vicente, em 22 de Janeiro de 1532 " ,
conforme relata o “ Diario " de Pero Lopes. Affirmam ainda, esses
autores, sem base, aliás, que o futuro donatario de São Vicente só
foi ao Rio da Prata, após a fundação da respectiva villa, etc., fazendo,
assim, uma série de conjecturas, não só sobre o tal “ desembarque
em Bertioga ”, como sobre outros pontos relatados e esclarecidos por
Pero Lopes e outros historiadores : isto com o fim de destruir as
referencias do Diario de bordo, o qual o Dr. João Mendes julgou
e condemnou como apócrypho !
Dizem os illustres autores, firmando-se no historiador e nota
vel jurisconsulto maranhense que, Pero Lopes, na curta demora de
quatorze dias que permaneceu em São Vicente, isto é, " de 22 de
Janeiro a 5 de Fevereiro de 1532" ' , ' não podia ter assistido os " actos
de fundação" de seu irmão Martim Affonso de Souza, conforme
relata o Diario a elle attribuido, quando diz : " Aqui neste porto de São
Vicente, varamos hua náo em terra. A todos nos pareceu bem esta
terra, que o Capitão I ( irmão ) determinou de a povoar e deu a todos
os homês terras para fazerem fazendas ; e fez hua villa na ilha de
São Vicente e outra nove legoas dentro, pelo sertam, a borda de hum
rio, que se chama Piratininga, e repartiu a gente nestas duas villas e
- 259

fez nellas officiaes ; e poz tudo em boa obra de justiça, deque a


gente toda tomou muita consolaçam, como verem povoar villas c ter
leis e sacrificios, e selebrar matrimonios e viver em communicaçam
das artes ; e ser cada um um senhor do seu ; e vestir as injurias par
ticulares e ter todos os outros bens da vida segura e conservavel" .
Quantas inverdades em tão poucas palavras ! exclamam os nos
sos historiadores, parodiando ou repetindo as palavras do Dr. João
Mendes !...
a
Diremos , em primeiro lugar , que Pero Lopes não regressou
Portugal em 5 de Fevereiro de 1532 .
Nesta data 5 de Fevereiro conforme narra o mesmo Dia .
rista , foi o dia em que “ entrou neste porto de Sam Vicnte a Cara
vella Santa Maria do Cabo , que o Capitain I tinha mandado ao Porto
dos Patos , buscar a gente de hum bergantim que ali se perdera ,
etc. , etc ...."
Pero Lopes só voltou a Portugal a 22 de Maio desse mesmo anno
1532 - ; e, sem sophisma , se pode affirmar que, a sua demora em
São Vicente, não foi de 14 dias, mas sim de 4 mezes, tendo, portanto ,
tempo sufficiente para assistir a todos os principaes actos “ das fun
dações da Colonia ” , e mesmo de acompanhar seu irmão na no
tavel excursão aos sertões de Piratininga e á fundação da segunda
villa " ,
O topico do Diario, citado por João Mendes, foi, sem duvida, ex
trahido da parte reproduzida na edição das “ Memorias para a his
toria da Cap. de São Vicente ” , de Fr. Gaspar, mandadas publicar em
São Paulo, pelo Presidente da Assembléa Provincial, Raphael To
bias de Aguiar, em 1874, por indicação do Brigadeiro Machado de
Oliveira

A parte do “ Diario de Pero Lopes" ahi transcripta pelo mesmo


Machado de Oliveira, não está completa, nem obedeceu as recom
mendações, tão judiciosas e opportunas, feitas pelo historiador Var
nhagen ( Porto Seguro ) nos opusculos que publicou , avulsos , e nas
transcripções do dito Diario, que se fizeram na Revista do Instituto
Historico do Brasil 1839-1847 . Recommendava o notavel histo
riador Varnhagen, nessas diversas publicações do Diario, que, conti
nuava a fazer suas pesquizas nos velhos codices que tratavam desses
documentos de Pedro Lopes, parte das quaes já tinha sido publicada
pela Rea 1 Academia de Sciencias de Lisboa e reproduzida nas
Memorias Historicas de Pernambuco 1844 .
Pedia ainda aos publicistas e historiadores que, não fizessem
novas reproducções, desse importante documento, sem prévia con
sulta, visto que já se achava elle apparelhado para fornecer novas
- 260

materias, resultantes de suas ultimas pesquizas. A nada, entretanto, se


attendeu. Foi por isso que o “ Diario de Pero Lopes" transcripto
por Machado de Oliveira, nas " Memorias de Fr. Gaspar, sahiu trun
cado e incompleto .
Isto obrigou o sr. T. A. Varnhagen, em 1861 , a escrever a
66
Carta á Redacção da Revista trimensal do Instituto Historico e
Geographico do Brasil” acerca da reimpressão do Diario de Pero Lo
pes, que lhe servirá de Prologo ” .
Nessa carta queixa-se o historiador, sempre tão sollicito e in
cansavel nas suas excavações da falta de deferencia e mesmo de
violações que estava sendo victima e ... “ principalmente pela falta
de attenções em se me não dar, do intento, o minimo aviso, quando
mui formalmente fôra isso por mim, com antecipação, supplicado ... ”
Neste tomo XXIV da dita Revista pagina 1 a 111 vem
pois, publicado, além de outros documentos notaveis, a supra dita
carta de Varnhagen e a reproducção fiel e completa do “ Diario de
Navegação de Pero Lopes de Souza ( 1530 e 1532 ) ”, que, sem duvida,
passou despercebida, não só ao Dr. João Mendes, como aos demais
historiadores de nossos dias .
Vejamos pois, por este documento, o dia em que a frota de Pero
Lopes partiu de São Vicente, em demanda do porto de Lisboa .
“ Quarta - feira, XXII dias do mês de Maio da éra de 1532, da
éra de Adam de olto mil quinhentos XVII e 361 dias , da era
do diluvio, de 4634 annos e 95 dias, estando o sol em 10 graus e 32
meudos de geminis , e a lua em 19 graus de capricornio , party
deste Rio de Sam Vicente hua óra antes que o sol se pusesse, com
ventos noroeste .
“ E como foi noite fiz caminho a léste e a quarta de nordéste .
“ Quinta-feira pela manhã éra tanto a vante com a ilha de Sam
Sebastiam e ao mêo dia se fez o vento oéste e começou a ventar, o
que me foy necessario tirar as monetas e correr com os papafigos

baxos , fazendo o caminho a l'es nordeste até mea noite em que man
dei tomar as velas por me fazer com ho Rio de Janeiro.
“ Sexta-feira, XXIII dias do dito mez, pôla manham , via a terra.
tres legoas de mim e conheci o Rio de Janeiro que me demorava a
norte e quarta do nordeste, e com O vento sudoeste dei vela e en
trei nelle ao mêo dia . "
“ Sexta- feira, XXIIII dias do mez de Junho, chegou a náo Santa
Maria das Candeas que fiquara em Sam Vicente acabando de car
regar. Neste rio estive tomando mantimentos para 3 mezes e parti-me
terça - feira 2 dias de Julho : com o vento nordeste sahy fóra, e achei
o mar tam feo, que me foy necessario tornar arribar e surgi na bocca.
ao mar da Ilha das pedras em fundo de areia limpa de 15 braças..."
- 261

E assim prosegue o insigne diarista de bordo, nosso melhor


chronista , a notar dia por dia , hora por hora, todos os incidentes
da jornada : a 8 de Julho passou por Cabo Frio, a 16 do dito mês
avistava a Bahia de Todos os Santos onde, em consequencia de máo
estado do mar, só poude ancorar a 18 de Julho. São notaveis as pe
ripecias occorridas neste porto, onde alguns marinheiros “ deixaram
as náos para irem viver com os indios !” A 30 de Julho deixava o
commandante Pero Lopes a Bahia em direcção a Pernambuco e Ilha
Fernando de Noronha, assignalando todos os pontos principaes , ulti
mas escalas da nossa costa ,

Toda essa região do norte, principalmente a de Pernambuco,


Ilha de Itamaracá, onde se commerciava com 0 “ Páo Brasil ” ,
já era bem conhecida de Pero Lopes e de Capico o escrivão da
armada que governára uma feitoria nessas immediações, da qual
voltara rico, para Portugal, antes de tomar parte na expedição de
Martim Affonso e seu irmão Pero Lopes .

Terminado este parenthesis , reatemos o fio que nos conduzirá ao


principal motivo deste capitulo.
Não foram por certo, os mangaes do lagamar de Morpino, na ilha de
Ingaguaçú nem as areias duras da Praia Grande, de Itaipús a Itanhaen
ou Peruhybe, nem as terras de varzedos e desmontes uberrimos,
nos valles dos rios Itanhaen, Peruhybe, Guarahú e valle da Ribeira,
que seduziram ao Capitão Martim Affonso a escolher esta região do
littoral onde fundou a séde de sua colonia .

Não foram tambem as “ paradiziacas colinas da legendaria Pira


tininga ”, tão poeticas e suggestivamente descriptas por Affonso de
Freitas e cantadas pelos nossos poetas bucolicos. Não.
O que o attrahiu a S. Vicente foi a posição topographica, hydrogra
phica e orographica da zona e, mais que tudo, a situação dessa aideia
de Tibiriçá, á margem do Tieté “ porta aberta para o sertão ", na
phrase do padre Nobrega, quando dalli, alguns annos depois, rela
tava ao geral de sua ordem as vantagens e conveniencias que resul
tariam, para as “ entradas das missões” desse ponto previlegiado,
“ onde Martim Affonso primeiro povoou ” .
Os primeiros missionarios anteviam nesse sertão, a grande “ mes
se de almas” , na seara immensa, ainda ignota.
- 262

O futuro donatario, porém, e seus companheiros, sonhavam com


os ricos filões auriferos e argenteos, com as gemmas preciosas que
os haviam de enriquecer !
Que elle, seu irmão e parte de seu sequito indagavam disso, pri
meiro que tudo, não se pode negar ; os regulos portuguezes e caste
Ihanos e os proprios indios os incitariain para as explorações e pes
quizas sertanejas, aliás sempre infructiferas, nessa época primitiva .
Quanto tempo demorou o chefe da colonia luzitana nesta excur
são, é ponto obscuro que nem os historiadores, nem o redactor do
“ Diario da Armada" nos reveiam . E' provavel, entretanto, que uma
parte do Tieté e do Parahyba e serras adjacentes fossem percorridas
pelos povoadores, nessa primeira entrada aos sertões de Piratininga.
João Ramalho e Antonio Rodrigues, já talvez um tanto desilludi
dos da “ patranha das minas” , resumiam o commercio de sua feitoria
no resgate com os indios, na venda de escravos e no trato com os
navios que aportavam a São Vicente “ que resgateavam os generos
da terra " cultivados pelos mesmos , a troco de ferramentas e quinqui
lharias. conforme escrevem Rocha Pombo e outros historiadores. O
commercio do Páo Brasil pouco se fazia em São Vicente, por falta,
quasi absoluta, desse precioso lenho .
Em Cabo Frio, entretanto, já abundava este genero de com
mercio tão lucrativo .
Em 1511 , Duarte Fernandes , conforme se deprehende do seu
Roteiro, partia de Lisboa, a 17 de Fevereiro, com destino á feitoria
de Cabo Frio, na celebre Náo Bretoa, com ordem expressa do monar
cha de “ não concentyres que nenhú homê de vossa náo saya fora,
na terra firme , e somente onde estiver a feytoria .”
Compunha -se a tripulação da “ Bretoa, " de 35 pessoas entre mari
nheiros, grume:es e pagens da grande náo que carregou “ cinco mil
e nove tóros de brasil” , muitos escravos e grande quantidade de ge
neros da terra, sobretudo pel es, e infinidades de bichos : macacos .

quatis, aráras, papagaios, periquitos, etc.


Este carregamento da Náo Bretoa, na feitoria de Cabo Frio, em
1511 , como prova o documento descoberto por Varnhagen, publicado
na Revista do Instituto Historico do Brasil, volume XXIV 1861 -
demonstra bem qual era o genero de commercio estabelecido entre a
metropole e a terra de Santa Cruz , vinte annos antes da “Expedição
de Martim Affonso " .
E ' fora de duvida, que o futuro donatario e seu irmão Pero Lo
pes, estivessem bem ao par de todos esses factos, em relação á terra
que vinha povoar, e que antes de voltarem á Europa, receber as car
tas de Doações em que D. João III Thes daria titulos de donatario
- 263

" em local por elles escolhido" percorressem elles toda a costa e


fizessem mesmo explorações na extensa zona que vae de Macahé até
Santa Catharina , onde deviam fixar as divisas de suas futuras Ca
pitanias . E para isso tiveram tempo ; e o fizeram com o necessario
tino e criterio, de commum accordo, afim dye que nenhum dos par
ceiros ficasse lesado na partilha. Martim Affonso, como chefe, apa
charia toda a zona, desde Macahé até o Rio Juqueriquerê, onde abun
dava o páo brasil e grandes aldeamentos de indios, e bem assim
a parte da costa austral, desde Bertioga até Superagy ( Paranaguá )
Ilha do Mel .
Havia tambem ahi, desde Itanhaen , grandes nucleos de
aldeamentos de tupis e carijos (excellentes peças ! ) e boas noticias,
- indicios de ouro, no vasto sertão. Embora os limites com Castella
não estivessem definidos nesse tempo, a legitima posse viria com
o tempo, para aquelle que pudesse impor o seu dominio - ; como
de facto se deu .
Pero Lopes, que precisava ser contemplado com as mesmas van
tagens provaveis , páo brasil, indios e ... terras auriferas te

ve, para tal mistér, de retalhar o seu quinhão .


Para o commercio do “ lenho -rubro " , escolheu elle a Ilha de Ita
maracá , porém, para ter direito a uma parte, nas zonas regadas pe
las nascentes do Anhenby, Parahyba, e serras adjacentes, com o res
pectivo “sertão, onde havia indicios de minas", exigiu elle que, das
terras de seu irmão lhe fossem dadas dez leguas de Juqueri
querê á barra da Bertioga.
Estas divisas de Pero Lopes, essas leguas elasticas”, se esti
cariam , conforme se viu neste litigio, até á barra de São Vicente,
devido ainda á ganancia de seus successores, em possuirem “ terras
auriferas nessa previlegiada zona ” .
A outra secção da Capitania de Pero Lopes, conforme já ficou
explicado, abrangeria desde a ilha do Mel, em Paranaguá, até San
ta Catharina. Ficava pois o irmão de Martim Affonso aquinhoado
tambem com boa parte das terras auriferas de Paranaguá, onde
se extrahiu o primeiro ouro no Brasil” , conforme reza a legenda de
um antigo mappa, ( 1 ) existente no archivo de nosso Instituto.
Depois de combinadas estas partilhas in loco, regressaram os dois
irmãos á primitiva villa, onde houve conselho deliberativo entre os

( 1) Vide " Mappa de Paranaguá" na memoria Historico de Be


nedicto Calixto Capitania de Itanhaen ” Revista do Instituto His
torico de S. Paulo – 1915, e “ Planta da Bahia de Parangua ” -- le
vantada em 1653 e conservada no Archivo da “ Marinha de Ultramar” ,
em Lisboa, publicado ultimamente por Moyses Marcondes, sob o titulo
- “ Documentos para a Historia do Paraná”.
264

mandantes da terra, conforme annota Pero Lopes em seu referido


Diario.
" E assentaram que o Capitam I devia de mandar as náos para
Portugal com a gente do mar ; e ficasse o capitam I com á mais gen
te em suas duas villas, que tinham fundado, até vir recado da gente
(os oitenta homes ) que tinham mandado a descobrir pela terra den .
tro e logo me mandou fazer prestes para que eu fosse a Portugal
nestas duas náos, a dar conta a el rei do que tinhamos feito ” . Isto,
como expiica Varnhagen , em nota, foi já escripto por Pero Lopes,
a bordo, nas vesperas do primeiro dia do regresso a Portugal 22
de Maio de 1532
Até esta data, como se vê, ainda não havia noticias dos oitenta
homens idos ao sertão dos carijós, em busca de ouro e escravos " .
A volta de João de Souza, do reino, com carta de el-rei pro
mettendo concessão das duas Capitanias, aos dois irmãos, só se deu
no anno seguinte, 1533 , pois é datada de 28 de Setembro de 1532 ,
( de Lisboa ) quando Pero Lopes já estaria talvez, em Portugal. Diz
D. João III nesta carta a Martim Affonso, que tinha “ determinado
de mandar demarcar, de Pernambuco até Rio da Prata , cincoenta
legoas de costa a cada Capitania , e antes de dar a nem húa pessoa,
mandei apartar para voz cem legoas, e para Pero Lopes, vosso irmão.
cincoenta, nos melhores limites dessa costa, por parecer de pilotos
e de outras pessoas de quem o conde de ( Castanheira ) por mim
mandado informou ... "
A concessão definitiva, isto é, a “ Carta de Doação" a Pero Lo
pes, não de 50 leguas, mas de 80, com suas respectivas divisões, só
foi passada, em Evora, a 21 de Janeiro de 1535, conforme as indi
cações dadas pelos dous irmãos, quando ambos já estavam de volta
a Portugal .
E ' de então em deante que Pero Lopes e Martim Affonso obtém,
66
officialmente, o titulo de donatarios ".
Tudo isto é, aliás, claro e insophismavel para quem estuda, sem
idéas preconcebidas, os factos occorridos nesa primeira epocha do
povoamento, na extensa e rica região paulista , cuja historia, como já
temos dito, é tão vaga, tão falha e tão controvertida .
Mariim Affonso, após a volta de seu irmão, continuou a cuidar
do es'abe ecimento e desenvolvimento de sua colonia, concedendo terras
aos seus companheiros, e animando o cultivo, principalmente da canna
de assucar, fundando o primeiro Engenho de São orge, como é bem
conhecido. Os demais fidalgos o imitaram e foram, com auxilio dos
indios, desbravando as mattas, visto estarem convictos que as " sonhadas
ininas” , - embora déssem indicios de existencia , teimavam em
occultar- se .
SOLANUM

CAPITULO XVII

Massacre dos “ oitenta homens mandados ao sertão " .


Desanimo e desillusão de Martim Affonso, pela noti
cia desse morticinio . Receios de ataques de indios, ca
pitancados pelos castelhanos de Iguape e Cananêa .
Fortificações e meios de defesa, em S. Vicente e Ita
nhaen, iniciados por Martim Affonso. Regresso de
Martim Affonso ao reino, após a chegada de João de
Souza . O inicio da “ caça aos indios" e a destruição
das aldcias do littoral. l'ias de penetração. Reliquias
archeologicas. A arte prehistorica no Brasil. Con .
siderações ethnographicas sobre os habitantes das duas
Americas.

Estavam as cousas neste pé quando, ao governador e a toda sua


colonia, chegou a triste e alarmante noticia do desastre soffrido pela
expedição dos oitenta homens mandados ao sertão, do porto de
Cananéa .
Dos “ 40 besteiros e 40 espingadeiros” , inclusive o chefe Pedro
Lobo, nenhum só havia escapado ao horrivel massacre !
O tragico desfecho desse emprehendimento, no qual o futuro
Jonatario e todo o seu sequi :o depunham tantas esperanças, quanto
ao descobrimento do almejado thesouro, veio como é dado julgar
- desorientar e abater o animo de Martim Affonso .
Só então é que elle comprehendeu a sua situação, de conquista.
dor e de povoador, em reação aos caste hanos que já dominavam
uma boa parte do littoral e sertão, desde Iguape até Santa Catha
rina, e mesmo além da Lagoa dos Patos .
O massacre desses soldados, os mais destemidos de sua tropa de
defeza, tinha sido executado friamente, e p'anejado, não restava
duvida , por esses aventureiros hespanhoes e " portuguezes-degre.
266

dados " , já domiciliados e firmados na região da Costa , fazendo causa


commum com as tribus de Tupiniquins e Carijós , cujos chefes
seus alliados os auxiliavam já nos resgates de escravos e hostili.
dades aos portuguezes. Estes indios, instigados por taes aventureiros,
é que tinham sacrificado o pessoal da expedição. Serão estes mes
mos “ conquistadores do littoral meridional" , que virão, em breve.
á Villa de São Vicente, saquear e incendiar os papeis do nascente
archivo e o livro do Tombo da Parochia, conforme rezam os docu
mentos da Camara vicentina dessa primeira época e as chronicas dos
primeiros historiadores do Rio da Prata. Serão ainda esses mesmos
indios Carijós , capitaneados pelo proprio Ruy Mosquera, e o tal ba
charel de Cananéa que hão de martyrisar e assassinar os dois missio
narios jesuitas Pedro Corrêa e João de Sousa, companheiros do Pa.
dre Leonardo Nunes, ( o abarébebê ) , logo ao inicio das Missões Evan
gelicas em nossas plagas, não obstante as providencias de defeza e
as ordens do futuro donatario de São Vicente, antes de seu regresso
a Portugal , " de fazer guerra a esses caudilhos e indios que os se
guiam ". De facto : antes de sua volta ao reino, Martin Affonso, re
conhecendo o perigo que corria a séde de sua colonia, não só deu
ordem de expellir e guerrear esses hespanhoes e portuguezes dege
nerados, bem assim ás tribus indigenas que os auxi.iavam, como tra
tou immediatamente de fortificar, não só a villa de São Vicente,
como a povoação de Itanhaen, fundada por elle, que, assim fortifi.
cada e guarnecida, seria um ponto estrategico, ou posto avançado
no littoral”, em defeza da séde da sua futura .donataria .
Até então tinha elle descurado de tal medida, por ter estado em
paz com os castelhanos e com os indios .
As circumstancias actuaes, porém, obrigaram-n'o a levantar um
baluarte de defeza no Porto das Náos, em frente ao porto de Tumyarú,
artilhar a “ muralha natural” da bocca da Barra de São Vicente, em
frente a primitiva villa e Ilha do Sol, ( 1 ) e guarnecer com artilharia
a Barra do Rio Itanhaen , installando os canhões no outeiro de Nossa
Senhora da Conceição, sobre a “ Pedra Grande " na qual, do lado
do sul , já estava erguida a tradicional “ Ermida” sob a mesma invo .
cação. ( 2 )
Como tambem , já nessa occasião, os indios tamoyos das aldeias
de Ubatuba estivessem iniciando suas hostilidades aos colonos de
São Vicente, devido á maneira desabrida e cruel com que se estava
fazendo o trafico com estes e com as demais tribus do littoral , do sul

( 1 ) Vide “ Villa de São Vicente ” e “ As Fortificações do Porto


de Santos” , por Benedicto Calixto .
( 2) “ Villa de Itanhaen ", do mesmo autor.
267

a do norte, ordenou Martim Affonso que se fortificasse tambem a


barra de Bertioga .
Os principaes baluartes, nesse porto, só foram, porém, levantados,
quando o donatario já se achava na Europa. Foi Braz Cubas quem,
por sua ordem , iniciou a construcção desse forte , conforme se de
prehende de documentos incontestaveis, como se verá da citada Me
moria “ As Fortificações do Porto de Santos " .
Havendo, pois, urgente necessidade de levantar esses propugna
culos, afim de defender a villa de S. Vicente, tão ameaçada, ordenou o
chefe da colonia, que o pessoal de povoadores residentes em Pirati.
ninga, abandonasse a povoação alli fundada e regressasse ao littoral,
e que, conforme consta das chronicas da época, nenhum colono fosse
ao planalto da serra “ resgatear com os idios” ,
Esta ordem expressa de Martin Affonso só foi em parte revo
gada, mais tarde, por sua mulher D. Anna de Pimentel, quando eile
já se achava na India .
Grande parte desses colonos, porém, verdadeiros aventureiros que
se tinham embrenhado no sertão em procura de minas e no intuito
de arrebanhar escravos, incitados pelos primeiros Mamelucos e indios
seus alliados, que já moviam guerra aos miseros incolas do sertão,
não obedeceram as terminantes ordens de Martim Affonso de Souza,
e por lá ficaram .
Taes aventureiros, como é bem sabido, desde o tempo da desco
berta , ou como degredados , ou mesmo voluntariamente, abandonavam
as náos, conforme relata Pero Lopes, no trecho já citado, do sen
Diario, deixavam o convivio com os demais colonos, nas povoações
e feitorias já fundadas e, “ afundavão sertão a dentro " , fascinados
pela attracção dos thesouros e pe a vida nomada ! Era por siso, que
el- rei , desde 1511 , prohibia que O commandante da náo “ Bretoa"
deixasse “ ir a terra firme" , os tripulantes da dita náo, destinada a
uma ilha, nas proximidades de Cabo Frio, conforme já ficou dito .
Nas Cartas Jesuiticas” , principa ' mente naquellas que tratam
do inicio das Missões em São Vicente, como as de Leonardo Nunes,
Pedro Corrêa e outros, são relatados os modos de vida desses aven
tureiros que abandonavam seus patricios embrenhando- se pelos
sertões, durante annos, para viver com os incolas, tornando-se tão sel
vagens ou mais, que os proprios filhos das selvas” . Alguns desses
colonos, reconduzidos aos povoados christãos, pelos missionarios, “ já
haviam perdido não só o idioma portuguez como toda a noção de
moral e civismo, tornando-se até anthropophagos ”. Isto, entretanto,
não se dava só com os luzitaros, mas tambem com os castelhanos,
francezes, etc., não só em São Vicente, como nas Capitanias do Norte.
- 268

Eram, principalmente, as regiões banhadas pelas grandes arterias


fluviaes, os grandes estuarios que, de preferencia, os attrahiam pela
facil penetração. Gente “ sem eira nem beira, mesmo os fidalgos de
nata, estavam sujeitos a taes aventuras." ( 1 )
" O rio São Francisco fascinou Duarte Coelho, primeiro dona
tario de Pernambuco que, para devassal-o e arrancar-lhe as riquezas
apregoadas, apenas esperava a “hora de Deus ”, segundo sua grave
expressão ", escreve Capistrano de Abreu, ao se referir ás penetra
ções do sertão septentrional. A mesma fascinação experimentaram os
dois futuros donatarios de São Vicente e Santo Amaro, bem como,
os demais colonos aventureiros ao visitarem as zonas dos estuarios de
Cananéa, Superagy, Morpion e os cursos da Ribeira de Iguape, Anhen
by, Parahyba , etc ..
Além desses estuarios e caudaes, o que mais lhes interessava, se
riam as regiões do littoral em que existiam caminhos de penetração,
por onde os indios se communicavam com o planalto e interior do
sertão . Os caminhos de Paraty pera serra do Facão, que conduzia
ao valle de Parahyba e ás serras de Cataguazes, ( 2 ) bem como os
de Ubatuba e Caraguatatuba, ( as terras dos Tamoyos) que estabele
ciam, a estes indigenas, communicações com 0 mesmo valle do Pa
rahyba e Parahybuna, onde tinham povoações. Os indios da Bertioga,
já quasi extinctos nessa época , tinham seu “caminho do sertão " pelo
rio Tutinga e serras que se estendem até as proximidades de Mogy
das Cruzes e Parahyba. De Jurubatuba, (porto de Santos ) havia outra
via de communicação para Mogy, a qual se melhorou no tempo de
Braz Cubas , conforme é ainda conhecido pelos vestigios existentes
nas respectivas serras .
Em Santos e São Vicente, além desses dois caminhos Tutinga
( da Bertioga ) e Jurubatuba. bem como de outras verêdas que iam
ao Alto da Serra e Borda do Campo , existia ainda o celebre “ ca
minho velho" ( Piassaguéra ,) que do rio Ururay seguia, margeando a

(1) Em 1587 escrevia Gabriel Soares a respeito dos francezes


que “ muitos se amancebaram na terra, onde morreram , sem se que
rerem tornar para a França, e viveram como gentios com muitas
mulheres, dos quaes , e dos que vinham todos os annos a Bahia e ao
rio de Sergipe, em naus da França , se inçou a terra de mamelucos
que nasceram , viveram e morreram como gentios ; dos quais ha hoje
muitos seus descendentes, que são louros, alvos e sardos, tidos por
indios tupinambás, e são mais barbaros que elles.”
( 2 ) Este caminho da serra do Fanão, bem como os de Uba
tuba e Caraguatatuba, foram melhorados no tempo da capitania de
Itanhaen ; era por ahi que se estabelceia então o commercio das Minas
dos Cataguazes ( geraes ) com o littoral da mesma Capitania. Vide
obra citada .
269

cachoeira, até á Gróta -Funda, e dalli até ao alto ( Rio Grande e Cam
po Grande ) , d'onde se dirigia para Santo André e São Paulo de Pira
tiniga. ( 1 ) O caminho do Cubatão, depois aberto e melhorado, no
tempo de Anchieta , por ordem de Mem de Sá , onde hoje trafegamos
automoveis e é conhecido por Caminho do Mar, já existia nessa época
e só era trilhado pelos indios.
Foi pelo caminho velho ( Piassaguéra ) que Martim Affonso, seu
sequito e os primeiros missionarios Jesuitas , Leonardo Nunes, Dio
ser
go Jacome e Pedro Corrêa, em 1550, penetraram nos campos e
tões de Piratininga, antes de 1553 .
São estes, aliás, factos incontestaveis, como se podem provar, com
documentos só agora conhecidos .
Além do caminho de Piassaguéra e do caminho do Cubatão, no
mar de Santos, que são até hoje bem conhecidos, existiam , ao sul do
lagamar de São Vicente, outros “ caminhos do mar" que communi
cavam com os sertões do interior eе foram percorridos pelos pri
meiros povoadores e missionarios.
Entre estes, os mais notaveis são : o que da aideia de Imbohy
( ou Mboy ) e Santo Amaro, se dirigia a Itanhaen, conhecido por
Caminho do Gado do qual as sesmarias do tempo de Martim Af
fonso e os velhos documentos da Camara daquella villa nos dão 10
ticia ( 2 ) .
Essa antiga " estrada” foi ainda melhorada, após a Independen
cia , pelo engenheiro Porfirio, a mandado do governo Provincial; mais
tarde, 1885, o deputado dr. Cunha Moreira, residente e proprietario
em Itanhaen, por verba votada pela mesma Assembléa Provincial,
mandou tambem melhorar o camiriho da serra, desde o alto até
o “ Porto Velho" , á margem do Rio Branco. Foi por esse caminho do
mar, de Itanhaen, que o celebre caudilho, Bartholomeu Bueno de
Faria , subdito da capitania de Itanhaen , residente em Jacarehy, desceu
em 1710, com o seu troço de indios e tropas de muares para tomar a
Praça de Santos e levar o carregamento de sal , para abastecer as po
voações do interior, como é bem conhecido. Foi ainda nessa mesma

( 1 ) Hoje estação da São Paulo Railway.


(2) Na sessão de vereança da Camara de Itanhaen , de 2 de
Outubro de 1838, leram-se dois officios do Cap. João A. de Paula
Oliveira, Inspector das Obras Publicas da mesma villa , communicando
á Camara que tinha concluido aabertura da picada que communi
cava aquella vilia com a Capital, pela villa de Santo Amaro
Em outra vereança desse mesmo anno, o respectivo presidente
José Pedro de Carvalho dizia que " se désse cumprimento á por
taria do exm, snr, presidente da Prov.", ordenando a factura da' mes
ma estrada . "
- 270 -

“ estrada " , perto da Praia Grande, que a escolta, vinda de Santos, o


prendeu, oito annos após, o crime por elle praticado. ( 1 )
E' por este “ caminho do Gado" , que os moradores do Alto da
Serra, do districto de Santo Amaro e Itapecirica , desciam e descem
ainda, com animaes, para Conceição e Praia -Grande .
No meio da praia de Peruhybe ( Paraná -mirim ) existe ainda um
caminho de penetração, partindo do porto de Piassaguéra ( porto ve
lho ) que se dirigia para o sertão, em rumo de noroeste, conforme se
nota no mappa geral da Commissão Geographica , dessa região de
Itanhaen .
Esse “ caminho velho" , faldeava as serras do Bananal e Cahépupú
até o entroncamento com a cordiiheira maritima ( tapera do Indio
Roque ) dirigindo-se dalli para os sertões de Sorocaba, Araçariguama,
Ararytaguaba. etc. E'ra nessa região, cortada pelos dois caminhos
do gado e da aldeia velha ( Paraná -mirim ) que estavam situadas
as minas de Araçoiaba e as legendarias terras aurificas de “ Botuca
varú ” , “ Lagoa Dourada" e outras, das quaes os aranseis ( roteiros
antigos ) nos dão noticias . O morro e cachoeira do “ Mineiro ” nas
proximidades de Mongaguá, entre Aguapehy e Rio Branco, indicam
ainda , na nomenclatura geographica de Itanhaen , a preoccupação,
constante dos seus primitivos povoadores .
As serras dos Itatins , no littoral de Itanhaen entre Gua
rahú, Una do Prelado, Pagaoçá e Juréia e os affluentes do Juquiá,
São Lourencinho, Itariry e Guanhanhã , tinham “ fama de occultar the
souros " , como é bem conhecido. Nesses rios ainda hoje se extrahein
pequenas parcellas de “ ouro de lavagem " e outros mineraes .
A ribeira de Iguape com seus numerosos affluentes, como tenta
culos sugadores, estendidos em todas as direcções, foi, nesta região
da Capitania de Itanhaen , a parte que mais attraiu a cobiça dos po
voadores e principalmente dos primeiros aventurieros, ávidos de " ou
ro e de escravos ” .
São tambem conhecidos os caminhos de penetração que, desde o
tempo da descoberta, se dirigiam para o sertão do noroeste, pelo Ju
quiá, até ás vertentes do Paranapanema. As vias fluviaes e as “ veredas
indigenas” que de Xiririca, Iporanga, Apiahy se encaminhavam para
Itapeva da Faxina e sertões do Avaré, em Paranapanema, eram tam
bem muito afamados em noticias de minas auriferas. O morro de Vutu
póca , as Grutas Calcareas e as Minas de Chumbo no Iporanga ; as
minas de Apiahy – o morro do ouro ! e tantos outros indicios que

(1) Ao tratar de " Villa de Itanhaen " nos occupamos detalhada


mente deste notavel episodio occorrido no tempo da “ carestia do sal" .
- 271

já se manifestavam nos primeiros dias do povoamento, deviam , como


já se disse, fascinar os luzitanos e castelhanos dessa primeira época .
0 mar pequeno de Cananéa ” , a ligar- se com o estuario de So
peragy ( Paranaguá ), com seus caminhos para as terras dos Carijós,
passando por Curityba, Umbotuva, em direcção aos cursos do Tibagy,
Cinzas e Paranapanema, ou ainda, do lado opposto, com o Iguassú e
seus tributarios, era tambem, nesse tempo, um ponto do litoral em
grande evidencia, para os " sonhadores de thesouros e caçadores de
indios ” .
Foi, como já se disse, nas serras de Paranaguá, proximo a Anto
nina, “ o local onde se extrahiu o primeiro ouro no Brasil” , conforme
indica o citado mappa que se acha no Instituto Historico de São Paulo,
publicado pela primeira vez , na Memoria “ Capitania de Itanhaen ” .
Nesse mesmo mappa antigo, na secção que trata da topographia da
villa de Guaratuba, estão bem indicados os logares em que se extrahia
o ouro, bem como o “ Posto do Registro” onde se fiscalisava o rendi
mento das minas da Capitania de Pero Lopes de Souza.
O nome de “ Serra da Prata ” , dado a essa zona orographica, con
forme se vê do dito documento, demonstra que tambem houve alli in
dicios desse metal precioso .
Os hespanhoes e portuguezes encontrados por Martim Affonso,
nesta parte do litoral, já conheciam todos esses pontos e faziam res
gates com as tribus desses sertões .
Pedro Corrêa, Francisco de Moraes Barreto e outros, aprezadores
e vendedores de escravos, haviam já destruido as aldeias de indios
situadas ao sul de Itanhaen , quando Martim Affonso, depois de seu
regresso de Piratininga tratou de fundar alli uma povoação, com
estava povoado de aldeias, que pouco a pouco se foram extinguindo,
seu respectivo propugnaculo. ( 1 )
Antes de aportarem a estas plagas os primeiros descobridores, já
todo o litoral , desde Cabo Frio a Santa Catharina ( nesta região ) ,
pela devastação operada pelos conquistadores .
Os nucleos indigenas de Bertioga e São Vicente , onde domina
vam os grandes chefes Piqueroby, Cahuby e outros, foram logo des
truidos pelos invasores .
No local da extincta aldeia de Tumyarú, residia nesse tempo,
1532, o portuguez Antonio Rodrigues, parceiro de João Ramalho . Ro.

( 1 ) Conforme consta da obra de Gabriel Soares, do “ Quadro


Historico da Provincia de S. Paulo " de Machado de Oliveira, da dita
" Memoria sobre as aldeias de indios da Provincia de S. Paulo”, bem
como da “ Noticia Racionada” sobre as mesmas aldeias, do mesmo
auctor, etc. (Ver a “ Villa da Itanhaen " , parte que se refere ás al.
deias, no litoral da mesma villa, antes de sua fundação .)
- 272

drigues estava vivendo maritalmente com a filha do chefe Piqueroby,


que não se quiz alliar aos portuguèzes, como fizeram Tibiriçá e

Cahuby. A prova mais cabal da existencia e desapparecimento do gran


de nucleo indigena, em Tumyarú, são os objectos de arte indigena
igaçabas , idolos e mais utensilios de ceramica encontrados nas exca
vações antigas e recentes que alli se tem feito, no prolongamento
da antiga rua do Porto e rua Capitão -mór Aguiar .
Parte desses tumulos indigenas, igaçabas e mais artefactos de ce
ramica, foram recolhidos pelo Major Sertorio , ha trinta ou quarenta
annos , para o seu museu particular, transferido depois para o do Ypi.
ranga ( 1 ) .
O outro importante nucleo, de aldeamento primitivo, era o que
estava situado á margem esquerda da fóz do rio Itanhaen, no mesmo
local onde surgiu a terceira villa fundada por Martim Affonso de
Souza .
Esse grande aldeamento e outros que lhe ficavam ao sul, em
Paraná-mirim , Peruhybe, Guarahú e Una da Aldeia ( já na foz da Ri
beira de Iguape ) foram todos devastados pelos regulos e aventurei.
ros, conforme já ficou dito .
Diz o autor da citada Memoria sobre sa “ Aldeias da Provincia
de São Paulo" que o capitão Francisco de Moraes Barreto, compa
nheiro de Martim Affonso, “ levou a ferro e fogo os indigenas que alli
em Itanhaen deparou , subjugando os que não puderam fugir
e com estes, sob a misera condição de escravos, erigiu a aldeia que
foi conhecida com o nome de Itanhaen, derivada da tribu que ante.
riormente tivera por solar aquelle territorio" .
Se este capitão, que deu predicamento á villa de Itanhaen, como
governador de São Vicente, assim procedia para com os indios do
littoral, que se poderia esperar de seus subordinados ?!
Do que foi o aldeamento de Itanhaen, antes da descoberta e po
voamento, pelos luzitanos, poder-se-á hoje fazer uma idéa pelas igaça
bas e mais artefactos de ceramica encontrados nas excavações alli
e inesmo
procedidas ultimamente, no perimetro das novas edificações
na parte antiga , edificada ha perto de quatrocentos annos .
São realmente adiniraveis as ornamentações gregas e arabescos
graphados nesses tumulos e vasos de ceramica que guardam ainda
os despojos dos grandes chefes indigenas, dos quaes Anchieta nos

( 1 ) Das ultimas excavações que alli se têm feito, para os lados


do Sambahetuba, pudemos recolher ainda alguns fragmentos dessas
igaçabas e escudellas, com bellos ornatos, que conservamos em nosso
Estudio. Guardamos tambem, com extremo carinho, fragmentos de ar
mas e idolos, em ceramica , recolhidos das excavações praticadas na
base do morro, proximo ao porto de Tumyarú .
- 273 —

dá noticia . Nas cartas do thaumaturgo, referentes á catechese em


Itanhaen, encontram -se minuciosas referencias de alguns desses an
tigos pagés, por elle catechizados nessa villa, e reconduzidos do ser
tão, alguns com mais de cem annos de idade. Eram os remanescentes
do " antigo povo " .
O que mais se admira nesses vasos prehistoricos são o brilho
intenso do colorido, principalmente do vermelho - pompeiano, cuja con
servação é perfeita , as camadas de tinta-esmalte branco, resisten
tes á humidade e á acção corrosiva dos seculos ; a nitidez e deli
cadeza dos traços, a habilidade com que foram delineados os bellos
e caprichosos ornatos, principalmente o estylo a que obedecem, o
qual tanto tem de grego, de arabe ou egypciano. E ' simplesmente
admiravel !
Tudo isso, tão digno tão importante, como as bellas collecções de
“ Ceramica de Marajó ” , avaramente guardadas no “ Museu Göeldi”
do Pará . -estão infelizmente sendo espatifadas aqui em São Vi
cente e em Itanhaen, pela inconsciencia dos almocreves e do alvião, e
dispersas em mãos dos curiosos, sem que os poderes publicos, compe
nossas re
tentes, lhes liguem a minima importancia, não obstante as
clamações ( 1 ) .
Não se allegue que os museus de São Paulo e Rio de Janeiro
estão já enriquecidos com collecções de artes enthnographicas dos
nossos aborigenes, não, pois que OS tumulos encontrados em São
Vicente e Itanhaen , como os que porventura se encontrem ainda, no
local da aldeia de Tibiriçá, em Piratininga ou alhures, representam,
mais que tudo, a arte prehistorica do primitivo povo sul americano
e têm valor identico aos monumentos de “ arte precolombiana " do
Mexico e Perú, ou pelo menos, da “ Ceramica da Ilha de Marajó”,
que alguns archeologos suppõem ser um producto da civilisação das
* tribus andinas" incas e aztecas descidas pelo Amazonas .
São pois esses artefactos indigenas as unicas reliquias que nos
restam dos primitivos habitantes dessas aldeias, destruidas pelos pri
meiros povoadores .
Os actos tão pouco humanitarios dos colonisadores lusitanos e de
seus successores, os bandeirantes paulistas, na caça dos indios e na

( 1 ) O dr. Florence, digno engenheiro do Estado, recolheu ul


timamente um bello fragmento desses vasos artisticos, em Itanhaen.
no intuito de levar ao Museu Paulista e os Prefeitos de Itanhaen e
São Vicente, estão actualmente, tratando de arrecadar esses objectos
e guardal-os convenientemente . O sr . Emygdio de Souza, ao cons
truir uns alicerces para sua casa, na Avenida Condessa de Vimeiro, en
controu um desses tumulos , ultimamente e o conserva em sua resi
dencia em Itanhaen .
- 274 .

destruição de aldeias, não constituem , afinal para essa época


motivos para grandes recriminações. Era a consequencia fatal do meio
e da propria expansão colonial “ a lei da absorpção do mais forte
contra o mais fraco ” , que ainda hoje se põe em pratica ( 1 ) .
Não devemos portanto maldizer, nem condemnar a acção dos lu
sitanos, e bandeirantes pois os casteihanos do Rio da Prata e princi
palmente os do Paraguay, bem assim os povoadores das costas do
Pacifico, desde o Chile, Bolivia, Perú, até ao Mexico, foram ainda mais
crueis para com os aborigenes dessas regiões, do que os nossos ante
passados .
Sabemos bem quaes foram as atrocidades praticadas contra os
indios, principalmente depois da expulsão dos missionarios Jesuitas,
quando essas reducções passaram para a administração civil dos cele
bres commendatarios.
Estas crueldades para com os indigenas do novo mundo, não
constituem privilegio da raça latina ; os anglo -americanos praticaram -n'as
com mais requinte .
Conforme o relato de alguns historiadores americanos que se
occupam da colonisação em seu paiz, existiam em voga , entre os po
me
voadores, aphorismos populares como estes : “ O indio é mau, o
lhor indio, é o indio morto " .
“ Matar um indio é tão pouco um assassinato como matar, com
a unha, uma pulga, um piolho ou bicho de pé” .
“ Pode-se, sem hesitar, affirmar, que na historia da colonisação,
diz outro historiador, em parte alguma as raças indigenas, foram tão
maltratadas como nos Estados Unidos . Nos Estados Unidos gasta -
ram-se não menos de quinhentos milhões de dollars nas guerras contra os
indios" ( 2 ) .
Esta lucta de exterminio contra os heroicos pelles-vermelhas e
outras tribus, durou , quasi até nossos dias , como é bem conhecido .
Em 1836, rompendo ( outra vez ) a guerra entre os indios chero
quezes e os Estados de Alabama e Georgia, J. A. Adams, então pre
sidente da Republica, assim se exprimia : “ A causa da guerra que
agora nos vemos forçados a sustentar, contra os cheroquezes, não é
outra sinão a nossa propria injustiça em sanccionar as atrocidades de

correr
( 1 ) Odesbravamento da Amazonia pelos cearenses, no
do ultimo terço do seculo XIX, facto dos mais notaveis da nossa ex
pansão , foi feito á custa do sacrificio dos indios. No alto Acre não
restam nem vestigios delles ,
(2) - “ Indianer and Anglikaner ", Braunschweig -- 1900, pag. 35.
- Frederici G.
- 275

Alabama e Georgia. Hoje a politica que seguis , a respeito de indios ,


cifra-se em arrancal-os todos da terra que pisam ” ( 1 ) .
Assim os miseros remanescentes dessa raça indiana, eram ex
tinctos ou repellidos para além do Mississipi, Missouri e Arkanzas.
Um “ homem de Deus” . pregador da seita methodista - com

o posto militar de major, assim respondeu aos soldados que queriam


“ dar perdão aos indios prisioneiros” : " Anathema seja lançado a
todo aquelle que tiver compaixão dos indios !" - e accrescentou :
“ não quero fazer prisioneiros..."
Assim praticavam os puritanos, emquanto os missionarios catho
jicos eram presos e desterrados da republica anglo-americana, por
" tentarem catechizar e proteger os indios" !
Na America do Sul fazia -se o mesmo !
Hoje, o governo dos Estados Unidos da America do Norte, pro
cura emendar suas faltas e expiar suas culpas, formando grandes
parques, onde manda erigir estatutas monumentaes em honra desses
chefes indigenas e seus missionarios ! Ainda bem !
Oxalá o Brasil e, principalmente São Paulo, o imitassem .

( 1 ) Smiths, Catlin , pag. 881.


CAPITULO XVIII

O indio e o pau -brasil constituiain então “ a unica ri


queza do pais ” . A lenda do “ El-Dorado " se evidencia
afinal, As minas auriferas nas duas donatarias. Da
dos estatisticos que mostram a " producção das jacidas au
riferas ". -- " A cultura agricola e a opulencia do Brasil
por suas drogas e minas " . O que escreve o historiador
Antonil, em 1711 , sobre este assumpto.As jazidas auri.
feras da donataria de Martim Affonso. Antonio Pinto
Coelho de Sotto Maior, capitão mór da villa de Cocacs
co sabio naturalista Von Martius. Os escravos afri
canos e o “ labor infernal das Minas”. Os descendentes
do ultimo governador da Capitania de Itanhaen .

Logo após a volta de Pero Lopes e Martim Affonso ao reino,


já todos os povoadores da Capitania de São Vicente e Santo Amaro
estavam convencidos que a unica riqueza da colonia era “ o indio e ...
o pau - brasil" .
Reclamavam os povoadores ao rei e aos respectivos donatarios,
successores destes dois irmãos, na segunda metade do seculo dezes
seis , que não lhes tolhessem a faculdade do “ resgate " com Os sel .
vicolas e a liberdade das entradas; pois si isto ihes fosse vedado.
promettiam abandonar a terra, visto não poderem sustentar suas la
vouras sem a " escravaria ” .
A cultura agricola e a industria os engenhos de assucar
bem como os generos do paiz, o milho, o algodão, o fumo e mais
especiarias, eram ainda por demais incipientes. A pecuaria estava ape
nas iniciada no Engenho de São Jorge ( S. Vicente ) em Itanhaen e
Piratininga.
1 extracção do pau-brasil era então a unica industria , o unico
commercio que a colonia mantinha com a metropole, conforme se de
- 277 -

prehende dos antigos documentos e, principalmente, do inventario de


Mem de Sá . Este governador, de parceria com o fidalgo D. Antonio
de Mariz, organisou uma sociedade ou empreza no Rio de Janeiro,
cujo principal producto de exportação, consistia no lenho rubro ou
pau de tintura,
A extracção deste producto, porém, na Capitania de São Vicente ,
estava circumscripto á zona de Cabo Frio e Macahé, pois que dahi
para o sul o lenhọ rubro se ia tornando escasso .
Para manter a cultura da canna do assucar e outros cereaes , bem
como para procura e extracção do pau-brasil , era necessario o con
curso do braço escravo. O indio, porém , de 1550 em deante, já se
mostrava esquivo e desconfiado e ... revoltava - se contra os invasores
de suas terras .
De volta dos mares da Asia, em sua primeira viagem , o primeiro
donatario reconhecia que sua colonia vicentina pouco havia prospera
do, o que, certamente, o levou a desfazer-se da parte que lhe tocava,
na parceria do Engenho de São Jorge, que só mais tarde, em mãos
extranhas, deveria prosperar .
Quando o seu parente e amigo o Conde de Castanheira se
propunha a adquirir um latifundio na vasta capitania de São Vicente,
respondia -lhe Martim Affonso que, não só parte, mas toda a Dona
taria lh'a cederia de bom grado. Isto demonstra bem o desanimo e a
desillusão no animo abatido do primeiro donatario de São Vicente,
pelas cem leguas de costa que lhe tinham sido doadas por D. João III .
Seus herdeiros e descendentes, durante mais de meio seculo ain
da, conforme se vê dos primeiros capitulos deste volume, pouca ou ne
nhuma importancia ligaram as terras que constituiam o maior e 0
mais rico patrimonio do morgado de Alcoentre. Só despertaram “ do
longo lethargo ", depois que as minas de Cataguazes nas Geraes
vieram , de novo , “ avivar -lhe a cobiça " . - Sem ouro, sem prata ,
Brasil seria intoleravel ... -
O ouro produzido então, pelas minas , nessas duas donatarias e no
Brasil , conforme escreve Capistrano de Abreu, na “ Historia Colo
nial", escapa a qualquer avaliação exacta .
Levando em conta uma série de dados, Calogeras calcula que
Goyaz e Matto -Grosso, desde o começo da mineração até 1770, deram
um producção total de 9.000 arrobas e, daquella data a 1822, mais
uma 10,500 arrobas, que prefaziam, ao todo, duzentos e noventa mil kilo
grammas .

Em Minas Geraes, avalia-se em sete mil e quinhentos arrobas, des


de o inicio até 1725, que foi a época em que D. João V “ sequestrou
para sua corôa , toda a donataria de Martim Affonso " denomina
da Capitania de Itanhaen .
- 278

Nos annos seguintes, só no periodo de 11 annos , renderam essas


minas de Cataguazes, seis mil e quinhentas arrobas. Até 1820, a ex
tracção total em Minas, deveria andar por cincoenta e uma mil
e quinhentas arrobas .
O rendimento dos dizimos , bem como o tributo que se cobrava
das entradas de generos e toda especie de mercadorias consumidas
nas regiões auriferas da Capitania, taxas de escravos, gado vaccum ,
muar e cavallar, passagens nos rios Sapucahy, Verde, Mortes, Gran .
de, Parahyba, Velhas , Urucuyba, Baependy, etc. , montavam tambem
a centenas de arrobas de ouro .
Era , emfim , verdadeiro El Dorado ! Era o fagueiro sonho
que se realisava ! Eram as minas tantas vezes rebuscadas pelos pri
meiros povoadores e aventureiros que, só agora, tão deslumbrantes
em sua evidencia, se manifestavam, devido unicamente á tenacidade e
audacia dos bandeirantes paulistas !

Não era só o immenso producto das minas auriferas, que na ul.


tima metade do seculo XVII , e no inicio do seculo seguinte, attes
tavam já as opulentas riquezas das Capitanias do Brasil , disputando
a cobiça do mundo inteiro .
No livro escripto por André João Antonil, ( 1 ) e publicado em
1711 , sob o titulo “ Cultura e Opulencia do Brasil po rsuas Drogas
e Minas ”, lê-se uma serie interessante de dados estatisticos sobre os
principaes productos da época . A obra de Andrioni é dividida em
cinco partes , e trata de engenhos de assucar, fumo, gado, minas, etc..
Sem amplificações , em forma tersa e severa diz Capistrano
de Abreu adunava elle algarismos e mostrava o Brasil tal qual se
apresentava, á visão de um espirito investigador e penetrante .
Fica va- se então sabendo da existencia de cento e quarenta e seis
engenhos, só na Bahia , com a producção annual de quatorze mil e
quinhentas caixas de assucar ; de duzentos e quarenta e seis engenhos
em Pernambuco , produzindo dez mil e tresentas caixas ; de cento e
trinta e seis engenhos no Rio de Janeiro, produzindo dez mil duzen
tas e vinte . Sommava tudo trinta e sete mil e vinte caixas, de trinta e
cinco arrobas cada uma, apurando Rs. 2.535 :142$800 .
Andrioni não nos dá, infelizmente, as rendas dos importantes
productos das Capitanias paulistas, que deveriam ser, tão ou mais
importantes, que as de Pernambuco e Bahia .

( 1 ) Diz Capistrano que André João Antonil é o pseudonymo


ou anagramma do benemerito jesuita João Antonio Andrioni.
279

Em S. Paulo, desde 1587, segundo informam Anchieta, o padre


Fernão Cardim, padre Balthazar Borges e Gabriel Soares, já se culti
va va a terra com muito proveito. Entre os principaes “ generos
do
paiz ” avultava o cultivo do trigo, da cevada ,da uva, oliveira, etc.
Mais tarde, segundo outros chronistas, foi tambem notavel a pro
ducção do chá e mais espiciarias da India.
O maior é mais importante commercio das Capitanias paulistas ,
nesta primeira época, foi a cuitura da canna de assucar e da mar
mellada que eram exportadas em caixas. Sobre este ultimo producto
a marmellada a Camara de São Paulo legislou e tomou me
didas energicas contra os falsificadores, em consequencia do desen
volvimento e procura do producto, nas demais Capitanias e mesmo
nas metropoles . A pecuaria teve tambem sua época e com ella se
desenvolveu a industria dos “ Cortumes” , sobretudo das celebres
" pelles de porco " , com as quaes se faziam os encoostos das “ cadeiras
de espaldar " , que ainda hoje são bem conhecidas em todo o Brasil.
A Bahia produzia vinte e cinco mil rolos de fumo, Pernambuco
e Alagoas, dois mil e quinhentos, rendendo annualmente Rs...
334 :650$000.
Para avaliar o gado, bastava lembrar, diz o mesmo historiador,
que os milhares de rolos de fumo iam encourados, para bordo dos
navios. Além disso, exportava - se, da Bahia , cincoenta mil meios de
sola, e quarenta mil de Pernambuco e Rio, tudo na importancia do
Rs. 201 :800 $000 .
“ E não são todos estes 3.743 :972 $800 da opulencia do Brasil , que
vão engrossar os réditos de Portugal , não incluindo aqui o grandioso
3
producto das minas..."

As minas da Capitania de Itanhaen , situadas em uma parte do


territorio de Cataguazes, que tanto impulso deram á villa de Tau
baté ( rival da villa de São Paulo ) , emquanto estiveram fazendo parte
da mesma donataria, passaram depois a fazer parte da Capitania de
Minas Geraes .
Foi dessa data em deante que as demais villas ribeirinhas ao
Parahyba, cahiram em decandencia, visto que o commercio das la
vras passou então a ser feito pelo districto do Rio de Janeiro, já
tambem desmembrado da dita donataria de Martim Affonso .
As jazidas auriferas em Minas continuaram , porém , a ser ex
ploradas, mesmo depois da descoberta das ricas minas de Cuyabá
e Goyaz .
280

Foi para essas minas de Pitanguy, da antiga Capitania de Ita


nhaen, que se retirou desilludido, em 1721 , o ultimo governador de
Itanhaen, Antonio Caetano Pinto Coelho de Soutto Maior, quando
se viu desautorado pelos camaristas de Taubaté e desprestigiado pelo
Capitão - general de São Paulo, Rodrigo Cezar de Menezes.
Vejamos, pois, em que estado se achavam ainda as riquissimas
lavras, em Minas Geraes, na antiga Capitania de Itanhaen, no inicio
do secuio XIX, quando nellas habitava um illustre descendente de
Antonio Coelho de Soutto Maior, ultimo governador de Itanhaen .
Ao descrever a villa de Cocaes, conta-nos o sabio naturalista
Von Martius, um dia: ogo que tivera com o neto do dito governa
dor de Itanhaen :
“ Ao chegar a Cocaes, refere Martius disseram- me que o
Capitão -mór, Felicio Coelho Pinto de Soutto Maior, estava em sua
propriedade de Cachoeirinha , para onde me dirigi, pois não é longe
do Arraial . ( 1 )
" Lá cheguei ás 5 e meia da tarde, mandei -lhe a carta de apre
sentação do Capitão -general D. Manoel Portugal .
“ Appareceu logo o Capitão-mór e, com muitas amabilidades, me
fez entrar em casa, excellente edificio de nobre aspecto, mobiliado
sumptuosamente .
“ Declarou que estava á minha disposição e mandou que me
levassem ao quarto de hospedes onde encontrei dous escravos desti
nados ao meu serviço . Era este aposento ricamente adornado de finos
moveis e bellos cortinados e espelhos ; o leito era de baldaquim e im.
menso, de jacarandá macisso, sobre um estrado, munido de ricas col
chas e cobertas.
Mudei de roupa e vim á varanda conversar com 0 meu hos
pedeiro .
“Era o Capitão-mór, um homem de fidalgo aspecto, muito cor
tez e attencioso, alto, com a bella barba branca bem tratada, vestido
com simplicidade e apuro . Chão e singelo, notei logo, por isso, que
não era destes que apreciam as liberdades e familiaridades excessivas.
“ Serviu -me um excellente jantar, mostrando, á mesa, os habitos
perfeitamente correctos e europeus em que se comprazia.
" Finda a nossa refeição, voltamos ao terraço ; os negros da sua
lavra recolhiam -se ás senzalas ; pareciam-me bem nutridos, mas com
aquelle ar de trisetza que tem todos os infelizes escravos dos mine
radores , sujeitos aos infernaes labores das minas.
Meus negros não trabalham em furnas , mas , sempre ao
ar livre ! ... disse- me o Capitão-mór com certo ar de orgulho .

(!) Arraial ou villa de Cocaes, em Minas.


- 281

“ Perguntei- lhe se estava satisfeito com o rendimento das lavras.


Disse-me que não. A mina está morrendo, mas ainda dá alguma
cousa ; recolhi o anno passado mil e seiscentas oitavas, quando, em
1808, tive onze mil oitavas e em 1806, treze mil !... 0 azougue está
carissimo e a minha cata está quasi na piçarra .
Meu irmão, breve, não poderá mais minerar; já perdeu uns
poucos de escravos asphyxiados nas galerias. Meu genro tambem
está tirando pouco proveito ...
“ Notei que, ao dizer isto, o Capitão-mór ficou profundamente im
pressionado. Não me faltam meios para adquirir outras jazidas ,
continuou elle, mas ... estou velho... E, depois, tenho tido grandes
desgostos, ultimamente, que me tiram a energia para um novo esta
belecimento . Tenho aqui uma installação que me custou para cima
de 200.000 cruzados. Aliás, já estou mais que habituado a estes loga
res ; aqui casei, aqui me nasceram os filhos, aqui perdi minha mulher..."
Os “ grandes desgostos” alludidos pelo Capitão -mór provinham,
diz Alb . Rangel das graves e desmoralisantes perturbações
da casa de seu filho, em São Paulo ( 1 ) .
Os escravos empregados então nos “ labores infernaes das minas" .
já não eram os miseros indios do paiz “ descidos pe os capitães-do-mat
to” , ou tirados das “ aldeias jesuiticas” que já estavam dispersas e

extinctas nessa época, mas sim, “ os negros ", trazidos das costas d'A
frica, que, apezar de sua robustez, morriam asphyxiados nas galeria,
e furnas, ou pereciam sob os maus tratos de seus desalmados se
nhores .
O ouro, arrancado assim do sólo, embebido e manchado com 0
sangue de tantas victimas, não trouxe e nem podia trazer o progresso
e almejada felicidade dos mineradores !
A verdadeira riqueza do paiz e principalmente o notavel surto
e progresso de São Paulo, só mais tarde, pela cultura da terra sob
o “ braço livre ", é que deveria manifestar- se, conforme já tivemos
occasião de referir em outros capitulos.

( 1 ). Este filho do Capitão-mór de Cocaes, neto do ultimo gover


nador de Itanhaen, era o alferes Felicio Pinto Coelho de Soutto Maior,
moço fidalgo, primeiro marido de D. Domitilia, a que foi mais tarde
• Marqueza de Santos” . Felicio estava casado ha poucos annos e,
desse infeliz matrimonio, houve tres filhos, antes de 1822. O alferes
Felicio, surprehendendo a mulher em adulterio com certo fidalgo por
tuguez, celebre em São Paulo , tentou assassinal-a, em flagrante, com
uma
ca; proveio dahi o processo de divorcio, ficando os filhos em
poder de D. Domitilia , já então amasiada com o imperado: D. Pedro I.
O alferes Felicio pediu remoção para Minas e foi viver em casa
de seu pai, desgostoso e acabrunhado por taes occorrencias e escan
dalos . Eram esses desgostos que mortificavam a alma do nobre e
austero fidalgo de Cocaes .
JSONAR19 AMALURI MARAWI

CAPITULO XIX

RELAÇÃO DOS GOVERNADORES - LOCO - TENENTES DOS


DONATARIOS DA CAPITANIA DE SÃO VICENTE, DESDE
1533 A 1624. ( 1 )

1.° Gonçalo Monteiro 1533 (2 )


2.• Antonio de Oliveira . 1538 (3)
3.° -

Christovão de Aguiar de Altero 1542 (4)


4.0 Braz Cubas 1545 (5)
11
5.0 Antonio de Oliveira ( 2.a vez ) .
1549 (6)
6.° Gonçalo Affonso . 1554 ( 7)
7.º Braz Cubas (2." vez ) . 1556
8.° Jorge Ferreira 1556 (8)
9.0 Francisco de Moraes Barreto 1559 (9)
10.0 Pedro Ferraz Barreto . 1562
11.° Jorge Ferreira (2.a vez ) 1567
12.° Antonio Rodrigues de Almeida . 1569
13.° Pedro Collaço Vilella 1571 ( 10 )
14. ° Jeronymo Leitão . 1573 ( 11 )
15.0 Antonio de Proença 1580
16.0 Jeronymo Leitão (2. vez ) 1583 ( 11 )
17. ° Jorge Correa 1592
--

18 . João Pereira de Souza . 1595 ( 12 )


19. Roque Barreto 1598
20.0 Diogo Lopes de Castro . 1602
21.0 Pedro Vaz de Barros 1602 ( 13 )
22. ° Roque Barreto ( 2. vez ) 1603 ( 14 )
23. " Pedro Vaz de Barros ( 2. vez ) 1605 ( 15 )

( 1 ) A “ Relação dos governadores-locotenentes das donatarias da


Capitaniade Itanhaen” já foi publicada no vol. I destas * Memo
rias", tomo XV da Revista do Inst. Hist. e Geographico de S.
Paulo, pag. 429–486 .
283

24.0 -- Pedro Cubas 1605 ( 16 )


25.º Antonio Pedroso de Barros 1607
26.° Gaspar Coqueiro . . 1608 ( 17 )
27.° Luiz de Freitas Matozo 1612 ( 18 )
28.° Nuno Pereira Freire . 1612
29. ° Roque Barreto ( 3.a vez ) 1613
30.º Francisco de Sá Sottomaior 1613 ( 19)
31.º Domingos Pereira Jacome 1614
32.0 Pedro Cubas , filho de Braz Cubas interino 1614
33.° Paulo da Rocha e Siqueira . 1615 (20 )
34.° Balthazar de Seixas Rabello . 1615
35.0 Gonçalo Corrêa de Sá . . 1617 (21 )
36.0 Martim Corrêa de Sá 1618 (22 )
37.° Balthazar de Seixas Rabello ( 2.a vez ) 1619
38.° Manoel Rodrigues de Moraes 1622
39.0 - João de Moura Fogaça 1622 ( 23 )
40.0 - Fernão Vieira Tavares 1622

GOVERNADORES DA CAPITANIA DE SANTO AMARO, A


QUAL, NESTE PERIODO 1624 EM DEANTE . PASSOU
A DENOMINAR- SE “ CAPITANIA DE S. VICENTE " , SOB
O DOMINIO DOS HERDEIROS DE PEDRO LOPES DE
SOUZA, CONDES DE MONSANTO E MARQUEZ DE CAS
CAES .

1.0 – Alvaro Luiz do Valle 1624 (24 )


2. Pedro da Motta Leite . 1628
3. Francisco da Costa 1628
4.° Antonio de Aguiar Barriga .
1638
5.° Pedro da Motta Leite 1639
6. Francisco da Costa 1640
7.0 Francisco da Fonseca Falcão . 1642
8.° Antonio Ribeiro de Moraes 1643
9.° Gaspar de Souza Ulhôa 1643 ( 25 )
10.º Jaques Feliz . . 1644 (26 )
11. Francisco Pinheiro Raposo 1644
12.0 Manoel de Carvalho 1647
13.0 Manoel Pereira Lobo 1648 ( 27 )
14.0 Antonio de Aguiar Barriga 1649 ( 28 )
15.0 João Luiz Mafra . 1649 (29 )
16.0 - Alvaro Luiz do Valle ( 2. vez ) . 1650
17.0 - Bento Ferrão de Castello Branco 1651 – (30 )
284

18.9 Francisco Alvaro Marinho 1652


19.0 Gonçalo Couraça de Mesquita 1654
20 . Simão Dias da Fonseca . 1656
21. Manoel de Sousa da Silva 1656 – ( 31 )
22.0 Valerio de Carvalho 1657
23.0 Jeronymo Pantojo Leitão 1658 ( 32 )
24.• Antonio Ribeiro de Moraes 1659 ( 33 )
25.° --- Jorge Fernandes da Fonseca 1660
26.° Antonio Raposo da Silveira 1662
27.0 Cypriano Tavares . 1665 ( 34 )
28.0 Thomaz Fernandes de Oliveira 1665
29. Agostinho de Figueiredo 1667 ( 35 )
30.º Jorge Bron 1668
31.º - Athanazio da Motta . 1670
32. Thomaz Fernandes de Oliveira ( 2.a vez ) 1675 - ( 36 )
33.° Diogo Pinto do Rego . 1679 ( 37 )
34. ° Pedro Taques de Almeida 1683 ( 38 )
35.0 Diogo Arias de Araujo . 1684
36.° Pedro Taques de Almeida (2.* vez ) 1685
37.° Felippe de Carvalho . 1687
38.° Manoel Peixoto da Motta 1690
39.0 Manoel Pereira da Silva 1692 ( 39 )
40.0 Manoel Peixoto da Motta ( 2.a vez ) 1692
41.0 Manoel Garcia 1694
42.° - D. Simão de Toledo Piza 1695 ( 40 )
43. ° Pedro Rodrigues Sanches · 1695 ( 41 )
44. ° Gaspar Teixeira de Azevedo 1698 ( 42 )
45.0 Thomaz da Costa Barboza 1702
46.0 Antonio Corrêa de Lemos . 1703
47. – José de Godoy Moreira . 1704
48.° – João de Campos Mattos 1707
19.º Francisco do Amaral Coutinho 1709 (43 )
SAMAN25:11

NOTAS EXPLICATIVAS

сие reforem aos Governadores-lóco -tenentes dos donatarios da


Capitania de São Vicente, desde 1533 a 1709.

(2) Gonçalo Monteiro era sacerdote, veiu na Armada de Martim Af


fonso e ficou como vigario de São Vicente. Após o desmorona
mento da primitiva villa “ engulida pelo mar ” , em 1544
mudou sua residencia para a povoação do Porto de Santos, dei
xando em S. Vicente, como vigario, o padre Simão de Oliveira,
( conforme consta de um livro da Provedoria -Mór da Fazenda
Real da Bahia , onde se vê o “ traslado do Regimento da Provedo
rias das Capitanias e villas do Estado do Brasil" , cujo docu
mento vae transcripto nesta Memoria, no capitulo que se refere a
“ Posse solemne dada ao Conde da Ilha do . Principe, na pessoa
do governador de Itanhaen - Luiz Lopes de Carvalho, na Ca
mara de S. Vicente.” - 1679 ) .
Gonçalo Monteiro concedeu muitas sesmarias em S. Vicente .
Foi vigario da vila de Santos de 1545 em deante, e vigario da
Vara ( Ouvidor do Ecclesiastico ) , conforme consta do " Processo
de João Cointac — Senhor de Baulés” , no qual Gonçalo Monteiro
lavrou uma sentença, a 14 de Maio de 1560, na vi.la de Santos.
( 3 ) Antonio de Oliveira, cavalheiro fidalgo, foi nomeado governador
por Provisão de D. Anna de Pimentel, passada em Lisboa a 16
de Outubro de 1538. Concedeu Sesmarias em S. Vicente .
(4) Christovam de Aguiar de Altero, Cav, fidalgo. Foi nomeado
por Provisão de D. Anna de Pimentel , aos 20 de Dezembro de
1542. Concedeu Sesmarias em S. Vicente e foi o primeiro juiz
ordinario da Villa de Santos ( juiz da vara branca ) .
( 5 ) Braz Cubas, Cav. fidalgo. Foi nomeado governador por Pro
visão de D. Anna de Pimentel aos 26 de Novembro de 1544 e
tomou posse em S. Vicente, a 8 de Julho de 1545. “ Supponho,
diz Fr. Gaspar em suas “ Notas avulsas" , que houve algumas
duvidas a respeito de sua posse ( na Camara de S. Vicente ) por
que não se achou presente o Capitão (seu antecessor ) , como
era de esty o. Seu antecessor ( Christovam de Aguiar ) tomára
posse em Março de 1543 e , como ainda lhe faltavam muitos mezes
para ajustar o triennio, pode ser que Braz Cubas tomasse posse
286

mais cedo do que devia e que por isso não lh'a quizesse dar
Christovam de Aguiar " .

( 6) Antonio de Oliveira. Foi, pela 2. vez, nomeado governador


pelo proprio Martim Affonso , por Provisão de 28 de Janeiro
de 1549. Apresentou a provisão em Santos, aos 27 de Maio de 1549,
" donde infiro diz Fr. Gaspar que tomou a posse alguns
dias antes, por que costumavam tomal-a na Camara de S. Vi
cente e depois se registrava a patente em Santos. Tudo cons
ta de uma certidão passada pelo escrivão da Camara de Santos,
Francisco Lopes, aos 2 de Abril de 1562. Archivo da Camara de
Santos Março 15, n.° 6.

(7 ) Gonçalo Affonso. Nem Fr. Gaspar, nem os demais chronistas de


S. Vicente, nos dão a data da Provisão deste Capitão Governador.
Na lista dos Capitães-móres que governaram a Capitania de S.
Vicente , dada por Azevedo Marques nos Apontamentos His.
toricos " , acha -se o nome deste governador 1654-1656 sem ,

entretanto , designar a data da Provisão .


(8 ) Jorge Ferreira, Cav. fidalgo. Ignora-se a da: a de sua Provi.
são nomeando - o Governador de S. Vicente. Declara em uma Ses
maria que éra Capitão - governador em ausencia de Braz Cubas.
“ Com poderes do governador- geral, D. Duarte da Costa, passou
uma sesmaria aos 20 de Julho de 1556. Passou outra sesmaria
a 9 de Agosto de 1557. sem fazer menção alguma a Braz Cubas,
nem elle podia estar ausente neste tempo porque a carta de 9
de Agosto foi registrada no livro da Fazenda Real, nesse mez,
pelo escrivão Alberto, que o constatára com o Provedor Braz
Cubas . Jorge Ferreira, ainda governava em primeiro de Fevereiro
de 1558 (com poderes do governador-geral) , porque nesse dia
passou uma sesmaria, na qual declara a fonte de onde emanava
a sua jurisdicção ( Fr. Gaspar, “ Notas avulsas” ). O chronista
vicentino tem razão no seu argumento, pois Braz Cubas não tinha
ainda, nesse anno, realisado a sua entrada no sertão, em busca de
ouro , a qual só se effectuou de 1559 em deante.
Engana -se o chronista, entretanto, ou é o proprio Jorge Fer
reira que claudica, quando diz, “ que era capitão-governador em
ausencia de Braz Cubas” , pois o seu antecessor no governo da
terra não era Braz Cubas, mas sim Gonça o Affonso e Antonio
de Oliveira , se bem que, nestas listas, estejam as vezes men
cionados os governadores da capitania de Pedro Lopes, confun
dindo-se com os governadores de São Vicente .
(9 ) Francisco de Moraes Barreto. Foi, segundo dizem Fr. Gaspar
e outros historiadores, o capitão que deu foral de Villa á Po
voação de Itanhaen, fundada por Martim Affonso. Antes dessa
época 1561 este Francisco de Moraes e outros aventurei
ros, portuguezes e castelhanos, haviam movido crua guerra ás al
deias de indios tupiniquins do littoral de Itanhaen, escravisan
do-os ; conforme se verá da parte destas “ Memorias ", que se
refere ao assumpto (vid. “ Vila de Itanhaen " ) .
287

Da carta que lhe escreveram os camaristas de S. Vicente


diz Fr. Gaspar -, para effeito de o depór, com o fundamento
de ter Moraes concluido o seu triennio, consta que Martim Af
fonso o provêra por trez annos e que tomára posse aos 30 de
Abril de 1561 , dia em que lhe escreveram a carta, a qual se acha
registrada no archivo da Camara , livro das vereanças que princi
pia em 1561 , a fg . 16 .
Avisaram ao Capitão Moraes que, se tinha outra provisão, a
mostrasse, para lhe darem cumprimento ; aliás fariam suas obri
gações, a qual era , juntarem -se com os Camaratis de Santos
elegeram outro capitão ( autor citado )."

( 10 ) Pedro Collaço Villela, Cav. fidalgo. “ A sua nomeação consta,


diz o citado chronista, do livro das vereanças de S. Vicente, fls.
17, que aos 11 de Maio de 1561 esteve presente na dita Ca
mara o Capitão Pedro Collaço. Não se acha o auto da sua elei
ção nem a sua posse , mas infere-se da carta citada, que as duas
Camaras de São Vicente e Santos o elegeram logo depois
de notificarem a Francisco de Moraes que tinha acabado seu tempo.
Vi sesmarias suas de 18 de Junho de 1562" .
Pedro Collaço Villela , foi quem concluiu a segunda Egreja
matriz de S. Vicente e mandou gravar a inscrição, na pedra da
frontaria desse templo, que agora se acha no Museu Paulista,
que diz : “ PEDRO COLLAÇO VILELLA, ME. MANDOU .
FAZER. NA . E'RA . DE 1.5.5.9 .” Foi este governador que, em
nome de Martim Affonso, concedeu as terras do rocio á Villa de
São Paulo de Piratininga.
( 11 ) Jeronymo Leitão. Era irmão de Domingos Leitão, fidalgo
da Casa de Sua Magestade - diz o dito chronista. “ Foi pro
vido pelo segundo donatario , Pedro Lopes de Souza, filho de
Martim Affonso de Sousa . Isto consta de muitas sesmarias.
Não apparece a sua provisão nem o auto de sua posse ; consta
porem . do termo da vereança de S. Vicente 3 de Novembro
de 1579 que elle já era capitão nesse dia. Do termo de ve
reança de 22 de Março de 1592, consta que ainda governava por
qu deram posse ao tabellião Francisco Torres, nomeado por elle."
o proprio Fr. Gaspar põe em duvida, em uma sub-nota ,
esta noticia, sobre o tempo em que Jeronymo Leitão exerceu o
seu mandato , em S. Vicente , conforme observa o Dr. Antonio
Piza ( Rev. do Inst. Hist . de S. Paulo, vol . V ) .
Realmente, a reação dos Governadores dada por este chro
nista e mesmo as demais, organisadas por Pereira Ciéto e Aze
vedo Marques, não estão completas e são confusas ; esta mes
mo que estamos organisando não estará isenta de erros e la
cunas, pois, como já observamos, os chronistas e historiadores
confundiam e confundem ainda governadores de S. Vicente,
com governadores de Santo Amaro e governadores de Itanhaen. —
O engano de Fr. Gaspar, foi o de omittir, no periodo de
1573—1593, o nome de Antonio de Proença que governou de 1580
a 1583 .
Neste periodo em que já se agita va em Portugal, e mesmo
aqui , sob o dominio hespanhol, o famoso litigio entre her
288

deiros de Martim Affonso e Pedro Lopes e que as duas do


natarias haviam passado para as mãos de “ um unico donatario "
Lopo de Sousa occorreram factos bem dignos de nota.
Durante taes balburdias, appareceu um dia em S. Vicente, um
aventureiro exhibindo aos camaristas uma Provisão ou – simples
procuração , passada por Lopo de Souza, na qual o investia
do cargo de seu lóco-ienente, ou cousa que o valha. Este indi
viduo chamava-se João Pereira de Sousa e , arrogava-se ainda, co
mo “apparentado com a nobre estirpe dos Sousas ”.
Uma vez empossado do alto cargo tratou de organisar uma
entrada no sertão, da qual fizeram parte alguns homens notaveis
desta época : João do Prado , Simão Borges , Vasco da Motta,
que foi mais tarde governador da Capitania de Itanhaen Se
bastião de Freitas e outros .
Nesse interim, chega a S. Vicente o Capitão Jorge Correa,
successor de Jeronymo Leitão, ausente da villa de S. Vicente,
por ter concluido o seu mandato , e exhibiu aos Camaristas a
Provisão de sua nomeação, passada por Lopo de Sousa. Só en
tão, é que se verificou, que a “ Previsão, concedida ao tal Capitão
João Pereira de Sousa, era falsa. O falso governador de São
Vicente foi afinal preso, no sertão, substituindo-o como chefe
da Bandeira o paulista Francisco Ferreira .
Consta que João Pereira de Sousa fôra processado e espiou
forca o seu crime de falsario. ( * )

( 12 ) João Pereira de Sousa . E' este o FALSO GOVERNADOR


do qual nos occupamos em nota anterior. Occupa elle o numero
14.º, na ordem estabelecida por Frei Gaspar : “ Relação dos Ca
pitães lóco-tenentes que governāram a Capitania de São Vi.
cente" . Esta Relação que consta das suas “ Notas Avulsas"
foi publicada na Revista do nosso Instituto, vol. V - 1899-1900
pelo dr. Antonio Piza, com annotações.
E' devéras extranhavel que nem o dito chronista benedictino,
nem
o Dr. Antonio Piza , com os vastos e profundos conheci
mentos que tinham da historia colonial , fizessem a menor alusão
ao facto, tão importante aliás, occorrido nessa época, com este
falso -governador ".
Vejamos pois o que diz o citado chronista sobre João Pereira
de Sousa : “ Tomou posse aos 14 de Março de 1615, foi nomeado
pelo governador D. Francisco de Souza para servir o cargo de
Capitão-mór com os adjuntos Simão Machado e João Baptista ...
( o terceiro nome está devorado por traças ) mandando suspender
a Jorge Corrêa e chamando-o á cidade da Bahia por capitulos
que de cá deram contra elle, dos quaes mandou devassar. Consta
do livro 7.º da Camara de S. Vicente " ,

( * ) O incansavel bistor ador paranaense Ermelindo de Leão, com a sua reconhe


cida compet ncia e erudição vem de publicar neste anno de 1903 , um opusculo “ Vultos
do Passado Paulista ", no qual relata parte deste importante episodio da nossa historia
colonial , ignorada ou esquecida pelos nossos historiadores e chronistas .
Chamanos para elle a attenção das pessoas que se dedicam ao estudo da Historia
Paulista .
289

No opusculo publicado pelo Dr. Washington Luis. em 1918,


como Prefeito de São Paulo, expiicando a nova monenclatura das
ruas, largos, avenidas, praças etc.", dadas pela Camara, em 1914,
vê-se o nome deste governador ( n.° 18, pag . 17 ) .
" João Pereira de Souza diz a nota commandou uma
bandeira que prelustou os mesmos sertões que a anterior."
Esta bandeira " anterior " foi organisada e capitaneada por
Domingos Rodrigues – diz a nota precedente Esta entrada
-

partiu de S. Paulo de 1599-1600 e andou tambem pelos sertões da


Parahyba, onde se achava em 12 de fevereiro de 1601 e recolheu
alguns soldados da bandeira de João Pereira de Sousa ...
Aqui parece haver erro ou confusão de datas, pois a entrada
de Domingos Rodrigues deveria ser posterior á entrada de João
Pereira : As notas de Fr. Gaspar não combinam tambem com as
demais, quanto ao anno em que João Pereira de Sousa foi nomeado
governador de S. Vicente ) .
A bandeira, de João Pereira, partiu diz ainda a nota
do Dr. Washington depois de 5 de Outubro de 1576. Este
homem já chegou a S. Paulo , por nomeação de D. Francisco de
Souza; e, a sua presença no commando de uma bandeira devas
sadora do sertão ignoto, mostra já a intervenção decidida de D.
Francisco de Souza para descoberta de ouro, prata e pedras
preciosas , supremo fim da actividade do tempo . A bandeira levou
o movel extensivo de fazer a guerra da Parnahyba. Esphacelou-se
por lá, tendo sido encontrados rastos della por outros que lhe
seguiram as pegadas .
Dessa bandeira foi soldado João do Prado, que falleceu no
Sertão em 1597 .
Uma filha de João do Prado, casada com Miguel de Almeida,
é o tronco da familia Almeida Prado ."

( 13 ) Pedro Vaz de Barros. Servio de Capitão e Ouvidor da Ca


pitania de S. Vicente , por Provisão de Lopo de Sousa, desde
1603 , e ainda serviu o cargo em 24 de Fevereiro de 1805, como
consta dos documentos da Camara vicentina .

( 14 ) Roque Barreto. Foi capitão e Ouvidor da Capitania de S.


Vicente , segundo consta do registro de sua Provisão, nos li
vros da respectiva Camara , aos 27 de Julho de 1603. Esta
Provisão já não foi dada por Lopo de Sousa e sim por Diogo
Botelho, governador-geral.
( 15 ) Pedro Vaz de Barros. Servio , pela segunda vez , o cargo
de Capitão e Ouvidor da mesma Capitania de S. Vicente, na
vaga de Roque Barreto .
( 16 ) Pedro Cubas Era moço fidalgo da camara de Sua Magestade
e alcaide-mór das Capitanias de S. Vicente e Santo Amaro :
em 11 de Julho de 1615, diz Fr. Gaspar, foi chamado pela Ca.
mara de S. Vicente para servir de capitão -mór da Capitania,
segundo consta do livro 9.9. Parece que não o reconhecia por
290

Capitão -mór a villa de Santos “ e isto pouco carece de exame” ,


observa o mesmo chronista vicentino.
( 17 ) Gaspar Coqueiro. Tomou posse e prestou juramento de bem
servir de Capitão e Ouvidor da Capitania de S. Vicente, aos 6
de Out . de 1607. Foi nomeado pelo donatario Lopo de Sousa e
concedeu sesmaria, conforme consta do liv. 9.º. A 20 de Fev
de 16 ... ( não se distingue o resto da data) concedeu ainda uma
sesmaria a Antonio Ferreira, etc ..
Fr. Gaspar suscita duvidas sobre a posse deste lóco-tenente
de Lopo de Sousa e accrescenta : consta do mesmo livro, da
Camara , que deram posse dos logares de Capitão e Ouvidor a
Antonio Pedrozo, aos 21 de Dez. de 1606, em virtude de uma
provisão de Lopo de Souza ; constando do mesmo livro que ti
nham dado ( tambem ) posse de Ouvidor a Zuzarte Lopes, aos
20 de Dezembro de 1606 por cas.... que nelle fizeram o dito
Antonio Pedrozo, a quem tinham dado posse de Capitão nesse
mesmo dia 20 de dezembro. A ' margem vinha uma cota que dizia
não valer o termo de posse dado a Zuzarte Lopes. Do mesmo li.
vro, a fs. 300, vem o requerimento que fez o procurador da
Camara de S. Vicente, aos 20 de Janeiro de 1607, no qual consta
que, na villa de Santos, não reconheciam por capitão, nem por
ouvidor a Antonio Pedrozo , por que ali servia de ouvidor Se
bastião Peres, e de capitão, Gonça'o de Pedroza ( notas avulsas ) " .
No volume I , do “ Registro Geral da Camara de S. Paulo " ,
pagina 141 , consta que Antonio Pedrozo era , em 1607, logar-te
nente de Lopo de Souza. ( Traslado da Provisão do tabelião
Simão Borges, de 11 de Agosto de 1607 ) . Estes documentos es
tão hoje publicados.
O nome deste governador Antonio Pedrozo não consta , nem
na lista de Fr. Gaspar nem da de Marcelino Pereira Cléto, muito
menos da lista -geral organisada por Azevedo Marques,
( 18 ) Luiz de Freitas Mattoso. Foi nomeado capitão-mór-governa
dor de S. Vicente por D. Luiz de Sousa, governador- geral da
Repartição do Sul, em 3 de julho de 1612. Um de seus pri
meiros actos foi dar provisão de Merinho da correição, em S.
Vicente, a Belchior Rodrigues, aos 5 de Agosto de 1612, se
gundo consta do livro 11.º das vereações .
( 19) Francisco de Sá Sottomaior Foi igualmente nomeado por
D. Luiz de Sousa, para capitão -mor-governador da Capitanii de
S. Vicente , aos 6 de Junho de 1613, o que foi cumprido, em
camara , aos 19 de Junho do dito anno.
( Consta do livro 11.º Notas avulsas ).
Em baixo vem esta nota : “ Este D. Luiz de Souza assistia
nesta Capitania e por isso estava nomeando capitães annuaes,
contra o estylo antigo cujas provisões erão por trez annos .
( 20 ) Paulo da Rocha e Siqueira. Cav. fidalgo, foi nomeado capitão
da Cap. de S. Vicente por provisão do Governador-Geral Gaspar
de Souza, em 18 de Setembro de 1614. Prestou homenagem nas
mãos do Governador-Geral, aos 25 de Setembro do dito anno.
291 -

Servio até o anno seguinte, em que foi suspenso e preso , por


provisão do mesmo Governador geral, datada de 12 de Julho de
1615. Esta ordem de suspensão e prisão cumpriu-se na Camara
de S. Vicente aos 13 de Novembro do dito anno, conforme
consta, diz o chronista, do livro 10.º.
( 21 ) Gonçalo Corrêa de Sá . Fidalgo da casa de S. Magestade, no
meado para o cargo de cap. mór da Capitania de S. Vicente
por provisão de D. Luiz de Sousa, Governador geral. A provi
são foi passada em Olinda, aos 4 de Fevereiro de 1617. Tomou
posse em 1.° de Julho do dito anno, livro 10.º Ausentando - se
para o Rio de Janeiro, passou Corrêa de Sá uma Provisão a Pedro
Cubas para governar em sua ausencia, as villas da marinha.
( 22 ) Martim Corrêa de Sá. Fidalgo da casa de Sua Magestade.
Foi nomeado Capitão da Capitania de S. Vicente, por alvará de
Sua Magestade, de 2 de Fevereiro de 1618, com a expressa clau
sula de que serviria por trez annos, se tanto durasse o litigio
que havia entre os donatarios. Foi cumprido e registrado o dito
alvará na Camara de S. Vicente, aos 11 de Novembro de 1620,
conforme consta do livro 12.º.
Pedro Cubas, moço fidalgo e Alcaide-mór da dita Capitania
foi nomeado Capitão da mesma por Martim de Sá, durante o
tempo de sua ausencia, por provisão de 20 de Dezembro de 1620,
a qual foi cumprida e registrada no dito anno, na camara de
S. Vicente .
Fr. Gaspar, ao dar esta informação sobre Pedro Cubas, en

caixada na parte que se refere ao Capitão Martim Corrêa de Sá,


ajuntou-lhe ainda esta nota que muito interessa ao assumpto
desta “ Memoria " .
E' pena , entretanto, que o documento do erudito chronista
vicentino não esteja completo, por estragos de traças ; diz ele:
Pedro Cubas, não tinha dado juramento na Camara de S.
Vicente, quando a ella veiu Manoel Rodrigues de Moraes tomar
a posse injusta da Capitania de S. Vicente, em nome do conde
de Monsanto , D. Luiz de Souza , com a provisão que por ele
mandou, ordenando aos camaristas e mais justiças de São Vi.
cente lhe dessem posse ; e escreveu á Camara que nada alterasse
a respeito do governo da Capitania. Porém , não obstante, pre:en
deu Moraes tomar posse de Capitão-mór sem provisão do conde
de Mon Santo nem do Governador geral, com o unico funda
mento de que o constituinte e o constituido faziam uma só pes
soa : e como el - rei , na confirmação da sentença, dizia que o
conde capitão e lhe dariam
essa procuração com este argumento per
suador aos vereadores que, sendo elle procurador deveria tam
bem ser capitão . Replicaram os ditos vereadores que o governa
dor geral mandava conservar tudo como estava . Respondeu que
a provisão de Martim de Sá trazia a clausula já referida , e
com a posse do conde sessária o litigio, estava portanto con
cluido o tempo da sua jurisdicção e governo. Mais assegurou aos
Camaristas que o governador geral mandára a di :a ordem por
comprazer com Martim de Sá ; que elle não podia fazer os
- 292

negocios do conde sem ser Capitão . Que lhe dessem a posse e


elle a ommodaria com o governador geral.
Com effeito, foi-lhe dada posse de Capitão -Mór e, fazendo a
Camara aviso a Martim de Sá , que se achava no Rio de Ja
neiro, e elle, por sua vez, ao governador geral ; este ordenou en
tão que depuzssem a Manol R. de Moraes e obdecessem a Mar
tim de Sá . Em consequencia desta ordem foi chamada Pedro Cu
bas á Camara de S. Vicente, onde deu juramento e ficou gover
nando com os sentimentos de Manoel Rodrigues, que pretendeu
ainda que o conservassem . Como não lhe fizessem o gosto , se al
terou, com tanto furor, que chegou a puchar pela espada, na
Camara ; desordem pela qual o autuaram os Camaristas, cujos
autos remetteram ao governador geral e ao donatario .."
O dito Martim de Sá nomeou para o substituir, em sua au
sencia, a Fernão Vieira Tavares. por provisão datada do Rio de
Janeiro, aos 9 de Abril de 1622 .
Cumpriu-se e registrou-se em Camara da dita villa, a 1.º de
Maio de 1622. livro 12.º

(23 ) João de Moura Fogaça. Tomou posse de Capitão e Ouvidor


da Capitania de S. Vicente, por provisão da Condessa de Vi.
mieiro D. Marianna de Sousa da Guerra -, datada de 22 de
Outubro de 1622 , conforme consta do dito livro 12 :", citado pelo
chronista Fr. Gaspar, que acerescenta esta nota : “ E' necessario
examinar 0 livro por que nelle achei uma provisão do Gover
nador-geral Furtado, na qual diz que provéra a Fogaça . E'
certo, que a Condessa o mandou por seu procurador, com cargo
de Capitão, e supponho que elle usou da industria de ir á Bahia
e pedir provisão ao Governador - geral Mendonça Furtado, porem
apresentaria na Camara a provisão da condessa . O dito governa
dor levantou a homenagem a Martim e mandou que Fernão Viei
ra lhe entregasse o governo .
Este Fernão Vieira se constituiu requerente do conde de
Monsanto, cujo direito foi sollicitar á Bahia, e vindo de la feito
provedor da Fazenda Real fez partilhas por parte da Relação,
como lhe propuzéra o seu odio e desejo de vingança ” .
Nos capitulos desta “ Memoria ” , que tratam desta importan
tc phase do litigio, entre os herdeiros de Martim Affonso e
os herdeiros de Pedro Lozes, vem relatado todos os porme
nores, da memoravel lucta entre estes governadores de São Vi
cente e os governadores de Santo Amaro, ou por outra , entre o
conde de Monsanto e a Condessa de Vimieiro.
Fogaça, repellido de S. Vicente, passa, em 1624, a exercer o
cargo, de lócu -tenente e governador, na villa de Itanhaen, eevada
pela condessa de Vimieiro á categoria de -- Sede de sua vasta
donataria
SONSULT

NOTAS SOBRE OS GOVERNADORES DA CA


PITANIA DE SANTO AMARO
a qual, de 1624 em deante, passou a denominar-se Capitania de S. Vicente

(24) Alvaro Luiz do Valle . Foi o primeiro governador, nomeado


pelo conde Monsanto, que tomou posse na Camara de São Vi
cente, a 24 de Julho de 1624, após a nova divisão entre as duas
donatarias 6 de Fevereiro de 1624 estabelecida na Barra de
S. Vicente, pelos procuradores e lóco - tenentes do Conde de Mon
santo . A villa de S. Vicente passa , de então em diante, a ser
a Sede da donataria dos herdeiros de Pero Lopes : não, como
nome de Capitania de Santo Amaro, mas sim como titulo de
CAPITANIA DE S. VICENTE. O primeiro acto de Luiz do
Valle foi nomear Lucas Rodrigues Cordova “ Alcaide-mór da
Capitania de São Vicente, segundo consta do livro 12.o da mesma
Camara de São Vicente, citado pelo referido chronista, em suas
notas avulsas.

( 25 ) Gaspar de Sousa Ulhôa. Era cavalleiro professo da Or


dem de Christo e fidalgo da casa de S. Magestade : foi nomeado
por provisão do Governador geral Antonio Telles da Silva, pas
sada na Bahia em tantos de Outubro de 1642, a qual se registrou
na Camara de S. Vicente aos 7 de Dezembro do mesmo anno .
Esie capitão estava provido por outros trez annos, diz Fr.
Gaspar, pelo Conde de Monsanto do que se lhe tinha passado
despacho ; porém, queixando-se a Camara de S. Vicente ao dito
conde do seu máo governo, pelos procuradores que foram a Lis.
boa tratar dos negocios respectivos aos jesuitas ( 1 ) mandou o
conde que se lhe observassem os despachos, quando os apresen
tasse , e em seu logar proveu , como capitão , a Francisco da Fon
seca Falcão, segundo consta de uma carta do mezmo conde es
cripta a 1.º de Dezembro de 1642, a qual existe no Archivo da
Camara de S. Vicente .
Aqui , a nota de Fr. Gaspar, não combina com a lista orga
nisada por Azevedo Marques que da o nome de F. Fonseca Fal
(1) Quando os Jesuitas foram expulsos de S. Paulo, em 1643 , os paulistas envia
ram a Lisboa dois emissaros Luiz da Costa Cabral e Balthazar de Borba Gato,
com as queixas que tinham contra os Jesuitas . E ' a estes emissarios que aqui se .
faz referencia. (Vid . " Hist. da Expulsão dos Jesuitas" , vol . III da Rev. do
Inst . Hist . de S. Paulo ) .
- 294

cão exercendo o cargo de Capitão em 1622, e sendo substituido por


Antonio Ribeiro de Moraes 1643
O erudito chronista vicentino, tão conhecedor e ao par das oc
correncias desta epoca, pois que ainda existia o precioso
archivo da Camara de S. Vicente por elle consultado, – nos
dá ainda, em suas notas avulsas , o nome deste governador
– Gaspar de Souza Uchôa exercendo o cargo em 1643 aos
14 de Setembro, em que “ tornou, por determinação do Ouvidor
geral, a servir de capitão-mór ........ dia, por patente ..." (0
resto desta nota, está, infelizmente, devorada pela traça ).
(26 ) Jaques Felix. Foi capitão-governador da Capitania de São
Vicente, desde 1644 a 1647 , conforme se verifica da lista que
vem nos Apontamentos Historicos ", de Manoel Eufrazeo de
Azevedo Marques, extrahida dos livros de registros de Sesma
rias , etc. Jaques Felix, foi povoador de Taubaté e de outras
villas da Capitania de Itanhaen . ( Vid . a Memoria -historica sob
este titulo . Rev. do Inst. Hist. de S. Paulo 1915 – pag. 551 ) .
Luiz Dias Leme. Foi tambem capitão -governador de São
Vicente, nesta época. Luiz Dias Leme terceiro avô de Fr. Gas
par “ foi estabelecido na villa de S. Vicente e Santos e ho
mem de maior respeito e autoridade que houve nesse lugar, ge
ralmente estimado por suas virtudes . Foi da governança da
terra etc ..." conforme affirmam Pedro Taques e Dr. Gonzaga
Leme, genealogistas bem conhecidos.
Foi ainda, este capitão, que acclamou o rei D. João IV, em
S. Vicente, em 1641 e fundou, nessa mesma época, a 2. capella
de Santa-Anna do Acarahú, nesta mesma Villa ( 2 ). O seu nome
não consta, entretanto , das listas que temos consultado e nem das
“ Notas” de Fr. Gaspar, já citadas.
( 27 ) Manoel Pereira Lobo. Foi provido em capitão-mór de São
Vicente pelo donatario Marquez de Cascaes, em carta-patente de
10 de Fevereiro de 1647. Cumpriu -se e tomou-se posse do man
dato em 1.9 de Junho de 1648. Manoel Pereira Lobo era cav. pro
fesso da Ord , de Christo .
(28 ) Antonio de Aguiar Barriga. Tomou posse de Capitão-mór go.
vernador de São Vicente a tantos de Maio de 1649, por provisão
do conde de Monsanto D. Alvaro Pires de Castro, sendo
passada em Lisboa a 21 de Outubro de 1649 conforme consta da
provisão de João Luiz Mafra, que o substituiu .
(29 ) João Luiz Mafra. Cav. fidalgo da casa de S. Magestade,
Foi nomeado Capitão -mór e locotenente do conde de Monsanto
por provisão de 21 de Outubro de 1649, com 300 crusados de or
denado, cada anno si tanto rendesse a Capitania, cada anno,
ao seu donatario (3)
(2) Vide “ Fazenda e Capella de Sant'Anna do Acarahú " Rev. do Inst . Hist.
de S. Paulo , vol . citado pags . 252 256 por B. Calixto .
( 3 ) Estas duas ultimas nomeações, affastam -se um tanto da crdem chronolo
gica da presente “ Relação ” . Nesta parte, o manuscripto de fr. Gaspar, traz esta nota
do Dr. Antonio Piz ?: ' “ Ha vidente contradicção entre os $$ 36 e 37 , que dão a
mesma pri visão de 21 de Outubro de 1639, nomeando os dois Cap'tães-Mores men .
cionados. Em relação ao $ 36 , a data está sublinhada para ser excluida " .
- 295

( 30 ) Bento Fernão de Castello Branco. Foi por provisão do go


vernador geral, passada aos 16 de Outubro de 1651 , a qual cum
priu - se na camara vicentina a 3 de Março de 1652 .
Bento Ferrão entrou na posse immediata do seu cargo e no
mez seguinte prestava mão forte ao ouvidor José Ortiz de Ca.
margo, por determinação do governador geral do Brasil, em
negocio de summa importancia, porém , que o conde de Castello
Melhor teve todo o cuidado de calar talvez por “nebuloso " , como
se vê pelo seguinte documento existente na Bibliotheca Nacional
e do qual o dr. Gentii de Moura nos enviou copia :
Carta do Conde de Castello Melhor , escripta da Bahia e di
rigida ao Capitão-Mór de S. Vicente, Bento de Castello Branco.
" O ouvidor que provi nessa Capitania Joseph Ortiz de Ca.
margo ha de pedir a V. M. ajuda e favor para dar execussão
certa ordem de serviço de S. M., a quem Deus guarde, que nes
ta occasião lhe encarreguei .
E' de grande importancia e conveniencia se haja nelle com
toda a cautella e silencio possiveis.
Logo que V. M. for communicado para ella lhe dê toda a
segurança que for necessaria e tudo mais que pela mesma ordem
se dispõem para que, por todos os convenientes que puderem ser
mais efficazes, se consiga serem feitas e fique enxergando que
corresponde em esta primeira acção a confiança que faz da sua
pessoa para o governo desta capitania, em que diga o acerto mais
certo a se lograr o principio delles com o bem que lhe ha de
resultar de ter o intento de ordem e fins que se pretende. N. S.
em Bahia , 8 de abril de 1652 – conde de Castello Melhor."
( Biblioteca Naciona! Documentos historicos, fol. 161. Cod .
I -4-1-42 ) .
( 31 ) Manoel de Sousa e Silva. Foi provido em capitão -mór da Ca.
pitania de S. Vicente por patente de S. Magestade de 25 de
Novembro de 1656, a qual se cumpriu e registrou na mesma
Camara aos 22 de Abril de 1657. Diz o citado chronista : Sen
do Manoel de Sousa da Silva capitão, em S. Vicente, foi se
metter a frade, segundo consta de uma carta escripta aos cama
ristas, da mesma villa. Não consta em que religião professou."

(32 ) Jeronymo Pantojo Leitão. Tendo sido nomeado por uma pro
visão do governador geral , Francisco Barreto, de 6 de Ou
tubro de 1657, para que, vagando, na Capitania de S. Vicente,
qualquer dos cargos de capitão -mór, provedor da Fazenda Real ,
ou sargento -mór, elle entrasse a servir por virtude desta pro
visão, que apresentou na Camara de S. Vicente e se cumpriu aos
6 de Janeiro de 1658. Nesse dia tomou elle a posse de Capitão
mór-governador .
(33) Antonio Ribeiro de Moraes. Por provisão de Salvador Cor
rêa de Sá e Benevides, governador geral , passado dos 4 de Ou
tubro de 1659 e cumprido e registrado na Camara de S. Vicente
aos 19 de Dezembro de 1659. - ( Archivo da Camara da dita
villa, livro 14.º ) .
296

( 34 ) Cypriano Tavares . Era casado, em S. Paulo , com Catharina


da Ribeira, filha de Amador Bueno da Ribeira o acclamado –
Foi nomeado Capitão-mór da Capitania de São Vicente por pro
visão do governador geral, Salvador Corrêa e Benevides, da
tada do Rio de Janeiro, 31 de Dezembro de 1661. Fez home
nagem pela mesma Capitania, nas mãos do dito governador, em
1.º de Janeiro de 1662. A sua provisão foi cumprida e regis
trada, em S. Vicente, aos 29 de Janeiro do mesmo anno, tomando
posse nesse dia . Continuou a servir no mesmo posto por outra
provisão que se passou a 22 de Junho de 1665, a qual se cumpriu
e registrou na mesma Camara, aos 18 de outubro do dito anno
de 1665 .
( 35 ) Agostinho de Figueiredo. Por carta patente de Sua Magestade
de 29 de Maio de 1665, ou 1667, tomou posse do governo da
Capitania de S. Vicente .
Sebastião Velho de Lima serviu tanbem no posto de ca
pitão-mór desta Capitania, na ausencia de Agostinho de Figuei
redo, quando esteve no sertão, na diligencia de descobrir minas
de ouro e captivar indios . Estava já de volta, em S. Vicente, quan
do se deu posse a Jorge Bron ou Athanazio da Motta que foram
seus successores .

( 36 ) Thomaz Fernandes de Oliveira . Foi nomeado por carta patente


de sua altesa real (4 ) passada em Lisboa aos 8 de Julho de 1675
e foi empossado na Camara de São Vicente -- como capitão-mór
e governador da Capitania, a 17 de Fevereiro de 1675 .
( 37 ) Diogo Pinto do Rego. Por carta patente do mesmo principe
regente D. Pedro ( vid . nota abaixo ) datada de 4 de Novembro
de 1677, foi nomeado governador desta Capitania de S. Vivente,
e tomou posse a 28 de Dezembro de 1678, na respectiva Camara.
(38 ) Pedro Taques de Almeida . Foi nomeado governador da Ca
pitania de S. Vicente por provisão do dito governador geral,
passada aos 8 de Outubro 1683, a qual foi cumprida e regis
trada na camara desta villa aos 4 de Março de 1684, data em
que tomou posse do cargo. Pedro Taques de Almeida era filho
de Lourenço Castanho Taques e de D. Maria de Lara, todos de
S. Paulo. Foi commandante da fortaleza do Itapema , em Santos,
provedor da Fazenda Real, Juiz da alfandega e veador da gente
da guerra , na Praça de Santos e Cap. mór e governador da Capital
de S. Vicente, com 80$ de soldo annual, desde 1684 até 1687 .
E'ra ainda alcaide-mor e administrador das aldeas do real pa
droado, por carta- régia de 13 de Set. de 1701 , etc.
Era avô de Pedro Taques de Almeida Paes Leme, o historiador
e genealogista paulistano.
(39 ) Manoel Pereira da Silva. Por patente do governador geral.
passada a 10 de Outubro de 1690 , foi nomeado capitão-mór go
(4 ) Era o principe D. Pedro, por deposição de seu irmão D. Affonso VI . Foi
proclamado chefe e como tal governou o reino até 1683. Neste anno, tendo sido o rei
Affonso VI deposto , o principe, seu irmão , foi proclamado rei com o nome de D.
Pedro II .
- 297

vernador da Capitania de S. Vicente e tomou posse do referido


cargo aos 11 de Fevereiro de 1691 .
Diz Fr. Gaspar, que este capitão-mór, falleceu em Santos e
foi sepultado na egreja de São Braz ( ? ) da villa de Santos, em
campa pequena , junto ao altar de Nossa Senhora do Pilar. Cons
ta que já era morto aos 24 de Janeiro de 1692. “ Por morte des
te capitão refere ainda o chronista houve grandes duvidas
entre a Camara de S. Vicente e o sargento -mór Domingos de
Araujo . meu bisavô materno, a respeito da successão ao go
verno .
A camara de S. Vicente apossada pela familia dos da
Guerra teimava em que a ella, como cabeça de Capitania,
competia o governo, tanto militar, como politico de toda a Capi
tania . Domingos de Araujo, sargento-mór, a quem seguia toda
a mór parte da Capitania e a familia de seu genro, José Tei
xeira de Siqueira, nunca consintiu que a dita camara se in
tromettesse no governo militar, que suppunha pertencer -lhe pela
razão de ser elle o primeiro official da guerra depois do Ca
pitão-mór governador .
Foi o caso, por aggravo, á Relação da Bahia, na qual se
decidiu que, o governo militar, na falta do capitão -mór, per
tencia ao sargento-mór pago, da Capitania, e o politico a cada
uma das Camaras, em seus respectivos districtos .
O Governador geral reprehendeu então severamente aos ca
maristas de S. Vicente... Domingos de Araujo, pela razão de
ser sargento -mór da Capitania, tomou posse do governo militar,
aos 24 de Janeiro de 1692 .
( 40) D. Simão de Toledo Piza. Foi o successor de Manoel Pei.
xoto da Motta, que exerceu o governo da Capitania, por pa.
tente régia de 1691 a 1692, e do capitão Manoel Garcia que tam
bem serviu nesse tempo 1694 .
D. Simão de Toledo Piza foi provido, por patente passada
por Sua Magestade, no posto de Capitão -governador da Capitania
de São Vicente, a 3 de Dezembro 1695 e tomou posse do referido
cargo, na dita Camara de S. Vicente, a 8 de Julho de 1696 .
Era filho de outro D. Simão de Toledo Piza e de D. Gar
cia da Fonseca Rodovalho, fidalgos hespanhoes, descendentes le
gitimos da illustre casa dos condes de Oropeja e duques de Alba
de Tormes. Casou na Capitania de S. Vicente, em S. Paulo,
com D. Maria Pedrozo 12 de Fev. de 1640. Foi figura no
tavel nessa época, em S. Vicente, e mesmo depois, na Capitania
de S. Paulo, onde occupou cargos importantes, conforme se vê
dos annaes da historia paulistana, que constam destas “ Memo
rias " .

(41 ) Pedro Rodrigues Sanches. Foi provido por carta patente de


Sua Magestade, passada a 9 de Dezembro de 1691. Tomou posse
como capitão-mór- governador da Capitania de S. Vicente aos 8
de Julho de 1693, na camara desta villa, onde se registrou a
sua patente .
298 -

( 42 ) Gaspar Teixeira de Azevedo Foi capitão-mór-governador da


Capitania de S. Vicente em 1697, conforme consta da “ lista de
Azevedo Marques" e de outros documentos da época ; não se
sabe, porém , o dia de sua posse e o tempo em que servio o cargo.
Parece -nos, entretanto, que o seu antecessor foi Pedro Rodrigues
Sanches, que tomou posse em 1693.
Gaspar Teixeira de Azevedo , era avó do celebre chronista
benedictino, Fr. Gaspar da Madre de Deus, que no seculo, se cha
mou, Gaspar Teixeira de Azevedo.
O capitão Gaspar T. de Azevedo foi tambem, n'essa época.
superintendente das minas de ouro e provedor da real casa de
fundição da villa de Paranaguá e coronel das ordenanças das
villas de Santos e S. Vicente . O seu nome , entretanto , não cons
ta da lista de Fr. Gaspar .

( 43 ) Francisco de Amaral Coutinho. Foi provido no cargo de


capitão-mor-governador da Capitania de S. Vicente por carta pa
tente passada pelo governador geral do Rio de Janeiro em 5 de
Fevereiro de 1709. Tomou posse na mesma camara de S. Vi
cente a 1.° de Março do dito anno .
Foi 0 ultimo governador e lóco -tenente dos donatarios, her
deiros de Pedro Lopes de Sousa, pois em 1711 , aos 19 de Setem
bro , o marquez de Cascaes vendia a “ sua Capitania de S. Vic
cente” , antiga de Santo Amaro, á coroa luzitania pela quantia
de quarenta mil cruzados .
De então em deante, a antiga Capitania de Santo Amaro ou
Capitania de S. Vicente, passa a dominar-se “ Capitania de S.
Paulo " .
Os ultimos governadores de São Vicente , deste periodo, após
o governo do capitão Gaspar Teixeira de Azevedo 1692 ..
foram os seguintes, conforme se vê da respectiva lista :
Thomaz da Costa Barboza, que foi nomeado por pa
tente do governador geral do Sul, passada a 20 de Agosto de 1700.
Antonio Corrêa de Lemos, por patente do mesmo go
vernador geral, passada a 2 de Março de 1703.
José de Godoy Moreira , por carta patente de S. Magestade,
passada em Lisboa aos 25 de Novembro de 1704.
- João de Campos e Mattos , por carta patente de Sua
Magestade , passada em Lisboa aos 22 de Outubro de 1707 e fez
homenagem nas mãos do governador do Rio de Janeiro .

RELAÇÃO DOS CAPITAES-GENERAES QUE GOVERNARAM A


CAPITANIA DE SÃO PAULO, DESDE SUA FUNDAÇÃO
1709 ATE' A' INSTALLAÇÃO DO GOVERNO PROVI
SORIO 23 DE JUNHO 1821
1.º

Antonio Albuquerque Coelho de Carvalho — Tomou posse a 18 de


Junho de 1710, e serviu até 30 de Agosto de 1717.
299

Braz Balthazar da Silveira. Tomou posse a 31 de Agosto de


1713 e serviu até 3 de Setembro de 1717 .

3.0
Pedro de Almeida Portugal, conde de Assumar. Tomou posse
a 14 de Setembro de 1717 e serviu até 4 de Setembro de 1721 .
Pedro Alvares Cabral. Foi nomeado para substituir o conde de
Assumar, mas não tomou posse do cargo .

4. °

Rodrigo Cezar de Menezes. Tomou posse em 5 de Setembru


de 1721 , servindo até 14 de Agosto de 1727. Este Capitão- general foi
quem, a mandato del -rei D. João V, “ sequestrou a jurisdicção dos
donatarios da Capitania de Itanhaen e deu baixa das autoridades no
meadas pelo governador de Itanhaen, Antonio Caetano Pinto Coe
lho de Souttomaior .
5.°

Antonio Luiz de Tavora, 4.° conde de Sarzedas. Tomou posse a


Agosto de 1727 e serviu até 14 de Agosto de 1732.

6.°

Antonio Luiz de Tavora, 4. ° conde de Sarzedas . Tomou posse a


15 de Agosto de 1732 e serviu até 29 de Agosto de 1737. Falleceu nas
minas de Goyaz, no arraial de Tarayras .

7.

Gomes Freire de Andrade, depois conde de Bobadella. To


mou posse, interinamenete, a ! ." de Dezembro de 1737. Foi mais
tarde Governador-Geral do Rio de Janeiro e de S. Paulo, mas não re
sidiu nesta cidade .
8.°

Luiz de Mascarenhas , depois Conde d'Alva . Tomou posse


a 12 de Fevereiro de 1739 e serviu o cargo até Agosto de 1748.
Mais tarde foi Vive -rei da India . A carta régia de 9 de Maio de 1748 ,
supprimia o cargo de “ capitão -general da Capitania de São Paulo " e
conferio o governo desta aos governadores do Rio de Janeiro , fi
cando um governador de São Paulo, com residencia em Santos , su
jeito ao governo do Rio de Janeiro .
300

Este estado de cousas, que se iniciou após a administração de


D. Luiz de Mascarenhas 1748 prolongou-se até 6 de Janeiro de
1765. Uma carta-régia, dessa data, restabelece o governo, separan
do da Capitania de S. Paulo e nomeia para capitão-general o go
vernador seguinte :
9.º

Luiz Antonio de Souza Botelho Mourão, Morgado de Matheus


Tomou posse em Santos ( que era então a séde da Capitania ) aos
22 de Julho de 1765. Este governador serviu até 13 de Junho de 1775 .
10. °

Martim Lopes Lobo de Saldanha. Tomou posse a 14 de Junho


de 1775 e serviu até 15 de Março de 1782. Este capitão-general e seu
antecessor já residiam em S. Paulo, onde então se tornou celebre,
pelo seu despotismo e pelas accusações que fez, ao vice-rei do Rio de
Janeiro, contra D. Luiz de Souza, em 18 de Novembro de 1775,
conforme consta deste e outros documentos, dessa época nefasta para
a Capitania de São Paulo . Um dos actos que mais celebrisou o Ca
pitão-general Martim Lopes, em S. Paulo, foi o enforcamento do co
nhecido “ Caetaninho ”, em 1781 , que tanto emocionou os habitantes
desta cidade.
Caetaninho, ( Caetano José da Costa , nat. de S. Paulo ) , era 0
trombeta da legião-paulista de voluntarios reaes, camarada e com
panheiro de troca” do Cap. Antonio Lobo de Saldanha , filho do Go
vernador . Soffreu pena de forca por ter repellido uma “ affrunta de
seu superior ” Antonio Lobo em uma noite de pandega, na fre
guezia de São Bernardo .
11.º

Francisco da Cunha Menezes. Tomou posse a 16 de Março de


1782 e serviu até 4 de Maio de 1786. Foi tambem governador da India.
12. •

Marechal José Raymundo Chichorro da Gama Lobo. Tomou


posse interina, a 5 de Maio de 1786 e serviu até 4 de Junho de 1788.
Este governador observa Azevedo Marques por ser Cavalheiro
de Malta , antepunha ao seu primeiro nome o de Frei e por isso alguns
historiadores o mencionam com o nome de Francisco José Raymundo.
13.°

Bernardo José de Lorena. Tomou posse a 5 de Junho de 1788


e servio até 27 de Junho de 1797. Passou depois para a Capitania de
- 301

Goyaz. Entre os seus trabalhos, feitos em S. Paulo, avulta o da aber


tura da nova estrada Caminho do Mar até Cubatão , cujos ves
tigios ainda são notaveis na serra de Paranapiacaba ; executou ainda
outras obras e melhoramentos uteis á Capitania de S. Paulo .
14.0

Antonio Manoel de Mello Castro e Mendonça . Tomou posse


a 28 de Junho de 1797 e serviu até 10 de Novembro de 1802. Era
conhecido por Pilatos . Foi mais tarde removido para Moçambique, na
Africa , onde falleceu .

15.º

Antonio José da Franca e Horta . Tomou conta do governo a


10 de Dezembro de 1802 e serviu até 31 de Outubro de 1811 , com
intervallo de Junho a Outubro de 1803, em que esteve com licença.
Nesse pequeno periodo, o governo da Capitania de S. Paulo foi re
gido, interinamente, por um triunvirato composto do Bispo D. Ma
theus de Abreu Pereira, Ouvidor, Miguel Antonio de Azevedo Veiga
co Intendente da Marinha, José Maria Couto. Este triumvirato du
rou até a nomeação do
16 °

Luiz Telles da Silva, Marquez de Alegrete. Tomou posse a


1.º de Novembro de 1811 , servindo até 20 de Agosto de 1813. Luiz
Telles foi depois nomeado governador da Capitania do Rio Grande
do Sul, sujeito ao governo do Rio de Janeiro. Ficou substituindo, inte
rinamente, no governo desta Capitania paulista, um outro triumvirato
composto ainda do Bispo D. Matheus, do Ouvidor, Nuno Eugenio de
Lossio e do Intendente da Marinha, Miguel José de Oliveira Pinto. Este
governo interino durou até 8 de Dezembro de 1814.
17.•

D. Francisco de Assis Mascarenhas, Conde da Palma. To


mou posse a 8 de Dezembro de 1814 e servio até 24 de Abril de
1819. Foi depois removido para governador da Bahia e obteve o titulo
de Marquez da Palma.
18.°

João Carlos Augusto de Oyenhausen Grevenbourg, depois Mar


quez de Aracaty. Tomou posse a 26 de Abril de 1819 e servio,
no governo da Capitania , até 23 de Junho de 1821
Nessa mesma data assumiu elle as redeas do Governo Provisorio,
eleito pelo povo e tropa de São Paulo .
- 302

João Carlos Oyenhausen esteve fazendo parte deste governo, como


presidente, ( ás vezes substituido por seus immediatos ) até 10 de Se
tembro de 1822 .
( Vide Azevedo Marques Governo Provisorio " . Monsenhor
Pizarro Mem. Hist. do Rio de Janeiro. - " Quadro Historico"
Machado de Oliveira. Archivo da Camara Municipal de S. Paulo.
“ Registro Geral ” da mesma Camara. " Revista do Inst. Hist. de
S. Paulo " . " Documentos Interessantes" do Archivo Publico de
S. Paulo, etc. ) .
FAGUNDES VARELLA
PELO

Dr. AFFONSO DE FREITAS JOR .


( MEM BRO EFFECTIVO DO INSTITUTO )
SAMSUNANIM

FAGUNDES VARELLA

Luiz Nicolau Fagundes Varella, filho do Dr. Emiliano Fagundes


Varella e de D. Emilia de Andrade, nascido a 17 de Agosto de 1841
em Rio Claro, na então provincia do Rio de Janeiro, veiu para S.
Paulo em 1860 aos 19 annos de idade, concluindo aqui o seu curso de
humanidades e matriculando -se no primeiro anno da Academia de Di
reito, em 1862, e não em 1865 como affirma Visconti de Cuaraci,
Conta um dos biographos de Varella que o inspirado vate iniciara
sua vida academica da maneira a mais brilhante : ao ser examinado
em francez, ultimo exame a prestar para admissão ao curso supe
rior, foi-lhe por sorte designado um trecho de poesia . Immediata
mente verteu-o Varella em excellente vernaculo com applausos dos
examinadores e circumstantes.
E assim foi , realmente. Mas , em Fagundes Varella, agitavam -se,
perennemente, duas personalidades distinctas e antagonicas. A dis
ciplina de francez revelou á Academia o genio de Varella ; a de
geometria denunciou o bohemio incorrigivel em sua selvatica e de
molidora independencia .
Chamado á prova escripta no exame dessa materia, enquanto
seus condiscipulos traçavam laudas de calculos, escrevia elle uma ode,
á Euripedes, em latim e affirmava, em bom portuguez, a desneces
sidade dos exames : Juvenal nunca os fez e foi um genio, disse elle
encerrando a prova .
Bicho ainda , iniciou Luiz Nicolau sua vida literaria publicando
na Revista da Associação Recreio Instructivo, a poesia “ Vem !..."
onde a bohemia do estudante desregrado é supplantada pela ingenui
dade da alma sonhadora do poeta.
“ Vem !...” era dedicada a celebre mundana Ritinha Sorocabana
e é toda um appello de redempção á formosa e fascinante rainha da
Paulicéa brejeira de 1860-1870.
306

Porque te afogas oh ! irmã dos anjos


Nas ondas negras de um viver impuro
E as santas formas do cinzel de Deus
Manchas do vicio no recinto escuro ?

Empirea flor, ao perpassar dos ventos


Porque te banhas em paúes medonhos,
Quando existencias de teus labios brotam ,
Quando teus olhos realisam sonhos ?

E ' tempo ainda ; nos salões da vida


Rasga essas sedas que predizem prantos,
E' a nova aurora que te aguarda, eleva
Como a florinha os divinaes encantos.

Esta poesia veio a lume em Julho de 1861 e apparece desdobrada


em duas sob os titulos " *** " e “ A uma mulher" nas “ Obras completas” .
Quem desdobrou, alterou , poliu a primitiva poesia ? Por certo que
Varella . Mas nesse caso cae por terra a affirmativa de Manoel Antonio
dos Reis e outros seus biographos de que Varella jamais corrigiu ou
castigou suas producções.
“ A uma mulher" abre com a seguinte estrophe que se não encon
tra em **** " ' :

Não ! ... Não arredes da verdade os olhos


Ella foi sempre da belleza o thesouro :
Porque mentir ? As illusões se acabam
E a vida passa como um leve sonho.

As quinta e sexta estrophes de

Oh vem ! minh'alma de teu riso escrava


Sobre o passado correrá um véu,
Então verás de teu viver mulher
As nuvens negras se afastar do céu .

Vem ! que me importa o murmurar das turbas,


Dos homens todos o desdem profundo,
Quando no ermo a teus sorrisos, fada ,
Verei de novo rebentar um mundo ?

são as mesmas terceira e quarta de “ A uma mulher " em mais brilhante


lapidação :
Sim ! ... vem , minh'alma de teu riso escrava
Sobre o passado correrá um véo,
E tu verás como a esperança volta
E a nuvem negra desassombra o céo.
307

Vem ! que me importa o murmurar do vulgo ,


Dos homens todos o desdem profundo,
Quando no ermo o teu olhar sublime
Verei das trevas rebentar um mundo ?

A ' excepção das 1.*, 2.*, 4.a, 7." e 16.º estrophes de *** que se
não encontram em " A uma mulher ”, e da 13." que apparece em ambas,
sem alteração , as demais foram aproveitadas na segunda poesia depois
de mais trabalhadas na forma e nas ideas .
Tambem " O Vagalume" publicado pela primeira vez no " Recreio
Instructivo” n. 2, anno I, de Agosto de 1861 com as suas seis estrophes
sómente, não é bem “ O Vagalume” das “ Obras Completas " em oito
quadras

A tribu das mariposas ,


Das mariposas azues ,
Segue teus gyros no espaço ,
Astro de pallida luz.

Esta mimosa poesia, recitava Varella em suas serenatas pelas var


zeas do Pary, em companhia do musicista Emilio do Lago, sonhador
e poeta, de Henrique Levy, eximio clarinetista, de Luiz Gama, de Ame
rico de Campos, Huascar de Vergara, artista do lapis e de Ferreira
de Menezes, o sublime folhetinista mas , a posterior lapidação deu á suave
quadrinha a bellissima forma definitiva

A tribu das mariposas,


Das mariposas azues ;
Segue seus gyros no espaço .
Mimosa gotta de luz .

Escreveu depois “ Bonaparte” , que é a mesma poesia “ Napoleão "


das “ Obras Completas”, “ OVagalume", “ Inah ”, “ Tristezas” , “ Esther”,
“ Ruinas da Gloria " , " Palavras de um louco " , “ Acusmatas ” , etc., tudo
em S. Paulo em 1861-1862.
" Acusmatas ”, que se não deve confundir com o poema do mesmo
titulo, e “ Palavras de um louco " – foram as primeiras paginas de
prosa publicadas por Varella, apparecendo ambas na Revista da As
sociação Recreio Instructivo, a segunda em Setembro de 1861 e a

primeira em Julho do anno seguinte.


O que era Fagundes Varella prosador, avalia-se pelos periodos
que transcrevemos :
308

ACUSMATAS

As estrellas desmaiavam no céu, e o manto transparente das bru


mas envolvia os cimeiros da serra ; -- , grillo solitario modulava a
sua cantiga monotona entre as hervas do prado, e a cachoeira soluçava
melancholicamente em seu leito de pedras.
Minh'alma estava triste.-- triste como a solidão e a morte ;-meus
olhos procuravam debalde lavar a téia do passado com torrentes de
lagrimas .
Entre circulos brilhantes surgiam vertiginosamente os espectros
de minhas mais doces illusões , --as esperanças solevantavam-se febren
tas e vivas como os espiritos do sarcasmo para zombarem de minha dor.
Deixei -me cahir soluçando sobre a relva. Um profundo torpór
apoderou -se de meu corpo, sem comtudo paralysar minhas faculdades
intellectuaes, que pelo contrario se desenvolveram com espantosa in
tensidade.
A natureza parecia então levantar -se luminosa e phantastica como
um sonho da febre, as harmonias cruza vam -se em harmonias, e
cada reino se accordava para depor um poema nas azas da viração .
A ’ medida porém que este universo de maravilhas me fascinava
os sentidos, uma dôr insensata rebentava em meu coração, e parecia
requeimar -lhe as fibras com suas linguas de fogo .
E o pranto não cessava de correr-me dos olhos, e as lamentações
de meu peito pejavam os écos da soledade.
De repente ouvi um estampido surdo e medonho como o annuncio
das tempestades ; os cedros seculares da floresta balancearam mys
teriosamente suas ramagens sombrias, e estas palavras soaram -me no
intimo d'alma : - Porque nos abandonastes, poeta ? Porque deixastes
a suave frescura de nossas sombras, e o harmonioso rumor de nossas
folhagens ? – Aqui tua mocidade teria passado limpida e tranquilla
como os arroios desconhecidos de nossos desertos , onde as flores se
debruçam e as rolinhas se banham nos ardores da sésta. As amarguras
fugiriam de ti, e após longos annos de vida irias dormir socegado no
seio infinito de Deus ! Porque nos abandonastes , poeta, a rós que
te queriamos tanto ! ...
Então eu julgava descobrir nessas velhas arvores os traços es
morecidos de amigos que não via ha muito tempo, e as scenas de
minha infancia passavam deante de mim como um bando de aves de
arribação, e eu queria narcotisar todos os meus sentimentos, apagar
do livro da vida as sombrias lendas de minha peregrinação , e como a
phenix reviver de novo a esse tempo de crenças, entretanto era
tarde !
A floresta calava suas vozes exhalando um murmurio secco e
rouquenho, e as flores que dormiam á beira d'agua levantavam suas
cabecinhas perfumadas sobre as hastes humedecidas, e me diziam
baixinho : Porque nos deixastes , poeta ? Porque desprezastes
nossa belleza casta e silenciosa para decantar essas formosuras mun
danas que descoram na vertigem dos bailes , e mergulham -se no pó
sem ter bebido as perolas do orvalho ? - Nós te dariamos a felicidade ,
porque nós somos as flores , as estrellas da terra , – a crystalização
das lagrimas ethereas ; nós te contariamos legendas de amor e
- 309

Inundariamos de perfume tuas noites solitarias. Cada dia uma de nós


se ergueria como a odalisca formosa para te narrar uma historia de
nosso paiz, para abrir nosso seio orvalhado e revelar-te mysterios
sublimes ! Tu não o quizestes ! Debalde sacudiamos nossas fron
tes melancholicas, debalde enviavamos nossos effluvios como appellos
de amôr ! Agora o mundo queimou-te as azas e não poderás mais voar,
ó aguia desditosa !
Depois as flores occultavam-se na verdura , deixando na atmos
phera uma onda de perfumes, e a lagoa que resomnava entre as pal
meiras como a princeza asiatica no meio de seus eunuchos, estremeceu
em seu flancos e murmurou pela voz de suas aguas : Porque
fugistes de mim, estouvada creança ? Porque abandonastes minha
superficie placida e serena para te arrojares ao oceano do mundo,
onde debatem -se as tempestades, onde tremula o pavilhão da morte ?
Eu seria a imagem da tu'alma, o espelho de teus bellos dias .
Eu te acalentaria em meu collo como a ama á criancinha, eu te
beijaria os pés como um cão amoroso beija os pés de seu dono !
Quando a edade do amor tivesse chegado, tu erguerias em minha margem
uma casinha risonha entre phalanges de palmeiras , levarias para ahi
a tua noiva, e eu seria feliz de vos contemplar de meu leito de areias
errarem de manhan pelas campinas humidas de orvalho, cantarem
á noite ao som da viola a porta da cabana ! Achastes que era pouco
esta santa felicidade, o falso brilhantismo do mundo cegou -te para
melhor te conduzir ao abysmo! - Agora é tarde !
A lagoa calou - se exhalando um triste soluço, e as montanhas que
levantavam -se ao longe com seus turbantes de nevoas como os mu
sulmanos acocorados á porta da mesquita, sacudiram seus dorsos, e
rumorejaram com profunda tristeza : Nossas cumieiras estão ma
tizadas de flores . em nossos visos correm suavissimos regatos,
as brisas cochicham em nossos arbustos e os passarinhos pejam o ar
de melodiosas cantigas , entretanto tu nos abandonastes pelas grimpas
vulcanicas da gloria ! – Ah ! Porque o fizestes poeta ?! Nós te
vimos creança procurar a mais densa paragem da selva, embebido pelo
canto das aves, adormecer no mais elevado pincaro da rocha con
templando a planicie, e a faixa azulada ' dos mares, e as velas que se
perdiam entre o céu e a terra ! Nós te teriamos dado a felicidade !
A agua de nossas torrentes, as amoras de nossas florestas, os cantos
de nossos desertos despertam venturas que o mundo não comprehende.
Tu nos abandonastes , ingrato, agora tudo findou-se ! - E as
montanhas embuçaram -se no manto das nuvens, e calaram suas queixas
me ancholicas,
Depois das tendas dos forasteiros, alvas como as garças do
ermo, - dos saveiros que rolavam á mercê da correnteza, das chou
panas que repousavam entre os florecidos cannaviaes, levantavam -se
dolorosas lamentações e, em cada lamentação vinha uma lembrança
do passado e o solitario perfume de uma morta ilusão ! ...
Minh'alma adormeceu em meu seio, e meu sangue enregelou -se
aos bafos dos pesadelos, dormiu em corpo e em espirito.
o barulho dos carros e o ruido dos sinos me despertaram ,
julguei ter dormido como Epimenedes : levantei-me e caminhei para
a cidade, como o indio para deante das rodas do carro de Ingernaut...
- 310 -

A ' proporção que a alma do vate se abria e se dilatava nos mais


alcandorados estros do genio , o comburente cerebro do desorientado
bohemio levava-o a afogar-se em epicureas saturnaes que em phan
tasticas e lobregas extravagancias se nivelaram ás orgias da “ Chaca
ra dos Inglezes" presididas pelo genial sonhador das “ Noites na Ta
berna " .
Ainda preparatoriano mudara-se Varelia para o bairro do Cambu
cy onde erigiu um templo a Baccho e a Venus e meditou sobre as
“ Ruinas da Gloria ", phantasia em prosa que appareceu pela primeira
vez no “ Correio Paulistano " .
Suas producções literarias crearam-lhe amigos e admiradores : suas
extravagancias produziram alguns imitadores e innumeras desaffeições.
Em certa occasião, consta -lhe que respeitavel personalidade do
clero paulopolitano verberando - lhe os desregramentos chamara-o doido.
Varella toma da penna e traça a sua primeira pagina de prosa
destinada á publicidade, encetando uma polemica cujo desfecho ines
perado foi de algum modo salutar ao desvairado poeta , e escreve
então as

PALAVRAS DE UM LOUCO

Caminhar !... Caminhar ! ... Quando chegarei ao lugar do repouso ?


Quando poderei descançar minha cabeça escandecida pela febre ? Quando
dormirei eu ? Na immensidão dos desertos a columna de fogo guiava
os israelitas , a estrella polar conduz o nauta na solidão dos mares ,
ao clarão azul-pallido da luciola o viajor indiano caminha pelos
ermos , porém nas trevas de minha noite não ha estrella polar nem
columna de fogo, os meteoros esvaecem - se na minha estrada, os va
galumes se afugentam ao som de minhas passadas.
Vaguei desde as margens risonhas do Sena e do Tibre até ás
pestilentas bordas do Indú e do Ganges :
Desde o salão onde fulgem as luzes de cem cyrios até o tugurio
onde ferve a marmita ao fogão hei rastejado a fimbria de meu manto.
Como o – Ahsverus da legenda empoei os meus cabellos nas
cinzas dos imperios e reclinei -me nas sepulturas dos reis.
Bebi a sciencia de uma geração inteira, derramei ondas d'inspiração
ás turbas que me cercavam ávidas, e na pyra das artes fiz a heca
tombe de todas as minha illusões. E no entanto eis-me como Fausto
morto e gelado! O que ganhei de tudo isto ? Das precarias alturas de
sua vaidosa grandeza - a raça crapulosa me cobre de sarcasmos e
desprezos, os sabios improvisados riem-se de mim , e a turba que me
vê passar murmura escarnecendo - é um doido !
Doido, porque em vez de rastejar -me servil e submisso sobre
os regios tapetes, proclamei a liberdade e igualdade, porque em vez
de curvar a cabeça ao miseravel egoismo do seculo, sopeei altivo os
preconceitos sociaes, porque em vez de um punhal , uma penna
mercantil ou uma gazua , tomei uma lyra e desferi doces melodias !
- 311

Doido ! ... serei um doido, porque o labéo da maldição negreja a


fronte dos livres , porque a poesia, essa linguagem dos anjos é
manchada de despresos, porque o amor, a crença , a virtude,
são estupidas chimeras , porque o interesse é a lei , o ouro a di
vindade, o egoismo a virtude ! ...
Oh ! ... é verdade, eu sou um doido !

Minh'alma está morta no meu seio como o embrião da larva na


crysalida resequida, meu coração é a lagoa estagnada cheia de lodo
e parasitas aquaticos.
Como essas caveiras que ao sereno da noite alvejam no cemiterio,
minha cabeça está vasia e despida.
Mais desgraçado que René, mais incuravel que Harold o pere
grino, mais enfastiado do que Fausto, nas sombrias nuvens que me
toldam a fronte no meu gélido scismar, nem sequer brota o desejo, a
esperança de poder deslembrar-me tudo quanto hei soffrido.
Serião infructiferas para mim as orgias de Werner e Marlowe,
nem os festins illuminados dos Borgias, nem os milhões de Ro
thschild poderiam adormentar o cancro que me róe aqui dentro !

Como esses antigos philosophos pithagoricos, tenho entretanto na


mente a vaga recordação de uma era feliz vivida em um mundo de
maravilhas e encantos.
Como essas lembranças adormecidas que se nos despertam no
cerebro, quando aos tépidos raios da lua as flores da amendoeira e
da madresilva enviam aos sentidos seus humidos perfumes, assim
eu sinto ás vezes passar -me pela cabeça todo um cortejo de vividas
illusões e perfumados sonhos.
Oh ! eu vejo a tela do passado erguer- se adeante de mim, eu vejo ...
Sim , – era uma habitação pequena, alva , formosa , mysteriosa
mente occulta entre as folhagens das larangeiras floridas : atraz são
os coqueiraes que balanceiam nas nuvens a coma verde -escura como
os cocares de uma horda selvagem : aos lados - o rosmaninho e o
amarantho, - o jasmin e a rosa, a magnolia pallida e as amaryilis
borrifadas de oiro que riem-se á luz do sol e pejam a atmosphera de sua
vissimos perfumes ; na frente a tribu errante das andorinhas ras
teja a ponta das azas na placidez azulada de uma lagoa dormente ;
ao longe alveja o campanario esguio da igrejinha d'aldea, e entre os
festões de rosas brancas levantam-se as cruzes do cemiterio . Oh ! como
tudo é bello ! ... como no veo das recordações, tudo se baptisa de um
romantismo sagrado ! ...
Havia alli uma imagem de mulher bella dessa santidade das ma
donas, que de mãos postas contemplam o céo nos nichos de marmore
das cathedraes italianas ; lembra-me que, reclinado em seu regaço,
- ella passava suas mãos pallidas nas loiras ondas de meu anellado
cabello , embalava-me o somno em suavissimas cantigas, eu

The repetia feliz : - minha mãe ! ...


312 -

Depois era uma figura de virgem , branca, loira como um


sonho de Schiller, tinha nos olhos a pureza melancholica do azulado
do céo, no rosto toda a belleza plastica das concepções de Canova.
Parecia ter sido formada para viver a um continuo luar , alimentar
se com os suavissimos effluvios das accacias e das magnolias, — е

adormecer sobre coxins de neblina.


Uma noite, quando as estrellas tremiam como um bando de
abelhas de oiro pousadas no ceruleo manto, quando as brisas cho
ravam passando nas folhas lustrosas da madresilva, quando nos ares
soava a acusmatha melodiosa das harpas ethereas, lembra -me ter
cahido a seus pés e murmurado brandamente : eu te amo !
Da vaga transparencia desse poema passado, das brumas incertas
que envolvem essa região de magias, parece-me ouvir os languidos
suspiros do seio d'ella , e a voz harmoniosa, meiga como o halito
de um anjo, murmurar -me toda uma epopéa de infindas promessas.
toda uma eternidade de venturas !
Sim ! Lembra -me tudo isto ! Porém esse mundo desfez- se ; esse
poema de felicidades esfolhou-se no ranger de uma enchada,
ao cantico dos coveiros !
O epilogo está gravado na lousa dos tumulos !
Não ha peior miseria do que uma lembrança feliz nos dias de amar
gura ! Bem dolorosas, mas no entanto bem verdadeiras são estas pala
vras, não é assim , sombrio Alighieri ?
Oh ! Illusões !... Illusões ! ... A' vossa sombra adormeci como o
viajante da Asia debaixo das upas venenosas, absorvestes- me todas
as crenças , eivastes-me todas as esperanças !

Livido Manfredo, sombrio filho da descrença ! Porque entre as


nevoas da noite invocas os genios do topo das montanhas ?
Dos abysmos dos alpes e das grimpas do Jung-Frau os phan
tasmas acudirão á tua voz : o espirito dos mares deixará o seu
leito de perolas para te ouvir porém o esquecimento, esse 0

terás na poesia das sepulturas !.


Em vão te reclinas á sombra das florestas oh pallido René ! A
molestia que te consome não te deixará jamais ! Como os filhos de
Goethe e de Marlowe é forçoso pagar o teu tributo ao genio das des
venturas, descrente filho do mais fervoroso dos crentes,
Felizes são os que dormem debaixo da abobada das humidas ne
cropoles ; pelo frio sudario do cadaver as amarguras não calam , e
se a myrrha e a pancaia foram vedadas ao leito do morto, tambem o
absyntho não lhe mancha os labios,
Por alta noite o vento geme nas folhas do salgueiro, a caiigem
desdobra -se no céo, e a phosphorecencia doudeja na face do cemiterio ;
porém os que ahi dormem não suspiram nem choram, porque a
verdadeira felicidade está na insensibilidade do cadaver e na friez do
esquecimento !

Poesia ... Poesia ... Sabeis o que é a poesia, inexperientes man


cebos, --- cabeças loucas de exaltamento, almas baptisadas nas gottas
- 313 -

cálidas do sonhar deliroso de Lautréaumont. Sabeis o resultado dessa


vertigem que nos atordoa o espirito num momento, e imprime ao mundo
e aos homens as formas e proporções as mais enganosas ?
Sabeis o que é a poesia, desgraçados ?
A poesia é - a cabeça ensanguentada de Chénier, rolando atravéz
do fumo da revolução pelas duras escadas do patibulo.
E' Chatterton o moço, que mergulha nas törvas ondas do suicidio
a grinalda fanada de suas dezoito primaveras.
E' Gilbert que se estorce nas agonias da fome, entre as humidas
paredes de um escuro pardieiro.
E' Bocage, o loiro Cysne da Lysia que, no continuo expandir de
fervidas inspirações, enchera a patria de harmonias, e agora CO
berto de andrajos , incendido pela febre, resomna suarento sobre
os frios ladrilhos de um lupanar.
A poesia é Dovalle assassinado pela bala de um duellista ; é Job
Stern morto pelas decepções, é — Schelley atheo , é Byron descrido,
- é Nerval expirando na miseria !
Oh ! A poesia é uma maldição !
Sentira-o nos sombrios carceres Spielberg o resignado cantor de
Francesca de Remini, dissera o brilhante sonhador de Lallh- Rook ,
Tasso na prisão , Milton na obscuridade e Camões no hospital!
E' uma epidemia cruel que lavra desde Homero o mendigo, Ovidio
o desterrado, até Lamartine errabundo e Victor Hugo expatriado
Anathema sobre ti miseravel ceifadora de tão esperançosas frontes !
Divindade infernal que tens por throno o martyrio , por coroa
a miseria e a sepultura por leito ! Anathema !

Invejo a sorte do cedro que na encosta da serrania cresce ,


cresce, até que por uma noite de tormenta lhe venha o raio dizer :
pára .
Invejo a sorte do rochedo que se eleva na solidão dos mares, e
que as ondas banham de espumas ; invejo a pedra que augmenta - se pela
agglomeração das camadas, a parietaria que cresce na humidade das
ruinas, porque ellas não sentem , nem têm um fardo de miserias
a carregar sobre a terra !
Estatua fria, e mutilada, denegrida pelas escáras do tempo, eis -me
erguido á porta do Parthenon arruinado de minhas passadas crenças ! ...
O deserto extendeu-se adeante de mim como um lençol mortuario, a
ortiga e o cardo me cercam .

Mas onde estou eu ? Que frio é este que me corre pelas veias ?
Que agitação é esta no meu seio ? Ah ! E' verdade, lembra -me agora,
eu sou um louco, o mundo o diz e eu o sinto !
Este frio que me gela , é o halito da morte que chega !
Oh ! vem ! Vem , virgem dos derradeiros momentos , vem , que estou
cançado de esperar-te !
Preso em teus braços, suffocado por tuas caricias, o pobre louco
poderá voltar- se um momento para o mundo e dizer : Maidição !
- 314 –

Depois o poeta investe desabridamente contra o clero lançando


pathetica invocação :

“ Extira - te macillento nessa cruz, oh ! Christo ! foi improficua a


profunda revolução que dizem teres promovido. O mundo se arrefece
na duvida, e o universo vacilla ..."
A represalia não se fez esperar : de todos os lados choveram
doestos e maldições sobre a loira cabeça do poeta tresvariado mas
a todos replicava o vate em linguagem inflammada.
Um dos antagonistas fez distribuir, em dado momento, umas
satyras rimadas sob o mesmo titulo do seu artigo

PALAVRAS DE UM LOUCO

Meu Deus ! quanto afflição sinto nest'alma,


Que soffrer pezaroso e pungitivo,
Quebrei o meu relogio de parede
Na cara d'um christão, d’um vil captivo !
Sorrir-se do meu ar, chamar-me doido,
Querer que lh'emprestasse a camisola !
Mais alto que o pequeno Corcovado
Não tinha inspiração nem tinha bola .
O ’ minha carapuça de cortiça
Mais branca do que as barbas da Cutia,
Tu não és bacharel , não te enferruges,
Vae comer camarões com melancia .
Infeliz foi a idéa . Varella abandona a prosa e replica ardorosa
mente, em rimas candentes como o ferro em brasa.
E' por essa occasião que escreve " A Terra da Promissão ", poema
em dois capitulos que não apparece na collectanea das suas pro
ducções, e onde o clero e as beatas , os vates e oradores da Pau
são igualmente maltratados :
Conheceis a cidade onde as beatas,
Em sombrias mantilhas envolvidas,
Nas ruas mal calçadas se abalroam
De rosario na mão ? Onde as tabernas
Regorgitam de vates e oradores,
Que o direito da plebe preconisam
E defendem a murros ? Onde a nevoa
Em seus mantos esconde ás horas mortas
O turbilhão sem fim dos namorados ?

e continua descrevendo , sempre em versos primorosos, uma scena de


lupanar, orgia de messalina alquebrada de vicio e macilenta de vi
- 315

gilias, em alegria soturna rythmada pelo tinir das taças e pelo som
das cantigas, numa atmosphera saturada dos vapores do vinho, aden
sada pelo fumo dos cachimbos até que, de repente batem na porta :

Uma voz infantil, extremecida


Pelo frio da noite e pelo medo,
Faz-se ouvir supplicante : “ Por piedade !
Deixe-me entrar- murmura— ; já não posso
Suster-me de cançaço !... Elles me alcançam !
Eil-os que vem ! Oh ! Minha mãe , soccorro !”
E uma formosa imagem de creança,
Loira, de quinze annos, semi-nua,
Atira-se chorando, no aposento,
E vae cahir aos pés da Messalina
Que a segura tremendo, e diz olhando
Ao derredor de si , medrosa, livida ,
“ Maria, tu aqui! Tu, minha filha !”

e “ A Terra da Promissão" numa transição brusca de sentimento tão


commum em Varella, termina com um brado da alma pura e sã do
poeta, emergindo do lodaçal em que a nefasta influencia Byroneana
arrojara a sua imaginação doentia , para perscrutar no intimo da trans
viada o sublime affecto maternal que nem mesmo o coração apodrecido
de messalina consegue conspurcar .
O desfecho inesperado que teve a lucta contra os clericaes foi
digna do espirito bohemio de Varella.
Certa noite, diz um contemporaneo do poeta , frei Antonio de S.
Gertrudes, prior do Carmo, recebia em sua cella um hospede que lhe
pedia o levassem ao locutorio, ao côro, ao claustro, ao refeitorio,
aos jazigos, ao carcere, á sala do provincial... ao convento inteiro ,
em summa. Por fim , o recem - chegado deu - se a conhecer, ou , melhor,
foi denunciado pelo seu rutilo espirito era Fagundes Varella. Va
rella, o atheu. Vareila, o dos epigrammas . Os da casa aturdiram-se
ao receber a nova. Mas ... afinal tudo acabou bem, a julgar pelos
dias, noites e semanas que Varella permaneceu em companhia dos
novos amigos, na melhor camaradagem , deliciando-os em longos serões
com o brilho de sua conversação , com trato distincto e cavalheiresco
dos momentos calmos de sua vida , recitando versos em que esplendia
a sua imaginação fertilissima e ás vezes ... exagerada. Dahi por diante
não mais escreveu contra o clero, evoluindo o seu espirito até á
concepção do “Evangelho nas Selvas” , a sublime evocação da belleza
de nossas florestas opulentas, rumorejantes, opulenta como a in
telligencia privilegiada do poeta, rumorejante como a existencia tu
multuosa desse bardo que se chamou na vida e que é na posteridade
Luiz Nicolau Fagundes Varella.
OS INDIOS DAS MARGENS DO PARANAPANEMA
PELO

DR . EDMUNDO KRUG
( SOCIO HONORARIO DO INSTITUTO )
SURREALISMI

OS INDIOS DAS MARGENS


DO PARANAPANEMA

Fugindo á vida intensissima que o homem do trabalho é obrigado a


manter na turbilhoante e magnificente urb que se chama São Paulo re
solvi na primavera de 1906, emprehender breve viagem de recreio , em
repouso ao espirito e retemperamento de forças.
meu
A escolha do itinerario a seguir não soffreu vacillações em
animo : meu espirito curioso anciava desde ha muito por nova excursão
á bacia paulista do Paranapanema, região fabulosamente ubertosa, que
eu me habituara a considerar destinada a futuro grandioso desde a
primeira vez que, em desempenho de serviços profissionaes, a per
corri em grande extensão.
E não só a preoccupação de rever a predestinada região me ins
tigava o animo : o grande desejo de reunir a estudos anteriores novos
apontamentos e coiligir maior copia de informes sobre as origens ,
usos e costumes dos selvicolas, alguns já mansos, de integração ini
ciada ao gremio da civilisação, outros ainda bravos, de vida errante
pelos campos e florestas, mas todos condemnados á mais completa e
rapida absorpção pela onda do progresso que ao desdobrar da via
ferrea, vae transformando as mattas nativas em ridentes cafezaes e
pontuando o solo de opulentas povoações, levaram-me a emprehender
nova excursão até ás margens do Paranapanema.

Seguindo pela Sorocabana a Cerqueira Cezar e d'ahi tomando


rumo de S. Cruz do Rio Pardo e São Pedro do Turvo, passei por
Campos Novos de Paranapanema antes de chegar a Laranja Doce,
logar proximo ás margens do Rio Paraná .
320

Foi perto de S. Pedro do Turvo, numa fazenda distante d'ahi


tres legoas , que me encontrei com indios mansos de diversas tribus,
provenientes da colonia do Jatahy, no Estado do Paraná, vindos á
procura de serviço agricola.
N'esta fazenda havia uma colonia, si assim me posso exprimir,
de mais ou menos trinta indios Coroados, que se diziam trabalhadores
ruraes , e alguns poucos Cayuás, mais tarde encontrei incios, tam
bem de diversas tribus em Conceição de Monte Alegre, distante dois
dias a cavallo de Campos Novos do Paranapanema e finalmente um
aldeiamento de Guaranys nas margens do Paranapanema, já nas mat
tas virgens pertencentes ao Estado do Paraná. Chavantes encontrei
dous ou tres nos Campos da Laranja Doce.
Os Coroados provenientes do Jatahy e existentes na fazenda per
to de S. Pedro do Turvo habitavam tres pequenas casas, feitas de
esteios perpendiculares, amarrados uns aos outros com cipós, prote
gidos por uma espessa e tosca cobertura de folhas de palmeira.
Todas estas casas eram iguaes, com o oitão para o lado do ter
reiro e de plano quasi quadrado, tendo mais ou menos 30 palmos de
lado, repartidas internamente ao meio por uma tosca parede igual ás
exteriores ; uma unica abertura do lado do oitão, que se conservava
dia e noute aberta, communicava o interior da casa com o exterior.
Luz e ar entravam por entre os esteios. Dentro, na primeira repartição
fumegavam tições sobre os quaes estavam collocadas as panellas de
barro cosido em que era preparado o indispensavel pirão de milho.
A’ noute os indios, de ambos os sexos, com cachorros magros e fa
mintos , dormiam junto ás cinzas, aquecendo - se ao suave calor dos
tições, tendo sempre os pés voltados para o brazeiro. Na segunda
repartição achava-se um estrado que servia de cama, sobre o qual
se aninhavam geralmente um homem com as suas mulheres. Si este
commodo era um santuario ou cousa diversa não posso nem sei dizer.
Quando o tempo permittia a cosinha era montada fora da casa
e ahi , sobre algumas pedras, preparavam as mulheres seus alimentos.
Pode-se bem comprehender que o indio coroado não conhecendo
hygiene e temendo geralmente a agua como fonte de constipações,
era immundo tanto no corpo como no vestuario e igualmente sujos e
repulsivos eram tambem os seus utensilios.
E' , na verdade, incomprehensivel o que a cultura produz : lá fóra,
nas mattas virgens o Coroado é amante da agua, aqui entre homens
civilisados adquirem habitos completamente contrarios aos que pos
suiam antes de serem domesticados!!
Fora da casa acha - se o indispensavel pilão no qual é socado o
milho que esteve tempos de molho , e que serve para o fabrico do pirão :
uma ou duas peneiras bem tecidas, alguns enormes purungos, que ser
321

vem de reservatorio de agua, e um papagaio ou arara tagarelando pa


lavras indigenas, talvez nos dizendo alguma cousa inconveniente, pou
sado sobre uma ponta da cumieira do telhado , constituem a bateria
domestica dos pobres indios .
Paiol, estes coitados não possuem ; as espigas de milho são amar
radas duas a duas e dependuradas debaixo do telhado em quantidade
sufficiente para as refeições de alguns dias .
suas
Muito difficil é o estudo destes indios já catechisados , em
manifestações naturaes, pois conhecendo elles que um estranho se
aproxima , se encolhem no logar aonde estão casualmente e abai
xam a cabeça e nem proferem palavra alguma, mesmo quando in
terrogados . Tambem são altamente desconfiados : recordo-me que de
pois de ter conseguido juntar com muito custo, um grupo para pho
tographal-o, tirei o chapéo de um dos rapazes para obter um melhor
retrato ; furioso ergueu_se do logar, em attitude agressiva, e, si não
estivesse presente o feitor da fazenda, julgo que teria tirado desforra
do meu procedimento.
O arrendatario da fazenda, meu devotado amigo sr. Jeronymo Ma
galhães , disse-me que esta gente não servia absolutamente para a
lavoura devido á sua pouca constancia e muita indolencia. São grandes
amantes da caça e não podendo obter de vez em quando carne fresca
nas immediações do arranchamento, elles, sem dar a minima satisfação
a quem quer que seja , embrenham - se no matto, armam a sua bar
raquinha perto da beira de qualquer corrego e lá ficam dias e dias
fartando - se de veados , pacas, coatis, antas, tudo emfim que lhe cae
nas armadilhas ou lhes passa ao alcance de flexa .
A barraquinha ahi feita nada mais é do que uma parede de fo
lhas de caiacanga ou palmito, toscamente prezas a umas ripas de páo
fino e rolico e apoiada em dois pontos por outras duas varetas.
Quando elles vagueiam pelas mattas tomam a precaução de der
rubar palmitos para depois de alguns mezes examinal-os. Os vermes
e as larvas que ahi se desenvolvem servem - lhes de petisco succulento,
mesmo em estado crú, pois misturadas com mel são comidas com
appetite .
Fartos da caça voltam com as suas provisões de carne para se
rem repartidas com os companheiros que os esperam já com sau
dades ,
Isto sobre os Coroados " catechisados : vejamos agora algo sobre
os Coroados bravios, sobre os Kaingangués.
Ferozes e traiçoeiros até ao excesso diz-se que consideram os seus
companheiros de tribu, já civilisados, inimigos figadaes; pessoas, po
rem , que viajaram mais demoradamente nas mattas do Paranapanema
322

affirmam o contrario, dizendo que os Kaingangués bravios se utili.


zam dos domesticados para espionagem entre os civilisados.
Eles são geralmente de aspecto bonito, bem feitos de corpo , de
estatura não muito elevada ; as mãos e pés não são demasiadamente
grandes, como se observa em individuos de outras tribus, e dos olhos
pequenos e obliquos conclue -se que teem tino observador e são intelli
gentes ; as orelhas são pequenas e os ossos do rosto salientes ; a tez
é de uma cor morena escura ; todos os cabellos do corpo são arran
cados exceptuando-se o cabello da cabeça que é cortado em forma de
tonsura tendo no alto uma coroa . E ' d'esta coroa que provem o no
me de “ Coroado ” , cujo appelido elles mesmos ignoram por completo.
O vestuario do homem é o mais simples possivel, utilizando -se
elles em dias frios e de festa de uma cápa feita de fibras de ortiga
brava. Estes mantos são denominados por elles Curú -cuchá . As mu
lheres , ao contrario , utilizam - se de uma tanga que sahindo da cin
tura chega até os joelhos e é fabricada tambem da citada planta.
Os kaingangués vivem geralmente em imás, aldeiamentos, de 50
a 100 individuos, sob a direcção de um capitão, cuja autoridade é
pequena ou quasi nulla ; eles são, por conseguinte, muito indepen
dentes . Estes capitães, ou melhor, caciques, só podem manter a dis
ciplina por meio de boas palavras, dadivas etc. logo que não
estes meios, todo o aldeiamento abandona-o ; mesmo os proprios filhos
emigram em procura de melhor capitão, que seja mais bondoso e
presenteador .
E' simplesmente devido a esta circumstancia, para poder manter
a sua autoridade e para reunir o seu povo em torno de si, que estes
caciques possuem pouco, tudo elles dão aos seus inferiores . Negar
um pedido não é honesto e chamal-os de pouco liberaes, de deicamá,
é uma grave offensa .
Por serem tão liberaes, são tambem excessivamente hospitaleiros
para com individuos da mesma tribu, de forma que uma visita de
gente de fóra é motivo de grande alegria na imá.
A visita de um individuo qualquer de outro aldeiamento não é
feita sem uma certa etiqueta, o individuo não se apresenta e nem
é recebido simplesmente ; certos costumes são rigorosamente observa
dos e tudo passa da seguinte forma: 0 visitante indaga, em primeiro
logar, onde o povo da aldeia vai se supprir de agua, ahi elle se es
conde atraz de uma arvore e espera a chegada de qualquer um pa
rente . Do seu esconderijo elle se dirije a este, dando-se a conhecer ;
aquelle vai incontinenti a imá e avisa os seus, do acontecimento O
aldeiamento prepara-se, então, para receber condignamente o hospede.
O parente mais chegado, deitando -se no chão, sobre as cinzas do
fogo, cobre a cara com o manto do ortiga e assim fica emquanto a
- 323

mulher predilecta, entre as muitas que elle possue, prepara um gui


zado qualquer para ser offerecido ao viajante .
A visita é buscada n'este interim e entrando na choça sem cum
primentar pessoa alguma, sem proferir palavra, deita -se immediata
mente junto ao que cobrio a cara com o curu - cuchá .
A mulher colloca então a comida, preparada ás pressas, diante
do marido e diz-lhe que é tempo de convidar o hospede a matar a
fóme. Aquelle tira o curú -cuchá da cara, senta -se de cocoras, convida
o parente e ambos satisfazem- se no manjar. Tudo isso sem conversa
alguma. Depois desta prolongada cerimonia , á qual assistem todos
os kaingangués presentes no aldeiamento, é que são feitas as per
guntas, geralmente banaes, sobre o caminho, sobre as caças, sobre as
plantações e principalmente sobre a producção do nhara, do milho, e
si casualmente o hospede conta que algum outro parente mais che
gado morrera , desatam as mulheres em prantos e choros , gritando
e procurando ao mesmo tempo consolar o visitante do luctuoso acon
tecimento .
Geralmente são estas visitas motivo de regosijo em que o Goifá
corre em abundancia. O goifá é uma bebida proveniente da fermen
tação do milho, que é depositado em grande porção dentro de cochos
de madeira, cheios d'agua, que achando -se continuamente perto do
fogo, fermenta rapidamente. Depois da fermentação, esta zurrapa, que é
de paladar azedo amargo e de cor amarello suja, é ingerida até que
os bebedores de embriagados não se possam mover do chão aonde fi
cam prostrados horas e horas. Os Coroados mansos, ao que me parece,
perderam o habito de fazer esta bebida, preferindo a cachaça, que é
mais facil de ser adquirida e, como elles mesmo affirmam de me
lhor gosto .
Nestas occasiões festivas é apresentado tambem ao hospede o
quiquy, que nada mais é do que a bebida anterior, na qual se addicio
nou , antes da fermentação, o mél de páu .
Apezar de eu ter indagado por vezes si os kaingangués faziam
bebidas de mandioca, como fazem os outros indios, mastigando-a e
cuspindo esta massa em cochos de madeira ou panellas de argilla ,
nada me poude ser dito a respeito, observando eu que elles conhecem
ainda uma terceira bebida chamada Goicupy agua branca , em
portuguez que é feita de milho mastigado. Para este fim elles col
iocam os grãos do nhára, limpos de qualquer adherencia, em balaios de
taquara , junto com brazas. Depois de torrados assim levemente, são
elles soccados no pilão e deitados em potes de barro cheios de agua .
Depois de um ou dois dias, as mulheres mais feias e mais velhas da
tribu mastigam este milho, então amollecido pela acção da agua, cus
pindo -o, novamente, no mesmo vasilhame. A bebida, assim preparada,
324

fermenta logo e depois de finalisada a fermentação está prompta para


ser usada. Esta bebida nada mais é do que a Chicha dos indios da
Bolivia, que, devido ao seu alto grao de alcool é apreciadissima mesmo
pelos bolivianos civilisados.
Durante as bebedeiras o uso das iguarias é vedado e devido ao
abuso do liquido embriagante os kaingangués, tal qual os civili
sados, ou choram , ou gritam ou tornam -se importunos, querendo ar
mar briga com os companheiros . Succedendo isto, os mais inconve
nientes são pelas mulheres, que se absteem da bebida, amarrados
pelos pés e mãos até que voltem ao estado normal e possam começar
de novo o pagode .
Estas festas são realisadas em frente aos ranchos, os quaes dif
ferem das habitações dos coroados mansos, compondo-se de um só
compartimento .
Ordinariamente as aldeias dos kaingangués são estabelecidas em
logares onde a caça ou a pesca é abundante. Tornando-se aquella es
cassa ou os ranchos ficando immundos e cheios de pulgas, muda-se a
aldeia para outro logar, queimando -se a antiga imá depois de prompta
a nova . Durante a mudança, que pode levar dias e dias, e até semanas,
elles não se apressam muito ; achando bastante caça durante o tra
jectos elles se deteem , armando aqui e acolá parys ou mundéos, tirando
mél das arvores e alimentando -se de fructas silvestres.
Os utensilios que se encontram nas choças dos Coroados bravios
são poucos e limitam-se somente ao indispensavel para a cosinha e
caça .
Como trem de cosinha ha uma panella de barro para preparar
o alimento, um machado de pedra para partir a lenha grossa ou der
rubal-a, um pilão de madeira dura com mó, geralmente de pedra, uma
peneira fina, de taquara ou fibra de ortiga bravia, um cesto para o
transporte do milho da misera roça ou para torral -o, cochos e potes
para a fermentação do goicopy, goifá e quiquy, algumas lascas de
pedra que são utilizadas como instrumentos cortantes ; a tudo isto
juntam-se os seus arcos, flexas e lanças, fabricadas de madeira for
tissima ou então alguma espingarda de pessima qualidade, que, entre
tanto, nas mãos delles tornam-se armas perigosas, por serem excel
lentes atiradores . Estas espingardas geralmente vêm de muito lon
ge, barganhadas com pelles e outros artigos de permuta . .
As pontas das suas flexas são feitas das tibias de macacos de
diversas especies parecendo-me que os kaingangués se utilizam de
dois differentes typos de flexa, sendo um de ponta fixa á vara e ou
tro desligavel, apenas presa á vara com cera para ficar dentro do
corpo do inimigo quando retirada a flexa da ferida.
325

Artistas elles não são e verificando eu que a sua arte não é desen
volvida cheguei á conclusão que seria inutil perder o meu tempo no
estudo deste assumpto, devido, tambem, á deficiencia de material e
não ter encontrado nos seus utensilios, armas e tecidos amostra apre
ciavel.
As pontas das flexas e as pennas que servem de guias a estas, ge
ralmente de arara, multicolores, são prezas por fita de imbé, untadas
com cera ou amarradas de tal forma que não se desprendem facilmente.
O ferro que se encontra nas choças destes selvicolas é proveniente
de armas trocadas ou de ferramentas velhas achadas por elles no
matto , perdidas por qualquer roçador ou trazidas mesmo pelos “ Co
roados" mansos . O seu estado atrazado de cultura ainda os conser
va muito distanciados da idade do ferro. Para apontal- o servem - se
da pedra .
As caçadas nunca são feitas a sós ; em regra geral vão sempre
em grande algazarra, 10 a 20 individuos, á procura do rasto do ani
mal, sempre acompanhados de seus cachorros magros e famintos.
o indio foi o mestre do sertanejo caçador e devido ao seu olho
firme e seu olfato altamente desenvolvido é capaz de achar em breve
tempo a caça desejada .
Conhecem perfeitamente os barreiros na beira dos rios nos quaes
as antas, jacutingas e outros animaes vão lamber e pisar a terra sa
litrada.E' dahi que elles , seguindo o rasto da anta , que é sempre
.O mesmo , soltam OS seus cães , fazendo sempre a maior algazarra,
imitando outros animaes, no que são verdadeiros mestres e vão
ao logar onde o enorme pachiderme, para se livrar dos seus perse
guidores , joga-se á agua . matando - o então com golpe certeiro de
lança ou de flexa .
Morta a preza e sendo ella grande, o sangue é immediatamente
esgotado e dado aos cães juntamente com os intestinos. Em seguida
é amarrada.com cipós e lançada na agua para ser lavada do sangue.
No dia seguinte ou mesmo algumas horas depois, a caça é levada ao
a campamento onde é comida em forma de churrasco .
Para preparar este petisco, que na verdade é delicioso, é previa
mente feita uma cova na qual são deitadas pedras mais ou menos
grandes entre tócos de lenha enxuta . Depois de ateado o fogo e
vermelhas as pedras, a caça é ahi deitada e coberta com folhas de
coqueiros que por sua vez recebem uma densa camada de terra. Assim
fica a caça assando durante horas e horas ; retirada, é comida pelos
kaingangués sem addicionamento de sal ou tempero algum .
A caça pequena, como gambás, jacutingas, jacus, inambús etc., é
preza em laços e armadilhas engenhosas collocadas em logares pre
326 –

viamente cevados, depois de mosqueada, é cosinhada nos potes de ar


gilla ou então assada no espeto, logo depois de morta .
Não é, porem , com qualquer caça que os kaincangués se entretem
e aquillo que mais nós apreciamos, como a páca e a cotia, é des
prezado completamente por elles ; tambem o veado para elles abso
lutamente nada vale e a sua carne é comida só quando ha pouca far
tura de outra caça . Elles perseguem , porem , como sendo os seus pre
feridos a anta , o bugio, as diversas especies de porco do matto e
principalmente os coatis, por ser caça productiva e porque vivendo
estes, como todos sabemos em bandos, são faceis de se agarrarem .
Quando tratei dos indios domesticos, disse que estes eram sujos
e pouco ou nada conheciam das beneficas qualidades da agua . Jus
tamente o contrario succede com os “ kaingangués " bravios, que de
pois de qualquer refeição, tomada a qualquer hora e sem methodo
algum , lavam a cara ou mesmo vão tomar um completo banho, o que
succede muitas vezes por dia .
Apezar de pretender não me alongar muito sobre os usos dos
Coroados, seja- me licito menciorar ainda algo sobre os meios de curar,
adoptados por estes indios, sobre seus enterros, sua lavoura e brigas.
Parece -me que estes indios não se utilizam de medicamentos inter
11os , assim como presumo serem resumidissimos os seus meios de
curar. Toda a applicação é feita na região affectada, ora fricciɔnando
se com o succo de hervas e de raizes medicinaes, ora sendo as partes
enfermas apertadas com uma larga faixa de embira , envolvendo - se
o doente no proprio curú -cuchá. São estes os meios observados, igno
rando eu si ha outros mais .
Agravando - se a doença, não se nota absolutamente receio da
morte no enfermo : n'esta occasião os amigos e parentes mais chega
dos e intimos reunem-se perto d'elle, e as mulheres chorando, pro
ferem maldições aos inimigos por terem-n'o envenenado. Os homens
preparam -n'o para a outra vida, promettendo enterral- o com curú - cuchá
fiados e não usados, com lindos arcos e flechas ponteagudas e com
um bello collar de dentes. Promettem -lhe tambem cuidar das suas
mulheres e filhos sobreviventes. E ' natural que tudo isto fique só
em promessas, pois geralmente o kaingangué é caloteiro de natu
reza e até sente um certo regosijo em passar a perna no proximo.
Morrendo o Coroado elle é enterrado immediatamente, mesmo
estando ainda quente, sendo bem possivel que muitos individuos da
tribu, devido a esta absurda cerimonia, tivessem sido enterrados vivos .
A cova é feita quasi á flor da terra , e o cadaver é deitado sobre
o proprio arco , flechas, manto e machado. Tanto a cova como o corpo
são forrados com folhas de coqueiro e depois cobertos com pouca
terra .
- 327

Concluindo esta cerimonia, que é acompanhada pelo pranto das


muiheres, que ainda perdura dias e dias, são convidados os visinhos
para auxiliarem a cobrir o morto com mais terra. Estes trazem as
suas cestas e vão despejando terra sobre o defunto até que o tumulo
adquira uma forma conica de 3 a 4 metros de altura e 4m, de raio, por
conseguinte a enorme circumferencia de 50 m . approximadamente.
Durante os enterramentos ouvem -se cantos monotonos com as se
guintes palavras citadas por Telemaco Borba, no seu interessante
livrinho denominado : Actualidade indigena :
“ Cagmá, iengvê. oanan eió ohó ia, engo que tin
" in fimbré ixan an iongóngue, jamá que nó
“ ó caica , katô no eká maingve."
o que traduzido livremente seria mais ou menos :
* Passa com cuidado a ponte. Vive bem com os outros,
“ assim como elles vivem bem , tu tambem podes viver .
“Lá , tu has-de ver muita cousa que viste aqui na
“ minha terra , assim como o gavião . Teus parentes
“ hão de vir te encontrar na ponte e te levarão com
" elles para a tua morada .
Um outro canto seria o seguinte :
Comá, comá co ondie, é ni moni tá, goyobungus tarê no can

“ ien caindê rain tarê, cicang ien,


suja traducção seria :
Passa bem pela ponte do rio grande; chegando ao campo diz
aos outros : Eu estou aqui. Come bastante fructas do coma e
6.

* vira as pedras que tem limo antes de passar.


E finalmente um terceiro canto :
" Sa, ia, há ve pera iê mê, aiê ieno,
* vexieir cnendie .
que será em portuguez :
* Vai -te embora, vive bem com os outros que
“ lá estão " .
Reunidos os visinhos e terminados estes enormes tumulos que
são feitos relativamente em curto espaço de tempo ,
ha novamente
motivo para fazerem festa á custa do morto, para mostrarem sua

indole hospitaleira : A ' noute todos os convidados fazem circulo ao


redor de uma grande fogueira de forma alongada passando de mão
em mão o embriagante quiquy, e contando os factos mais importan
tes da vida do fallecido .
Quando aborrecidos destes canticos monotonos, que de longe são
ouvidos, os convidados e os parentes do morto levantam -se e dançam
ao redor do fogo manejando seus curacarás, fabricados de purungos
- 328 -

ou cabaças, até que o liquido ardente e estimulante se acabe por


completo .
Passo agora a referir -me á lavoura destes indios. Bem pouco
posso aqui narrar, pois apenas uma unica vez tive occasião de ver
uma roça dos “ kaingangués" perto da Laranja Doce na enorme fa
zenda dos Paivas, ultimos moradores, n'aquella epocha, no caminho do
Rio Paraná .
São miseras plantações ; as covas são abertas muito juntas umas
as outras, dando em resultado o rachitismo e a producção nulla das
plantas.
Tendo os kaingangués instrumentos cortantes de bem pouco va
lor pratico, com os quaes elles podem só cortar objectos mais ou me
nos miudos , mais ou menos molles , e isto mesmo com muito custo,
elles preferem para as suas roças logares ferteis, porem onde a vege
tação seja escassa. Ahi reunindo-se bastantes individuos do mesmo al
deiamento, o matto é surrado com cacetes de madeira durissima, que
brando desta forma os arbustos. Depois de seccas as roçadas, o fogo é
ateado, tal como fazem os nossos roceiros e lavradores atrazados.
São depois as mulheres que fazem as plantações, munindo -se, para
var a terra, de pequenas cavadeiras de madeira, geralmente de ga
lhos finos procurados para esse fim na propria roca. Nas covas são
deitados os grãos de milho, tendo ellas o cuidado de humedecer cada
um de per si com a propria saliva, para então enterrarem -n'os. Ignoro
por completo si esta manipulação tão exquisita e tão enfadonha per
tence ao cyclo das superstições indigenas ou si ella tem algum valor
pratico o que só pela prova scientifica se poderia ver fiicar.
A roça cresce e ninguem se incommoda mais com ella, até que
depois de tres ou quatro luas as espigas são retiradas aos poucos, para
serem comidas indifferentemente verdes ou maduras.
Quanto á linguagem dos kaingangués ella é quasi toda guttural,
não tendo nada de parecido com a de outras tribus. A grammatica
deste povo é desconhecida e seria para a sciencia de grande vantagem
estudal-a, estabelecendo as regras, como fez Karl von den Steinen
com a dos Bacairis dos Rios Xingú e Arinos. ( * )
Julgo ter sido Telemaco Borba, o sertanejo do Paraná, que collec
cionou um vocabulario mais ou menos rico em expressões, mas elle
mesmo chamou o seu trabalho de “ um ensaio" pedindo n'uma das
paginas do seu interessante livrinho, aos estudiosos. que accrescentem
o que forem colligindo para o bem da sciencia, independente da opi

(* ) O autor escreveu em 1906 : depois dessa época appareceu o


excellente trabalho de Frei Mansueto, que de alguma maneira preenche
a lacuna notada pelo autor. Nota da Redacção .
329

nião da maior parte dos nossos patricios, julgando taes trabalhos ocio
sos é desnecessarios ! Para dar um exemplo desta lingua, vejamos como
se conjuga o verbo ter . O presente do indicativo seria ;
1.a pessoa Tõo -inhi;
2.a singular Tõo - ani;
3. * Toõ-tini :
1.a pessoa Tõo aimanti;
2.a plural Tõo ayangue nanti;
3." Tõo ' hangue nanti.
o Imperativo se conjugará :
1.a pessoa Tõo-inhive ;
2.a singular Tõo-aniye ;
3.a Tõo-tinive ;

1. " pessoa Tõo ein nan tinive;


2. * pluralTõo aya : ge nan tinive ;
3.a Tõo hage nan tinive.
e finalmente o futuro para concluir com os exemplos :

1.9 pessoa Tõo -nimo queiene in


2.a singular Tõo-queye nimo 'ha
3. " Tõo - queye nimo ti
1. * Tõo -queyene nan timo ein
2.a plural Tõo -nintin mi queyene ayange
3. * Tõo- nan tim mo queyené hague .

Sobre os costumes e linguas dos kaingangués poderia narrar ainda


muito mais si o tempo não fosse tão precioso , e não tivesse que
tratar de lendas deste mesmo povo e ainda dos Cayuás. Naturalmente
tudo isso não constitue só observações proprias ; 0 que é que um
curioso pode ver em quatro semanas , o que se pode observar em tão
curto lapso de tempo em uma tribu acanhada e reconcentrada ? Muitas
dellas foram narradas por conhecedores dos Coroados" e mesmo
me servi de algumas das lendas que se seguem dos trabalhos de
Telemaco Borba ; seja-me licito dizer que, quanto ao caracter geral
do kaingangué eu mesmo pude verificar que depois de ter travado ami.
zade com alguns delles, estes se tornaram mais communicativos e mes
mo curiosos , não poupando esforços para ficar conhecendo o que não
conheciam d'antes . Elles são porem , preguiçosos no pensar, um esforço
intellectual lhes é pesado ; isto prova a pouca logica das suas lendas,
e julgo, eu, seria muitissimo difficil se conseguir d'elles uma dedicação
continúa ao trabalho, principalmente no que diz respeito ao esforço
de aprender a ler e escrever .
330

E ' costume, diz Borba , que os parentes venham pedir desforra


por algum máo trato que soffreram os seus ; n'este caso paga-se-lhes
na mesma moeda que levou o parente ou então se lhes dá um objecto,
um presente de insignificante valor. E assim que o indio manso é tra
tado no Paraná e mesmo aqui no Estado de São Paulo. Indica isto o
caracter do kaingangué, e accrescenta Borba, que “ sob palavra de
homem velho garante ter escripto só a verdade, sem nada inventar. "
São muito expressivas estas palavras e cada um dos meus leitores
tire a conclusão d'ellas que melhor lhe convier !
Torna -me- ia enfadonho, e mesmo inconveniente si quisesse con
: inuar a narrar cousas da vida intima desta tribu de indios ; vejamos,
agora, algo sobre as lendas dos kaingangués :
Pode-se affirmar que a lenda do diluvio encontra - se em todos os
povos ; assim tambem os indios dos quaes tratamos no momento, nos
narram uma grande inundação que houve antigamente, cobrindo todos
os mattos, casas e roças dos seus antepassados, destruindo todos os
seus haveres, matando muita tribu amiga e inimiga. Esta lenda me foi
contada por uma velha india Coroado no aldeamento de S. Pedro
do Turvo, como, porem Telamaco Borba a narra com mais perfeição,
utilizo-me d'ella tambem .
Como ia dizendo : a grande inundação destruiu todos os haveres
dos povos existentes, só ficou o ponto culminante da Serra Crinji
jimbé a descoberto. Como as aguas sempre mais se avolumassem ,
como as chuvas não cessassem de cahir, em jórros, dos ceus, os
kaingangués, os Cayurucrés, os Camés e Curutons resolveram ir a
nado até este morro , então ilha, afim de se salvarem , levando, con
scios de que tudo estava molhado e sem geito de conseguirem o fogo,
achas de lenha accesa na bocca . Somente os kaingangués e alguns
Curutons salvaram -se. Os Cayurucrés e os Camés pereceram afoga
dos, a maior parte dos kaingangués e Curutons akançaramo cume

do Crinjijimbé, destes mesmos alguns só tiveram força para se ape


garem aos galhos das arvores, cujas coroas ficaram fora da agua. Os
kaingangués salvos nas arvores tornaram-se macacos, os Curutons.
bugios tudo contrario as leis darwinianas. Quanto aos Cayurucres
e Camés perecidos, suas almas foram habitar “ o centro da terra ” .
Quando ainda as aguas inundavam o territorio dos indios e es
tes, sem alimento algum , pensavam já na sua morte certa, avista
ram ao longe muitas Saracuras. Chamando -as pediram -lhes que trou
xessem terra em suas cestas, afim de fazerem url ] açude, para se
poderem salvar. Estas, attendendo o justo pedido, rogaram por sua
vez auxilio aos patos. Patos e Saracuras trabalharam sem cessar e
fizeram o açude , do levante ao poente , e é devido a essa circumstan
- 331

cia que as aguas dos rios paulistas e paranaenses escoam de leste ac


oeste .
encarna
As almas dos Cayurucrés e Camés tornaram de novo a
rem -se e começaram a cavar no interior da serra . Ambas as tribus
tomaram, porem, rumo diverso : o caminho dos Cayurucrés não tinha
pedras e o logar donde elles sahiram do Creujijimbé escoava crys
talino regato ; devido ao caminho plano e isento de pedras é que
elles conservaram os seus pés pequenos. Os Camés, porém, escolhe
ram caminho peior, cheio de pedras, e como tivessem machucado
muito as plantas dos pés no pedregulho e cascalho espalhados, ficaram
com os pés grandes.
Por terem as Saracuras trabalhado tanto no aterro que fizeram
para a salvação dos kaingangués, ellas ficaram com as pernas finas.
Pela vereda que os Camés abriram não havia liquido algum
com o qual elles tivessem podido satisfazer sua sede, por isso pe
diram aos Cayurucrés que lhes dessem de beber, que os deixassem sa
ciar a sede nas crystalinas aguas que brotavam do logar onde elles
sahiram do centro da montanha, no que foram attendidos.
Os kaingangués, depois das saracuras terem feito o enorme açude,
ordenaram aos Curutons que buscassem os utensilios, cestas, flechas,
cabaças etc. , que tinham deixado na base da serra, antes da inunda
ção geral.
Estes, muito preguiçosos, foram , como si quizessem attender a or
dem , mas não querendo subir ao Crinjijimbé, fugiram e não voltaram
mais a companhia dos Coroados ; é por isso que hoje ainda os Curutons
pagam caro esta desobediencia, esta divida antiga, pois, são feitos es
cravos dos kaingangués, quando por estes aprisionados. Cayurucrés ,
Camés e kaingangués são amigos e bons parentes entre si.
Esta lenda, que acabo de narrar me parece ser incompleta, talvez
no decorrer dos tempos se perdesse o fio da mesma, em todo caso
ella não dá margem sufficiente para deducções interessantes; deixo de
as fazer, devido á escassez de tempo ; alguns consocios que se inte
ressam pela mythologia dos diversos povos, podem se utilizar d'ella
para os seus estudos comparativos.
Sendo o fogo um dos principaes elementos da vida humana é
licito e até rasoavel a pergunta : qual a posição que occupa o fogo
na lenda dos kaingangués ? Elles narram a conquista deste elemento
da seguinte forma : Antigamente não possuiam fogo, suas caças eram
cevoradas crúas ou seccas ao ardor do sol, o nhára , o milho, era des
conhecido ; por não terem fogo, elles não sabiam fazer farinha . Só
Minaran tinha o precioso lume em casa e sendo muito avaro e de
outra tribu, não dava fogo nem aos melhores amigos. Fyieto, um jo
vem kaingangué, esperto e velhaco, offereceu-se aos companheiros para
332

ir buscal-o, e conhecendo perfeitamente O logar onde a mulher e


filha de Minarın se banhavam , transformou -se em gralha branca, e,
jogando- se nas limpidas aguas do rio, foi boiando até chegar ao por
to aonde ambas se refrescavam ,
A filha de Minarın, grande amante dos passaros , pediu á mãi
que pegasse o xakxó, a gralha branca ; a mãi attendendo ao pedido
trouxe-a para casa, empoleirando-a perto de uns tições de fogo para
enxugal- a. Era isto justamente que Fyietó queria, pois antes de par
tir disse aos companheiros e cacique da tribu : Minarın pin ieme iétmo,
na nossa linguagem : l'ou buscar fogo de Minarān. Ahi perto do fogo,
o rapaz transformado começou a dar bicadas nas brazas para rou
bal -as . Minarãn desconfiado da gralha, quiz matal-a , dizendo que
passaro não bica fogo, que isto só fazia gente . A filha, porém, cho
rando copiosamente rogou ao pai que poupasse o xakxo. Assim pro
tegida a gralha, continuou no seu trabalho até que conseguiu o seu
intento, fugindo com aigumas brazas no bico. Minãran correndo atraz
do Fyietó alcança - o quando este entrava numa toca de pedras. Com
o seu cacete Minarãn chuça o buraco e a gralha, para se livrar do seu
perseguidor, machuca o proprio nariz, deita o sangue, que escorre da
ferida , na ponta do cacete e Minarán presumindo ter morto o la
drão de fogo vai satisfeito para a sua cabana .
Passado algum tempo Fyieto sae da fenda, voa para uma pal
meira, accende com as brazas , quasi extinctas, um ramo secco , e ar.
rastando-o sobre o chão incendeia um vasto campo . Mināran vendo este
desastre e conscio de não ficar mais sendo o único possuidor do fo.
go, corre para apagal-o , o que não consegue devido ao forte vento
que soprava, morrendo de profundo desgosto .
O campo arde por muitos dias e os kaingangués veem em bandos
apreciar a queimada ; n'esta occasião descobriram animaes assados
sobre as cinzas, que comidos, eram mais saborosos do que carne crúa.
Todos então levaram brazas e tições para as suas imás e deste tempo
é que data o conhecimento geral do fogo.
Selvagens como são, é muito logico que osservando a natureza
perguntem quem criou as diversas especies de animaes ? A solução
deste problema nos é narrado na seguinte lenda :
Os Cayurucrés e Camés sahiram , como vimos, em diversos logares
do centro do Crinjijimbé. Na noute antes da sahida, fizeram grandes
fogos e das cinzas e carvões fabricaram onças e disseram-lhes : vão
ao matto e comam gente, vivam lá de aves e de caça grande; e ellas
sahiram correndo e rugindo, sempre mostrando os agudissimos dentes
e dilacerando todo o indio que encontravam no caminho.
Fizeram tantas onças que afinal se esgotou todo o carvão, mas
assim mesmo não se viram atrapalhados ; das cinzas que sobraram
- 333

fizeram antas e disseram a estas , vão tambem ao matto e nutram - se


de caça . Os ouvidos destas, porem, não sahiram muito perfeitos, de
forma que não puderam entender bem a ordem dada e quando per
guntavam aos Cayurucrés o que deviam fazer, estes já tinham prom
pto outro animal, que recebia a ordem : vá comer hervas, e assim
foi que os dois animaes sahiram juntos e ficaram herbivoros. Estes
indios, porem , só podiam fabricar os seus animaes á noute e si até
a madrugada não estivessem promptos, elles sahiam imperfeitos . Assim
succedeu com o Tatú, a Preguiça e o Tamanduá. N'este ultimo
tanto a lingua, como os dentes não ficaram promptos, mas para não
perder por completo o seu penoso trabalho o fabricante metteu dentro
da bocca deste uma pequena vareta, um galho fino e comprido e
disse : não te fiz dentes para morder, mas vai assim mesmo aos formi
gueiros e com a tua lingua comprida caça formigas e cupins . Com a
Preguiça succedeu cousa mais desagradavel, tendo sido os seus olhos
feitos já no clarear do dia, estes ficaram offuscados por um raio de
sol e só a noute ella póde enxergar.
Os Camés por sua vez tambem fizeram animaes para atacarem
aquelles que os Cayurucrés fabricaram , e assim fizeram de varas sec
cas e verdes as serpentes venenosas, as vespas e muitos outras insectos
miudos e incommodativos como as butúcas, os pernilongos, etc.
E' muito natural que estas lendas não tenham a belleza das lendas
europeas, principalmente das germanicas , contadas pelos irmãos Grimm ,
tambem ellas não foram ainda modificadas pelos contistas, que volun
tariamente lhes dão uma feição diversa daquillo que ouviram, querendo
nos impingir lendas que nunca escutaram da propria bocca do indio
por contos dos nossos selvicolas. Seja, porem, como for, destas nar
rativas indigenas, apezar da sua simplicidade e pouca logica, deduz-se
muita cousa interessante e provam a cada momento que os indios obser
vam a natureza, que veem n'ella detalhes que nos passam completa
mente despercebidos quando viajamos e observamos .
Quando quizermos apreciar bem estas historietas devemos ouvir o
proprio indio, que as conta de uma maneira simples , e convicto de
que tudo se passou assim mesmo como os antepassados contaram .
Quero agora contar a lenda do milho, do Nhara, como os Kaingan
gues conseguiram este precioso e importante alimento.
o indio que contar esta historia terá sempre a precaução de
affirmar, que é inexacto que tivessem sido os brancos que o plantaram
pela primeira vez .
Vejamol - a. Havia antigamente um cacique chamado Nhára, que era
o mais velho da tribu ; todos lhe obedeciam porque era bom e presen
teava a todos, e ninguem lhe queria mal ; porisso o cercavam de ca
rinhos e attendiam os seus conselhos.
334 -

Um certo dia elie reunio os seus parentes e disse - lhes : voces sof
frem sempre fome, porque só comem mél e frutas do matto ; tragam
os seus cacetes e façam aqui neste logar uma grande roça, derrubem as
taquaras e ateiem fogo ás arvores cahidas depois de seccas. Assim
elles fizeram. Então Nhára ordenou que trouxessem cipós e fossem
junto com elle ao meio da roçada, cuja ordem tambem foi cumprida.
Mandou -lhes então que amarrassem pelos braços e pescoço e o arras
tassem em as diversas direcções dentro dos limites da roçada ieita.
A isto todos elles se oppuzeram e começaram a chorar, mas o velho
dizia que já estava prestes a morrer e que cançado deste mundo tinha
saudade dos seus que se achavam já ha muito tempo junto a Tupam ,
que os dirige no mundo da alegria e fartura e que si fizessem como
eile ordenava somente teriam lucro e viveriam muito mais felizes.
Conver:cidos, de que iam tirar vantagem desta acção os Kaingangués
accederam ao pedido. Antes, porem , de arrastal-o, pedio o velho que o
enterrassem justamente no centro da roçada e depois de terem feito
tudo isso fossem durante quatro luas ao matto para caçar, comer mél e
frutas. () pedido todo foi executado e depois de quatro luas voltaram
ao logar achando toda a superficie roçada semeada de uma planta
alta, com folhas largas e com espigas verdes, planta esta que elles
nunca tinham visto antes. Todos os Kaingangués experimentaram o
fruto e achando - o delicioso satisfizeram-se a fartar. Em homenagem ao
bom velho, ao despretencioso cacique e para não ficar esquecido o seu
nome, deram ao milho o nome Vhára .
Vejamos finalmente alguma cousa sobre o canto e a dança ; ouça
mos Telemaco Borba, o amavel paranaense :
“ Vão sabiam cantar nem dançar. Em suas reuniões só bebiaino
quiquy, quando sentados junto ao fogo ; de suas boccas não sahia canto
zigum e porisso suas festas eram tristes e enfadonhas. Desejavam
aprender a cantar e dançar, mas não havia quem os ensinasse ; outros
indios ainda não existiam. Um certo dia que os Cayurucrés andavam
caçando, encontraram em um logar aberto no matto um enorme tronco
de arvore caido e já carcomido pelo tempo ; sobre elle estavam encos
tadas umas pequenas varas com folhas, a terra perto do tronco estava
muito limpa, folha alguma a sujava, planta nenhuma se observava ali ;
examinando - a verificaram haver pequenas pegadas de crianças e ad
mirando-se d'isso, contaram á noute, nos seus ranchos, a descoberta.
Junto foram , então, no dia seguinte examinar com mais attenção o que
poderia ser, aproximaram -se do tronco e escutaram : d'ahi a pouco
viram um pequeno porungo prezo á ponta de uma varinha, que se
movia continuadamente produzindo um som exquisito mais ou menos
como ri, ki ri... As varas encostadas á arvore carcomida, começaram
a mover- se compassadamente, ao mesmo tempo que uma voz muito
335

fraca cantava : emi no tin vê ê ê é. Ando chô caê voú a. Ha , ha, ha.
Emi no tin vê ê , ê, ê , ê. Emi no tin vê ê ê ê ...
Comprehenderam immediatamente que aquillo devia ser incontes.
tavelmente alguma cousa como canto e dança, aprenderam de cor as
palavras, sem comtudo entendel -as. Aproximando- se do tronco só vi
ram as varas e o porungo quietos , bem quietos . Examinando o chão
não encontraram logar algum onde se pudesse ter escondido o cantor,
não souberam quem era o dançador. Passados dias voltaram de novo
ao matto usando das mesmas precauções anteriores, viram outra vez
o porungo e as varas se mexerem e uma voz que cantava desta vez :
dou camá corô é, que agnan kananban. Coyogda emi nô ting : E qui
mațin ... E ' qui matin . Decoraram novamente o canto e examinando o
chão acharam tudo como da primeira vez. Abriram o porungo e acha
ram nelle somente pequenas sementes,pretas e duras, mais nada. O ins
tincto de imitação fez com que eles preparassem outras iguaes tal qual
acharam ; fizeram uma festa, dançaram e abrindo a bocca, que antiga
mente era muda, cantaram os dois cantos que tinham ouvido, fazendo
com as varas que seguravam nas mãos os mesmos movimentos que ti
nham observado.
Com o tempo foram compondo outros cantos e inventando outras
danças, mas em suas festas principaes começam sempre por estes .
Passadas algumas luas e sempre intrigados com quem poderia ter sido o
dançador e cantor, um Cayurucré foi ao matto e caçando deparou
com um Tamandúa - inirim . Levantando o seu cacete para matal-o o
bicho ficou de pé e principiou a dançar e a cantar as modas que elles
tinham aprendido. Então o Cayurucré ficou sabendo quem tinha sido
o mestre de canto e Cança. Depois de dançar o Tamandúa disse ao
Cayurucré : da-me teu cacete que eu o quero examinar para te dizer
a que sexo pertence o teu filho que vai nascer. O Cayurucré cedeu ao
pedido e o Tamandúa dançando disse-lhe : Eu fico com o cacete, teu
filho será homem .
Isto ha de servir de signal á tua gente ; quando encontrarem
commigo e me derem os seus cacetes, e eu ficar com elles, seus filhos
serão homens, mas si eu deital- o fóra depois de dançar, serão mulheres.
Os Tamandúas sabem muitas outras cousas e presumem os Kain
gangués que elles tivessem sido a primeira gente que existiu antes
d'elles, mas que de velhos perderam a fala e os dentes. Quando elles
os encontram entregam- lhes os cacetes e não os matam ; si elles os
seguram estes indios ficam alegres, sendo motivo de festa, onde o
goiffá corre sem cessar " .
Isto sobre os Coroados.
Vejamos agora algo sobre os Cayuás que, como é sabido, formam
uma grande ramificação do gentio guarany.
- 336

Elles são encontrados de ambos os lados do rio Paranapanema até


além da margem esquerda do Rio Tibagy e nas immediações da Serra
do Diabo n'este nosso Estado . Foi na colonia dos Coroados perto de
S. Pedro do Turvo que poude estudar mais minuciosamente este typo
de indio onde vivem em harmonia amistosa e até ligam -se marital
mente com estes .

Esses Cayúas vieram do Jatahy , no Estado do Paraná. Lá elles


habitam , em pequeno numero, as florestas do districto desta colonia ,
tendo vindo, como anteriormente do Paraguay , aonde habitam o valle
do Paraná . Para o Paraná vieram a convite dos sertanejos Lopes e
Elliot em numero de 400 a 600 individuos. Estes pobres indios, como
todos os demais de outras tribus, são excessivamente sujeitos a mo
lestias e devido a forte epidemia de variola, que reinou no anno 1876,
ficou este numero reduzido a 200 .
O aldeiamento existente na margem direita do Paraná compõe-se
de indios mansos; estes , porém , nunca perderam , apezar do continuo
contacto com sertanejos civilisados e caçadores, sua propria indole e
guardam com persistencia seus antigos costumes, herdados dos avós e
bisavós, conhecendo perfeitamente as suas lendas, e sepultando os seus
mortos tal qual fizeram os bravios.
Quando estive na Fazenda do Sr. Jeronymo Magalhães perto de
S. Pedro do Turvo, tentei tirar algumas photographias, o que, porem,
desisti de fazer por se terem apresentado estes indios com vestuarios
inodernos, e portando absolutamente sem valor pratico e scientifico .
As mulheres são sympathicas e pode-se dizer mesmo bonitas : diz
Telemaco Borba, que se usassem enfeites, e eu acrescento , si usassem
o espartilho da mulher culta, ellas causariam inveja a muitas das
nossas damas , que muitas e muitas vezes não podem ser comparadas
com as guaranys no que diz respeito a formas proporcionaes do talhe.
Seus cabellos compridos, algumas vezes um pouco ruivos, são penteados
de diversas maneiras.
Os homens, com os quaes estive diversos dias n'uma interessante
caçada e pesca no Rio Paranapanema, proximo á cachoeira da Fi
gueira, eram robustos, fortes, de estatura alta, cabellos completamente
negros, aparados na frente e tanto na núca como dos lados, cortados
abaixo das orelhas. Os dentes nada mais são do que um alvissimo
collar de perolas reluzentes dentro de uma bocca de tamanho regular .
Tanto o labio superior como o queixo, é provido, como se dá com
0 nosso indio em geral , de pouca barba ; pés e mãos tem tamanho
proporcionado ao corpo .
No estado selvagem, os homens desta tribu de indios usam uma
tanga e um pequeno poncho , que lhes chega até os joelhos ; as inulheres
337

cobrem-se com uma especie de camiza sem mangas, tendo somente os


vãos para os braços, tudo isso feito das fibras de algodão, em teáres
muito primitivos e toscos, parecendo -se antes com instrumentos pre
historicos.
As suas casas comparadas com as choças dos Kaingangués são
altas, feitas de seis esteios com uma forquilha na ponta que seguram
a terça e a cumieira ; sobre estas madeiras roliças e fortes, correm al
guns caibros que por sua vez sustentam ripas amarradas com cipós.
Sobre toda esta armação estende -se espessa camada de folhas de pal
mito ou de outra palmeira qualquer. Chegando esta cobertura pouco
alem das paredes lateraes, é logico que estas sejam feitas com mais
capricho, e assim eilas são fabricadas de esteios bem unidos e bem
amarrados com cipós.
Não ha no interior da cabana repartição alguma, nem estrados em
que se deitem ; dos esteios da casa pendem redes, tecidas geralmen
te de fibras do tucum , debaixo das quaes em tempo frio fumegam alguns
tições para aquecerem o proprietario do leito, que geralmente é muito
sujeito a frio e teme as constipações como nós tememos qualquer
molestia contagiosa .
Cada familia tem o seu fogo especial e sendo estes indios amantes
de passaros, do gorgeio destes volateis innocentes, suas choças estão
geralmente cheias de alegres e multicolores companheiros.
Os utensilios usados por elles indicam incontestavelmente um grao
superior de cultura aos Kaingangués ; nas suas choças existe maior
variedade delles ; além do indispensavel tear para o fabrico das tangas.
ponchos e camizas, vêm - se panellas de barro, que servem para cosinhar
o argú de milho soccado. balaios para o transporte de milho, peneiras
para coar o milho soccado, o pilão para soccarem este, grandes porun
gos para carregar e depositar agua, facões de madeira para roçarem,
colheres de pau para mecherem a comida e as indispensaveis armas de
caça e guerra , compostas de arcos e flexas farpadas de um só lado, e
feitas com bem pouco capricho .
Chegando algum estranho a um aldeiamento deste povo, todos se
encoihem de acanhamento e de desconfiança, ficando , assim horas e
horas, si o desconhecido se não arredar das proximidades.
Conseguindo - se, porém , a amizade desta tribu, os individuos que
a compõem tornam - se verdadeiros amigos , leaes e dedicados das pessoas
de sua sympathia, porem inimigos daquelles que os maltratam, consi
derando maior offensa qualquer castigo physico que se lhes infringir
Elles são, portanto, de caracter opposto aos já citados Kaingangués.
Sendo de uma persistencia admiravel, poder-se-ia presumir que
tivessem sangue germanico, pois, alem de serem pacientes, não aban
donam com facilidade um emprehendimento qualquer ; gastam semanas
338

e semanas na confecção de suas cabanas, o que não é de admirar levan


do-se em consideração as ferramentas primitivas de que se utilizam,
e ás vezes levam annos e annos no fabrico de uma canoa que muitas
vezes quando a concluem está podre, sendo então remendada e utilizada
com espantosa agilidade .
Quando vão caçar passam a noute em claro á espreita da caça
que vem aos barreiros situados nas margens dos rios e regatos, lamber
o salitre do lodo pisado ; na pesca, á qual são muito affeiçoados, podem
manejar a linha dias e dias consecutivos sem se cançarem , dormindo,
então, na propria canoa, que é levada para debaixo de uma copada
arvore. Geralmente elles se utilizam do dia para a pesca e da noute
para a caça , alternando tambem esta ordem , e sendo a pesca executada
de diversas formas, praticando principalmente a pesca denominada
" Promombó ” .
Diz- se, que em combates, sendo os Guaranys de boa indole nunca
são os atacantes mas sim sempre os atacados ; para vingarem -se , po
rem, são arrojados na lucta e os mais ageis inimigos temem as suas
flexas , sempre certeiras , os seus cacetes e as suas temiveis clavas em
forma de remos .
Dizem os lavradores do Paranapanema que preferem lidar com
os Guaranys do que com os Kaingangues nos trabalhos agricolas, por
serem os primeiros mais estaveis e resistentes á enxada, supportando
melhor as chuvas e ventos do que estes. Como canoeiros são admira
veis ; naturalmente superiores aos Kaingangués que não nadam e muito
menos se atrevem a chegar numa canoa . Tive occasião de observar a
agilidade da tribu em questão é preciso confessar francamente que
canoeiros destemidos como estes nunca vi e não me recusaria fazer
excursão perigosa por saltos e cachoeiras si soubesse existir um unico
canoeiro Guarany na embarcação .
Contrariamente aos Kaingangués elles gostam de se enfeitar e
quando ha festa no aldeiamento usam seus cocares, que de costume
estão dependurados na trava acima de sua rede, junto com as suas
armas, e que são objectos lindos, feitos de pennas de passaros, de va
riadas cores ; enfeitam -se com os seus collares e pulseiras confeccio
nadas de sementes entremeadas com pennas de tucano ; muitas vezes
em logar de sementes são usados pequenos dentes perfurados com
instrumento penetrante .
A semente do urucú e a tinta extrahida da seiva do genipapo ser
ve - lhes para traçarem sobre o rosto e partes do corpo não cobertas,
linhas curvas e desenhos simples . O tembetá, adorno que já se acha
nos Sambaquis das nossas costas, por conseguinte adorno antiquissimo,
de forma cylindrica, é feito da resina do Jatahy, ou de outras plantas
- 339

resinosas como da araucaria brasiliensis; é usado quasi constantemente


e por ser relativamente pesado e não deixar os beiços se fecharem fa
cilmente, devem ter incontestavelmente modificado a lingua que fala
este povo .
Este adorno, o tembetá, é detestado pelo Kaingangué que, vendo
o furo no beiço de um guarany, o appellida de cova de tateto.
Devido á indole estavel dos Guaranys, elles cuidam mais das pro
prias roças, dão -se mais com a lavoura do que os já descriptos Kain
gangués. Elles não dispensam o milho, de que fazem bolos assados nas
cinzas, bolos estes envolvidos previamente em folhas largas de qual
quer planta ; conhecem o feijão, que comem cosido, cultivam aboboras
e batatas doces, assim como a canna de assucar, tambem cultivam o al.
godão, em pequena escala , para o fabrico das suas vestes.
Estes indios são gastronomos tal qual os Coroados, porem sabem
ser moderados quando lhes falta o necessario alimennto .
Havendo, porem , caça e pesca sufficiente elles nada negam ao
hospede e comem a qualquer hora tendo appetite.
E' na epocha da maturação dos frutos que são feitas as maiores
festas e é ahi que se reconhece a hospitalidade deste bondoso indio. A
canna é moida com engenhos muito primitivos de cujo caldo é feito o
cauin , bebida fermentada e altamente embriagante .
Havendo cauin sufficiente no aldeiamento os visinhos são convi.
dados para uma festa e de boa vontade todos acodem .
Reunidos os hospedes é fincado um esteio no terreiro do festeiro
ou cacique, sobre o quai é collocado o cocar, o collar, as pulseiras e o
maracá e ao redor do qual todos os homens presentes formam um vasto
circulo . O chefe avançando então ao poste e collocando sobre o proprio
corpo os adornos, toma na mão direita o maracá, o caracachá, como
as crianças chamam-n'o, e na mão esquerda um bastão, todo enfeitado
de pennas. Depois de uma curta saudação ao “ Sol, nosso avô grande"
– pahy nhanderú tubixá, pedindo-lhe fartura nas colheitas e que livre
a tribu de maus inimigos, volta ao circulo, e manejando constantemente
maraca, e seguido pelos companheiros em passos cadenciados, can
tando todos : E' é' é' é' avançam por muitas vezes ao poste. Durante
esta cerimonia o cauin é servido em cabaças pelas mulheres , que no
principio não tomam parte no divertimento. Os mais fracos, que não
supportam as consequencias deste alcool, a medida que vão cahindo
ao chão, são retirados pelas mulheres e collocados nas redes, esten
didas especialmente para este fim . Cahindo o ultimo homem embria
gado, as mulheres imitam -n'os tanto nas danças como nos cantos e
orgia depois de terem dirigido uma saudação a Jacy - a lua - Só
algumas mulheres velhas e feias ficam de guarda, sem terem usado
- 340

do appetitoso cauin para poderem levar as embriagadas ás redes e cuida


rem bem dos dorminhocos.
Falei do tembetá em linhas anteriores e devo confessar, que não
acredito que seja este objecto um simples adorno, mas sim que tenha
elle alguma significação religiosa ou mesmo supersticiosa . O tembetá ja
foi encontrado nos Sar.baquis da zona de Iguape, sambaquis estes
calculados em 15 a 20 seculos ; ora , é mais facil uma moda, um
uso ou costume se modificar do que um rito religioso ou uma su
perstição ; tambem, si o tembetá fosse simples adorno, não se fariam
taes cerimonias como fazem os indios, dos quaes tratamos no momento,
quando perfuram o labio inferior de um individuo, e quando ainda
criança .
Este uso consiste no seguinte : tendo attingido uma criança da
tribu 10 a 12 annos de idade, os habitantes dos aldeiamentos visinhos
são convidados para assistirem á cerimonia, que dura pelo menos qua
tro dias e cujo convite é acceito, já porque nestas occasiões o cauin é
servido fartamente e mesmo por ser esta cerimonia uma das mais
imponentes festas da tribu .
Antes do convite ser expedido, são preparados pequenos tembetás
de resina de Jatahy, Guassatunga, Pinheiro etc., cocares de bellas
pennas e as pulseiras. Principiando a festa os candidatos não devem
se alimentar e recebem neste dia tanto cauin quanto puderem suppor
tar. Logo que estão embriagados, um indio, especialista no officio,
perfura o labio inferior da criança com um osso agudo e previamente
apontado n'uma pedra ; immeditamente é introduzido um pequeno
tembetá na perfuração . Em seguida elle é conduzido pelo pai á rede.
onde lhe são collocados os adornos previamente fabricados , cobrindo- o
a mãe com pennas de passaros e deixando - o descansar até que por si
desperte da embriaguez,
Depois da perfuração o alimento da criança consiste em iguarias
liquidas até que cicatrize o orificio . Pouco a pouco é augmentado o
tembetá em tamanho e diametro .
Todos os Guaranys resp. Cayuás, são monogamos e adquirem a sua
mulher, obtendo a noiva em troca de utensilios de grande necessidade,
raras vezes ellas são vendidas pelos pais , isto, porem , só se da quando
• aldeiamento é perto de um povoado e o valor do dinheiro é conhe
cido por elles .
Depois da troca ou venda realizada são convidados os habitantes
das tabas visinhas para festejarem o enlace matrimonial,
Ali se bebe demasiadament o cauin, com excepção dos noivos que
se absteem por completo do mesmo, fugindo, sem serem percebidos,
com a mãi da noiva, embrenhando -se nas mattas proximas, aonde a
- 341

mãe ensina a filha nos deveres de mulher e de boa mãi de familia ,


deixando -os, então, sosinhos perto da rede feita pela noiva . A lua de
set deve então ser sem preoccupação alguma, passando - a os recem

casados pescando, procurando aveieiras e caçando. Depois de decorridos


dias voltam a casa do pai da mulher, que os recebe com alegria e
junto ao qual ambos ficam, fazendo parte da familia, auxiliando - se
mutuamente na pesca , caça e lavoura .
Morrendo um destes individuos é sepultado com a rede na qual
failecera, fazendo os companheiros da taba, para esse fim, funda cova. A
rede é presa na cova de tal forma que não encoste na terra. Sobre o
morto, a certa distancia, é feito um verdadeiro estrado de páos roticos,
sobre o qual vão atirando terra até encher a cova. Sobre este tumulo
assim preparado, collocam -se os enfeites e armas do morto e algumas
panellas com alimento, não devendo naturalmente faltar o tão apreciado
cauin , que é renovado diariamente, até que cresçam hervas sobre o chão.
E' muito natural, attendendo -se á boa indole do Cayuá, que os
companheiros de tába façam o possivel para salvar o doente e como
inedicamentos empregam muitas hervas cujos effeitos conhecem per
feitamente. Além do emprego das hervas, tes indios teem por costume
bafejar e soprar a parte dolorida ou affectada do enfermo, assim como
collocar as mãos sobre o corpo doente. E' provavel que se utilizem
de meios sympathicos e supersticiosos como espinhas de cobras, os
sos de sapos, lagartos, casca de tatú etc. , para acalmarem as dores
do paciente e não duvido absoluta mente que certos usos de curar,
entranhados no nosso povo tivessem sido tirados justamente dos
Guaranys.
Em occasiões criticas é geralmente chamado o curandeiro , que
antes de agir na profissão colloca debaixo da rede do doente brazas
de lenha enxuta e folhas de plantas aromaticas e medicinaes. Estes
curandeiros são tão venerados como temidos, morando sempre em
casas compietamente isoladas do aldeiamento, attribuindo-se-lhes além
da faculdade de curar , o poder de sustar a morte quando bem en
tenderem . Ignoro por completo si cada aldeiamento tem o seu curan
deiro especial ou si este é utilizado por diversas aldeias visinhas.

Seja-me licito agora dar um exemplo da conjugação do verho


Areco, para mostrar como a lingua desta tribu é diversa da
dos Kaingangues ; é, porém, necessario dizer já que os Cayuás falam
o Guarany um pouco modificado do antigo, do verdadeiro Guarany,
descripto por Montoya e outros.
342 -

O presente do indicativo seria .

1." pessoa Che arêcoma


2.a singular : Dee erirecoma
3.9 99 Ahe oguerecoma
1.8 pessoa Nhande jarecoma
2.a 9 . plural : Peen perecoma
3.a Enuiva oguerecoma

O imperfeito seria conjugado da seguinte forma :


1. pessoa Che arêcoma vaecue
2.a 10 singular : Dee arêcoma vaecue
3. Ahe arêcoma vaecue

1.a pessoa Nhande jarecoma vaecue


2. * plural : Peen perécoma vaecue
3.a .. Enuiva oguerêcoma vaecue

e finalmente, para concluir com os exemplos, seria o futuro .

1.a pessoa Che arecó ne

2." singular : Dee erecó ne

3.a Ahe orecó ne

1.a pessoa Nhande jarecó ne

2.a 99 plural : Peen perecó ne

3.a Enuiva oguerecó ne .

Estes exemplos são tambem citados por Telemaco Borba, que


julga ser enuiva da terceira pessoa do plural “ muitos" e não elles.
Antes de concluir com a descripção desta tribu seja-me permit
tido narrar uma lenda guarany resp. Cayua ; havendo porém , lendas mais
belas entre este bom povo. Eil - a :
Elles eram só dois , marido e mulher ; esta devia ter logo um
filho. O marido teve a ideia de fazer uma roça, fel -a, queimou - a e
mandou a mulher plantar. Logo que ella voltou do seu trabalho o
marido ordenou-lhe ir de novo á mesma roça para buscar milho para
ambos comerem . “ Agora mesmo plantei a roça e já queres que ella
tenha milho verde para comermos ! isto não é sensato " , replicou a
mulher indignada. “ Vá, ordenou novamente o marido, a roça já está
boa, o nosso filho que vai nascer quer comer". Estando, porém , a
mulher cansada e não querendo sujeitar-se ás imposições do marido.
- 343

não lhe obedeceu e raivosa disse-!he : “ voce diz que o seu filho tem
vontade de comer , pois saiba que o meu filho não é seu " . O marido
ouvindo isto entristece, abandonando - a . Esta não vendo, depois de
decorrido algum tempo , o marido, affligiu-se e começou a procural -o.
Finalmente achou o seu rasto , seguindo - o perdeu - o novamente por ter
elle pisado em chão areento . Ella começa a chorar e o filho, pro
ximo a nascer, condoendo -se da mãe, disse -lhe : siga o caminho a
direita " . Ella seguindo a vereda indicada e andando muito , chega
finalmente ao cume de uma serra donde tinha uma larga e linda
vista , podendo perceber ao longe o marido que já descia outra serra ,
perdendo - o de novo . Ella não desanimou, seguindo - o até chegar n'uma
encrusilhada e não sabendo si devia ir á direita ou à esquerda, ou
seguir pelo mesmo caminho , começou de novo a chorar . O filho dis
se -lhe então desta vez : " segue á esquerda, que encontrarás teu ma
rido ; meu pai não está longe " . Caminhando, sempre mais desesperada,
chegou ella a um arraial aonde havia lindas flores ; ahi o filho
pediu -lhe que apanhasse algumas d'ellas ; accedendo ao pedido ella
foi n'esta occasião picada por um marimbondo , que n’ellas sugava o
delicioso nectar . Chegando a uma nova encrusilhada o filho disse -lhe
novamento : segue á direita, mas apanha -me aquellas flores , que são
ainda mais lindas e mais cheirosas do que as que trazes comtigo " ,
Ella , colheu -as, mas desta vez foi picada por uma grande vespa , que
se refrescava nas sombras de petalas multicolores. A mãi , zangando - se,
deu uma palmada 110 logar aonde estava o filho . Quando ella chegou
pela terceira vez a uma encrusilhada e perguntardo ao filho qual o
caminho que devia seguir, este, vexado, nada lhe respondeu , calan
do-se completamente. Eila tomou a esquerda e foi dar á tóca dos ti
gres , das onças pintadas, situada na beira de um grande precipicio :
justamente na entrada estava deitada a avó dos tigres a quem a po
bre viandante perguntou si tinha visto o seu marido. Aquella , olhan
do - a desconfiada e rugindo, disse -lhe que os unicos entes vivos que
havia eram os seus netos, que no moment andavam caçando e que
si a percebessem a devorariam .
A mulher, com fome, pediu -lhe alguma cousa para comer e en

tão o velho animal deu - lhe uma perna de veado. Terminada a re


feição foram ouvidos leves passos dos tigrinhos que voltavam da
caça . A velha, chamada Jary, temendo que a pobre india fosse de
vorada, escondeu - a debaixo de uma peneira. Os tigrinhos, Jaguaretés ,
foram entrando com as suas caças , macacos, veados, tatetes ; por ul
timo entrou uma onça pintada que não tinha caçado cousa alguma.
Logo que esta entrou, percebeu pelo faro, que havia alguma cousa
de anormal em casa e disse bruscamente, á moda dos tigres, á avó :
voce tem ahi na tó a carne de boa qualidade e ella está bem escon
- 344

dida , mas eu achando -a , devoro- a " . Procurando, encontrou debaixo


la peneira a pobre india, que de mêdo se encolhia e retirando - a d'ahi,
comeu-a por inteiro .
A velha Jary pediu ao neto que lhe deixasse pelo menos o filho
que devia nascer , pois sendo já os proprios dentes gastos e estraga
dos , só se podia satisfazer com petiscos tenros .
O tigre, accedendo ao pedido, devorou a pobre india guarany,
deixando em uma gamella os filhos, que então verificaram ser dois.
A velha tigre sentindo em certa occasião grande fonte, quiz es
petar as creanças para assal-as, não logrando o intento por desvia
rem - se sempre da ponta do espeto ; quiz então quebrar-lhes cabeça e
ossos com uma pedra, o que não conseguiu, pondo-os em seguida den
tro de um pilão para reduzil-os a pedaços, mas saltando elles sempre
fóra quando erguia a mó. Cançada a velha deixou -os no chão ; quando
os tigres foram caçar, o maior dos irmãos, chamado Derekey, isto é,
irmão mais velho, levantou -se e pedio á velha que lhe ajudasse a
fazer um arco e flechas e ensinasse a caçar. A velha assim fez e o
rapaz caçava passaros, comia-os e levava o resto para a Jary, que
com isto vivia contente ; o irmão menor, Derevuy, isto é, o irmão
mais moço , não comia e chorava continuadamente de fome. Então o
mais velho procurou fóra da tóca pelos ossos da mãi, achando -os
juntou-os como si estivesse compondo um esqueleto humano ; fal
tavam porém , os ossos da coxa e do braço. Composto o esqueleto foi
cobrindo-o de carne ; estava já com os seios promptos, quando De
revuy , avido de mamar, saitou sobre elles desmanchando toda a obra
do irmão. Derekey começou de novo a compor o esqueleto, mas o ir
mão impaciente desmancha - o pela segunda vez. Derekey desanimou,
e o irmãozinho chorava de fóme, porém , no desanimo dando com o pé
no tronco de uma arvore furou-o, percebendo então que delle sahiam pe
quenos insectos parecidos com mosquitos. Poz a mão no furo e tirou-a
completamente melada e melosa ; esperimentando-a achou que o li
quido era doce, elle tinha descoberto o mél ; dando ao irmão, este
saciava a fome.
Ambos cresciam e ficavam sempre maiores mestres na arte de
caçar .

Em uma certa occasião, quando andavam negociando, perceberam


um jacú e uma bella arara. Derekey já preparava a flecha para alve
jal-as, quando a arara lhes disse em tom choroso : “Para que andas
matando os passaros, é somente para dal-os a comer aos tigres que
estracalharam a tua mãi e a devoraram ? E' melhor que voces matem
a velha Jarye OS seus netos e que vão procurar o vosso pai que
está ainda vivo .
- 345

Derekey ficou admirado de ouvir a arara faiar e continuando a


conversa com esta, contou - lhe tudo o que tinha acontecido a sua
mãi, e ensinou-os em seguida a fazer mundéos, dando-lhes uma pe
quena pedra para collocar em cima deste. Ambos voltaram á gruta,
fizeram uma armadilha tal qual lhes tinha ensinado a arara, isto tudo
diante de um precipicio aonde moravam .
Os tigres vinham chegando de um a um e vendo o arranjo des
conhecido, perguntaram - lhe para que elle servia. Derekey dizia-lhes
que era para caçar ratos e estes, duvidando, entraram no mundéo
para examinal -o . Assim foram todos mortos e jogados ao precipicio
exceptuando-se um tigre femea e a Jary, que estavam na gruta .
Chegou o tigre que não quiz entrar e rodeando o mundéo topou
com os outros companheiros já mortos e de medo disse : não me
matem , eu quero acompanhar voces.
Chamaram tambem a Jary e os quatro puzeram-se a caminhar.
Chegando a um rio fundo, Derekey vergou uma arvore fina e alta,
passou -e convidou a Jary e a tigreza para passarem. Quando ambas
estavam no meio da arvore elle a soltou, Jary morreu afogada e a
companheira saltou para traz no barranco firmando-se com as unhas.
Derekey gritou a Derevuy que a derrubasse na agua, mas este ultimo
de medo, deixou-a escapar . E' porisso que ha ainda onças no Bra
sil . O mais velho zangando-se com o irmão por ter deixado escapar
a onça, não quiz mais abaixar a arvore para este passar, e Derevuy
ficou só do outro lado do rio, sem ter o que comer . Desta forma fo
ram ambos andando pelas margens, cada um do seu lado, sem se po
derem encontrar . O irmão mais novo teve fome e vendo uma árvore
cheia de frutos pretos, bellos, pegados por um pequeno cabo aos ga
lhos e tronco perguntou a Derekey si podia comel-os . Este disse-lhe
qué os comesse, que eram bons, que eram jaboticabas. Fartou-se das
fructas e continuou a andar, mais adiante, porem , encontrou outras
fructas pretas menores do que as primeiras, porem nas pontas dos
galhos. O mais velho disse ao irmão que as comesse, que eram tam
bem boas, que eram piúnas , mas que guardasse as sementes e que
quando fizesse fogo as deitasse n'elle . Isto foi feito e quando as
sementes começaram a arrebentar o irmão foi jogado para o outro
lado do rio, onde estava Derekey.
Continuavam ambos a sua marcha pelo matto, alimentando - se
de fructas e de mel e para furarem os abelheiros serviam- se de lascas
de pedras.
Em uma certa occasião viram um bando de coatis sobre uma

arvore, suas flechas eram pequenas, não os podiam matar e gritando afim
de ver si alguem os ajudava, ouviram em seguida uma resposta
bem de perto . Dahi a pouco appareceu- lhes um homem de
346

estatura mediana, reforçado, com olhos verdes e o corpo pintado de


vermelho, carregando na mão um grande cacete. Elles conheceram que
era o Anhan que ordenou a Derekey que subisse na arvore para derru
bar os Coatis ; quando estes atiravam - se da arvore Anham matava-os
deixando escapar as femeas.
Só um Coati ficou sobre a arvore ; Derekey não lhe quiz sacudir de
medo que o Anhan o matasse tambem ; mas este ordenou -lhe que der
ribasse o galho. Sacudiu - o e o Coati, velho chefe do bando, saltou
longe e fugio . Anhan zangou -se e quando Derekey descia da arvore
deu -lhe forte pancada jogando - o ao chão . Fez um grande jacá de
cipó, poz Derekey dentro junto com os Coatis mortos. Mas a carga
era muita e o matto espesso, porisso Anhan sentou -se descendo o
cesto e limpando o suor com a mão disse : " E ' melhor fazer pri
meiro o meu caminho e depois buscar o jacá, do contrario canço
demais e não posso andar " , e continuou a sua jornada com o cacete
na mão . Quando já ia longe Deveruy apossa - se do cesto e substitue
o irmão por uma grande pedra, Anhan voltou , carregou o cesto e
levou - o a sua morada .
Derevuy chamou o irmão mas este não respondia , parecia ter
morrido . Derevuy pol-o em pé, então elle falou e disse que queria
comer ; o irmão menor colheu Guavirovas e deu -as a Derekey. Este
fortalecendo- se continuaram ambos o caminho que o Anhan tinha
tomado .
Anhan , chegando em casa , foi recebido pela filha que se admirou
da muita caça . “ Minha filha, disse elle, no fundo de cesto ha cousa
melhor ” . A filha , então tirando os Coatis e virando o jacá fez cahir
a pedra. ( Anhan vendo que tinha sido enganado, sahiu correndo e
zangado disse, vou procurar minha boa caça " .
Derekey e Derevuy avistando - o de longe puzeram uma grande
pedra no meio do caminho e esconderam -se. Anhan tropeçou n'esta
e a pedra transformando -se n'um veado que correndo dizia : Méé, méé :
Anhan correu atraz do veado, Derekey com um cipó fez uma lacada e ,
quando o veado já cançado, passou perto, laçou - o e chamando Anhan
entregou - o .
Anhan convidou a ambos irem morar com elle, acceite o Con
vite Derevuy casou - se com a sua filha que era bonita e moça. Esta
teve um filho .
Uma occasião em que o Anhan estava examinando se as ar
vores estavam fortes para resistir ao vento que tinha de vir, Dere
key e Derevuy fugiram levando o filho. Andaram muito tempo,
quando cançaram pararam numa montanha. Derekey subiu, então, a
uma arvore grande e gritou : Nhanderú, Nhanderú (nosso pai, nossu
pai ) , respondendo o pai “ venham todos eu estou aqui" . Elles fo
347

ram e quando chegaram onde estava o pai, viram que elle era um
homem branco com a barba e os cabellos louros, a cara, porem , pin
tada de vermelho com urucú . Tinha cinto , pulseiras e cocar de pen .
nas vermelhas , os olhos eram como a luz do fogo ; ficaram com
medo e conheceram que o pai delles era Tupan, que governava o mun .
do inteiro. O pai perguntou -lhes pela mãi , elles contaram o que tinha
succedido a ella e os trabalhos porque tinham passado. “ Vamos para
a minha morada descançar” , e elles foram e durante a conversa

Tupan perguntou como queriam andar. “ Eu quero o dia ” , disse Dere.


key" " e eu quero andar no escuro , disse Derevuy " . Pois Derekey
seja o sol e Derevuy a lua, Derevuy á noute dormia na rede da tia.
Esta, para o conhecer de dia , pintou -lhe a cara com tinta de genipapo
e é porisso que a lua tem manchas. Derekey foi sempre casto e puro.
O sol é limpo e sem manchas. Elles são os nossos pais, e vivem ca
minhando sempre para chegar á morada de Vhandejára, do nosso
avô grande ; Tupá é o nome do trovão, nós não o adoramos . Do fi
lho de Derevuy e da filha da tia é que principiou a nossa gente ; nós
somos Guaranys porque gurá, a arara , nos pediu de não a matar , e
em homenagem a este passaro é que nós assim nos chamamos.
INDICE

Pags.
FOLGANÇAS POPULARES DO VELHO SÃO PAULO , por
Affonso A. de Freitas membro benemerito do Instituto . 5

QUEM ERA O SOROCABANO BENTO MANOEL RIBEIRO ?


pelo tenente coronel Pedro Dias de Campos, membro honorario
do Instituto 33

O MATERIAL BELLICO DA VARZEA DO CARMO, por Af


fonso A. de Freitas, membro benemerito do Instituto . 57

UMA CARTA DE OZORIO, pelo tenente-coronel Pedro Dias de


Campos, membro honorario do Instituto . 65

CAPITANIAS PAULISTAS por Benedicto Calixto , membro ho


norario do Instituto . 89

FAGUNDES VARELLA pelo dr. Affonso de Freitas Junior,


membro effectivo do Instituto . 303

OS INDIOS DAS MARGENS DO PARAPANEMA, pelo dr.


Edmundo Krug, membro honorario do Instituto 317
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