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lg 3 ‘ 4 4 4 ae ay Tote 5 Anthony Blunt ‘Teoria artistica na Itélia 1450-1600 ‘Tradugio Joo Moura Jr. Cosac & Naify (Capa Michelangelo Buonarot, Dees de ago de Adie, Capea Sina Vaticano, a, Foo: cata Copyright © Oxford University Press 1940 ‘This translation of Artic Theory in lly 1450-1600 + orginally published in Engh in 2940 is produced ‘ow in Portuguese by arangement with Oxford Univesity Pres = [Boa uaducio de Tera Atte na Ila use 16e, Pbliada originalmente em ingls em 1940, 6 edie ‘agora em portuguée mediante acordo com 4 (Onford Univesity Press Caps e projeto griico: Fabio Miguer ‘Traducio:Jofo Moura J Revisfo detexto: Casio Arintes Leite (Cable na Fonte do Depustamento Naconal do Lire Rando Biitcs Nason! Ute Blunt Anthony Aschony Blunt To ania mei esse ‘Tio originale Ate Thy in aly 430 ‘Sho Palo: Cora & Nsify Edges, 200r sm 1505-05 1. Misra do ete feliana 2: Teoria da ate 3-Florofa de ate 30 705.45/701 eee tc ee eee em RS ‘Todos os dicts adguicidor por * Cotse & Naify Eaigdes, 2001 2 ‘Rana General jadi, 70, .° andar 21223 010 Sio Paulo SP Fone: 0~ 11 255-0868 Foco~ 1 255-3364 Infe@eoscnafycom.be 1. ALBERTI? Com a geragio de Brunelleschi, Masaccio ¢ Donatello em Florenga realizou-se um novo ideal de arce, que expressava a5 aspiragSes das mentes mais progressistas da cidade-repaiblica no momento em que ‘esta atingia um ponto alto em seu desenvolvimento. Com o desapare~ cimento dos filtimos resquicios do gético se dé a emergéncia de um estilo que expde 2 nova maneira de o homem ver o mundo, sua segu- ranga humanistica e sua confianga nos métodos da razio, O naturalis- mo floresceu na pintura e na esculttra, mas um naturalismo baseado no estudo cientifico do mundo exterior por meio das novas armas da perspectiva e da anatomia, Na arquitetura, a revivescéncia de formas romanas foi usada para criar um estilo que respondia is demandas da razio humana em substituigio as necessidades mais misicas do catoli- cismo medieval. ‘Tal mudanga na pritica das artes se fazia acompanhar, é claro, de idéntica mudanga nas teorias a seu respeito. Os autores medievais que trataram da pintura se valeram de uma abordagem predominantemen- te teologica, Para eles as artes estavam inteiramente sujeitas& diregio da Igreja;aceitavam a escala geral de valores, que enfatizwvao espiritual ce nio tinha interesse pelo material; por essa razio nio exigiam que ‘0s artistas imitassem o mundo exterior. Seu dever era antes inventar 0 simbolo apropriado para transmitir as ligbes morais ¢ religiosas da Igreja. O pintor era um artesfo que realizava uma fungéo pratica sob a ditegio da Igreja e por intermédio da organizagio das guildas, como qualquer outro artesio. ORIGINAL Sc a ‘A geracio de 1420 via as artes com um espirito bem diverso. Para eles a pintura conssta antes de mais nada na representagio do mundo exterior de acordo com os princfpios da raz4o humana, Sendo assim, rio podiam mais aceitar uma teoria das artes que no reservasse um lugar para o naturalismo ou para o estudo cientifico do mundo mate- rial. As novas idéias que formularam esto mais perfeitamente expres- sas nos escritos de Leon Battista Alberti, cuja inteligéncia universal o tornava particularmente apto a expor uma doutrina que abarcava todos os ramos da atividade humana ~ tanto a vida politica ea filoso- fia quanto a literatura e as artes. Alberti é claro, nfo saltou num mundo totalmente despreparado com tma teoria ja pronta. Houve homens antes dele que sugeriram as doutrinas que ele veio a enunciar com tamanha clateza e perfeigio. Em Cennino Cennini, por exemplo, descobrimos tragos do novo na- tutalismo que jé vinha se desenvolvendo no Tecento, ¢ em Lorenzo Ghiberti surge © novo sentimento em relagio 4 Antiguidade.* Mss esses e outros pontos de detalhe passveis de serem rastreados em auto- res que antecedem a época de Alberti sio apenas indicativos do que cesté pot vir. Seu significado real s6 se torna claro quando os considera- ‘mos em conexio com a totalidade da nova visio das artes e do mundo tal como a encontramos exposta em Alberti Alberti era filho ilegitimo de um comerciante florentino. Nasceu em 1404 em Génova, para onde seu pai se mudara apés a decretagio do exilio imposto a toda a familia Alberti, uma das mais ricas e po- derosas de Florenca, Foi educado no norte da Itlia, principalmente em Bolonha, onde estudou direito, Provavelmente foi para Florenca em 1428, quando a proscrigdo que pesava sobre sua familia foi sus- ‘penta, ¢ os anos imediatamente subseqtientes, que devem ter sido de importincia vital na sua formagio, coincidiram com o fim daquele periodo em que Florence foi dominada pelos grandes comerciantes, que haviam adquirido maior poder do que o que exetceram por quase tum séeulo. s ( restante da vida de Alberti decorreu em Florenga ou seguindo a corte papal,na qual ocupou um posto de secretério de 1432 2 1464 ‘A politica papal, nese perfodo, se concentrava cada vez mais na Iei- lia central, e se flava amplamente na classe mercantil e em seu apoio. ‘A visio de mundo nos circulos papais era também de caréter human- jsta, de modo que Alberti neles encontrou uma atmosfera similar & de sua propria cidade, Florenga. Na sua amplitude de conhecimento, assim como em sua perspecti- vva racional e cientifica, Alberti era um representente tipico dos primei- ros humanists Trabalhou aparentemente com z mesma facilidade nos campos da filosofa, da ciéncia, do saber clissico ¢ das artes. Escreveu panfletos ou tratados sobre ética, aor, eligi, sociologia, diteito, atemitica e diversos ramos das ciéncias naturais,Também escrevew vyersos, ¢ sua intimidade com os clissicos era tal que duas de suas obras, uma comédia ¢ um didlogo 4 maneira de Luciano, foram aceitas como esctitos recém-descobertos dos antigos. Nas artes, praticou e escreveu sobre a pintura, a escultura ¢ a arquitetura. De fato, seu dominio de todas as formas de conhecimento era de tal modo enciclopédico que cle bem mereceu o elogio redigido por um copista contemporineo num manuscrito dos Triv:"Dic quid tandem nesciverit hic vit?” Os pontos de vista de Albert a respeito dis artes dependem em um tal grau de sua atitudefilosfica geral que vale a pena analisar esta élki- ‘ma tum tanto quanto detalhadamente, Seu modo de ver a vida era pre- césamente o dos humanists da primeira metade do século xv, e corres B ponde & concepgio da cidade-estado do modo como ela existia em Florenga antes do triunfo de Cosimo de’ Medici ara Alberti, o sumo bem é o interesse pblico. A ele estéo ligados de forma idéntica tanto os principes quanto os cidadios individual~ mente, © principe deve governar no interesse dos cidadiios, presecvar as, suas liberdades e obedecer is les da cidade, caso conteério se corna um tirano, Acima de tudo, a paz da cidade deve ser preservada, ¢ Alberti condena firmemente as facges que geram as contendas sociais, gragas 4s quail sua familia softeu tanto. Os que exercem cargos junto a0 prin- cipe também devern procurar o bem-estargeral. © juz, por exemplo, cnjas fiangdes Alberti discute detidamente, deve administer 2 lei com firmeza, mas também com moderacio e humanidade, de modo que, por um lado, o interesse piblico e.0 privado sejam protegidos, ¢, por outro, que nenhum softimento ajém do necessiio seja inflgido aque- Jes que infringem as leis. Alguns de seus pontos de vista a respeito da punigdo sio estranhamente modernos; pois, embora admita 0 uso da tortura como meio de se chegar 4 verdade, ele ataca as prisbes ruins de sua época e estabelece o principio de que as prisdes se destinan a re- formar, nio a destruir, o criminoso. ‘Alberti nfo & um republicano estrito. No quinto livro do tratado sobre arquitetara, ele discute as diferentes formas de governo ¢, embo- ra aprove firmemente a cidade-repiblica, nio exclui a idéia de um governo encabesado por um principe, desde que este governe de acor~ do com os interesses da cidade, Mas quando Alberti se refere ao bem piilico, ndo quer dizer 0 bem de alguma entidade abstrata,“o Estado”, e sim o bem de todos os cidaddos que um a um 0 compéem. E esté, portanto, tio interesado no cidado individualmente quanto no prin- cipe ou naqueles que governam para o principe, 0 objetivo primero do individuo & ser um bom cididio, isto & ser- vir seus concidadios tanto quanto possivel. Ele s6 pode atingir tal im pela busca da virtude, e €a métodos de adquirir a virtude que Alberti dlevota a maior parte de seus escritos que tratam unicamente de ética Suas regras podem ser sumarizadas como segue. O individuo deve bus- cat a virtude pela aplicagio da vontade, pelo uso da razio e seguindo a natureza.A vontade fornece a forga propulsora. Um hemem, diz ele, & capaz de realizar aquilo que se propGe a realizar. Mas ¢ somente pelo uso di razio que ele pode saber 0 que deve almejar e o que deve evitar Por fim, o homem deve seguir a natureza no sentido de que deve saber a finalidade com que foi criado, e buscar atingi-Ia; deve descobrir por que a natureza Ihe deu certas faculdades e desenvolvé-hs, a nfo ser que tena certeza de que elas sio més, Assim, por exemplo, Albert acredita gue 0 homem deve almejar o bem espiritual e nfo fcar preso aos sen tidos e as paixdes; deve ser superior is coisas materinise, desse modo, no depender do destino, No entanto, ele se opde firmemente ao estoi- cismo extremo, tal como representado pelo cinismo de Didgenes, jé que o considera contrério & natureza. & inumano no ser tocado por nenhuma emogio de qualquer espécie. O que o hot precisa é de moderago em seus sentimentos ¢ de aproveitar as coisas deste mundo sem se prender a elas, Na verdade, 2 moderagio, que é um dos resulta~ reqiientemente recorrente da doutrina de Alberti. Leva & tranqiilidade de espitito que para ele uma condigo necessiria 3 conduta correta vide. A caracteristica principal da concepgio de vida de Alberti € esse racionalismo, baseado mais na filosofia antiga do que 20s ensinamen- tos do catolicismo. Mas isso nio implica que se opusesse 20 cristanis- dos de se seguir a razio, é o traco mais significativo mo. Ao contrério, ele constantemente Ihe apresenta os seus respeitos, ORIGINAL sc 15 16 ‘mas é diante de uma forma curiosa de cristianismo que se inclina, uma tipica rligiio humanista em que os elementos da filosofia pagi e clés- sica se misturam sem nenhuma dificuldade com dogmas cristios, em que as igrejas sio referidas como “templos” ¢ em que as vezes os “deu- ses” no plural parecem merecer tanta honra quanto o Deus cristio.3 ‘humanizada, mas nio abandonari 0 seu dieito ao julgamento individual sobre cada assunto, Mesmo os antigos, aos quais presta uma reveréncia mais pro- fanda do que 2 quaisquer outros, humanos ou divinos, ele trata em pé de igualdade e nio se sente obrigado a seguir seja 0 seu preceito, sea 0 seu exemplo se 0 seu proprio juizo nio o determinar. Alberti se sente totalmente em casa com essa reli Encontraremos varias das idéias de Alberti sobre esses tema filos6~ ficos e politicos gerais refletidas em seus escritos tedricos no campo estético, mas antes de passarmos a eles devemos considerar as obras de arte que deixou. De sua mio nada sobrevive na pintura e na escultura, mas na arquitetura sua contribuigio é considerivel. Sua posigio é a de um membro mais jovem do grupo que, sob a lideranga de Brunelles- chi, dominou Florenga a época de seu retorno para ld em 1428. Ele continuou o seu trabalho e desenvolven muitos de seus principios um asso adiante, Alberti era um classicista mais profundamente autoconsciente do que Bruneleschi e seus contemporineos. Era mais versado no estudo da Antiguidade do que eles, mais cientifico na aplicagéo do conheci- mento arqueolégico que havia adquirido. Na arquitetura, eliminou os ‘ikimos tracos do gético, que ainda eram to evidentes em Brunelles- chi, especialmente na cfipula da catedral. Era muito mais escrupuloso fem seu tratamento das ordens (cf. figura 1); ¢, no Palazzo Rucellai, adaptou-as para a utlizagio numa fachada de mais de um pavimento, "7 Ste 1. Capitl corinto, De De re aedifentoria, de Albert (radugdo italiana) Floreng, 1550 Jangando mio de uma ordem individual para cada ~ um método que mais tarde foi universalmente adotado. Em outros aspectos, levou adiante a tradigio da clareza de projeto que era um trago essencial da obra de Brunelleschi. Seu projeto para S. Sebastiano em Mantua é tal- veo a planta centralizada de igreja mais maduta de seu tempo, ¢ sua S. ‘Andrea, na mesma cidade, foi a dima palavra em espacejamento liéci- do da igreja de cruz latina. A segunda foi de predominante importin- cia em projetos de igreja por virios séculos. ‘Suas idéias tedricas sobre as artes podem ser encontradas principal- ‘mente em trés obras.A primeira delas é o tratado sobre a pintura, Della pitta di Leon Battista Albert libri te, escrito em 1436 supostamente em Jatim, mas traduzido pelo proprio Alberti para o italiano especialmen- te para Bronelleschi, © segundo € mais importante dos tratados consiste nos der livros de arquitetura, De re aedificatoria, que Alberti comegou possivelmente por volta de 1450, mas ao qual continuow fazendo acréscimos ¢ alteragGes até a sua morte, em 1472.A dltima obra é 0 panfleto sobre escultura, De stata, escrito provavelmente um pouco antes de 1464. ‘Uma ver que a arquitetura é a arte que tem uma ligagio mais pro~ ‘xima com as necessidades préticas do homem, é nas teorias arquitet®- nnicas de Alberti que suas idéias sociais em geral estio refletidas com ‘maior clareza. Ele pensa a arquitetura inteiramente como uma ativida- de civica, No preficio a seu tratado, que é uma espécie de apologia da arquitetura, fla sobretudo da gléria que ela traz cidade em utilidade ¢ ornamento.A arquiterura serve ao comércio, do qual, como era de se esperar, Alberti fala nos termos mais elevados; ela permite & cidade defender-se contra seus inimigos, ¢, a0 inventar agressivas maquinas de guerra, juda-a inclusive a estender os seus dominios. Da arquitetura & eeeeenleseninein seiteeerorcnctimiensctennn smite eerie cidade deriva seus espléndidos edificios piblicos, suas c:sas particulares © os monumentos que mantém viva a meméria dos grandes homens. Sio os princfpios de uma tal arquitetura civil que Alberti expoe em seu tratado, néo uma arquitetura exclusivamente para clientes pri- vados ou prop tanto do individuo quanto da Igreja sejam cuidadosamente conside- radi. A novidade em seu método € que ele elabora um plano para a construgio de uma cidade inteira,e cada detalhe em suas sugestdes se subordina ao projeto principal da cidade como um todo. itos eclesidsticos, embora, é claro, a necessidades (Os trés livros iniciais do tratado so dedicados a assuntos puramen- te técnicos;o primeiro 3 utilizagio do desenho na arquitetura, o segun- do & escolha dos materiais e o terceiro aos principics de estruture. Depois desse preémbulo, Alberti aborda de imediato os problemas que dizem respeto & cidade como um todo, em primeiro lugar a questio da sua localizagio. O local deve ser saudvel, ter um clima temperado, estar convenientemente situado no que diz respeito ao suprimento de égua, ser de fcil defesa e assim por diante Deve, em seguids, ser claramen- te tragado, com boas ruas principais convenientemente conectadas com a pontese poras da cidade, As russ devem ser lrgas o bastante para nio se congestionarem, mas nio a ponto de serem excessivamente quentes.s Além disso, Alberti prope que, se possvel, seam projetadas de modo a que a simetria reine entre as casas de ambos os lados delas,¢ que um projeto padronizado posta ser repetido para toda uma rua (figura 2).¢ Ese & um exemplo de planejamento em larga escala que revela a espantosa predisposigio civica de Alberti, pois tal sugestio so veio a ser posta em pritica nos séculos xvu e xvi, quando a vida urba- na alcangou um estgio muito mais elevado de desenvolvimento.” Est em contraste marcante com o método medieval de planejamento urba- nat So 9 2. Projeto para um mercado, De De re aeatria, de Alberti (radugio italiana), Florenga 1590 no, contra o qual Alberti protesta explicitamente, segundo 0 qual cada familia construfa um palfcio ¢ uma torre sem qualquer preocupagio com seus vizinhos,a nio ser de rivaidade.* “Tendo assim resolvido as questdes que afetam ¢ tragado total da cida- de, Alberti passa a considerar os diferentes tipos ce edificio que nela se instalao, Ele os divide em ts grupos: os eificios pablicos, as casas dos cidadios importantes e as casas do povo.? Sobre o primeito tipo ele € rnuito meticuloso e dé os mais completos detalhes a respeito do planeja- mento e construgio de pracas, torres, pontes, palcios de justia, igrejas e teatros, que devem todos ser realizados com 0 maximo de esplendor possivel, como convém § dignidade da cidade. As-casas dos cidados principais também devem ser dignificadas, mas evitando qualquer osten- tagio ¢ apoiando-se mais na beleza do projeto 2 na conveniéncia do arranjo do que no tamanho ou no ornamento.** Caso contritio provo- cario'a inveja de seus vizinhos, ¢ a harmonia de tcdo o projeto seri per tarbada.As casas dos cidados mais pobres devem ser construidas obede- cendo 20 mesmo plano daquelas dos cidadios mais ricos, mas numa scala menor e mais modesta, de modo que a diferenga de posigdes entre 6 cidadios mais ricos ¢ os mais pobres nfo seja demasiadamente marca- ca," Em cada um desses casos Alberti dé regras bustante completas para os prédios que propde, ¢, em consegiiéncia, os meimos principios apare- cem tanto em cada detalhe quanto no plano total da cidade. Nos outros escritos de Alberti sobre as artes seus pontos de vista sociais e éticos nfo se acham tio claramente refetidos, mas em todos eles encontramos o espirito do humanismo racional caracteristico de suas obras filos6ficas, Alguns de seus antecessores, como Cennini e Ghiberti haviam sus- tentado que o artista era um individuo independente, que devia estar a a par das artes liberais, e ninguém seria capaz de por em pritica esse principio com mas perfeigio do que Alberti. Sua concepgio do arqui- teto surge mais claramente na definigZo que dé no preficio de seu livro sobre a arquitetura: [Antes de prosseguir, acho que seria conveniente dizer a quem exata- mente eu chamo de arquiteto; pois nfo colocarei diante de vbs um cat- pinteiro € vos pediiei que o vejais como o equivalente de homens pro- fandamente versados nas outras ciéncias, embora seja verdade que 0 hhomem que trabalha com as suas mios serve como instrumento pars 0 arquiteco, Chamarei de arquteto aquele que, com ratio e preceito segu- ros maravilhosos, sabe em primeiro lugar como dividir 2s coisas com sua mentee inteligéncia, e,em segundo, como, 0 levar a cabo sua tare- fa, colocar corretamente juntos todos aqueles materiais que, pelo movi- mento dos pesos e a associagio e acimulo dos corpos, podem servir com sucesso e dignidade is necessidades do homem. E, ao levar a cabo essa tatefa, ele precisaré do conhecimento maior e que mas excele Sua definigdo do pintor é menos elaborada, mas também aqui é sew desejo que ele esteja a par de todas as formas de conhecimento que so relevantes para a sua arte, particularmente a histéria, a poesia © a matemitica."3 Bsa é a definigGo mais completa do artista como um homem envol- vido numa ocupagio cientfica que pode ser encontrada no comego do Renascimento; ¢ essa concepgio percorre a totalidade dos escritos de Alberti. Cada um dos tratados sobre as artes comega com uma afirmacio ca base cientifica da arte em questio, No caso da arquitetura, por exem- plo, primeito livro é dedicado sobretudo 3 importincia dos desenhos, ue Alberti vé como 0 elo entre a arguitetura e a matemética. O segun- do lida com o conhecimento dos materiais necessiios para construis, ¢ © terceito com os métodos de construgio. Eses t8s livros cobrem os, dois aspectos do estudo cientifico da arquitetura — primeito o puramen- te tedrico ¢ em seguida o tenico, No tratado sobre a pintura, o primei- 10 livro € dedicado & matemitica ¢ aplicagio da geometria & pintura sob a forma da perspectiva. ‘Nessa base sélida da ciéncia, Alberti constréi uma estrutura das artes igualmente cientiica.“As artes”, di, “sio aprendidas pela razio e pelo método; sio dominadas pela pritica”,™ € isso quase que poderia ser tomado como o lema do livro. Segundo ele, o artista deve se apoderar os principios fandamentais de sua arte por intermédio da razio; deve estudar as melhores obras produzidas por artistas de épocas anteriores 4 sua; e, por esses meios, estard apto a formulas preceitos sobre a préti- ca das ates que, no entanto, devem estar sempre combinados i expe- rincia pritica A abordagem cientifia de Alberti é apenas parte de seu humanis- mmo geral, pois a ciéncia 6 0 melhor fruto da aplicagio da razio huma- na a0 estudo do mundo. Quase nio hé nele trago das preocupagdes teolégicas que dominavam o pensamento dos escritores medievais, Suas definigbes das artes nfo incluem nenhuma referéncia a religiio e esto inteiramente expressas em termos humanos. No cso da arquite- tara, s6 de passagem ele se refere & sua utilizacio a servigo da Igreja Sua proposta bisica @ de que “Os edificios foram construfdos por causa dos homens", ¢ ele desenvolve essa idéia a0 afirmcr que os edifi- cios io feitos tanto para satisfazer as necessdades da vida como para a conveniéncia das ocupacées dos homens ow para deleite destes.16 Sua atitude com relagéo & pintura é 2 mesma. Para ele, a pintura histérica, isto 6, qualquer pintura de temas, em oposigio 4 de figuras individuais, ORIGINAL sc 23 €0 tipo mais nobre de pintura, em parte por ser o género mais dificil ¢ aquele que exige competéncia em todos os outros," mas também porque dé uma imagem das atividades do homem, como uma histéria escrita."E posto ficar perfeitamente parado olhtando uma pintura [..] sem menos prazer para a minha mente do que se eu estivesse lendo ‘uma boa historia; pois ambos sio pintores, um pintando com palavras 0 ontro com o pincel”.** Uma pintura historica afeta o espectador profindamente porque as emogGes que ele ai vé representadas serio nele despertadas; ele ri, chora ou se arrepia na medida em que os que estiverem representados na.pintura demonstrem alegria, tristeza ou pavor.® Por essa razio, Alberti atribui grande importincia & habilidade do pintor para explicar uma agio e para mostrar as emog6es por meio dde um gesto ou pela expressio do rosto2® Nas artes como em todos os outros campos, ese humanismo se combina com uma forte admiragio pela Antiguidade clissica. Ghi- berti havia expressado sua admiragio pelos antigos em termos gené- ricos e 0s havia citado com ffeqiiéncia, mas nio tinha por eles caulto absoluto que caracteriza Albert. Ji se disse que, quanto a0 esti- lo, 0s edificios de Alberti esto mais estritamente de acordo com a pritica da antiga arquitetura romana do que qualquer obra de seus predecessores, € em seus escritos tedricos encontramos o mesmo cspirito. Os antigos aparecem 0 tempo todo. A imagem que cle fornece da cidade ideal é quase que inteiramente composta de ele- ‘mentos tirados da Antiguidade. Os modelos que cita para os edificios, plblicos ou privados, sio quase sempre aqueles que viu em Roma ou leu a respeito em autores antigos;¢ as autoridades a que se refere no que diz respeito a qualquer método que recomende sio os histo- riadotes e fil6sofos da Grécia e de Roma Podemos ver por suas descrigdes que ele tinha um conhecimento {timo das ruinas da arquitetura antiga na Itlia, € que os havia estuda- do primeiramente do ponto de vista da estrutur: do planejamento. Queria compreender os princfpios verdadeiros de arquitetura romana, endo apenas estar apto a reproduzir um prédio que externamente parecesse clissico mas por dentro obedecesse a um projeto gotico. Iso nio significa, porém, que ele negligenciasse a questio do ornamento e da decoragio, ¢ um dos aspectos mais tipicos do tratado & que ele contém a primeira exposigio da utilizagio das Cinco Ordens na Itélia desde os tempos classicos. Brunelleschi e seus contemporineos tinham- nas usado em seus prédios, mas sempre com grande liberdade, ¢ nio havia evidentemente nenhum cinone reconhecido para as proporgSes de suas diversas partes. Comparado com tratamentos posteriores das cordens, o de Alberti parece simples ¢ superficial, as deu um novo fan- damento para a sua utilizagio correta. ‘Mas embora Alberti possuisse um conhecimento verdadeiramente vasto e em primeira mo da arquiterura antiga, jumais foi pedante ou suubmisso 20 aplici-lo. Considera os antigos os melhores modelos, mas jamais encorgja o arquiteto modemo a imité-los cegamente, Pelo con- twirio, aconselha-o a tentar introduzir sempre em seus projetos algo inteiramente de sua prépria invengio.* Afirma ter achado a informa- Gio obtida de Viteivio extremamente titi? mas esté longe de erigi- Jo em autoridade definitiva, Na verdade, numa ocasiio chega a falar dele com muito pouco respeito, queixando-se de que seu estilo é tio obscuro ¢ confuso que é quase impossivel entender o que quer dizer.4 Nesse como em outros assuntos, portanto, Alberti se reserva 0 direito de julgar cada problema que surge diante de si de acordo com 0s méritos préprios. 2s 26 © método racional e cientifico que, como vins, Albert persegue na arquitetura surge em conexiio com 2 pintura e a escultura na forma de uma nova concep¢io de reaismo. O émmago de seus pontes de vista acer- ca das artes representacionais se,acha em sua teoria da imitago da namu- reza,¢ & aqui que o seu realismo pode ser tragado com maior clareza. Em certos contextos, ele define a pintura em termos de um naturlis- smo absolutamente ilimitado:“A fungio do pintor & transmitir.com linhas «cores, num determinado quadro ou parede, a superficie visivel de um corpo qualquer, de modo que, uma certa distincia e de uma certa posi- do, ela paresa estar em relevo e ser idéntica a0 proprio corpo”.* Mas, em-outtas ocasides, ele & mais cientifico e define a pintura como a imita- fo de uma intersecio da pirimide que todo corpo subtende aos olhos de um -observador* Ele até inventou um estratagema para registrar a aparéncia de uma tal intersecio, ou seja, uma rede que o pintor situava centre cle proprio e 0 objeto a ser pintado, e na qual poderia tragar com precisio os contornos que surgiam através dela.» Essa idéia da pirémide que conduz do objeto visto a0 olho-é o fiundamento da perspectiva li- near, de tal modo que a rede de Alberti é apenas um método para regis- trata visio: correta de um objeto de acordo com a perspectiva linear; tem, no-entanto, a desvantagem de s6 poder ser aplicada a cenas que 0 olho vé. Quando.o pintor se punha a construir composigdes de coises aque nio-vita, sentia necessidade de um estratagema mais eficiente, € este cera suprido pela integra da teoria da perspectiva que Alberti expde nos, dois primeiros livros de seu tratado sobre a pintura. ‘Mas, apesar de a imitaglo exata da natureza sera primeira fungo da pintura, esta tem outra€ mais importante tarefi. O pintor deve tornar sua obra bela além de acurada,e a belezs no deriva necessariamente da exa- Lido da imitagio, como Alberti mostra a partic do exemplo do pintor antigo Demétrio, “que deixou de atingir o mais alto grau da gléria por- que se preocupou muito mais em executar pinturas que eram fidis natureza do que em faz@-las belas” >A beleza, portanto, aio @ uma qua- lidade inerente a todos os objetos naturais, embora a natutezaseja ania fonte da qual o artista pose derivi-la, Sendo assim, o ata no deve usar 4 natureza indiscriminadamente: “Devemos sempre trar da natureza 0 aque pintamos,¢escolher dela sempre as coisas mais bes" Esse proces- so de selecio ¢ essencial porque, “mesmo & natuteza,raramente & conce- dido produtir algo absolutamente perfeito em todas a suas partes” [Alberti nfo define e descreve explicitamente essa beleza que é ina tingfvel na arte pela mera imitagio, No tratado sobre a gintura, ele nfo desenvolve 0 assunto, mas evidentemente assume que os seus leitores reconhecerio a beleza quando a virem, No posterior e muito mais elz- borado De re aedifzetora, ele da duas definigGes de beleza que sio apro- ximadamente as que podem ser encontradas em Vitrivio, Numa dela, descreve a beleza como “uma cerca harmonia regular de todas as partes, de uma coisa, a tal ponto que nada pode ser acrescennido ou retirado sem torné-la menos agradivel”.»t Na segunda definigo, ele diz :“A boeleza & uma espécie de harmonia e concordincia de todas as partes para formar um todo que & construfdo de acordo cem um niimero fixo,¢ uma determinada relagfo ¢ ordem, tal como a simetria, a mais alta e mais perfeita lei da natureza, exige”.» Talver seja mais importante coutra passagem no mesmo tratado na qual desenwvolve a idéia, novamen- te referindo-se & arquitetura: ‘Aquilo que nos agrada nas coisas mais belas'e encantadoras brota quer seja de uma inspiragio racional da mente, quer da mio do artista, ou centio é produzida pela natareza a pattir de matérias-primas.A tarefa da ORR a” 28 mente é2 escolha, divisio, ondenagio e coisa desse tipo, ue dio digni- dade 3 obra.A tarefa da mio do homem é reunir, acrescentar,subtrair, delinear, executar cuidadosamente e coisas que tais, que dio graga 3 obra. Da natureza, as cosas adquirem peso, leveza, espessura e pureza.3 Creio que podemos supor que Alberti admitiria uma concepgio paralela da pintura, em que a mente controlaria a disposigo, a mio contribuiria com a habilidade na técnica e a natureza acrescentaria a riqueza de matéris-prima; embora,a partic do que ele diz em outro lugar a respeito daqueles que perdem seu tempo utilizando ouro ¢ cores ricas na pintura ¢ dio pouca atengio 3 habilidade em sua utliza- 40, parece provivel que,20 contririo dos artistas medievais ele atri- buia pouca importincia ao papel que a natureza ocupa na pintura 20 suprir boa matéria-prima, Alberti considera que a beleza proporciona prazer & vista, e & em. parte por esse meio que podemos reconhecé-la. Mas nio identifica 0 reconhecimento da beleza com esse sentimento, No tratado sobre a arquitetura, cle distingue explicitamente entre os dois processos de gostar de uma coisa e julgé-a bela, Estése referindo a0 gosto das pes- soas pelas mulheres, como uns as preferem gordas, outros, magras, outros nem uma coisa, nem outea: Mas, pelo fato de gostardes mais de um tipo ou do outro, series capazes de sustentar que as outras nfo sio nobres e bela nas formas? Certamen- te que no, Que temas gostado desta mulher em particular & resultante de alguma causa, mas, que causa Sea, ndo tentarei descobri, Mas quando julgais a respeito da beleza, isto nfo depende da mera opinigo, mas de tum certo juizo inato em nossas mentes (anim inataquaedan nati). 'B em outro local ele dstingue entre o gosto pessoal e 0 juizo segun- do o qual uma coisa é bela: ' ‘Muitos [...] dizem que nossas idéias sobre a beleza e a arquitetura io inteiramente falsas, sustentando que as formas dos prédios sio varias ¢ nutiveis de acordo com o gosto de cada individu, ¢ independentes de qualquer regra da arte, Trata-se de um erro comum da ignorinciaafr- iar que o que ela nio sabe nio existe.” “Tudo isso pode ser resumido se dissermos que Alberti acredita que co homem reconhece a beleza no pelo mero gosto, que é inteiramen- te pessoal ¢ varidvel e que julga segundo a atratividade, mas por uma faculdade racional que ¢'comum a todos os homens € conduz a um consenso geral sobre quais obras de arte sio belas A beleza, na verda- de, 6 detectada por uma faculdade de juizo artistico. artista deve se esforgar para introduzir 0 maximo possivel do belo © o minimo possivel do feio em suas pinturas, Antes de mais nada, ele deve esconder ou deixar de fora quaisquer imperfeigdes em seu modelo; ¢ essa dissimulagio de falhas é, de acordo com Alberti, a fungio especifica do ornamento.#* No estigio seguinte, 0 artista deve selecionar cuidadosamente todas as partes mais belas dos varios mode~ Jos que tem diante de si, de modo a combind-las rum tinico todo per- feito:"Ele deve retirar de todos os belos corpos aquelas partes que so especialmente elogiadas[...] 0 que seri dificil, pois a beleza perfeita rio nunca encontrada num s6 corpo, mas se acta espalhada e disper- sa.em varios corpos diferentes” 9 [No livro sobre a escultura sua teoria se acha mais desenvolvida. O livro termina com um quadro das proporgées de um homem, que € prefaciado pela seguinte passagem: » 30 [Nos demos ao trabalho de anotar as principais medidas de um homer. Nio escolhemos, no entanto, este ou aquele corpo individual, mas, na medida do possivel, tentamos observar anotar por escrito a beleza smaiselevada espalhada, como em porgdes calculadas entre virios cor- pos. [...] Escolhemos um niimero de corpos considerados pelos expe- rimentados os mais belos, e tomamos as dimensdes de cada um. Eles foram comparados entre sie, deitando de lado as medidas extremas ‘que se achavam acima ou abaixo de certos limites, escolhemos aquelas que a concoiddincia de muitos casos mostrou sera média.® Isso revela um novo aspecto da teoria da imitagio de Alberti: 0 dese- jo de fazer com que suas figuras se conformem nao s6 com o que hi cde mais belo na natureza, mas também com o mais usual, o mais geral ou o mais tipico. Essa identificagio do belo com o tipico na natureza implica uma renga na concepgio aristotélica da natureza como um artista perse- guindo a perfeigdo ¢ sempre impedido de atingi-la por acidente.t! De aconlo com essa concepcio, o artista, a0 eliminar as imperfeigées nos objetos naturais ¢ 20 combinar suas partes mais tipicas, revela o que a natureza est o tempo todo almejando mas é sempre impossibilitada de produtir, Albert simplificou as nogdes de Aristateles sobre essa questio, pois ele chega & beleza-tipo por um processo de maior ou menor deter rminagio da média aritmética, enquanto que em Aristételes std envolvi- da alguma faculdade mais proxima da imaginacio. Essa mesma técnica prosaica de determinar a média, porém, ¢ caracteristica de Alberti e mostra o quanto ele estava distante de qual- quer espécie de concepcio idealista ou neoplaténica, Resultado do que ele diz a respeito de escolher o melhor e o tipico na'natureza é que o-attista & capaz de eriar uma obra que é mais bel: do que qual- quer coisa nessa mesma natureza. Mas, para Alberti iso s6 pode ser feito por uma série de processos que, todos, mantém o artista em con- tato o mais proximo possivel com a natureza,¢ isso é feito sem qual- quer apelo a imaginagio. A importincia disso surgiré quando 0 desen- volvimento da estética no século xvr for considerado. Por ora é 0 bastante notar 0 quanto Alberti é consistente em sua fdelidade 8 natu- reza, Quase no final do tratado sobre a pintura, depois de ter aconse- thado o artista a escolher apenas o melhor da natureza, ele imediata- mente se apavora por ter talvez ido muito longe e hhnga um aviso Aqueles que pensam poder negligenciar a natureza e confiar em sua propria habilidade e imaginacio. Eles tomario a trilla errada, diz, da qual jamais Conseguirio se livrat.# ‘Alberti varia um pouco no sentido que di palavra “nacureza”. No tritado inaugural sobre a pintura, parece ein geral quzrer dizer com isso simplesmente 2 soma dos objetos materiais nio feitos pelo hhomem. Nas obras posteriores sobre a escultura, ele perece assumir 0 ponto de vista vagamente aristotélico discutido acima. Um dos resul- tados mais curiosos a que a aceitagio, por Albert, desta definiglo de natureza o leva é a'descrever a arquitetura como urna imitagio da natureza, idéntica as artes diretameente representacionais.A idéia que subjaz a esse ponto de vista é de que a natureza age de acordo com certas leis gerais ¢ segundo um método ordenado. O objetivo do anquiteto &, portanto, infundir em suas obras algo dess: ordem e desse método que encontramos na natureza, Os antigos anguitetos, diz ele, “yastentavam acertadamente que a natureza, 0 maior de todos os artis- tas na invengio de formas, ta sempre 0 seu modelo. Sendo assim, teu niram, tanto quanto era humanamente possivel, as ‘eis segundo as ORIGINAL uw 3a quais ela trabalha em suas produgdes e as introduziram em seu méto- do de construgio" 48 Os prinefpios a que Alberti se refere sio defini- os por qualidades como harmonia (concinnits), proporgdo,simetria.4 ‘Nao hé nada de espantosamente original nesse ponto de vista, que é feito de idtias tomadas de empréstimo a Aristételes e Vitrévio, mas Alberti no estava interessado sobretudo na especulagio estética abs- trata, ¢, quando se pie a discutir essa qualidades extremamente gerais, com fieqiiéncia se apropria de teorias tradicionais dos antigos. Ele pro- prio distingue as leis que governam a beleza dos edificios como um todo, que slo derivadas da filosofia, daquelas que lidam com as partes do edifcio, que, baseadas na experiéncia, io propriamente a ocupacio do arquiteto ¢ o verdadeiro fundamento da arquitetura.« Quando Alberti desenvolveu pela primeira vez a sua filosofia, esta~ va em perfeita concordincia e simpatia com muitos dos melhores pensadores de Florenca. Mas quando retomou contato com a socieda- de florentina nos iiltimos anos de sua vida, entre 1464 e 1472, se dew conta de que a vida e a cultura af haviam mudado. Os Medici agora controlavam totalmente a cidade, e, ob o seu dominio autocritico, a vida se tornara mais luxuriosa.A filosofia dos homens também havia mudado, Pois a cultura florentina do final do Quattrocento era domina- da pelos neoplatdnicos, encabegados por Marsilio Ficino ¢ Pico della Mirando AA relagio de Alberti com o platonismo é um tanto quanto comple- xa, Muitas das idéias fimdamentais de sua filosofia sio, em éltima ins- tncia, de origem plat6nica, e Alberti muito provavelmente as romou de empréstimo aos seguidores florentinos de Platio do século xav € comeco do xv, como Petrarca ou Bruni, Sua no homem e na von- tade humana, sua doutrina de seguir a natureza, sua concepgio do principe ¢ muitas outras de suas opinides podem ser rastreadas nos escritos dos primeiros admiradores humanistas de Platio, tais como Salutati.# Mas no final do século xv a filosofia dos olatonistas de Flo- renga tinha mudado inteiramente, Sob a influéncia de Cosimo e de Lorenzo de’ Medici, a Academia Platénica se havia desenvolvido, mas tendera a prestar ainda mais atencio aos escritos dos intérpretes ale- xandrinos de Platio do que ao proprio filésofo, Ficino e Pico estio ‘mergulhados no misticismo, derivado em parte de Plotino e em parte de origens orientais. Ese neoplatonismo mistico fhi encorajado por Lorenzo de’ Medici, talvez. em parte por razBes peliticas, Seja como for, certamente serviu a seus fins; pois os neoplaténicos a essa época punham muito mais énfase na vida contemplativa do que na ativa; e condiz com um autocrata manter os homens que pensam 0 quanto possivel fora da politica ativa, de modo que ele possa gozar de seu poder absoluto sem ser perturbado, Alberti parece nio ter simpatizadd muito quer com os métodos de Lotenzo, quer com o tipo de neoplatonismo mistico que ele encoraja~ va. As vezes é tido como um defensor dos neoplatCnicos sob o argu- mento de que estava envolvido em varias de suas polémicas, Mas sua concordincia com eles parece limitar-se &s doutrinas que sustentavam em comum com platénicos anteriores, nio se estendendo aquelas idéias mifsticas que Ficino e Pico haviam acrescentado, Nada podia ser menos mistico do que a forma de pensar de Alberti Ele acreditava mais do que tudo na importincia da vida ativa, e ackava que cidadio devia contribuir palpavel e materialmente para o bem da cidade.” De ato, para os florentinos do final da década de 1640, Alberti devia pate- cer uma reliquia do periodo herdico de trinta anos antes. Em sua Glti= ‘ma obra, De idarchia ele condena a luxiria da cidade e ataca 0s Medi- 33 34 ci quase abertamente, afirmando que o poder excessvo desperta viios num homem, lembrando-lhes que 0 principe esta sujeito as leis da cidade e deve preservar a8 liberdades dela, ‘Visto em relagdo a seus predecessores, as principals caracteristicas de [Alberti sfo o seu racionalismo, o seu classicismo, seu método cientifico ce sua completa f& na natureza, Em telagio aos neoplaténicos do final do Quattrocento,o trago que mais se destaca € a auséncia total de imagi- nagdo em seus escritos. Tudo é atribuido a razio, 20 miétodo, a imitacio, 43 mensuragio; nada 4 faculdade eriativa. E isso € bastante logico. Os artistas do inicio do Quattocento cujas idéias ele expressa estavam intei- ramente ocupados em explorar o universo visivel que s6 recentemente hhaviam descoberto. Aquilo de que necesstavam era orientacio pritica, no especulagio abstrata;¢ foi exitamente iso o que Alberti Ihes deu. Foi apenas no século seguinte que 2s doutrinas neoplaténicas entrar efetivamente em contato com a teoria da pintura, de modo mais not vel na figura de Michelangelo, cujo primeiro treinamento se dew no circulo de Lorenzo de’ Medici. Com ele, o artista se torna pela primei- ra ver “o Divino”, ¢ a concepgao pritica da arte defendida por Alberti & luger a uma doutrina mais elevada oO + Para detalhes dos varios textos a que este capitulo e os seguintes se referem, e para livros ¢ artigos que Tidam com o assunto tratado, ver Bibliografa, is piginas 210-16. 2 Pata os predecessotes de Alberti cf. os trabalhos seguintes: para Cen- ‘ini, I libro della, ed. por DV-Thompson (1933); para Ghibert, I com- mentari, ed. por Schlosser (1912); para 0 Tien € 0 inicio do Quatro cento em geral, J. von Schlosser, Praludien,¢ os seguintes artigos de L. Venturi:“La critica d'arte e Francesco Petrarca”, L’Arte,xxv;"La criti- ca arte nel Trecento € nel Quatrocentto”, L’Arte, xx; “La critica arte al fine del Trecento”, L'Arte, xxv, >) CE De re aed. livro vu, capitulo 3. + De re aed. livro tv, capitulo 2. 4 Ibid, livo 1, capitulo 5. 6 Ibid, livro vin, capitulo 6, 7 Em certo sentido, ele estava apenas dando forma sistemiética a uma ten- <éncia jd visivel na arquitetura italiana do século xv. Virias cidades do norté da Itilia,tais como Cremona e Piacenza, inham pragas centrais ‘em volta das quais estavam agrupados os principsis pridios piiblicos. Mas € apenas no século xv que encontramos um proje:o padronizado repetido a0 redor de uma praca, como na Piazza S, Macco em Veneza, ou aque em ffente 4 Annunziata em Floren, ambas x guais foram cem grande parte projetadas no Quattrocento, Os planos de Pio mt para Pienza mostram algo do mesmo espirito, e as idéias de Nicolau V de ligar S. Pietro com o Castel S. Angelo, nas quais Albert estava envolvi= do, um projeto do mesmo género ainda mais ambicioso, * De re aed.,livro vmt, capitulo 5 9 Ibid, livro1v, capitulo 1 "© Ibid, livro vat, etc. © Ibid, livro 1x, capitulo r Alberti entende por cidadios peincipais aque- les queso responsives pelo governo da cidade as gulifcagBes que cexige para isso sio extremamente tipicas:ou a sabedoria, que permitisd um homem crit leis e supervisionar a vida religiosa da cidade; ou a experiéncia, que Ihe daré um lugar no executive; ou a riqueza, que traz prosperidade i cidade ¢ & tnica e tornar possivel eos autros dois gru- a

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