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CONSTRUINDO-SE COMO TERAPEUTA OCUPACIONAL Lucy T. Akashi Terapeuta Ocupacional, Docente do Curso de Terapia Ocupacional da UFSCar, Doutora em Psicologia Escolar ¢ Desenvolvimento Humano Resumo: Este é um estudo sobre o primeiro contato dos alunos de terapia ocupacional com sua clientela, investigando 0 que os estudantes"trazem cultural e emocionaimente ‘9m relagao ao paciente e ao seu papel de terapeuta. A coleta de dados foi obtida através de atividades de jogos e modelagens. A andlise dos dados foi qualitativa. Os resultados desvelam uma rede de significagdes e mostram o caminhar dos alunos na formagao do seu papel profissional, envolvendo questées profissionais, ‘em si, como pessoais € sociais, que podem interferir no processo de ensino- aprendizagem. Palavras-chave: terapia ocupacional, atividade, paciente, relagéio paciente- terapeuta, estudante Este trabalho € parte da tese de doutorado apresentada ao Instituto de Psicologia da Universidade de Sio Paulo, na Area de Concentragdo em Psicologia Escolar e do Desenvolvimento Humano em 1998 e foi apresentado no VI Congreso Brasileiro de Terapia Ocupacional em 1999. 0 que gostaria de pontuar aqui, € que para que isto ocorra, é importante lembrar que a “metabolizacao” nao € tio simples quanto possa aparentar, pois ninguém parte do zero, Muitas vezes 6 preciso fazer uma revisio dos conceitos e pré-conceitos adquiridos, para entéo poderem ser somados aos novos, formando talvez. um outro novo ou uma “tessignificagao” 38 Cad. Ter. Ocup. UFSCar, 2000, V.8, n.1 Quando se fala em integragio e participagio social da pessoa com deficiéncia lista-se uma série de barreiras que dificultam esse processo: legislativas, anquitetOnicas, policas, econdémicas,culturais,atitudinais. E neste sentido, os profissionais da saiide também podem ter atitudes no facilitadoras e podem vir a perpetuar esta situagao, Toma-se portanto desejavel que os terapeutas cexaminem seus sentimentos, crengas € comportamentos concementes &s pessoas com deficiéncia com as quais trabalham, Para reforgar este argumento, Roush (1986) diz que 0 verdadeiro desafio da reabilitago nfo é © desenvolvimento tecnolégico e medicamentoso, mas vencer as barreiras atitudinais na interagio e nos relacionamentos. B para complementar a idéia, alguns autores como Lyons (1991, 1993), Eberhardt e colbs (1995), Estes colbs (1991) falam sobre a necessidade de se saber como € 0 processo de socializagio dos alunos, para que haja melhor aproveitainento do ensino e da prtica profissional e apontam 0 quanto a pr6pria escola transmite atitudes ¢ valores. Assim, partindo dessas idéias ¢ pensando no processo pelo qual passa o aluno de graduagiio em terapia ocupacional da Universidade Federal de Sao Carlos e, quem sabe, 0 préprio profissional formado, ‘outros alunos e profissionais que lidam com sade & educagto, procurei verificar se o que vinha observando e sentindo, de forma assistemstica, podia ser verificado sistematicamente através da busca do que acontece & como _acontece, do ponto de vista _simbélico_e considerando a bagagem prévia do_aluno, quando este defronta imaginariamente ¢ realisticamente com seu jor de deficiéncia, Partindo de questies relativas a preconceito, cstere6tipos e estigma, esta pesquisa procurou, de forma sistemética, investigar, por um lado, o que os estudantes de terapia ocupacional trazem.nas suas “bagagens” cultural e emocional em relagio a pessoa com deficiencia, como sendo uma das possibilidades de ser um elemento que interfere em seu processo de ensino- aprendizagem © eventualmente, no futuro exerefcio profissional. Por outro lado pretendeu conhecer os ist6ria” no desenrolar da desdobramentos dessa “pré: disciplina e, até mesmo, a reconstrugio possivel da postura em relagio & clientela. Em relago a metodologia utilizada na pesquisa, foi considerado que uma vez. que se estava trabalhando com conceitos, atitudes © sentimentos; procurando conhecer a “bagagem” trazida sobre a pessoa com deficiéncia, pensei que a verbalizagao destes contetidos poderia dificultar a expresso das pessoas; assim sendo ‘optei pelo uso da atividade como sendo o recurso principal para a coleta de dados. Acredit material poderia proporcionar indicadores sobre as concepcées dos participantes acerca do seu virtual (e posteriormente presente) interlocutor no processo que esse terapeutico. Por estes motivos escolhi para a coicta de dados a atividade, recurso. de terapiaocupacional, ¢ especificamente a modelagem em argila pela possibilidade de expresso dé um sentimento, um pensamento, um agir, também pela possibilidade da cemergéncia do inconsciente, pelo tipo de material, que é primitive por si s6, simbélico até religiosamente: “ir do pé e voltar a po”. A intengio foi a de criar, através das atividades, a oportunidade para que as imagens do inconsciente encontrassem formas de expresso de vivéncias internas 1ndo verbalizaveis por se acharem fora do alcance das Cad. Ter, Ocup. UFSCar, 2000, V.8, n.1 39 elaboragdes da rao e da palavra. Claro esté que isso ndo se aplica necessariamente 86 sobre quem no esta em condigées de verbalizar suas profundezas, mas para quem nao tem claro 0 que sente, ‘© que pensa, no momento, sendo entio a atividade uma possibilidade que auxilia na organizacio dos sentimentos © ppensamentos. Assim, foi feita uma pesquisa qualitativa envolvendo 18 participantes, alunos do curso de graduagio em ‘terapia ocupacional, iniciando seu primeiro contato direto com a clientela ‘Teve como instrumentos de coleta de dados recursos verbais ¢ nio verbais, isto é, foram utilizadas atividades de jogos © modelagens em argila para a representagio do que entendiam por paciente e terapeuta, antes e ap6s 0 contato com aquele. E todas as atividades foram acompanhadas de comentétios verbais posteriores a sua execustio. No final houve um formulério com questdes para saber se haviam tido contato com a clientela antes desta disciplina. Assim, 0 procédimento deu-se di seguinte rmaneira: antes do primeiro contato com © paciente, 08 alunos foram solicitados a representar através da escolha de tum objeto que tivessem_ ali no momento que pudesse representar o que foi denominado por eles de o “caso” (©). Dias depois foram levados a0 laboratério de atividades € recursos terapéuticos de _terapia ‘ccupacional, onde dispunham de uma série de materiais de artes plésticas, artesanais, jogos, brinquedos e foram solictados a montarem o que foi denominado de “it-o” (K), que representava 0 que eles achavam necessério para sefem terapeutas ocupacionais. E para dar mais “consisténicia”, a terceira atividade foi a modelagem em argila do corpo do paciente (PI). Apés cerca de dez semanas, onde cada aluno acompanhou uni paciente, em contatos diretos ¢ individuais, foi solicitada mais uma representagiio do corpo do paciente (P2). E apés essa ‘modelagem, no mesmo dia, em seguida, foi solicitada a confecgio do corpo do terapeuta (T). Dito de outra forma: um dos temas remete-se a0 “outro” - através do “caso”, da primeira e segunda modelagem do paciente; o outro tema esté relacionado 0” e da modelagem do a0 “si-mesmo” - através do “ki corpo do terapeuta, A anilise dos dados foi interpretativa, no sentido de procurar os significados que emergiam através das imagens e das verbalizages sobre as mesmas, tendo sido feita uma leitura coletiva ¢ uma individual de cada participante, Na representacio do “caso”, os resultados foram divididos em dois grandes indicadores: continente © contetido, Por exemplo: agenda, bolsa, estojo, porta 6eulos, cademo; caneta, chave, texto da aula, tesoura, atom, éculos, correntinha com crucifixo, Nesta atividade obtive como “resposta” que paciente 6: importante ¢ alguém por quem se deve ter cuidado © responsabilidade; pessoa por quem se tem muito carinho © afeto; desconhecido. Quatro participantes responderam-o que e como fazer com 0 paciente. E uma aluna falou sobre si. No interjogo entre continente e,contesdo, ou, entre organizago, comipromisso, afeto e “ferramentas” de transformaglo construgo, de modo geral pode-se pensar num interjogo entre eu e 0 outro, entre.conhecer ce atuar. E, talvez. indo mais longe, um interjogo entre ser continente para o paciente e buscar nele continéncia, centre ser instrumiento para cle ¢ vé-lo como instrumento de um vir a ser pr6prio, como profissional. No “kitto” emergiram os seguintes indicadores: 40 Cad. Ter, Ocup. UFSCar, 2000, V.8, 0.1 lidico, utilitio (instrumento/ferramenta), expressio, continéncia/contetido e natureza, Por exemplo: boneco, bola; papel, caneta, agulha; lantejoula, vitral; caderno, caixa; casca de coco, galho de pessegueiro. Em sintese, no “kit-to”, diria que mais do que a necessidade de conhecimento te6rico e estudo, os participantes falaram na necessidade de se ter certos comportamentos € atitudes, responderam mais sobre como ser € 0 que fazer. Em Pl e P2, as representagbes do corpo do paciente sugeriram os seguintes indicadores: forma Jhumana (completa, incompleta, acompanhada por objeto), forma de objeto, forma mista. Em PI os alunos fizeram e falaram do paciente corito um desconhecido, demonstrando ansiedade, raiva ce fiustragdo nesse fazer-representat. De mancira geral, pode-se dizer que em P2 surge ‘menor grau de ansiedade, menor conflito ou que, como houve o contato real, saiu-se do nfvel imagindrio inicial, do desconhecido, do “mistério”, Considero que em P2 0 paciente toma-se mais definido visto em relagdo a PI. Se em PI houve uma expresso de raiva no fazer da modelagem, por causa do desconhecimento, em P2 0 que surge & a expresso da dificuldade de lidar com um outro que também pensa e sente, Provavelmente imaginou-se que, apesar de desconhecido, este paciente era “paciente” e passivo, isto 6, existia um “necessitado” € que este 6 teria de cumprir as deterininagbes do terapenta, que sabia o que era melhor para ele. ‘ Na representagiio do corpo do terapeuta (T) os indicadores que emergiram foram: forma humana (Completa, incompleta), forma de objeto, terapeuta sem ‘ow com paciente (misturados, separados com elo de ligagdo e separados sem elo de ligagio). Globalmente uma observagio pode ser feita: um imero significativo de participantes faz claramente & distingo “eu” “outro” e mantém a possibilidade de Alguns poucos nao conseguem ainda perceber as “fronteiras” ¢ outros poucos tém dificuldade em reconhecer a possibilidade de existéncia de um nitido vinculo. comunicago entre ambos. ‘Quanto a aplicagdo do questiondrio, esta foi feita porque parti do pressuposto que talvez 0 fato de ter entrado em-contato com pessoas com deficiéncia, antes da disciplina ou da experigncia clinica, pudesse , facilitando, a visio do paciente e 0 relacionamento com ele. Mas parece que néo houve necessariamente uma facilitacao. influenci Resumidamente, eu diria Que os resultados obtidos mostram que esses participantes trazem em suas “bagagens” cultural ¢ ertiocional em relagdo as pessoas com deficigneia (como néo poderia deixar de sét) algo semelhante as pessoas de um modo geral e um desconhecimento inicial significativo sobre seu futuro cliente. Significativo porque so estudantes que optaram ‘por uma profissio qué tem como objetivo trabalhar com esta clientela, visando a participagao e integracdo social da mesma. O que deveria talvez pressupor um certo conhecimento prévio sobre. “estas pessoas. Provavelmente seja essa a palavra mais apropriada, isto & a0 invés de desconhecimento, havia, sim, um conhecimento prévio, nijo necessariamente compativel com a realidade, mas resultado de projegves, ‘mecanismos de defesa, além, obyiamente, da presenga de representagSes solidificadas no imaginério social Ou ainda, como diz Faria (1987), o estrinho € re-conhecido por remeter a0 conhecido. Aquilo que 6 Cad. Ter. Ocup. UFSCar, 2000, V.8, n.1 4 realmente estranho € ignorado. O estranhamento € ‘produto da relagio estabelecida com 0 outro, a partir de experiéncias anteriores. Quanto aos desdobramentos no desenrolar da disciplina, verificou-se uma diferenga de visio sobre a pessoa com deficiéncia, mas ainda com um certo rango, uuma vez que se esté falando dé atitude; © 0 que esti impregnado hé tanto tempo, ¢ por varios motivos, no se muda em tio curto prazo (no caso, dez semanas entre a primeira © a segunda coleta de dados), mas propicia ‘um bom inicio para a revise dos valores Assim, ap6s as dez semanas de acompanhamento dos pacientes pelos alunos, de contatos diretos individuais que foram estabelecidos, as colocagées ainda no foram tio diferentes de outras pessoas da sociedade em geral. Mas agora mostravam mais claramente que traziam nas suas “bagagens” antes do contato direto com a clientela © os desdobramentos dessa “pré-histria” no desenrolar da disciplina © dio indicagSes de uma possivel reconstrugio do qué é deficiéncia paciente “indefinido” nem mesmo era “gente”, agora ele passa a ser gente, com emog&es, sentiments € ago. Com a emoedo e 0 sentimento o cliente adquire © “status” de ser humano, © contato mostrou que se estava lidando com uma pessoa, sujeito, individuo, cidadio, Fosse lé como © corpo dele estivesse, ele trazia seus desejos, suas vontades, suas idéias, suas expectativas © suas “bagagens” também, aqui uma indagacio surge: por que achar que pelo fato da pessoa estar com problemas no seu corpo (ou estat com um corpo diferente) ela & passiva e esté passfvel de? Acteditar que na suposta (ou geral) fragilidade de um corpo tudo esté frégil e que nada existe de ativo e agressivo (agressivo entendido como poder de agdo e atividadé) ¢ fruto de mais um conjunto de crengas ¢ valores transmitidos constantemente pelos mais variados meios. E parece que aqui encontramos nossos velhos esterestipos, estigma, Retomaria enfaticamente que idéias preconcebidas bloqueiam relacées, dificultando a percepgo do outro em sua totalidade - onde se incluem, além dos limites, as possibilidade. Se se pensa no outro como coitadinho, conhecidos: preconceito, se age em consondncia com esse pensar, isto passa a ser obstéculo as oportunidades de sua emancipacao. Contrariamente, ao pensar-se nele’ como pessoa. total surge a abertura para intimeras possibilidades. Na tentativa de entender, hé que se considerar 0 componente corpo, ¢ aqui vou recorrer a algumas das idéias de Lowen (1984) sobre isso. Se 0 corpo é entendido como movimento, e enquanto se movimenta expressa vida (6 fluxo intemo de vida), poder-seia dizer dda atragdo e repulsa-que este corpo néo funcional e “deformado” extermamente causaria, como um sfmbolo concreto e extemalizado de imobilizagbes © tensdes Como uni espelho das que so suas (do terapeuta): as imobilizagdes ¢ tenses intemas, de emogo € sentimento, de prazer e dor. Quando falo de repulsa, digo da rejeigio da deficiéncia, da dor ¢ do softimento que este espelhar causa e da impoténcia em nao poder “cura”, de ter que aprender e aceitar a conviver com 0 {que fem ou com o que €. Adicione-se a isso 0 fato atual da primazia do intelecto em detrimento do corpo e da emogo, que faz com que se rejeite cada vez mais 0 corpo como um veiculo de expressiio. © ago de sentimentos, transformando-o em objeto com determinados valores € formas de “parecer”: de beleza, sexo, satide (e de fato niio “ser” nada disso, e ficar 86 na aparéncia). 2 Cad, Ter. Ocup. UFSCar, 2000, V.8, n.1 ‘Como complemento a essas consideragées, diria que a linguagem verbal € um problema, quando entendida como sendo s6 ela “legitima” forma de expressio, até porque hé varios tipos de leituras que podem ser feitas de uma mesma verbalizacao. Assim, coloca-se a necessidade de saber 0 que € de um e 0 que do outro, Mas mesmo havendo uma cilada das palavras, segundo Lowen (1979), 0 corpo tem o potencial de fazer essa recuperacio. Talvez aqui esteja a atragéo por este corpo diferente, que extemamente apresenta dificuldade de ‘movimentago e, no imagingrio, a sua compreensao poderia conduzir & recuperagao da cilada da linguagem, do intelecto, através do que se tem de mais concreto que & © corpo. E, jf que atragéo © curiosidade, com frequéncia, estio unidas, por que nao perguntar: como cesta pessoa pode viver com este corpo quando se fala tanto em beleza, orgasmo e “malhagio"? - ow soja, quando se fala tanto do corpo como objeto. Pode este corpo deformado viver tudo isso? E depois ou ‘concomitantemente: ¢ eu (terapeuta) consigo viver? Para auxiliar na construgdo desta andlise recorsi a idéia de projegdo, isto é, do mecanismo ndo consciente e intencional que ¢ acionado, quando se tem dificuldade em lidar com as verdadeiras emogGes. Através do entendimento do mecanismo de projesao talvez seja possfvel dizer que muito do que foi expresso de inicio sobre 0 que os participantes achavam da pessoa com deficiéncia (alguém totalmente deficiente, sem afetos, sem nada de bom) poderia corresponder a percepsies deles mesmos. Se assim fosse, eles se veriam dessa forma e projetariam essas imagens no outro. Fazendo a leitura dos dados obtidos do ponto de vista dos arquétipos, isto € dos padrées de ‘comportamentos ou imagens instintivas que no foram criadas intelectualmente, percebo através dos dados da pesquisa que aqui trata-se de arquétipos cindidos. Todos ngs temos o arquétipo terapeuta-paciente e saide-doenca que caminham juntos, fazem parte, que so complementares © neste caso, 0 que se verifica 6 que estio cindidos, tendendo a uma polaridade © negando a outra, © que causa desequ‘brio e desarmonia geral na pessoa. ‘Tudo isso configurando-se na procura desésperada da integraga0, da unidade, da recomposigéo do arquétipo cindido; como uma Iuta pela sobrevivencia, uta pelo poder, Iuta pela energia. Assim como o homem ¢ a ‘mulher procuram pelo outro complementar, a mie 0 seu filho, 0 terapeuta procura 0 seu paciente e vice-versa. Outro tema a considerar, a partir de imtimeras ccolocagdes dos alunos, remete-nos a refletir sobre 2 questo da ajuda, Na tentativa de ajudar ou de proteger o outro da dor, do softimento, 0 “ajudador” pode deixar de ser ‘humano ¢ humilde, para se equiparar a um deus - que pode mudar algumas vidas ¢ destinos, que pode controlar tudo. Poder? Onipoténcia - impoténcia? Ambivaléncia? Polaridade? Mas, antes, ajudar quem? O paciente? O terapeuta? para a impoténcia ou o terapeuta foi destituido de seu Cad. Ter. Ocup. UFSCar, 2000, V.8, n.1 8 poder © passa a “se curvar”, “dobrar perante 0 paciente”, ou “est de cabeca para baixo”, ou “tem falhas", ou & “menor que o paciente” (segundo as representagdes nas modelagens em argila) Pensando sobre a questo da ambivaléncia: ‘onipoténcia/impoténcia, desejotecer_algumas consideragées sobre poder, que entendo como tendo um aspect positive © um negative. Positive quando significa expansio, irradiagio da propria energia, expresso de si mesmo. Negativo quando est presente ara manter um “status quo”, oprimindo ¢ desrespeitando 0 outro (e a si mesmo). Claro esté que deve haver uma diferenga em telagio ao conhecimento tebtico, intelectual, adquirido pelo profissional através do estudo, comparativamente ‘em relago ao paciente, o que nio significa que, de posse desse saber, aquele possa dar conta de tudo 0 que se refere a este, ¢ talvez exatamente por nfo poder fazer isso, por sentirse incompetente apesar de seu “saber” (insuficiente) s6 intelectual, 0 profissional, as vezes, chega a0 ponto de precisar acionar defesas, de ter gue apelar para sedugdes, para impor um poder de opressio e obediéncia. Ora bem, 0 conhecimento pode ser entendido como 0 poder de controlar os resultados pela ‘manipulagdo das causas. E mais: isso d4 a impressao de set Deus, e consequentemente diminui a inseguranga. [Na luta pelo poder (ou controle) hé uma tendéncia humana de “roubar” energia de outros humanos, porque nos sentimos to freqentemente esvaziados de energia ¢ isolados. Aqui, novamente, cabe a idéia de arquétipo cindido e a sua tentativa de reconstituigo através do uso do poder. E os seres humanos erroneamente tentam obter energia uns dos outros, 0 que resulta numa sensagdo de escassez, competigdo e luta. Comegamos a abandonar estes hibitos & medida que ficamos mais ‘conscientes da nossa tendéncia de controlar, julgar agradar 0s outros. ‘Ou em outra linguagem, quando desvestimos a Persona (as méscaras), conhecemos a Sombra (0 lado escuro), despersonificamos Anima/Animus (0 lado feminino/masculino), confrontamos inconsciente, emergindo 0 ‘Self (0 centro da sonalidade total), fazendo 0 Processo de fividuacdo (a harmonizago do consciente com o entro interior, 0 Self) - .quando entéo, falamos a consciente linguagem do self e nao do ego. Num primeiro momento, do reflexo, hd, sim, ‘edo e fuga, muitas vezes pela negagio, que seria mais fécil, e digamos que socialmente aceita, de certa forma - isto é, todos sebem, mas fingem que nio, porque afinal, (© meio social também acha que é dificil. ‘Num segundo momento 0 medo faz com que se “tome coragem”, que vai se transformando com 0 passar do tempo, em real coragem. E esta coragem (que subentende também humildade) enfrentamento. Mas enfrentamento de que? Dos medos anteriores, do reconhecimento das mascaras utilizadas, do lado obscuro € oculto que eram as reais negagées significa 0 Ce Cad. Ter. Ocup. UFSCar, 2000, V.8, n.1 projetadas no outro? O que esté projetado, refletido no cespelho no € melhor ou pior do que parece, depende dos olhos de quem vé © de como é entendido, twansformado © (re)integrado na personalidade da pessoa, S6 no dé para ser simplesmente negado, porque ele esté Id, e de uma forma ou de outra, estaré se manifestando, Faz-se de fundamental importancia a consciéncia © capacidade de identificagdo do que & do paciente do que & do terapeuta. Idemtficar as comunicagées entre consciente-consciente, inconsciente-inconsciente consciente-inconsciente, So as projegées, 0 medo, as defesas, que turvam as relagées, confundindo 0 eu com o outro. Quando no se estd de frente, no se vé até 0 que é dbvio, ea relagdo deixa de ser transparente. A forina de se relacionar em partes, por objetos, nfo faz.a gestalt. Nao vé 0 todo. 0 vé, ou sente, ou faz, ou. V6, sente, ouve 0 que quer ver, sentir, ouvir, também. “Cada um retine em tomo de si a sua prépria “familia de almas’: um grupo de pessoas, unidas ou nao [Por acaso ou por puras motivacdes egocéniricas, mas ‘por interesses espirituais mais essenciais e profundos: a individuagao reefproca.” (Franz, 1997, p.192) © terapeuta € 0 paciente fariam parte de uma “familia de almas”, caminhando para uma individuago reefproca? Nesse sentido, os alunos estariam certos em dizer que “o paciente me ajuda também”. E retomando a questo do corpo, entendo que € através dele que fazemos a integragdo entre intelecto € emogao. Lowen (1979) nos diz que 0 corpo sente as cemogées, ¢ estas pertencem a ele; ¢ a mente apenas as reconhece. “E o corpo que se funde em amor, que se arrepia de medo, que treme de raiya, que procura calor e contato. A parte do corpo, estas palavras ndo passam de imagens poéticas. Experienciadas no corpo, elas ‘ganham a realidade que dé sentido & existéncia.” (p.19) Seria entdo o corpo um elemento de expressio, de concretude, de realidade, que quando esté vivo presenta movimento de: abrir-fechar, encher-esvaziar, contrair-relaxar; que para se manter harménico, oscila entre uma ago e 2 outra. Quando ele tende mais para uma das polaridades; poderé causar desequilfbrio, comprometendo o fluxo de energia e 0 movimento. [esse sentido, serd que mais uma vez.o “paciente ajuda"? Através do seu corpo, que atrai e repele, ele estaria ajudando no encontro do intelecto, da emogao © do corpo? Os resultados obtidos nesta pesquisa desvelam uma rede de significagées.e mostram o caminhar, de ‘uma certa forma dificil, dos alunos na formagao do seu Cad. Ter. Ocup. UFSCar, 2000, V.8, 1.1 45 Acredito que, a partir desse conhecimento mais sistemético, seja possivel, com melhores bases, interferir (como faclitador) na experigncia de u primeiro exercfcio de relagio terapéutica, ou até antes, da relago eu - outro, eu - terapeuta ocupacional - paciente, © que isto possa acontecer a partir da pratica, ou sea, através da atividade (da agdo, da vivencia) e da reflexdo sobre essa prética. Gostaria de relembrar que o que, aqui apresentado como sendo de alunos de ‘cupacional encontra correspondéncia, de uma fe ‘geral, com os profissionais de ajuda, com os terapeut como nos diz o antor Guggenbiihl-Craig (1978); este apenas o estudo de um caso especifico, mas que poderia também ser ampliado para outras categoria profissionais. REFERENCIAS BIBLIOGRAFICAS AKASHI, L.-T. Construindo-se como terapeuta ‘ocupacional: da ‘pré-histéria’ das concepgdes sobre o deficiente & possibilidade de ressignificago a deficiéncia. Sio Paulo. 148. Tese de Doutorado. 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Séo Paulo: Summus, 1984. 230p, LYONS, M. Enabling or disabling? Students’ attitudes toward persons with disabilities. The American ‘Journal of Occupational Therapy, 45(4): 311-16, 1991 LYONS, M. & HAYES, R. Students perceptions of persons with psychiatric and other disorders. The American Journal of Occupational Therapy, 41(6): 541-48, 1993, ROUSH, S.E. Health professionals as contributors to attitudes toward persons with disabilities. Physical ‘Therapy, 66(10): 1551-54, 1986. ABSTRACT This is a study about occupational therapy students and their first contact with the patient. Therefore, the purpose of the study was to verify what they bring with themselves, culturally and emotionally, relating to the patient and to their role as therapist. The collecting data was by games and clay modeling activities. The analysis of the data was qualitative. The results unveil a net of meanings and show the way of the students in the formation of their professional role. The way involves professional questions as well as personal and social questions that may interfere in the teaching-leaming, Key words: occupational therapy, activity, patient, therapeutic relation, student Cad, Ter. Ocup. UFSCar, 2000, V.8, n.1 4

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